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O culto imperial e a perseguição aos cristãos Organizado por Eliezer Lucena 1 O CULTO IMPERIAL ROMANO

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 1

O CULTO

IMPERIAL

ROMANO

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

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INDICE:

1. A IGREJA ANTIGA

2. PONCIO PILATOS QUEM FOI?

3. A MENSAGEM ANTI-IMPERILIALISTA DOS EVANGELHOS I - JESUS E A MOEDA DO

IMPERADOR CESAR

4. A MENSAGEM ANTI-IMPERIALISTA DOS EVANGELHOS II - JESUS É O FILHO DE

DEUS (E O IMPERADOR NÃO É):

5. A MENSAGEM ANTI-IMPERIALISTA DOS EVANGELHOS III - OS PORQUINHOS

MARATONISTAS

6. TESTEMUNHOS HISTÓRICOS SOBRE QUEM MATOU JESUS.

7. PERSEGUIÇÃO ROMANA AOS PRIMEIROS CRISTÃOS DURANTE OS TRÊS PRIMEIROS

SÉCULOS

8. A MORTE DE TIAGO IRMÃO DE JESUS

9. A MORTE DE SIMÃO IRMÃO DE JESUS

10. A PERSEGUIÇÃO A FAMÍLIA DE JESUS.

11. IMPERADORES ROMANOS VERSUS IGREJA PRIMITIVA

12. O CORTEJO IMPERIAL POR OCASIÃO DA PASCOA JUDAICA

13. O DRAGÃO DO APOCALIPSE.

14. A MULHER MONTADA NA BESTA QUEM É ELA?

15. OS NUMEROS NO APOCALIPSE.

16. O CULTO IMPERIAL E OS TITULOS DO IMPERADOR

17. A DEFESA DOS APOLOGISTAS CRISTÃOS

18. AINDA SOBRE AS PERSEGUIÇÕES CONTRA OS CRISTÃOS

19. OS MÁRTIRES CRISTÃOS

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1. A IGREJA ANTIGA

Trechos do livro HISTÓRIA DA IGREJA CRISTÃ,

de Robert H. Nichols, da Editora Cultura Cristã:

Entre o ano 100 d.C. e o reinado de Constantino, o cristianismo alcançou

maravilhoso progresso. Em 313 era a religião dominante na Ásia Menor, região muito

importante do mundo de então, como na Trácia e na longíqua Armênia. A Igreja se

constituíra numa influência civilizadora muito poderosa na Síria, na Antioquia, nas costas

da Grécia e Macedônia, nas ilhas gregas, no norte do Egito, na província da África, na

Itália, no sul da Gália e na Espanha. Era menos forte em outras partes do Império,

inclusive a Britânia. Era fraca, naturalmente, nas regiões mais remotas, como a Gália

Central e do norte. Em todas essas regiões a Igreja alcançou povos das mais variadas

línguas, que não faziam parte da civilização greco-romana.

O Cristianismo já se mostrara mais inclusivo do que qualquer outra tradição

cultural. Não tinha alcançado somente os limites do império; mesmo o leste da Síria e a

Mesopotâmia receberam influência poderosa. O Cristianismo introduziu-se em todas as

classes sociais. Passara já o tempo de só se encontrarem cristãos entre as classes

paupérrimas e iletradas. A Igreja contava também com não poucas pessoas das classes

altas e ricas. Eram numerosos os cristãos na corte imperial e entre os elementos do

governo. Não obstante haver na Igreja forte opinião de que o Cristianismo era

incompatível com a profissão de soldado, eram muitos os cristãos no exército durante o 2°

século; e eram numerosíssimos os soldados cristãos ao tempo de Diocleciano. Muitos

homens de alta cultura tinham-se tornado discípulos e usavam sua influência para

desenvolver a causa cristã. A classe mais poderosa no Cristianismo era, porém, constituída

de artesãos, pequenos negociantes, proprietários de pequenas terras, todos pessoas

humildes.

Quem contribuiu com esse extraordinário crescimento do Cristianismo? No início

desse período, como no 1º século, houve muitos missionários itinerantes que foram os

pioneiros do Cristianismo. Os apologistas ou defensores intelectuais do Cristianismo

realizaram uma grande obra missionária. Um deles foi Justino, o Mártir (100-165). Era um

grego natural da Palestina. Demonstrou sua origem grega ao percorrer as várias escolas

filosóficas à procura da verdade. Numa dessas viagens encontrou-se com um notável

cristão que o fez compreender que o clímax da verdade que ele procurava estava em

Cristo. O resto da sua vida, até o seu martírio, Justino passou viajando com os filósofos de

então, ensinando o cristianismo como filosofia perfeita. Escreveu também muitos livros

com o propósito de explicar a verdade cristã aos pesquisadores pagãos.

Outro apologista notável foi Tertuliano (150-222); advogado cartaginês, já de

meia idade, convertido ao Cristianismo. Dotado de dons extraordinários, seu pensamento

era agudo e sua linguagem vigorosa, elegante, vívida e satírica. Esses dons aliados a um

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zelo profundo por Cristo e um severo senso de moralidade, deram-lhe notável e poderosa

influência. Em muitos escritos refutou falsas acusações contra os cristãos e o Cristianismo,

salientando o poder da verdade cristã. Os homens que realizaram trabalho de mestres nas

igrejas foram de utilidade extraordinária no desenvolvimento do Cristianismo daqueles

dias.

Exemplo notável de mestre foi Orígenes de Alexandria (185-253). Nascido de

pais crentes, recebeu a melhor educação que se poderia obter naquela época. Na cultura e

poder intelectual não houve quem o superasse no seu tempo. Ele e Tertuliano foram os

dois maiores homens da Igreja dos séculos 2º e 3º. Com apenas 18 anos de idade, Orígenes

tornou-se mestre de uma escola de catequese da igreja de Alexandria. Veio a ser ali uma

fortaleza que tornou o Cristianismo conhecido dos cristãos e não-cristãos. Escreveu muitos

livros que expunham as verdades evangélicas, inclusive bom número de comentário de

alguns livros da Bíblia e que ainda são de valor para os estudiosos. Na perseguição movida

pelo imperador Décio, foi vítima de grandes crueldades que apressaram sua morte (leia

mais sobre Orígenes) Todavia, a maior parte da obra que contribuiu poderosa e

decisivamente para espalhar a causa da cruz foi realizada pelos cristãos em Geral.

Por suas vidas, especialmente pelo seu grande amor fraternal e também pelo

amor aos descrentes, pela fidelidade e coragem sob as perseguições e pelo testemunho oral

da história do Evangelho, esses desconhecidos servos de Cristo levaram aos pés do

Salvador a quase totalidade dos que foram ganhos para a causa do Evangelho naquele

tempo. Nunca faremos uma apreciação segura das conquistas que a Igreja fez nesses

séculos se esquecermos que elas foram alcançadas em meio à mais feroz perseguição.

A partir de Nero (54-68),o governo romano hostilizou tenazmente o Cristianismo.

Qual a causa dessa atitude? O governo permitia a prática de muitas religiões. Mas o

Cristianismo era diferente das outras religiões. Os crentes prestavam obediência e lealdade

supremas ao seu Salvador. E para os romanos, o Estado era a suprema força, e a religião

era uma forma de patriotismo. Os deuses reconhecidos pelo Estado eram cultuados com o

objetivo de beneficiar o governo e a nação. Qualquer adepto de outra religião estava

disposto a prestar tributo aos deuses nacionais, ao mesmo tempo em que realizava o seu

próprio culto.

Mas o Cristianismo era exclusivista. Não condescendia em prestar culto a outra

divindade. Os cristãos sustentavam a inutilidade dos deuses, exceto o que eles adoravam.

De modo algum prestariam culto aos deuses romanos, por ordem do Estado. Jamais

colocariam César acima de Cristo. Podemos entender porque, aos olhos dos governos

romanos, o Cristianismo parecia um ensino desleal e perigoso para o Estado e para a

sociedade. Assim os cristãos foram acusados de anarquistas, sacrílegos, ateus e traidores.

O governo então hostilizava os cristãos porque os considerava uma ameaça ao Estado

Supremo. Usava de um meio muito conveniente para pôr à prova a lealdade dos cristãos.

Estes eram levados a juízo e obrigados a participar das cerimônias da religião do Estado,

na adoração das estátuas de Roma e dos imperadores. Quando os cristãos, naturalmente, se

recusavam a prestar esse culto, as autoridades os consideravam traidores. Era o bastante

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alguém confessar: "Sou cristão", para tal testemunho constituir desobediência ao

Estado. Dois fatos contribuíram para aumentar a oposição oficial ao Cristianismo:

primeiro, o seu crescimento a despeito da repressão; segundo, suas principais reuniões,

como a Ceia do Senhor, que eram realizadas a portas fechadas. A Igreja parecia aos olhos

do governo uma perigosa arma secreta que crescia assustadoramente. Por muito tempo o

governo fez as vezes dos povo no ataque ao cristianismo. Até o século 3º, quando os

cristãos se tornaram mais bem conhecidos, o Cristianismo era odiado pelo povo. (.....)

Não houve uma perseguição contínua, de Nero a Constantino. O tratamento dado aos

cristãos variava de acordo com as atitudes dos imperadores ou dos governo regionais.

Houve muitas épocas de trégua em certas regiões ou no império todo. Mas durante todo o

tempo o Cristianismo esteve fora da lei, e em qualquer ocasião os cristãos podiam ser

presos e acusados diante de um magistrado. A recusa em participar no culto oficial

significava tortura e, para os obstinados, a morte. Nenhum cristão nesses séculos , pôde

viver sem sofrer perseguição, de um modo ou de outro. Até a primeira parte do século

3°, os ataques ao Cristianismo eram principalmente de caráter local.

Depois de se experimentar a paz por uma geração, desencadeou-se a pior

perseguição jamais sofrida, sob o governo de Décio e seus dois sucessores (250-260).

Lançaram eles mão de todo o poder de que dispunham, numa tentativa impiedosa e

sistemática de varrer o Cristianismo do império romano. Milhares foram martirizados e

milhares perderam a fé. A Igreja estava seriamente ameaçada, enfraquecida e em perigo

mortal, quando a perseguição foi suspensa pelo imperador Galieno. Seguiu-se, então, a

"Pax Longa" (260-303), durante a qual a Igreja muito conseguiu em número, poder e

organização. Assim, ela ficou habilitada a suportar a última das perseguições, sob

Diocleciano. Esta foi cuidadosamente organizada e ferocíssima, mas de pouca duração em

algumas partes, prejudicando, relativamente pouco, a Igreja.

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2. Quem foi Pôncio Pilatos?

Meu nome é Airton José da Silva e sou Professor de Antigo Testamento/Bíblia Hebraica

na Faculdade de Teologia Dom Miele do CEARP - Centro de Estudos da Arquidiocese de

Ribeirão Preto, SP. Fui professor na mesma área na FTCR da PUC-Campinas de 1980 a

2006.

Pôncio Pilatos teria passado praticamente despercebido pelos historiadores se no

período em que foi prefeito da Judéia, não tivesse participado do injusto processo que

condenou Nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso, seu nome foi incluído no quarto artigo do

credo para deixar claro que a redenção deu-se num lugar concreto do mundo, a Palestina.

Num tempo concreto da história, isto é, quando Pilatos era prefeito da Judéia.

Tendo a Judéia perdido sua independência, tornou-se uma Província Romana.

Administrada por um governador, era este o supremo magistrado a quem eram deferidas

todas as causas capitais. Foi então que no ano 26 d.C., Pôncio Pilatos veio suceder Valério

Grato no governo desta região.

Os detalhes de sua vida que antecedem à sua chegada na Palestina nos são

desconhecidos. Porém muitos historiadores admitem que ele era descendente de uma

nobre família romana e que desposara uma parenta do imperador Tibério chamada Cláudia

Prócula.

Alguns escritores antigos o chamam de procurador, entretanto, este título parece ter

sido concedido aos governadores da Judéia num período posterior ao de Pilatos. Conforme

uma inscrição encontrada nas ruínas do Anfiteatro de Cesaréia Marítima, no ano de 1961,

o seu verdadeiro ofício era o de Prefeito. Esta lápide encontra-se hoje no Museu de

Jerusalém.

Pilatos estava à frente de uma circunscrição a qual pertenciam três pequenas

regiões: Judéia, Samaria e Iduméia. Tendo esta última seus limites pouco definidos,

necessitava de uma particular atenção. Mesmo sendo províncias de exígua importância,

não era nada fácil administrá-las, pois sempre estavam envolvidas em revoltas e

conspirações.

As principais funções do Prefeito eram a de manter a ordem na província, arrecadar

os impostos que deveriam ser enviados a Roma e administrá-la judicialmente. Por este

motivo é que tomou parte no injusto processo que condenou Jesus.

Pilatos habitualmente residia em Cesárea, que era a capital oficial e estava situada à

beira mar. Esta cidade foi construída por Herodes o Grande, que lhe deu este nome com o

intuito de lisonjear o imperador César Augusto.

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Entretanto, durante as festas mais significativas dos judeus, transladava-se para

Jerusalém com todos os seus soldados, residindo no Pretório, contíguo à torre Antonia, ao

noroeste do templo. Agia assim por temer que aquela multidão viesse a tramar alguma

insurreição contra o poderio romano na Judéia. Embora seu regimento não superasse a

4.500 soldados, podia em caso de necessidade, solicitar o auxílio militar do governador da

Síria que era o seu superior imediato.

No período em que governou a Palestina, ocorreram diversos incidentes. Flávio

Josefo conta que em certa ocasião Pilatos mandou introduzir em Jerusalém o estandarte de

sua tropa com as insígnias do Imperador Tibério. A presença de representações humanas

na Cidade Santa provocou uma indignação geral. Viam nisto a violação de suas leis

divinas que não permitiam elevar nenhuma imagem em sua cidade. Partiu então de

Jerusalém uma delegação de judeus, rumo à sua residência em Cesaréia, a fim de protestar.

Permaneceram ali durante cinco dias e cinco noites. Ao final, Pilatos, indignado

com aquele tumulto, convidou os judeus para que se apresentassem diante dele.

Primeiramente mostrou-se cordial como se quisesse atender os seus pedidos. Enquanto o

povo se reunia, apareceram três esquadrões que o cercaram de todos os lados. Pilatos, a

fim de intimidá-los, ordenou que suas tropas desembainhassem as espadas.

Esta ameaça só fez acirrar ainda mais o ânimo daqueles judeus. Através do gesto de

desnudar os seus pescoços, quiseram demonstrar ao governador que preferiam morrer a

ver a Cidade Santa profanada com imagens de falsos deuses. Temendo desordens ainda

maiores, Pilatos recuou. Mandou então tirar os estandartes, bem como as insígnias

imperiais de Jerusalém.

Flávio Josefo narra outro episódio ocorrido durante seu mandato. Pilatos mandou

construir um aqueduto para levar água das imediações de Belém até Jerusalém. Porém,

devido ao alto custo do projeto, resolveu então tomar o dinheiro do tesouro do Templo

chamado Korbonan. Este fato deu origem a uma grande rebelião e, para reprimi-la, o

governador usou de um cruel estratagema.

Mandou que vários de seus soldados fossem à Jerusalém, disfarçados como

peregrinos. Deviam estar sem espadas, munidos apenas de um pequeno bastão escondido

por entre a roupa. E, quando já se encontravam misturados no meio do povo, todos a uma

só vez começaram a golpear os revoltosos. Muitos daqueles que conseguiram escapar das

mãos dos soldados, acabaram por morrer pisoteados pela multidão que fugia assustada.

Contudo, o mais grave dos casos sucedidos durante o seu mandato foi o violento

massacre ocorrido no Monte Garazim no ano 35. Um samaritano por acreditar haver

chegado o tempo messiânico, convenceu o povo a tomar armas contra os romanos. Pilatos,

ao ser alertado sobre o fato, ocupou o caminho que leva até este monte sagrado dos

samaritanos e ordenou ao seu exército que apunhalasse os revoltosos. Muitos destes

morreram e outros foram feitos prisioneiros.

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Após este episódio, os samaritanos mandaram uma delegação ao governador da

Síria, Lúcio Vitélio, que destituiu Pilatos de seu cargo. Em seguida, mandou-o a Roma

para dar contas de sua administração ao Imperador. Depois de 54 dias de viagem

desembarcou na Itália. Entretanto, Tibério seu protetor, havia morrido poucos dias antes.

Segundo uma tradição recolhida por Eusé¬bio de Cesaréia, o cruel governador não gozava

da simpatia do novo Imperador Calígula. Foi então exilado para a França e lá se suicidou.

Nos séculos seguintes apareceram diversas legendas sobre sua pessoa. Algumas

delas diziam que Tibério mandou executá-lo, lançando seu corpo no rio Tibre. Outras,

tendo como base o Evangelho apócrifo de Nicodemos, apresentavam-no como

conver¬tido ao cristianismo junta¬mente com sua mulher Prócula.

Os Evangelistas apresentam Pilatos como sendo um homem venal, inconstante e

frívolo. Mesmo sem conhecermos qual tenha sido o seu verdadeiro destino, a imagem que

temos gravada na memória é a de um injusto juiz que lavou as mãos do sangue de um

inocente. E na água que procurava limpar o seu pecado, viu nela afogar-se o direito

romano que deveria ter sido defensor. “A história do direito não conheceu sentença mais

arbitrária e antijurídica”

OS PREFEITOS E PROCURADORES ROMANOS NA JUDÉIA

Copônio 6-8 d.C.

Marcos Ambívio 8-12 (?)

Ânio Rufo 12-15 (?)

Valério Grato 15-26

Pôncio Pilatos 26-36

Marcelo 36-37

Marulo 37-41 (?)

Cúspio Fado 44-46

Tibério Alexandre 46-48

Ventídio Cumano 48-52

Antônio Félix 52-60

Pórcio Festo 60-62

Lucéio Albino 62-64

Géssio Floro 64-66

O procurador ou prefeito era um administrador em ligação com o legado que

governava a província romana da Síria e dependia dele. Residia em Cesaréia, mas subia a

Jerusalém e podia lá permanecer conforme as circunstâncias ou as necessidades.

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Organizado por Eliezer Lucena 11

Por causa de Flávio Josefo[9] se pensava que a Judéia fora governada por

procuradores (epítropos, em grego, procurator, latim), mas hoje se sabe, graças a uma

inscrição sobre Pilatos encontrada em Cesaréia[10], que, até Cláudio, os governadores

romanos da Judéia tinham o título de éparchos ou praefectus = prefeito. Após Cláudio,

que se tornou Imperador no ano 41, podemos falar de “procuradores”. Portanto, a partir de

Cúspio Fado (44-46). Entretanto, os dois títulos, para as províncias imperiais, como era o

caso da Judéia, eram equivalentes, tendo perdido o significado original da época da

República. Tanto o prefeito como o procurador tinham funções fiscais, militares e

judiciais[11].

Pôncio Pilatos, prefeito da Judéia, que pronuncia a sentença de morte contra Jesus

de Nazaré, é um governante duro e decidido, que nunca simpatizou com os judeus.

Herodes Agripa I, escrevendo ao Imperador Calígula, descreve-o como inflexível por

natureza e cruel por causa de sua obstinação. Acusa-o de venal, violento, extorsivo e

tirânico. Pertence à ordem dos cavaleiros, classe de pessoas ricas, muitos de origem

humilde e até descendentes de escravos, que fizeram fortuna das mais variadas maneiras.

Pilatos é nomeado procurador por Tibério, graças à influência de Sejano, o poderoso

prefeito da guarda pretoriana em Roma que é realmente quem manobra o poder. Sejano

faz de tudo para prejudicar os judeus. E consegue. Sob um pretexto qualquer, faz com que

Tibério tome decisões anti-judaicas. Pilatos faz muitas coisas contrárias aos costumes

judeus, desrespeitando-os deliberadamente, para irritá-los e reprimi-los. Embora saiba que

os judeus abominam a reprodução de imagens de qualquer espécie, ele manda cunhar

moedas com símbolos gentios. Símbolos como o lituus “um bastão recurvado numa das

extremidades, em forma de chifre, que servia para demarcar o recinto onde os sacerdotes

pagãos observavam as aves do sacrifício”, e o simpulum, espécie de concha sagrada.

Pilatos é o único governante romano que tem tal ousadia[12].

Certa vez, Pilatos manda que seus soldados entrem em Jerusalém, à noite, levando

efígies do Imperador nos estandartes. Quando amanhece, o povo se revolta com tal

afronta, e ele tenta reprimi-lo. Mas tem que ceder diante da grande coragem dos judeus

que preferem morrer a transgredir a Lei. Nas palavras de Flávio Josefo:

“Certa feita, Pilatos mandou levar, de noite, para Jerusalém, um certo número de

imagens veladas do César, que os romanos chamavam de ‘estandartes’. Mal o dia

clareou, uma grande agitação tomou conta da cidade. Todos quantos chegavam perto,

enchiam-se de indignação com o espetáculo, que eles tomaram como uma zombaria grave

à lei que proibia colocar qualquer imagem que fosse no interior da cidade. Pouco a pouco

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Organizado por Eliezer Lucena 12

a exacerbação dos habitantes da cidade atraiu grandes multidões de pessoas que

moravam no campo. E todos se dirigiram a Cesaréia, para falar com Pilatos. Suplicavam-

lhe que mandasse tirar as imagens de Jerusalém e desistisse de agir contra as normas da

religião judaica. Pilatos recusou-se a atender ao pedido deles. Então os judeus se lançaram por terra e ficaram imóveis, no lugar, durante cinco dias e cinco noites.

No sexto dia Pilatos sentou-se numa tribuna, no grande hipódromo da cidade, e convocou

o povo, como se quisesse comunicar-lhe uma notícia. Em seguida, porém, fez aos soldados

o sinal antes combinado, para cercarem os judeus, de armas na mão. Envolvidos por três

fileiras de homens armados, os judeus foram tomados de violenta comoção diante do fato

inesperado. Pilatos mandou massacrá-los, caso não admitissem a presença de imagens do

Imperador em seu meio. Fez então novo sinal aos soldados para desembainharem as

espadas. Os judeus, à uma, jogaram-se por terra, como se tivessem combinado entre si, e

ofereceram o pescoço desnudo, declarando em alta voz que preferiam deixar-se matar a

transgredir a Lei. Esta atitude heróica do povo em defesa de sua religião causou grande

espanto em Pilatos. Ele ordenou, então, que as insígnias do Imperador fossem retiradas de Jerusalém”[13].

[9] . “O território de Arquelau foi assim reduzido a província e Copônio, um romano da ordem dos

cavaleiros, foi enviado por Augusto como procurador (epítropos), com plena autoridade”, diz JOSEFO,

F., Bellum Iudaicum, 2, 117.

[10] . A inscrição foi encontrada no teatro romano de Cesaréia Marítima por uma expedição

arqueológica italiana dirigida por Antonio Frova. Diz: TIBERIEVM PON]TIVS PILATVS

PRAEF]ECTUS IVDA[EA]E.

[11] . Cf. SCHÜRER, E., Storia del Popolo Giudaico al Tempo de Gesù Cristo I, Brescia, Paideia, 1985,

pp. 441-444.

[12] . Cf. SPEIDEL, K. A., O julgamento de Pilatos. Para você entender a Paixão de Jesus, São Paulo,

Paulus, 1979, pp. 91-92.

[13] . JOSEFO, F., Bellum Iudaicum, 2, 169-174.

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Organizado por Eliezer Lucena 13

Quem Foi Pôncio Pilatos? SEGUNDO JUAN CHAPA

Pôncio Pilatos foi prefeito da província romana da Judéia do ano 26 d.C. até o ano

36 ou começo do 37 d.C. Sua jurisdição chegava até a Samaria e aIduméia. Antes destas

datas pouco é sabido da sua vida. O título do cargo que exerceu foi o de praefectus

(prefeito), da mesma forma que todos aqueles que ocuparam esse cargo antes do

Imperador Cláudio e está confirmado por uma inscrição que apareceu na Cesáréia. O titulo

procurador que alguns antigos autores utilizam para referir-se e este cargo, é um

anacronismo. Os evangelhos referem-se a ele de forma genérica com o título de

"governador". Como prefeito tinha que manter a ordem na província e administrá-la tanto

judicial como economicamente.

Portanto, devia de estar à frente do sistema judicial (conforme consta que fez no

processo de Jesus) e recolhia os impostos para manter as necessidades da província e de

Roma. Dessa última atividade não existem provas diretas, ainda que o incidente do

aqüeduto, contado por Flávio Josefo (veja abaixo), é certamente uma conseqüência dela.

Além disso, encontraram-se moedas dos anos 29, 30 e 31, que sem margem de erro foram

mandadas fazer por Pilatos. Mas, acima de tudo ele passou à História por ter sido quem

mandou executar a Jesus de Nazaré; ironicamente, com isso seu nome foi incluído no

símbolo da fé cristã: "padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado...".

Segundo contam Filão e Flávio Josefo, seu relacionamento com os judeus não

era bom. Na opinião de Josefo, os anos em que Pilatos esteve como prefeito foram anos

turbulentos na Palestina, e Filão escreve que o governador caraterizava-se pela "sua

venalidade, sua violência, seus roubos, seus assaltos, sua conduta abusiva, as freqüentes

execuções de prisioneiros que não tinham sido julgados, e uma ferocidade sem limites"

(Gaio 302). Ainda que nestas apreciações com certeza influam a intencionalidade e a

compreensão própria dos autores, a crueldade de Pilatos, como sugerido em Lc.13,1,onde

é mencionado o incidente de uns homens da Galiléia que tiveram seu sangue misturado ao

dos sacrifícios por ordem do governador, é indubitável.

Josefo e Filão também contam que Pilatos introduziu em Jerusalém as insígnias em

honra a Tibério, o que deu origem a uma revolta, obrigando-o a levá-las para Cesaréia.

Josefo relata em outro momento que Pilatos usou o dinheiro sagrado para construir um

aqüeduto. A decisão levantou uma revolta que foi sangrenta. Alguns pensam que este é o

fato ao qual faz referência Lc.13,1.Um último episódio contado por Josefo é a repressão

violenta dos samaritanos no monte Garizim, ao redor do ano 35. Como conseqüência, os

samaritanos enviaram representantes ao governador da Síria, L. Vitelio, que afastou

Pilatos do seu cargo. Foi chamado a Roma para dar explicações, mas chegou após a morte

de Tibério. Segundo a tradição recolhida por Eusébio, caiu em desgraça no império de

Calígula e terminou suicidando-se.

Nos séculos seguintes surgiu todo tipo de lendas sobre sua pessoa. Algumas lhe

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 14

atribuíam um final desastroso no Tevere ou em Vienne (França), enquanto outras

(sobretudo as Atas de Pilatos, que na Idade Media faziam parte do Evangelho de

Nicodemos) apresentam-no como um converso ao cristianismo junto com sua esposa

Prócula, que é venerada como santa na Igreja Ortodoxa pela defesa de Jesus (Mt 27, 19).

O próprio Pilatos está contado entre os santos da igreja etíope e copta. Mas, acima destas

tradições, que na sua origem refletem a tentativa de mitigar a culpa do governador romano

no tempo em que o cristianismo tinha dificuldades para abrir caminho no império, a figura

de Pilatos, que conhecemos pelo evangelho, é a de uma personagem indolente, que não

quer se enfrentar com a verdade e prefere contentar a multidão.

Sua presença no Credo é de muita importância porque nos lembra que a fé cristã

é uma religião histórica e não um programa ético ou uma filosofia. A redenção operou-se

num lugar concreto do mundo, a Palestina, num tempo concreto da história, quando Pilatos

era prefeito da Judéia.

Quem Foi Pilatos?

SEGUNDO GEZA VERMES

Poncio Pilatos é o mais conhecido governador, prefeito ou procurador romano da

Judéia de todos os que tais cargos ocuparam. Ocupou o cargo entre 26 a 36 d.C. Uma

inscrição latina descoberta em 1961, em Cesáreia, revela que ele tinha oficialmente o titulo

de prefeito (praefectus), e não o de procurador, como fontes posteriores, inclusive o

historiador romano Tácito, asseveram. O desempenho de Pilatos na Judéia é avaliado com

alguns detalhes pelos historiadores; Flavio Josefo e Filon de Alexandria, mas sua

duradoura notoriedade inquestionavelmente se deve ao Novo Testamento, ou seja, ao

papel que ele desempenhou na condenação à morte e crucificação de JESUS. Seus nome

veio até mesmo a fazer parte do Credo cristão.

Há dois retratos muito diferentes de Pilatos. Um traçado pelos historiadores judeus

do século I d.C., Filon e Josefo, e o outro pelos evangelistas e pela igreja primitiva. Os

dois claramente têm muito pouco em comum.

O Pilatos de Josefo é um funcionário rígido, insensível e cruel que mereceu

plenamente seu afastamento do cargo por seu supervisor regional, Vitélio, governador

romano da Síria em 36/37 d.C. Aparentemente, pouco depois de sua chegada à Judéia,

Pilatos rompeu com o costume de seus predecessores, que respeitavam a sensibilidade

religiosa dos judeus, e ordenou que seus soldados marchassem por Jerusalém carregando

estandartes romanos com a imagem do imperador, assim desnecessariamente provocando

e ofendendo os judeus. Em seguida, ele gerou um levante popular quando se apropriou

ilegalmente do dinheiro chamado CORBAN (OFERENDA) do tesouro do Templo e o

utilizou na construção de um aqueduto que abastecia Jerusalém. Multidões de judeus

protestaram. Embora desarmados, muitos foram massacrados pelos legionários

comandados por Pilatos, enquanto outros morreram no tumulto que se seguiu.

Segue textos na integra segundo testemunho de Flavio Josefo:

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 15

1º INCIDENTE CAUSADO POR PILATOS

169 - Quando Pilatos foi enviado por Tibério como procurador da Judéia, chegou de

noite às escondidas a Jerusalém, com as efígies de César, que se conhecem pelo nome de

estandartes. 170- Este feito produziu no dia seguinte um grande tumulto entre os judeus.

Quando viram, os que se encontravam ali se mostraram atônitos porque sabiam terem

sido profanadas suas leis, que proíbem a presença de estátuas na cidade. Ademais, um

grande número de pessoas do campo esteva também ali, ante a indignação que esta

situação havia provocado entre os habitantes da cidade. 171- Dirigiram-se a Cesáreia e

pediram a Pilatos que tirasse de Jerusalém os estandartes e que observasse as leis

tradicionais judias. Mas como Pilatos se negou a isso, os judeus se inclinaram ao solo,

rosto abaixado, ao redor de sua casa e ficaram ali sem se mover durante cinco dias e suas

correspondentes noites. 172- No dia seguinte Pilatos sentou na tribuna do grande estádio

e convocou o povo como se realmente desejasse lhes dar uma resposta. Então fez aos

soldados a senha combinada para que rodeassem os judeus com suas armas. 173- Estes

caíram estupefatos ao ver inesperadamente a tropa romana formada em filas ao seu

redor, enquanto Pilatos lhes dizia que os degolaria se não aceitassem as imagens de

César, dando aos soldados a ordem de desembanharem suas espadas. 174- Mas os

judeus, como se tivessem concordado, se colocaram ao solo todos com o pescoço

inclinado e disseram aos gritos que estavam dispostos a morrer antes que não cumprir

suas leis. Pilatos ficou totalmente maravilhado com aquela religiosidade tão desmedida,

mandou retirar em seguida os estandartes de Jerusalém.

FLAVIO JOSEFO - GUERRAS JUDAICAS LIVRO II

2º INCIDENTE CAUSADO POR PILATOS

175- Após estes feitos, Pilatos provocou outra revolta ao gastar o Tesouro Sagrado, que

se chama Korban, na construção de um aqueduto para trazer água de uma distância de

quatrocentos estádios. O povo indignado diante deste processo e, como Pilatos se

encontrava então em Jerusalém, rodeou sua tribuna dando gritos contra isso. 176-

Contudo Pilatos, havia previsto este motim, distribuiu entre a multidão soldados armados,

vestidos com trajes civis e lhes deu a ordem de não fazer uso das espadas, mas

eventualmente golpear com pedaços de madeira os sublevados. De sua tribuna ele deu a

senha conhecida. 177- Muitos judeus morreram a golpes e outros pisoteados em seguida

pelos seus próprios compatriotas. A multidão atônita diante desta desgraçada matança

ficou em silêncio.

FLAVIO JOSEFO - GUERRAS JUDAICAS LIVRO II

O chamado TESTIMUNIUM FLAVIANUM, relato de Flavio Josefo sobre Jesus, é

inserido nesse contexto de calamidades. Josefo se refere à crucificação de Jesus como uma

das violências cometidas por Pilatos.

3º INCIDENTE CAUSADO POR PILATOS

Por volta desse tempo, havia Jesus, um homem sábio. Pois ele era alguém que praticava

feitos surpreendentes e um mestre de pessoas que recebiam o extraordinário com prazer.

Ele motivou muitos judeus e também muitos gregos. E quando Pilatos o condenou à

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 16

cruz, já que ele era acusado por aqueles da mais alta categoria entre nós, os que o

haviam amado desde o inicio não pararam de causar perturbações. E até agora a tribo

dos cristãos, assim chamados por causa dele ainda não se extinguiu.

FLAVIO JOSEFO - ANTIGUIDADES JUDAICAS LIVRO 18 VERSOS 63-64

Um outro ato criminoso, que finalmente levou à demissão de Pilatos do cargo de

procurador da Judéia pelo governador da Síria Vitélio, foi um ataque assassino a um grupo

de samaritanos. Com as queixas feitas por notáveis judeus, Vitélio afastou Pilatos do cargo

de procurador ou prefeito da Judéia e ordenou que ele se apresentasse ao imperador em

Roma para responder por seus abusos.

