o dic3a1rio de sarah collins[1]
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Sarah Collins
O dirio de
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Sarah Collins foi uma americana de Salm, Massachusetts, que exercia sua profisso de
qumica com excelncia, j que por motivos pessoais ela escolheu estar envolvida com esta
rea, e eram justamente esses motivos que funcionavam como uma espcie de motor para ela
ir atrs de respostas para todos seus questionamentos. Sarah nasceu em 1655, poca em que
a Igreja exercia um papel tirano contra os hereges, principalmente contra as mulheres.
Mulheres que buscavam conhecimentos sobre a natureza e seus efeitos ou at mesmo aquelas
que apenas tinham aparncia de bruxas eram arduamente perseguidas e torturadas pela
Igreja Catlica, que atravs da Inquisio realizou uma das maiores crueldades da Histria em
troca de ganhos monetrios graas expropriao dos lugares no qual as vtimas habitavam. A
Igreja usava como pretexto para isso tudo um suposto pacto com Sat das bruxas e
feiticeiras, porm isso nunca foi convincente o bastante para Sarah, que aos 10 anos viu sua
me ser acusada de heresia e logo aps ser queimada. Isso despertou um sentimento em
Sarah que a tornou infatigvel, sedenta por desvendar os mistrios atrs das acusaes a
respeito das bruxas e encontrar respostas racionais frente a todo esse massacre dissimulado.
O que Sarah conseguiu descobrir pode no ter sido suficientemente importante para a
poca, mas h de se deixar registrada sua luta, perspiccia e resultados conseguidos at 1692,
ano de sua morte, que aconteceu na prpria Salm em um episdio fatdico que ficou marcado
para sempre. O dirio a seguir foi fielmente escrito por ela, sem que mudassem sequer uma
palavra. Infelizmente ele foi encontrado j sem algumas pginas e um pouco danificado,
fazendo com que muitas vezes um mistrio pairasse no ar. Ser que as pginas foram
arrancadas propositalmente? O que estava registrado era importante demais para ser
publicado? Quem arrancou as pginas do dirio de Sarah? Seria algum da Igreja? Ou foi
simplesmente o tempo que danificou? So todas perguntas sem resposta, que fazem muitos
leitores se indagarem a respeito deste humilde dirio, que tinha o intuito de ter apenas relatoscientficos. O nico fato acerca disso tudo que, brilhantemente, Sarah Collins deixou
registrado nesse dirio um pouco de sua histria, a histria da Inquisio e descobertas com
relevncia qumica, fazendo um vnculo interdisciplinar entre Histria e Qumica e conseguindo
ainda contextualizar tudo isso em uma, por mais incrvel e contraditrio que parea, histria
cientfica emocionante.
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Quando pequena, sempre desconfiei
que nesta imensurvel natureza houvesse
todo o tipo de mistrio, alguns
desvendveis e outros nem tanto. Mas
nunca achei que fosse chegar to perto de
conhecer sequer algum tipo destes. Hoje,
mais do que nunca, eu descobri que possodesvendar sim alguns enigmas e que essa
uma das melhores sensaes que se pode
ter.
Com muitas pesquisas, estudos e
conversas com pretensas bruxas, amigas
de minha querida e falecida me,
descobrimos as causas e consequncias douso de nacos de sapos em suas poes
mgicas. Existe no sapo uma molcula
denominada bufotoxina, altamente
txica. Ela afeta o corao e semelhante
em estrutura aos glicosdeos cardacos. As
principais fontes deste composto so
exatamente os animais anfbios. Soretirados extratos de certos animais,
usualmente sapos, para serem usados
como veneno colocado nas pontas de
flecha para a caa em muitas partes do
mundo.
A molcula da bufotoxina escrita
assim:
Observando a molcula, notvel a
similaridade com a molcula de
digitoxina, encontrada no extrato de
Digitalis. Mas esse um assunto que
pretendo abordar mais tarde, j que,
graas s minhas queridas bruxas, fui
apresentada a uma herborista muitoexperiente para conversamos sobre as
ervas nocivas e curativas. Acredito que
nosso prximo encontro ser daqui a um
ms, assim terei tempo de avaliar o
contedo do que conseguirei extrair,
visitar a biblioteca municipal em busca
de livros, e ainda adicionar mais
algumas informaes de carter qumico.
