o conflito de jurisdições em caso de violação de direitos da personalidade por publicação na...

Upload: anonymous-lvc1hgphp3

Post on 26-Feb-2018

220 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/25/2019 o Conflito de Jurisdies Em Caso de Violao de Direitos Da Personalidade Por Publicao Na Internet

    1/14

    O CONFLITO DE JURISDIES EM CASO DE VIOLAO DEDIREITOS DA PERSONALIDADE POR PUBLICAO NA INTERNET

    CONFLICTS OF JURISDICTION REGARDING VIOLATION OF PERSONAL

    RIGHTS ON THE INTERNET

    Emlia Lana de Freitas CastroPatricia Pereira Winter*

    SUMRIO: Introduo. 1 A Internet e o Direito Internacional Privado. 2 A Defesa dos Direitos da Personalidade naInternet sob a tica do Direito Brasileiro. 3 A Defesa dos Direitos da Personalidade na Internet sob a tica do Direitoda Unio Europeia. 4 Anlise do Tema sob a Perspectiva do Direito Alemo. Consideraes finais. Referncias

    RESUMO: Este artigo tem por objetivo a abordagem dos critrios de definio da jurisdio internacional para aresoluo de controvrsias referentes violao de direitos da personalidade no espao ciberntico, diante da crescentenecessidade de proteo, no s da propriedade industrial e intelectual no ciberespao, como tambm da honra,intimidade e imagem, diariamente violadas na rede. Para tanto, relaciona-se o Direito Internacional Privado com o

    carter global da Internet e aprofundam-se os estudos a partir da anlise dos critrios definidores da competncia nosordenamentos jurdicos brasileiro, europeu e alemo.Palavras-Chave: Direito Internacional Privado. Conflito de jurisdies. Violao de direitos da personalidade naInternet. Direito Comparado.

    ABSTRACT: This article aims at analyzing the definition of international jurisdiction criteria for the resolution ofdisputes concerning the violation of personal rights in cyberspace, due to the increasing necessity to protect, not onlythe industrial and intellectual property in cyberspace, but also the honor, intimacy and image of people, which aredaily violated on the web. Therefore, this article relates Private International Law with the global aspect of the worldwide web. Furthermore, this research proposes an in depth analysis of the defining criteria for jurisdiction in the

    Brazilian, European and German legal systems.Keywords: Private International Law. International jurisdiction. Violation of personal rights in cyberspace.Comparative Law.

    INTRODUO

    O presente trabalho chama a ateno ao impacto da natureza interativa eglobal da Internet sobre o aparecimento e o alcance de atos ilcitos. A comunicaointerativa por meio de um stio web faz possvel o emprego deste meio no s paradifundir meras informaes como tambm para divulgar certas circunstncias pessoais, oque acaba por gerar casos de responsabilidade civil extracontratual. Ademais, o carteraberto e pblico da rede facilita a publicao de informaes por diversas pessoas. E,ainda, mesmo que o contedo seja removido do stio, h que se considerar que, em fraode segundos, outro usurio pode obter cpia do contedo imprprio divulgado,

    permitindo que se entre em um ciclo sem fim de publicaes e compartilhamentos. A

    descentralizao caracterstica da internet dificulta a atribuio de responsabilidade peloscontedos difundidos, gerando incertezas e dvidas a respeito da jurisdio competente

    para dirimir conflitos que envolvem diversos ordenamentos jurdicos, posto a dispersointernacional do contedo na rede mundial de computadores (ASENSIO, 2002, p. 532).

    Neste escrito, pretende-se abordar os diferentes critrios de definio da competncia

    Doutoranda pela Universidade de Hamburgo. Professora de Direito Internacional UERJ (2012-2014).Mestre em Direito Internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2014). Bacharel em Direito

    pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2011). Membro da Associao de Juristas Alemanha-Brasile da Association of International Petroleum Negotiators. Ex-Bolsista do Programa de Recursos Humanosn. 33, da Agncia Nacional do Petrleo. Editora Associada da Revista Brasileira de Direito do Petrleo,

    Gs e Energia. Atua na rea de Direito Internacional, com nfase nos seguintes temas: direito internacionaldos investimentos, comrcio internacional, direito do petrleo & gs. Advogada.Graduanda em Direito (UERJ). Monitora da Disciplina Direito Internacional Privado I.

  • 7/25/2019 o Conflito de Jurisdies Em Caso de Violao de Direitos Da Personalidade Por Publicao Na Internet

    2/14

    internacional para a soluo das controvrsias envolvendo a violao dos direitos dapersonalidade por meio da Internet. Em um primeiro ponto, relaciona-se o carter globalda Internet com o Direito Internacional Privado. Posteriormente, so apresentados eanalisados os critrios definidores da competncia no contexto dos direitos brasileiro,europeu e alemo.

    1 A INTERNET E O DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

    AInter Communication Network(Internet) constitui um dos fenmenos maisimportantes do fim do sculo XX. Sua concepo data do fim dos anos sessenta do sculo

    passado, no contexto da Guerra Fria, e suas origens guardam relao com aspectoseconmicos e tecnolgicos. A rede mundial de computadores permite a comunicaoentre pessoas dos mais diversos e longnquos locais do Globo por meio da troca demensagens, de arquivos de dados e de imagens (COSTA, 2008, p. 13). Esse intercmbiode informaes ocorre virtualmente e em tempo real, com base em um sistema que ofereceampla variedade de recursos e de servios.

    Em um primeiro momento, a possibilidade de se ter acesso a todo tipopossvel de informao e comunicao ou a qualquer forma de ferramenta de busca causaem muitos admirao. Entretanto, o receio a respeito de seu uso tambm grande,considerando que o uso da Internet pode parecer, primeira vista, desprovido de qualquercontrole regulador por parte do Estado.

    Ainda assim, transaes comerciais e bancrias constituem parte considerveldas movimentaes via web. Segundo dados da Federao Brasileira de Bancos(FEBRABAN, 2013. p. 29.), no ano de 2013 as operaes em internet banking atingiram41% das transaes do setor bancrio brasileiro, quase o dobro de operaes realizadas

    por ATMs (23%) e quatro vezes maior do que aquelas realizadas em agncias (10%).Ainda, para ilustrar esse panorama de multiconexes, informa a ONU (2014, p. 54)emseu Relatrio sobre os indicadores de desenvolvimento mundial de 2014 que a quantidadede usurios da Internet continua crescendo rapidamente. Estima-se que, ao final de 2014,cerca de trs bilhes de pessoas (ou seja, 40% da populao mundial) j faam uso deservios on line.

