o empenho epistemológico pós-colonial e o ponto de vista subalterno em darcy ribeiro

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Simbiótica. Ufes, v.ún., n.02. dezembro. 2012 Revista Simbiótica - Universidade Federal do Espírito Santo - Núcleo de Estudos e Pesquisas Indiciárias. Departamento de Ciências Sociais - ES - Brasil - [email protected] 71 71 O empenho epistemológico pós-colonial e o ponto de vista subalterno em Darcy Ribeiro Uma proposta de diálogo 1 Adelia Miglievich-Ribeiro 2 Antonio Carlos Rocha de Sousa 3 Marcus Vinícius Gasperazzo 4 Resumo: As críticas formuladas pelos autores pós-coloniais nascem de uma variante do pensamento pós-moderno em seu movimento teórico anti-fundacional e de “descentramento do sujeito iluminista”. Este empenho epistemológico não é inconsequente politicamente de modo que os estudos pós-coloniais atuam na desconstrução dos discursos coloniais e neocoloniais que, até hoje, negligenciaram a percepção da diferença cultural e limitaram a compreensão da humanidade. Enfatizamos a vertente latino-americana do pós-colonial chamada “modernidade-colonialidade” e propomos um diálogo entre esta e Darcy Ribeiro para que seja possível narrar, a partir do Terceiro Mundo, a história do povo brasileiro. Palavras-Chaves: crítica pós-colonial; modernidade-colonialidade; pós-modernidade; América Latina, Darcy Ribeiro. Abstract: The criticisms formulated by postcolonial authors born of a variant of postmodern thought in his theoretical movement and anti-foundational "decentering of the enlightenment subject." This epistemological effort is not politically inconsequential so that postcolonial studies, act in deconstruction of the colonial speeches and neocolonial, that, to now, neglected the perception of cultural differences and limited understanding of humanity. We emphasize the aspect of Latin American postcolonial called "modernity-coloniality" and we propose a dialogue between this and Darcy Ribeiro, so that be possible to narrate, starting from the third world, the history of the Brazilian people. Keywords: postcolonial critique; modernity-coloniality; postmodernity; Latin America; Darcy Ribeiro. 1 Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada na forma de paper no GT Africanidades e Brasilidades: desafios epistemológicos, coordenado pelos professores Adelia Miglievich-Ribeiro (Universidade Federal do Espírito Santo) e Patrício Langa (Universidade Eduardo Mondlane – Moçambique), durante o I Congresso Nacional Africanidades e Brasilidades: ensino, pesquisa e crítica, realizado na UFES, nos dias 26 a 29 de junho de 2012. 2 Professora do curso de graduação em Ciências Sociais e dos programas de pós-graduação em Ciências Sociais e em Letras da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Bolsista sênior do programa Cátedras Ipea-Capes para o Desenvolvimento. E-mail: [email protected] 3 Aluno do curso de graduação em Ciências Sociais da UFES. Participante do Programa de Iniciação Científica Voluntária (PIVIC). E-mail: [email protected] 4 Aluno do curso de graduação em Ciências Sociais da UFES. Bolsista Pibic-CNPq. E-mail: marcus_gasper@ hotmail.com

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Resumo: As críticas formuladas pelos autores pós-coloniais nascem de uma variante do pensamentopós-moderno em seu movimento teórico anti-fundacional e de “descentramento do sujeitoiluminista”. Este empenho epistemológico não é inconsequente politicamente de modo que osestudos pós-coloniais atuam na desconstrução dos discursos coloniais e neocoloniais que, até hoje,negligenciaram a percepção da diferença cultural e limitaram a compreensão da humanidade.Enfatizamos a vertente latino-americana do pós-colonial chamada “modernidade-colonialidade” epropomos um diálogo entre esta e Darcy Ribeiro para que seja possível narrar, a partir do TerceiroMundo, a história do povo brasileiro.

