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Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Mestrado em Comunicação nas Organizações Relações Públicas e Imagem O impacto das novas tecnologias da comunicação e da informação na gestão de crises organizacionais 1

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Page 1: O impacto das novas tecnologias da comunicação e da informação na gestão de crises organizacionais

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

Mestrado em Comunicação nas Organizações

Relações Públicas e Imagem

O impacto das novas tecnologias da comunicação e da informação na gestão de crises organizacionais

Magda Sílvia Perdiz Pimentel

Ano Lectivo 2010 – 2011

1

Page 2: O impacto das novas tecnologias da comunicação e da informação na gestão de crises organizacionais

ÍNDICE

Introdução………………………………………………………………………………..3

1 - A crise organizacional………………………………………………..……………...4

2 - A gestão de crises organizacionais…………………………………………………..5

3 - As novas tecnologias da comunicação e da informação - a Web

2.0………………………………………………………….……………………….…...7

4 - O impacto das novas tecnologias da comunicação e da informação na gestão de

crises organizacionais…………………………………………………………………..8

4.1 - Casos de estudo - United Airlines………………………………………………..10

4.2 – Casos de estudo – Ensitel………………………………………………………..11

Conclusão……………………………………………………………………………...15

Bibliografia……………………………………………………………………………16

INTRODUÇÃO

Gerir crises há alguns anos é diferente de gerir crises actualmente. Com o

desenvolvimento das novas tecnologias da comunicação e da informação e com as

alterações introduzidas pela Internet surgiram novas formas de participação na esfera

pública. Através de plataformas como o Facebook, o Twitter, o Blogspot ou o Youtube, o

cidadão comum pode analisar factos, trocar informações e criticar um determinado

acontecimento.

Gerir crises actualmente significa estar atento a todas as informações que circulam

sobre um determinado produto, serviço ou organização. Uma instituição pode entrar

numa situação complicada e consequentemente ficar com a reputação enfraquecida se

não souber identificar e analisar as principais notícias e opiniões que sobre ela circulam

na Internet. Para além disso, também necessita de saber monitorizar e controlar as suas

páginas nas redes sociais, saber lidar com o seu público online e medir o impacto das

novas tecnologias na gestão de crises organizacionais.

Tendo em conta esta realidade, procuro com este paper perceber o impacto das novas

tecnologias da comunicação e da informação na gestão de crises organizacionais. Como

tal, pretendo definir o conceito de crise sugerido por vários autores e distinguir as suas

diferentes tipologias, apresentar abordagens de possíveis formas de gerir a crise

organizacional, reflectir sobre as vantagens e as desvantagens da utilização da Web 2.0

na gestão das crises e analisar casos de empresas que não souberam medir inicialmente

2

Page 3: O impacto das novas tecnologias da comunicação e da informação na gestão de crises organizacionais

o impacto da Internet no desenvolvimento de uma crise.

1 - A crise organizacional

A palavra “crise” possui diferentes significados em enciclopédias e dicionários. Do

ponto de vista da comunicação organizacional, o conceito é apresentado como sendo

um acontecimento extraordinário que afecta a integridade do produto, a reputação ou a

estabilidade financeira da organização.

João José Forni1, no livro A Comunicação em tempos de crise, descreve a crise como

“acontecimentos que, pelo seu potencial explosivo e inesperado, têm o poder de

destabilizar organizações e governos e suscitar uma dimensão negativa.” Forni

acrescenta ainda que “crise é tudo aquilo que afecta as organizações ou as pessoas com

potencial para gerar um ‘passivo de imagem’. Compromete resultados, afecta o

desempenho, atinge terceiros, acaba com reputações, ameaça a integridade, o prestígio

ou a sobrevivência da organização.”

Otto Lerbinger2, no livro The crisis manager define-a como “um evento que traz ou

pode vir a trazer à organização uma futura ruptura nos seus lucros, no seu prestígio e

possivelmente na sua existência.”