Espero que at l a Salam prevalea em
Salm e que este lugar seja digno do nome
que lhe foi colocado, porque nesses
tempos de intolerncia e pavor esta a
ltima coisa presenciada, apesar de ser a
mais intimamente desejada.
Salm, 20 de Abril de 1690 Salm, 20 de Abril de 1690
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Felizmente, aps semanas
extenuantes com manhs, tardes emadrugadas adentro, consegui concluir
outra pesquisa muito satisfatria, me
fazendo sentir particularmente cada vez
mais realizada e orgulhosa de poder
participar e deixar minha marca na
brilhante e incessante busca pela verdade
cientfica na qual a natureza aprotagonista. Sou extremamente grata
pelas pessoas que entraram e ainda esto
entrando em meu caminho, me ajudando
a construir esta histria. A herborista
Marah foi uma importante contribuinte
para as descobertas que relatarei a seguir.
Afvel, afetuosa e cordial, ela me fez
manter firme a esperana e a certeza de
que estas mulheres que esto sendo
condenadas no merecem tortura alguma,
so apenas mulheres que pensam
diferente, a frente desta poca retrgrada
que insiste em se vitimar culpando
inocentes e destruindo brutalmente
famlias, lares e sonhos, separando paisde seus filhos e, por ltimo, mas no
menos importante, acabando com
qualquer rastro da cincia que est em
busca de descobertas que facilitem a vida
do homem.
O que Marah me explicou foi de
grande valia. As ervas possuem poderesmuito maiores que os imaginveis. As
curativas so diversas e incluem a
raiz de aipo silvestre, que
incrivelmente previne cimbras; a
hera, que alivia os sintomas da asma;
a salsa, que induzia abortos, mas o
mais incrvel: o extrato de dedaleira.
A Digitalis purpurea, conhecida
trivialmente como dedaleira uma
espcie oriunda da Europa. Apesar de
ser txica e envenenar se ingerida em
demasiadas doses, ela recomendada
para uso medicinal, evidentemente
inspirando cuidados. Seu uso implica
a diminuio e regularizao doritmo cardaco e fortalecimento dos
batimentos. um exemplo claro de
glicosdeo cardaco. Os glicosdeos no
so encontrados apenas na dedaleira.
Eles tambm esto em outras plantas,
em geral espcies das famlias do lrio
e do rannculo. Ela me contoutambm que foi difcil os herboristas
encontrarem estas espcies de tnicos
cardacos em seus prprios jardins e
brejos locais.
Salm, 14 de Maio de 1690 Salm, 14 de Maio de 1690
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Nos livros eu descobri que todas essas
molculas tm uma mesma caracterstica
estrutural, e provavelmente ela a
responsvel pelo efeito cardaco. Todas tm
um anel de lactona de cinco membros
preso extremidade do sistema asteride e
um OH extra entre os anis C e D do
sistema esteride, similar a estrutura da
bufotoxina,a qual j desenhei
anteriormente ao falar dos sapos.
Cada vez mais estou me
aprofundando e me envolvendo com a
Qumica desta poca, e isto est sendo
encantador. J tenho em mente a ideia do
prximo assunto, mas este ser to extenso
que eu prefiro manter sigilo.
Que meses terrveis so esses?
Quanto tempo eu no sinto a paz!
Apenas perseguio, tortura, queima de
corpos... So tempos difceis. E o pior
que no h consolo. O pior sentir-se
impotente frente a tudo isso. O que
fazer? Para onde ir? s vezes voc perde
as esperanas, no h escapatria. Comtodo esse conflito, tumulto, desordem
espacial, est difcil prosseguir com meu
sonho de mudar alguma coisa. No tive
muitas oportunidades de descobertas
durante esses 3 meses que passaram e
isso inconsolvel. A nica coisa que
pude presenciar foi a dor. De onde elestiraram essas ideias absurdas? Bruxas
esto sendo acusadas de ter relaes
sexuais com o demnio, comer bebs e
ainda o motivo de desastres e tragdias
naturais. Tenho conscincia de que na
Europa a situao est pesada, pude
saber por aqueles encarregados pelas
informaes daqui da regio.