4º INCIDENTE CAUSADO POR PILATOS

O povo dos samaritanos não foi poupado das perturbações. Eles foram reunidos por um

homem a quem pouco importava mentir e que combinava tudo de modo a dar prazer à

multidão. O homem exortou-os com muita veemência a subir com ele o monte Garizim –

que era considerado a seus olhos como a mais santa das montanhas; ele afirmava

energicamente que mostraria aos que aí chegassem os vasos sagrados enterrados neste

local, pois fora aí que Moisés os havia depositado. Julgando suas palavras dignas de

crédito, alguns samaritanos pegaram as armas e se estabeleceram numa cidade chamada

Tirátana, onde acolhiam os que a eles vinham unir-se com o objetivo de, em multidão,

realizarem a ascensão da montanha. Mas antes mesmo que começassem a subida, Pilatos

interceptou seu projeto, enviando soldados da cavalaria e da infantaria, que se lançaram

contra os que se achavam reunidos na cidade, durante o combate,(o destacamento

romano) matou uns, pôs em fuga outros e finalmente fez um bom número de prisioneiros.

Entre estes, Pilatos decidiu condenar à morte os chefes e reservou a mesma sorte para os

mais influentes dos fugitivos.Uma vez apaziguada tais perturbações, o conselho dos

samaritanos foi procurar VITÉLIO, personalidade da classe consular que era governador

da Síria, e acusou Pilatos do massacre dos que haviam perecido, afirmando que não era

uma revolta contra os romanos, mas de uma tentativa de escapar das violênciasde Pilatos,

que levava tais pessoas a se reunirem em Tirátana. Vitélio enviou então Marcelo, um de

seus amigos, para administrar os judeus e deu ordem a Pilatos que partisse para Roma, a

fim de prestar informações ao imperador sobre as acusações dos samaritanos.

FLAVIO JOSEFO – ANTIGUIDADES JUDAICAS LIVRO18 VERSOS 85 AO 89

Um outro ato seguinte de crueldade, não registrado por Flavio Josefo, mas incluído

no Evangelho de Lucas 13:1, se refere ao massacre de peregrinos judeus da Galiléia

viajando para Jerusalém com suas oferendas sacrificiais, este relato de Lucas está ao que

tudo indica em harmonia com os relatos dos historiadores JOSEFO E FILON que retratam

Pilatos como muito cruel.

5º INCIDENTE CAUSADO POR PILATOS

Lucas 13:1 naquela mesma ocasião, chegando alguns, falavam a Jesus a respeito dos

galileus cujo sangue Pilatos misturara com os sacrifícios que os mesmos realizavam.

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 17

Filon de Alexandria, contemporâneo de Pilatos, não tem testemunho pessoal a

oferecer, mas cita uma longa carta do rei judeu Agripa I (37-41 d. C.) ao imperador

Calígula, na qual Pilatos é descrito como teimoso, irascível e um homem vingativo. Dizia-

se que ele era naturalmente inflexível, uma mistura de voluntarismo e obstinação. Como

procurador da Judéia, era culpado de insultos, roubos, desmandos e ferimentos gratuitos,

além de aceitar subornos; mas também era responsável por várias execuções sem

julgamento, bem como por muitos atos de terrível crueldade. Seria difícil pintar um retrato

mais negro.

Eusébio de Cesaréia Livro II Capitulo VII [De como Pilatos também se

suicidou] 1. Não se deve ignorar uma tradição que nos conta como também o mesmo Pilatos dos

dias do Salvador viu-se envolto em tão grandes calamidades nos tempos de Caio - cuja

época foi explicada -, que se viu forçado a suicidar-se e converter-se em carrasco de si

mesmo: a justiça divina, ao que parece, não tardou muito em alcançá-lo.Também os gregos

que deixaram escritas as séries de olimpíadas junto com os acontecimentos de cada época a

isto se referem.

3. A MENSAGEM ANTI-IMPERIALISTA DOS EVANGELHOS - I

JESUS E A MOEDA DO IMPERADOR CESAR

Evangelho de Marcos Capítulo 12:13-17

(12.13) Mais tarde enviaram a Jesus alguns dos fariseus e herodianos para o apanharem

em alguma coisa que ele dissesse. (14) Estes se aproximaram dele e disseram: “Mestre,

sabemos que és integro e que não te deixas influenciar por ninguém, porque não te prendes

a aparência dos homens, mas ensinas o caminho de Deus conforme a verdade. É certo

pagar imposto a César ou não? (15) Devemos pagar ou não?” Mas Jesus, percebendo a

hipocrisia deles, perguntou: “Por que vocês estão me pondo à prova? Tragam-me um

denârio para que eu o veja.” (16) Eles lhe trouxeram a moeda, e ele lhes perguntou: “De

quem é esta imagem e esta inscrição?” “De César”, responderam eles. (17) Então Jesus

lhes disse: “Dêem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. E ficaram

admirados com ele.

A semana da Páscoa era um período durante o qual o entusiasmo

político no subjugado povo judeu era muito evidente. A festa lembrava a

libertação do Egito e o povo estava dominado pelos romanos; qualquer aclamação

de um herói judeu facilmente acabaria em uma revolta, dando às forças de

ocupação, razão para violência. Era interesse inerente as autoridades do Templo,

evitar qualquer tumulto e para isso, as atividades do pregador da Galiléia

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 18

precisavam ser cortadas, porém de maneira sutil para não aborrecer as multidões

que gostavam de ouvi-lo. Nas dependências do Santuário, a “polícia do Templo”,

a única força armada judia oficialmente tolerada, era responsável pela ordem.

Cabia a ela prender eventuais desordeiros.

Se Jesus fosse apanhado em desobediência à autoridade do Templo, seria

possível prendê-lo com o apoio da lei. Do outro lado, se Ele caísse numa

emboscada, procurando instigar o povo à desobediência perante a autoridade

romana, também haveria como denunciá-lo e livrar-se dEle. As forças romanas,

então, se ocupariam do suposto “rebelde”.

Assim, uma comissão formada de dois grupos distintos se apresentou a

Jesus, procurando apanhá-lo numa palavra errada.

(13) Mais tarde enviaram a Jesus alguns dos fariseus e herodianos para o

apanharem em alguma coisa que ele dissesse.

Os fariseus, como sabemos, gozavam de simpatia popular, porque eram

verdadeiros judeus, patriotas, não de aspirações à riqueza mundana,

conhecedores e intérpretes da lei, sempre agindo de acordo com o interesse do

povo judeu. Eles odiavam os romanos e dificilmente algum deles entraria em

acordo com os interesses dos ocupantes, apolíticos como eram. Zelavam pelo

cumprimento da lei de Deus e em questão de sua interpretação já haviam travado

vários confrontos com Jesus. Se Jesus pecasse contra a lei, seriam eles que O

apanhariam na falta. Junto com esses especialistas da lei vieram alguns

herodianos. O “rei fantoche”, Herodes, por tradição de região judia, apreciava as

artes, o esporte e a filosofia pagã. Como autoridade local, responsável também

pela Galiléia e tendo sido imposto pelos romanos, a estes devia obediência. Junto

com os fariseus vieram alguns adeptos do rei. Se Jesus revelasse alguma intenção

contra as autoridades romanas, seriam eles quem O pegariam. Na presença dos

fariseus, conhecidos como “Anti-romanos”, eles julgariam ser fácil apanhar

alguém em palavra de desobediência política.

(14) Estes se aproximaram dele e disseram: “Mestre, sabemos que és integro e

que não te deixas influenciar por ninguém, porque não te prendes a aparência

dos homens, mas ensinas o caminho de Deus conforme a verdade.

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 19

Não sabemos até que ponto os elogios pronunciados pelos fariseus eram

sinceros. Sabemos que alguns deles tinham Jesus em alta estima por causa de Sua

sabedoria. Quando eles declararam que Jesus ensinava “o caminho de Deus”, eles

Lhe atestaram que instruía de maneira clara, ensinava bem a maneira pela qual

Deus queria que o povo pensasse e vivesse. Não havia como duvidar da

religiosidade de Jesus e seu respeito ante a lei.

De repente, alguém do grupo apresentou uma pergunta explosiva a Jesus:

É certo pagar imposto a César ou não? (15) Devemos pagar ou não?”

Só podemos entender a dinamite contida nesta pergunta se soubermos algo

sobre o histórico deste imposto. O texto original da pergunta, em grego, diz: “...é

‘permitido’ pagar...”, isto é, permitido pela lei de Deus? A lei de Deus aprovaria

esse tributo? Essa era uma pergunta que fervilha nos corações revoltados por

ocasião da Páscoa, época em que qualquer judeu sentia profundamente o peso da

inquisição romana. Ela pode ter levado os fariseus a consultar seriamente a Jesus,

mas a presença dos herodianos representava perigo. Poucos anos atrás, um tal de

“Judas Galileu” havia conclamado o povo à resistência contra os romanos,

declarando traição a Deus pagar tributo a senhores pagãos, que se faziam deuses.

A rebelião foi debelada cruelmente. Para então demonstrar seu desprezo para

com a “plebe supersticiosa judia”, Pilatos, o governador romano, havia instaurado

um tributo pagável diretamente ao imperador odiado em Roma. Para ferir o judeu

em sua religiosidade, mandou imprimir na moeda, com a qual se pagava esse

tributo (“tributum capitis”), a imagem do imperador; fato que vinha diretamente

contra o segundo mandamento de Deus. No verso da moeda constava “TIBÉRIO

CÉSAR AUGUSTO – FILHO DO DIVINO AUGUSTO, SUMO SACERDOTE”. A

moeda era facilmente interpretada como uma blasfêmia por qualquer bom judeu.

Dos últimos sessenta e dois levantes dos judeus contra os ocupadores gregos e

romanos, desde Macabeus (167 a. C.) até Bar-Kochba (123 d.C.), todos menos um

deles, começaram na Galiléia com a negação desse tributo (cit. PinchasLapide).

A cilada, perante a qual Jesus se via, era quase perfeita: se Ele concordasse

com o pagamento, seria tido por todos os peregrinos presentes, sedentos de

liberdade, como covarde e traidor dos judeus; mas negando-o, perante os ouvidos

atentos dos herodianos seria desmascarado como rebelde político, imediatamente

preso por incitação ao povo.

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Organizado por Eliezer Lucena 20

Mas Jesus, percebendo a hipocrisia deles, perguntou: “Por que vocês estão me

pondo à prova? Tragam-me um denârio para que eu o veja.”

Moeda do Imperador na época de Yeshua

Um Aureus = Um Denário com a imagem do imperador Tibério, juntamente com

a inscrição TI CAESAR DIVI AVG F AVGUSTVS (Tibério César Augusto, filho do

divino Augusto). Imperador Tibério, que reinou 14-37 dC, conseguiu estabilizar o

Império e melhorar as finanças. Ele terminou as tentativas de conquista do

território germânico e o reforço das fronteiras. Ele consolidou seu poder político,

sistematicamente eliminando seus rivais. Durante sua regência, por volta do ano

30, Jesus Cristo foi espancado até a cruz.

Fica evidente que Jesus não possuía esta moeda, o “denário tiberiano”. O

Talmude menciona um tal Rabbi Menachem Bem Simai, “filho dos Santos”,

porque este nunca na sua vida havia nem olhado para essa moeda, pois ela feria o

segundo mandamento de Deus: a proibição de fazer imagens. O mestre da

Galiléia tampouco possuía essa moeda, portanto, mandou que lhe a

apresentassem.

(16) Eles lhe trouxeram a moeda, e ele lhes perguntou: “De quem é esta imagem

e esta inscrição?”

A palavra chave é “imagem”, a mesma contida no segundo mandamento de

Deus:

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Organizado por Eliezer Lucena 21

“Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra ou

nas águas debaixo da terra” (Ex. 20.4).

A palavra “imagem” também lembra Gênesis 1.27:

“Criou Deus o homem a sua imagem, a imagem de Deus o criou”.

Jesus forçou de seus interpeladores a resposta:

“De César“, responderam eles.

A moeda do odiado tributo agora eles a tinham em suas mãos, em seus

bolsos e perguntavam se era “permitido” pagar o tributo? Quanta falsidade!

(17) Então Jesus lhes disse: “Dêem a César o que é de César e a Deus o que é de

Deus”.

O termo original em grego diz explicitamente “devolvam” no lugar do

“dêem” da nossa tradução. Vocês usam a moeda do imperador e não consideram

isso pecado? Mas pagar o tributo seria pecado? Então primeiro devolvam ao

imperador o que é dele! Devolvam ao imperador seu dinheiro amaldiçoado! Só

devolvendo, ficarão puros. Só então poderão dar a Deus o que é dEle, isto é: tudo!

A moeda com a imagem do imperador devemos a este, mas a nós mesmos, feitos

imagens de Deus, devemos a Deus e a Ele somente.

Muitos desentendimentos e trágicas implicações históricas vieram da forma

que ela foi entendida na interpretação grega. O pensamento hebraico era

totalmente oposto. Entrou na história da igreja a trágica interpretação ocidental.

Lutero, por exemplo, viu na resposta de Jesus a sua “teologia dos dois reinos”

confirmada. Dois Reinos que não se misturam. O de Deus e o do governo. Para

ele, devíamos obediência aos dois.

Do outro lado, o papa Bonifaz VIII usou no ano 1308, na bula papal, “Unam

Sanctam”, a argumentação para exigir obediência ao Reino terreno da Igreja.

Nenhuma das duas grandes figuras da história cristã ficou se perguntando

porque Jesus, como bom judeu, podia na sua resposta mencionar primeiro os

direitos de César e só então falar dos direitos de Deus! Era algo inconcebível para

um judeu! E mais: ninguém havia perguntado a Jesus sobre o que é devido a

Deus; a pergunta limitava-se à obrigação para com o Imperador. Aos que

interpelaram Jesus interessava a questão do poder. Jesus, no entanto respondeu

quanto à obediência. Ele mesmo havia declarado em outro lugar que:

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“ninguém pode servir a dois Senhores” (Mateus 6.24).

“Tudo vem de ti, e nós apenas te devemos o que vem de tuas mãos”

(2 Crônicas 29.14b).

E ficaram admirados com ele. De uma aparente pergunta séria quanto a

limites de poder, escondendo uma cilada perigosa, Jesus havia retornado à base

de tudo, assim como Ele fez quando O perguntaram sobre o direito mosáico de

divorciar-se. Tudo devemos a Deus e somente podemos dar-nos a Ele, se antes

devolvermos a César o que é de César.

Há algo que é “de César” e que impede você de seguir a Jesus? Devolva-o!

Você foi feito a imagem de Deus, você não deve ser devedor de outro!

Interpretação de John Dominic Crossan

John Dominic Crossan no livro God and Empire: Jesus Against Rome, Then and

Now (2007), diz que: "há um ser humano do primeiro século, que foi chamado de

Divino, Filho de Deus, Deus e Deus dos deuses, e cujos títulos foram Senhor, Redentor,

Libertador e Salvador do Mundo. Os cristãos provavelmente irão pensar que esses

títulos foram originalmente criados e aplicados exclusivamente a Cristo. Mas

antes de Jesus ter existido, todos esses termos pertenciam a César Augusto".

Crossan cita que a adoção dos mesmos titulos pelos primeiros cristãos para

referi-se a Jesus era uma forma de negar-los a César Augusto. "Eles estavam

tirando a identidade do imperador romano e dando-lhe a um judeu camponês. O

que era ou uma brincadeira e uma particularidade muito baixa, ou o que era pelos

romanos chamado majistas e que nos conhecemos como alta traição".

Jesus e os tributos romanos

A tese de que Jesus no texto Mc 12.13-17 esteja, na verdade, devolvendo a

pergunta e, simultaneamente, ampliando a discussão é a que mais respaldo detém

entre os pesquisadores. Ela se baseia no fato de que, entre a pergunta formulada

(v.14) e a resposta propriamente dita (v.17), há uma inserção de dois versículos,

em que é introduzida uma questão relacionada aos denários romanos (vv.15-16).

A inserção é assim apresentada pelo texto:

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Organizado por Eliezer Lucena 23

v. 15: Ele, porém, conhecendo sua hipocrisia, disse: "Por que me pondes à prova? Trazei-

me um denário para que o veja. 16: Eles trouxeram. E ele disse:"De quem é esta imagem e

a inscrição?" Responderam-lhe: "De César".

Que sentido teria esse pedido de Jesus pela apresentação de denários da

parte dos seus adversários? A resposta usual vai no sentido de afirmar o seguinte:

O emprego de denários romanos pelos próprios adversários não revela outra

coisa senão a hipocrisia de sua própria pergunta.

Ora, segundo consenso na pesquisa, o denário apresentado a Jesus era o

denário imperial, moeda cunhada a mando do imperador Tibério e de

generalização generalizada nas províncias do império. Na sua efígie era

apresentada a face de Tibério, com a seguinte inscrição circunscrita:

Ti. CAESAR DIVI - AVG. F. AVGVSTVS, por extenso: TIBERIUS CESAR DIVI AUGUSTI FILIUS AUGUSTUS, ou seja: TIBÉRIO CÉSAR, AUGUSTO, FILHO DO DIVINO AUGUSTO.

Considerando as leis dos judeus, sobretudo a proibição de fazer imagens e

de adorar ídolos, o emprego de denários romanos por parte de fariseus e

herodianos, adversários de Jesus, só podia representar um sacrilégio: o denário

concedia a Tibério atributos divinos ("Augusto"), e o uso de imagens para o divino

estava proibido entre os judeus (cf. Ex 20.2-6). Jesus, assim, desmascara seus

adversários e a pergunta por eles formulada. Em primeiro lugar, por praticarem a

idolatria. Em segundo lugar, por ficar evidente que quem carrega os próprios

denários romanos em seu bolso e negocia com eles está dando assim, um

testemunho inconfundível de que é também a favor da cobrança em forma de

tributos. Dentro dessa linha de raciocínio, tudo se decide no fato de serem os

fariseus e herodianos os que portam consigo as moedas e de representarem as

moedas uma idolatria pública, mas aparentemente tolerada pelos adversários.

Jesus é contrário ao pagamento de tributos aos romanos, mas defende

sua tese com o recurso da ambivalência, sobretudo pelo pelo perigo que

representava politicamente assumir algo assim como um "desobediência civil ao

pagamento dos tributos".

O objetivo real de Jesus, ao pedir um denário imperial, está claramente

contido na formulação da pergunta: "De quem é esta imagem e a inscrição? Jesus

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Organizado por Eliezer Lucena 24

está, pois, querendo tornar claro a questão da pertença da moeda. A imagem é de

César, a inscrição de rosto refere-se a ele, a inscrição do verso também, logo, a

moeda do denário é um bem seu. E unicamente isso que está em jogo aqui. E é isto

que Jesus está procurando ressaltar: uma moeda cunhada a mando de alguém

pertence a esse alguém.

Assim, quais seriam as coisas que Jesus identifica como sendo de César no

recurso da solicitação pelo denário? A resposta só pode ser uma: são as moedas

dos denários.

O denário tinha uma força simbólica muito forte no Império Romano. Ele

simbolizava inicialmente o poder político e econômico dos romanos, já que era,

simultaneamente, instrumento da política imperial, cambial (era moeda oficial e

parâmetro para o câmbio com outras moedas) e fiscal (era a moeda oficial para

pagamento dos tributos) do império. Além disso, era indiscutivelmente também

um símbolo religioso, pois concedia atributos divinos aos soberbos, o que retrata,

sobretudo, o título de "Augusto" (= venerável).

Se entendida sob esse pano de fundo, a proposta de Jesus assume uma

compreensão mais profunda. O verbo que Jesus utiliza na resposta é o grego

apodímodi, com o sentido de "devolver", diferente do verbo usado na pergunta

pelos fariseus e herodianos dídome, significando "dar"/ "pagar". Assim "devolver" a

César a sua moeda parece, pois, não ter outra intenção senão tirar da Palestina o

mais expressivo símbolo da hegemonia do império.

Outra coisa: por que Jesus, em sua resposta, faz referência a Deus, quando a

pergunta de fariseus e herodianos referia-se exclusivamente a César?

Havia uma visão divergente entre judeus e romanos acerca da

legitimidade de arrecadação de impostos por parte do império. Para os romanos,

o território conquistado era propriedade pública, do estado. Para o judaísmo,

entretanto, a terra de Israel era de Deus. Assim, se questionava a legitimidade de

os romanos se acharem senhores do povo judeu só por tê-los conquistado

militarmente. Jesus está, pois, pleiteando diante dos seus adversários que seja

devolvido a Deus aquilo que, segundo o testemunho bíblico, só a Ele pertence, ou

seja, a sua terra e o seu povo.

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MOEDAS ROMANAS

Um Aureo com o busto do Imperador Augusto (63 a.C. - 14 d.C.), juntamente com a

inscrição AVGVSTVS DIV F. (Augusto, filho do Divino).

Um Dupôndio com a imagem do general Germânico numa quadriga (15 a.C. - 19 d.C.).

Germânico encontrou e trouxe de volta a Roma os seus estandartes, do que restava de três

legiões massacradas na Batalha da Floresta de Teutoburgo (9 d.C.). O sucesso destas

campanhas, valeram-lhe o cognome Germânico pelo qual ficou conhecido.

Um Denário de Júlio César, com a inscrição CAESAR IM PM (Caesar Imperator,

Pontifex Maximus). Júlio César (100 a.C. - 44 a.C.), que marcou o fim da República

Romana, tornando-se um ditador para Roma. Posteriormente foi assassinado por um

grupo de senadores em torno de Marco Bruto.

Um Aureus = Um denário com a imagem do imperador Tibério, juntamente com a

inscrição TI CAESAR DIVI AVG F AVGUSTVS (Tibério César Augusto, filho do divino

Augusto). Imperador Tibério, que reinou 14-37 dC, conseguiu estabilizar o Império e

melhorar as finanças. Ele terminou as tentativas de conquista do território germânico e o

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reforço das fronteiras. Ele consolidou seu poder político, sistematicamente eliminando seus

rivais. Durante sua regência, por volta do ano 30, Jesus Cristo foi espancado até a cruz.

4. A MENSAGEM ANTI-IMPERIALISTA DOS EVANGELHOS- II JESUS É

QUEM É O FILHO DE DEUS E NÃO O IMPERADOR

A SIMBOLIZAÇÃO DE DISCURSOS ANTI-IMPERIALISTAS NOS RELATOS

EVANGÉLICOS SOBRE O NASCIMENTO DE JESUS

R E S U M O

O presente artigo aborda as manifestações de resistência cultural e religiosas na realidade

cristã do primeiro século da Era Cristã. Em consonância com as recentes pesquisas e

interpretações da historiografia, parte da constatação sobre a relação de antagonismo que o

cristianismo, entre outros movimentos de cunho religioso, mantinham em relação ao

imperativo religioso romano do culto ao imperador. Tal relação de antagonismo se

encarnou no simbolismo de diversas narrativas que podem ser identificadas nos

documentos que compõem o

NovoTestamento bíblico.

Palavras-chave: Culto ao imperador, Cristianismo.

Jesus é o filho de deus (e o imperador não é): A simbolização de discursos antiimpatos...

O presente trabalho, ao propor a existência de um forte antagonismo cristão ao Império

Romano no primeiro século e de um conflito ideológico em relação aos primeiros cristãos

com o culto imperial romano que pode ser rastreado nos textos do Novo Testamento,

começa, contraditoriamente, enfatizando a impossibilidade de tal idéia.

Novas abordagens hermenêuticas e histórico exegéticas tem revelado que o cristianismo

começou como uma religião antiimperialista e consolidou diversas formas de protesto em

seus discursos. Porém, foi um protesto velado: simbolismos que degradavam o imperador

na mesma medida em que elevava a figura de Jesus, declarações de que Jesus era o

“Senhor” do mundo, que implicava ser ele o verdadeiro imperador e não César, narrativas

parabólicas sobre a expulsão dos romanos das terras judaicas, e a criação do epíteto

“Besta” para designar todo o Império.

O objetivo do presente trabalho é apresentar indícios, ainda que indiretos (mas nem por

isso

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inconclusivos) da existência de um discurso antiimperialista nas narrativas dos Evangelhos

bíblicos e de outros escritos neotestamentários.

A partir da constatação desses indícios, propomos que a influência da ideologia e

propaganda imperiais romanas foi decisiva para a formação da imagem de culto a Jesus

Cristo, que se moldou na medida em que os escritos do Novo Testamento eram escritos.

O trabalho parte de uma abordagem historiográfica e comparativa, a partir da qual se

analisa o material bibliográfico contemporâneo e se faz uma análise na documentação

textual antiga, principalmente de antigos documentos cristãos e romanos. Esperamos, com

isso, trazer novas luzes sobre as origens do cristianismo e seu lugar no mundo

mediterrâneo e judaico do qual nasceu e floresceu.

1- CRISTIANISMO, CIRCULARIDADE CULTURAL E TRANSFORMAÇÃO

Carlo Ginzburg (2006, p. 10), ao fazer alusão à “circularidade” da cultura na Europa pré-

industrial, afirma que: “Entre a cultura das classes dominantes e a das classes subalternas

[...] [existe] um relacionamento circular feito de influências recíprocas, que se move de

baixo para cima, bem como de cima para baixo”.

Uma das formas de circularidade da cultura reside no processo de que determinado

elemento cultural sofre no decorrer das influências recíprocas. De fato, pode-se observar

que diversos elementos culturais, mesmo aqueles que sofrem resistência e rejeição, não

são ao todo “abandonados”, mas, em vez disso, são e assim penetram no âmago cultural de

diferentes classes, sejam elas dominantes ou subalternas, constituindo um jogo de

metamorfoses dialéticas.

Uma forma de transformação é realizada no processo de sincretismo religioso, como

acontece com a religião cristã. De fato, é notório que o imaginário mágico-taumatúrgico

do cristianismo traz consigo diversos paralelos com outras formas de manifestação do

imaginário mágico em geral, principalmente o pagão. Principalmente em nível popular,

observa-se que diversos elementos pertencentes ao âmbito extra-cristão, em vez de serem

eliminados, são simplesmente transformados, absorvidos e assimilados as formas de culto

populares, influenciando até mesmo as formas normativas da religião cristã – constituindo

um “sincretismo religioso”.

2- ASSIMILAÇÃO INTERCULTURAL E OS EVANGELHOS BÍBLICOS

Os documentos cristãos, que compõem quase a metade do Novo Testamento, e cuja

autoria tradicional tem sido atribuída a certo “Lucas”, caracterizam-se de forma bastante

peculiar. São documentos diferentes de qualquer outro encontrado dentro ou fora do

cânon. Sua principal marca é a personalidade distinta, culta e cativante do autor, bem

como sua preocupação com a informação e com a ordem dos acontecimentos narrados,

fazendo-o, de acordo com diversos comentaristas, equiparar-se a outros escritores

talentosos da época clássica, inclusive com historiadores como Josefo, Tácito e Tucidides.

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A preocupação desse evangelista com a missão gentílica e diversos aspectos do mundo

mediterrâneo faz de seu evangelho o “Evangelho dos Gentios”, e de seu Atos dos

Apóstolos a primeira tentativa de se criar uma “história das origens cristãs” de que temos

noticia – ambos constituindo uma unidade documental que, no presente trabalho, será

tratada dessa maneira.

É nesse contexto que começam a surgir dentro de sua narrativa evangélica paralelos entre

Jesus e outros personagens importantes da historia pagã, principalmente os imperadores

romanos.

O Jesus que o “Evangelho dos Gentios” apresenta é um Jesus helenizado, elaborado de

acordo com as ideologias e imperativos da igreja primitiva e de acordo com as intenções

literárias desse evangelista. Os elementos helênicos existentes nesse evangelho são

gritantes, todos revelando o antagonismo existente contra o império romano e as

atribuições lendárias à memória cristã decorrentes desse antagonismo.

A infância de Jesus, relatada por Lucas, corresponde a um período, do ponto de vista

histórico, bastante problemático, mas também bastante rico em atribuições do imaginário.

Meier (1993, p. 208) comenta que:

Pouco ou nada se pode dizer com certeza ou alto grau de probabilidade sobre o

nascimento, a infância e os primeiros anos da vasta maioria das figuras históricas do

antigo mundo mediterrâneo. Em casos excepcionais de personagens proeminentes, como

Alexandre, o Grande, ou o Imperador Otávio Augusto, alguns fatos foram preservados,

embora frequentemente entremeados de elementos míticos e lendário. O mesmo padrão é

encontrado no Antigo Testamento [...] A tendência à expansão desses elementos

“midráshicos ” continua para além das Escrituras Canônicas e em várias “recontagens”

das narrativas do Antigo Testamento, como por exemplo em Antiguidades Judaicas de ,

Flávio Josefo, e na Vida de Moisés , de Fílon de Alexandria, e assim como nos

*midrashim posteriores rabínicos . Considerando-se este fenômeno de histórias de

nascimentos ou infância prodigiosas, compostas para celebrar antigos heróis, judeus e

pagãos igualmente, devemos encarar com cautela as Narrativas da Infância de Jesus

incluídas nos Capítulos 1 e 2 de Mateus e Lucas (grifo nosso).

De fato, no que se refere às narrativas da infância de Jesus não se pode identificar

quaisquer traço de historicidade que possa oferecer informações confiáveis (MEIER, 1993,

p. 211). A criação de ficções e a assimilação de elementos lendários são comuns nesse tipo

de relato. Isso porque a existência de lacunas nas tradições de Jesus que precisavam ser

preenchidas era imensa. Existem lacunas em praticamente todas as dimensões do

conhecimento histórico sobre Jesus transmitidas pelas fontes antigas: nos ensinamentos,

relatos, mensagem, atos, ditos, infância, puberdade, nascimento, caráter, personalidade,

etc.

Um dos diversos exemplos que podem ser tomados para ilustrar esse fato consiste nas

estórias bíblicas sobre o nascimento e infância de Jesus. Segundo Brown (2005), toda a

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Organizado por Eliezer Lucena 29

tradição herdada sobre Jesus se limita ao tempo de duração de seu ministério, o que

significa que não existiram materiais tradicionais antigos sobre a infância de Jesus.

Essa ausência de materiais antigos sobre a infância de Jesus possibilitou a elaboração de

materiais que foram assimilados pela tradição e passaram a fazer parte da memória de

Jesus. A criação dessas lacunas ajudou no processo de metamorfoseamento da imagem de

Jesus, a qual começou antes desses documentos terem sido escritos:

Não se deve perder de vista que a redação final dos evangelhos não foi feita sem antes ter

passado por um complexo período oral, havendo, portanto, uma seleção natural dos

relatos que estavam sendo redigidos. Esse processo, longo e gradual, influenciou o rumo

teológico que estava em formação nas comunidades cristãs (SCARDELAI, 1998, p. 299).

Essa fase de metamorfoses da imagem de Jesus anterior aos escritos bíblicos é

denominada de “fase oral” das tradições cristãs primitivas. Foi nessa fase que criaram

diversas concepções e estórias sobre Jesus – muitas das quais oriundas da imaginação

popular e não da memória recebida.

*Midrash, ou Midraxe, é o termo usado para se designar um gênero literário bastante

comum entre os judeus na época de Jesus, em que passagens do Antigo Testamento são

usadas em um novo contexto com um novo sentido. Através do Midrash, pode-se criar

narrativas fictícias e tomá-las como verdadeiras, sendo que sempre se poderá alegar que

a correspondente passagem noAntigoTestamento foi “profética” (BROWN, 2005, p. 663).

O ministério de Jesus durou 1 (um) ano, segundo os Evangelhos sinópticos, e 3 (três)

anos, segundo o Evangelho de João, do ano 29 d.C. a 31 d.C. (MEIER, 1993).

Tradições populares são elementos constantes de todas as culturas, caracterizadas pela

“oralidade” e se metamorfoseiam de acordo com a imaginação individual ou coletiva. São

características básicas e bastantes presentes na história da cultura de todas as civilizações.

A redação dos Evangelhos bíblicos se deu numa etapa mais avançada da história do

cristianismo primitivo, cujo intuito foi “oficializar” as tradições recebidas “populares” que

mais tarde se tornaram o núcleo da fé cristã ocidental.

Tradições orais possuem características bastante específicas. De acordo com Arens (2007,

p.

71-72), “pelo fato mesmo da comunicação ao longo do tempo, em toda comunicação oral

se produz uma série de alterações”.

De fato, o período oral das tradições de Jesus foi o bastante para que várias lendas e

acréscimos se desenvolvessem na tradição popular sobre a imagem de Jesus – a qual

acabou se tornando uma “imagem de culto” elaborada pela imaginação coletiva. Por isso,

Meier (1998, p. 150), de forma honesta, comenta que: “É preciso levar em conta a criação

de lendas na tradição do evangelho”.

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

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3- A INFLUENCIA DA CULTURA HELENISTICA E ROMANA NA FORMAÇÃO

DA IDENTIDADE CRISTÃ

Duas das mais importantes matrizes para a criação e assimilação de material da tradição de

Jesus foram a cultura helenística e a romana. Sendo que: “[...] os camponeses judeus,

inspirados por esperanças apocalípticas, não admitiam ser privados da sua liberdade do

domínio opressivo estrangeiro e nacional” (HANSON; HORSLEY, 1995, p. 63), era

inevitável que houvesse antagonismos ao poder imperial regente na Judéia, muitos dos

quais se deu através da violência armada, e que se cristalizaram sob a forma de

“movimentos messiânicos” cujos principais objetivos era “a restauração da justiça

socioeconômica” (HANSON; HORSLEY; 1995, p. 115).

O próprio Jesus de Nazaré, fundador do movimento que deu origem ao cristianismo, foi

violentamente perseguido e sumariamente executado através da crucificação, porque as

suas reivindicações sob a forma de pregação também negavam enfaticamente os poderes

imperiais romanos e os poderes oligárquicos judaicos como legítimos.

Desse modo, alguns judeus e cristãos poderiam adotar uma política de luta agressiva e

direta contra os romanos, enquanto outros judeus e cristãos poderiam adotar outras

estratégias, talvez menos explícitas.

O “culto ao imperador” é um exemplo básico, o qual concebia o imperador como

“divino”, “senhor”, “salvador” e “conquistador do universo”. Tão logo que o império

disseminasse esse culto por todo o território subjugado (incluindo a Palestina judaica),

protestos vindos de vários movimentos messiânicos judaicos foram se tornando cada vez

mais comuns, pois para os judeus seria impossível reverenciar outra divindade

senãoYahweh (Deus).