Timonthy Coombs3 é da opinião que “uma crise é a percepção de um evento não

previsto que ameaça as expectativas importantes dos stakeholders, que pode ter um

impacto sério sobre a performance organizacional e que pode ter consequências

negativas.” Já Kathleen Fearn-Banks4 considera que “é uma ocorrência negativa e

imprevisível que, afecta a organização, instituição ou empresa, os seus públicos,

produtos, serviços e reputação.”

O Institute for Crisis Management classificou a crise em 2006 como “uma ruptura

empresarial significante que estimula uma grande cobertura dos media. O resultado do

exame minucioso feito pelo público afectará as operações normais da organização

1 FORNI, João José, Comunicação em tempo de crise, Assessoria de Imprensa e Relacionamento com a Mídia, São

Paulo, Atlas, 2003

2 LERBINGER, Otto, The crisis manager: facing risk and responsibility, Mahwah, New Jersej: Lawrence Erlbaum

Associates Publishers, 1997

3 COMBS, Timothy W., HOLLADAY, Sherry J., The randbook of crisis communication

4 FEARN-BANKS, Kathleen, Crisis communications: a case book approach

3

Page 4: O impacto das novas tecnologias da comunicação e da informação na gestão de crises organizacionais

podendo ter um impacto político, legal, financeiro ou governamental nos negócios.”

Assim, a crise é um acontecimento extraordinário que afecta a integridade do produto,

a reputação, os públicos e a estabilidade financeira da organização. Trata-se de uma

mudança repentina entre duas situações, que coloca em risco a imagem e o equilíbrio de

uma instituição.

Segundo Lerbinger existem sete tipos de crises, organizadas em três categorias: crises

do mundo físico (crises naturais e tecnológicas), crises de origem humana (crises de

confronto, de malevolência e de inconveniência de valores administrativos) e crises de

falha administrativa ( crises de decepção e de má administração). Uma abordagem

diferente é usada por Roberto de Castro Neves5, no livro Crises Empresariais com a

Opinião Pública, que propõe a classificação por públicos: crises com consumidores,

clientes e usuários; crises com o público interno; crises com investidores; crises com a

comunidade e crises com o poder público.

De acordo com Mateus Furlanetto Oliveira6, no livro Converter a crise em

oportunidade as crises podem atingir a instituição de duas maneiras: anunciadas ou não

anunciadas. “Anunciadas, ou seja, situações que têm potencial de gerar uma crise e cuja

data de início a empresa conhece previamente. Na maioria das vezes, é ela própria quem

gera esse conflito. Já as não anunciadas são as que afectam a empresa de surpresa, por

exemplo, explosão de uma fábrica, contaminação de produtos alimentares.”

2 - Gestão de crises organizacionais

Qualquer organização, independentemente da sua dimensão ou prestígio, pode ser

afectada por uma crise a qualquer instante. Como tal, é necessário estar preparado para a

resolver correctamente. Segundo Fearn-Banks “a gestão de crises é um plano estratégico

para prevenir e responder durante uma crise ou evento negativo, através de um processo

que remova alguns dos riscos e incertezas da organização e que lhe permite controlar o

seu destino.” Logo, a gestão de crises é o conjunto de métodos e técnicas que preparam

as organizações para lidar em momentos de crise.

No entanto, nem todas as crises têm origens semelhantes e, portanto, as maneiras de