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  • Simbitica. Ufes, v.n., n.02. dezembro. 2012

    Revista Simbitica - Universidade Federal do Esprito Santo - Ncleo de Estudos e Pesquisas Indicirias. Departamento de Cincias Sociais - ES - Brasil - [email protected]

    71 71

    O empenho epistemolgico ps-colonial e o ponto de vista subalterno em Darcy Ribeiro

    Uma proposta de dilogo1

    Adelia Miglievich-Ribeiro2 Antonio Carlos Rocha de Sousa3

    Marcus Vincius Gasperazzo4 Resumo: As crticas formuladas pelos autores ps-coloniais nascem de uma variante do pensamento ps-moderno em seu movimento terico anti-fundacional e de descentramento do sujeito iluminista. Este empenho epistemolgico no inconsequente politicamente de modo que os estudos ps-coloniais atuam na desconstruo dos discursos coloniais e neocoloniais que, at hoje, negligenciaram a percepo da diferena cultural e limitaram a compreenso da humanidade. Enfatizamos a vertente latino-americana do ps-colonial chamada modernidade-colonialidade e propomos um dilogo entre esta e Darcy Ribeiro para que seja possvel narrar, a partir do Terceiro Mundo, a histria do povo brasileiro. Palavras-Chaves: crtica ps-colonial; modernidade-colonialidade; ps-modernidade; Amrica Latina, Darcy Ribeiro. Abstract: The criticisms formulated by postcolonial authors born of a variant of postmodern thought in his theoretical movement and anti-foundational "decentering of the enlightenment subject." This epistemological effort is not politically inconsequential so that postcolonial studies, act in deconstruction of the colonial speeches and neocolonial, that, to now, neglected the perception of cultural differences and limited understanding of humanity. We emphasize the aspect of Latin American postcolonial called "modernity-coloniality" and we propose a dialogue between this and Darcy Ribeiro, so that be possible to narrate, starting from the third world, the history of the Brazilian people. Keywords: postcolonial critique; modernity-coloniality; postmodernity; Latin America; Darcy Ribeiro.

    1 Uma verso preliminar deste artigo foi apresentada na forma de paper no GT Africanidades e Brasilidades: desafios epistemolgicos, coordenado pelos professores Adelia Miglievich-Ribeiro (Universidade Federal do Esprito Santo) e Patrcio Langa (Universidade Eduardo Mondlane Moambique), durante o I Congresso Nacional Africanidades e Brasilidades: ensino, pesquisa e crtica, realizado na UFES, nos dias 26 a 29 de junho de 2012. 2 Professora do curso de graduao em Cincias Sociais e dos programas de ps-graduao em Cincias Sociais e em Letras da Universidade Federal do Esprito Santo (UFES). Bolsista snior do programa Ctedras Ipea-Capes para o Desenvolvimento. E-mail: [email protected] 3 Aluno do curso de graduao em Cincias Sociais da UFES. Participante do Programa de Iniciao Cientfica Voluntria (PIVIC). E-mail: [email protected] 4 Aluno do curso de graduao em Cincias Sociais da UFES. Bolsista Pibic-CNPq. E-mail: marcus_gasper@ hotmail.com

  • Simbitica. Ufes, v.n., n.02. dezembro. 2012

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    Introduo

    As crticas formuladas pelos autores ps-coloniais nascem de uma variante do pensamento

    ps-moderno em seu movimento terico anti-fundacional e de descentramento do sujeito

    iluminista, na percepo da incapacidade deste representar a vasta gama de vozes

    dissonantes que compem o mundo. Os ps-modernos trazem, portanto, para a cena

    intelectual as profundas conexes entre saber e poder e pem em xeque a credibilidade de

    mtodos e categorias cientficas que, ao se postularem neutros, produzem discursos que

    ordenam, classificam e hierarquizam as realidades sociais.

    Autores como Foucault, Lyotard, Deleuze, Baudrillard, Debord, Derrida tornam-se referncia

    da abordagem ps-moderna recusando, de forma irnica, a noo unitria de razo que

    permitiu, no passado, a elaborao das metanarrativas modernas, de Marx e Mill, e suas

    recriaes hoje, a la Rawls, que parecem querer ignorar o pluralismo e a mercadologizao

    das culturas em seus efeitos no relativismo e na instabilidade da cena contempornea

    (APPIAH, 1997, p.201).

    Arautos do fim dos paradigmas aplaudem o dissenso e a multiplicidade dos jogos de

    linguagem, optam pela diversidade e pela diferena rejeitando o consenso e a sntese,

    enfatizam a vida cotidiana, consideram as emoes, sentimentos, intuio, reflexo,

    cosmologia, mgica, religiosidade, experincia mstica, mitos em suas leituras do mundo,

    visto exatamente como texto. Sua palavra mais cara a desconstruo, pela qual

    realizam a crtica negativa do discurso na percepo de sua inconsistncia, passando a

    rearrum-lo incessantemente sob vrias perspectivas e na nfase a sua subjetividade

    (MIGLIEVICH-RIBEIRO, 1998).