Uma das formas usadas pelo cristianismo primitivo para protestar contra o império foi

equiparar (ou sobrepujar) Jesus a César como o “Senhor do Universo”. Pelo fato desse

protesto ter se dado somente nos âmbitos da mentalidade e do discurso (pois não havia

formas de se concretizar na realidade, mas apenas na crença), pode-se encontrar vestígios

desse protesto em vários textos bíblicos e principalmente nos Evangelhos.

Desse modo, um sincretismo religioso, em que elementos helênicos e atribuições lendárias

romanos foram assimilados pela memória cristã primitiva, foi motivado pelo do

antagonismo existente contra o Império Romano.

Termos como “evangelho”, “salvador”, “fé”, “senhor”, “assembleias” (igrejas), foram

termos cunhados pelo culto imperial e tomados pelo cristianismo primitivo como termos

de praxe. De fato, vários atributos de César foram relacionados à figura de Jesus Cristo nas

comunidades cristãs primitivas por causa da influência negativa que a visão imperial do

mundo romano exerceu na mente dos primeiros cristãos. Era uma forma de “desafiar” o

poder imperial romano.

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Continuando, Horsley (2004, p. 29) lembra que:

As cidades erigiam monumentos com inscrições que expressavam o credo do florescente

culto ao imperador. Uma inscrição procedente da Assembléia Provincial da Ásia (Ásia

Menor ocidental) datada do ano 9 a.C. oferece uma expressão vívida das honras divinas e

do culto dedicado ao imperador como o salvador que trouxera paz e realizações:

“Ó diviníssimo César... devemos considerá-lo igual ao Princípio de todas as coisas...;

pois quando tudo caía [na desordem] e pendia para dissolução, ele restabeleceu a ordem

e deu ao mundo inteiro uma nova aura; César... a boa fortuna comum de todos... O início

da vida e da vitalidade... Todas as cidades adotam unanimemente o aniversário do divino

César como o novo início d o a n o . . . Enquanto a Providência, que regulou toda a nossa

existência... levou a nossa vida ao ápice da perfeição ao nos dar [o imperador] Augusto, a

quem ela [Providência] encheu de força para o bem-estar dos homens, e que sendo

enviado a nós e a nossos descendentes como Salvador, pôs fim à guerra e colocou todas

as coisas em ordem; e [por isso,] tendo se tornado [deus] manifesto (phaneis), César

realizou todas as esperanças de tempos anteriores... ao superar todos os benfeitores que o

precederam..., e enquanto, finalmente, o aniversário do deus [Augusto] se tornou para o

mundo inteiro o começo de boas - novas (euangelion) com relação a ele [portanto, que

uma nova era comece a partir de seu nascimento].

Crossan (2004, p. 450) afirma que: “Isso não é, já se vê, apenas uma série de

coincidências acidentais”, e complementa: “Esse paralelismo fundamental é, portanto,

antagonismo profundo: dois programas escatológicos que se chocam um com o outro. O

cristianismo sabia disso desde o início e de maneira clara. Roma sabia disso desde o início,

mas de maneira obscura” (CROSSAN, 2004, p. 451).

4- O SIMBOLISMO DO DISCURSO ANTIIMPERIALISTA NOS ANUNCIOS

SOBRE O NASCIMENTO DE JESUS NO EVANGELHO DE LUCAS

De acordo com alguns pesquisadores, essa relação de antagonismo entre o Cristianismo e

o Império Romano encarnou-se em narrativas simbólicas nos relatos da infância de Jesus

nos evangelhos bíblicos – principalmente no Evangelho de Lucas.

De fato, como a obra lucana é dupla – o terceiro evangelho e o Atos dos Apóstolos – pode-

se também perceber um duplo objetivo que vez por hora se entrelaça em todas as

narrativas: descrever a expansão do cristianismo como acontecimento de importância

cósmica, pondo-a na estrutura cronológica do mundo, da história e dos governantes

seculares, os quais, todos, serão afetados por eles.

Desse modo, Lucas tentou traçar a rota que mudaria o curso domundo mediterrâneo – a

rota do cristianismo. Por isso, coloriu suas narrativas com detalhes exatos – ou melhor,

“vivos” – do mundo mediterrâneo, na medida em que narrava o processo de expansão

missionária cristã.

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O discurso de Paulo no Areópago, em Atenas, narrado em Atos 17, ilustra muito bem isso:

era o cristianismo entrando e agitando o mundo secular dominado pelo Império Romano.

Em Atos dos Apóstolos, Lucas dedica atenção especial em citar, acuradamente,

governantes e instituições políticas de várias e regiões da Ásia Menor e do Mediterrâneo,

incluindo Instituições religiosas: Os Neokoros (Guardiões do Templo de Ártemis), os

ouvires de Efeso, o proconsul Sergio Paulo, Gálio o proconsul da Acaia, os proconsules da

Ásia, os litores, os politarcas, o Areópago (onde se faziam discursos políticos), o “homem

principal de Malta”, estratopedarca, os tetrarcas, Quirino, etc.

Um exemplo desse sincronismo artificial lucano entre o cristianismo e o mundo Greco-

romano pode ser ilustrado quando o autor do Evangelho de Lucas (3.1,22) introduz sua

narrativa sobre o ministério terreno de Jesus da seguinte forma:

No ano décimo quinto do império de Tibério César, quando Pôncio Pilatos era

governador da Judéia, Herodes tetrarca da Galiléia, seu irmão Filipe tetrarca da Ituréia

e da Traconítide, e Lisânias tetrarca de Abilene, sob o pontificado de Anás e Caifás, [...] o

Espírito Santo desceu sobre [Jesus] em forma corporal, como pomba. E do céu veio uma

voz: “Tu és o meu Filho; eu, hoje, te gerei”.

A atenção enfática dada por esse evangelista aos governantes locais – e principalmente

romanos – é ressaltada no relato sobre o nascimento de Jesus, que se deu, segundo o autor

lucano, nos dias em que Quirino era governador da Síria, quando César Augusto

promulgou um edito determinando que todo o mundo sob o jugo romano fosse recenseado

(LUCAS2.1,2).

Scardelai (1998, p. 131), ao observar o encadeamento existente no Evangelho de Lucas

entre os acontecimentos que envolvem Jesus e os acontecimentos imperiais, como o

recenseamento, exclama: “Não se sabe qual teria sido o interesse particular de Lucas em

ligar o nascimento de Jesus ao censo”.

Brown (2005, p. 496), por outro lado, afirma que o interesse particular de Lucas em ligar o

nascimento de Jesus a esses acontecimentos romanos não é de todo desconhecido, e que

não somente o nascimento, mas também seu ministério é colocado em uma consonância

cronológica com o tempo romano, numa forma deliberada de justapor Jesus ao império:

Lc 3,1-2 descreve o início do ministério [de Jesus] como acontecimento de importância

cósmica, pondo-o na estrutura cronológica do mundo e dos governantes locais que, em

última instância, serão afetados por ele. Do lado romano da lista de governantes, há

Tibério César, o imperador, e depois Pôncio Pilatos, o governador local da Judéia –

Lucas e seus leitores sabem que as ondas provocadas pela imersão de Jesus no Jordão

vão finalmente começar a mudar o curso do Tibre . E, as s im, não é surpreendente que,

quando retrocede o momento cristológico para a concepção e o nascimento de Jesus,

Lucas dê ao nascimento também um lugar na estrutura cronológica dos governantes

mundiais e locais, ao mencionar Augusto César, o imperador romano, e, em seguida,

Quirino, o legado local da Síria. Ironicamente, o imperador romano, a figura mais

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poderosa do mundo, serve ao plano de Deus, promulgando um edito para o

recenseamento de toda a terra. Ele proporciona o cenário apropriado para o nascimento

de Jesus, o Salvador de todas aquelas pessoas que estão sendo registradas.

Desse modo, os relatos lucanos seria uma resposta à propaganda imperial romana e a sua

ideologia imperial e cultual.

De acordo com Bonz (apud KOESTER, 2005, p. 55), o autor do Evangelho de Lucas (que

foi o mesmo autor de Atos dos Apóstolos) não estava alheio aos meios propagandísticos

do culto imperial: “o modelo literário da obra de Lucas foi a antiga epopéia grega recriada

na obra latina de , de Virgilio”. A Eneida, de fato, trata sobre as origens de Roma e realiza

elogios publicitários a César Augusto.

Desse modo, o Evangelho de Lucas apresenta justaposições explícitas entre Jesus e César

Augusto, em um jogo claro de contraposições em que a figura de Jesus Cristo não apenas

assimila atributos e designações augustianas, mas também é colocado em um nível

superior ao imperador romano.

Em Lucas 2.1,9-11 (grifo nosso), há escrito que:

Naqueles dias [do nascimento de Jesus], apareceu um edito de César Augusto ordenando

o recenseamento de todo o mundo habitado. [...] O anjo do Senhor apareceu-lhes [a José,

Maria e aos pastores e a Glória do Senhor envolveu-os de luz; e ficaram tomados de

grande temor. O anjo, porém, disse-lhe: “Não temais! Eis que vos anuncio uma grande

alegria, que será para todo o povo: Nasceu-vos um Salvador, que é o Cristo-Senhor, na

cidade de Davi”. (grifo nosso).

De acordo com Brown (2005), a intenção de Lucas, nessa passagem, é proporcionar ao

nascimento de Jesus um lugar na estrutura cronológica de governantes mundiais e locais,

ao mencionar Augusto César, o imperador, e em seguida, Quirino, o legado local da Síria.

Nessa passagem, o autor do Evangelho de Lucas usa a palavra [Augoustou] para designar

o César Augusto. Esse uso, que se caracteriza pela transliteração grega de um nome latim

não é comum. Em Atos 25.21-25, o autor usa a palavra grega Sebastos , equivalente grego

do latim, como título. Desse modo, o autor de Lucas usa o nome individual de César com

o objetivo de contrapô-lo ao nome de Jesus, também apresentado de forma individual

(BROWN, 2005, p. 793).

Essa contraposição entre Jesus Cristo e César Augusto é ainda mais acentuada pelo uso

lucano do termo “hoje” (“Nasceu-vos hoje um Salvador, que é o Cristo-Senhor”), que

denota o nascimento de Jesus e o contrasta às celebrações do dia do nascimento de

CésarAugusto:

A hipótese de que “neste dia, nasceu [...] um Salvador”, de Lucas (2,11) é alegação cristã

contrária à propaganda imperial associada à celebração do aniversário de Augusto é

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realçada pelas descobertas em Roma que mostram o cuidado empregado na observância

do dia do imperador: os cálculos da direção dos raios do Sol naquele dia tinham um

papel importante no alinhamento dos monumentos relacionados a Augusto na cidade, a

saber, o obelisco em Montecitorio, o Ara Pacis e o mausoléu (BROWN, 2005, p. 793).

O Tibre é um rio no território italiano, com nascente na Toscana, cujas margens passam

por Roma (GIORDANI, 1985).

De acordo com Brown (2005, p. 497), a asserção na inscrição Priene de Augusto – “O

nascimento do deus marcou o início da Boa-Nova para o mundo” – é reinterpretada por

um anjo do Senhor com o brado heráldico: “[...] eu vos anuncio a Boa-Nova de uma

grande alegria que será para o povo todo: Para vós, neste dia, nasceu na cidade de Davi um

Salvador, que é Messias e Senhor” (Lc 2,10- 11). De fato, essa passagem deixa clara a

contraposição deliberada efetuada pelo autor do Evangelho de Lucas entre o César

Augusto e Jesus Cristo.

Desse modo, podemos afirmar que a narração lucana do nascimento de Jesus apresenta um

“desafio implícito a essa propaganda imperial, não negando os ideais imperiais, mas

proclamando que a verdadeira paz do mundo foi trazida por Jesus” (BROWN, 2005, p.

497).

Brown (2005, p. 497) também comenta que as alusões lucanas à “paz” (cf. Lc 1.79; 2.14)

também se enquadram nesse quadro de antagonismos fomentado pelo cristianismo antigo

em relação ao culto imperial, pois enquanto os exércitos romanos proclamavam a “ paz

Augusta”, os exércitos celestiais proclamavam a “paz Christi ”.

A demonstração de extrema sabedoria precoce de Jesus enquanto ainda menino também

faz parte do modelo bastante comum do imaginário da época de colocar o herói ou

imperador romano como portador da sabedoria divina desde a infância:

É criação comum em muitas culturas e literaturas fazer do menino o pai do homem,

criando histórias da meninice de grandes figuras, que antecipam a grandeza do

protagonista. Com freqüência, essas histórias caracterizam um conhecimento

surpreendente demonstrado em uma idade entre dez e quatorze anos; por exemplo,

histórias de Buda na índia, de Osíris no Egito, de Ciro, o Grande, na Pérsia, de Alexandre

Magno na Grécia e de Augusto em Roma. [...] O propósito dessas histórias é mostrar a

grandeza do protagonista desde o início de sua maturidade (BROWN, 2005, p. 576).

De fato, nem César Augusto e nem Jesus de Nazaré escaparam de serem caracterizados

como “prodígios” em suas infâncias: o primeiro, motivado pela propaganda imperial que

rondava em todo o império romano; o segundo, motivado pela oposição à teologia

imperial, pelo desejo de equiparar (ou mesmo superar) Jesus a César e pelo intento de

mostrar a grandeza e a ascendência divina do messias desde o início de sua infância.

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Organizado por Eliezer Lucena 35

5- CONCLUSÃO

Desse modo, torna-se clara a existência de um forte conflito ideológico entre primeiros

cristãos e o culto imperial romano, mais especificamente do primeiro em relação ao

segundo. Apesar da atitude anti-beligerante do cristianismo primordial em relação ao

Império Romano, os cristãos primitivos não aceitaram de bom grado as propostas

teológicas do culto que os dominadores traziam, e não se calaram diante da exigência de se

prestar reverência e adoração a imagem do imperador.

O marco desse trabalho foi demonstrar que discursos antiimperialistas estão presentes,

ainda que de forma simbólica e camuflada, nos escritos do Novo Testamento cristão, que

se constituem os primeiros escritos da religião cristã.

As influências extra-cristãs na formação do imaginário cristão primitivo foram marcantes,

sendo que, enquanto os cristãos primitivos não aceitavam as propostas teológicas do culto

à imagem do imperador, utilizavam os elementos desse culto imperial para construir a

imagem de culto a Jesus Cristo. Por isso, podemos concluir que a teologia imperial

exerceu um importante papel na construção da cristologia e teologia cristãs.

BIBLIOGRAFIA:

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Mateus e Lucas. São Paulo: Paulinas,

J o filho de deus (e o imperador não é): A simbolização de discursos antiimperialistaselatos...

O nascimento do Cristianismo: 2005 (Coleção bíblia e história). CROSSAN, John Dominic. : o que aconteceu nos

anos que se seguiram à execução de Jesus. São Paulo: Paulinas,

O queijo e os Vermes: 2004. GINZBURG, Carlo. São Paulo: Companhia de Bolso, 2006.

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HANSON, John S.; HORSLEY, Richard A. movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus,

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Introdução ao Novo Testamento: KOESTER, Helmut. História e literatura do cristianismo primitivo. São Paulo:

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Um judeu marginal: MEIER, John P. : Repensando o Jesus Histórico: as raízes do problema e da pessoa.

3. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1993.Vol. I.

Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico: Milagres. Rio de Janeiro: Imago, 1998.Vol. II, livro III.

Movimentos messiânicos no tempo de Jesus: SCARDELAI , Donizete: Jesus e outros messias. São Paulo: Paulus,

1998.

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 36

5. A MENSAGEM ANTI-IMPERIALISTA DOS EVANGELHOS- III

OS SUÍNOS MARATONISTAS

Este erro bíblico seria cômico se não fosse trágico. Já ouvimos professores e

pastores tentando explicar o inexplicável, e alunos e fiéis tentando compreender o

incompreensível. Trata-se do desembarque de Jesus na margem do Lago da Galiléia na

cidade de Gadara quando foi recebido por dois homens possessos de espíritos impuros. Na

narrativa bíblica Jesus expulsou os espíritos, que antes de saírem pediram permissão para

entrar numa manada de porcos que pastava ali próximo, ao entrar nos porcos os espíritos

causaram um ataque de loucura nos suínos que correram, precipitaram-se no mar e

morreram afogados. Vamos ler a passagem bíblica:

Tendo ele chegado à outra margem, à terra dos gadarenos, vieram-lhe ao encontro dois

endemoninhados, saindo dentre os sepulcros, e a tal ponto furiosos, que ninguém podia

passar por aquele caminho. E eis que gritaram: Que temos nós contigo, ó Filho de

Deus! Vieste aqui atormentar-nos antes de tempo? Ora, andava pastando, não longe

deles, uma grande manada de porcos. Então, os demônios lhe rogavam: Se nos expeles,

manda-nos para a manada de porcos. Pois ide, ordenou-lhes Jesus. E eles, saindo,

passaram para os porcos; e eis que toda a manada se precipitou, despenhadeiro abaixo,

para dentro do mar, e nas águas pereceram. Mt 8:28a32

O episódio dos porquinhos seria compreensível, se não fosse um pequeno detalhe:

Gadara fica, na melhor das hipóteses, há 12 km do Lago da Galiléia. Este é um erro que

aqui no Brasil é classificado como “NASCIDO NO BERÇO”, ou seja, o erro é

provavelmente do autor do Evangelho de Mateus que passou para o seu texto informações

equivocadas. Mas o mais interessante é que o autor do Evangelho de Mateus utilizou o

Evangelho de Marcos para compor seu trabalho. Então o erro deve estar também no

Evangelho de Marcos. Vamos analisar a passagem no Evangelho de Marcos?

Entrementes, chegaram à outra margem do mar, à terra dos gerasenos. Ao

desembarcar, logo veio dos sepulcros, ao seu encontro, um homem possesso de espírito

imundo, o qual vivia nos sepulcros, e nem mesmo com cadeias alguém podia prendê-lo;

porque, tendo sido muitas vezes preso com grilhões e cadeias, as cadeias foram

quebradas por ele, e os grilhões, despedaçados. E ninguém podia subjugá-lo. Andava

sempre, de noite e de dia, clamando por entre os sepulcros e pelos montes, ferindo-se

com pedras. Quando, de longe, viu Jesus, correu e o adorou, exclamando com alta voz:

Que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Conjuro-te por Deus que não me

atormentes! Porque Jesus lhe dissera: Espírito imundo, sai desse homem! E perguntou-

lhe: Qual é o teu nome? Respondeu ele: Legião é o meu nome, porque somos muitos. E

rogou-lhe encarecidamente que os não mandasse para fora do país. Ora, pastava ali

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 37

pelo monte uma grande manada de porcos. E os espíritos imundos rogaram a Jesus,

dizendo: Manda-nos para os porcos, para que entremos neles. Jesus o permitiu. Então,

saindo os espíritos imundos, entraram nos porcos; e a manada, que era cerca de dois

mil, precipitou-se despenhadeiro abaixo, para dentro do mar, onde se afogaram. Mc

5:1a13

A passagem do Evangelho de Marcos torna

o assunto mais complexo. O texto em questão é

incrivelmente diferente do texto do Evangelho de

Mateus. No texto do Evangelho de Marcos há um

homem possesso enquanto que no Evangelho de

Mateus existem dois homens possessos, no texto

do Evangelho de Mateus os porcos tiveram que

correr 12 km, pois estavam na cidade de Gadara,

enquanto que no texto do Evangelho de Marcos a

cidade é Gerasa o que torna os porquinhos

corredores em verdadeiros suínos maratonistas,

pois tiveram que correr 50 km antes de pularem

no Lago da Galiléia. Para compreender melhor o

que estamos escrevendo, o leitor pode ver o mapa

da região na época e tirar suas próprias

conclusões quanto à distância.

Mas como encontrar o motivo que gerou o erro bíblico analisado, já que é

impossível que os porcos tenham percorrido 50 km, ou mesmo 12 km? O leitor pode ficar

espantado se nós começarmos as perguntas de outra forma: Houve mesmo este episódio?

Havia quantos homens possessos? Qual a cidade em questão? Qual evangelista está

correto?

Mas vamos, primeiramente, partir da suposição de que o episódio narrado nos

Evangelhos Sinóticos ACONTECEU e só depois analisar uma segunda hipótese. Então

vamos continuar nossa suposição pelo Evangelho de Mateus que narra o acontecimento na

cidade de Gadara. Mas, por que o Evangelho de Mateus? Será a pergunta do leitor. Porque

a cidade de Gadara está mais próxima do Lago da Galiléia. Jesus e seus discípulos

desembarcaram na margem do Lago da Galiléia e quando estavam andando encontraram

um cemitério ali próximo com dois homens possessos, o restante da história nós já

conhecemos e o texto de Mateus diz ainda que o episódio deu-se fora da cidade o que

reforça a nossa suposição. O texto de Mateus é mais fácil de ser aceito e até preferível se

formos usar a lógica. Mas, o texto do Evangelho de Mateus não é o texto mais antigo dos

Evangelhos Sinóticos a relatar o acontecimento. O texto mais antigo é do Evangelho de

Marcos que, seguindo a tradição cristã primitiva, afirma que havia apenas um homem

possesso, na Cidade de Gerasa e que os porquinhos morreram no Lago da Galiléia. Como

observamos, o autor do Evangelho de Mateus tentou “consertar” as informações do

Evangelho de Marcos, transferindo o episódio da cidade de Gerasa para uma cidade mais

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 38

próxima do Lago da Galiléia que é a cidade de Gadara tornando o acontecimento mais

plausível. Com esta alteração no episódio proposto pelo autor do Evangelho de Mateus o

“problema” estava resolvido. Entretanto, alguns anos depois, outro autor, o autor do

Evangelho de Lucas começou a escrever seu Evangelho. O autor do Evangelho de Lucas

usou diversos documentos e Evangelhos da época para compor seu Evangelho, inclusive

os Evangelhos de Marcos e de Mateus. Quando chegou a passagem por nós analisada ele

escreveu:

Então, rumaram para a terra dos gerasenos, fronteira da Galiléia. Logo ao

desembarcar, veio da cidade ao seu encontro um homem possesso de demônios que,

havia muito, não se vestia, nem habitava em casa alguma, porém vivia nos sepulcros. E,

quando viu a Jesus, prostrou-se diante dele, exclamando e dizendo em alta voz: Que

tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Rogo-te que não me atormentes.

Porque Jesus ordenara ao espírito imundo que saísse do homem, pois muitas vezes se

apoderara dele. E, embora procurassem conservá-lo preso com cadeias e grilhões, tudo

despedaçava e era impelido pelo demônio para o deserto. Perguntou-lhe Jesus: Qual é o

teu nome? Respondeu ele: Legião, porque tinham entrado nele muitos demônios.

Rogavam-lhe que não os mandasse sair para o abismo. Ora, andava ali, pastando no

monte, uma grande manada de porcos; rogaram-lhe que lhes permitisse entrar naqueles

porcos. E Jesus o permitiu. Tendo os demônios saído do homem, entraram nos porcos,

e a manada precipitou-se despenhadeiro abaixo, para dentro do lago, e se afogou. Lc

8:26a33

Como podemos notar no texto do Evangelho de Lucas, o autor preferiu a

informação do Evangelho de Marcos — que a cidade era Gerasa — e a reproduziu da

mesma maneira, pois, embora o texto de Mateus seja mais plausível a tradição da época

confirmava o texto de Marcos. Entretanto, o autor do Evangelho de Lucas, também tentou

“consertar” a passagem registrada pelos autores dos Evangelhos de Marcos e Mateus e

trocou a “corrida de suínos” por outra corrida, a “corrida do possesso”. Neste texto, quem

saiu da cidade até o lago foi o homem possesso e não os porquinhos. Temos então na

Bíblia três textos que tratam do mesmo assunto e trazem três informações conflitantes.

Orígenes, um dos primeiros padres da Igreja Cristã primitiva, vislumbrou o

problema e conjecturou a possibilidade dos três Evangelhos estarem errados. Para

Orígenes o motivo do erro seria de origem dos primeiros copistas, que copiaram o

Evangelho de Marcos e leram a cidade de “Gergesa” como sendo “Gerasa”. A cidade de

Gergesa ficava nas margens do Lago da Galiléia. A conjectura de Orígenes é mais

plausível que a do autor do Evangelho de Mateus e foi imediatamente aceita pelos escribas

cristãos de sua época que passaram a informar nos manuscritos posteriores que a cidade

era “Gergesa” e os habitantes eram os “gergesenos”. Hoje, muitas versões das Bíblias

trazem esta informação, inclusive a primeira versão Revista e Corrigida de João Ferreira

de Almeida que é muito utilizada no meio evangélico.

O leitor agora deve estar se perguntando: Será que o texto do Evangelho de Mateus

está errado? Será que errados estão os textos dos Evangelhos de Marcos e Lucas? Será que

todos estão errados e o correto é a conjectura de Orígenes? Vamos continuar...

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Organizado por Eliezer Lucena 39

Dos textos considerados canônicos, os estudiosos e pesquisadores preferem o texto

do Evangelho de Marcos, quando analisam a História, e o texto dos Evangelhos de Mateus

e de Lucas, quando analisam os ditos de Jesus.

O texto do Evangelho de Marcos é escrito de uma forma clara e concisa e tem um

estilo literário-religioso próprio que surpreende o leitor. No Evangelho de Marcos, quando

se desenrola a narração dos episódios eles ganham vida e um episódio reflete significados

no outro. Este estilo é conhecido como “molduras”, ou seja, o autor inicia a narração de

um episódio, interrompe inicia e conclui a narração de outro episódio para só então voltar

à primeira narração continuá-la e concluí-la. O autor do Evangelho de Marcos escreve

sobre o episódio de Jairo que foi buscar Jesus para curar sua filha doente, logo o autor

muda a narrativa para contar sobre uma mulher que tinha um fluxo de sangue, após

concluir a narrativa do episódio da mulher, o autor do Evangelho de Marcos retoma o

episódio da filha de Jairo para continuá-lo e concluí-lo Mc 5:21a43; no mesmo estilo foi

escrito o episódio da missão dos doze discípulos, alternado com um comentário sobre

Herodes e a retomada do episódio dos discípulos Mc 6:7a30; o episódio da conspiração

dos principais dos sacerdotes alternada com o episódio da unção em Betânia e a retomada

do episódio da traição de Jesus Mc 14:1a11; o episódio da figueira estéril, alternado com a

expulsão dos vendedores do Templo e a retomada do episódio da figueira Mc 11:12a21; e

o episódio de Pedro no interior da casa do sumo sacerdote alternado com o episódio do

julgamento do Sinédrio e a retomada do episódio de Pedro negando Jesus Mc 14:53a72 só

para citarmos alguns exemplos do estilo literário do autor do Evangelho de Marcos.

Supondo que o episódio dos porquinhos tenha realmente acontecido, então o tema

que estamos analisando foi, inicialmente, escrito no mesmo estilo literário de todo o

restante do Evangelho. Mas, por que o texto do Evangelho de Marcos deixa parecer que há

um erro geográfico na narrativa? Segundo os comentaristas da Bíblia de Jerusalém, os dois

episódios narrados naquela “moldura” do Evangelho de Marcos “são episódios distintos”,

ou seja, aconteceram separadamente e é possível que em locais e dias diferentes. As

redações atuais dos dois episódios parecem ter sido “juntadas” quando as primeiras

transcrições do Evangelho de Marcos começaram a ser realizadas. Os primeiros copistas

parecem ter revisado e editado o texto para corrigir uma possível falta de letras ou palavras

no manuscrito que possuíam o que desfigurou a “moldura” e, consequentemente, acarretou

um erro nas cópias posteriores. Como os autores dos Evangelhos de Mateus e Lucas

utilizaram o texto revisado de Marcos, copiaram um erro (que os autores dos Evangelhos

de Mateus e Lucas, e até mesmo o padre Orígenes tentaram consertar) e a atenção do leitor

que deveria estar voltada para uma lição moral e ética ligada à morte dos porcos foi

transferida para a imaginação popular de uma hilária maratona suína. Voltamos a afirmar

que o Evangelho de Marcos é o melhor dos Evangelhos Sinóticos quanto ao estilo

literário, mas em todos os trechos que este Evangelho recebeu acréscimos, revisões ou

edições o resultado foi sempre triste.

Além do trecho analisado, Mc 4:10a12 e Mc 16:9a20 são bons exemplos de acréscimos,

revisões e edições que geraram erros grosseiros. Mas estes trechos nós vamos analisar

mais adiante.

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A outra hipótese é de que O EPISÓDIO NÃO ACONTECEU. Apesar dos cristãos

de nossos dias crerem que o episódio foi real, o episódio em questão do Evangelho de

Marcos, de acordo com esta segunda suposição, é um Midrash. O Midrash é uma alegoria

judaica escrita com a finalidade de transmitir ao leitor judeu observações rabínicas sobre

Moral, Ética, a Lei Judaica e pode ainda ser usado para despertar o espírito de resistência

em épocas de perseguição. Observando por este ponto de vista, tudo o que foi narrado pelo

autor do Evangelho de Marcos está correto e a distância das cidades em relação ao Lago

da Galiléia não faz diferença alguma, pois tudo é uma questão alegórica.

Para compreender este episódio de forma alegórica, o leitor deve ter em mente que

este Evangelho foi escrito para uma platéia judaica. Logo o texto do Evangelho de Marcos

deve ser lido com “olhos judeus”, ou seja, é necessário para o leitor conhecer as práticas e

as crenças judaicas citadas no episódio, caso contrário, a interpretação do Midrash poderá

ser prejudicada ou — muito pior — ser interpretada como literal. A interpretação de um

Midrash é subjetiva, portanto vamos relatar as práticas e as crenças judaicas e, ao final, o

leitor irá fazer sua própria interpretação.

Um judeu religioso não tem como prática visitar o cemitério, salvo quando por

prescrição da Lei Judaica. Uma das crenças judaicas com relação aos espíritos dos mortos

é que eles existem e que, inclusive, podem ouvir nossas conversas dirigidas a eles, pois

passam a existir no nosso mundo, porém em um outro plano espiritual. Depois da morte, o

espírito da pessoa destaca-se do corpo e, após o período de luto, retorna a Deus. Neste

episódio que estamos analisando, os espíritos chamados pelos cristãos de “demônios” são

para os judeus, espíritos de pessoas que não tiveram uma vida honesta, justa e pautada pela

obediência aos Mandamentos da Lei de Deus e por isso estão atormentados e não

retornaram a Deus. Estes espíritos atormentados freqüentam as residências em que

moravam e os cemitérios em que seus corpos estão enterrados. Às vezes se apoderam do

corpo de pessoas ou até de animais que ficam então possessos. Para realizar o exorcismo, a

religião judaica sugere que haja um número mínimo de dez pessoas sendo um deles um

rabino praticante da Lei que fará a conjuração do espírito, perguntando o seu nome, o que

quer ou precisa para finalmente exorcizar o espírito do corpo da pessoa ou animal

possesso. Quando o rabino exorciza um espírito, ele ordena que o espírito saia de perto de

qualquer cidade, povoado ou vila e siga em direção ao deserto, floresta, abismo ou mar.

Outra possibilidade é ordenar ao espírito que retorne a Deus. O exorcismo no judaísmo é

visto como um ato de extrema misericórdia para com o possesso e também para com o

espírito.

Já os “demônios” são crias de Lilith, a primeira mulher de Adão. Lilith teve filhos-

demônios com Adão, com Asmodeu o chefe dos demônios, com os anjos e até com seus

próprios filhos-demônios. Os demônios e os anjos não precisam de corpos, pois podem se

materializar e adquirir qualquer forma, e por este motivo os demônios nada tem haver com

o episódio narrado.

A cidade de Gerasa fazia parte de DECÁPOLIS, as dez cidades habitadas por

gentios na Palestina. As cidades de Decápolis eram freqüentemente usadas pelos galileus

como passagem para Jerusalém, pois quando os samaritanos não impediam os judeus de

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atravessarem seu território, os judeus se recusavam a atravessar o território de Samaria, daí

o motivo de tantas travessias de Jesus e seus discípulos no Lago da Galiléia.

Nesta época os ROMANOS estavam dominando a Judéia política, econômica e

militarmente e chamá-los de cães ou de porcos era uma prática comum entre aqueles

judeus. Uma “LEGIÃO” romana era formada por 2000 homens, o espírito imundo quando

perguntado por Jesus diz que seu nome era “LEGIÃO”. Quando são expulsos o espírito

imundo pergunta se podem entrar nos porcos, coincidentemente o número de porcos é

idêntico ao numero de uma legião romana, ou seja, 2000. E os porcos se precipitam e se

jogam no mar da Galiléia, em outras palavras, o evangelista quis dizer que pelo mesmo

caminho que os porcos romanos chegaram na Judéia eles iriam embora.

Ter a possibilidade de imaginar uma Legião Romana correndo do Rei-Messias judeu

e por fim se afogando exatamente de onde vieram (o Mar) era o ponto alto para qualquer

platéia judaica do primeiro século.

A resposta para o erro encontrado deve ser precedida pela escolha de uma das duas

suposições que mostramos ao leitor. A diferença entre a interpretação literal e a

interpretação de um midrash é que na primeira opção a resposta é objetiva, enquanto que

na segunda opção a resposta é subjetiva. Entretanto, dependendo da escolha do leitor, a

resposta suscitará outro problema que o leitor deverá conviver com ele: Se a interpretação

literal for escolhida o leitor terá que reconhecer o erro bíblico, se a escolha for pelo

midrash então o leitor terá que reconhecer que o episódio não existiu como a maioria dos

cristãos acredita.

6. TESTEMUNHOS HISTÓRICOS SOBRE QUEM MATOU JESUS.

A seguir colocaremos alguns textos de historiadores do I e II século da era Cristã,

dando-nos algumas informações importantes sobre a identidade das pessoas que mataram

Jesus. Dado a antiguidade desses testemunhos que datam da época da elaboração e redação

dos 4 Evangelhos canônicos, ou seja, do ano 70 à 150 E.C. Começaremos com o

testemunho de Flavio Josefo um historiador judeu, porém isento do acréscimo cristão

posterior conhecido como “TESTIMUNION FLAVIANUS”.