5 NEVES, Roberto de Castro. Crises empresariais com a opinião pública. Rio de Janeiro: Mauad Editora, 2002.

6 OLIVEIRA, Mateus Furlanetto de. Converter a crise em oportunidade: como as relações públicas podem auxiliar

a empresa em situações de crise. São Paulo, 2003

4

Page 5: O impacto das novas tecnologias da comunicação e da informação na gestão de crises organizacionais

abordá-las também diferem umas das outras. Todas as empresas devem estar

convenientemente preparadas para reagir correctamente a estas situações. Algumas

instituições possuem o seu próprio manual de crise, no qual se estabelecem os

mecanismos básicos da sua prevenção. Octavio Isaac Rojas Orduña7, no artigo A

Comunicação em momentos de crise, considera que esse manual “ deve possuir, em

linhas gerais, o contacto de todos os membros do comité de crises, as variáveis de risco

e fluxos de actuação, relatórios de acontecimentos e documentos modelo.” Já Forni

considera que “é melhor investir nessa preparação, porque pesquisas mostram que as

organizações ou governos com planeamento de crises superam melhor os momentos

difíceis.”

A organização pode lidar com a crise de várias maneiras. Frank Corrado8, no livro A

Força da Comunicação, afirma que “nenhuma é mais importante do que a regra

fundamental: conte tudo e depressa. As informações transmitidas prontamente acabam

com os boatos e acalmam os nervos. Um fluxo contínuo de informações indica que

alguém está a resolver o problema. Quando não são dadas informações rapidamente,

cria-se um vazio que alguma outra fonte preenche e as empresas não demoram a

descobrir que perderam o controle do caso. É melhor que uma única pessoa descreva o

acontecimento. Se muitas pessoas dão informações diferentes, os media tendem a

entender mal a situação.” Forni acrescenta também que “adoptar uma atitude realista e

não tentar minimizar os factos são acções que também podem minimizar a crise.”

A forma como se deve comunicar durante e depois de uma crise é uma tarefa bastante

importante que deve ser tomada pela administração da empresa ou pelo Gabinete de

Crise/Relações Públicas. A estratégia consiste em todos os passos que a empresa irá

tomar no sentido de esclarecer, por todas as formas e meios, os públicos interno e

externo, com o objectivo de evitar mais problemas à imagem e à reputação da

organização. Saber como proceder nesse processo contribui para o êxito ou para o

fracasso na resolução de uma crise.

Ordunã considera que o consultor de comunicação em momentos de crise deve

“reunir toda a informação possível; evitar a ausência de informação comunicando o

quanto antes; não apresar-se em comunicar pela pressão dos jornalistas ou outros

grupos; determinar o formato da comunicação (notas de imprensa, carta, reuniões com

7 ORDUNÃ, Octavio Isaac Rojas, A comunicação em momentos de crise, Bocc, Universidade da Beira Interior

8 CORRADO, Frank. A Força da Comunicação. São Paulo: Makron Books, 1994

5

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representantes, conferência de imprensa, etc.); estabelecer um mecanismo de

monitorização imediata em todos os meios para comprovar o alcance da crise”, entre

outros. Paralelamente, é da opinião que não se deve informar sem o prévio

conhecimento e aprovação do comité e da alta-direcção; permitir que os membros do

comité dêem declarações públicas sem preparar previamente as suas intervenções;

comunicar somente aos meios "amigos", mentir sobre informação crucial; fazer reservas

sobre dados fundamentais para minimizar o acontecimento; mostrar incompetência,

falta de controle e arrogância, entre outros. Forni é da opinião que não se deve “ deixar

o jornalista sem retorno, quando procura alguém sobre matéria negativa. Ele sente-se no

direito de publicar a matéria, alegando que procurou a empresa e não obteve resposta.”

Neste sentido, após a ocorrência de uma crise a entidade deve agir com naturalidade,

actuando de uma forma clara, rápida e objectiva. Assumir o erro e adoptar uma política

de transparência é conveniente; mentir, manipular ou permanecer em silêncio é de

evitar. É necessário agir prontamente, através da obtenção de informação detalhada do

acontecimento, da averiguação das causas e futuras consequências.

A forma como a organização lida com a crise pode melhorar ou piorar a sua situação,

assim como crises bem geridas, podem ser oportunidades para reposicionar uma marca

e fortalecê-la.