    Stuart Hall (2009), um dos fundadores do Centro de Estudos Culturais Contemporneos, em

    1964, na Universidade de Birmingham, que inaugurava uma forma de se pensar a cultura na

    correlao estruturas sociais de poder, elas mesmas como estratgias, posicionamentos,

    recursos e polticas. Intelectual diasprico nascido na Jamaica, tendo vindo, em 1951,

    estudar literatura em Oxford, ao propor, uma dcada mais tarde, o ps-colonial, reconhece

    sua dvida, sobretudo, para com Foucault e Derrida que lhe permitiram a desconstruo do

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    discurso colonial com a intruso da diferena nas grandes narrativas generalizadoras

    eurocntricas.

    Hall constata que os movimentos transversais, transnacionais e transculturais inscrevem-se,

    desde sempre, na histria da humanidade e postula que a principal contribuio da crtica

    ps-colonial est na efetivao do deslocamento da estria da modernidade de seu

    centramento europeu para suas periferias dispersas no globo. Incentiva, neste sentido, a

    proliferao de histrias/estrias e temporalidades, a multiplicidade de conexes culturais

    laterais e descentradas, os movimentos e migraes que do o tom do mundo

    contemporneo.

    Num mundo de fronteiras dissolvidas e de continuidades rompidas, a celebrao da diferena

    e da fragmentao pe em xeque a homogeneidade e centralidade da experincia ocidental e

    d visibilidade a uma incessante produo de novas identidades que desafiam globalizao

    hegemnica e alargam a compreenso dos fenmenos humanos (HALL, 2006; 2009).

    Dessa forma, o ps-colonial provoca uma interrupo crtica na grande narrativa

    historiogrfica que, na historiografia liberal e na sociologia histrica weberiana,

    assim como nas tradies dominantes do marxismo ocidental, reservou a essa

    dimenso global uma presena subordinada em uma histria que poderia ser

    contada a partir do interior de seus parmetros europeus (HALL, 2009, p.106).

    Stuart Hall (2009), ao lado de Edward Said, com o famoso livro Orientalismo: O Oriente como

    inveno do Ocidente (2007), Homi Bhabha, em O local da cultura (2007), Anthony Appiah,

    em Na casa de meu pai: A frica na filosofia da cultura (1997), Gayatri Spivak em Pode o

    subalterno falar? (2010), dentre outros, compem o coro da chamada crtica ps-colonial e

    marcam sua especificidade frente ao ps-moderno. No simplesmente porque seus autores

    vm das margens do sistema colonial, sendo eles prprios hbridos, mas porque podemos

    reuni-los numa vertente que no se satisfaz com o relativismo cultural ou a indiferena

    poltica, mas prope a dialtica das identidades ou a traduo, nos termos de Hall

    (2006), a influenciar os futuros da modernidade, nunca mais passvel de ser narrada

    unilinearmente. Como diz Appiah:

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    O ps-colonialismo posterior a isso tudo [literatura ps-realista, poltica ps-

    nativista, solidariedade transnacional, pessimismo]: e seu ps, como o do ps-

    modernismo, tambm um ps que contesta as narrativas legitimadoras

    anteriores. E as contesta em nome das vtimas sofredoras de mais de trinta

    repblicas. Mas contesta-as em nome de um universal tico, em nome do

    humanismo [...]. E baseado nisso, ele no um aliado do ps-modernismo

    ocidental, mas um adversrio: com o que acredito o ps-modernismo possa ter

    algo a aprender (APPIAH, 1997, p.216).

    Hall critica o afastamento dos estudos culturais da tematizao da estruturao capitalista

    do mundo moderno. Discorda do argumento que seu fundamento filosfico e terico anti-

    fundacional e ps-estruturalista impediriam este empreendimento intelectual e faz notar

    que as denominaes capitalismo tardio, acumulao e produo flexvel, capitalismo

    desorganizado e capitalismo global confirma a validade de um tipo de abordagem que

    bebe na fonte do ps-moderno na elaborao de uma potente crtica ao capitalismo global

    como aquela j realizada na desconstruo da lgica da colonizao (HALL, 2009, p.116).

    Dedicamo-nos, neste artigo, a uma das vertentes do ps-colonial, a latino-americana de

    razes andinas, mais conhecida como modernidade/colonialidade, que se destaca

    precisamente pela vitalidade de sua crtica aos neocolonialismos na era do capitalismo

    global. Expomos como a crtica ps-colonial possibilita a desconstruo de narrativas

    colonizadoras sobre a Amrica Latina, tendo o cuidado de mostrar antes como o discurso

    moderno sustenta-se em concepes totalizadoras e reducionistas de humanidade.