“Por volta desse tempo, havia Jesus, um homem sábio. Pois ele era alguém que praticava

feitos surpreendentes e um mestre de pessoas que recebiam o extraordinário com prazer.

Ele motivou muitos judeus e também muitos gregos. E quando Pilatos o condenou à cruz,

já que ele era acusado por aqueles da mais alta categoria entre nós, os que o haviam

amado desde o inicio não pararam de causar perturbações. E até agora a tribo dos

cristãos, assim chamados por causa dele ainda não se extinguiu.’

Antiguidades Judaicas 18:63-64

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Organizado por Eliezer Lucena 42

O texto é tão claro que quase dispensaria comentários, porém vamos comentar.

Josefo diz que foi Pilatos quem condenou Jesus visto que ele Jesus era acusado pelos da

mais alta categoria entre os judeus. Quem seriam esses judeus que faziam parte da mais

alta categoria judaica? Com certeza o texto não deixa dúvidas que eram os Saduceus que

compunham a maior parte do Sinédrio juntamente com Herodes e os de seu partido, ou

seja, parte do Sinédrio, Herodes e os seus juntamente com Pilatos foram os que mataram

Jesus segundo o testemunho de Flávio Josefo. Vejamos agora outro testemunho histórico,

porém de um historiador romano.

“Nero criou bodes expiatórios e puniu com todo refinamento os notoriamente depravados

cristãos (como costumavam ser chamados). O fundador dessa seita, Cristo, fora

executado durante o reinado de Tibério pelo governador da Judéia, Pôncio Pilatos. Mas

apesar desse revés temporário, a fatal superstição renasceu, não só na Judéia (onde esse

mal tinha começado), mas até mesmo em Roma. Onde todas as praticas degradadas e

vergonhosas florescem na Capital.”

Anais - Públio Cornélio Tácito

Tácito viveu do ano 56 à 120 E.C. portanto estava inteirado dos acontecimentos na

Palestina, principalmente porque ele registrou a rebelião judaica contra Roma, que

aconteceu de 66 a 73 E.C.em suas conhecidas coleções HISTÓRIAS.

7.PERSEGUIÇÕES AOS CRISTÃOS NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS

O culto imperial em Roma iniciou-se com Octaviano César Augusto, que era filho

adotivo de Júlio César. O imperador era assim visto como um Deus (augustus) e por isso

muitos imperadores acrescentaram ao seu nome o título de augustus.

O culto imperial foi um dos fatores da centralização e de unificação do Império

Romano, encontrando resistências no Cristianismo, que por isso não foi aceito na sua fase

inicial. Muitos cristãos foram perseguidos nos séculos I, II e III.

Atos 18: 1 depois disto, deixando Paulo Atenas, partiu para Corinto. 2 lá, encontrou

certo judeu chamado Áquila, natural do ponto, recentemente chegado da Itália, com

Priscila, sua mulher, em vista de ter Cláudio decretado que todos os judeus se retirassem

de Roma. Paulo aproximou-se deles. 3 e, posto que eram do mesmo ofício, passou a

morar com eles e ali trabalhava, pois a profissão deles era fazer tendas. 4 e todos os

sábados discorria na sinagoga, persuadindo tanto judeus como gregos.

Em Corinto Paulo encontra Priscila e Áquila judeus que foram expulsos de Roma

devido à perseguição do imperador Cláudio contra os judeus no ano de 49. Cabe aqui uma

pergunta: que judeus eram esses que o imperador Cláudio expulsou de Roma? Existem

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 43

citações históricas que o Imperador Cláudio que sucedeu Calígula favoreceu os judeus em

várias oportunidades:

Cláudio consentiu que as vestimentas do sumo sacerdote fossem mantidas sob

custódia dos judeus não dos romanos como era antes dele.

Procurou solucionar os problemas das perseguições aos judeus de Alexandria no

Egito.

Restaurou a liberdade religiosa dos judeus e condenou à morte os dois líderes

egípcios dos tumultos antijudaicos.

Enfim existem outros benefícios que os judeus gozaram durante o reinado de Cláudio

como imperador. Então por que ele expulsaria os judeus de Roma? O historiador romano

Suetônio fala de distúrbios entre os judeus romanos causados por um tal:

“ Os judeus foram expulsos de Roma por promoverem distúrbios, instigados por um tal

de CHRESTUS.” Vida de Claudio – Caio Suetônio Tranquilo historiador romano

Um tal CHRESTUS em latim que seria a mesma coisa que CHRISTUS em grego.

Claudio CTA os disturbios que ele atribui a Cristo, ou seja, os judeus que foram expulsos

de Roma eram os judeus que creram em Cristo, eram os judeus nazarenos que cresciam

muito em Roma e anunciavam que Cristo era o Messias e filho de Deus, e isto se chocava

contra o culto aos imperadores romanos, pois os tais eram os únicos filhos de Deus. Esta

pratica de cultuar e construir Templos para os imperadores romanos teve inicio com o

sucesso de Augusto César que unificou o império romano e trouxe a paz romana e

prosperidade para todo o império. Deste ponto em diante o imperador se tornou o único

filho de Deus que devia ser adorado e venerado em todo o império, é obvio que os judeus

cristãos não veneravam o imperador e ainda espalhavam que Yeshua era o filho de Deus

por isto eles foram expulsos de Roma. Desta forma conseguimos entender como e porque

PRISCILA E ÁQUILA um casal de judeus que foram expulsos de Roma e já criam em

Yeshua foram parar na cidade de Corinto. Então não foi Paulo que levou o evangelho, ou

seja, as boas novas da salvação até a cidade de Roma, pois isto aconteceu bem antes dele

Paulo ter sido levado para Roma. Quem então levou o evangelho até Roma? A resposta é

simples, foram aqueles judeus que estavam em Jerusalém para celebrar a festa de

Pentecostes no capitulo 2 de Atos. Eles não só levaram as boas novas para Roma como

para a Antioquia, Alexandria e todas as partes do mundo conhecido de então. Então alguns

teólogos e judeus messiânicos defenderem que somente 144.000 judeus creram em Yeshua

e depois dos 144.000 os judeus rejeitaram Yeshua e sua mensagem, e assim a pregação se

voltou para os gentios é muita falta de informação bíblica em primeiro lugar e histórica em

segundo lugar. Em Roma muitos judeus creram e foram expulsos de lá, em Antioquia os

judeus de lá creram e formaram uma grande comunidade, em Corinto a Igreja era na casa

de um casal de judeus, em Alexandria se formou uma grande comunidade de judeus que

creram em Yeshua e assim em todas as terras que compunham o império romano as boas

novas se espalharam e cresceram entre os judeus primeiramente e depois entre os gentios.

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8. A MORTE DE TIAGO IRMÃO DE JESUS

Escolhi o testemunho de Eusébio de Cesáreia por ele citar outros dois historiadores que

relatam em seus escritos quase a mesma história, ou seja, Hegésipo que foi contemporâneo

do apostolo Paulo e Tiago, Flávio Josefo que foi testemunha ocular do ocorrido e ainda

cita Clemente de Alexandria que foi um dos pais da igreja narrou à mesma história.

“Não conseguindo mais suportar o testemunho daquele que, por causa do elevado nível

que tinha atingido na virtude e na piedade, era considerado o mais justo dos homens,

mataram-no, usando como ensejo a anarquia reinante, já que Festo havia morrido na

Judéia, deixando o distrito sem governante nem líder. Ora, quanto ao modo pelo qual

Tiago morreu, já foi declarado pelas palavras de Clemente: Que ele foi lançado de uma

ala do templo e espancado com um malho até a morte.”

História Eclesiástica. Eusébio de Cesáreia – Livro 2 capitulo 23

“Hegésipo, que pertence à geração seguinte à dos apóstolos, fornece o relato mais exato

a seu respeito em seu quinto livro, como se segue: “ Ora, Tiago, o irmão do Senhor que,

por haver muitos com esse nome, era chamado Justo por todos desde os tempos do Senhor

até o nosso, recebeu o governo da igreja juntamente com os apóstolos. Este era santo

desde o ventre de sua mãe. Ele não bebia vinho, nem bebida fermentada, e se abstinha de

alimento animal; nenhuma navalha passava sobre sua cabeça; jamais se ungia com óleo e

jamais ia aos banhos. Somente ele tinha permissão de entrar no Santuário.Jamais vestia

roupas de lã, mas de linho. Ele costumava entrar sozinho no Templo, sendo com

freqüência visto de joelhos, intercedendo para que o povo fosse perdoado, de modo que

seus joelhos ficaram duros como os de um camelo por causa de suas súplicas habituais,

ajoelhando-se diante de Deus. Assim por sua piedade extrema era chamado o Justo ou

Tzadique que significa justiça e proteção do povo.”

História Eclesiástica. Eusébio de Cesáreia – Livro 2 capitulo 23

“Esse é o testemunho mais detalhado de Hegésipo, em que concorda plenamente com

Clemente. Tiago era de fato tão admirável e tão celebrado entre todos por sua retidão,

que mesmo os mais sábios dos judeus pensavam que essa fora a causa do cerco imediato

de Jerusalém, que teria ocorrido por nenhum outro motivo, senão o crime conta ele Tiago.

Josefo também não hesitou em acrescentar esse testemunho em suas obras:

“ Essas coisas, aconteceram aos judeus para vingar Tiago o Justo, que era irmão

daquele que chamavam de Messias, e a quem os judeus mataram apesar de sua destacada

retidão”

O mesmo autor também narra a morte de Tiago no vigésimo livro de suas Antiguidades

Judaicas, com as seguintes palavras:

“ Ora, quando César ouviu da morte de Festo, enviou Albino como governador da Judéia.

Mas o jovem Anano que, conforme mencionamos, havia recebido o Sumo Sacerdócio, era

da seita dos saduceus, os mais cruéis de todos os judeus na execução de julgamentos,

conforme já explicamos. Assim tendo esse caráter, e pensando que tinha uma

oportunidade adequada em razão da morte de Festo e Albino ainda estar a caminho,

Anano (este Anano que era neto de Kaifás e da mesma família de Anás que mandaram

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matar Jesus)convoca uma assembléia de juizes e levando o irmão de Jesus chamado o

Messias, cujo nome era Tiago, e alguns outros, apresentou uma acusação contra eles,

como se tivessem violado a Torah e os entregou para serem apedrejados como

criminosos. Mas os que na cidade eram considerados mais ponderados e mais estritos na

observância da Torah ficaram grandemente irados com isso e o comunicaram

secretamente ao rei, rogando-lhe que escrevesse a Anano para que desistisse de fazer tais

coisas, dizendo que não agira legalmente mesmo antes.Alguns deles também foram

encontrar-se com Albino quando este chegou de Alexandria e explicaram que era ilegal

Anano convocar o Sinédrio sem seu conhecimento. Albino, influenciado por esse relato,

escreve irado para Anano, ameaçando chama-lo para um ajuste de contas. Mas, pelo

mesmo motivo, o rei Agripa o destituiu do cargo de Sumo Sacerdócio quando o havia

exercido por três meses, e nomeou Jesus, filho de Dameu, como seu sucessor.”

História Eclesiástica – Eusébio de Cesáreia. Livro 2 capitulo 23.

Este testemunho quádruplo de Eusébio, Flavio Josefo, Hegésipo e Clemente são

unânimes em citar Tiago como irmão de Jesus, esse mesmo Tiago era conhecido como

“Ya’akov Ha Tzadic”, ou seja, Tiago O Justo, No evangelho de Tomé há uma citação do

próprio Jesus respondendo a uma pergunta dos discípulos sobre quem eles deveriam seguir

após a morte de Jesus, e Jesus diz que eles deveriam seguir a Tiago o Justo, segue o texto:

Evangelho de Tomé: 12 - Os discípulos disseram a Jesus: "Sabemos que tu nos deixarás.

Quem será nosso líder?" Jesus disse-lhes: "Não importa onde estiverdes, devereis dirigir-

vos a Tiago, o justo, para quem o céu e a terra foram feitos."

Tiago era o líder da comunidade nazarena de Jerusalém conforme consta no próprio

livro de Atos dos apóstolos foi esse mesmo Tiago que presidiu o Concílio de Jerusalém e

isentou os gentios da obrigação de cumprir a Torah de Moisés, e apenas os aconselhou a

cumprirem a Lei de Noé, que são sete leis para toda a humanidade. Os cristãos em geral

costumam fazer muita confusão com relação a este texto de Atos capitulo 15,

interpretando que a Lei de Moisés foi abolida por tal concilio, porém, não foi isto que

aconteceu, Tiago não exigiu que os gentios se convertessem ao judaísmo para crerem e

seguirem Yeshua seu irmão, ele apenas isentou os gentios, devido já existir na própria

Torah uma Lei para os não judeus, ou seja, ele aplicou a própria Torah para resolver tal

situação.

O nosso tema não é este sobre judeus e gentios e Torah e lei a Noética, nosso objetivo é

mostrar que não foi somente Jesus que morreu tanto nas mãos do império romano quanto

nas mãos da família de Anás e Kaifás. Como vimos acima Tiago foi morto pelas mãos do

Sumo Sacerdote Anano que era neto de Anás e filho de Kaifás, os mesmos que fizeram um

complô juntamente com Herodes e Pilatos para matarem a Jesus. E mesmo após matarem

Tiago o Justo, irmão de Jesus, a perseguição não cessou à família de Jesus como veremos

abaixo.

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9. A MORTE DE SIMÃO IRMÃO DE JESUS

“Após o martírio de Tiago e a captura de Jerusalém, que se seguiu de imediato, registra-

se que os apóstolos e discípulos de nosso Senhor que ainda viviam juntaram-se de todas

as partes com os que eram parentes de nosso Senhor de acordo com a carne. Eles se

consultaram para determinar a quem deviam julgar digno de suceder Tiago. Todos,

unânimes, decidiram que Simão, filho de Cleófas, a quem se faz menção no volume

sagrado, era digno do trono daquele episcopado. Dizem que ele era primo do Salvador,

pois Hegésipo afirma que Cleófas era irmão de José.”

História Eclesiástica- Eusébio de Cesárea- Livro 3 capitulo 11

“Depois de Nero e Domiciano, também formos informados que no reinado do imperador

cuja época estamos agora registrando houve uma perseguição parcial incitada pelas

cidades em conseqüência de uma insurreição popular. Com isso soubemos, também, que

Simão, o qual, conforme mostramos, foi nomeado segundo bispo da igreja de Jerusalém,

morreu como mártir. Dele o mesmo Hegésipo, cujas palavras temos citado com tanta

freqüência, dá testemunho. Esse autor, falando de certos hereges, acrescenta que, de fato,

nessa época, Simão, tendo carregado a acusação de ser cristão, ainda que torturado por

alguns dias, causando supremo espanto tanto no juiz como em seus assistentes, terminou a

vida com sofrimentos iguais aos de nosso Senhor. Mas é melhor ouvir o próprio autor

(Hegésipo) que dá o relato da seguinte maneira: “Alguns delataram Simão, o filho de

Cleófas, como descendente de Davi e cristão; e assim ele sofreu como mártir aos cento e

vinte anos de idade, no reinado do imperador Trajano e presidência do cônsul atiço.” O

mesmo autor diz que ao se fazerem buscas dos judeus que eram da tribo de Davi, seus

acusadores, sendo descendentes dessa família, foram levados em custódia. Pode-se

afirmar com segurança que esse Simão estava entre os que deram testemunho do que

haviam ouvido e visto de nosso Senhor, a julgar pelo tempo de sua vida e o fato de os

evangelhos fazerem menção a Maria, mulher de Cleófas, cujo filho era Simão, conforme

já demonstramos. O mesmo autor afirma que havia outros, os descendentes daqueles

considerados irmãos do Senhor, cujo nome era Judas, e que esses viveram até o mesmo

reinado após sua profissão de Cristo e testemunho sob Domiciano, já mencionados. Ele

assim escreve: “ Há também os que tomam a liderança de toda a igreja como mártires,

mesmo da família do Senhor. E quando se estabeleceu uma profunda paz em toda a igreja,

continuaram até os dias do imperador Trajano, até a época em que o acima mencionado

Simão, o parente de nosso Senhor, sendo filho de Cleófas, foi enredado pelas heresias,

sendo acusado pela mesma causa sob atiço, que era de igual dignidade. Depois de ser

atormentado muitos dias, morreu como mártir com tal firmeza que todos ficaram

assombrados, mesmo o próprio cônsul, pelo fato de um homem de cento e vinte anos

suportar tais torturas. Por fim ordenou-se que fosse crucificado”. O mesmo autor, a

respeito dos acontecimentos da época, também diz que a igreja continuava até então pura

e incorrupta como uma virgem, pois havendo algum que atentasse perverter a sã doutrina

do evangelho salvador, estavam ocultos em esconderijos escuros; mas quando o grupo

sagrado dos apóstolos se extinguiu e a geração dos que tinham tido do privilégio de ouvir

sua sabedoria inspirada passou, também surgiram as maquinações dos erros ímpios pela

fraude e pelo engano dos falsos mestres. Também esses, não tendo restado nenhum dos

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apóstolos, atentavam pregar abertamente sua falsa doutrina contra o evangelho da

verdade. Tal a declaração de Hegésipo.”

História Eclesiástica- Eusébio de Cesárea- Livro 3 capitulo 32.

O Simão que Eusébio cita no texto acima era o irmão de Tiago e também irmão de Jesus

que o próprio Hegésipo confirma que era irmão do Senhor Jesus em seu testemunho que

deixou por escrito, ou seja, Hegésipo viveu na época de Tiago e Paulo e seu testemunho

vale muito mais do que o de Eusébio que viveu no século IV. Infelizmente mataram Jesus,

mataram Tiago, mataram Simão, e depois por fim mataram a Judas o último dos irmãos de

Jesus, todos morreram por um único motivo, todos eles eram da descendência de Davi, ou

seja, eram herdeiros legítimos ao trono de Israel, e também o império romano perseguiu

até aos sobrinhos de Jesus por serem da família de Davi, como mostra o texto abaixo

10. A PERSEGUIÇÃO A FAMÍLIA DE JESUS, DESCENDENTES DO REI DAVI

“Também se diz que Vespasiano, após a captura de Jerusalém, ordenou uma busca para

encontrar todos os da família de Davi, para que não restasse entre os Judeus ninguém da

família real e, por esse motivo, outra violenta perseguição foi infligida aos judeus.”

História Eclesiástica- Eusébio de Cesárea - Livro 3 capitulo 12

“Ora, quando o mesmo Domiciano deu ordens para que os descendentes de Davi fossem

mortos, diz uma antiga tradição, alguns dos hereges acusaram os descendentes de Judas

como irmão de nosso Salvador segundo a carne, porque eram da família de Davi e, como

tais, estavam relacionados com Cristo. Isso é declarado por Hegésipo como se segue:

“Ainda viviam da família de nosso Senhor os netos de Judas, chamado irmão de nosso

Senhor de acordo com a carne. Esses foram delatados como pertencentes à família de

Davi e levados a Domiciano pelo Evocado, pois esse imperador estava tão alarmado

quanto Herodes com a manifestação de Cristo. Ele lhes perguntou se eram da família de

Davi, e eles confessaram que sim.”

História Eclesiástica- Eusébio de Cesárea- Livro 3: 19-20

O testemunho de Hegésipo que viveu no primeiro século da era cristã registrado pelo

Bispo e historiador Eusébio de Cesáreia em seu livro História Eclesiástica nos dá

informações importantíssimas para reconstruirmos a verdade, tanto quanto mais próxima

da realidade histórica. A respeito da morte de Simão, que Eusébio afirmava ser primo de

Jesus, o próprio Hegésipo de quem Eusébio usou as fontes históricas afirmava ser ele

irmão de Jesus. Bem como você deve ter percebido a liderança da comunidade nazarena

ou os da Caminho, que bem depois passou a ser conhecida como os cristãos, era exercida

pela família de Jesus. Segundo este estudo podemos perceber que os primeiros lideres da

assim hoje chamada igreja foram:

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Jesus chamado de Messias

Tiago irmão de Jesus

Simão irmão de Jesus

Judas irmão de Jesus

José irmão de Jesus

Os Sobrinhos de Jesus

E todos sem exceção foram perseguidos tanto pela família de Kaifás e Anãs que

participaram do complô que resultou na morte de Jesus e Anano que foi responsável pela

morte de Tiago quanto pelo império romano e seus imperadores que queriam acabar com

os descendentes da família de Davi. O motivo já dissemos aqui que era não deixar nenhum

herdeiro legitimo ao trono do reino de Israel e conseqüentemente acabar com as

expectativas messiânicas do povo judeu, que um dia surgiria um descendente de Davi que

restabeleceria o Reino de Israel e os libertaria do jugo inimigo, em outras palavras, o

império romano queria acabar com o mal pela raiz, exterminando a família de Davi, no

caso aqui a família de Jesus. É importante também notar que enquanto a família de Jesus e

os apóstolos comandaram a comunidade nazarena de Jerusalém e estavam vivos, a

comunidade manteve-se integra, pura, sem se desviar do seu objetivo e ensino inicial,

porém logo na terceira e quarta geração subseqüente a coisa já descambou segundo

testemunhos históricos que vão do século I ao século IV, como os testemunhos lidos acima

de Hegésipo do século primeiro, Clemente de Alexandria e por fim Eusébio de Cesárea

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O CULTO IMPERIAL ROMANO

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A CIDADE DE ÉFESO

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A CIDADE DE LAODICEIA

11. IMPERADORES ROMANOS VERSUS IGREJA PRIMITIVA

NERO - O INCENDIÁRIO

Em 64 d.C. ocorreu o grande incêndio de Roma. O povo suspeitava de Nero;

este, para desviar de si tal suspeita, acusou os cristãos e mandou que fossem punidos.

Milhares foram mortos de formas as mais cruéis, entre eles, Paulo e, possivelmente Pedro.

Tácito diz: "Por conseguinte, Nero, para se livrar dos rumores, acusou de crime e castigou

com torturas exageradas aquelas pessoas, odiosas devido a práticas vergonhosas, a quem o

vulgo chama cristãos. Cristo, autor desse nome, foi castigado pelo procurador Pôncio

Pilatos, no reinado de Tibério; e a fatal superstição, reprimida por um pouco, irrompeu

novamente, não só na Judéia, sede original desse mal, porém por toda a cidade (Roma),

para onde de toda parte tudo quanto é horrível ou vergonhoso aflui e cai na moda".

DOMICIANO - OS CRISTÃOS SÃO ATEUS?

Em 96 d.C. Domiciano organizou uma perseguição aos cristãos sob a acusação

de serem ateus. Isto, talvez por se recusarem a participar do culto pagão do imperador. Foi

breve, porém violenta ao extremo. Milhares foram mortos em Roma e na Itália, entre eles

Flávio Clemente, primo do imperador, e sua esposa Flávia Domitila, que foi exilada. O

apóstolo João foi banido para a ilha de Patmos.

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TRAJANO - CRISTIANISMO, RELIGIÃO ILEGAL!(?)

O imperador Trajano, reinou de 98 a 117 d.C. Um dos melhores imperadores,

mas achou que devia manter as leis do império; enquanto que o cristianismo era

considerado religião ilegal, visto os cristãos se recusarem a sacrificar aos deuses romanos

ou tomar parte no culto do imperador, e a igreja era vista como sociedade secreta, o que

era proibido. Não farejavam cristãos, porém, quando estes eram acusados, sofriam castigo.

Entre os que pereceram neste reinado estavam, Simão, irmão de Jesus, bispo de Jerusalém,

crucificado em 107 d.C., e Inácio, o segundo bispo de Antioquia, que foi levado preso a

Roma e lançado às feras (110 d.C). Plínio, enviado pelo imperador à Ásia Menor, onde os

cristãos haviam tornado tão numerosos que os templos pagãos quase ficaram desertos, e

que fora mandado para castigar os que recusassem a amaldiçoar Cristo e a sacrificar à

imagem do imperador - escreveu ao imperador Trajano: "Eles afirmaram que o seu crime e

o seu erro cifrava-se nisto: costumavam reunir-se num dia estabelecido, antes de raiar o

dia, revezando-se, um hino a Cristo, como a um deus, e a obrigar-se por um juramento não

à prática de qualquer iniqüidade, mas a nunca roubar, nem furtar, nem adulterar, a nunca

faltar à palavra. a nunca recusar lealdade, ainda que solicitados; e depois de fazerem isto, a

praxe era separarem-se e depois reunirem-se novamente para uma refeição comum."

MARCO AURÉLIO - PERSEGUIDOR MAIS CRUEL DEPOIS DE NERO

Marco Aurélio (161-180 d.C), considerava a manutenção da religião oficial do

império uma necessidade política; porém, especialmente para estimular a perseguição aos

cristãos. Foi cruel e bárbaro, o mais severo depois de Nero. Muitos milhares foram

decapitados ou lançados às feras, entre os quais Justino Mártir. Sua ferocidade foi

excessiva no sul da Gália. As torturas que as vítimas sofriam, sem darem mostra de medo,

era quase inacreditável. Supliciada da manhã até à noite, Blandina, uma escrava,

exclamava: "Sou cristã, entre nós não se pratica nenhum mal".

SÉTIMO SEVERO - PERSEGUIÇÃO PESADA, MAS NÃO GENERALIZADA

Com Sétimo Severo, que governou o império de 193 a 211, a perseguição foi

regorosa, mas não generalizada. O Egito e o norte da África foram as regiões que mais

sofreram. Em Alexandria muitos mártires eram diariamente queimados, crucificados ou

degolados, entre os quais Leônidas, pai de Orígenes. Em Cartago, Perpétua, senhora nobre,

e sua fiel escrava Felicidade, foram estraçalhadas pelas feras.

DÉCIO - MORTE AOS CRISTÃOS!

Este imperador, que reinou de 249 a 251, decidiu-se, resolutamente, a exterminar

o cristianismo. Sua perseguição estendeu-se por todo o império, e foi muito violenta;

multidões pereceram sob as mais cruéis torturas, em Roma, norte da África, Egito e Ásia

Menor. Cipriano disse: "O mundo interiro está devastado".

DIOCLECIANO - A ÚLTIMA PERSEGUIÇÃO IMPERIAL E A MAIS SEVERA!

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Organizado por Eliezer Lucena 55

Reinou de 284 a 305; foi o último imperador a perseguir, severamente, os

cristãos. Durante dez anos os cristãos foram caçados pelas cavernas e florestas;

queimados, lançados às feras, mortos pelos meios mais cruéis imaginados. Foi um esforço

resoluto, determinado e sistemático para extinguir o nome cristão.

12. O CORTEJO IMPERIAL POR OCASIÃO DA PÁSCOA JUDAICA

Dois cortejos e duas procissões entram em Jerusalém no Domingo de Ramos, o cortejo

de Jesus que pregava o Reino de Deus, e o cortejo de Poncio Pilatos que proclamava o

poder do Império Romano. Jesus foi proclamado rei dos Judeus por seus seguidores e por

parte da multidão que se encontrava em Jerusalém para comemorar a páscoa judaica. O

desfile militar de Pilatos era uma demonstração paralela do poder e da teologia imperial de

Roma.

A teologia imperial havia sido inaugurada por Augusto César, que governou Roma de

31 a. C. até 14 d. C. Seu pai era o deus Apolo, que o concebeu em sua mãe Átia. Incrições

referm-se a ele como “FILHO DE DEUS”, “SENHOR”, e “SALVADOR”, aquele que

trouxe “paz à terra”. Depois de sua morte, foi visto subindo ao céu para ocupar lugar

permanente entre os deuses. Seus sucessores seguiram o costume de ostentar títulos

divinos, inclusive Tibério, imperador entre 14 e 37 d. C., que portanto reinava durante a

época da atividade pública de Jesus. Para os súditos judeus, o desfile de Pilatos

personificava não somente uma ordem social rival, mas também uma teologia rival.

Lembremos também do DVD ‘QUEM MATOU JESUS”, segundo o dvd Herodes o

Grande, construiu a cidade de Cesáreia, que servia de quartel general de Roma na região

da Judéia, e nesta cidade Herodes construiu um grande Templo de adoração ao Imperador

Augusto César, ou seja, o culto imperial estava em voga e com toda a força. O imperador

era adorado como o único Filho de Deus, e não aceitava concorrência, portanto se auto

intitular FILHO DE DEUS era ofensivo ao Império romano.

O cortejo militar imperial era muito comum na época de Jesus durante o I século. Era

um habito dos governadores romanos da Judéia estar e irem para Jerusalém durante as

principais festas judaicas. Faziam isto nem tanto pelo respeito as festividades mas sim pela

probabilidade de tumultos e problemas que podiam ser gerados por ocasião da

comemorações e assim podiam estar pessoalmente na cidade e liderar uma possível

repressão ao tumulto. Frequentemente haviam tumultos e os ânimos ficavam acirrados

principalmente por ocasião da páscoa que era uma comemoração da libertação do povo

judeus de um império do passado. A missão das tropas de Pilatos era reforçar a guarnição

romana estacionada permanentemente na FORTALEZA ANTONIA, voltada para o

templo judeus e os seus pátios.

IMAGINEM O CONTRASTE ENTRE OS DOIS CORTEJOS: O DE JESUS QUE PREGAVA O REINO DE DEUS, OU SEJA, A PAZ E O FIM DA VIOLENCIA, E O CORTEJO DE PILATOS COM TODA A SUA POMPA, CAVALARIA, INFANTARIA, ARMADURAS, ELMOS ARMAS E ETC... O CORTEJO DE PILATOS REPRESENTAVA TANTO A VIOLÊNCIA DO PODER

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IMPERIAL QUE USAVAM DA FORÇA PARA A MANUTENÇÃO DA PAX ROMANA E TAMBÉM O DA TEOLOGIA IMPERIAL, O CULTO AOS IMPERADORES, QUE ERA SINAL DE LEALDADE AO IMPÉRIO ROMANO.

O reino de Deus que Jesus pregava seria instaurado por ele, entrando em Jerusalém

montado num jumento jovem, nunca usado, em cumprimento das profecias dos profetas.

Esse rei, montado num jumento banirá a guerra da Terra, não haverá mais carruagens,

cavalos ou arcos. Ele anunciará a paz às nações, ele será um rei de paz. O cortejo de Jesus

se contrapunha ao de Pilatos que estava acontecendo do outro lado da cidade. Esse

contraste entre Reino de Deus e o Reino de César está no centro não somente do

evangelho de Marcos, mas da história de Jesus e do inicio do cristianismo. Este confronto

entre esses dois reinos continuou durante a última semana da vida de Jesus.

13. O DRAGÃO DO APOCALIPSE

2.3. Salmos de Salomão Apenas para exemplificar como reagem os grupos de tendência apocalíptica à chegada de Roma na região em 63 a.C., vale a pena dar uma olhada num escrito chamado de "Salmos de Salomão", que é desta época.

Salmos de Salomão é o nome de uma obra de origem palestina, de um autor possivelmente ligado ao grupo farisaico, escrita em hebraico entre 63 e 40 a.C., mas só preservada em grego e siríaco. É uma coletânea de 18 hinos, semelhantes aos Salmos, nos quais o autor insiste no louvor a Deus, na justiça do homem como resultado da observância da Lei, no castigo dos pecados e na esperança de uma era melhor, presidida pelo Rei-Messias. É interessante observar que o autor usa a expressão "Filho de Davi" como título messiânico no Salmo 17.

Os Salmos 2 e 17 tratam da tomada da Palestina pelos romanos no ano 63 a.C. e o Salmo 2 alude à morte de Pompeu": "Cheio de orgulho, o pecador destruiu com seu aríete as sólidas muralhas, e Tu não o impedistes. Povos estrangeiros subiram ao teu altar, pisotearam-no orgulhosamente com suas sandálias. Porque os filhos de Jerusalém mancharam o culto do senhor profanaram com suas impurezas as oferendas à divindade. Por isso disse Deus: afastai-as de mim; nelas não me comprazo. A beleza de sua glória nada significou diante de Deus, Ele as desprezou totalmente. Seus filhos e filhas sofrem rigorosa escravidão, seu pescoço está marcado, marcado entre os gentios. Deus os tratou de acordo com seus pecados, por isso os entregou nas mãos dos vencedores" (2,1-7).

Os vv. 24-29 falam do orgulho e da morte de Pompeu, assassinado no Mons Cassium, próximo a Pelusium, no Egito, em 48 a.C., após a sua derrota para Júlio César em Farsália:

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Organizado por Eliezer Lucena 57

"Porque não obraram por zelo, mas por paixão; para derramar sua ira contra nós, espoliando-nos. Não demore, ó Deus, em devolver o mal sobre suas cabeças, para mudar em desonra o orgulho do dragão. Não esperei muito tempo para que Deus fizesse aparecer sua insolência degolada nas colinas do Egito, desprezada como a mais fútil besta do mar e da terra. Seu cadáver era jogado pelas ondas com grande ignomínia, não havia quem o enterrasse, porque Ele o aniquilou vergonhosamente. Não refletiu que era apenas um homem, não tinha pensado no fim. Falou assim: Sou o dono do mar e da terra; porém não percebeu que Deus é o Grande, o Forte, por seu tremendo poder"[12] .

REPARE NO TEXTO ACIMA QUE O IMPERADOR E CONSEQUÊNTEMENTE O IMPÉRIO ROMANO SÃO CHAMADOS DE DRAGÃO, E MAIS AINDA, SÃO CHAMADOS COMO A MAIS FÚTIL BESTA DO MAR E DA TERRA. SERIA PURA COINCIDÊNCIA O AUTOR DE O APOCALIPSE FALAR DE DUAS BESTAR FERAS, UMA QUE EMERGIA DO MAR E OUTRA DA TERRA, E EM OUTRO CAPITULO CHAMAR ESTE IMPÉRIO DE DRAGÃO QUE PERSEGUIA OS SANTOS DO ETERNO? ESTE SALMO DE SALOMÃO É FUNDAMENTAL PARA DECIFRARMOS O TEXTO E OS SIMBOLOS DO APOCALIPSE. POIS NA ÉPOCA QUE ROMA DOMINOU A JUDÉIA JÁ HAVIA ESCRITORES JUDEUS ESCREVENDO QUE A BESTA ERA O IMPÉRIO ROMANO NA PESSOA DO SEU IMPERADOR.