3 - As novas tecnologias da comunicação e da informação - a Web 2.0

Com o desenvolvimento das novas tecnologias da comunicação e da informação e

com as alterações introduzidas pela Internet surgiram novas formas de consultar,

divulgar e produzir conteúdos. Se, no século passado a capacidade de elaborar

informação pertencia a um pequeno nicho da sociedade, hoje qualquer pessoa pode

fazê-lo.

A Web 2.0 permitiu uma diferente interactividade entre quem escreve e quem

consulta a informação. O termo Web 2.0 surgiu em 2004 pela empresa O’Reilly Media,

fundada por Tim O’Reilly, para designar a colaboração e a partilha de informação na

Internet. A Internet veio possibilitar uma nova forma de comunicação. Actualmente, já

não existe uma fronteira que separa quem produz a informação e quem a recebe.

Os novos media possibilitaram ao cidadão uma participação mais activa na esfera

pública, através da análise crítica de factos e da troca de ideias e de informações.

Actualmente, através de plataformas como o Facebook, o Twitter ou o Blogspot,

6

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cidadãos anónimos podem transmitir informação, trocar comentários ou escrever

críticas sobre um determinado assunto, personalidade, serviço, produto ou organização.

Para além disso, o desenvolvimento da Internet e o aparecimento de uma Web 2.0

possibilitou ainda que a informação se espalha-se a uma velocidade alucinante para um

público vasto e infinito, sem qualquer restrição geográfica.

4 - O impacto das novas tecnologias da comunicação e da informação na gestão de

crises organizacionais

Com o desenvolvimento das novas tecnologias e com a velocidade com que a

informação e a comunicação fluem actualmente, ampliou-se a exposição das

organizações, dos produtos e dos indivíduos a nível mundial. Por isso, as organizações

estão mais vulneráveis quer na divulgação de informação sobre um determinado

produto, quer no alcance dessa mesma informação. Se no passado, um dos públicos

prioritários na situação de crise eram os jornalistas, pelo seu poder de construir

modificar a opinião pública, com o advento da Web 2.0 o cidadão comum, que exerce a

sua “força” através de ferramentas como os blogs ou as redes sociais não pode ser

negligenciado. Problemas que antes ficavam restritos aos limites geográficos da

ocorrência dos factos, são hoje acompanhados por todo o mundo a qualquer momento.

A tecnologia actual permite que situações que aconteceram em qualquer local do mundo

sejam transmitidas em tempo quase real.

Gerir crises organizacionais há 20 anos era, de uma certa forma, uma gestão simples,

barata e lenta. Hoje com as diversas formas de "comunicar" on-line um simples facto

ultrapassa espaço e tempo, podendo até mesmo criar um nova informação de crise. A

própria ausência de monitorização das redes sociais por parte das organizações pode até

gerar uma crise com grandes proporções.

Philip Lesley9, no livro, Os fundamentos das relações públicas e da comunicação,

defende que “actualmente os acontecimentos tendem a mudar com a velocidade da

tecnologia que os impulsiona; e as mudanças estruturais, sociais e económicas mudam

com rapidez assombrosa.” Forni explica que “no passado, quando um facto negativo

afectava alguém, existia uma grande desfasassem de tempo até que o público tomasse

conhecimento e o mercado reagisse. Isso acabou. O ambiente de difusão das notícias

está a mudar rapidamente. Além da amplitude de alcance, existe uma enorme

9 LESLY, Philip. Os Fundamentos das Relações Públicas e da Comunicação. São Paulo: Pioneira, 1995.

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diversidade de canais, médias e interlocutores”, acrescentando que “agora o mundo

inteiro sabe de um acontecimento logo depois de ele acontecer. E, como as más notícias

viajam tão depressa quanto as boas, as empresas e organizações precisam planear a

maneira de lidar com os media em situações difíceis.” Na mesma perspectiva, Corrado ,

ressalta que “na sua maioria, os planeamentos de crise nas organizações começam após

o surgimento de uma crise séria. Antigamente, a maioria das organizações que se viam

numa situação de crise tentavam manter-se discretas, e quase sempre o conseguiam.