    Enfatizamos a proposta ps-colonial de Walter Mignolo (2003), um dos mais importantes

    defensores da importncia de se afirmar a Amrica Latina como lcus de enunciao a partir

    de seus conhecimentos e saberes historicamente subestimados. Ainda, ousamos convergir a

    crtica ps-colonial ao empenho de Darcy Ribeiro (1922-1997) de contar a histria do povo

    brasileiro a partir do Terceiro Mundo, sem qualquer complexo de inferioridade, atento a seu

    carter de ineditismo.

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    1. A crtica ps-colonial

    Ao fazer uma interveno terica interna dos mtodos e categorias cientficas como

    estado, etnicidade, modernidade e globalizao, revelando o quanto estas

    funcionam tambm como mecanismos de controle, a crtica ps-colonial explicita sua

    herana foucaultiana em forte medida alinhada orientao filosfica ps-estruturalista que

    a inspirou na desconstruo do discurso colonial. Ao fazer do Oriente o outro do Ocidente,

    como disse Said (2007), o discurso colonial reforara uma concepo binria e

    essencializadora da cultura que precisava ser desconstruda. O conceito de processo

    civilizatrio mesmo emanava da fixidez dos binarismos que opunham tradio x

    modernidade, emoo x razo, corpo x alma, feminino x masculino, legitimando a

    inferioridade dos povos no europeus, como os negros, os ndios e os orientais,

    genericamente estereotipados como incivilizados e irracionais, a justificar a dominao.

    A perspectiva binria desenvolve noes que recaem preponderantemente sobre a matriz

    racial para reforar a tese equivocada de que a suposta raa branca (europeia) , no apenas

    primordial, mas pura e dela todas as demais seriam desvios. A desconstruo da ideia de

    pureza em prol do hibridismo que no implica harmonia, mas tenses e assimetrias um

    empenho ps-colonial.

    Se a raa e a cultura, alm de inferiores, so fixas, estticas, imutveis, tem-se a negao da

    diferena cultural que, como diz Bhabha (2007), como a cultura se manifesta. No sentido

    de Derrida (2002), a cultura fronteira, travessia, ponte, differnce, mltiplas e imprevisveis

    articulaes de novas diferenas. Ainda que se possa dizer que o argumento biolgico

    mais problemtico do que o cultural, ambos se interconectam e a negao da diferena pelo

    etnocentrismo a mesma lgica que mantm intocada a subalternizao de pessoas,

    culturas, sociedades.

    As ex-colnias da Amrica Latina comprando o ideal moderno europeu nos sculo XIX e

    XX, ainda que tendo, a maior parte de sua populao formada por mestios e negros e

    indgenas, passaram a vivenciar a esquizofrnica identidade de nalgum dia despertar como

    sendo um europeu, ou se tornar sua absoluta negao. Mmese, esteretipos e

    discriminao so formas de reinveno do outro subalterno, mas, como Bhabha tambm

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    sugere, a partir de Fanon, paradoxalmente expem as fissuras da modernidade: O preto

    escravizado por sua inferioridade, o branco escravizado por sua superioridade, ambos se

    comportam de acordo com uma orientao neurtica (FANON apud BHABHA, 2007, p.74).

    O binarismo das culturas o delrio maniquesta (BHABHA, ibidem, p.75) do sistema

    colonial. Ao articular o problema da alienao cultural na linguagem psicanaltica da

    demanda e do desejo, Fanon descreve:

    (...) a profunda incerteza psquica da prpria relao colonial: suas representaes

    fendidas so o palco da diviso entre corpo e alma que encena o artifcio da

    identidade, uma diviso que atravessa a frgil pele negra e branca da

    autoridade individual e social (...). Quando seus olhares se encontram, ele [o

    colono], verifica com amargura, sempre na defensiva que Eles querem tomar nosso

    lugar. E verdade, pois no h um nativo que no sonhe pelo menos uma vez por

    dia se ver no lugar do colono. sempre em relao ao lugar do Outro que o desejo

    colonial articulado: o espao fantasmagrico da posse, que nenhum sujeito pode

    ocupar sozinho ou de modo fixo e, portanto, permite o sonho da inverso dos

    papis (FANON apud BHABHA, 2007, p.76).