    Em meio a esse grande fluxo na rede, inevitvel que conflitos jurdicossurjam. O combate a esses dissdios deve ser to gil quanto as relaes e tratativas quese do via web. Coibir prticas abusivas e delituosas na Internet, sem prejuzo doequilbrio e eficincia do sistema, um desafio (VANCIM, 2011, p. 22). Tais conflitosno se encontram somente no contexto dos contratos eletrnicos ou no que diz respeitoao registro de nomes de domnios; a rede mundial de computadores palco tambm paraa prtica de diversos crimes. Ademais, no espao ciberntico preciso que haja proteono s propriedade industrial e intelectual, na maioria das vezes garantidas por clusulasexpressas, mas tambm a direitos com origem na responsabilidade civil extracontratual.A honra, a intimidade e a imagem so diariamente violadas na rede: vdeos, fotos, dadosem geral so por vezes disponibilizados e disseminados no mundo virtual sem oconsentimento ou autorizao legal do indivduo em questo. A proteo intimidade o ponto central do presente trabalho e, antes de abordar diretamente o tema, necessrioestabelecer a relao entre o Direito da Internet e o Direito Internacional Privado.

    Ao considerarmos a concepo francesa acerca dos objetos do DireitoInternacional Privado, entende-se que quatro matrias distintas compem este ramo doDireito: a nacionalidade; a condio jurdica do estrangeiro; o conflito das leis e o conflito

    de jurisdies (DOLINGER, 2011, p. 19). Tomando em conta, ento, o carter pblico,porm no regulado, do espao ciberntico, surge a dvida a respeito de qual lei deveria

  • 7/25/2019 o Conflito de Jurisdies Em Caso de Violao de Direitos Da Personalidade Por Publicao Na Internet

    3/14

    ser aplicada em casos de litgios envolvendo violao aos direitos da personalidade. Damesma forma, questiona-se qual a jurisdio competente para dirimir esses conflitos

    privados que ultrapassam as fronteiras do tempo e do espao. Isso porque a velha noode que o Estado exerce o seu poder exclusivo e supremo nos limites do seu territriotorna-se cada vez mais ultrapassada a partir do momento em que a globalizao, neste

    caso materializada no fenmeno da Internet, est a transformar o conceito tradicional desoberania, forando-nos a repensar as regras que determinam o exerccio da jurisdio doEstado em um determinado territrio (COSTA, 2008, p. 31).

    A internet torna mais difcil o controle regulador fsico do Estado, em razo

    da ausncia de fronteiras(COSTA, 2008, p. 32). Com poucas barreiras de entrada e combaixo custo, possvel que um cidado acesse, em qualquer lugar do mundo, os maisvariados tipos de informaes. Ao se fazer uso da Internet, o indivduo raramente expressamente informado sobre o fato de estar praticando atos sob as leis de outra

    jurisdio que no aquela em que est acessando os dados. Os efeitos reais do uso de umaferramenta virtual ocorrero em algum outro ponto (ou em diversos outros pontos) do

    planeta (COSTA, 2008, p. 32).

    Sob a perspectiva do Direito Internacional Privado clssico, para que sedetermine a jurisdio competente para os casos envolvendo a web, so utilizadoscritrios previstos - por exemplo - nas regras de conexo, que comportam algumascaractersticas. A primeira dessas caractersticas diz respeito ao fato de que esses critriosmostram uma vinculao objetiva ou territorial do problema a um Estado (local deexecuo de uma obrigao, lugar da celebrao de um contrato, nacionalidade oudomiclio das partes envolvidas, lugar onde se produz o dano, dentre outros). Outroaspecto diz respeito ao fato de que os critrios clssicos do Direito Internacional Privadoso rgidos e neutros, e fazem referncia a conceitos jurdicos definidos legalmente ou aeventos constatveis, tais como: o lugar de produo de um fato danoso, o local desituao dos bens, do domiclio do demandado, e outros. Outro problema enfrentado poresses critrios do Direito Internacional Privado corresponde ao carter genrico que eles

    possuem, de forma que definido o tribunal competente ou determinada a lei aplicvela uma quantidade grande de litgios, sem que haja distino a respeito de um casoconcreto (ROBERTO, 2010, p. 48). Importante notar, todavia, que hoje j se considera o

    princpio da proximidade como um contraponto ao carter rgido das regras de conflitos.Jacob DOLINGER (2009, pp. 145-146) da opinio de que, dentre as diversas regras deconexo previstas em inmeras legislaes, h aquelas que determinam a lei aplicvel

    para dirimir determinada controvrsia aquela lei que possui maior conexo e proximidadecom o caso ou com as partes nele envolvidas tal princpio concede ao DireitoInternacional Privado, hoje, mais flexibilidade no que diz respeito ao uso das regras de

    conflitos. Ainda assim, os critrios clssicos supracitados no tornam possvel aidentificao justa e adequada para a resoluo do conflito de leis e de jurisdiescausados pelas atividades globais e instantneas permitidas pelo sistema da Internet. Isso

    porque, devido ao alcance global dos problemas causados pela rede ciberntica, oscritrios clssicos no mais so eficazes para estabelecer com eficincia a vinculao dedeterminada relao ou de determinado ato a um Estado nacional. Como fazer uso da lexloci delicti se o local fsico dos atos no pode ser definido, porque h pluralidade de locaisonde o dano ocorreu? Como definir a lei aplicvel ao caso envolvendo a Internet, se umdos critrios de escolha da lei diz respeito ao stio de localizao fsica das coisas (lex rei

    sitae)? (ROBERTO, 2010, p. 49-50)

  • 7/25/2019 o Conflito de Jurisdies Em Caso de Violao de Direitos Da Personalidade Por Publicao Na Internet

    4/14

    Inexiste, at o presente momento, uma legislao internacional queregulamente a atuao no ciberespao1. Dessa forma, os cidados afetados pelasinformaes contidas em stios eletrnicos ou por relaes mantidas no ambiente virtualno podem ser tolhidos do direito de acesso justia para a anlise de eventuais danos ouameaas de leses decorrentes de direitos de privacidade, intimidade, consumidor, dentre

    outros(BRASIL, Superior Tribunal de Justia, Resp. 1168546/RJ, Relator: Min. LuisFelipe Salomo, 2011, p. 15).Os critrios de resoluo de conflitos de jurisdies queenvolvem atos ocorridos dentro do ciberespao so usados de maneiras diferentes pelosmais diversos ordenamentos jurdicos. A seguir, apresentamos as formas que alguns

    pases encontraram para resolver, nos casos envolvendo o dano transnacional ao direitoda personalidade, o conflito de jurisdies.