Hoje o mundo está ligado em tempo real, razão pela qual o mundo todo fica a saber na

mesma hora quando uma empresa falha.”

Por essa razão, tal como argumenta José Gabriel Andrade10, no artigo Gestão de crises

organizacionais e a Web 2.0 “com o advento da Internet nada mais escapa aos olhos e

ouvidos atentos de quem busca informação.”

Desta forma, a Internet permite, pois, que uma noticia se espalhe rapidamente para

qualquer lugar do mundo. O desenvolvimento das novas tecnologias significou o acesso

constante a toda informação ao mesmo tempo, em qualquer parte do mundo. Isto tem

vantagens e inconvenientes na gestão de crises. Se por um lado, a Internet tornou-se

uma das maiores aliadas da comunicação em momentos de crise, por outro, permitiu a

qualquer pessoa a possibilidade de questionar, criticar ou defender com agrado ou com

desagrado qualquer produto, serviço ou instituição. A Internet pode ser uma

oportunidade para a gestão de crise, visto que as empresas podem aproveitá-la para

informar os seus públicos na solução dos seus problemas. No entanto, simultaneamente,

pode ser também geradora da própria crise, pois, um simples incidente pode converter-

se rapidamente numa situação devastadora. Foi o que aconteceu com a empresa de

cadeados para bicicleta Krypotonite, nos EUA, que se viu envolvida numa crise quando

os vídeos com imagens dos seus cadeados abertos com canetas Bic começaram a

circular na Internet. A empresa demorou algum tempo a agir, pois não soube prevenir o

impacto negativo que o vídeo causaria. A má gestão da crise traduziu-se em grandes

perdas financeiras para a empresa como para a destruição da sua imagem e

credibilidade.

Logo, a presença das empresas na redes sociais tem muitas vantagens, mas ao mesmo

tempo, alguns inconvenientes na gestão de crises. Se por um lado, as instituições

conseguem entrar em contacto com os seus stakeholders, percebendo as suas críticas e

010 ANDRADE, José Gabriel, Gestão de crises organizacionais e a Web 2.0, Universidade Católica Portuguesa -

Centro de Estudos de Comunicação e Cultura

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Page 9: O impacto das novas tecnologias da comunicação e da informação na gestão de crises organizacionais

opiniões, por outro a falta de monitorização e controle de toda a informação pode piorar

a situação. Paralelamente, a própria utilização dos social media por parte dos clientes

internautas pode transformar uma crise com um impacto reduzido num fenómeno à

escala global. Foi o que aconteceu com as empresas United Airlines, nos Estados

Unidos e Ensitel, em Portugal, que ficaram com a sua reputação abalada depois de um

cibernauta ter publicado nas redes sociais críticas sobre a reparação de uma guitarra, no

caso da primeira, e de um telemóvel, no caso da segunda.

Ambas as organizações passaram por uma fase conturbada por não se aperceberem

inicialmente o impacto das novas tecnologias da informação e da comunicação no

desenvolvimento da situação.

4.1 – Casos de estudo – United Airlines

Em meados de 2009, o canadiano David Carroll, guitarrista da banda Sons of Maxwel,

ficou com a guitarra partida depois de viajar na companhia aérea United Airlines com

destino ao estado norte-americano Nebraska. Descontente com a situação pediu uma

indemnização, ao qual a empresa se recusou a pagar. Após ter desembolsado cerca de

1.200 dólares para consertar a guitarra e ter tentado, durante meses, mas sem sucesso,

ser indemnizado pela companhia área decidiu resolver a situação de outra maneira.

