o conto da mulher brasileira

3
O CONTO DA MULHER BRASILEIRA AUTORA (Organização) Edla van Steen nasceu em Florianópolis, Santa Catarina, em 1936. Seu pai era belga e cônsul-honorário naquela cidade. Tem 25 livros publicados, entre contos, romances, entrevistas, peças de teatro, livros de arte. A escritora é casada com o historiador e crítico teatral Sábato Magaldi. CARACTERÍSTICAS DO LIVRO O CONTO DA MULHER BRASILEIRA é uma antologia publicada em 1978 composta por 19 contos de autoras importantes da Literatura Brasileira. Há uma evidente tentativa de melhor compreender a crise de mutação que as relações HOMEM-MULHER-MUNDO vêm conhecendo em nosso tempo. Os textos, marcados por uma subjetividade profunda, têm uma atmosfera intimista realçada pelas narrativas em primeira pessoa com protagonistas femininas. O desencanto, a desesperança, a existência sem sentido predominam nesses textos. A mulher preparada para o amor, a comunicação essencial e, ao fim, prisioneira da solidão. É o chamado niilismo (nihil, em latim, que significa nada) A desilusão amorosa, a frustração existencial, provocada pela relação entre homens e mulheres, é um tema comum a 13 dos 19 contos do livro. A presença do Realismo Fantástico e de tomadas cinematográficas que lembram Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, revela situações de opressão e sofrimento existencial. A influência de Machado de Assis surge ainda na ausência de linearidade, no monólogo interior e na intertextualidade. O padrão de mulher romântica e idealizada é questionado pelos contos da antologia. Daí o conflito constante com uma sociedade ainda patriarcal. A volta à infância reflete a busca do auto-conhecimento. Há, também, uma evidente dificuldade de comunicação própria da condição feminina numa sociedade reprimida. Daí certa indefinição e mistério na escrita. COMENTÁRIOS SOBRE ALGUNS CONTOS (a partir das observações de Nelly Novaes Coelho). HD 41 – Anna Maria Martins. O executivo Horácio Dias é bem sucedido profissionalmente e mulherengo. Casado, mantém a mulher cuidando dos filhos e lendo romances. Ele não consegue a união essencial com a mulher e com o mundo: é uma máquina consumista, vazio e egoísta. O PIANO – Cristina de Queirós. Texto em primeira pessoa em que uma mulher casada apresenta seu casamento com Fernando como uma fraude, uma encenação. É um conto catártico em que a narradora se reconhece um objeto alheio e imita a amiga Neuza que toca piano e satisfaz o papel de esposa bem comportada. PORT MORESBY – Dinah Silveira de Queirós. Dorothy é uma mulher de classe média alta. Inútil, fica indignada ao saber por uma manchete, que uma

Upload: marcelo-maciel-de-almeida

Post on 29-Jun-2015

1.394 views

Category:

Documents


98 download

DESCRIPTION

Organizado por Edla van Steen, O Conto da mulher brasileira foi uma das obras exigidas pelo vestibular da Universidade de Uberaba. Neste documento em pdf, dados da autora e pequena análise da obra. Documento disponível em www.logoscolegio.com.br/.../download.asp?...O_CONTO_DA%20MULHER _BRASILEIRA.pdf.../o_conto_da%20mulher_brasileira.pdf

TRANSCRIPT

Page 1: O Conto Da Mulher Brasileira

O CONTO DA MULHER BRASILEIRA

AUTORA (Organização) • Edla van Steen nasceu em Florianópolis, Santa Catarina, em 1936.

Seu pai era belga e cônsul-honorário naquela cidade. • Tem 25 livros publicados, entre contos, romances, entrevistas, peças de teatro,

livros de arte. A escritora é casada com o historiador e crítico teatral Sábato Magaldi.

CARACTERÍSTICAS DO LIVRO

• O CONTO DA MULHER BRASILEIRA é uma antologia publicada em 1978 composta por 19 contos de autoras importantes da Literatura Brasileira.

• Há uma evidente tentativa de melhor compreender a crise de mutação que as relações HOMEM-MULHER-MUNDO vêm conhecendo em nosso tempo.

• Os textos, marcados por uma subjetividade profunda, têm uma atmosfera intimista realçada pelas narrativas em primeira pessoa com protagonistas femininas.