H pouco descobri o que os donos
da verdade faziam para saber se as
mulheres eram bruxas ou no (como se
esse fosse algum mtodo confivel): as
Salm, 7 de Setembro de 1690Salm, 14 de Maio de 1690
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supostas bruxas eram amarradas ejogadas em um poo. Se flutuassem, isso
significava que eram bruxas, pois "a mo
de Sat" estava sustentando-a, ento
eram resgatadas e logo enforcadas. Se elas
se afogassem, eram inocentes, o que era
um consolo para a famlia, mas de pouca
valia para a vtima.
Alm do pavor, no mais, eu nada
tenho a acrescentar. S deixo aqui meu
apelo particular de tranquilidade para
todas as vtimas destes anos negros.
Dei incio minha jornada atrsde alcaloides! Como eu no havia
focado neles antes? Eu tinha noo de
como eram importantes no quesito
bruxaria, tanto que eles eram a minha
surpresa que eu havia contado l no
final do texto escrito em Maio, mas
infelizmente no pude iniciar quando
quis. Agora que as coisas esto em
momento de calmaria, mas longe de
entrar em uma estabilidade pacfica,
consegui obter informaes bastante
significantes, com ajuda, claro, de
feiticeiras locais. Ao contrrio do que
as bruxas confessam sob tortura que
elas vo voando, saindo pela chamin,montadas em vassouras para os
encontros marcados para a meia-noite
que se configuram como uma pardia
orgaca da missa crist,
comumente chamados de
sabs elas no, no
voam. No pense que as
bruxas so cretinas
mentirosas. Voc tambm
falaria isso sob efeitos
alucingenos.
Salm, 7 de Setembro de 1690 Salm, 20 de Novembro de 1690
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Os alcaloides so substnciasorgnicas cclicas que contm um ou mais
tomos de nitrognio, em geral como parte
de um anel de tomos de carbono. Eles
possuem uma ao biolgica extremamente
marcante, pois afetam o sistema nervoso e
tambm so txicos. Muitas herboristas,
feiticeiras e conhecedores da natureza em
geral utilizam esses compostos como
remdios h muito tempo. Mas, voltando ao
caso da vassoura, existe uma espcie de leo
e pomada que as bruxas esfregam na
vassoura conhecido como ungentos de
vo. Nesses ungentos de vo h a presena
de extratos de composto como: mandrgora,
beladona, meimendro, dedaleira, salsa,acnito, cicuta e estramnio. Pretendo
explicar todos, um por um pacientemente
aqui. Mas enxergo uma necessidade de
maior estudo da minha parte para falar
com convico a respeito deles, pois preciso
estar ciente de que o que estou relatando
no nada alm da verdade, e sem estar
confiante posso acabar cometendo
equvocos. O que posso deixar adiantado
que na dedaleira h glicosdeos txicos, na
salsa h miristicina alucinognica e no
estramnio h atropina e escapolamina.
Esses ungentos abarrotados decompostos que afetam o sistema nervoso
friccionados sobre a pele e
esparramados pelo cabo da vassoura
que, no contato direto com as
membranas genitais, sensveis e cheias
de vasos sanguneos, produzem as tais
viagens, que so puramente fantasiosas,
provocadas pelos alcaloides
alucinatrios. Se eu estivesse na posio
das bruxas, no acharia difcil crer no
efetivo vo, visto que o efeito produzido
muito forte e que, com a vida rdua
que as mulheres esto levando,
qualquer simples motivo seria capaz de
lev-las a um refgio em outraatmosfera, na qual no existem
pesadelos e injustias.
Agora eu espero ansiosamente
para obter as informaes e escrever o
prximo texto. Gostaria de agradecer
minha querida amiga bruxa Abigail
por estar me ajudando com asinformaes, que por vezes so at
sigilosas, mas que ela no poupa
esforos para me ajudar sempre que
pode e da melhor maneira possvel.
Salm, 20 de Novembro de 1690 Salm, 20 de Novembro de 1690
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E nessa luta estamos juntas, no s elaquanto todas as outras que no citei por
motivos de segurana, mas que eu sei que
permanecero ao meu lado, pois ningum
forte sozinho.