    2 A DEFESA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE NA INTERNET SOB ATICA DO DIREITO BRASILEIRO

    As regras para a determinao da jurisdio internacional no Direito

    Brasileiro esto previstas nos artigos 88 e 892 do Cdigo de Processo Civil (CPC)brasileiro. Ademais, a Lei de Introduo s Normas do Direito Brasileiro (BRASIL,Decreto-Lei n 4.657, 1942, p. 14084), em seu artigo 12, determina a competnciainternacional da autoridade judiciria brasileira, ampliada pelas previses j mencionadasdo Cdigo de Processo Civil. importante ressaltar que o artigo 88 e seus incisos (deaplicao no cumulativa) so normas de competncia concorrente da autoridade

    judiciria brasileira, isto , os casos em que se aplicam essas regras so casos em quetanto a autoridade judiciria brasileira, como a estrangeira podem julgar (BARBI, 1994,

    p. 241). Nesses casos, portanto, prevista a possibilidade de homologao de sentenaestrangeira, caso a controvrsia seja julgada por uma autoridade judiciria estrangeira. Jos casos de competncia exclusiva, cuja norma aplicvel est contida no artigo 89 eincisos do Cdigo de Processo Civil no preveem a possibilidade de reconhecimento ehomologao de sentena estrangeira (TORNAGHI, 1974, p. 307.).

    Vale lembrar que a prpria nomenclatura que o CPC utiliza comocompetncia internacional pode ser considerada atcnica3. Isso porque o termojurisdio determina o poder de julgar em abstrato, definindo que dada questo com

    1 necessrio reconhecer o esforo do legislador nacional em regular o ciberespao, notadamente com oMarco Civil da Internet, Lei n 12.965 de 2014. Ocorre que seu texto omisso quanto determinao da

    jurisdio, atendo-se apenas aplicao da legislao brasileira, em seu artigo 11: Em qualquer operaode coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicaes por

    provedores de conexo e de aplicaes de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em territrio

    nacional, devero ser obrigatoriamente respeitados a legislao brasileira e os direitos privacidade, proteo dos dados pessoais e ao sigilo das comunicaes privadas e dos registros. 1o O disposto no caput aplica-se aos dados coletados em territrio nacional e ao contedo dascomunicaes, desde que pelo menos um dos terminais esteja localizado no Brasil.2Art. 88. competente a autoridade judiciria brasileira quando:I - o ru, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigao;III - a ao se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.Pargrafo nico. Para o fim do disposto no noI, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurdica estrangeiraque aqui tiver agncia, filial ou sucursal.Art. 89. Compete autoridade judiciria brasileira, com excluso de qualquer outra:I - conhecer de aes relativas a imveis situados no Brasil;II - proceder a inventrio e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herana seja estrangeiro

    e tenha residido fora do territrio nacional.3Entretanto, o uso da expresso competncia foi consagrada pela doutrina e jurisprudncia, o que nos da liberdade de utiliz-la ao longo do presente texto.

  • 7/25/2019 o Conflito de Jurisdies Em Caso de Violao de Direitos Da Personalidade Por Publicao Na Internet

    5/14

    elementos de estraneidade pode ser julgada por um juiz nacional. A jurisdiointernacional define, portanto, se o Estado em questo tem poder para alcanar, com suasnormas, determinada hiptese; decorre da soberania do Estado, isto , trata-se deatribuio da soberania nacional. J a competncia internacional determina o poder ealcance dos rgos judiciais de um determinado Estado: permite-se, ento, identificar,

    dentro do ordenamento jurdico daquele Estado, qual o tribunal ou juiz competente paraa soluo do conflito com elemento de estraneidade. Nesse sentido, Gaetano MORELLI(1953, p. 87.) se manifesta:

    En efecto, las normas sobre la competencia internacional, como normaspertenecientes al ordenamiento jurdico de un determinado Estado, puedendeterminar y determinan los lmites de la jurisdiccin del Estado a cuyoordenamiento pertenecen; pero no determinan (ni podran hacerlo) los lmitesde la jurisdiccin de los Estados extranjeros, lmites que estn, por el contrario,exclusivamente fijados por los respectivos ordenamientos.

    Entende-se que, para os casos que envolvem danos transnacionais por meio

    da Internet, os tribunais brasileiros possuem competncia internacional concorrentequando ocorrer qualquer uma das hipteses do art. 88 do CPC (ROBERTO, 2010, p. 117).Dessa forma, quando o ru, independentemente de sua nacionalidade, estiverdomiciliado4no Brasil, ser competente para a soluo do conflito o juzo brasileiro, aindaque o websiteusado como veculo para ofender a honra de um indivduo (brasileiro ouestrangeiro) esteja hospedado no exterior (ROBERTO, 2010, p. 105).

    Os tribunais brasileiros tambm possuem a competncia internacionalconcorrente quando o evento danoso aos direitos da personalidade tiver ocorrido emterritrio brasileiro ou quando o ato ilcito tiver sido praticado no Brasil (art. 88, III, CPC).Wilson Furtado entende que: do teor do dispositivo depreende-se que tanto o lugar daao provocadora que determina a jurisdio (ato ilcito cometido) quanto os (sic) dos

    efeitos dela decorrentes (fato jurdico ocorrido) (ROBERTO, 2010, p. 109.). Umproblema que se vislumbra quanto interpretao do art. 88, III, CPC refere-se ao fato deque no h jurisprudncia suficiente que interprete a ideia de local da ao danosa no quediz respeito a ilcitos ocorridos no ciberespao.

    O nico caso em Tribunais Superiores que, at o presente momento, enfrentaa questo o Recurso Especial n. 1.168.547RJ. Nele, a questo principal relaciona-se possibilidade de pessoa fsica, com domiclio no Brasil, invocar a jurisdio brasileira,em caso envolvendo contrato de prestao de servio contendo clusula de foro naEspanha. Embora sejam abordados, no presente trabalho, danos que envolvemresponsabilidade extracontratual, entende-se como relevante a anlise do caso julgado

    pelo Superior Tribunal de Justia, principalmente porque a imputao de utilizao

    indevida da imagem da autora um posteriusem relao ao contato de prestao deservio. Ou seja, o direito de resguardo imagem e intimidade autnomo em relaoao pacto firmado, no sendo dele decorrente(BRASIL, STJ, Resp. 1168546/RJ, Relator:Min. Luis Felipe Salomo, 2011, p. 15-16).