    O discurso colonial potente e tem efeitos prticos. A raa naturalizada chega a convencer

    as vtimas do racismo da veracidade dos argumentos advindos de um interlocutor

    preenchido de legitimidade no saber e no poder. No casualmente, so o trabalho

    subalterno e os postos mais degradantes destinados aos colonizados assim como o

    pauperismo, no campo e nas cidades, atinge as populaes com maior concentrao de

    negros, indgenas e mestios, tendo-se como justificao o eficaz discurso de que o atraso

    desses povos diante do Ocidente deriva de suas inaptides raciais.

    Mignolo (2003), estudando a formalizao do princpio de pureza de sangue no

    Mediterrneo do sculo XVI, percebe como se d concomitantemente construo do

    imaginrio do moderno sistema mundial e emergncia de um novo circuito comercial e

    financeiro ligando o Mediterrneo ao Atlntico. A coetaneidade da expulso dos judeus e

    mouros da Espanha e a descoberta da Amrica j se deram sob o crivo das teorias de

    Newton sobre o mundo natural, aplicadas histria e moralidade de Kant ao descrever

    distintamente em termos de competncias racionais as quatro raas: branca (europeus),

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    amarela (asiticos), negra (africanos) e vermelha (ndios americanos). A distribuio

    geopoltica das tarefas intelectuais e dos projetos disciplinares , portanto, simultnea ao

    nascimento da modernidade.

    Se os sculos XVI e XVII foram dominados pelo imaginrio cristo, o fim do sculo XIX

    testemunhou a culminncia da mudana do olhar para a cincia de matriz positivista que

    cuidou de aprofundar as representaes fixas e binrias das sociedades e das culturas. O

    mtodo cientfico positivista coloca-se em uma posio de neutralidade sem problematizar a

    relao entre sujeito e objeto de conhecimento, plenamente distinguidos e estanques. O

    Ocidente era o inconteste lcus de enunciao, portanto, construtor do conhecimento,

    negligenciando quaisquer saberes que no o seu. As colnias ou ex-colnias mantm-se to

    somente como objetos de estudo (exticos).

    As verses iniciais do ocidentalismo, com o descobrimento do Novo Mundo, e a

    verso posterior do orientalismo, com a ascenso da Frana e Gr-Bretanha

    hegemonia mundial tornaram as epistemologias no ocidentais algo a ser estudado e

    descrito, mas sem as situar no mesmo nvel que a herana greco-romana [dos quais

    foram cindidos]. Imaginou-se a modernidade como o lar da epistemologia. O papel

    central que as cincias sociais passaram a desempenhar aps a Segunda Guerra

    Mundial foi paralelo configurao dos estudos de rea estendeu a geopoltica da

    produo de conhecimentos ao Atlntico Norte (MIGNOLO, 2003, p.136).

    Assim, os saberes dos ndios, dos negros, das chamadas comunidades tradicionais eram

    vistos como obscurantismo a ser superado pela racionalidade moderna. Nas brechas da

    modernidade, porm, eclode o espao da disjuno e da diferena cultural. Nasce o hbrido

    como subverso do discurso colonial. A instncia subalterna insurge como o pathos da

    confuso cultural e estratgia de subverso poltica. O negro, o oprimido, o colonizado

    desliza do esquema classificatrio da racionalidade ocidental. O esprito zombeteiro do

    hbrido faz com que inconscientemente o colonizador trema diante do suposto mau

    olhado da mulher preta, do vu que cobre rosto e corpo da mulher argelina, da tentao e

    tremor psquico da sexualidade ocidental em face do nativo (MIGNOLO, 2003, p.71).

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    Na prtica, os conceitos criados para a reificao, apartao e hierarquizao das culturas

    so contestados e os discursos de intolerncia combatidos. Os conflitos se proliferam e o

    local da cultura palco de lutas por reconhecimento tnico, de classe, de gnero, polticos

    nas dimenses privada, estatal e social (BHABHA, 2007; HONNETH, 2003). Mignolo (2003),

    de modo otimista, diz que foi no sculo XVI, que um objeto colonial de descrio (as

    Amricas) tornou-se, no sculo XX uma localizao geoistrica central para a produo de

    conhecimentos:

    A ps-colonialidade tanto um discurso crtico que traz para o primeiro plano o lado

    colonial do sistema mundial moderno e a colonialidade do poder embutida na prpria

    modernidade, quanto um discurso que altera a proporo entre locais geoistricos (ou

    histrias locais) e a produo de conhecimentos. O reordenamento da geopoltica do

    conhecimento manifesta-se em duas direes diferentes, mas complementares: 1. A

    crtica da subalternizao na perspectiva dos estudos subalternos; 2. A emergncia do

    pensamento liminar como uma nova modalidade epistemolgica na interseo da

    tradio ocidental e a diversidade das categorias suprimidas sob o ocidentalismo, o

    orientalismo (como objetificao do lcus do enunciado enquanto alteridade) e

    estudos de rea (como objetificao do Terceiro Mundo, enquanto produtor de

    culturas, mas no de saber) (MIGNOLO, 2003, p.136-7).