14. A MULHER MONTADA NA BESTA QUEM É ELA? APOCALIPSE CAPITULO 17 - O GRANDE DIA DA CONSUMAÇÃO FINAL. O mistério do mal -* Apocalipse 17: 1 Um dos Anjos das sete taças veio me convidar: «Venha! Vou lhe mostrar como será julgada a grande prostituta, que está sentada à beira de muitas águas. 2 Os reis da terra se prostituíram com ela. Os habitantes da terra ficaram bêbados com o vinho da sua prostituição. 3 E o Anjo me levou em espírito até o deserto. Aí eu vi uma mulher sentada sobre uma Besta de cor escarlate, cheia de títulos blasfemos. A Besta tinha sete cabeças e dez chifres. 4 A mulher usava vestido cor de púrpura e escarlate. Estava toda enfeitada de ouro, pedras preciosas e pérolas. Tinha na mão um cálice de ouro cheio de abominações, que são as impurezas de sua prostituição. 5 Na fronte da mulher estava escrito um nome misterioso: «Babilônia, a Grande, a mãe das prostitutas e das abominações da terra.» 6 Reparei que a mulher estava embriagada com o sangue dos santos e com o sangue das testemunhas de Jesus. Explicação do mistério do mal -* Vendo a mulher, fiquei profundamente admirado.

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Apocalipse 17: 7 O Anjo, porém, me disse: «Por que você está admirado? Vou explicar-lhe o mistério da mulher e da Besta com sete cabeças e dez chifres que carrega a mulher. 8 A Besta que você viu, existia, mas não existe mais. Ela está para subir do Abismo, porém caminha para a perdição. Os habitantes da terra vão ficar admirados ao verem a Besta. São esses que desde a fundação do mundo não têm seu nome escrito no livro da vida. Ficarão admirados porque a Besta existia, não existe mais, mas vai aparecer de novo. Apocalipse 17: 9* Aqui é preciso ter inteligência para entender: as sete cabeças são sete montes, sobre os quais a mulher está assentada. São também sete reis. 10 Cinco já caíram, um existe, e o outro ainda não veio; mas, quando vier, ficará por pouco tempo. 11 A Besta que existia e não existe mais, ela mesma é o oitavo rei, e é também um dos sete, mas caminha para a perdição. 12* Os dez chifres que você viu são dez reis, que ainda não receberam um reino. Estes, porém, receberão autoridade como reis por uma hora apenas, juntamente com a Besta. 13 Esses reis pensam a mesma coisa: entregar o poder e a autoridade para a Besta. 14 Todos juntos farão guerra contra o Cordeiro. Mas o Cordeiro os vencerá, porque o Cordeiro é Senhor dos senhores e Rei dos reis. E com ele, vencerão também os chamados, os escolhidos e os fiéis.» Apocalipse 17: 15 O Anjo continuou a me explicar: «Você viu aquela prostituta que está sentada perto de muitas águas. Essas águas são povos, multidões, nações e línguas diversas. 16* Os dez chifres que você viu, juntamente com a Besta, começarão a odiar aquela prostituta, a despojarão e a deixarão nua. Comerão suas carnes e a queimarão. 17 Pois Deus colocou no coração deles o desejo de realizarem o seu próprio plano: vão entregar sua realeza à Besta, até que as palavras de Deus estejam cumpridas. 18 Essa mulher que você viu é a Grande Cidade que está reinando sobre os reis da terra».

-------------------------------------------------------------------------------- * 17-19: João mostra que o julgamento realizado pelo anúncio do Evangelho faz aparecer a verdade; e esse julgamento tem dois aspectos: - negativo: desvenda o mistério do mal que domina as cidades, e apresenta a destruição dele (17-18); - positivo: mostra que a história caminha para a vitória do Ressuscitado. Cristo realiza a comunhão dos homens com Deus: nisto consiste o Reino (casamento do Cordeiro: Ap 19).

* 17,1-6: A prostituta é símbolo de uma cidade idolátrica. Na época, trata-se de Roma, aqui apresentada como Babilônia, a capital da idolatria e do vício. Ela está sentada sobre a Besta escarlate, a cor do triunfo para os romanos. Os nomes blasfematórios são títulos divinos com que o imperador assegura o próprio poder. A aparência da prostituta é suntuosa (vestes, jóias), e o que ela tem a oferecer é a idolatria (prostituição) e os vícios (degradação humana, valores relativos apresentados como absolutos). Seu crime supremo é perseguir e matar todos aqueles que não aceitam adorar o poder político absoluto, nem se enganam com as propagandas ideológicas.

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* 6-8: A visão das cidades, com sua aparência de riqueza e poder, é maravilhosa e hipnotiza, provocando a alienação que faz adorar a Besta. Por isso, é preciso ter senso crítico diante da realidade. A descrição da Besta lembra o título de Deus, mas ela vem do nada e caminha para o nada. O autor se refere à decadência do império romano sob Nero, e o seu ressurgimento com Vespasiano, e também a maldade de Nero que revive em Domiciano.

* 9-11: As sete cabeças são as sete colinas de Roma. São também sete reis, isto é, imperadores do séc. I. Deles já caíram cinco: Augusto, Tibério, Calígula, Cláudio e Nero. Um existe (Vespasiano), e o outro durará pouco (Tito, que reinou só dois anos). A Besta é o oitavo (Domiciano) e, ao mesmo tempo, é um dos sete, ou seja, o imperador Domiciano que agora persegue os cristãos, reencarnando a crueldade de Nero.

* 12-15: Os dez chifres são os países dominados por Roma, unidos a ela para lutarem contra Cristo, que os vencerá juntamente com seus discípulos. As águas são as multidões seduzidas pelo absolutismo romano.

* 16-18: O julgamento se realiza através da luta entre as nações que buscam o poder. Os dominados se revoltam e destroem o dominador.

1. DESCRIÇÃO DE ROMA, A GRANDE MERETRIZ - cp. 17. O objetivo dessa descrição é mostrar com detalhes o por quê tal cidade é destruída. Um anjo traz tal revelação para João (17,1). Primeiramente vem uma visão de Roma, a meretriz (vs. 3-6). Através das indicações do texto torna-se claro concluir que essa mulher é a cidade de Roma (Ver vs.9a e v.18). Suas vestes e adornos enfatizam sua “realeza e riqueza” (v.4). Ela está “assentada sobre a besta” (v.3), que é o império romano (ver cp. 13), mostrando assim que governa-o e é o seu centro. Ela é descrita como a “mãe das meretrizes e das abominações da terra” (v.5), sendo, portanto, o centro de todo o mal que havia no mundo de então. Sua última e principal característica é “estar embriagada com o sangue dos santos” (v.6. Ver 13,7.15). Em seguida é apresentada a interpretação da visão (v. 7-18). Primeiramente a “besta” é identificada. Ela “era e não é, está para emergir do abismo” (v.8). Tais palavras lembram a lenda sobre o “Nero redivivo”, que voltaria. Ele “era”, isto é, exerceu seu reinado; “não é”, desapareceu; e “está para emergir”, surgirá no futuro para governar o império. Para os cristãos, ele representava o poder demoníaco do império romano. O v.9a nos diz que o império (a besta), se identifica com a cidade de Roma, visto que as sete cabeças da besta são “sete montes” (referência à cidade de Roma). Mas as sete cabeças são também “sete reis” (v.9b). Isto pode nos causar estranheza, mas numa

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linguagem simbólica, o mesmo símbolo pode ter mais de um sentido. O v. 10 tenta apresentar mais detalhes sobre esses reis. “Cinco caíram, um existe, e o outro ainda não chegou”. O que isso significa? Alguns tentam fazer um levantamento histórico sobre quem eram esses reis. Mas isso não leva a lugar nenhum. Para João e suas igrejas, não era importante saber quem foi o primeiro ou o quinto rei, mas sim definir, através do “número” desses reis, a figura do império. É provável que o número sete seja “simbólico”, como o foi na descrição das “sete” igrejas da Ásia (cp. 2 e 3) que simbolizam “todas as igrejas” daquela região. O objetivo seria, então, dizer que através dos sete imperadores, o império estaria representando em sua totalidade a besta. Assim como o sexto imperador, o que governa no momento em que João escreve - Domiciano, representava a besta, os anteriores também a representaram e o seguinte também a representará. João quer mostrar, assim, que o império em toda a sua extensão tem sido representante da besta. Mas ele é “mais besta” em alguns momentos. Isso nos leva de volta à besta que “era, não é, e está para emergir” (v.8 e 11). Nessa descrição, a besta é um imperador específico. Estamos falando novamente da lenda do Nero redivivo. Ele foi a encarnação mais clara da besta quando governou, e esperava-se que um próximo imperador desenvolvesse novamente seu estilo de governo: trazendo perseguição aos cristãos. Portanto, se com Domiciano as coisas estavam “começando” a tornar-se difíceis, João nos diz que virá um outro que trará tempos mais duros à igreja. Essa perspectiva contribui para pensarmos que a perseguição ainda estava por vir. Esse imperador é o “oitavo”. Mas isso não quebraria o simbolismo do número sete? Não, visto que, na realidade, ele não é um imperador que deve-se “somar” aos outros sete, pelo contrário, ele “é um dos sete” (expectativa do aparecimento de Nero). Teríamos, então, uma oitava aparição de um dos sete imperadores. Continuando a descrição da besta, ela tem “dez chifres” que são dez reis (v.12) aliados a ela e que têm poder por um período curto de tempo (“uma hora”). São submissos à besta (v.13). Formam uma frente para combater o Cordeiro, que os vence (v.14. Essa batalha é apresentada em 19,11-21). 2. A QUEDA DE ROMA E SUAS CONSEQÜÊNCIAS - cp. 18. Assim como o primeiro anjo introduziu a visão de Roma (17,1-3), um outro faz o anúncio de sua queda (18,1-3). Embora essa destruição se apresente como já tendo acontecido (“caiu, caiu” - v.2), ela, na realidade, será efetuada no futuro. Tal modo de falar é para enfatizar que sua ruína “já está determinada”. Diante da condenação de Roma, os cristãos são chamados a “abandoná-la” (vs. 4 e 5). Essa ordem, para vários membros das igrejas da Ásia Menor, era difícil de ser cumprida. Eles viviam sem problemas diante do império, usufruindo das riquezas da prostituta (17,4). Mas para João, ou eles se afastam dessa cidade pecaminosa, ou se tornam “cúmplices de seus pecados” (18,4).

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A queda de Roma não é um fato isolado na história. Ela tem conseqüências. E elas se manifestam para aqueles que se relacionavam com a capital do império. Primeiramente os reis da terra se lamentam com a destruição da cidade (vs.3 e 9). Eles participavam de seu poder e agora sentem a perda dele. Em segundo lugar, temos os mercadores da terra (vs. 3. 11-16) que se enriqueceram através do comércio com ela. Terão que buscar lucro em outro lugar. E, em terceiro lugar, vem os mercadores do mar, a marinha mercante (vs. 17-19) que também se enriqueceu por transportar as mercadorias de e para Roma no oceano Mediterrâneo. Todas essas pessoas sofreram com a destruição de sua parceira. Deixaram de auferir lucros com a ausência dela. Pode ser que entre elas se encontrassem cristãos. Isso mostra como é perigoso viver uma religiosidade superficial, que esconde uma vida essencialmente profana, e que se vende ao sistema de influências, ao lucro com negócios escusos. Hoje não será assim também??? Em 19,21-24 novamente aparece uma declaração da condenação de Roma, agora introduzindo os motivos pelos quais Deus agiu assim. Primeiramente, devido a sedução de sua feitiçaria (v. 23b) sobre as nações da terra. Essa feitiçaria não é necessariamente religiosa, mas sim uma sedução exercida por Roma e seu poder, sua glória e riqueza sobre o mundo. Ela é culpada porque usou desses atributos para levar os homens à corrupção, à sensualidade e à opressão. O segundo motivo pelo qual é punida é porque nela se achou sangue de profetas e santos (v. 24). Deus não se esquece daqueles que perseguem Seu povo. Estes dois motivos fornecem o critério para avaliarmos a ação de Deus diante de qualquer nação em qualquer época da história. 15. SIGNIFICADOS DOS NÚMEROS NO APOCALIPSE

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OS SETE ESPIRITOS DE DEUS

Apocalipse 1:4 João, às sete igrejas que se encontram na Ásia, graça e paz a vós outros, da parte daquele que é, que era e que há de vir, da parte dos sete Espíritos que se acham diante do seu trono Apocalipse 3:1 Ao anjo da igreja em Sardes escreve: Estas coisas diz aquele que tem os sete Espíritos de Deus e as sete estrelas: Conheço as tuas obras, que tens nome de que vives e estás morto. Apocalipse 4:5 Do trono saem relâmpagos, vozes e trovões, e, diante do trono, ardem sete tochas de fogo, que são os sete Espíritos de Deus. Os Sete Espiritos De Deus = A Plenitude De Deus, A Quantidade De Espiritos Não É Literal, Indica A Plenitude Do Eterno, Que Ele É Perfeito, Pois O Sete Também Quer Dizer Perfeição. Sete = Plenitude, Perfeição, Inteireza, Completo.

APOCALIPSE 5: OS SETE ATRIBUTOS AO CORDEIRO

11 Vi e ouvi uma voz de muitos anjos ao redor do trono, dos seres viventes e dos anciãos, cujo número era de milhões de milhões e milhares de milhares,

12 proclamando em grande voz: Digno é o Cordeiro que foi morto de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor. 1. O PODER 2. A RIQUEZA 3. A SABEDORIA 4. A FORÇA 5. A HONRA 6. A GLÓRIA 7. O LOUVOR

APOCALIPSE 6: OS SETE ABALOS CÓSMICOS

12 Vi quando o Cordeiro abriu o sexto selo, e sobreveio grande terremoto. O sol se tornou negro como saco de crina, a lua toda, como sangue,

13 as estrelas do céu caíram pela terra, como a figueira, quando abalada por vento forte, deixa cair os seus figos verdes,

14 e o céu recolheu-se como um pergaminho quando se enrola. Então, todos os montes e ilhas foram movidos do seu lugar. 1. GRANDE TERREMOTO 2. SOL QUE ESCURECE 3. LUA COR DE SANGUE 4. ESTRELAS QUE CAEM SOBRE A TERRA 5. CÉU QUE SE ENROLA 6. MONTANHAS DESLOCADAS 7. ILHAS ARRANCADAS DO LUGAR

APOCALIPSE 6: OS SETE PERSONAGENS DA IRA DO CORDEIRO

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15 Os reis da terra, os grandes, os comandantes, os ricos, os poderosos e todo escravo e todo livre se esconderam nas cavernas e nos penhascos dos montes

16 e disseram aos montes e aos rochedos: Caí sobre nós e escondei-nos da face daquele que se assenta no trono e da ira do Cordeiro, 1. OS REIS DA TERRA 2. OS GRANDES 3. OS COMANDANTES 4. OS RICOS 5. OS PODEROSOS 6. TODO ESCRAVO 7. TODO LIVRE

APOCALIPSE 7: A PLENITUDE DO LOUVOR QUE É DEVIDO SOMENTE A DEUS

11 Todos os anjos estavam de pé rodeando o trono, os anciãos e os quatro seres viventes, e ante o trono se prostraram sobre o seu rosto, e adoraram a Deus,

12 dizendo: Amém! O louvor, e a glória, e a sabedoria, e as ações de graças, e a honra, e o poder, e a força sejam ao nosso Deus, pelos séculos dos séculos. Amém!

1. O LOUVOR 2. A GLÓRIA 3. A SABEDORIA 4. AÇÕES DE GRAÇAS 5. A HONRA 6. O PODER 7. A FORÇA

APOCALIPSE 13: AS SETE CLASSES SOCIAS QUE ADORAM A BESTA 16 Vi ainda outra besta emergir da terra; possuía dois chifres, parecendo cordeiro, mas falava como dragão. 17 Exerce toda a autoridade da primeira besta na sua presença. Faz com que a terra e os seus habitantes adorem a primeira besta, cuja ferida mortal fora curada. 18 Também opera grandes sinais, de maneira que até fogo do céu faz descer à terra, diante dos homens. 19 Seduz os que habitam sobre a terra por causa dos sinais que lhe foi dado executar diante da besta, dizendo aos que habitam sobre a terra que façam uma imagem à besta, àquela que, ferida à espada, sobreviveu; 20 e lhe foi dado comunicar fôlego à imagem da besta, para que não só a imagem falasse, como ainda fizesse morrer quantos não adorassem a imagem da besta. 21 A todos, os pequenos e os grandes, os ricos e os pobres, os livres e os escravos, faz que lhes seja dada certa marca sobre a mão direita ou sobre a fronte,

1. A TODOS 2. OS PEQUENOS 3. OS GRANDES 4. OS RICOS 5. OS POBRES 6. OS LIVERS

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7. OS ESCRAVOS APOCALIPSE 17: AS SETE CABEÇAS E OS SETE REIS 9 Aqui está o sentido, que tem sabedoria: as sete cabeças são sete montes, nos quais

a mulher está sentada. São também sete reis, 10 dos quais caíram cinco, um existe, e o outro ainda não chegou; e, quando chegar,

tem de durar pouco. 11 E a besta, que era e não é, também é ele, o oitavo rei, e procede dos sete, e caminha

para a destruição. 1. AUGUSTO 2. TIBÉRIO 3. CALIGULA 4. CLAUDIO 5. NERO - ( A BESTA QUE PERSEGUIU OS CRISTÃOS EM ROMA, SOMENTE EM

ROMA ) 6. VESPASIANO 7. TITO

8. DOMICIANO – ( PERSEGUIU OS CRISTÃOS EM TODO O IMPÉRIO, OU SEJA EM

TODO O MUNDO ANTIGO ) * 9-11: As sete cabeças são as sete colinas de Roma. São também sete reis, isto é, imperadores do séc. I. Deles já caíram cinco: Augusto, Tibério, Calígula, Cláudio e Nero. Um existe (Vespasiano), e o outro durará pouco (Tito, que reinou só dois anos). A Besta é o oitavo (Domiciano) e, ao mesmo tempo, é um dos sete, ou seja, o imperador Domiciano que agora persegue os cristãos, reencarnando a crueldade de Nero. O autor se refere à decadência do império romano sob Nero, e o seu ressurgimento com Vespasiano, e também a maldade de Nero que é revivida em Domiciano, poré bem pior, a perseguição se estendeu por todo o império romano.

APOCALIPSE 21: OS SETE TIPOS DE PESSOAS QUE SÃO ALVO DA IRA DE DEUS

7 O vencedor herdará estas coisas, e eu lhe serei Deus, e ele me será filho. 8 Quanto, porém, aos covardes, aos incrédulos, aos abomináveis, aos assassinos,

aos impuros, aos feiticeiros, aos idólatras e a todos os mentirosos, a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre, a saber, a segunda morte.

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OS COVARDES OS INCRÉDULOS OS ABOMINÁVEIS OS ASSASSINOS OS IMPUROS OS FEITICEIROS OS IDÓLATRAS

8º E A TODOS OS MENTIROSOS, QUE É O OITAVO, É A SINTESE, OU RESUMO DE TODOS OS OUTROS SETE ANTERIORES MENCIONADOS. REPARE QUE A LISTA COMEÇA COM OS COVARDES, OU SEJA, COM AQUELES QUE NÃO RESISTEM AO PODER IMPERIAL E QUE NEGAM A FÉ E ADORAM A BESTA COM MEDO DE PERDER SUA VIDA.

16. O CULTO IMPERIAL E OS TITULOS DO IMPERADOR

defendidos pelos Apologistas "Carta de identidade" dos primeiros Cristãos

Culto Imperial

Desde o principio, as autoridades romanas tinham considerado o cristianismo uma

seita subversiva, apesar de terem levado alguns anos para os romanos distinguirem os

cristãos dos judeus. Os cristãos, da mesma forma que os judeus, recusavam-se a adorar os

deuses romanos ou o imperador, sendo portanto considerados “ATEUS” e “PESSOAS

QUE ODIAVAM A HUMANIDADE”. Além disso, pareciam formar uma sociedade

secreta – um anátema para os romanos. O simples fato de ser cristão era considerado um

crime contra o Estado. Plínio, governador da Bítinia, de 111 a 131 d.C., PERGUNTOU

AO IMPERADOR Trajano se todos os cristãos deveriam ser punidos automaticamente. A

resposta que recebeu foi esta:

“ Sim, a menos que provem sua negação do cristianismo fazendo sacrifício aos deuses –

só neste caso serão libertados”.

À semelhança de outras cidades da Hispânia, Bracara Augusta conheceu o culto

imperial, que se iniciou com Augusto, através do qual se rendia homenagem às qualidades

e virtudes dos imperadores. Um monumento encontrado em Semelhe, nos arredores de

Braga, consagrado a Augusto pelos Bracaraugustanus, no dia do aniversário natalício de

Paulo Fábio Máximo, governador da Citerior, (280=ILER 1028), datado de 3/2 a.C.,

constitui um importante testemunho desse culto, talvez mesmo o mais antigo.

Na área urbana, são igualmente abundantes as inscrições que sugerem o referido

culto, como acontece com aquela que é dedicada ao Génio de Augusto (CIL II 5123), com

uma outra erigida a Caius e Lucius Caesar, netos de Augusto (CIL II, 2422), ou, ainda,

com o monumento a Agrippa Postumus, filho do lugar tenente do Imperador, ambas

anteriores ao ano 4 da nossa era. O conjunto destas inscrições representa uma primeira

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fase na imposição deste culto, que traduz, simultaneamente, a imposição do poder de

Roma sobre a região.

A partir de Tibério, o culto imperial passa a comportar a existência de templos e de

colégios sacerdotais. Não existindo até ao momento evidências de templos em Bracara

Augusta, é justo destacar, todavia, dois monumentos epigráficos que testemunham um

culto já estruturado em colégios. Um deles, refere um sacerdote do culto imperial, Camalo,

designado como sacerdote de Roma, de Augusto e dos Césares, homenageado pelo

Convento Bracaraugustano (CIL II, 2426). A inscrição, procedente de Dume, foi datada do

tempo dos Flávios. O outro monumento, refere uma sacerdotiza do mesmo culto, de nome

Lucrécia Fida, que faz uma dedicatória à deusa Isis (CIL II, 2416). A lápide, que se

encontra incrustada na parede da capela-mor da Sé de Braga, virada à R. da Nossa Senhora

do Leite, foi datada do século II.

O Imperador Romano

Imperador romano é a denominação que os historiadores usam para se referir aos

governantes do Império Romano, fase da Roma Antiga sucessora da época conhecida

como a República Romana.

O título de «Imperador Romano» não definia uma função precisa e legal, senão que é um

jeito de sintetizar uma complicada reunião de cargos e poderes que foram acrescentados,

subtraídos ou mudados no percurso dos séculos. Todos os títulos associados

tradicionalmente ao imperador tinham a sua origem na época republicana.

O conceito de imperador romano depende em grande medida do ponto de vista dos

historiadores, toda vez que para os mesmos romanos não havia a associação moderna do

conceito monárquico com 'império' e 'imperador', mantendo o Império Romano as

instituições políticas e as tradições da República Romana, incluindo o Senado e as

assembléias.

O termo imperator

Originariamente, o nome Imperator significava um general vitorioso que tivera sido

aclamado pelas suas tropas e tendo, portanto, direito ao triunfo, concedido pelo Senado e

pelo povo.

Depois de Augusto, o título foi incorporado como praenomen por todos os imperadores

romanos. Ao título de imperator seguia, geralmente, o número de vezes que o imperador

tinha sido aclamado pessoalmente ou pelos seus generais.

O significado legal do título

Deificação de Júlio César numa gravura da Idade Média. A elevação dos

governantes romanos à categoria de divindade foi um mais dos elementos que

contribuíram para a criação da figura imperial num longo processo não delimitado com

claridade. A autoridade legal do imperador derivava duma extraordinária concentração de

poderes individuais e cargos já existentes na República, mais que dum novo cargo político.

Os imperadores continuavam sendo eleitos regularmente como cônsules e como censores,

mantendo a tradição republicana. O imperador ostentava na realidade os cargos não

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imperiais de princeps senatus (líder parlamentar do senado) e pontifex maximus ("sumo

pontífice", máxima autoridade religiosa do império)[1]. Contudo, estes cargos somente

proporcionavam prestígio (dignitas) à pessoa do imperador. Os poderes deste derivavam

da auctoritas. Na figura imperial reuniam-se as figuras autoritárias do imperium maius

(comandante em chefe militar) e da tribunicia potestas (máxima autoridade jurídica).

Como resultado, o imperador encontrava-se por em cima dos governadores provinciais e

dos magistrados ordinários. Tinha direito a ditar penas de morte, os cidadãos deviam-lhe

obediência, gozava de inviolabilidade pessoal (sacrosanctitas) e podia resgatar qualquer

plebeio das mãos dos magistrados, incluindo dos tribunos da plebe (ius intercessio).

O posto de imperador não era uma magistratura nem nenhum outro cargo do Estado

(de fato, carecia de um uniforme como se prescrevia para os magistrados, senadores e

cavaleiros, se bem que os últimos imperadores sim foram distinguidos com a toga púrpura,

dando origem à frase «vestir a púrpura» como sinônimo da assunção da dignidade

imperial). Também não existiu um título regular para o cargo até ao século III d.C. Os

títulos normalmente associados à dignidade imperial eram Imperator (com o significado de

comandante supremo militar), César (que originalmente teve o significado de cabeça

designada, Nobilissimus Caesar) e Augustus (augusto, com o significado de 'majestoso' ou

'venerável'). Após o estabelecimento da Tetrarquia por Diocleciano, a palavra "Caesar"

passou a designar os dois sub-imperadores menores, e "Augustus" os dois imperadores

maiores. Os imperadores das primeiras dinastias eram considerados quase como a cabeça

do Estado. Como princeps senatus, o imperador podia receber as embaixadas estrangeiras

chegadas a Roma; porém, Tibério considerava que isto era trabalho para um grupo de

senadores sem necessidade da sua presença. Por analogia, e em termos modernos, estes

primeiros imperadores poderiam ser considerados como chefes de estado.

A palavra princeps, cujo significado era 'primeiro cidadão', foi um término

republicano utilizado para denominar os cidadãos que lideravam o estado. Era um título

meramente honorífico que não implicava deveres nem poderes. Foi o preferido de César

Augusto, pois o seu uso implicava unicamente primazia, em oposição a imperator, que

implicava dominação. A posição real do imperador era em essência a de Pontífice Máximo

com poderes de tribuno e sobre todos os outros cidadãos. Manteve-se a denominação de

princeps para conservar a aparência institucional republicana.

A palavra grega basileus (comumente traduzida como 'rei') modificou o seu significado,

tornando-se sinônimo de imperador (e começou a ser mais usada após o reinado do

imperador bizantino Heráclio). Os gregos careciam da sensibilidade republicana dos

romanos e consideravam o imperador como um monarca. Na época de Diocleciano, e

posteriormente, o título princeps caiu em desuso, sendo substituído pelo de dominus

('senhor'). Os últimos imperadores usaram a fórmula Imperator Caesar NN Pius Felix

(Invictus) Augustus, onde NN era o nome individual do imperador de vez, Pius Felix

significava 'bendito e piedoso', e Invictus tinha o senso de 'nunca derrotado'. O uso de

princeps e dominus simboliza num senso amplo a diferença entre as duas etapas do

governo imperial, conhecidas como Principado e Dominato.

O primeiro imperador romano - A origem: Júlio César

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Na discussão sobre quem foi o primeiro imperador romano deve ter-se em conta que

no final do período republicano não existia um novo título que implicasse um poder

individual semelhante ao de um monarca. Tomando como referência a tradução literal de

Imperator para o português, o mesmo Júlio César teria sido imperador, como muitos

outros generais romanos antes que ele. Em lugar disso, e após o fim das guerras civis

durante as que Júlio César liderou os seus exércitos para conseguir o poder, tornou-se

claro por um lado que não existia consenso sobre o retorno da monarquia, e por outro, que

a presença a um tempo de tantos altos governantes com iguais poderes outorgados pelo

Senado lutando entre eles devia chegar ao seu fim.

Júlio César

Com objeto de atingir essa monarquia não declarada, Júlio César, e alguns anos

mais tarde Octávio, de uma forma mais sutil e gradual, trabalharam para acumular os

cargos e títulos de maior importância na República, fazendo que os poderes associados a

ditos cargos fossem permanentes e evitando que ninguém com idênticas aspirações

pudesse acumular ou conservar poderes por si mesmos.

Júlio César percorreu uma parte considerável do caminho nesta direção, ostentando os

cargos republicanos de cônsul (quatro vezes) e ditador (cinco vezes); conseguindo ser

nomeado 'ditador vitalício' (dictator perpetuus) no 45 a.C. Também tinha sido Pontífice

Máximo durante várias décadas, e preparado a sua futura deificação (iniciando o chamado

Culto imperial). Embora fosse o último ditador da República, Júlio César faleceu muitos

anos antes do colapso final das instituições tradicionais republicanas que abriram espaço

ao sistema que os historiadores modernos chamaram Principado.

César Augusto

Na época do seu assassinato (44 a.C.) César já era o homem mais poderoso de

Roma, mas sem ser princeps, condição que os historiadores modernos consideram

determinante para considerá-lo imperador. Apesar disso, conseguiu algo que somente um

monarca teria podido conseguir, se bem que isto somente se faria evidente muitas décadas

depois da sua morte: tornara hereditários os seus grandes poderes republicanos, através do

seu testamento, no qual adotava Octávio e designava-o como o seu único herdeiro político.

O primeiro: Octávio Augusto

Não seria até quase uma década depois da morte de César que Octávio atingiria o

poder supremo, superada a nova guerra civil após a morte de César e o processo gradual

de neutralização dos seus companheiros no Triunvirato, que culminou com a vitória sobre

Marco Antônio e Cleopatra. De alguma forma, César construiu a armação sobre a que se

assentaria a condição futura do imperador.

Os historiadores dos primeiros séculos tiveram mais em conta a continuidade: se existiu

uma «monarquia sem reis» hereditária após a república, esta teria começado com Júlio

César. Neste senso, Suetônio escreveu as "Vidas dos Doze Césares", compilando os

imperadores desde Júlio César e incluindo a dinastia Flávia (após a morte de Nero, o nome

herdado 'César' converteu-se num título). Nos livros de história mais recentes, porém,

aponta-se que imediatamente depois do assassinato de Júlio César, o estado romano

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 69

voltara em todos os aspetos para a República, e que o Segundo Triunvirato dificilmente

poderia ser considerado uma monarquia. Estas teses, amplamente seguidas, veem Augusto

como o primeiro imperador num senso estrito, tendo-se tornado imperador quando

"restaurou" o poder ao Senado e ao Povo, ato que em si mesmo foi uma demonstração da

sua auctoritas, recebendo o nome de 'Augusto' em 27 a.C.

Ao longo da sua vida política, Octávio, também conhecido como César Augusto,

recebeu e adotou vários títulos que diferençavam a sua condição da do restante dos

políticos, mas nenhum que claramente o denominasse como imperador, evitando

prudentemente os títulos de rei e ditador, fatais para César. Foi proclamado Augusto, mas

este era considerado um apelido, mais que um título. Recebeu também o título de Pontifex

maximus. Além disso, Octávio fez se nomear pelo Senado com os títulos de Imperator,

Augustus e Princeps senatus (o primeiro a falar no Senado). Deste último título deriva a

denominação de Principado para forma de poder que Augusto desenvolvera. Recebeu do

senado a encomenda da tribunicia potestas (o poder do tribunado), sem necessidade de ser

um dos tribunos.

Octávio, ao mesmo tempo em que manteve as aparências da República, foi

concentrando na sua pessoa as mais importantes funções republicanas: foi treze vezes

cônsul, e recebeu as poderes de censor e de tribuno da plebe, sem ter sido eleito para estes

cargos da magistratura. Ao mesmo tempo, criou outros cargos (prefeitos, legates

províncias imperiais, ...) cujos proprietários dependiam direitamente dele.

Consolidação depois de Augusto

Alguns historiadores como Tácito sugeriram que teria sido possível o retorno ao

sistema republicano após a morte de Augusto, sem necessidade de nenhum câmbio, caso

de ter existido um desejo real de fazê-lo (não permitindo a Tibério a acumulação dos

mesmos poderes, coisa que este fez com rapidez). Mesmo Tibério seguiu mantendo

praticamente inalterado o sistema de governo republicano.

Os primeiros sucessores de Augusto (Júlio-Claudianos, Flavianos, Antoninos)

retomaram a ficção de um governo em nome do Senado e do povo romano (SPQR =

Senatus PopulusQue Romanus), enquanto continuaram a concentrar mais poder pessoal.

As palavras "Imperator" e "Augusto" tornaram-se títulos dos imperadores.

A República Romana continuou fiticiamente, com os seus magistrados, mas sendo

nomeados pelo imperador em vez de serem eleitos. O Senado, composto por membros

também escolhidos pelos mesmos imperadores, confirmava os títulos dos novos

imperadores, que a miúdo também vieram das suas fileiras, e concediam a apoteose aos

"bons" imperadores que eram então ascendidos à categoria de deuses, tornando-se o objeto

de um culto oficial. Inversamente, o Senado condenava os imperadores odiados ao

esquecimento, declarando a sua damnatio memoriae.

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Organizado por Eliezer Lucena 70

Augustus (em português 'Augusto': 'Sagrado' ou 'Venerável'), um cognome ou

sobrenome honorífico exclusivo do imperador que portaram todos eles a partir de

Augusto, que foi decretado pelo Senado a 16 de Janeiro de 27 a.C.