Recorrendo às suas capacidades musicais e aos seus conhecimentos sobre redes sociais,

decidiu compor uma canção e produzir um videoclip - United breaks guitars – em

conjunto com a sua banda Sons of Maxwell, que publicou no site de partilha de vídeo

YouTube. O vídeo retrata o incidente que aconteceu com a guitarra por culpa dos

funcionários da United Airlines, que trataram mal os instrumentos musicais da banda.

Publicado em Julho de 2009, tornou-se um sucesso, tendo actualmente já milhões de

visitas.

Perante o sucesso do vídeo e a possível crise de reputação, a companhia aérea, que no

início se negou a pagar o conserto do instrumento musical, decidiu voltar atrás e reparar

a situação. No entanto, o músico preferiu que o valor da indemnização fosse doado a

uma instituição de solidariedade.

Entretanto, a United Airlines afirmou publicamente que o vídeo seria de visualização

obrigatória nas acções de formação internas que tenham em vista melhorar a qualidade

de serviço e o atendimento ao cliente.

4.2- Casos de estudo – Ensitel

9

Page 10: O impacto das novas tecnologias da comunicação e da informação na gestão de crises organizacionais

A Ensitel enfrenta uma das piores crises de reputação e de imagem dos últimos anos.

Em 2009, a cadeia de electrónica recusou-se a trocar um telemóvel Nokia E71, avariado

que ainda estava dentro da garantia. A cliente que comprou o telemóvel, Maria João

Nogueira, coordenadora da equipa de blogues do Sapo e uma das bloguistas mais

conhecidas da internet nacional, indignada com a situação, recorreu às redes sociais para

manifestar o seu desagrado. A partir de 27 de Fevereiro de 2009, no seu blog Jonasnuts

começou a escrever vários posts sobre o sucedido, desde os pormenores da avaria, às

dificuldades em trocar o telemóvel e às contraditórias respostas dos funcionários. De um

momento para o outro, a uma velocidade indefinida, várias pessoas de todo o mundo,

mas principalmente em Portugal, tiveram conhecimento da situação, comentando-a em

redes sociais como o Twitter ou o Facebook. O caso chegou mesmo por ir parar ao

Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa e ao tribunal, onde a cliente

perdeu a causa.

Entretanto, no final do ano passado, Maria João Nogueira recebeu um aviso do

tribunal intimidando-a a apagar os textos do blog e a constituir um advogado. No

Jonasnuts, para além de descrever o documento de 31 páginas que recebeu, argumentou

que a Ensitel precisava de contratar uma empresa de Relações Públicas. (IMAGEM 1)

10

Page 11: O impacto das novas tecnologias da comunicação e da informação na gestão de crises organizacionais

IMAGEM 1 – Texto sobre a Ensitel publicado por Maria João Nogueira no Jonasnuts

Cientes do caso, centenas de internautas encheram a página do Facebook da cadeia de

electrónica de críticas, queixas e de insultos, muitos dos quais formam apagados.

A empresa acabou por remeter todas as explicações para um comunicado formal

divulgado no Facebook um dia depois do post de Maria João Nogueira. (IMAGEM 2)

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Page 12: O impacto das novas tecnologias da comunicação e da informação na gestão de crises organizacionais

IMAGEM 2 – Comunicado na página oficial do Facebook da Ensitel, assinado pela Administração

Em poucos segundos os utilizadores voltaram a insultar a empresa, enchendo

novamente de críticas e insultos a página oficial da instituição. Três dias depois, a

página do Facebook da Ensitel apresentava outro comunicado, desta vez mais informal,

assinado pelo Responsável de Vendas e Serviço ao Cliente. (IMAGEM 3)

IMAGEM 3 - Comunicado na página oficial do Facebook da Ensitel, assinado por Pedro Machado

Se no primeiro comunicado a cadeia de electrónica Ensitel argumentava não colocar

em causa a liberdade de expressão, evidenciando a sua boa reputação, no segundo

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argumentou que iria retirar a acção judicial a Maria João Nogueira e, para além disso,

que no futuro pretendia estar mais atenta aos comentários online dos seus clientes e

procurar diferentes maneiras de comunicar.