    Mignolo prope o pensamento liminar, que explicita o mundo como desde sempre foi:

    mvel, fluido e em movimento, o que contraria radicalmente as narrativas hegemnicas da

    histria ocidental linear e cumulativa. O mais fundamental de sua crtica ps-colonial que

    esta revela as pessoas, as culturas e as sociedades ininterruptamente desarticuladas e

    rearticuladas, tendo o hbrido como elemento, por excelncia, subversivo, compondo o

    campo de luta, ontem, no sistema colonial, e hoje, nos desenvolvimentos do capitalismo

    global.

    2. Amrica Latina, Brasil e a crtica ps-colonial

    Um relato eloquente da Amrica Latina pelos europeus, segundo Mignolo (2003), reportava

    sua impureza, ao ftido e ao sujo. Tal argumentao refora-se em Jung (1996), quando

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    este faz a analogia da Amrica do Sul como o inconsciente do europeu, seu lado primitivo,

    livre de inibies e sensualista. Um mundo oposto ao intelectualismo refinado e do

    puritanismo que dominavam a mente europeia. No de estranhar, ento, que aqui se

    encontre o lugar da licenciosidade que o possibilita fazer o que no faria em sua casa.

    O puritanismo norte-americano contrastava com o catolicismo morno na Amrica Latina,

    sincrtico e permissivo, que clssicos do pensamento social brasileiro, como Gilberto Freyre

    (1987), Srgio Buarque de Holanda (1995), Darcy Ribeiro (1995) e outros, narram, chamando

    ateno para a expulso dos jesutas em 1759 que tornou ainda mais tnues as fronteiras

    entre a moralidade religiosa oficial e aquela que se dava na vida cotidiana, nas casas grandes

    e nas senzalas.

    Nasce providencialmente o mito do brasileiro catlico e malandro versus o estadunidense

    protestante e trabalhador que segrega ainda as classes populares. Tais representaes no

    chegam, portanto, a se apresentar como uma construo de rechao a um tipo de

    modernidade que voluntariamente se deseja criticar. Tendem apenas a ocultar a violncia da

    colonizao que se deu na Amrica espanhola e lusa, tal como analisa Quijano (2005), opera

    em vrios nveis: a colonialidade do ser, do saber e do poder. Efetivamente, na Amrica

    Latina, testemunhavam-se todas as formas de controle, desde a poltica e econmica

    produo de conhecimento, expresses culturais e subjetividades.

    Assim que os filhos das elites sul-americanas (brasileiras, em particular) estudavam na

    Europa, e era pelo habitus europeu que distinguiam deste lado do Atlntico, numa recusa de

    enxergar os ndios, os negros e os mestios como a real populao da Amrica Latina,

    criando aqui as formas de colonialismo interno cujo fundamento permanecia sendo o

    critrio racial.

    Como diz Quijano (2005), os latino-americanos pensavam-se totalmente dependentes dos

    europeus, e que no podiam pensar e agir de outra forma. Tal ideia vem sendo trabalhada

    desde os idos da colonizao sul-americana, com os europeus convencendo ndios, negros e

    mestios de sua inferioridade em relao raa branca e da inevitabilidade da dominao

    imposta. A partir das tcnicas disciplinares existentes, quando nascem as cincias humanas,

    no sculo XIX, estas vm eficazmente aperfeioar as mesmas, proclamando-as,

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    paradoxalmente, libertadoras e emancipatrias. No casual que discursos humanitrios

    legitimem intervenes militares de pases do Norte nos do Sul.

    No embate caracterstico da ps-modernidade, as sensibilidades humanas se aguam para a

    diferena. Como diz Deleuze (1992), h um empenho em se dobrar a linha da fora (do

    metadiscurso) pela construo de modos de existncia ou possibilidades de vida diversas em

    face de qualquer parmetro de modernidade monoltica. O saber narrativo um saber que

    se autoriza pela transmisso sem recorrer a provas, tido pela classificao cientfica como

    primitivo, selvagem, subdesenvolvido baseado em relatos orais, estrias, lendas, fbulas,

    mitos, uma dobra da linha da fora. O ps-colonial, referindo-se s experincias dos

    intelectuais diaspricos e s vozes historicamente silenciadas, inauguram com fora novas

    linguagens e novos saberes (ou velhos, porm, esquecidos) e, mais uma vez, confrontam a

    cincia moderna em sua condio de instrumento de poder. A crtica ps-colonial atenta, de

    modo mpar, para o carter performativo de todos os discursos globais e locais que do

    inteligibilidade e conformao ao mundo e s culturas no mundo.