    No caso em exame, a autora prestou servios como danarina e assistente dedireo em show tpico brasileiro para uma empresa espanhola, com apresentaesocorrendo na Europa e na frica. Meses aps a resciso do contrato, a autora visitou pormeio da internet o endereo eletrnico da empresa contratante e constatou que a pginacontinha montagens de imagens suas, recortadas de vrias fotografias dos shows nosquais havia trabalhado; alm de outras utilizadas para propaganda(BRASIL, STJ, Resp.

    4 Includos no rol tambm a residncia simples (art. 7, 8, LINDB) ou o local em que a pessoa seencontrar, caso no possua residncia habitual (art. 73, CC/02).

  • 7/25/2019 o Conflito de Jurisdies Em Caso de Violao de Direitos Da Personalidade Por Publicao Na Internet

    6/14

    1168546/RJ, Relator: Min. Luis Felipe Salomo, 2011, p. 4). A autora, ento, ajuizouao por reparao a danos materiais e morais, considerando que o contedo veiculadovia Internet estava acessvel mundialmente, sem sua autorizao.

    No caso em questo, o STJ considerou o local do acesso ao stio eletrnico:uma vez tenho sido acessado o stio no Brasil, considerou o ato ilcito como tendo sido

    praticado no Brasil, incluindo hiptese, portanto, do art. 88, III, do CPC:Quando a alegada atividade ilcita tiver sido praticada pela internet,independentemente de foro previsto no contrato de prestao de servio, aindaque no exterior, competente a autoridade judiciria brasileira caso acionada

    para dirimir o conflito, pois aqui tem domiclio a autora e o local onde houveacesso ao stio eletrnico onde a informao foi veiculada, interpretando-secomo ato praticado no Brasil, aplicando-se hiptese o disposto no artigo 88,III, do CPC (BRASIL, Superior Tribunal de Justia, Resp. 1168546/RJ,Relator: Min. Luis Felipe Salomo, 2011, p. 3).

    O voto do Relator considerou, ainda, que o efeito negativo que determinadoato ilcito causa ter maior repercusso na localidade em que residem e trabalham as

    pessoas prejudicadas: Assim, a demanda pode ser promovida no foro do local onde

    ocorreu o ato ou fato, ainda que a r seja pessoa jurdica, com sede em outro lugar, pois na localidade em que reside e trabalha a pessoa prejudicada que o evento negativo termaior repercusso (BRASIL, STJ, Resp. 1168546/RJ, Relator: Min. Luis FelipeSalomo, 2011, p. 11).

    Vale notar que o critrio de definio da competncia com base nos efeitosnegativos do dano no principal centro de atuaes da vtima foi considerado em umadeciso do Tribunal de Justia do Paran (BRASIL, STJ, Resp. 1168546/RJ, Relator:Min. Luis Felipe Salomo, 2011, p. 12).:

    Ademais, a prtica do ilcito em discusso exige uma srie deprocedimentos para a consumao do ato, no sendo o primeiro deles,o de redigir, e nem o segundo, o envio pela internet, vez que pode nemchegar ao destinatrio, os que efetivamente causam os eventuais danosmorais e materiais, mas sim a cincia da divulgao pelo ofendido,porquanto a partir desse momento os reflexos da ofensa, em forma dedano, se fazem sentir. Portanto, se lugar do ato todo aquele ondeacontecer pelo menos parte dele e ele se deu em vrios lugares podendoqualquer deles ser considerado competente, parece razovel admitir-secomo competente aquele onde a vtima dele tomou conhecimento e estepassou a produzir reflexos danosos na sua esfera de atuao,justificando-se, assim, plenamente a escolha pela agravada do foro do

    seu domiclio como competente para o julgamento da respectiva ao dereparao de dano.

    Ainda que no se relacione a casos envolvendo divulgao pela Internet, valecolacionar deciso do Superior Tribunal de Justia que considerou o foro competenterelativo ao caso envolvendo publicao de matria ofensiva em revista de bordo decompanhia area como o foro em que a revista circulou (logo, do local do ato ou fato),seguindo-se o mesmo entendimento no que se refere a jornais ou revistas de circulaonacional ou internacional. Dessa forma, permitiu-se vtima que fosse escolhido o forodo Rio de Janeiro, seu domiclio, por ser o foro que mais a ela se relacionava (ROBERTO,2010, p. 114):

    Em casos nos quais a circulao ampliada para outras cidades diferentesdaquela em que o jornal editado, no possvel limitar o lugar do ato ou fato

  • 7/25/2019 o Conflito de Jurisdies Em Caso de Violao de Direitos Da Personalidade Por Publicao Na Internet

    7/14

    ao local da edio. O dano ocorre, efetivamente, no lugar da circulao,alcanada, assim, a regra do art. 100, V, a), do Cdigo de Processo Civil. E no

    poderia ser de outro modo na medida em que o dano ocorre, nestes casos, emdecorrncia da circulao. Assim, o ato ou fato se deu em vrios lugares,autorizada a vtima a ajuizar a ao de reparao no foro correspondente ao dacirculao, local de seu domiclio (BRASIL, STJ, Resp. 138420/RJ, Relator:

    Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 1999, p. 195).

    Assim, observa-se, ainda que timidamente, uma certa flexibilidade, no DireitoBrasileiro, no que diz respeito ao critrio do acesso mensagem lesiva pelo usurio-vtima. Considerar o local em que o ilcito promoveu maiores efeitos negativos vtimaevita que a jurisdio competente para o caso nada tenha que ver com o conflito que se

    pretende dirimir (ROBERTO, 2010, p. 113.), o que de certa forma vai ao encontro daconcepo do Princpio da Proximidade, j explicitado anteriormente.

    3 A DEFESA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE NA INTERNET SOB ATICA DO DIREITO DA UNIO EUROPEIA

    A abordagem do tema no mbito da Unio Europeia ser realizada a partir daanlise de dois casos julgados pelo Tribunal de Justia da Unio Europeia: eDate e

    Martinez (C-509/09 e C-161/10, respectivamente). Ambos os casos envolvem ainterpretao do art. 5 (3), do Regulamento 44/2001 (Bruxelas I)5, que determina que uma

    pessoa com domiclio no territrio de um Estado-Membro pode ser demandada noutroEstado-Membro, quando se tratar de matria extracontratual, perante o tribunal do lugaronde ocorreu ou poder ocorrer o fato danoso (COMISSO EUROPEIA, Regulamento(CE) n. 44, 2001, art. 5(3)).