De facto, tanto a United Airlines como a Ensitel não souberam prever o efeito das

redes sociais na gestão de crises organizacionais. No entanto, enquanto que a companhia

aérea soube actuar rapidamente, logo após o sucesso do vídeo United breaks guitars, a

cadeia de electrónica demorou demasiado tempo a agir. Para além disso, cometeu um

erro pior, ao não pensar no efeito que colocar a cliente em tribunal e solicitar-lhe retirar

os posts do blog poderia causar. De qualquer forma, apesar de aparentemente o caso

estar resolvido, o facto é que a Ensitel não irá recuperar a sua reputação de um dia para

o outro.

Sendo assim, tal como Pedro Dionísio11, Professor de Marketing do ISCTE-IUL,

argumentou no artigo Ensitel - o efeito devastador das redes sociais, publicado no

Jornal de Negócios, “se há uma lição a tirar desta história é que, com a Web 2.0, o

consumidor ganhou realmente poder, não tendo já a necessidade de recorrer a jornalistas

para mediar a informação. (…) Numa sociedade de abundância de oferta, as empresas

que optarem pela via dos conflitos legais em vez de criarem relações de confiança com

os clientes terão dificuldade em sobreviver.”

CONCLUSÃO

Qualquer organização, independentemente da sua história, prestígio ou dimensão

pode ser afectada por uma crise a qualquer momento. A crise organizacional é um

acontecimento extraordinário que afecta a integridade do produto, a imagem, a

reputação, os públicos e a estabilidade financeira da organização. Existem várias

tipologias de crise assim como diversas formas de a gerir e de a solucionar. Gerir a crise

significa aplicar um conjunto de métodos, técnicas e estratégias adequadas para a

situação. A forma como a organização lida com a crise pode melhorar ou piorar a sua

situação, assim como crises bem geridas, podem ser oportunidades para reposicionar

uma marca e fortalecê-la.

No entanto, gerir crises há alguns anos não é o mesmo que gerir crises actualmente.

Se antigamente, um dos públicos prioritários em situação de crise eram os jornalistas,

11 DIONÍSIO, Pedro, Ensitel- o efeito devastador das redes sociais, Jornal de Negócios, 4 Janeiro 2011

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actualmente com o desenvolvimento das novas tecnologias da comunicação e da

informação e com a rapidez e facilidade com que são transmitidas as notícias, o cidadão

comum também não pode ser negligenciado. A Internet 2.0 veio permitir a qualquer

usuário uma participação mais interactiva na esfera pública, através da análise crítica

dos factos, da troca de ideias e de informações em plataformas digitais como o

Facebook, o Twitter ou o Blogspot. Nos dias de hoje, o cidadão comum tem a

possibilidade de mostrar o seu agrado ou desagrado por determinadas situações,

personalidades, marcas, produtos, serviços ou organizações, podendo até mesmo ser o

responsável pelo agravamento de uma crise.

As novas tecnologias da comunicação e da informação tanto podem ter um impacto

positivo como um impacto negativo no momento de gerir crises. Se, por um lado, as

organizações conseguem entrar em contacto com os seus públicos, percebendo as suas

opiniões e dando a conhecer factos como evolução da situação, por outro, a falta de

monitorização, controlo ou a inadequada utilização das redes sociais podem piorar a

situação. Um simples incidente pode converter-se facilmente numa situação

devastadora. Foi o que aconteceu com as empresas United Airlines e Ensitel, que

ficaram com a reputação abalada, após um cibernauta ter publicado nas redes sociais

críticas sobre um determinado produto ou serviço. Ambas passaram por uma fase

conturbada por não se aperceberem inicialmente o impacto das novas tecnologias da

informação e da comunicação no desenvolvimento da situação.

BIBLIOGRAFIA

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Editora, 2002

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