    O ps-colonial explicita, portanto, que a Amrica espanhola tinha sua ideia-fora na pureza

    de sangue dos colonizadores hispnicos, o que dificultou a confluncia de suas matrizes

    tnico/raciais, ainda que possua uma formao culturalmente mltipla. No caso brasileiro,

    sob a colonizao lusa povo mestio de razes mouras tem-se um fenmeno ainda mais

    caracterstico, o que Darcy Ribeiro (1995) aqui chamando para o dilogo com os ps-

    coloniais denominou transfigurao tnica, fruto do perverso processo de

    desindianizao, desafricanizao e deseuropeizao de contingentes humanos,

    processo este que, dialeticamente, gerou um novo povo, uma etnia nacional, diferenciada

    culturalmente de suas matrizes formadoras e fortemente mestiada (RIBEIRO, 1995, p.19).

    Em sua antropologia dialtica, Darcy Ribeiro enfatiza o conflito, as guerras, a opresso da

    escravido negra, os genocdios dos ndios na conformao da brasilidade. O autor constri

    uma teoria de base emprica das classes sociais, num esquema marxista em oposio ao

    culturalismo de Gilberto Freyre5, o qual mantm o tom nostlgico acerca de uma sociedade

    5 Tendo escrito um prlogo edio de Casa Grande & Senzala, da Biblioteca Ayacucho de Caracas, na Venezuela, Darcy reconhece a obra do socilogo pernambucano como uma faanha da cultura brasileira que ensinou a muitos a se reencontrar com sua ancestralidade lusitana e negra. Admira a qualidade literria de Freyre mas recusa seu culturalismo que, segundo Ribeiro, esconde sob um suposto relativismo cultural uma

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    arcaica idealizada, a dos engenhos de acar, onde uma aristocracia branca conviveria num

    equilbrio de antagonismos com os negros escravizados (MIGLIEVICH RIBEIRO, 2009).

    Essa unidade resultou de um processo continuado e violento de unificao poltica,

    logrado mediante um esforo deliberado de supresso de toda identidade tnica

    discrepante e de represso e opresso de toda tendncia virtualmente separatista.

    Inclusive de movimentos sociais que aspiravam fundamentalmente edificar uma

    sociedade mais aberta e solidria. A luta pela unificao potencializa e refora, nessas

    condies, a represso social e classista, castigando como separatistas movimentos

    que eram meramente republicanos ou antioligrquicos (RIBEIRO, 1995, p.23).

    Para o antroplogo, viabilizava-se aqui uma espcie de proletariado externo, ou seja, uma

    mo-de-obra importada que no existia para si mesmo, mas para gerar lucros exportveis

    para a metrpole (RIBEIRO, 1995, p.19). O mameluco ou brasilndio, filho do colonizador

    branco com a ndia, negado pelo pai, rejeitando a me, a metfora de Darcy Ribeiro para

    os primeiros brasileiros nascidos na ninguendade para, dialeticamente, se constiturem

    como um povo novo: para livrar-se da ninguendade de no ndios, no europeus e no

    negros, que eles se veem forados a criar a sua prpria identidade tnica: a brasileira

    (RIBEIRO, 1995, p.131).

    Numa nica concesso ao culturalismo de Boas, Darcy Ribeiro reconhece a diferenciao

    entre raa (biologia) e cultura, j trazida por Gilberto Freyre (1987), que abria inegvel

    espao na antropologia para se pensar a transculturao no como rebaixamento cultural,

    mas em seu papel criativo na inveno da nova cultura mestia latino-americana.

    A evoluo sociocultural tal como conceituada at aqui um processo interno de

    transformao e autossuperao que se gera e se desenvolve dentro das culturas,

    condicionado pelos enquadramentos extraculturais a que nos referimos. Na

    realidade, porm, as culturas so construdas e mantidas por sociedades que no

    antropologia colonialista que insiste nas descries bizarras e folclricas dos oprimidos, pouco contribuindo para a crtica e superao da ordem social que os explora. Lamenta ainda que a influncia de Boas tenha confinado seus discpulos ao papel de etngrafos, com nenhuma ambio terica. De seu lado, Darcy Ribeiro queria ver em Freyre mais referncias ao negro-massa, trabalhador do eito numa colnia que se constitui como proletariado externo. Cf. RIBEIRO, Darcy. Gilberto Freyre. Uma introduo Casa Grande & Senzala. In: ______. Gentidades. Porto Alegre: L&PM, 2011.