• O desencanto, a desesperança, a existência sem sentido predominam nesses textos. A mulher preparada para o amor, a comunicação essencial e, ao fim, prisioneira da solidão. É o chamado niilismo (nihil, em latim, que significa nada)

• A desilusão amorosa, a frustração existencial, provocada pela relação entre homens e mulheres, é um tema comum a 13 dos 19 contos do livro.

• A presença do Realismo Fantástico e de tomadas cinematográficas que lembram Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, revela situações de opressão e sofrimento existencial.

• A influência de Machado de Assis surge ainda na ausência de linearidade, no monólogo interior e na intertextualidade.

• O padrão de mulher romântica e idealizada é questionado pelos contos da antologia. Daí o conflito constante com uma sociedade ainda patriarcal.

• A volta à infância reflete a busca do auto-conhecimento. Há, também, uma evidente dificuldade de comunicação própria da condição feminina numa sociedade reprimida. Daí certa indefinição e mistério na escrita.

COMENTÁRIOS SOBRE ALGUNS CONTOS (a partir das observações de Nelly Novaes Coelho).

• HD 41 – Anna Maria Martins. O executivo Horácio Dias é bem sucedido profissionalmente e mulherengo. Casado, mantém a mulher cuidando dos filhos e lendo romances. Ele não consegue a união essencial com a mulher e com o mundo: é uma máquina consumista, vazio e egoísta.

• O PIANO – Cristina de Queirós. Texto em primeira pessoa em que uma mulher casada apresenta seu casamento com Fernando como uma fraude, uma encenação. É um conto catártico em que a narradora se reconhece um objeto alheio e imita a amiga Neuza que toca piano e satisfaz o papel de esposa bem comportada.

• PORT MORESBY – Dinah Silveira de Queirós. Dorothy é uma mulher de classe média alta. Inútil, fica indignada ao saber por uma manchete, que uma

Page 2: O Conto Da Mulher Brasileira

mulher em Port Moresby – Golfo Papua, no Pacífico – fora vendida por 100 bois, duzentas sacas de café e 50 cabras. Numa festa, Dorothy imagina que um colunista social poderia ajudá-la numa cruzada contra essa barbaridade e deixa-se beijar por ele. Nada sai no jornal. Fica evidente que as mulheres da elite paulistana também são vendáveis.

• OS MORTOS NÃO TÊM DESEJOS – Roteiro de uma vida inútil – Edla van Steen. Heloísa, a narradora, assiste ao seu próprio enterro (morrera num acidente automobilístico). Casada com Marcos, com quem tem um filho, não acontece na sua plenitude porque não é valorizada pelo marido. Apesar de pintar quadros – uma atividade criativa – o marido não dá importância a isso. A vida não correspondeu às suas expectativas.

• AIDA AROUCHE MAGNOCAVALLO – Helena Silveira. O conto é narrado em terceira pessoa e traz uma protagonista com nome estranho (Magnocavallo) de origem italiana. Isso nos dá o assunto do texto: o preconceito social. A elite paulistana dos anos ’30 não aceitava os imigrantes italianos e a garota sofria num colégio tradicional de freiras. A moça não se casa, padece de solidão e não se realiza no amor.

• LUCAS, NAIM – Hilda Hilst. O narrador, Lucas, confunde-se com a própria linguagem (eu corpo palavra, sangue emoção sufixo) e traz os temas da velhice e da homossexualidade. Lucas dirige-se ao receptor mudo Naim num relacionamento duplo que sugere a busca da identidade no outro. Naim é o nome da cidade onde Cristo ressuscitou o filho de uma viúva. No final, o narrador se mata pulando por uma janela.

• A SRA. BÜCHERN EM LEBENSWALD – Judith Grossmann. Texto em terceira pessoa sobre a vida da Sra. Büchern que cuida de rapaz natimorto que no final a repudia. Quando se prepara para deixar a cidade, encontra-se com o único moço vivo do lugar. Os rapazes são alegorias da morte e da vida e a mulher uma metáfora do sacrifício feminino.

• CURRICULUM VITAE – Julieta de Godoy Ladeira. Monólogo irônico em que há o questionamento do Curriculum Vitae como instrumento de avaliação da pessoa. É a crítica à sociedade que dá mais valor às aparências e as pessoas são transformadas em rótulos. O narrador conta, também, sua vida a partir da memória: trabalho, emprego, propostas de casamento, apartamento, carro.