Caesar (em português 'César'), cognome ou terceiro nome, procedente da família de

Júlio César, usado posteriormente como nome, segundo nome ou sobrenome de família,

quer para se referir ao Imperador (usado em segundo lugar, após IMP.), quer aos herdeiros

(usado em último lugar atrás do seu nome ordinário).

O culto imperial

Ainda em vida de Júlio César, este consentiu na ereção de uma estátua sua, a cujo pé

rezava a inscrição Deo invicto ('Ao Deus Invencível') em 44 a.C. O mesmo ano fez-se

nomear ditador vitalício. O seu herdeiro, Augusto, fez construir um templo em Roma

dedicado ao 'Divino Júlio' (Divus Iulius). Como filho adotivo do deificado Júlio, Augusto

também recebeu o título de Divi filius (filho de deus).

Tácito descreve nos seus Annales (IV, 37-38 e 55-56) que Augusto e Tibério

permitiram que se erigisse um único templo na sua honra durante as suas vidas. Estes

templos continham, porém, não somente as estátuas do imperador governante, que podia

ser venerado à maneira de um deus, senão que também se dedicavam a Roma (à cidade de

Roma, no caso de Augusto, e ao Senado no de Tibério). Ambos os templos estavam

situados na parte asiática do Império Romano. O tempo de Augusto estava situado em

Pérgamo, enquanto Tibério não consentiu nenhum outro templo ou estátua na sua honra à

parte das existentes em Esmirna, cidade eleita em 26 entre onze candidatas para erigir

estes templos. Tibério assegurou frente do Senado que preferia ser mais recordado mais

pelos seus atos que pelas pedras. Mas permitiu, por outro lado, a construção de um templo

em honra do seu antecessor e pai adotivo, o já Divus Augustus, em Tarragona, em 15 d.C.

Os numerosos templos e estátuas dedicados a Calígula (por ordem própria) foram

todos eles destruídos de imediato após a violenta morte deste imperador. Aparentemente,

Cláudio permitiu a ereção de somente um templo na sua honra, continuando o exemplo de

Augusto e Tibério. Nesta ocasião o templo foi erigido na Britannia, após a conquista deste

território por Cláudio.

Geralmente, os imperadores romanos evitaram reclamar para si mesmos o status de

deidade em vida, apesar de que alguns críticos insistiram em que devessem fazê-lo, e que

o contrário poderia ser considerado um signo de debilidade. Outros romanos

ridicularizavam a ideia de que os imperadores fossem considerados deuses viventes, e

mesmo viam com diversão a deificação de um imperador após a sua morte. Sobre este

particular, o único escrito satírico de Séneca, a Apocolocyntosis divi Claudii ("A

conversão do Divino Cláudio numa abóbora"), amostra um amargo sarcasmo sobre a

previsível deificação de Cláudio, a qual se efetuou, de acordo com a versão de Tácito, nos

funerais do imperador em 54[3].

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Organizado por Eliezer Lucena 71

Frequentemente, os imperadores falecidos durante este período foram objeto de

adoração, ao menos, aqueles que não foram excessivamente impopulares para os seus

súditos. A maior parte dos imperadores beneficiou-se da rápida deificação dos seus

predecessores: se tal predecessor era um familiar relativamente próximo (embora o fosse

apenas por adoção), isto significava que o novo imperador contava com um status próximo

à deidade, sendo Divi filius, sem necessidade de reclamar para si mesmo a condição

divina, e parecer presunçoso demais. Uma famosa cita atribuída a Vespasiano no seu leito

de morte diz que as suas últimas palavras, proferidas em tom irônico, foram: Vae... puto

deus fio! ("Ai ... acho que me estou tornando deus!"), ao sentir que lhe sobrevinha a morte.

Para as mulheres das dinastias imperiais, a aquisição do título de Augusta,

outorgado somente de jeito excepcional, significava um passo essencial para atingir o

status de divindade. Atingiram-no, entre outras, Lívia (sob Tibério), Popeia (sob Nero),

Marciana, Matídia (ambas com Trajano), Plotina, Sabina (sob Adriano), etc.

Para o culto específico da Domus Augusta ou família Imperial criou-se o sacerdócio

específico do flaminatus. Os flamines exerciam o dos varões e as flaminicae

(freqüentemente as suas esposas) o das mulheres. O culto estendia-se também a todos os já

falecidos, caso no qual se mencionam como Domus Divina, divorum et divarum , etc.

Flamines e flaminicae existiam no nível municipal e no provincial, sendo o flaminado

provincial masculino, que implicava também importantes despesas, uma panca muito

importante para a ascensão a outras ordens sociais.

17. A DEFESA DOS APOLOGISTAS CRISTÃOS

Desde o séc. 1º a religião cristã difundiu-se rapidamente em Roma e em todo o

mundo, não só pela sua originalidade e universalidade, mas muito também pelo

testemunho de fervor, de amor fraterno e de caridade demonstrada pelos cristãos para com

todos. As autoridades civis e o próprio povo, antes indiferentes, demonstraram-se logo

hostis à nova religião, porque os cristãos recusavam o culto ao imperador e a adoração às

divindades pagãs de Roma. Os cristãos foram por isso acusados de deslealdade para com a

pátria, de ateísmo, de ódio pelo gênero humano, de delitos ocultos, como incesto,

infanticídio e canibalismo ritual; de serem causa das calamidades naturais, como a peste,

as inundações, a carestia, etc.

A religião cristã foi declarada: strana et illicita: estranha e elícita (decreto senatorial

de 35), exitialis: perniciosa (Tácito), prava e immodica: malvada e desenfreada (Plínio),

nova et malefica: nova e maléfica (Suetônio), tenebrosa et lucifuga: obscura e inimiga da

luz (Octavius de Minucio), detestabilis: detestável (Tácito); depois foi posta fora da lei e

perseguida, porque considerada como o mais perigoso inimigo do poder de Roma, que se

baseava na antiga religião nacional e no culto do imperador, instrumento e símbolo da

força e unidade do Império.

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Organizado por Eliezer Lucena 72

Os três primeiros séculos são a época dos mártires, que terminou em 313 com o

edito de Milão, com o qual os imperadores Constantino e Licínio deram liberdade à Igreja.

A perseguição nem sempre foi contínua e geral, isto é, estendida a todo o império, nem

sempre igualmente cruel e cruenta. A períodos de perseguições seguiam-se períodos de

relativa tranqüilidade.

Os cristão, na grande maioria dos casos, enfrentaram com coragem, freqüentemente

com heroísmo, a prova das perseguições, mas não a sofreram passivamente. Defenderam-

se com força, confutando tanto a falta de fundamento das acusações que lhes eram

dirigidas de delitos ocultos ou públicos, apresentando os conteúdos da própria fé ("Aquilo

em que acreditamos") e descrevendo a própria identidade ("Quem somos").

Os cristãos pediam nas "Apologias" ("discursos de defesa") dos escritores cristãos

do tempo, endereçadas também aos imperadores, que não fossem condenados

injustamente, sem serem conhecidos e sem provas. O princípio da lei senatorial "Non licet

vos esse": "não é lícito que existais" era julgado injusto e ilegal pelos Apologistas, porque

os cristãos eram cidadãos honestos, respeitosos das leis, devotos ao imperador,

industriosos na vida privada e pública.

Uma vez que as catacumbas contêm a prova e a confirmação da vida admirável dos

cristãos, como é descrita pelos apologistas, apresentamos alguns de seus trechos

significativos, que constituem como que uma carta de identidade dos cristãos dos

primeiros tempos.

1. Da Carta a Diogneto apologia de um autor desconhecido, séc. 2º/3º.

São homens como todos os outros

"Os cristãos não se distinguem dos demais homens nem pelo território, nem pela língua

que falam, nem pelo modo de vestir. Não se isolam em suas cidades, nem usam uma

linguagem particular, nem levam um gênero de vida especial. Sua doutrina não é

conquista do gênio irrequieto de homens curiosos, nem professam, como fazem alguns, um

sistema filosófico humano. Moram em cidades gregas ou bárbaras (estrangeiras), como

cabe a cada um por sorte e, adaptando-se às tradições locais quanto às roupas, à

alimentação e a tudo o mais da vida, dão exemplo de um estilo próprio de vida social

maravilhosa, que, segundo a confissão de todos, tem algo de incrível".

Moram na terra, mas são cidadãos do Céu

"Moram em sua pátria, mas como estrangeiros. Como cidadãos, participam de todos os

deveres, mas são tratados como estrangeiros. Qualquer terra estrangeira é uma pátria

para eles e toda pátria é terra estrangeira. Mudam de lugar como todos e geram filhos,

mas não expõe os recém-nascidos. Têm a mesa em comum, não o leito. Vivem na carne,

mas não segundo a carne (2Cor 10,3, Rm 8,12-15). Passam sua vida na terra, mas são

cidadãos do céu. Obedecem às leis estabelecidas, mas superam-nas com o seu teor de

vida. Amam a todos e por todos são perseguidos. Não são conhecidos e são condenados.

Dá-se-lhes a morte, e eles dela recebem a vida. São pobres, mas a muitos tornam ricos

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Organizado por Eliezer Lucena 73

(2Cor 6,9-10). Nada possuem, mas tudo têm em abundância. São desprezados, mas

encontram no desprezo a glória diante de Deus. Ultraja-se a sua honra e acrescenta-se

testemunho à sua inocência. Insultados, abençoam (1Cor 4,12). Demonstram-se insolentes

com eles, e eles tratam-nos com respeito. Fazem o bem e são punidos como malfeitores. E

punidos, gozam, como se lhes dessem vida. Os judeus fazem-lhes guerra como raça

estrangeira. Os Gregos perseguem-nos, mas aqueles que os odeiam não sabem dizer o

motivo de seu ódio".

Estão no mundo como a alma no corpo

"Para dizer com uma só palavra, os cristãos estão no mundo como a alma está no corpo.

Como a alma difunde-se por todas as partes do corpo, assim também os cristãos estão

disseminados pelas várias cidades do mundo. A alma habita o corpo, mas não provém do

corpo: também os cristãos habitam no mundo, mas não provém do mundo. A alma

invisível está encerrada num corpo visível; também os cristãos, sabe-se que estão no

mundo, mas a sua piedade permanece invisível. Como a carne odeia a alma e faz-lhe

guerra, sem ter recebido qualquer ofensa, mas só porque lhe proíbe gozar dos prazeres,

também o mundo odeia os cristãos que não lhe fizeram qualquer coisa de errado, só

porque se opõem ao sistema de vida fundado no prazer. A alma ama à carne, que a odeia,

e aos membros; os cristãos igualmente amam aqueles que os odeiam. A alma está

encerrada no corpo, mas ela própria sustenta o corpo; também os cristãos são retidos no

mundo como numa prisão, mas eles próprios sustentam o mundo. A alma imortal habita

numa tenda mortal, também os cristãos moram como peregrinos entre as coisas que se

corrompem, à espera da incorruptibilidade dos céus. Mortificando-se nos alimentos e nas

bebidas, a alma se faz melhor; igualmente os cristãos, punidos, multiplicam-se dia a dia.

Deus deu-lhes um lugar tão sublime, que não devem absolutamente abandonar".

2. Dos "Livros a Autolico" de São Teófilo de Antioquia (Séc. 2º)

Os cristãos honram o imperador e rezam por ele (livro I,2)

"Honrarei o imperador, mas não o adorarei; mas rezarei por ele. Eu adoro o Deus

verdadeiro e único por quem eu sei que o soberano foi feito. Poderias, então, perguntar-

me: porque, pois, não adoras o imperador? O imperador, pela sua natureza, deve ser

honrado com obséquio legítimo, não deve ser adorado. Ele não é Deus, mas um homem

que Deus colocou não para que seja adorado mas para que exerça a justiça sobre a terra.

O governo do estado foi-lhe confiado de alguma forma por Deus. E como o imperador

não pode permitir que o seu título seja portado por quantos são-lhe subordinados -

ninguém de fato pode ser chamado de imperador - assim também ninguém pode ser

adorado, senão Deus. O soberano, então, deve ser honrado com sentimentos de devoção;

é preciso prestar-lhe obediência e rezar por ele. Assim realiza-se a vontade de Deus".

A vida dos cristãos demonstra a grandeza e a beleza de sua religião (livro III, 15)

"Encontra-se nos cristãos um sábio domínio de si, exerce-se a continência, observa-se o

matrimônio único, a castidade é conservada, a injustiça é excluída, o pecado extirpado em

sua raiz, pratica-se a justiça, a lei é observada, a piedade é apreciada com fatos. Deus é

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Organizado por Eliezer Lucena 74

reconhecido, a verdade, considerada norma suprema. A graça conserva-os, a paz

protege-os, a palavra sagrada guia-os, a sabedoria instrui-os, a vida (eterna) dirige-os,

Deus é o seu rei".

3. De "A Apologia" de Aristides (séc. 2º)

Os cristãos observam as leis de Deus

"Os cristãos trazem gravadas em seu coração as leis de Deus e observam-nas na

esperança do século futuro. Por isso não cometem adultério, nem fornicação; não dão

falso testemunho; não se apossam dos depósitos que receberam; não desejam aquilo que

não lhes diz respeito; honram o pai e a mãe, fazem o bem ao próximo; e, quando são

juizes, julgam com justiça. Não adoram ídolos de forma humana; tudo aquilo que não

querem que os outros lhes façam, eles não o fazem a ninguém. Não comem carnes

oferecidas aos ídolos, porque são contaminadas. Suas filhas são puras e virgens e fogem

da prostituição; os homens abstém-se de qualquer união ilegítima e de toda impureza;

suas mulheres igualmente são castas, na esperança da grande recompensa no outro

mundo..."

São bons e caridosos

"Socorrem aqueles que os ofendem, tornando-se seus amigos; fazem o bem aos inimigos.

Não adoram deuses estrangeiros; são delicados, bons, pudicos, sinceros, amam-se entre

si; não desprezam a viúva; salvam o órfão; quem possui dá, sem lamentos, àquele que não

possui. Quando vêem os forasteiros, fazem-nos entrar em casa e alegram-se com eles,

reconhecendo neles verdadeiros irmãos, porque chamam assim não aqueles que o são

pela carne, mas aqueles que o são segundo a alma. Quando um pobre morre, se ficam

sabendo, contribuem segundo os seus meios para o funeral; se vêm a saber que alguns são

perseguidos ou aprisionados ou condenados pelo nome de Cristo, colocam em comum as

suas esmolas e enviam-lhes aquilo de quem precisam, e se podem, libertam-nos; se há um

escravo ou um pobre a socorrer, jejuam dois ou três dias, e o alimento que tinham

preparado para si lhe é enviado, julgando que também ele deve gozar, sendo como eles

chamado à alegria".

Vivem na justiça e na santidade

"Observam exatamente os mandamentos de Deus, vivendo santa e justamente, assim como

o Senhor Deus prescreveu-lhes; dão-lhe graças todas as manhãs e todas as noites pelo

alimento ou bebida e por todos os outros bens... São estas, ó Imperador, as suas leis. Os

bens que devem receber de Deus, são pedidos a ele, e assim passam por este mundo até o

final dos tempos: pois Deus sujeitou tudo a eles. São, pois, reconhecidos para com ele,

porque para eles foi feito todo o universo e a criação. Certamente essa gente encontrou a

verdade".

4. De "O Apologético" de Tertuliano (séc. 2º-3º).

Os cristãos não são inúteis e improdutivos

"Somos acusados de ser improdutivos nas várias formas de atividades. Mas, como pode-se

falar assim de homens que vivem convosco, que comem como vós, que vestem as mesmas

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Organizado por Eliezer Lucena 75

roupas, que seguem o mesmo gênero de vida e têm as mesmas necessidades de vida?

Lembramo-nos de dar graças a Deus, Senhor e criador, e não recusamos nenhum fruto de

sua obra. É certo que usamos as coisas com moderação, não de forma exagerada ou

errada. Coabitamos convosco e freqüentamos o foro, o mercado, os banhos, os negócios,

as oficinas, as estalas, participando de todas as atividades. Também navegamos convosco,

combatemos no exército, cultivamos a terra, exercemos o comércio, trocamos as

mercadorias e colocamos à venda, para o vosso uso, o fruto do nosso trabalho. Não

entendo realmente como podemos parecer inúteis e improdutivos para os vossos negócios,

quando vivemos convosco e de vós. Sim, há quem tenha motivos para lamentar-se dos

cristãos, porque não pode comerciar com eles: são eles os protetores de prostitutas, os

rufiões e seus cúmplices; e também os criminosos, os que matam com veneno, os

encantadores, os adivinhos, os feiticeiros, os astrólogos. Grande coisa ser improdutivos

para essa gente!... E depois, nas prisões jamais encontrais um cristão, a não ser por

motivos religiosos. Nós aprendemos de Deus a viver na honestidade".

CORRESPONDÊNCIA ENTRE AS IGREJAS DE ROMA E DE CARTAGO

Encontram-se na história das Catacumbas de São Calisto alguns protagonistas,

personalidades de primeiro nível: os Papas mártires Fabiano, Cornélio, Sisto II, como

também o bispo de Cartago, S. Cipriano. A Igreja de Roma e a de Cartago comunicavam-

se freqüentemente. É interessante conhecer o conteúdo de algumas cartas para saber o que

se diziam esses grandes Pastores e como julgavam o próprio tempo, não certamente

tranqüilo.

1. A Igreja de Roma à Igreja de Cartago

A Igreja de Roma, no tempo da perseguição do imperador Décio, oferecia à Igreja

de Cartago o seguinte testemunho de sua fidelidade a Cristo.

Roma, inícios de 250.

"... A Igreja resiste forte na fé. É verdade que alguns cederam, porque impressionados

com a ressonância que teriam suscitado pela própria posição social ou pela fragilidade

humana. Entretanto, embora separados agora de nós, não os abandonamos em sua

defecção, mas ajudamo-los e ainda estamos próximos deles para que se reabilitem pela

penitência e recebam o perdão d'Aquele que o pode conceder. Caso os deixássemos ao leu

de si mesmos, a sua queda seria irreparável. Procurai fazer também do mesmo modo,

irmãos caríssimos, dando a mão àqueles que caíram para que se levantem. Assim, se

devessem padecer ainda a prisão, sentir-se-ão fortes para confessar dessa vez a fé e

remediar o erro anterior. Permiti-nos que vos recordemos também qual é a linha a seguir

numa outra questão. Aqueles que cederam na prova, se estiverem doentes, e desde que

estejam arrependidos e desejosos da comunhão com a Igreja, devem ser socorridos. As

viúvas e outros impossibilitados de apresentar-se espontaneamente, como também os que

se encontram na prisão ou distantes de suas casas, devem encontrar quem pense neles.

Nem sequer os catecúmenos atingidos pela doença devem ficar desencantados em suas

expectativas de ajuda. Saúdam-vos os irmãos que estão na prisão, os presbíteros e toda a

Igreja, que com a máxima solicitude vigia sobre todos os que invocam o nome do Senhor.

Mas pedimos, também nós, a retribuição da vossa lembrança" (Carta 8, 2-3).

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Organizado por Eliezer Lucena 76

2. O Bispo de Cartago à Igreja de Roma

Quando Cipriano foi informado da morte do Papa Fabiano, escreveu esta carta aos

presbíteros e diáconos de Roma.

Cartago, inícios de 250.

"Irmãos caríssimos, era-nos ainda incerta a notícia da morte daquele meu santo irmão no

episcopado, e as informações traziam dúvidas, quando recebi de vós a carta, que me foi

enviada através do subdiácono Cremêncio, pela qual era plenamente informado de sua

gloriosa morte. Exultei, então, porque à integridade do seu governo seguiu-se um nobre

final. Em relação a isso, alegro-me muitíssimo também convosco, porque honrais a sua

memória com um testemunho tão solene e esplêndido, dando a conhecer também a nós a

lembrança gloriosa que tendes do vosso bispo, e oferecendo-nos ainda um exemplo de fé e

fortaleza. De fato, quanto é danosa para os súditos a queda de quem está como chefe, da

mesma forma, ao contrário, é útil e salutar um bispo que se oferece aos irmãos como

exemplo de firmeza na fé... Desejo-vos, irmãos caríssimos, que estejais sempre bem"

(Carta 9, 1).

3. Cipriano, bispo de Cartago, ao Papa Cornélio

Cipriano presta homenagem ao testemunho de coragem e fidelidade demonstrado

pelo Papa Cornélio e pela Igreja de Roma: "um luminoso exemplo de união e constância a

todos os cristãos". Prevendo como iminente a hora da prova também para a Igreja de

Cartago, Cipriano pede a ajuda fraterna da oração e da caridade.

Cartago, outono de 253.

"Cipriano a Cornélio, irmão no episcopado. Tomamos conhecimento, irmão caríssimo, da

tua fé, da tua fortaleza e do teu claro testemunho. Tudo isso é de grande honra para ti e

traz-me tanta alegria a ponto de tornar-me participante e associado aos teus méritos e às

tuas empresas. Assim como, de fato, una é a Igreja, uno e inseparável o amor, única e

inseparável a harmonia dos corações, qual sacerdote ao celebrar os louvores de um outro

sacerdote não se alegraria com isso como de uma glória pessoal? E qual irmão não se

sentiria feliz da alegria dos próprios irmãos? É certo que não se pode imaginar a

exultação e a grande alegria que se deu aqui entre nós quando soubemos de coisas tão

belas e conhecemos as provas de fortaleza dadas por vós. Foste guia dos irmãos na

confissão da fé, e a mesma confissão do guia fortaleceu-se ainda mais com a confissão

dos irmãos. Assim, enquanto precedeste aos outros no caminho da glória, e enquanto te

mostraste pronto a confessar por primeiro e por todos, persuadiste o povo a confessar a

mesma fé. Torna-se impossível para nós, então, estabelecer o que devemos mais elogiar

em vós, se a tua fé pronta e inabalável ou a inseparável caridade dos irmãos. A coragem

do bispo manifestou-se em todo o seu esplendor como guia do seu povo, e apareceu

luminosa e grande a fidelidade do povo em plena solidariedade com o seu bispo. Em todos

vós a Igreja de Roma deu o seu magnífico testemunho, unida totalmente num só espírito e

numa só fé. Brilhou assim, irmão caríssimo, a fé que o Apóstolo constatava e elogiava em

vossa comunidade. Já então ele previa e celebrava quase profeticamente a vossa coragem

e a vossa indomável fortaleza. Já então reconhecia os méritos de que vos tornaríeis

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gloriosos. Exaltava as empresas dos pais, prevendo as dos filhos. Com a vossa plena

concórdia, com a vossa fortaleza, destes luminoso exemplo de união e constância a todos

os cidadãos . Irmão caríssimo, o Senhor em sua Providência adverte-nos previamente que

é iminente a hora da prova. Deus, em sua bondade e em sua preocupação pela nossa

salvação, concede-nos as suas benéficas sugestões em vista do nosso próximo combate.

Pois bem, em nome daquela caridade, que nos liga reciprocamente, ajudemo-nos,

perseverando com todo o povo em jejuns, vigílias e oração. São estas as armas celestes

que nos fazem permanecer sólidos e perseverantes. São estas as armas espirituais e as

flechas divinas que nos protegem. Recordemo-nos reciprocamente na concórdia e

fraternidade espiritual. Rezemos sempre e em todos os lugares uns pelos outros, e

procuremos aliviar os nossos sofrimentos com a caridade recíproca" (Carta 60, 1-2).

4. Cipriano anuncia a morte do Papa Sisto II

A Igreja de Cartago mandara alguns eclesiásticos a Roma para colherem notícias a

respeito do decreto de perseguição do imperador Valeriano. Retornaram levando a

dolorosa notícia da morte do Papa Sisto II. O bispo S. Cipriano preocupou-se em informar

logo sobre os fatos à Igreja da África, enviando esta carta ao bispo Sucesso.

Cartago, agosto de 258.

"Meu caro irmão, não pude enviar-te logo um meu escrito porque nenhum dos clérigos

desta Igreja podia mover-se, encontrando-se todos sob a tempestade da perseguição, que

porém, graças a Deus, encontrou-os muito dispostos a passarem logo ao céu. Comunico-

te agora as notícias que tenho. Retornaram os emissários que enviei a Roma para que

apurassem e referissem a decisão tomada pelas autoridades a meu respeito, qualquer

gênero fosse, e colocar um ponto final, assim, as todas as ilações e hipóteses que

circulavam. E eis agora qual é a verdade devidamente apurada. O imperador Valeriano

enviou o seu rescrito ao Senado, com o qual decidiu que bispos, sacerdotes e diáconos

sejam levados imediatamente à morte. Os senadores, os notáveis e os que têm título de

cavaleiros romanos sejam privados de toda dignidade e também dos bens. Se, depois,

mesmo após o confisco endurecerem na profissão cristã, devem ser condenados à pena

capital. As matronas cristãs sofram o confisco de todos os bens e depois sejam mandadas

em exílio. Sejam igualmente confiscados todos os bens aos funcionários imperiais, que já

confessaram a fé cristã ou devessem confessá-la no presente. Sejam em seguida presos e

registrados entre os adidos às propriedades imperiais (trabalhos forçados). Valeriano

acrescenta ainda ao rescrito a cópia de uma sua carta aos governadores das províncias e

que se refere à minha pessoa. Espero dia após dia essa carta, e espero recebê-la logo,

mantendo-me sólido e forte na fé. A minha decisão diante do martírio é conhecida.

Espero, cheio de confiança como estou, de receber a coroa da vida eterna da bondade e

generosidade de Deus. Comunico-vos que Sisto padeceu o martírio com quatro diáconos

em 16 de agosto, enquanto encontrava-se na zona do "Cemitério" (as Catacumbas de São

Calisto). As autoridades de Roma têm como norma que todos os que forem denunciados

como cristãos, devam ser justiçados e suportar o confisco dos bens em benefício do erário

imperial. Peço que aquilo que referi seja levado ao conhecimento também dos outros

nossos colegas no episcopado, porque a nossa comunidade possa ser encorajada e

predisposta sempre melhor, pelas suas exortações, ao combate espiritual. Isso será de

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 78

estímulo a considerar mais o bem da imortalidade do que a morte, e consagrar-se ao

Senhor com fé ardente e fortaleza heróica, a mais alegrar-se do que temer diante do

pensamento de ter que confessar a própria fé. Os soldados de Deus e de Cristo sabem

muito bem que a sua imolação não é tanto uma morte quanto uma coroa de glória. A ti,

irmão caríssimo, a minha saudação no Senhor" (Carta 80).

18. AINDA SOBRE AS PERSEGUIÇÕES CONTRA OS CRISTÃOS

Uma superstição nova e maléfica

A primeira tomada de posição do Estado Romano contra os Cristãos remonta ao

imperador Cláudio (41-54 d.C). Os historiadores Suetônio e Dione Cássio referem que

Cláudio mandou expulsar os judeus porque estavam continuamente em litígio entre si por

causa de um certo Chrestos. «Estaríamos diante das primeiras reações provocadas pela

mensagem cristã na comunidade de Roma», comenta Karl Baus.

O historiador Gaio Suetônio Tranquilo (70-140 c.), funcionário imperial de alto

nível sob Trajano e Adriano, intelectual e conselheiro do imperador, justificará a decisão e

as sucessivas intervenções do Estado contra os Cristãos definindo-os como «superstição

nova e maléfica»; palavras muito pesadas. Como superstição, o cristianismo é relacionado

com as mágicas. Para os romanos ela é aquele conjunto de práticas irracionais que magos e

feiticeiros de personalidade sinistra usam para enganar a gente ignorante, sem educação

filosófica. Magia é o irracional contra o racional, o conhecimento vulgar contra o

conhecimento filosófico. A acusação de magia (como também de loucura) é uma arma

com que o Estado Romano timbra e submete ao controle os novos e duvidosos

componentes da sociedade como o cristianismo.

Com a palavra maléfica (= portadora de males) é encorajada a obtusa suspeita do

povinho que imagina essa novidade (como qualquer novidade) impregnada dos delitos

mais inomináveis e, portanto, causa dos males que de vez em quando se desencadeiam

inexplicavelmente, da peste aos aluviões, da carestia à invasão dos bárbaros. Corpo aberto

mas etnia fechada e desconfiada O Império Romano é (e manifestar-se-á especialmente

nas perseguições contra os Cristãos) como um grande campo aberto, disposto a assimilar

qualquer novo povo que abandone a própria identidade, mas também uma etnia fechada e

desconfiada. Com a palavra etnia, grupo étnico (éthnos em grego) indicamos um agregado

social que se distingue pela língua e cultura, desconfiada em relação a qualquer outra

etnia.

Roma, com sua organização social de livres com todos os direitos e escravos sem qualquer

direito, de patrícios ricos e de plebeus miseráveis, de centro explorador e periferia

explorada, vive persuadida de ter realizado o sonho de Alexandre Magno: fazer a unidade

da humanidade, fazer de cada homem livre um cidadão do mundo, e do império uma

"assembléia universal" (oikuméne) que coincide com a "civilização humana".

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 79

Quem quiser viver fora dela, manter a própria identidade para não se confundir com

ela, é excluído da civilização humana. Roma tinha um grande temor dos "estrangeiros",

dos "diferentes" que poderiam pôr em discussão a sua segurança. E assim como

estabeleceu a "concórdia universal" com a feroz eficiência de suas legiões, entende mantê-

la também a golpes de espada, crucifixões, condenações aos trabalhos forçados, exílios.

Numa palavra: Roma usa a "limpeza étnica" como método para tutelar a própria tranqüila

segurança de ser "o mundo civil".

Nero e os Cristãos vistos pelo intelectual Tácito

Um incêndio devastou 10 dos 14 bairros de Roma no ano 65. O imperador Nero,

acusado pelo povo de ser o seu autor, lançou a culpa sobre os Cristãos. Inicia, assim, a

primeira grande perseguição que durará até 68 e verá perecer, entre outros, os apóstolos

Pedro e Paulo. O grande historiador Tácito Cornélio (54-120), senador e cônsul,

descreverá esse acontecimento em seus "Anais", escrito no tempo de Trajano. Ele acusa

Nero de ter injustamente culpado os Cristãos, mas declara-se convencido de que eles

merecem as mais severas punições porque a sua superstição os leva a cometer infâmias.

Não compartilha nem mesmo daa compaixão que muitos experimentaram ao vê-los

torturados. Eis a célebre página de Tácito:

«Para acabar logo com as vozes públicas, Nero inventou os culpados, e submeteu a

refinadíssimas penas aqueles que o povo chamava de cristãos, e que eram mal vistos pelas

suas infâmias. O nome deles provinha de Cristo, que sob o reinado de Tibério fora

condenado ao suplício por ordem do procurador Pôncio Pilatos. Momentaneamente

adormecida, essa superstição maléfica prorrompeu de novo, não só na Judéia, lugar de

origem daquele flagelo, mas também em Roma onde tudo que seja vergonhoso e

abominável acaba confluindo e encontrando a própria consagração. «Foram

inicialmente aprisionados os que faziam confissão aberta da crença. Depois, denunciados

por estes, foi aprisionada uma grande multidão, não tanto porque acusados de terem

provocado o incêndio, mas porque eram tidos como acesos de ódio contra o gênero

humano. «Os que se encaminhavam à morte estavam também expostos à burla: cobertos

de pele de feras, morriam dilacerados pelos cães, ou eram crucificados, ou queimados

vivos como tochas que serviam para iluminar as trevas quando o sol se punha. Nero tinha

oferecido seus jardins para gozar desse espetáculo, enquanto oferecia os jogos do circo e,

vestido como cocheiro misturava-se ao povo ou mantinha-se hirto sobre o coche.

«Embora os suplícios fossem contra gente culpada, que merecia tais tormentos originais,

nascia por eles, um senso de piedade, porque eram sacrificados não em vista de um

vantagem comum, mas pela crueldade do príncipe» (15,44).

Os cristãos eram, portanto, tidos também por Tácito como gente desprezível, capaz

de crimes horrendos. Os crimes mais infames atribuídos aos cristãos eram o infanticídio

ritual (como se na renovação da Ceia do Senhor, quando alimentavam-se da Eucaristia,

sacrificassem uma criança e comessem suas carnes!) e o incesto (clara deformação do

abraço da paz que se dava na celebração da Eucaristia "entre irmãos e irmãs"). As

acusações, nascidas do mexerico do povo simples, foram assim sancionadas pela

autoridade do Imperador, que perseguia os cristãos e os condenava à morte. A partir

daquele momento (testemunha Tácito) acrescentou-se à conta dos Cristãos um novo crime:

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 80

o ódio contra o gênero humano. Plínio o Jovem escreverá, ironicamente, que daquele

momento em seguida poder-se-ia condenar qualquer um à morte.

Acusados de ateísmo

São muito poucas as notícias da perseguição que atingiu os Cristãos no ano 89,

sob o imperador Domiciano. É, de particular importância, a notícia trazida pelo historiador

grego Dione Cássio, que foi pretor e cônsul em Roma. Ele afirma no livro 67 da sua

História Romana que sob Domiciano foram acusados e condenados "por ateísmo"

(ateòtes) o cônsul Flávio Clemente e sua mulher Domitila, e com eles muitos outros que

«tinham adotado os costumes judaicos». A acusação de ateísmo, nesse século, dirige-se a

quem não considerava a majestade imperial como divindade absoluta. Domiciano,

duríssimo restaurador da autoridade central, pretende o culto máximo à sua pessoa, centro

e garantia da "civilização romana". É admirável que um intelectual como Dione Cássio

chame de "ateísmo" a recusa do culto ao imperador. Significa que em Roma não se admite

nenhuma idéia de Deus que não coincida com a majestade imperial. Quem tem uma idéia

diversa é eliminado como gravemente perigoso à "civilização romana". Plínio o Jovem,

governador da Bitínia no Mar Negro, estava voltando em 111 de uma inspeção em sua

populosa e rica província quando um incêndio devastou a capital, Nicomédia. Muito

poderia ter sido salvo se houvessem bombeiros. Plínio relata ao imperador Trajano (98-

117): «Cabe-te, senhor, avaliar a necessidade criar uma associação de bombeiros de 150

homens. De minha parte, farei com que essa associação não acolha senão bombeiros…».