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    existem isoladamente, mas em permanente interao umas com as outras

    (RIBEIRO, 2011, p.46).

    Darcy Ribeiro, em O Povo Brasileiro (1995), expe a formao scio-econmico-poltica do

    Brasil e a forma singular de sua estruturao societria, fundada num tipo renovado de

    escravismo e numa servido continuada ao mercado mundial (RIBEIRO, 1995, p.19). Ao

    mesmo tempo, porm, delineia como, dialeticamente, pde-se aqui ser gerada uma variante

    tradio civilizatria europeia ocidental, com contribuies indgenas e africanas, um pas

    novo e mutante.

    Longe de sugerir uma formao sincrtica na qual os hbridos estabelecem uma relao de

    igualdade uns com os outros, Darcy Ribeiro aproxima-se dos ps-coloniais de outra gerao

    ao apontar os caboclos, mulatos e cafuzos como capazes de desafiar os cdigos modernos e,

    em sua diferena, apresentar-se ao mundo como fora criadora, em combate diante

    daqueles que insistem em negar-lhes a existncia.

    Ns, brasileiros, nesse quadro, somos um povo em ser, impedido de s-lo. Um povo

    mestio na carne e no esprito, j que aqui a mestiagem jamais foi crime ou pecado.

    Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa de nativos oriundos

    da mestiagem viveu por sculos sem conscincia de si, afundada na ninguendade.

    Assim foi at se definir como uma nova identidade tnico-nacional, a de brasileiros.

    Um povo, at hoje, em ser, na dura busca de seu destino. Olhando-os, ouvindo-os,

    fcil perceber que so, de fato, uma nova romanidade, uma romanidade tardia, mas

    melhor, porque lavada em sangue ndio e negro (RIBEIRO, 1995, p.447).

    Consideraes finais

    A Amrica Latina, como diz Walter Mignolo (2003), uma inveno ocidental que

    encontrou no artifcio racial as bases de um discurso colonial contra o qual algumas

    correntes intelectuais se opuseram, ainda que se possa afirmar que as lutas de resistncia na

    Amrica Latina ainda tm vida longa, uma vez se perpetuando a hegemonia capitalista

    ocidental-setentrional, em que pesem as crises sistmicas.

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    O pensamento crtico latino americano hoje, em dilogo com o ps-colonial, sobretudo em

    sua vertente da modernidade-colonialidade, busca as vozes silenciadas na constituio da

    Amrica Latina. Trata-se, assim, da desconstruo de um outro inventado pelo discurso

    colonial e reinventado pelos neocolonialismos.

    Ao se postular a necessidade de se relacionar o discurso ao falante, o ps-moderno descarta

    em carter irreversvel a neutralidade cientfica. Saber de onde se fala no sentido

    geopoltico, de classe, de gnero, de etnias, dentre outros crucial para se entender o

    que se fala. A crtica ps-colonial fala do ponto de vista do subalterno que empresta ao

    saber universal um indito ponto de vista a ser considerado, tambm, por aqueles que

    recusando a condio de idelogos, defendem a objetividade das cincias sociais. No

    h objetividade se ngulos de anlise so desconsiderados antes de participarem do

    empenho coletivo de compreenso do mundo.

    O esforo de (re)visitao dos saberes alijados dos cnones cientficos tem algo novo a

    produzir no corpo do conhecimento das cincias sociais e no se trata de um modismo

    inconsequente. So vitais para enfrentar os velhos e novos colonialismos, externos e

    internos, como nos diz Quijano (2005), do ser, do poder, do saber.

    Talvez, assumindo as vozes dissonantes como partcipes da modernidade hoje, tenhamos

    chances de desconfiar de como esta nos foi recorrentemente narrada e, no mnimo, isto nos

    far realizar uma sociologia mais realista. A crtica colonial, como um fenomenlogo ao

    estudar a vida cotidiana, ensina-nos a colocar entre parnteses (sob suspeio) as categorias

    e as teorias que organizaram, at ento, o conhecimento, para operar a crtica do

    conhecimento. Ningum disse que seria fcil.

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