Antes de explicar a composiodos ungentos de vo, pensei e achei
importante falar um pouco mais sobre
os alcaloides em geral, mas isso no
significa que irei deixar de lado a
graxa das vassouras. Vou tentar dar
um breve resumo do que pude
descobrir com as herboristas neste ms
sobre, basicamente, os efeitos dos
alcaloides, de maneira bem geral
mesmo.
Os alcaloides em pequena
quantidade podem at servir de bom
grado para o corpo humano. Eles so
at usados com efeitos medicinais! A
Tita, escrava que veio da frica, me
contou que l eles tm uma palmeira
arequeira que produz noz-de-areca.
Essa noz-de-areca tem um alcaloide
chamado acrecaidina que muito
usado como estimulante. Novamente,
veja a estreita relao dos alcaloides
com o sistema nervoso. Mas essa noztambm apresenta nus. Elas deixam
os dentes marcados por manchas
escuras e os usurios pegam o hbito
de cuspir uma saliva vermelho-
escura. Tita me contou que a diverso
Salm, 20 de Novembro de 1690 Salm, 11 de Dezembro de 1690
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das crianas de sua rua era caar esta noz,tanto para fazer guerrinhas quanto para
comer, o que era um pesadelo para as
mes, pois elas no paravam quietas
depois. Tambm tem uma planta na ndia,
a Raulwolfia serpentina, que tem
alcalides voltados para uso medicinal.
Outra planta com alcalides fica na
China, e aEphedra snica,mas sobre
esta planta ainda no sei a fundo os seus
cunhos medicinais. Alm de produzir estes
efeitos no corpo, eles tambm so
importantes para as plantas, servindo de
fungicidas, inseticidas e pesticidas
naturais.
Apesar de exercer um papel favorvel
ao corpo, perceptvel a fama dos
alcalides como apenas txicos venenosos.
Um episdio bastante memorvel acerca
dos alcalides, e isso eu posso comprovar a
partir da leitura dos livros de Filosofia da
biblioteca. Foi um alcaloide que matou
Scrates. O nome coniina, um alcaloidede estrutura simples, mas letal, presente na
cicuta. , essa mesma que faz parte dos
ungentos de vo das bruxas. Scrates
recebeu como sentena de morte aingesto de uma poo feita de fruta e
das sementes de cicuta. Ainda no sei
como os fanticos religiosos no
aplicaram esse castigo s bruxas. Ah, sei
sim, na mente deles seria pouca tortura.
Salm, 11 de Dezembro de 1690Salm, 11 de Dezembro de 1690
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Como prometido, vou explicar acomposio dos ungentos de vo presentes
nas vassouras das bruxas. J foi dito, mas
vou repetir aqui. Os principais compostos
da graxa so basicamente: mandrgora,
beladona, meimendro, dedaleira, salsa,
acnito, cicuta e estramnio, porm darei
mais ateno s plantas da famlia
beladona.
Primeiramente, a mandrgora,
Mandragora officinarum, uma planta
nativa da regio mediterrnea e sua forma
se parece, como dizem, forma humana.
Pelo que pude ler nos livros, soube que ela
usada desde a Antiguidade como meio de
restaurar a vitalidade sexual e tambm
como soporfico. Uma das diversas lendas
que existem acerca da mandrgora diz que,
quando arrancada do solo, ela emitia
gemidos lancinantes e um fedor
insuportvel. Como conseqncia dessas
lendas, muitas teorias tambm eram
formadas para tentar explicar isso. Umadelas que a mandrgora crescia debaixo
da forca, germinadas pelo smen que o ru
ali pendurado deixou escapar.
A outra planta a beladona,
Atropa belladonna.Este nome no uma
coincidncia, ela realmente associada
vaidade das mulheres, em especial as
italianas, que pingavam nos olhos o suco
espremido das bagas pretas dessa planta.
Como efeito, suas pupilas ficavam
dilatadas e isso tornava-as mais belas. A
beladona no se limita a. Se ingeridaem maiores quantidades, acaba
induzindo a um sono associado morte.
O grande Shakespeare, morto
infelizmente h aproximadamente 74
anos atrs, escreveu sobre esse efeito em
meu romance favorito: Romeu e Julieta.