    Antes de tratarmos propriamente dos casos, vale mencionar dois outros casosmais antigos julgados pelo TJUE que, embora no se relacionem a conflitos ocorridos no

    ciberespao, dizem respeito responsabilidade civil extracontratual.No acrdo C-21/76 (COMISSO EUROPEIA, TJCE, 1976, p.677.),

    denominado Minas de Potssio daAlscia, o TJCE determinou que caso o lugar ondeocorreu o fato suscetvel de desencadear responsabilidade extracontratual e o lugar ondeesse fato provocou o dano no coincidam, a expresso lugar onde ocorreu (...) o fato

    danoso, do art. 5 (3) do Regulamento 44/2001 deve ser entendida no sentido de que elase refere ou ao lugar onde o dano foi verificado, ou ao lugar onde ocorreu o fato queengendrou o dano (COMISSO EUROPEIA, TJUE, C-509/09, 2011 e C-161/10,concluses do Advogado-Geral Pedro Cruz Villaln, ponto 7). Assim, permitiu o TJUEque se admitissem dois foros alternativos, nos casos de danos patrimoniais.

    Mais tarde, no casoFionaShevill, foi abordada a mesma questo, s que desta

    vez envolvendo violao aos direitos da personalidade. Trata-se do caso em que aPresseAlliance SA, editora do jornal France-Soir, publicou em 23 de Setembro de 1989 umartigo relativo a uma operao que os agentes da brigada antidroga da polcia francesatinham efetuado em uma das casas de cmbio exploradas em Paris pela ChequepointSARL. Esse artigo, que era baseado em informaes fornecidas pela agncia France

    Presse, mencionava a sociedade Chequepoint, bem como uma mulher chamada FionaShevill-Avril (COMISSO EUROPEIA, TJCE, C-68/93, 1995, p. I-450, ponto 3). A

    5O Regulamento (CE) n. 44/2001 foi revogado pelo Regulamento (UE) 1215/2012, em vigor desde de 10de janeiro de 2015. No momento da redao deste artigo o referido Regulamento ainda no havia entrado

    em vigor, motivo pelo qual toda a anlise do presente escrito refere-se ao Regulamento 44/2001 (BruxelasI). Entretanto, a redao do ento art. 5 (3) encontra-se transcrita no art. 7 (2) do novo Regulamento (UE)1215/2012, fato que a princpio no alteraria a base argumentativa das posies defendidas neste escrito.

  • 7/25/2019 o Conflito de Jurisdies Em Caso de Violao de Direitos Da Personalidade Por Publicao Na Internet

    8/14

    notcia sugeria queFiona Shevill,Ixora Trading Inc., Chequepoint International Limitede ChequepointSARLfaziam parte de uma rede de trfico de drogas, para a qual eles teriamefetuado operaes de lavagem de dinheiro. Os autores acionaram judicialmente aPresse

    Alliance SA por difamao na High Court of England and Wales, pedindo umaindenizao relativamente aos exemplares do France-Soirdistribudos quer na Frana,

    quer nos outros pases europeus, incluindo os vendidos na Inglaterra e no Pas de Gales.Cerca de 237.000 exemplares do jornal foram distribudos, sendo que cinco deles foramdistribudos na cidade onde residia Fiona Shevill, na Gr-Bretanha (COMISSOEUROPEIA, TJCE, C-68/93, 1995, p. I-450, pontos 8 e 9).

    Chegando o caso ao TJUE, este decidiu que o lugar do evento causal o localdo estabelecimento do editor da publicao, devendo este ser o foro competente parareparar a integralidade dos danos decorrentes da difamao. Os lugares em que a

    publicao foi divulgada tambm seriam considerados como foros competentes, pormsomente para apreciar a extenso dos danos reputao sofridos pela vtima naqueledeterminado Estado (ROBERTO, 2010, p. 92). O TJUE, portanto, estabeleceu umasoluo alternativa para a escolha do foro competente para julgar o caso.

    Entretanto, as transformaes causadas pela Internet fizeram com que o TJUEestabelecesse mais um critrio de definio do foro competente. o que se observa norelato dos casos a seguir. 6

    Em C-509/09, eDate Advertising GmbH (eDate), sociedade austracagestora de um portal de Internet, divulgou aos seus leitores informao sobre o Sr. X,nacional alemo, que foi condenado a priso perptua por ter cometido homicdio contraconhecido ator alemo. O portal em questo identificou X por nome e sobrenome,destacando que tanto ele quanto seu irmo (tambm condenado pelo mesmo crime)haviam interposto recurso da deciso para o Tribunal Constitucional Alemo (UNIOEUROPEIA, TJUE, C-509/09, 2011 e C-161/10, concluses do Advogado-Geral PedroCruz Villaln, pontos 10-13). O Sr. X requereu que fosse interrompida, no stio, adivulgao de informao sobre sua pessoa, o que no aconteceu. Recorrendo aostribunais alemes, eDate arguiu em todas as instncias que os tribunais alemes no

    possuam competncia judiciria internacional para o caso, levando a questo, ento, aoTribunal de Justia da Unio Europeia (UNIO EUROPEIA, TJUE, C-509/09, 2011 eC-161/10, concluses do Advogado-Geral Pedro Cruz Villaln, ponto 14).

    Em C-161/10 (caso Martinez), tratou-se sobre o fato do dirio britnicoSunday Mirror ter publicado em sua edio da Internet uma srie de fotografias,acompanhadas de um texto intitulado Kylie Minogue novamente com Olivier Martinez(UNIO EUROPEIA, TJUE, C-509/09, 2011 e C-161/10, concluses do Advogado-Geral Pedro Cruz Villaln, ponto 15). Naquela oportunidade, foi relatado que o casal

    havia reatado o relacionamento rompido, tendo sido mencionado que as declaraes dopai do Sr. Olivier Martinez, o Sr. Robert Martinez, foram usadas para a elaborao danotcia veiculada. Pai e filho, ento, ajuizaram uma ao no tribunal de grande instnciade Paris em face de MGN Limited, proprietria do jornal virtual, arguindo ofensa aodireito reserva da intimidade da vida privada. A r contestou a competncia judiciriainternacional do juzo francs, tendo sido levado o caso ao TJUE (UNIO EUROPEIA,C-509/09, 2011 e C-161/10, concluses do Advogado-Geral Pedro Cruz Villaln, pontos16 e 17).