Trajando responde recusando a iniciativa:

«Não esqueças que a tua província está nas mãos de sociedades desse tipo. Qualquer que

seja o seu nome, qualquer que seja a destinação que quisermos dar a homens reunidos em

corporação, isso permite, sempre e rapidamente as hetérias. O temor das hetérias (nome

grego das "associações") prevaleceu sobre o medo dos incêndios. O fenômeno era antigo.

As associações de qualquer tipo que se transformavam em grupos políticos tinham levado

César a interditar todas as associações no ano 7 a. C.: «Quem quer que forme uma

associação sem autorização especial, é passível das mesmas penas dos que atacam à mão

armada os lugares públicos e os templos». A lei estava sempre em vigor, mas as

associações continuavam a florescer: dos barqueiros do Sena aos médicos de Avenches,

dos mercantes de vinho de Lion aos trombeteiros de Lamesi. Todas defendiam os

interesses de seus inscritos fazendo pressões sobre os poderes públicos. Plínio não

demorou em aplicar a interdição das hetérias num caso particular que lhe foi apresentado

no outono de 112. A Bitínia estava cheia de Cristãos: «É uma multidão de gente de todas

as idades, de todas as condições, espalhada pelas cidades, nas aldeias e nos campos»,

escreve ao Imperador. Continua dizendo que recebeu denúncias dos construtores de

amuletos religiosos, perturbados pelos Cristãos que pregavam a inutilidade de tais

bugigangas. Instituíra uma espécie de processo para conhecer bem os fatos, e tinha

descoberto que eles costumavam «reunir-se num dia fixo, antes do levantar-se do sol,

cantar um hino a Cristo como a um deus, empenhar-se com juramento a não cometer

crimes, a não cometer nem roubos, nem assaltos, nem adultérios, e a não faltar à palavra

dada. Eles têm também o hábito de reunir-se para tomar a própria refeição que, apesar

dos boatos, é alimento ordinário e inócuo».

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 81

Os cristãos não tinham cessado as reuniões nem mesmo depois do edito do

governador que insistia na interdição das hetérias. Continuando a carta (10,96), Plínio

refere ao Imperador que nada vê de mal nisso tudo. A recusa, porém, de oferecer incenso e

vinho diante das estátuas do Imperador parece-lhe um ato sacrílego de desprezo. A

obstinação dos Cristãos parece-lhe «irracional e tola».

Parece claro, da carta de Plínio, que caíram as absurdas acusações de infanticídio

ritual e incesto. Permanecem a de «recusarem a oferecer culto ao Imperador» (portanto de

lesa majestade), e da formação de hetérias. O Imperador responde: «Os cristãos não devem

ser perseguidos por ofício. Sendo, porém, denunciados e reconhecidos culpados, é preciso

condená-los». Em outras palavras: Trajano encoraja a fechar um olho sobre eles: são uma

hetéria inócua como os barqueiros do Sena e os vendedores de vinho de Lion. Uma vez,

porém, que estão praticando uma «superstição irracional, tola e fanática» (como é julgada

por Plínio e outros intelectuais do tempo, como Epíteto, e continuam a recusar o culto ao

imperador (e portanto consideram-se «estranhos» à vida civil), não se pode fazer de conta

que não há nada. Quando denunciados, sejam condenados. Continua então (embora de

forma menos rígida) o "Não é lícito ser cristão". Vítimas desse período são seguramente o

bispo Simeão de Jerusalém, crucificado quando tinha 120 anos de idade, e Inácio Bispo de

Antioquia, levado a Roma como cidadão romano, e aí justiçado. A mesma política, em

relação aos Cristãos, é exercida pelos imperadores Adriano (117-138) e

Antonino Pio (138-161).

Marco Aurélio: o cristianismo é uma loucura

Marco Aurélio (161 - 180), imperador filósofo, passou guerreando 17 dos seus 19

anos de império. Em suas Memórias, em que anotava todas as noites alguns pensamentos

«para si mesmo», nota-se um grande desprezo pelo cristianismo. Considerava-o uma

loucura porque propunha à gente comum, ignorante, uma maneira de comportar-se

(fraternidade universal, perdão, sacrifício pelos outros sem esperar recompensa) que só os

filósofos como ele podiam compreender e praticar ao final de longas meditações e

disciplinas. Ele proibiu, num rescrito de 176-7, que sectários fanáticos, com a introdução

de cultos até então desconhecidos, pusessem em perigo a religião de Estado. A situação

dos cristãos, sempre difícil, endureceu-se ainda mais com ele. As comunidades

florescentes da Ásia Menor, fundadas pelo apóstolo Paulo foram submetidas dia e noite a

roubos e saques por parte da ralé. Em Roma, o filósofo Justino e um grupo de intelectuais

cristãos foram condenados à morte. A florescente comunidade de Lion foi destruída sob a

acusação de ateísmo e imoralidade. Pereceram entre torturas refinadas, também, a muito

jovem Blandina, e Pôntico de quinze anos. Os relatórios que chegaram até nós dão a

entender que a opinião pública foi endurecendo em relação aos cristãos. Grandes

calamidades públicas (das guerras à peste) despertaram a convicção de que os deuses

estivessem encolerizados contra Roma. Quando percebeu-se que os cristãos ficavam

ausentes das funções expiatórias, ordenadas pelo Imperador, o furor popular encontrou

pretextos para excitar-se contra eles. A mesma situação continuou nos primeiros anos do

imperador Cômodo, filho de Marco Aurélio. Sob o reinado de Marco Aurélio, a ofensiva

dos intelectuais de Roma contra os Cristãos atingiu o auge. «Freqüente e erroneamente -

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 82

escreve Fábio Fuggiero - acredita-se que o mundo antigo tenha combatido a nova fé com

as armas do direito e da política. Numa palavra, com as perseguições. Se isso pode ser

verdade (embora apenas em parte) para o primeiro século da era cristã, já não o é a partir

de meados do segundo século. Seja o mundo da "gentios" (= pagãos) seja a Igreja

compreendem, mais ou menos na mesma época, a necessidade de combater-se e de

dialogar no terreno da argumentação filosófica e teológica. «A cultura antiga, treinada por

séculos em todas as subtilezas da dialética, pode opor armas intelectuais refinadíssimas ao

complexo doutrinal cristão e, logo, a própria Igreja, tomando consciência da força que o

pensamento clássico exerce como freio da expansão do evangelho, vê a necessidade de

elaborar um pensamento filosófico e teológico genuinamente cristão, mas capaz ao mesmo

tempo, de exprimir-se numa linguagem e em categorias culturais inteligíveis por parte do

mundo greco-romano, no qual se vem inserindo sempre mais».

As argumentações dos intelectuais anticristãos

As argumentações de Marco Aurélio (121-180), Galeno (129-200), Luciano,

Pelegrino Proteo e, especialmente, Celso (que escreveram suas obras na segunda metade

do século segundo) podem-se condensar assim:

“A 'salvação' da insignificatividade da vida, da desordem dos acontecimentos, do

aniquilamento da morte, da dor, só pode ser encontrada numa 'sabedoria filosófica' por

parte de uma elite de raros intelectuais. Trata-se de uma loucura o fato de os cristãos

colocarem esta 'salvação' na 'fé' num homem crucificado (como os escravos) na Palestina

(uma província marginal) e declarado ressuscitado.”

“O fato de os cristãos crerem na mensagem do crucificado, que se dirige

preferencialmente aos marginalizados e pobres (à 'poeira humana') e que pregue a

fraternidade universal (numa sociedade bem escalonada em pirâmide e considerada como

'ordem natural') é outra loucura intolerável, que incomoda, que revira tudo. É preciso

eliminar os Cristãos como transgressores da civilização humana.”

A crítica dos intelectuais anticristãos volta-se contra a própria idéia de "revelação do

alto", não baseada numa "sabedoria filosófica"; contra as Escrituras cristãs, que têm

contradições históricas, textuais, lógicas; contra os dogmas "irracionais"; contra o fato do

LOGOS de Deus fazer-se carne (Evangelho de João) e submeter-se à morte dos escravos;

contra a moral cristã (fidelidade no matrimônio, honestidade, respeito pelos outros, ajuda

recíproca), que pode ser alcançada por um pequeno grupo de filósofos, mas não

certamente pela massa intelectualmente pobre. Toda a doutrina cristã, para esses

intelectuais, é loucura, como é loucura a pretensão da ressurreição (ou seja, da prevalência

da vida sobre a morte), como é loucura a preferência de Deus pelos humildes e a

fraternidade universal. É tudo irracional.

O filósofo grego Celso, em seu Discurso sobre a verdade, escreve:

“Recolhendo gente ignorante, que pertence à mais vil população, os cristãos desprezam

as honras e a púrpura, e chegam até mesmo a chamar-se indistintamente de irmãos e

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 83

irmãs… O objeto de sua veneração é um homem punido com o último dos suplícios e, do

lenho funesto da cruz, eles fazem um altar, como convém a depravados e criminosos.”

As primeiras reações dos Cristãos

Por decênios, os cristãos permaneceram calados. Difundem-se com a força

silenciosa da proibição. Opõem amor e martírio às acusações mais infamantes. É no

segundo século que seus primeiros apologistas (Justino, Atenágoras, Taciano) negam, com

a evidência dos fatos, as acusações mais infamantes, e procuram exprimir a própria fé

(nascida em terra semítica e confiada a "narrações") em termos culturalmente aceitáveis

por um mundo embebido de filosofia greco-romana. Os "tijolos" bem alinhados da

mensagem de Jesus Cristo começam a ser organizados segundo uma estrutura

arquitetônica que possa ser valorizada pelos greco-romanos. Serão Tertuliano, no

Ocidente, e Orígenes, no Oriente (terceiro século), a darem uma forma sistemática e

imponente a toda a "sabedoria cristã". Com os "tijolos" da mensagem de Jesus Cristo

tentar-se-á delinear a harmonia da basílica romana, como depois, com o passar dos

séculos, tentar-se-á delinear a ousadia da basílica gótica, a sólida pacatez da catedral

românica, o fasto da igreja barroca…

A grave crise do terceiro século (200-300)

O século terceiro vê Roma em gravíssima crise. As relações entre Cristianismo e

império romano transformam-se, embora nem todos o percebam. A grande crise é assim

descrita pelo historiador grego Herodiano:

“Jamais houve, nos duzentos anos passados, um tão freqüente suceder-se de

soberanos, nem tantas guerras civis e contra os povos limítrofes, nem tantos movimentos

de povos. Houve uma quantidade incalculável de assaltos a cidades no interior do Império

e em muitos países bárbaros, de terremotos e pestilências, de reis e usurpadores. Alguns

deles exerceram o comando longamente, outros mantiveram o poder por brevíssimo

tempo. Algum deles, proclamado imperador e glorificado, permaneceu um só dia e logo

desapareceu.”

O Império Romano estendera-se progressivamente com a conquista de novas

províncias. A conquista continuada permitira a exploração de sempre novas vastíssimas

terras (o Egito era o celeiro de Roma, a Espanha e as Gálias, a sua vinha e o seu olival).

Roma apossara-se de sempre novas minas (a Dácia tinha sido conquistada pelas suas

minas de ouro). As guerras de conquista tinham providenciado multidões infinitas de

escravos (prisioneiros de guerra), mão-de-obra gratuita.

Em meados do século terceiro (por volta de 250) percebeu-se que a festa acabara. A

Leste, formara-se o poderoso império Sassânida, que fez duríssimos ataques aos Romanos.

Em 260 foram capturados o imperador Valeriano e todo o seu exército de 70 mil homens,

e devastadas as províncias do Leste. A peste acabou com as legiões supérstites e espalhou-

se por todo o Império. Ao Norte formara-se um outro aglomerado de povos fortes: os

Godos. Espalharam-se pela Mésia e pela Dácia. O Imperador Décio e o seu exército

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 84

tinham sido massacrados em 251. Os Godos desceram devastando do Norte até Esparta,

Atenas, Ravena. Eram terríveis os amontoados de destroços que deixavam. A maior parte

das pessoas cultas, que não puderam ser substituídas, perderam a vida ou tornaram-se

escravas. A vida regrediu ao estado primitivo e selvagem. A agricultura e o comércio

foram aniquilados. Nesse tempo de grave incerteza cai a segurança garantida pelo Estado.

Agora são os gentios (=pagãos) que se tornam "irracionais", a confiar não mais na ordem

imperial mas na proteção das divindades mais misteriosas e estranhas. Surge no Quirinal,

em Roma, um templo à deusa egípcia Isis, o imperador Eliogábalo impõe a adoração do

deu Sol, o povo recorre a ritos mágicos para manter a peste distante. Entretanto, mesmo no

século terceiro dão-se anos de terríveis perseguições contra os cristãos. Não mais por

causa da sua "irracionalidade" (num mar de gente que se entrega a ritos mágicos, o

cristianismo é agora o único sistema racional), mas em nome da renascida limpeza étnica.

Muitos imperadores, mesmo sendo bárbaros de nascimento, vêem no retorno à unidade

centralizada a única via de salvação. E decretam a extinção dos cristãos, sempre mais

numerosos, para lançar fora da etnia romana esse "corpo estranho", que se apresenta

sempre mais como uma nova etnia, pronta a substituir aquela que já declina do império

fundado nas armas, na rapina, na violência.

Setímio Severo, Maximino Trace, Décio e Galo

Com Setímio Severo (193-211), fundador da dinastia siríaca, parece anunciar-se ao

cristianismo uma fase de desenvolvimento não perturbado. Muitos cristãos ocupam

posições influentes na corte. Só no décimo ano de seu reinado (202), o imperador muda

radicalmente de atitude. Em 202 surge um edito de Setímio Severo, que comina graves

penas à passagem ao judaísmo e à religião cristã. A repentina mudança do imperador pode

ser compreendida apenas pensando que ele percebera que os cristão estavam se unindo

sempre mais fortemente numa sociedade religiosa universal e organizada, dotada de uma

íntima forte capacidade de oposição que a ele, por considerações de política estatal, parece

suspeita. As devastações mais vistosas foram sofridas pela célebre escola cristã de

Alexandria e pelas comunidades cristãs da África.

Maximino Trace (235-238) teve uma reação violenta e brutal contra o que tinham

sido amigos do seu predecessor, Alexandre Severo, tolerante com os cristãos. A igreja de

Roma foi devastada com a deportação às minas da Sardenha dos dois chefes da

comunidade cristã, o bispo Ponciano e o presbítero Hipólito.

A atitude para com os Cristãos não fora alterada entre a gente simples; demonstra-o

a verdadeira caça aos cristãos desencadeada na Capadócia quando se acreditava ver neles

os culpados de um terremoto. A revolta popular diz-nos o quanto os cristãos ainda fossem

considerados "estranhos e maléficos" pelo povo. (Cf. K. Baus, Le origini, p. 282-287). Sob

o imperador Décio (249-251) desencadeia a primeira perseguição sistemática contra a

Igreja, com a intenção de desenraiza-la para sempre. Décio (sucessor de Filipe o Árabe,

muito favorável aos cristão, se não ele mesmo cristão), é um senador originário da

Panônia, e muito apegado às tradições romanas. Sentindo profundamente a desagregação

política e econômica do império, acreditou que podia restaurar a sua unidade recolhendo

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 85

todas as energias ao redor dos protetores do Estado. Todos os habitantes são obrigados a

sacrificar aos deuses e recebem, depois disso, um certificado. As comunidades cristãs

estão abaladas pela tempestade. Quem recusa-se ao ato de submissão é preso, torturado,

justiçado: como o bispo Fabiano em Roma e, com ele, muitos sacerdotes e leigos. Em

Alexandria houve uma perseguição acompanhada de saques. Na Ásia, os mártires foram

numerosos; entre eles, os bispos de Pérgamo, Antioquia, Jerusalém. O grande estudioso

Orígenes foi submetido a uma tortura desumana, e sobreviveu quatro anos aos suplícios,

reduzido a uma larva humana.

Nem todos os Cristãos suportam a perseguição. Muitos aceitam sacrificar. Outros,

mediante suborno, obtêm escondidamente os famosos certificados. Entre eles, segundo a

carta 67 de Cipriano, estão pelo menos dois bispos espanhóis. A perseguição, que parece

golpear até à morte a Igreja, termina com a morte de Décio em batalha contra os Godos na

planície de Dobrug (Romênia). (Cf. M. Clèvont, I Cristiani e il potere. P. 179s). Os setes

anos seguintes (250-257) são de tranqüilidade para a Igreja, perturbada apenas em Roma

por uma breve onda de perseguição quando o imperador Trebônio Galo (251-253) manda

prender o chefe da comunidade cristã Cornélio, mandando-o em exílio a Centum Cellae

(Civitavecchia). Sua conduta foi devida, provavelmente, à condescendência aos humores

do povo, que atribuía aos cristãos a culpa pela peste que assolava o império. O

cristianismo continuava a ser visto como "superstição" estranha e maléfica! (Cf. K. Baus,

Le origini, p. 292)

Valeriano e as finanças do império

No quarto ano do reino de Valeriano (257) tem-se um improvisa, dura e cruenta

perseguição dos cristãos. Não se tratou contudo de assunto religioso, mas econômico.

Diante da precária situação do império, o conselheiro imperial (depois usurpador)

Macriano induziu Valeriano a tentar tapar o rombo seqüestrando os bens dos cristãos ricos.

Houve mártires ilustres (do bispo Cipriano ao papa Sisto II, ao diácono Loureço). Foi,

porém, apenas um furto encoberto por motivos ideológicos, que terminou com o trágico

fim de Valeriano. Em 259, ele caiu prisioneiro dos persas com todo o seu exército, foi

obrigado à vida de escravo e morreu com tal. Os quarenta anos de paz que se seguiram,

favoreceram o desenvolvimento interno e externo da Igreja. Muitos cristãos acederam a

altos cargos do Estado e demonstraram-se homens capazes e honestos.

O desastre financeiro cai nos braços de Diocleciano

Em 271 o imperador Aureliano ordenou aos soldados e cidadãos romanos que

abandonassem aos Godos a vasta província da Dácia e suas minas de ouro: a defesa

daquelas terras já tinha custado muito sangue. Como não existiam mais províncias a

conquistar e explorar, todas as tenções voltaram-se para o cidadão comum. Sobre eles

abateram-se taxas, corvéias (= manutenção de aquedutos, canais, esgotos, estradas,

edifícios públicos…) sempre mais onerosos. Já não se sabia, literalmente, se o trabalho

realizado era para sobreviver ou para pagar as taxas. Em 284, depois de uma brilhante

carreira militar, Diocleciano, de origem dálmata, foi aclamado imperador. Desde então as

taxas seriam pagas per capita e per jugero, ou seja, um tanto por cada pessoa e por cada

pedaço de terra cultivável. A coleta das taxas foi confiada a uma atilada e imensa

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 86

burocracia, que tornava impossível fugir ao fisco, punia de modo desumano quem

conseguia fazê-lo e custava muitíssimo ao estado. As taxas eram tão pesadas que tiravam a

vontade de trabalhar. A solução foi proibir que se abandonasse o lugar de trabalho, o

pedaço de terra que se cultivava, a oficina, o uniforme militar. «Teve início, dessa forma -

escreve F. Oertel, professor de história antiga na Universidade de Bonn - a feroz tentativa

do Estado de espremer a população até à última gota… Sob Diocleciano é realizado um

socialismo integral de estado: terrorismo de funcionários, fortíssima limitação da ação

individual, progressiva interferência estatal, pesadas taxações».

Perseguições de Galério em nome de Diocleciano

Os primeiros vinte anos do reino de Diocleciano não molestaram os cristãos. Em

303, como um golpe de cena, desencadeou-se a última perseguição contra eles. «É obra de

Galério, o "César" de Diocleciano», escreve F. Ruggiero. «Ele pôs fim em 303 à política

prudente de Diocleciano, que se abstivera, embora nutrisse sentimentos tradicionalistas, de

atos intransigentes e intolerantes». Quatro editos consecutivos (fevereiro de 303 - fevereiro

de 304) impuseram aos cristãos a destruição das igrejas, o confisco dos bens, a entrega dos

livros sagrados, a tortura até à morte para quem não sacrificasse em honra do imperador.

Como sempre, é difícil determinar os motivos que levaram Diocleciano a aprovar

uma política do gênero. Pode-se supor que tenha sido objeto de pressões por parte de

ambientes pagãos fanáticos, que estavam por detrás de Galério. Numa situação de

"angústia difusa" (como diz Dodds), só o retorno à antiga fé de Roma poderia, segundo

Galério e seus amigos, unificar o povo e persuadi-lo a enfrentar tantos sacrifícios. Era

preciso retornar às vetera instituta, isto é, às antigas leis e à tradicional disciplina romana.

A perseguição atingiu a sua máxima intensidade no Oriente, especialmente na

Síria, Egito e Ásia Menor. A Diocleciano, que abdicou em 305, sucedeu como "Augusto"

Galério, e como "César" Maximino Daia, que se demonstrou mais fanático do que ele. Só

em 311, seis dias antes de morrer de câncer na garganta, Galério emanou um irritado

decreto com que detinha a perseguição. Com o decreto (que marcou historicamente a

definitiva liberdade de ser cristão), Galério deplorava o obstinação, a loucura dos cristãos,

que em grande número se tinham recusado a retornar à religião da antiga Roma; declarava

que perseguir os cristãos tornara-se inútil; e exortava-os a rezar ao próprio Deus pela saúde

do imperador.

Comentando o decreto, F. Ruggiero escreve: «Os cristãos foram um inimigo

extremamente anômalo. Por mais de dois séculos Roma tinha procurado assimilá-los ao

próprio tecido social… estavam fisicamente no interior da civitas Romana, mas por

motivos diversos eram-lhe estranhos»; tinham finalmente determinado «uma radical

transformação da própria civitas em sentido cristão».

A profunda revolução

As últimas perseguições sistemáticas do terceiro e quarto séculos resultaram

ineficazes como aquelas esporádicas do primeiro e segundo séculos. A limpeza étnica

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Organizado por Eliezer Lucena 87

invocada e apoiada pelos intelectuais greco-romanos não fora realizada. Porque? Porque, à

distância, as acusações indignadas de Celso resultaram o melhor elogio aos Cristãos:

“recolhendo gente ignorante, pertencente à população mais vil, os cristãos desprezam as

honras e a púrpura, e chegam até mesmo a chamar-se indistintamente de irmãos e irmãs.”

O apelo à dignidade de toda pessoa, mesmo a mais humilde, a igualdade diante de Deus (o

ponto mais revolucionário da mensagem cristã) tinha feito silenciosamente o seu caminho

na consciência de tantas pessoas e de tantos povos, que os Romanos tinham relegado a

posições miseráveis de nascidos escravos e

de lixo humano.

19. OS MÁRTIRES CRISTÃOS

Um único fato parece ser unanimidade entre escritores do século I, escritores esses

quer tanto adeptos ou adversários de Jesus: que por ordem do procurador romano, Pôncio

Pilatos, Jesus foi condenado e crucificado cerca aproximadamente no ano 30 da nossa era.

Tácito, o aristocrático historiador romano (c.a. 55-115), nada sabendo virtualmente sobre

Jesus, não menciona mais do que isto. Relatando a história do infame Nero (imperador de

54 à 58), diz que este, acusado de atear enormes incêndios em Roma:

“Culpou e castigou com supremos requintes de crueldade uma classe de pessoas odiadas

pelos seus vícios, a quem a plebe chamava de cristãos. Chrestus (Christus), o fundador da

denominação, sofrera a pena de morte no reinado de Tibério, por sentença do procurador

Pôncio Pilatos, e a perniciosa superstição foi contida durante algum tempo, apenas para

rebentar de novo, não apenas na Judéia, o ninho da doença, mas na própria capital

(Roma), onde se congrega e floresce tudo quanto de horrível ou vergonhoso existe no

mundo.”

Tácito, Anais 15:44-2-8.

O historiador judeu Flavio Josefus menciona Jesus de Nazaré numa lista de

problemas que perturbaram as relações judaicas com Roma durante o governo de Pilatos

aproximadamente entre 26 à 36 da nossa era. Um comentário atribuído a Josefus relata

que:

“Pilatos, ouvindo-o ser acusado por homens contando-se entre os mais reputados entre

nós... condenou-o a ser crucificado.”

Flavio Josefus, Antiguidades dos judeus 18:63.

Os seguidores de Jesus confirmam este relato nos evangelhos. Para entendermos o

desenrolar dos acontecimentos com os seguidores de Jesus após sua paixão e morte é

necessário fazer um breve resumo:

“Após a paixão e morte de Jesus de Nazaré seus primeiros seguidores que eram

chamados de “OS DO CAMINHO” ou de “OS NAZARENOS” entenderam que Jesus era

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 88

o Messias anunciado pelos profetas que viria no final dos tempos para libertar ISRAEL do

jugo das nações e reuni-los todos os judeus e israelitas espalhados pelos quatro cantos da

terra na terra de ERTZ IZRAEL. Assim sendo muitos judeus saíram mundo afora levando

a mensagem da BOA NOVA que quer dizer EVANGELHO aos seus compatriotas

espalhados pelos reinos no mundo. Muitos criam que Jesus era de fato o Messias devido

os relatos dos milagres que ele realizara, outros porém, não criam, porque entendiam que

muitas profecias não haviam ainda sido cumpridas para a chegada do Messias. Assim

com as viagens de enviados judeus para os diversos lugares do mundo da época a

mensagem em poucos anos se espalhou por todo o império romano e o movimento dos

seguidores de Jesus de Nazaré cresceu muito a principio porém como mais uma seita

judaica, pois Jesus era judeu, ensinava a Lei judaica aos pobres e simples, mais ainda

Jesus ensinava uma interpretação muito elevada da TORAH a lei de Moisés e dos

profetas.

Na década de 40 depois de Cristo os judeus tiveram problemas em Roma como conta o

historiador Suetônio que fala de distúrbios entre os judeus romanos causados por um tal:

“ Os judeus foram expulsos de Roma por promoverem distúrbios, instigados por um tal de

CHRESTUS.”

Vida de Claudio – Caio Suetônio Tranquilo.

Um tal de CHRESTUS em latim que seria a mesma coisa que CHRISTUS em

grego. Claudio cita os distúrbios que ele atribui a Cristo, ou seja, os judeus que foram

expulsos de Roma eram os judeus que creram em Cristo, eram os judeus nazarenos que

cresciam muito em Roma e anunciavam que Jesus era o CHRESTUS / MESSIAS e filho

de Deus, e isto se chocava com o culto aos imperadores romanos, pois os tais eram os

únicos filhos de Deus. Esta pratica de cultuar e construir Templos para os imperadores

romanos teve inicio com o sucesso de Augusto César que unificou o império romano e

trouxe a paz romana e prosperidade para todo o império.

Entretanto, em poucos anos após a morte de Jesus, para ser mais preciso,

aproximadamente 10 ou 11 anos depois de sua morte começaram a entrar gentios, ou

seja, estrangeiros que não pertenciam à cultura e povo judeu na comunidade dos

seguidores de Jesus. Para surpresa até do próprio Jesus que disse que veio a não ser para

as ovelhas perdidas da casa de Israel, ou seja, para os israelitas espalhados pelo mundo a

fim de reuni-los, o movimento Messiânico cresceu muitíssimo entre os gentios e dentro de

poucos anos este já superavam em numero os judeus. Como Jesus morreu acusado de

sedição contra Roma, seus seguidores eram mau vistos pelo império romano e seus

imperadores. Assim como Jesus sofreu e morreu seus seguidores deveriam estar dispostos

a morrer pela sua fé, desse modo a paixão e morte de Jesus sempre ocupou um papel

central no Cristianismo. No entanto desde cedo surgiram as diferenças teológicas a

respeito da pessoa de Jesus, ou seja, as divergências entre os próprios seguidores de

Jesus, como por exemplo num dado momento do cristianismo primitivo houve uma linha

de cristãos chamados gnósticos que não interpretavam a ressurreição de forma literal. Os

seguidores de Jesus da PALESTINA interpretavam Jesus como um mestre que veio

ensinar o caminho da salvação e não o viam como divino e sim apenas como um homem

comum que foi adotado por Deus por ocasião do batismo, e assim explicavam o pôrque

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 89

que Jesus só realizou milagres após ser batizado e ter-se ouvido uma voz do céu que

disse: “ Tu és meu filho, eu hoje te gerei.” Por outro lado havia os judeus de Alexandria

que eram versados tanto em TORAH quanto nos filósofos gregos como PLATÃO E

PITAGORAS e sua filosofia do LOGOS, ou seja, do verbo de Deus, que foi gerado por

Deus para Deus criar todas as coisas por meio dele e etc. Assim para uns Jesus era

apenas um homem e para outros Jesus era Divino. Alguns seguidores de Valentino

interpretam de forma diferente o significado deste tipo de paradoxos. Segundo o tratado

sobre a ressurreição achado em Nag Hammadi, sendo Jesus o “Filho do Homem”, sendo

humano, ele sofreu e morreu como o resto da humanidade. Mas sendo também “Filho de

Deus”, o espírito divino que nele residia não podia morrer: neste sentido ele transcendeu

o sofrimento e a morte. Este foi o grande tema do debate teológico dos dois primeiros

séculos Jesus homem ou Divino os cristãos proto-ortodoxos que defendiam a literalidade

das escrituras bem como estes eventos como fatos históricos insistiam que Jesus era um

ser humano, e que todos os cristãos “intelectualmente corretos” devem tomar a

crucificação como um acontecimento histórico e literal. Este debate deixou vestígios no

que veio a ser o CREDO APOSTÓLICO estabelecido pelos cristãos proto-ortodoxos que

vieram a ser mais tarde os ortodoxos. Para se assegurarem de tal, colocaram no Credo,

enquanto elemento central da fé, a afirmação simples que: “Jesus Cristo sofreu sob

Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado.”

Desta forma os debates teológicos de um lado e as chamadas heresias que por sua

vez tinham que ser combatidas pela chamada proto-ortodoxia, tais embates serviam para

desenvolver as doutrinas e dogmas da chamada Grande Igreja Universal (Católica), em

outras palavras, a ortodoxia só veio a ser o que é devido as heresias, porque para refutar

uma doutrina ou um pensamento considerado herético era preciso formular novos

conceitos, doutrinas e dogmas para provar que o outro pensamento era herético, desta

forma a heresia precedeu sempre a ortodoxia. Tanto é verdade que o CREDO

APOSTÓLICO é um resumo de IV ou V séculos de acirradas e acaloradas disputas

teológicas.

O que é que se encontra por trás desta veemência? Por que razão a fé na paixão e

morte de Cristo se torna um elemento essencial ou ainda como dizem alguns O Elemento

Essencial do cristianismo ortodoxo? Só conseguiremos responder satisfatoriamente a esta

questão se reconhecermos o que realmente e de fato a controvérsia envolvia para os

cristãos dos séculos primeiro e segundo da nossa era, ou seja, era uma questão prática

urgente: De que forma deverão os crentes responder à perseguição, a qual levantava a

ameaça iminente do seu próprio sofrimento e morte?

Nenhuma questão mais imediata para os discípulos de Jesus, tendo eles próprios

vivido os eventos traumáticos da sua traição e aprisionamento, e ouvido relatos do seu

julgamento, tortura e agonia final. A partir dessa altura, em especial quando os mais

proeminentes dentre eles, Pedro e Paulo, foram presos e executados em Roma, cada cristão

reconhecia que a afiliação ao movimento de Jesus os colocava em perigo. Tanto Tácito

como Suetônio, historiadores da corte imperial (Ca. 115), que partilhavam um desprezo

total pelos cristãos, mencionam o grupo principalmente enquanto alvo da perseguição

oficial do império. Ao contar a vida de Nero, Suetônio relata, numa lista das coisas boas

que o imperador fez, que:

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 90

“ foi infligido castigo aos cristãos, uma classe de gente dada a novas e maléficas

superstições.”

Suetônio, Vida de Nero 6:16.

Tácito acrescenta às observações que faz sobre o incêndio de Roma:

“Primeiro foram presos aqueles que confessaram pertencer à seita; a seguir, a partir das

revelações destes, vastos números foram condenados, não tanto sob acusação de fogo

posto, mas sim por ódio à raça humana. E o ridículo acompanhou o seu fim: cobertos com

peles de animais selvagens, serviram de pasto aos cães; ou os amarraram a cruzes e,

quando a luz do dia desapareceu, os queimaram para alumiar a noite. Nero oferecera os

seus jardins para o espetáculo...”

Tácito, Anais 15:44- 2-8.

Desde o governo imperial de Augustus (27 a. C. – 14 d. C.), o imperador e o Senado

haviam passado à repressão de todos os dissidentes sociais que considerassem potenciais

desordeiros, como sucedia com astrólogos, mágicos, seguidores de cultos estrangeiros e

filósofos. O grupo cristão apresentava todas as marcas da conspiração. Primeiro,

identificavam-se como seguidores de um homem acusado de magia e executado por essa

razão e por traição. Segundo, eram “ateus”, denunciando como “demônios” os deuses

protetores das fortunas do estado romano – até mesmo o “GENIUS” (espírito divino) do

próprio imperador. Terceiro, pertenciam a uma sociedade ilegal. Para além destes atos

verificáveis pela policia romana, os boatos indicavam que o seu secretismo escondia

atrocidades: os seus inimigos os acusavam de, ritualmente, comerem carne humana e

beberem sangue humano, práticas das quais os mágicos eram comumente mente acusados.