A beladona teria sido a poo tomadapor Julieta, e isso foi imortalizado em
um trecho da pea que eu me lembro de
cor: Atravs de todas as tuas veias
correr / Um humor frio e letrgico, pois
nenhuma pulsao restar, mas ao fim
Nessa semelhana emprestada de morte
constrita / Permanecers por quarenta e
duas horas, / E ento despertars como
de um sonho bom. itando Shakespeare,C
acabo de me lembrar de que ele tambm
escreveu sobre a mandrgora em Romeu
Salm, 5 de Janeiro de 1691Salm, 5 de Janeiro de 1691
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e Julieta. Em certo momento, Julieta diz:
... com cheiros repugnantes e guinchos
como mandrgoras arrancadas terra / Que
mortais, ouvindo-os, enlouquecem.
Retomando ao que eu disse l em cima,
Julieta enfatiza o fedor e os sons que a
mandrgora emite aps ser arrancada.
A terceira planta o meimendro,
Hyoscyamus Nger. No consegui descobrir
muito sobre ele, pois a biblioteca estava
com o livro em falta. O que tem pra dizer
que eles so fortes mitigantes da dor,
anestsicos e venenos. E, mais uma vez,
Shakespeare escreveu sobre uma planta
dessas. Em Hamlet, houve esta passagem:Teu tio roubou, / Com suco de execrvel
hebona num frasquinho, / E nos meus
ouvidos derramou / O destilado veneno.
A palavra hebona foi associada tanto ao
teixo quanto ao meimendro, mas de um
ponto de vista qumico o meimendro
parece fazer mais sentido.
Por hoje s, estou extremamente
exausta, tanto fsica quanto mentalmente
e, estou com um pressentimento de que
algo ruim ir acontecer em breve.
Salm, 5 de Janeiro de 1691
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H algumas semanas, Salm vemsendo alvo, conforme dizem os fofoqueiros
de planto, de rumores ao redor do
mundo, pois todos esto curiosos para
saber o que se passa na cidadezinha
americana onde todos enlouqueceram e se
tornou um verdadeiro manicmio. Claro
que so rumores em demasia exagerados,
mas qualquer um consegue enxergar que
h algo esquisito no comportamento dos
moradores: convulses, alucinaes,
distores estranhas dos membros, ataques
apoplticos, desarticulao da fala, e
perturbaes sensoriais vm causando um
pnico total na cidade e na vizinhana,
embora at agora no tenha ocorridonada nas aldeias das redondezas.
No incio, a Igreja acreditava que
eram casos de possesses demonacas, uma
vez que as pessoas comeam a se contorcer
e a sentir seus membros queimando, mas
agora, como centenas j apresentam os
mesmos sintomas, esto colocando a culpaem uma maldio rogada na cidade pelas
bruxas, e vrias idosas que vivem em
reas mais afastadas do centro esto sendo
acusadas e abrasadas.
Nunca se viu antestamanhosofrimento aqui, tanto por parte dos
infectados pelo mal quanto pelas bruxas
condenadas, a inquisio em Salm est
apresentando nveis terrveis de
crueldade. Como no acredito nessas
explicaes sobrenaturais da Igreja,
comearei a investigar esse caso e espero
trazer respostas o mais rpido possvel.
Salm, 20 de Maio de 1691Salm, 20 de Maio de 1691
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Passei esses ltimos meses retrada em
meus pensamentos e devaneios, noconseguia me conformar em no
compreender o mal que vem acometendo a
nossa comunidade. Fiz de tudo possvel:
conversei com Marah e outras herboristas,
Abigail e suas amigas, e praticamente
morei na biblioteca municipal, fiz at
uma bela amizade com o simptico
bibliotecrio, o Giles - um velhinho que
me ajudava com uma enorme fora de
vontade nas pesquisas, incrvel o que
dizem a respeito do conhecimento, ele
realmente vem com a maturidade. Mas
apesar dos esforos, no achava nada de
grande valia aqui, ento decidi expandir
meus horizontes e pedir para amigosenviarem alguns livros da Biblioteca
Nacional e outros vindos das principais
capitais culturais europeias. Quando eles
chegaram fiquei to animada que passei
noites sem dormir s os desfrutando, at
que comecei a achar alguns relatos muito
interessantes, e os fatos foram seencaixando perfeitamente!