    6At o momento da redao final e da avaliao do presente artigo no havia sido publicado o casoHejduk(C-441/2013) e, por esse motivo, o referido caso no foi utilizado nas anlises ora apresentadas. O

    casoHejduk ser objeto de trabalhos futuros, uma vez que parece indicar um novo caminho que o TJUEencontrou para a soluo de casos ocorridos no cyber-espao, apesar de no tratar especificamente dedireitos da personalidade, mas sim de direitos autorais.

  • 7/25/2019 o Conflito de Jurisdies Em Caso de Violao de Direitos Da Personalidade Por Publicao Na Internet

    9/14

    Ao estabelecer os critrios de definio de competncia para tais casos, oAdvogado-Geral considerou diversos aspectos. Estabeleceu-se uma conexo entre agravidade da ofensa e a multiplicidade de regimes aplicveis: a disperso territorial

    permitida pela difuso na rede virtual mundial justifica que coexistam diferentes sistemasnacionais e, com eles, outros sistemas jurisdicionais nacionais competentes para conhecer

    de determinado litgio. Segundo o Advogado-Geral, em seu parecer: O titular do direitoda personalidade afetado pode ser vtima, portanto, de violaes potencialmente maisintensas, ao passo que a sua tutela jurdica, dada a atomizao e insegurana jurdica quesofre, se v diminuda (UNIO EUROPEIA, TJUE, C-509/09, 2011 e C-161/10,concluses do Advogado-Geral Pedro Cruz Villaln, ponto 48).

    O Advogado-Geral, em suas concluses, tambm reconheceu o respeito quese deve conferir reserva da intimidade privada e liberdade de informao, valoresestabelecidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da Unio Europeia, que foi elaboradaem 2000 e que, portanto, no regeu as decises anteriores (Fiona Shevill e Minas dePotssio da Alscia). O Tribunal considerou, entretanto, que, por mais que a Internetcoloque em conflito esses dois direitos fundamentais em termos bastante sensveis, a

    soluo encontrada pelo Tribunal deve ser aplicvel a todos os meios de comunicao.(UNIO EUROPEIA, TJUE, C-509/09, 2011 e C-161/10, concluses do Advogado-Geral Pedro Cruz Villaln, pontos 52 e 53).

    Sendo assim, o TJUE (UNIO EUROPEIA, C-509/09, 2011 e C-161/10,concluses do Advogado-Geral Pedro Cruz Villaln, ponto 48) e o Advogado-Geral(TJUE, C-509/09, 2011 e C-161/10, concluses do Advogado-Geral Pedro Cruz Villaln,

    ponto 54) entenderam que seria necessrio que fossem utilizados os critrios do casoShevill, acrescidos de um critrio de conexo novo. Foi ento que surgiu o critrio docentro de gravidade do conflitocomo critrio adicional. Foi pensado, portanto, em umcritrio que permitiria ao titular do direito da personalidade litigar num foro onde esteja

    localizado o seu centro de interesses e que ofereceria previsibilidade ao meio decomunicao social e permitiria um julgamento global do dano sofrido (UNIOEUROPEIA, TJUE, C-509/09, 2011 e C-161/10, concluses do Advogado-Geral PedroCruz Villaln, ponto 57).

    Dentro desse contexto, de acordo com as concluses do Advogado-Geral,para que se identifique o chamado centro de interessesdo litigante, so necessrios trselementos. O primeiro deles diz respeito ao territrio em que o meio de comunicao

    poderia ter previsto a eventual verificao da ofensa, isto , onde a vtima poderia sofreruma ofensa de maior extenso e intensidade: o centro de gravidade do conflitocorresponde quele em que o rgo jurisdicional estiver em situao mais vantajosa para

    permitir a apreenso completa e no viciosa do conflito de interesses (UNIO

    EUROPEIA, TJUE, C-509/09, 2011 e C-161/10, concluses do Advogado-Geral PedroCruz Villaln, ponto 58).O segundo critrio para se definir o centro de interesses da vtima seria aquele

    que reconhece no s o local em que a vtima seja mais conhecida, mas queprincipalmente identifica o lugar em que o particular afetado desenvolve essencialmenteo seu projeto de vida (UNIO EUROPEIA, TJUE, C-509/09, 2011 e C-161/10,concluses do Advogado-Geral Pedro Cruz Villaln, ponto 59). Ou seja, pode ser que avtima seja muito conhecida no Estado-Membro em que tenha nascido ou em que atmesmo tenha fixado seu domiclio. Porm, a maior parte de seus negcios e a maior parteda origem de sua renda advm dos investimentos em outro Estado-Membro, em que oindivduo tambm bastante conhecido e onde ele desenvolve o seu principal projeto de

    vida.

  • 7/25/2019 o Conflito de Jurisdies Em Caso de Violao de Direitos Da Personalidade Por Publicao Na Internet

    10/14

    O terceiro elemento importante na identificao do centro de interesses davtima diz respeito natureza da informao. A informao objeto do litgio deve estarexpressa de tal maneira que permita de maneira razovel prever que tal informao objetivamente relevante em um determinado espao territorial a informaodisponibilizada deve, portanto, despertar o interesse dos indivduos em determinado

    territrio, de forma que os leitores desse local sejam incitados a aceder informao(UNIO EUROPEIA, TJUE, C-509/09, 2011 e C-161/10, concluses do Advogado-Geral Pedro Cruz Villaln, ponto 60). Dessa forma, o uso do critrio do centro deinteresses permite simultaneamente ao demandante identificar facilmente o rgo

    jurisdicional a que se pode dirigir e ao demandado prever razoavelmente o rgojurisdicional no qual pode ser demandado(UNIO EUROPEIA, TJUE, C-509/09, 2011e C-161/10, concluses do Advogado-Geral Pedro Cruz Villaln, ponto 60).

    Em concluso, determinou o TJUE (UNIO EUROPEIA, C-509/09, 2011 eC-161/10, concluses do Advogado-Geral Pedro Cruz Villaln, ponto 69) que, uma vezalegada a violao aos direitos da personalidade atravs de contedos colocados disposio em um stio na Internet, pode o titular desses direitos intentar uma ao de

    indenizao, com fulcro no art. 5 (3) do Regulamento 44/2001:

    a) Fundada na responsabilidade pela totalidade dos danos causados, nos rgosjurisdicionais do Estado-Membro do lugar de estabelecimento da pessoa que emitiu ocontedo virtual indevido.

    b) Fundada na responsabilidade pela totalidade dos danos causados, nos rgosjurisdicionais do Estado-Membro onde se encontra o centro de interesses da vtima,onde haja, portanto, o centro de gravidade e conflito (UNIO EUROPEIA, TJUE, C-509/09, 2011 e C-161/10, concluses do Advogado-Geral Pedro Cruz Villaln, ponto 82).entre os bens e interesses em jogo.

    c) Nos tribunais de cada Estado-Membro no qual a publicao esteja ou tenha estadoacessvel on-line. Entretanto, esses tribunais so competentes para conhecer apenas dosdanos causados nesse mesmo Estado em que o acesso ao contedo foi possvel.