Embora por esta altura nenhuma lei proibisse especificamente a conversão ao cristianismo,

qualquer magistrado que fosse informado sobre uma pessoa acusada de cristianismo era

obrigado a investigar. Incerto sobre o modo como lidar com casos desses, Plínio

governador da Bitínia (uma província da Ásia Menor) escrever cerca de 112 d. C. ao

imperador Trajano, solicitando esclarecimentos:

“ É meu costume, Senhor Imperador, referir-vos todas asa questões sobre as quais me

surgem dúvidas. Quem melhor poderá guiar-me...? Jamais participei na investigação de

cristãos; donde que em geral desconheço o crime que é castigado ou investigado, ou que

concessões são feitas... Entretanto, é o seguinte o procedimento que adotei com aqueles

que perante mim são acusados de serem cristãos. Perguntei-lhes se eram cristãos, e

perguntei-lhes segunda e terceira vez com ameaças de castigo. No caso de se obstinarem,

ordenei que fossem levados para execução, pois não tinha dúvidas de eu, o que quer que

admitissem, eles mereciam em qualquer caso serem castigados por obstinação e teimosa

pertinácia... Quanto àqueles que disseram não serem nem nunca terem sido cristãos,

achei correto deixá-los partir, quando por minha ordem recitassem uma oração aos

deuses, e procedessem à suplicação com incenso e vinho perante vossa estátua, a qual

ordenei que fosse trazida ao tribunal com esse fim, e que além disso amaldiçoassem

Cristo – coisas que assim se diz é impossível obrigar a fazer aqueles que são

verdadeiramente cristãos.

Plínio, Epistolas 10:96

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Organizado por Eliezer Lucena 91

Trajano respondeu aprovando a forma como o Governado Plínio da Bitínia lidara

com a questão:

“Adotaste o rumo certo, meu caro Segundo, no exame que fizeste dos casos daqueles que

perante ti foram acusados de serem cristãos, pois é de fato impossível estabelecer uma

regra geral capaz de servir de receita processual. Eles não deverão ser procurados; mas

se forem acusados e condenados, devem ser castigados – na condição, porém de que os

que negarem serem cristãos, e tornarem este fato público através dos seus atos, isto é,

através do culto dos nossos deuses, deverão ser perdoados ao arrependerem-s, por mais

suspeita que possa ser a sua conduta passada.

Plínio, Epistolas 10:97

Trajano avisou porém Plínio para não aceitar acusações anônimas, “visto elas

constituírem um mau exemplo, e serem indignas do nosso tempo”. Plínio e Trajano

concordarem que qualquer pessoa que recusasse tal gesto de lealdade deveria ter crimes

sérios a esconder, em especial porque a penalidade para a recusa era a execução imediata.

Justino, um filósofo convertido ao cristianismo c.a. 150-155 d.C., escreveu

ousadamente ao imperados Antonino Pio e a seu filho, o futuro imperador Marco Aurélio,

ao qual se dirigia enquanto colega filósofo e “amante do conhecimento”, para protestar

contra a injustiça a que estavam sujeitos os cristãos na cortes imperiais.

Justino relata um caso recente passado em Roma: uma mulher que havia participado

com o marido e os servos do casal em diversas formas de atividade sexual, regadas a

vinho, ela, porém converteu-se ao cristianismo através da influência do seu mestre

Ptolomeu, e recusando-se subseqüentemente a participar nesse tipo de atividades. Os sue

amigos, esperando algum tipo de reconciliação, persuadiram-na a não procurar divorciar-

se. Mas quando ela soube que, numa viagem a Alexandria no Egito, o marido se

comportara de forma mais flagrante do que nunca, iniciou um processo de divórcio e

deixou-o. O marido, ultrajado, apresentou imediatamente uma queixa judicial contra a

mulher, “afirmando que ela era um cristão”. Ao ser deferida uma petição desta para adiar o

julgamento, o marido atacou o seu mestre de cristianismo. O juiz Urbico, ouvindo a

acusação, fez uma única pergunta a Ptolomeu: Era cristão? Quando reconheceu, Urbico

sentenciou-o imediatamente à morte. Ouvindo esta ordem, um homem na sala de

audiências chamado Lúcias desafiou o juiz:

“Qual é o fim deste julgamento? Por que motivo castigastes este homem, que não é

adultero, nem fornicador, nem gatuno, nem ladrão, nem foi condenado por qualquer tipo

de crime, sendo sim alguém que apenas confessou ser chamado pelo nome de cristão? O

vosso julgamento, Urbico, não enaltece o Imperador Pio, nem o filósofo, o filho de César

Marco Aurélio, nem o sagrado Senado.

Justino, II Apologia 2.

Urbico replicou apenas, ”Pareceis ser um deles”. E quando Lúcias disse, “Sou-o, de

fato”, Urbico condenou-o – e a uma segunda pessoa que se manifestara no público – a

seguirem Ptolomeu na morte.

Recontando esta estória, Justino assinala que qualquer pessoa pode usar a acusação

de cristianismo para resolver todo o tipo de questões pessoais contra um cristão: “Também

eu espero, pois, que contra mim conspirem e me crucifiquem” – talvez, acrescenta, um dos

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Organizado por Eliezer Lucena 92

seus rivais profissionais, o filosofo cínico chamado Crescens. E Justino estava certo; foi

aparentemente a acusação de Crescens que conduziu à sua prisão, julgamento e

condenação em 165 d. C. O julgamento foi conduzido por Rústico, um amigo pessoal de

Marco Aurélio (que, por essa altura, sucedera ao pai como imperador), o qual ordenou a

execução de Justino juntamente com o grupo completo dos seus estudantes e discípulos,

cujo crime era aprenderem filosofia cristã com ele Justino. O registro do julgamento revela

que Rústico perguntou a Justino:

“Onde vos reunis? ... “Onde quer que seja da nossa preferência e oportuno”, disse

Justino. “Seja como for, achais podemos reunir-nos todos no mesmo lugar? Não é assim;

para os cristãos, Deus não se circunscreve a um único lugar; invisível, ele enche os céus e

a terra, sendo adorado e glorificado por crentes em toda a parte.”

“Rústico o prefeito disse, “Dizei-me onde vos reunis? Onde juntais os vossos

discipulos?

“Justino disse, “Tenho vivido por cima dos banhos de um certo Martino, filho de

Timiotino, e durante a totalidade do período da minha estadia em Roma (e esta é a minha

segunda) não conheci outro local de reunião senão esse. Quem assim o desejasse podia

vir ao meu refúgio e eu transmitir-lhe-ia as palavras da verdade.”

O prefeito Rústicos disse, “Admitis, então ser um cristão?””Sou, sim,” disse

Justino.

O martírio dos Santos Justino, Chariton... e a sua comunidade. Recensão A, 3.

Rústico interrogou então Cariton, a mulher chamada Charito, Euelpistis, escravo da

corte imperial, Hierax, Liberiano e Peão – todos eles alunos de Justino. Todos declararam

ser cristãos. O relato prossegue:

“Bem,” disse o prefeito Rústico, “passemos então à questão em causa, uma matéria

necessária e premente. Concordai em oferecer sacrifício aos deuses”.

“Ninguém de espírito são”, disse Justino, “se voltaria da piedade para a impiedade”.

O prefeito Rústico disse, “Se não obedecerdes, sereis punidos sem dó”.

O martírio dos Santos Justino, Chariton... e a sua comunidade. Recensão A, 3.

Quando eles responderam:

“Fazei o que vos aprouver; somos cristãos, e não oferecemos sacrifícios a ídolos”

O martírio dos Santos Justino, Chariton... e a sua comunidade. Recensão A, 3.

Rústico sentenciou:

“Que aqueles que se recusarem sacrificar aos deuses e submeter-se ao édito do

imperador sejam levados para flagelação e decapitação de acordo com as leis”.

O martírio dos Santos Justino, Chariton... e a sua comunidade. Recensão A, 3.

Atendendo a este perigo, que procedimento deveria um cristão adotar? Deveria essa

pessoa, uma vez presa e acusada, confessar ser cristão, só para receber uma ordem de

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 93

execução: decapitação imediata caso fosse afortunada bastante para possuir cidadania

romana, como Justino e os seus companheiros, ou, para os não-cidadãos, tortura

prolongada como espetáculo numa arena desportiva pública? O u deveria essa pessoa

renegar e fazer o gesto simbólico de lealdade a Roma e aos imperadores adorando suas

estátuas – na intenção de mais tarde expiar a mentira?

Encarregados do desagradável dever de ordenar execuções por não conformidade,

os funcionários romanos tentaram amiúde persuadir os acusados a salvarem suas vidas.

Segundo relatos contemporâneos c.a. 165 d. C., após a detenção, pela policia, do idoso e

reverenciado bispo Policarpo de Esmirna na Ásia menor:

“O governador tentou persuadi-lo a renegar, dizendo, “Respeitai a vossa idade”, e

outras coisas similares que eles dizem em geral; Jurai pelo GENIUS Do imperador.

Renegai. Dizei, ‘Fora com os ateus!’ Policarpo, de semblante composto, olhou para a

turba de pagãos sem lei que enchiam o estádio... e disse, “Fora com os ateus!” O

governador persistiu e disse, “Blasfemai e deixar-vos-ei ir. Amaldiçoai a Cristo!” M as

Policarpo respondeu, “Fui seu servo durante oitenta e seis anos, nenhum mal ele me fez...

Se iludirdes a ponto de pensar que jurarei pelo GENIUS* do imperador, como dizeis, e se

pretendeis não saber quem eu sou, escutai e dir-vos-ei taxativamente: Eu sou cristão”.

O Martírio de São Policarpo 9-10. Mártires Cristãos 9-11.

*GENIUS era o nome dado ao deus criado pelos sacerdotes romanos de acordo com

a vontade do imperador, que era tido como um deus entre os cidadãos romanos.

“GENIUS” era tido como o espírito divino do próprio imperador. GÊNIUS foi criado

para atender às mais diversas situações do povo romano e principalmente para combater o

CHESTUS o Salvador dos cristãos. A cada um dos deuses romanos (Apolo, Afrodite,

Cibeles, Vesta, Vênus, etc.) lhe eram feitos, festivais, adorações anuais, mensais, semanais

etc., assim não era diferente com GENIUS.

Policarpo foi queimado vivo na arena pública.

Um relato proveniente do Norte da África c.a. 180 d.C. descreve a forma como o

prócônsul Saturnino, confrontado com nove homens e três mulheres acusados

publicamente de serem cristãos, se esforçou por salvar as suas vidas dizendo:

“Se regressardes aos vossos sentidos, podereis obter o perdão do nosso senhor o

imperador... Também nós somos um povo religioso, e a nossa religião é muito simples:

Juramos pelo GENIUS do nosso senhor o imperador e oferecemos preces pela sua saúde

– como vós deveis fazer também”.

Atos dos Mártires Cilitanos 1-3. Mártires Cristãos 86-87.

Confrontado pela resistência obstinada dos cristãos, Saturnino perguntou: “Não

desejais tempo para reconsiderar?” Esperato, um dos acusados respondeu: “Numa questão

como esta não é preciso tempo para reconsiderar”. Apesar disto, o prócônsul ordenou uma

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Organizado por Eliezer Lucena 94

prorrogação de trinta dias com as palavras: “Pensem nisso”. Mas trinta dias depois, após

haver interrogado os acusados, Saturnino foi forçado a dar a ordem:

“Atendendo ao que Esperato, Nazarlo, Citino, Donata, Véstia, Segunda e os outros

confessaram ter vivido de acordo com os ritos dos cristãos, e atendendo a que, muito

embora tenha sido oferecida a oportunidade de regressar aos usos romanos, eles

perseveraram na sua obstinação, são aqui condenados à execução pela espada”.

Atos dos Mártires Cilitanos 14. Mártires Cristãos 88-89.

Esperato disse: “Graças a Deus!” Nazarlo disse: “Hoje seremos mártires no céu.

Graças a Deus!”

Tal comportamento merecia o desdém do imperador estóico Marco Aurélio, que

desprezava os cristãos e os tinha como exibicionistas e transviados.

Para judeus e cristãos dos I e II séculos o termo “martus” ou “martyres” significava

Testemunhas, eles se consideravam então testemunhas do único e verdadeiro Deus e de

seu Messias que trouxera a salvação. Porém nem todos os cristãos elevavam a voz, muitos

no momento da decisão, faziam a escolha oposta, ou seja, nem todos estavam dispostos a

morrer pelo testemunho de Jesus, muitos negavam, outros simplesmente ficavam quietos e

mantinha sigilo quanto o ser cristão. Deste modo os crentes em Geral reverenciavam a

coragem daqueles que se entregavam e enfrentavam o Martírio pelo nome de Jesus, em

geral estes que enfrentavam o martírio eram aqueles que levantavam suas para protestar e

denunciar os abusos cometidos por Roma contra os cristãos essa classe de pessoas tão mau

vista e difamada na época.

A interpretação da morte e paixão de Cristo torna-se aqui o foco da controvérsia

sobre a questão prática do martírio, os ortodoxos afirmavam que assim como Cristo deu a

vida por nós era preciso que déssemos a vida por ele também. Diz-se que quando Inácio de

Antioquia foi preso e julgado, ele aceitou a sentença de morte com alegre exultação,

considerando-a a sua oportunidade de “Imitar a Paixão do meu Deus!”

Aqueles que, como Justino, se atrevia a protestar publicamente contra o tratamento

injusto recebido pelos cristãos nos tribunais tornavam-se a si próprios alvos prováveis da

ação da policia romana. Pois então agora, para aqueles que se viam apanhados em tal

situação a única escolha era simples: elevarem suas vozes, arriscando-se a prisão, tortura, a

um julgamento fútil, exílio, morte ou manterem-se em silencio e segurança. Os seus

companheiros crentes reverenciavam como confessores aqueles que elevavam suas\ vozes,

e apenas considerava como “Testemunhas” (Martyres) aqueles que sofriam de fato a morte

como conseqüência do seu testemunho.

Condenado a ser enviado da Síria para Roma a fim de ser morto por animais

selvagens no anfiteatro público, Inácio de Antioquia, acorrentado e fortemente guardado,

escreveu para os cristãos em Roma, suplicando-lhes que não intercedessem em seu favor:

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 95

“Escrevo a todas as igrejas para avisar formalmente todas as pessoas que eu estou

pronto para morrer voluntariamente por Deus, se vós não o impedirdes. Suplico-vos que

não me sejais uma “amarga amabilidade”. Deixai-me ser devorado pelos animais,

através dos quais posso atingir Deus. Eu sou o trigo de Deus, e serei moído pelos dentes

das feras selvagens, de modo a poder tornar-me o puro pão de Cristo... Façai-me este

favor... Deixai abater-se sobre mim o fogo, e a cruz, e deixai-me lutar com animais

selvagens, cortando e despedaçando, quebrando os ossos, mutilando os membros,

esmagando todo o meu corpo... se assim eu puder chegar a Jesus Cristo!”

Atos dos Mártires Cilitanos 4:1-5:3. Mártires Cristãos 86-87.

Para Inácio de Antioquia, que significado tem a paixão de Cristo? O bispo diz que:

“Em verdade Jesus Cristo ... foi perseguido sob Pôncio Pilatos, em verdade foi

crucificado e morreu.”

Inácio, Trálios 9.1.

Justino, a quem a tradição chama “o mártir”, declara que, antes da sua conversão,

quando era ainda filósofo platônico, testemunhou pessoalmente cristãos sofrendo tortura e

execução públicas. Segundo diz, a coragem destes convenceu-o de que eram divinamente

inspirados. Protestando contra a perseguição mundial de cristãos, menciona aqueles que

foram perseguidos na Palestina c.a. 135 d. C.:

“Como é evidente, ninguém pode aterrorizar ou submeter aqueles de nós que pelo

mundo afora acreditam em Jesus Cristo. Pois é evidente que apesar de sermos

decapitados, e crucificados, e atirados às feras selvagens, acorrentados, queimados, e

sofrermos todas as outras espécies de tortura, não abandonamos a nossa confissão; mas

quanto mais coisas dessas acontecem, tanto mais outras pessoas, em maior número, se

tornam crentes.”

Justino, Dialogo com Trifo 110:4.

Consistente com as suas convicções pessoais versando o martírio, e a corajosa

aceitação da sua sentença de morte, está o entendimento de Justino segundo o qual:

“Jesus Cristo, nosso mestre, que nasceu com este fim, foi crucificado sob Pôncio

Pilatos e morreu, e regressou à vida”.

Justino, I Apologia 13.

Irineu grande defensor da ortodoxia, à semelhança dos seus predecessores, um

homem cuja vida foi marcada pela perseguição. Ele menciona muitos que foram

martirizados em Roma, e experimentara pessoalmente a perda do seu querido mestre

POLICARPO, que foi apanhado por uma multidão em fúria, condenado e queimado vivo

entre os seus inimigos. Apenas doze anos mais tarde, no verão de 177, Irineu testemunhou

o crescer da hostilidade para com os cristãos na sua própria cidade, Lyon. Primeiro foram

impedidos de entrar nos lugares públicos – mercados e os banhos. Então, quando o

governador provincial saiu da cidade:

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 96

“A turba irrompeu à solta. Os cristãos foram abertamente perseguidos e atacados.

Foram tratados como inimigos públicos, assaltados, espancados e apedrejados.

Finalmente, foram arrastados para o Fórum... foram acusados e depois de confessarem

ser cristãos, foram atirados para a prisão.”

Martires de Lion 9, em Martires Cristãos 64-65.

Um amigo influente destes cristãos, Vécio Espágato, que tentou intervir no seu

julgamento, foi mandado calar aos berros:

“O prefeito limitou-se a perguntar se ele também era cristão. Quando, na sua voz

mais clara, admitiu que sim, O prefeito sentenciou-o à morte juntamente com os outros.

Os servos destes, torturados para se lhes extrair informações confessaram finalmente que,

como os romanos suspeitavam, os seus patrões cristãos cometiam atrocidades sexuais e

canibalismo.”

Martires de Lion 9, em Martires Cristãos 64-65.

Informa o relato de uma testemunha que esta evidencia virou a população contra os

cristãos:

“Estas estórias espalharam-se, e as pessoas enfureceram-se contra nós, de tal

forma que até aqueles cuja atitude fora anteriormente moderada, devido aos laços de

amizade que conosco mantinham, mostravam-se agora muito zangados e faziam-nos

caretas.”

Martires de Lion 9, em Martires Cristãos 66-67.

Todos os dias, novas vitimas eram feitas – os membros mais atuantes das igrejas de

Lyon ou da cidade vizinha de Vienne, no rio Rhône, a trinta quilômetros de distância -

eram presas e brutalmente torturadas na prisão enquanto aguardavam o dia da execução

em massa, marcado para o dia 1 de Agosto.

Aqui caberia uma pergunta crucial, Por que o mês de Agosto foi escolhido para tais

festividades e extermínio dos cristãos?

Agosto = Augustus Cesar, primeiro imperador romano responsável pelo império

romano ser o que foi depois dele. Este dia do mês de Augustus fora declarado feriado para

celebração da grandeza de Roma e do imperador Augustus Cesar. Era o dia perfeito 1 de

Augustus onde se celebraria e veneraria o GENIUS o espírito divino do imperador e a

grandeza de seu império. Nesta data Roma e o imperador não aceitariam rivais e

concorrentes.

*Agosto, do latim Augustus, é o oitavo mês do calendário gregoriano. É assim

chamado por decreto em honra do imperador César Augusto. Este não queria ficar atrás

de Júlio César, em honra de quem foi baptizado o mês de julho, e, portanto, quis que o

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 97

"seu" mês também tivesse 31 dias. Antes dessa mudança, agosto era denominado Sextilis

ou Sextil, visto que era o sexto mês no calendário de Rômulo (calendário romano).

Tais ocasiões requeriam que o governador alardeasse o seu patriotismo patrocinando

faustoso entretenimento público para toda a população da cidade. Estas obrigações

sobrecarregavam os funcionários provinciais com enormes despesas para a contratação de

gladiadores profissionais, jogadores de boxe, equipes de lutadores e espadachins. No ano

anterior, porém, o imperador e o Senado haviam promulgado uma lei destinada a

ultrapassar o custo dos espetáculos de gladiadores. Agora o governador podia substituí-los

legalmente por criminosos condenados que não gozassem de cidadania romana,

oferecendo o espetáculo da sua tortura e execução em vez de exibições atléticas,

caríssimas por sinal – ao custo de cinco áureos por cabeça, um décimo do custo da

contratação de um gladiador de quinta categoria, com poupanças promocionais para as

categorias superiores. Esta consideração estimulou indubitavelmente o zelo oficial contra

os cristãos, que podiam constituir como fizeram em Lyon, o entretenimento mais barato e

menos dispendioso para dias de feriados.

A estória de um dos confessores de Lyon, a escrava Blandina, ilustra muito bem o

ocorrido na época destes feriados:

“Todos nós estávamos possuídos de terror; e a patroa terrena de Blandina,

encontrando-se ele própria entre os mártires do conflito, sentia-se agoniada com receio

de, em virtude da sua fraqueza corporal, ser incapaz de fazer uma ousada confissão da

sua fé. Blandina estava porém possuída de tal força que até aqueles que todos os dias, da

alvorada ao escurecer, se revezavam para torturá-la estavam fartos e exaustos. Eles

próprios admitiam a sua derrota, pois nada havia que pudessem fazer-lhe, e muito

perplexos estavam por ela respirar ainda, pois todod o seu corpo estava quebrado e

retorcido”. Martires de Lion 9, em Martires Cristãos 67-81.

No dia estabelecido para os jogos de gladiadores, Blandina e três companheiros

seus, Maturo, Santo e Atalo, foram conduzidos ao anfiteatro:

“Blandina foi pendurada num poste e exposta como isca aos animais selvagens que

foram largados sobre ela. A sua posição lembrava a forma de uma cruz, e através da sua

prece fervente suscitou entusiasmo intenso entre aqueles que estavam a ser supliciados...

Mas como nenhum dos animais lhe tocou, foi baixada do poste e conduzida de novo à

prisão para ser preservada para outro padecimento... por mais pequena, fraca e

insignificante que ela fosse, ela estava decidida a inspirar os seus irmãos... Finalmente,

no último dia dos jogos de gladiadores, Blandina foi trazida de novo, desta vez

acompanhada por um rapaz de quinze anos chamado Pôntico. Traziam-nos todos os dias

para fazerem observar a tortura dos outros, enquanto tentavam persuadi-los a jurar pelos

deuses de Roma. E porque perseveraram e condenaram os seus perseguidores, a multidão

enfureceu-se com eles, de forma que... os sujeitaram a todas as atrocidades e os fizeram

passar sucessivamente por todas as torturas”. Martires de Lion 9, em Martires Cristãos

67-81.

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 98

Após ter sido chicoteado repetidamente, maltratado por animais, forçado a sentar-se

numa tampa de ferro colocada sobre uma fogueira para carbonizar a sua carne, Pôntico

morreu. Blandina tendo sobrevivido às mesmas torturas:

“Acabou por ser atirada para uma rede e deixada à mercê de um touro. Após

diversas investidas do animal contra Blandina, ela perdeu a consciência do que se estava

a passar... Assim também ela foi oferecida em sacrifício, enquanto os próprios pagãos

admitiam que, na sua experiência, jamais mulher alguma sofrera tanto”. Martires de

Lion 9, em Martires Cristãos 67-81.

O convertido africano Tertuliano, que viveu na cidade de Cartago, no Norte da

África, por volta do ano 190, reconheceu que o movimento cristão estava atraindo um

grande número de novos membros e que os leigos ficaram alarmados com isto. Tertuliano

ridicularizou a maioria não-cristã pelas suspeitas desvairadas e denunciou os magistrados

por acreditarem nelas:

“Chamam-nos de monstros do mal e acusam-nos de praticar um ritual sagrado em

que matamos uma criança pequena e a comemos; depois do banquete, praticamos incesto,

enquanto cães derrubam as luzes e nos dão a escuridão desavergonhada para

gratificarmos nossa luxúria. Essa é a constante acusação das pessoas, mas os senhores

não se dão ao trabalho de descobrir a verdade... Os senhores pensam que os cristãos são

capazes de praticar todos os crimes – um inimigo dos deuses, do imperador, das leis, da

boa moral, de toda a natureza.” Tertuliano – Apologética II.

Tertuliano angustiava-se muito com o fato de no império inteiro, da áfrica à Itália,

Espanha, Egito, e Ásia Menor, bem como nas províncias da Alemanha à Gália, os cristãos

terem se tornado alvo de surtos de violência. Os magistrados romanos costumavam ignorar

estes incidentes e às vezes até participavam deles. Na cidade de Esmirna, na costa da

ÁSIA Menor, por exemplo, aos brados de “PEGUEM OS ATEUS!”, multidões lincharam

o convertido Germanicus e exigiram, com êxito, que as autoridades prendessem e

matassem imediatamente o eminente bispo Policarpo.

O martírio de São Cipriano

Teria sido muito útil e edificante conhecer as atas dos processos dos mártires

Ponciano, Fabiano, Cornélio, Sisto II, Eusébio, Cecília... Infelizmente os arquivos da

Igreja de Roma foram destruídos durante a tremenda perseguição de Diocleciano. Foram-

nos, porém, transmitidas as atas do processo de São Cipriano. As "Atas" eram lidas nas

comunidades cristãs em louvor do Mártir e para tirar forças no momento da prova.

Podemos crer, então, que as atas do processo dos Mártires citados acima, fossem escritos

mais ou menos na mesma forma.

Cartago, 14 de setembro de 258.

"Pela manhã de 14 de setembro uma grande multidão tinha-se reunido em Sesti, conforme

o que ordenara o procônsul Galério Máximo. E assim, o mesmo procônsul Galério

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 99

Máximo ordenou que fosse trazido Cipriano à audiência que mantinha no mesmo dia no

átrio Sauciolo. Quando ele apresentou-se, o procônsul Galério Máximo disse ao bispo

Cipriano:

“ És Tascio Cipriano? O bispo Cipriano respondeu: “Sim, sou eu.” O procônsul Galério

Máximo disse: “És tu que te apresentaste como chefe de uma seita sacrílega?” O bispo

Cipriano respondeu: “Sou eu.” Galério Máximo disse: “Os santíssimos imperadores

ordenam-te que sacrifiques.” O bispo Cipriano disse: “Não o faço.” O procônsul

Galério Máximo disse: “Reflete bem.” O bispo Cipriano disse: “Faz o que te

ordenaram. Não há o que refletir numa coisa tão justa.”

Galério Máximo, depois de ter conferido com o colégio dos magistrados, com dificuldade

e contra a vontade, pronunciou a sentença: "Viveste longamente de modo sacrílego e

agregaste muitíssimos à tua seita criminosa, e te fizeste inimigo dos deuses romanos e de

seus sagrados rituais. Os piedosos e santíssimos imperadores Valeriano e Galieno

Augustos e Valeriano nobilíssimo César não conseguiram reconduzir-te à observância de

suas cerimônias religiosas. E, por isso, a partir do momento que te tornaste autor e

instigador dos piores crimes, serás tu mesmo de exemplo àqueles que associaste às tuas

ações criminosas. Com o teu sangue será sancionado o respeito às leis". Ditas essas

palavras, leu em voz alta o decreto escrito numa tabuinha: "Ordeno, Tascio Cipriano, que

sejas punido com a decapitação". Após a sentença a multidão dos irmãos (os cristãos)

dizia: "Nós também queremos ser decapitados juntamente com ele". Surgiu, por isso, uma

grande agitação entre os irmãos e muita gente seguiu-o. E assim Cipriano foi levado ao

campo de Sesti, e ali despojou-se do manto e do capuz, ajoelhou-se por terra e prostrou-se

em oração ao Senhor. Tirou em seguida a dalmática (uma sobreveste) e entregou-a aos

diáconos, ficando apenas com a túnica de linho, e assim permaneceu à espera do

carnífice. Quando este chegou, o bispo ordenou aos seus que lhe dessem vinte e cinco

moedas de ouro. Entretanto os irmãos estendiam diante dele pedaços de tecido e lenços

(para recolher o sangue como relíquia). Depois o grande Cipriano vendou com as

próprias mãos os olhos, mas como não conseguisse amarrar as pontas do lenço, o

presbítero Juliano e o subdiácono Juliano vieram ajudá-lo. Assim o bispo Cipriano

padeceu o martírio e o seu corpo, por causa da curiosidade dos pagãos, foi deposto num

lugar próximo onde pudesse ser subtraído ao olhar indiscreto dos pagãos. À noite, foi

tirado de lá e levado embora com fachos e tochas acesas e acompanhado até o cemitério

do procurador Macróbio Candidiano localizado na via das Campanas perto das piscinas.

Poucos dias depois morreu o procônsul Galério Máximo. O santo bispo Cipriano padeceu

o martírio em 14 de setembro, sob os imperadores Valeriano e Galieno, reinando porém

nosso Senhor Jesus Cristo, a quem se dá honra e glória nos séculos dos séculos. Amém!"

(Das Atas Proconsulares, 3-6).

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O culto imperial e a perseguição aos cristãos

Organizado por Eliezer Lucena 100

Bibliografia:

1. O que Jesus disse? O que Jesus não disse? Bart D. Ehrman. Editota Prestigo/Ediouro

2. Verdades e mentira sobre o chamado Jesus. Aderbal Pacheco. Editora DPL.

3. A face oculta das religiões. José Reis Chaves. Editota Martin Claret.

4. O evangelho perdido de “Q” e as origens cristãs. Burton L. mack. Editota Imago.

5. Ditos primitivos de Jesus. Uma introdução ao ‘proto-evangelho de ditos”Q”. Santiago Guijarro

Oporto.

6. As várias faces de Jesus. Geza Vermes. Editora Record.

7. A paixão. Geza Vermes. Editora Record.

8. Natividade. Geza Vermes. Editora Record.

9. Quem é quem na época de Jesus. Geza Vermes. Editora Record.

10. O judaísmo e as origens do cristianismo III. David Flusser. Editora Imago.

11. Quem matou Jesus. John Dominic Crossan. Editora Imago.

12. A Dinastia de Jesus. James D. Tabor. Editora Ediouro.

13. A ultima semana. Markus Brog e John Dominic Crossan. Editora ...

14. Como ler os evangelhos. Felix Morach. Editora Paulus.

15. Cristo é a questão. Wayne Meeks. Editora Paulus.

16. Jesus: uma pequena biografia. Martin Forward. Editora Cultrix.

17. A odisséia dos essênios. Hugh Schonfield. Editora Mercuryo.

18. História dos Hebreus. Flavio Josefo. Editora CPAD.

19. Guerras Judaicas. Flavio Josefo. Editora Juruá.

20. História Eclesiástica. Eusébio de Cesáreia. Editora CPAD.

21. A Bíblia de Jerusalém. Editora Paulus.

22. Mussar Avicha - A ética dos pais, Rabino Ari Friedman, Editora Sefer.

23. A Ética do Sinai – ensinamentos dos sábios do Talmud. Irving M. Bunim. Editora Sefer.

24. O judaísmo e as origens do cristianismo I, II e III, David Flusser. Editora Imago.

25. Jesus dentro do judaísmo. J.H. Charlesworth. Editora Imago.

26. As intrigas em torno dos manuscritos do mar morto. Michael Baigent e Richard Leigh. Editora

Imago.

27. Para compreender os manuscritos do mar morto. Hershel Shanks. Editora Imago.

28. Quem escreveu OS manuscritos do mar morto. Norman Gold. Editora Imago.

29. O messias antes de Jesus. Israel Knohl. Editora Imago.

30. O mito cristão e os manuscritos do mar morto. John M. Allelgro. Publicações Europa América.

31. Introdução aos livros apócrifos e pseudoepígrafos do Antigo Testamento e aos manuscritos de

Qumran. L. Rost. Paulus Editora.

32. Apócrifos I, II, III, IV, os proscritos da Bíblia. Compilação e comentários por Maria Helena de

Oliveira Tricca. Editora Mercuryo.

33. O quinto evangelho de Tomé. Huberto Rohden. Editora Martin Claret.

34. O evangelho de Judas. Bart D. Ehrman.

35. Evangelhos Gnósticos. Elaine Pagels. Editora Objetiva.

36. Além de toda crença. Elaine Pagels. Editora Objetiva.

37. Evangelhos Gnósticos. Marcia Maia. Editora Mercuryo.

38. Heresia, o jogo de poder das seitas cristãs nos primeiros séculos depois de Cristo. Joan O’Grady.

Editora Mercuryo.

39. Nag Hammadi, Evangelho de Tomé, textos gnósticos e as origens do cristianismo. R.Kuntzmann e

J. D. Dubois. Paulus Editora.

40. Gnose. Philip Gardiner. Editora Pensamento.

41. O livro do Profeta Enoch I e II.

42. Textos de Qumran, Florentino, Editora Vozes.

43. Homens de Qumran, Florentino, Editora Vozes.

44. Os Manuscritos do Mar Morto, Geza Vermes, Editora Mercúryo.

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Organizado por Eliezer Lucena 101

45. Os Manuscritos de Qumran e o Novo Testamento, Gervásio F. Orrú, Edições Vida Nova.

46. Anjos e Messias, Luigi Schiavo, Edições Paulinas.

47. Os partidos religiosos hebraicos da época neotestamentária, Kurt Schubert, Edições Paulinas.

48. A comunidade de Qumran e A Igreja do Novo Testamento, Karl Hermann Schelkle, Edições

Paulinas.

49. Os manuscritos do mar morto, Edmund Wilson, Companhia das Letras.

50. 101 Perguntas sobre os manuscritos do mar morto, Joseph A. Fitzmyer, SJ, Edições Loyola.

51. Guerra dos Judeus, Livro II. Flávio Josefo. Editora Juruá.

52. História dos Hebreus de Flávio Josefo. Editora CPAD.

53. História Eclesiástica de Eusébio de Cesareia. Editora CPAD.

54. A torah Oral dos Fariseus. P. Lenhardt e M. Collin. Paulus Editora.

55. Sábios Fariseus, reparar uma injustiça. Evaristo E. de Miranda e José M. Schorr Malca

56. Da religião bíblica ao judaísmo rabínico. Donizate Scardelai. Paulus Editora.

57. K.BAUS Le origini, Jaca Book;

58. F. RUGGIERO La Follia dei Cristiani, Il Seggiatore;

59. T. BOSCO, Eusebio di Vercelli nel suo tempo pagano e cristiano, Elle Di Ci;

60. J. DANIELOU, H. MORROU, Dalle origini a S. Gregorio Magno, Marietti;

61. M. CLEVENOT, Gli uomini della fraternità, 1-2, Borla. Dimensioni nuove, LDC, 10096 Leumann,

Torino, N.7, 1996, p.29-39