Diversos livros descrevem surtos
espordicos desse mal que assola Salm
pela Europa, causando os mesmos efeitos
sobre as pessoas. Por volta de 857 d.C.,
no Vale do Reno, Alemanha, observou-se a primeira ocorrncia em terras
europeias e um sculo depois, na Frana,
cerca de 40 mil pessoas (isso mesmo, 40
mil!) morreram com os mesmos sintomas.
Aps descobrir que outras
sociedades j passaram pelo mesmo que
ns, fiquei mais instigada ainda paraprocurar e saber o porqu disso, de onde
vem essa doena, se que se pode
chamar assim. Lendo livros mais
antigos, encontrei algo que mudou todo
o meu ponto de vista: em 600 a.C., os
assrios notaram uma pstula nociva
na espiga dos cereais que causava
exatamente os mesmos sintomas que
podemos observar nos moradores de
Salm. Ser ento que toda essa dor,
sofrimento, acusaes e mortes tm uma
nica origem: uma substncia presente
na superfcie dos cereais? Combinei com
Marah de irmos visitar amanh
algumas das principais plantaes queabastecem a cidade para coletar
amostras e estud-las. No vejo a hora
de conseguir novas informaes e
compartilh-las aqui.
Salm, 26 de Setembro de 1691 Salm, 26 de Setembro de 1691
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Hoje venho aqui partilhar umagrande surpresa que tive ao analisar
algumas amostras coletadas em centeios: a
superfcie de grande parte est coberta por
alcaloides! Sim, logo eles que venho
estudando por tanto tempo.
Ao observar algumas plantaes de
cereais como trigo, milho, cevada, nada
me parecia anormal, mas ao olhar os
centeios, sua aparncia no era das
melhores: suas pontas estavam todas
cobertas por um fungo preto, e imaginem o
meu espanto ao descobrir que eram
alcaloides. Comecei a me aprofundar nessa
questo e cheguei a um termo comum:cravagem, nela encontram-se grupos de
alcaloides que possuem molculas com
efeitos devastadores, e o envenenamento
por meio delas chamado de ergotismo. Na
Prsia, por exemplo, foi registrado que
uma dessas molculas, a ergotamina,
causava o aborto. At os soldados de Jlio
Csar e Pedro o Grande no escaparam:
foram acometidos pelo ergotismo, que
dizimou seus exrcitos e os obrigou a
adiar a realizao de suas ambies
expansionistas e estratgias geopolticas.
Outra indagao que fiz a mimmesma foi: como esse fungo se desenvolve
no centeio? Encontrei a resposta em um
livro de Biologia, o qual dizia que o
crescimento dos fungos nos cereais era
estimulado com a presena de um
perodo chuvoso antes da colheita ou
com seu armazenamento inadequado
em condies midas. Logo me recordei
da temporada de clima quente e
chuvoso que comprometeu as plantaes
de Salm em 1961, que
coincidentemente foi na mesma poca
em que os surtos comearam a surgir.
Outra coincidncia foi
o fato de culparem logo as
mulheres idosas dos
arredores da cidade, que por
viverem apenas de seus
conhecimentos herboristas,
encontram-se em condies
de misria, sem dispor ao
menos de uma somanecessria para comprar
farinha (a ingesto de uma
pequena quantidade de
farinha j suficiente para
Salm, 9 de Dezembro de 1691Salm, 9 de Dezembro 1691
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causar o ergotismo) do moleiro da vila, no
sendo infectadas. Seus nveis de pobreza as
salvam do ergotismo, porm, por no serem
atingidas pelos venenos da cravagem, se
tornam mais vulnerveis s acusaes de
bruxaria.
No prximo texto pretendo comear a
falar das estruturas moleculares dos
alcaloides da cravagem, pois estou espera
de um aparelho mais moderno de
ampliao que est vindo da capital e deve
chegar essa semana, est muito difcil fazer
anlises com essas parafernlias arcaicas do
interior.
As pessoas aqui em Salm estochamando o ergotismo de Dana-de-
so-vito, sendo o termo dana uma
aluso aos espasmos e contores
compulsivas, que hoje eu sei que so
decorrentes dos efeitos neurolgicos de
alguns alcaloides da cravagem. A Igreja
est comandando cultos e rezas todas asnoites ao santo Antnio, que teria
poderes especiais contra o fogo e a
epilepsia e poderia acabar com seus
sofrimentos. Queria tanto ajud-los de
alguma maneira, me sinto to
impotente em saber de tanta coisa e
ficar calada, vou procurar finalizar
meus estudos introdutrios o mais
rpido possvel e tentar achar uma
cura para a doena, pois acredito que a
cincia pode salv-los, j que
perceptivelmente, a reza no est os
ajudando muito.