    4 ANLISE DO TEMA SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO ALEMO

    No Direito Alemo, o 32 do Cdigo de Processo Civil (ZPO)7prev emcarter excepcional a jurisdio competente para tratar de atos ilcitos que tenhamocorrido em determinado lugar. Nesse caso, o tribunal competente seria aquele em cujo

    local

    8

    o ato ilcito tenha sido praticado ou em que tenha ocorrido. Entretanto, entende-seque, no contexto do 32, ZPO (tal como entendido em relao ao art. 5 (3) doRegulamento 44/2001 da Unio Europeia) deve-se considerar no s o local em queocorreu o ato ilcito, como tambm o local em que ocorreu o resultado do ato ilcito emquesto (BRAND, 2012, p. 128).

    Dessa forma, tanto o dispositivo do ZPO quanto o art. 5 (3) do Regulamento(CE) 44/2001 estabelecem uma exceo ao princpio do actor sequitur forum rei dar (o

    7Zivilprozessordnung(ZPO), 32 Besonderer Gerichtsstand der unerlaubten Handlung Fr Klagen ausunerlaubten Handlungen ist das Gericht zustndig, in dessen Bezirk die Handlung begangen ist. Disponvelem: . Acesso em 14 de outubro de 2012.

    8Considerando a traduo livre do dispositivo do Cdigo de Processo Civil Alemo, entende-se por localo distrito e, consequentemente, entende-se o tribunal competente o juzo distrital correspondente ao localem que o ato ilcito ocorreu.

  • 7/25/2019 o Conflito de Jurisdies Em Caso de Violao de Direitos Da Personalidade Por Publicao Na Internet

    11/14

    autor est obrigado a acionar o ru em seu domiclio). Assim, a doutrina alem (BRAND,2012, p. 128.) d o nome de fliegender Gerichtsstand (em traduo livre, acompetncia jurisdicional voadora, porque varivel) possibilidade de se considerar o

    lugar em que ocorreu o ato ilcito (e, portanto, o lugar em que o tribunal competentepara dirimir a causa) qualquer local em que o contedo disponvel via Internet pode ser

    acessado. Tal possibilidade vantajosa para o sujeito que sofreu a violao aos seusdireitos da personalidade na Internet, mas vai de encontro a alguns princpios defendidosno s pelo Tribunal Federal Alemo, mas tambm pelo Tribunal de Justia da UnioEuropeia (BRAND, 2012, p. 128). Tais princpios dizem respeito possibilidade de se

    prever uma potencial submisso ao Judicirio e ao controle preventivo a dita potencialsubmisso9. Vislumbra-se, tambm por meio desses princpios, a reduo de casos decompetncia jurisdicional concorrente e a inibio de jurisdies exorbitantes, isto , de

    jurisdies que pouco se relacionam com o caso em anlise (ALEMANHA, BGH, VI ZR23/09, 2011, p. 167, ponto 17).

    Pelos motivos acima expostos, o Tribunal Federal Alemo (BGH), em trscasos paradigmas (ALEMANHA, BGH, VI ZR 23/09, 2011, p. 167; BGH, VI ZR 111/10,

    2010, p. 2059; BGH, VI ZR 93/10, 2012, p. 148), estabeleceu o critrio doInlandsbezug, para que se pudesse identificar a Alemanha como o pas que tivesse mais

    proximidade com o caso em questo, definindo, ento, a jurisdio alem como aquelaque seria internacionalmente competente para tratar da violao aos direitos da

    personalidade causada por contedos disponibilizados on-line. A ttulo exemplificativo,a seguir, breve relato de um dos casos.

    No caso Blogspot(ALEMANHA, BGH, VI ZR 93/10, 2012, p. 148), umempresrio russo, com domiclio na Rssia e na Alemanha, organizou, em seuapartamento em Moscou, um reencontro com seus colegas de classe da escola quefrequentou na infncia, na Rssia. Aps o encontro, uma das convidadas, denacionalidade russa, mas com domiclio nos Estados Unidos da Amrica, publicou emseu blog (com servidor localizado na Alemanha), j de volta aos EUA, informaes acercadas condies pessoais do anfitrio (referentes aparncia e situao financeira doempresrio). O autor ajuizou ao em Colnia, Alemanha. Aps discusses nas instnciasinferiores acerca da incompetncia dos tribunais alemes, o processo chegou ao BGH e,na ocasio, foi decidido que os tribunais alemes no eram competentes para dirimir acausa, porque no havia ligaes suficientes do caso com a Alemanha. Apesar de oservidor do blog estar localizado na Alemanha e o autor possuir domiclio tambmnaquele pas, o BGH argumentou que o contedo do blog estava disponvel em lnguarussa e que, portanto, o autor no teria sua imagem prejudicada frente aos clientes que

    possua na Alemanha. Ademais, apesar de o contedo estar disponvel em qualquer lugar

    do mundo por meio da Internet, isso no justifica a competncia internacional da Justiaalem, uma vez que a autoria da difamao ocorreu nos EUA e o contedo no estavadirecionado aos alemes.

    Com base em ambos os casos supracitados, o BGH reforou o entendimentode que h competncia internacional dos tribunais alemes: (i) quando o contedodivulgado tem relao estreita com o territrio nacional; (ii) quando h conflito deinteresses entre duas pessoas que seja de relevncia no territrio alemo (interesse davtima em fazer valer seus direitos da personalidade e interesse do divulgador dedeterminada informao em fazer jus sua liberdade de se expressar via Internet); (iii)quando a informao seja conhecida na Alemanha e se tenha tido a inteno de que essainformao fosse conhecida dentro do territrio alemo (ALEMANHA, BGH, VI ZR

    9Vorhersehbarkeit und prventiven Steuerbarkeit der potentiellen Gerichtspflichtigkeit.

  • 7/25/2019 o Conflito de Jurisdies Em Caso de Violao de Direitos Da Personalidade Por Publicao Na Internet

    12/14

    93/10, 2012, p. 148). Os casos em questo, portanto, no possuam elementos suficientesque os tornassem prximos da jurisdio alem, no sendo os tribunais alemes, portanto,competentes para dirimir os litgios.