• AS FORMIGAS – Lygia Fagundes Telles. Duas universitárias pobres morando no sótão de uma pensão. Anteriormente ocupado por um estudante de medicina, o lugar esconde uma caixa com ossos de anão. Narrado em primeira pessoa pela estudante de Direito, o texto mostra as moças observando formigas montando o esqueleto do anão e, em seguida, fugindo da pensão.

• RELATÓRIO FINAL – Márcia Denser. Relatório em primeira pessoa datado em 30-12-1977. Uma jornalista ‘caçadora’ de homens narra uma aventura etílica e sexual na antevéspera do natal. A anti-heroína simboliza a consciência de que as mulheres vivem uma crise de re-conhecimento, da imagem que ela deve ter dela própria, em substituição à que a Tradição lhe oferece como única e absoluta.

• LUAR NO BECO – Maria de Lourdes Teixeira. Texto em terceira pessoa contando a história de Tereza que mora num beco com a mãe imbecilizada. Ela deseja a realização no amor, mas não consegue. O conto é dividido em duas partes: na primeira, o beco, espaço modificado pelo luar, onde a moça encontra um homem de cartola e casaca; na segunda parte, o espaço onde vive Virgolino com D. Antonia.

Page 3: O Conto Da Mulher Brasileira

• DIA 24, À NOITE – Myrian Campello. A protagonista relembra sua vida de casada num monólogo interior carregado de elementos míticos. O ex-marido, agora mergulhado no consumismo, ainda desperta paixão na narradora. O amor de Tristão e Isolda – ligados por um filtro amoroso – é o espelho imemorial desse relacionamento.

• A SAGRADA FAMÍLIA – Nélida Piñon. Texto em terceira pessoa sobre relações familiares e econômicas. A personagem tem paralisia nos membros inferiores. Ainda assim, casa-se com um primo por questões financeiras. Há críticas à sociedade patriarcal decadente.

• EM USO – Rachel Jardim. Narrativa em terceira pessoa sobre uma mulher de 50 anos que já estava sem homem há um ano e não queria saber de um. A narrativa termina com a passagem para a primeira pessoa quando a protagonista salta de um edifício num gesto altamente belo e positivo.

• CORDÉLIA, A CAÇADORA – Sonia Coutinho. Conto com foco narrativo ora em primeira ora em segunda pessoa: ‘Cordélia, você não era mais nenhuma criança’; ‘nenhum me propôs casamento’. O texto registra o desequilíbrio vivido por mulheres que oscilam entre uma imagem tradicional dada como superada e uma imagem moderna ainda não compreendida em sua essência.

• A PORCA – Tânia Jamardo Faillace. O texto inicia-se com ‘era uma vez’, tem um menino como protagonista e é ambientado na zona rural. O garoto identifica sua família como suínos. No final, uma vizinha mata a porca, que esguicha água e sangue. O garoto tem a experiência da vida e da morte.

• K de know-how – Vilma Arêas. A narrativa em terceira pessoa é um conjunto de fragmentos sobre mulheres italianas, casamento, mãos bolinando seios sobre a blusa. Não se sabe o que entrava pelo banheiro, quem estava hospitalizado nem quem está nos álbuns.

• A MELHOR COISA DO MUNDO – Vivina de Assis Viana. O conto registra a evolução de uma adolescente dos anos 50 à mulher madura dos anos 70. Estruturado em primeira pessoa, a protagonista afirma que ‘a melhor coisa do mundo’ é ter dezoito anos e fazer planos. Aos 35, desiludida, não tem mais planos. Com linguagem telegráfica, o conto mostra a passagem da euforia à indiferença.

• A CURIOSA METAMORFOSE POP DO SENHOR PLÁCIDO – Zulmira Ribeiro Tavares. O Senhor Plácido, gerente de uma loja de eletrodoméstico, tem três coisas a fazer: ir à Bienal, ir ao enterro do amigo Tancredo Carvalho e comprar o penico para um exame de fezes. Com o penico rosa embrulhado, vai aos compromissos. O protagonista e o narrador vão associando palavras e idéias até que se obtém o produto do exame: o cocô. O texto é marcado pelo caráter grotesco e estruturado pelo processo de associações de áreas.