Marah, que tem me ajudado
bastante, andou conversando com
algumas herboristas de Salm e de
outras comunidades e descobriu que os
alcaloides da ergotina, embora txicos e
perigosos, so usados para fins
Salm, 9 de Dezembro de 1691 Salm, 28 de Janeiro de 1692
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medicinais at hoje por parteiras para
acelerar o parto ou induzir o aborto,
tambm so usados para a cura da
enxaqueca. Fora isso, no tenho mais
notcias relevantes, apenas continuo
esperando pela chegada do novo aparelho
qumico para estudar as molculas, pelo o
que eu ouvir falar eles tiveram umproblema com os cavalos de entrega, o que
me resta aguardar.
Finalmente o novo equipamento
chegou, ele fantstico e rapidamente
consegui concluir a minha anlise. A
seguir, os resultados:
Ao estudar cuidadosamente as
molculas de diversos alcaloides que
causam o ergotismo, observei que eles
apresentam uma caracterstica
qumica em comum: todos so
derivados de uma molcula chamada
de cido lisrgico. O grupo OH
(indicado na figura pela seta) presente
no cido lisrgico substitudo por um
grupo lateral maior, como na molcula
de ergotamina, a qual j tecicomentrios anteriormente, e na
molcula ergovina, que muitas
parteiras usam para cessar
sangramentos que podem ocorrer ps-
parto. A poro do cido lisrgico
encontra-se circulada nessas duas
molculas.
Salm, 28 de Janeiro de 1692 Salm, 2 de Abril de 1692
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Com meus estudos sobre a cravagem
quase concludos, estou pensando em
lev-los e explic-los ao padre Atansio,
amvel como ele s, tenho certeza que me
entender e ir levar os pensamentos para
os outros membros da Igreja local e para
os governantes. J pensou minha utopia
de tempos de paz se tornando realidade?
Hoje me encontro em profundatristeza, pois ontem fui fazer uma visita
ao Padre Atansio, como havia falado
que faria, e ele nem parecia a mesma
pessoa que me visitava todos os dias
para confortar-me aps o falecimento
da minha me. Ao revel-lo minhas
descobertas, ele foi direto e frio dizendo
que essas conspiraes (termo que
usou para se referir s minhas
pesquisas) no me levariam a lugar
nenhum, a no ser para a forca, e que
se eu mostrasse isso a mais algum,
achariam que sou uma bruxa ou
simplesmente louca e, para completar,
repetiu diversas vezes que a entrega f o nico caminho para a minha
salvao. No pode ser, ser que ele
tambm se tornou um deles? Um
intolerante, que no consegue enxergar
essa realidade absurda que estamos
vivendo? Realmente, as pessoas mudam
da gua para o vinho, e pior: sem voc
ao menos perceber.
Salm, 2 de Abril de 1692 Salm, 15 de Julho de 1692
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7/25/2019 o Dic3a1rio de Sarah Collins[1]
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Eles esto atrs de mim, tenho quase
certeza que o padre Atansio me entregou
Cotton Mather, um homem arrogante e
temido pela populao, conhecido na
Amrica como O Pai da Caa s Bruxas,
se ele te delata seu destino j conhecido:
a morte. Pois bem, alm de conspirar
dizendo que eu tenho a bruxaria no meusangue devido minha me, ele me
acusou de heresia, calnia e de cooperar
com as bruxas. No sei quanto tempo mais
conseguirei me esconder, ento deixo aqui
minhas ltimas palavras... Comecei
escrevendo esse dirio com o intuito de
relatar meus avanos cientficos, mas eleacabou se tornando mais, se tornou uma
maneira de escapar da doentia realidade,
das mortes e das acusaes. Espero que um
dia algum o encontre e veja a real
histria por trs de todas as inocentes que
morreram queimadas. E muito mais que
um dirio, esse meu legado para a
humanidade.
Com amor,
Sarah Collins.
Salm, 30 de Novembro de 1692