    CONSIDERAES FINAIS

    Em razo da inexistncia de legislao internacional que regulamente aatuao no ciberespao, observou-se que os critrios de resoluo de conflitos ocorridosna webso usados de maneiras diferentes pelos mais diversos ordenamentos jurdicos.

    No Brasil, embora haja poucos casos tratados pela jurisprudncia, toma-sepor base o art. 88, III, do Cdigo de Processo Civil. No caso analisado considerou-se olocal do acesso ao stio eletrnico (nesta oportunidade, o Brasil) como o local em que oato ilcito foi praticado, sendo, portanto, a jurisdio brasileira a competente para asoluo no litgio. Observou-se, ainda, que outro critrio foi utilizado para a determinaodo foro competente, qual seja, aquele que considerou o local em que o ilcito promoveumaiores efeitos negativos vtima, fato que nos permite fazer aluso ao Princpio da

    Proximidade. Isso porque pode-se considerar o local que possui maior conexo eproximidade com o caso ou com as partes nele envolvidas aquele local em que os maioresefeitos negativos foram imputados vtima.

    No Tribunal de Justia da Unio Europeia, percebeu-se que, hoje, soutilizados trs critrios para a determinao da competncia internacional no que tangeaos ilcitos decorrentes da violao aos direitos da personalidade via Internet. Pode-se

    pleitear, portanto, reparao pela totalidade dos danos nos rgos jurisdicionais doEstado-Membro do lugar de estabelecimento da pessoa que emitiu o contedo virtualindevido, bem como nos rgos jurisdicionais do Estado-Membro onde se encontra ocentro de interesses da vtima, onde haja, portanto, o centro de gravidade e conflito

    entre os bens e interesses em jogo. Nos tribunais de cada Estado-Membro no qual apublicao esteja ou tenha estado acessvel on-line, entretanto, pleiteia-se o conhecimentoapenas dos danos ocorridos nesse mesmo Estado em que o acesso ao contedo foi

    possvel.Por fim, sob a perspectiva do Direito Alemo, observou-se o critrio do

    Inlandsbezug, ou seja, da proximidade mnima que o caso deve ter com a Alemanha,ainda que o 32 do Cdigo de Processo Civil Alemo estabelea um critrio mais amplo,entendendo que o tribunal competente seria aquele em cujo local o ato ilcito tenha sido

    praticado ou em que tenha ocorrido.Parece, portanto, que a tendncia internacional exigir um elemento de

    relao mais estreito com o local em que a demanda ser proposta. A anlise mais

    aprofundada do tema ocorreu, at o presente momento, no sistema da Unio Europeia.Entretanto, entende-se que seja difcil a identificao do grau do prejuzo causado vtimaem determinado local, para que se possa pleitear o conhecimento apenas dos danosocorridos em Estado especfico onde o acesso ao contedo tenha sido disponibilizado.

    Quanto soluo dada pela Alemanha, vislumbram-se vestgios dasistemtica do forum non convenience, embora seja compreensvel que a denominadafliegender Gerichtsstand provoque dvidas e situaes que vinculam os tribunaisalemes a situaes que pouca conexo tenham com os litgios em anlise.

    Enfim, resta-nos a esperana de que mais conflitos cheguem anlise do STJ,para que se possa firmar jurisprudncia com base nos parmetros utilizados pelo Tribunalde Justia da Unio Europeia, que, por ora, foi aquele que estabeleceu critrios mais

    objetivos para a soluo do problema.

  • 7/25/2019 o Conflito de Jurisdies Em Caso de Violao de Direitos Da Personalidade Por Publicao Na Internet

    13/14

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ASENSIO, Pedro Alberto de Miguel. Derecho Pr ivado de I nternet. 3. ed. Madrid:Civitas, 2002.

    ALEMANHA, BGH 02/03/2010VI ZR 23/09 (The New York Times), BGHZ 184,313 = IPRax 2011, 167.

    ALEMANHA, BGH 29/03/2011VI ZR 111/10, NJW 2010, 2059.

    ALEMANHA, BGH 25/10/2011VI ZR 93/10 (Blogspot), NJW 2012, 148.

    BARBI, Celso Agricola. Comentrios ao Cdigo de Processo Civil. 9. ed. Rio deJaneiro: Forense, 1994.

    BRAND, P.-A. Persnl ichkeitsver letzungen im Internet, E-Commerce und

    Fliegender Gerichtsstand. NJW, 2012, p. 127130.

    BRASIL. Decreto-Lei n 4.657, de 4 de setembro de 1942, com redao dada pela Lein 12.376, de 2010. Dispe sobre a Lei de Introduo s Normas do Direito Brasileiro.Dirio Oficial da Unio, Poder Executivo, Braslia, DF, 4 set. 1942. p. 14084.

    BRASIL. Superior Tribunal de Justia, Recurso Especial n. 138420/RJ, Rel. Min.Carlos Alberto Menezes Direito, 3 Turma, publicado no DJU de 17/05/1999, p. 195.

    BRASIL. Superior Tribunal de Justia, Recurso Especial n. 1168547 / RJ4 T.,Rel. Min. Luis Felipe Salomoj. em 11/05/2010, publicado no DJU de 07/02/2011, p.15.

    BRASIL. Tribunal de Justia do Estado do Paran, Agravo n. 137.379-9, j. em24.09.2003, publicado no DJPR em 06/10/2003, p.12.

    COMISSO EUROPEIA. Regulamento (CE) n 44/ 2001. Relativo competnciajudiciria, ao reconhecimento e execuo de decises em matria civil e comercial.Publicado no Jornal Oficial L 12 em 16 de janeiro de 2001, p. 1.

    COMISSO EUROPEIA. TJCE, 07/03/1995,Fiona Shevill (C-68/93), publicado na

    Coletnea de Jurisprudncia da Unio Europeia de 1995 I-00415, p. I-450.COMISSO EUROPEIA. TJCE, 30/11/76,Mines de potasse d'Alsace SA(C-21-76),

    publicado na Coletnea de Jurisprudncia da Unio Europeia de 1976 01736, p.677.

    COSTA, Ligia Maura. Direito Internacional Eletrnico Manual das TransaesOn-Line. So Paulo: Quartier Latin, 2008.

    DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado Parte Geral. 10 Ed. Rio deJaneiro: Forense, 2011.

    ______. Direito Internacional Privadodo princpio da proximidade ao futuro dahumanidade. In:Direito e Amor e outros temas. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

  • 7/25/2019 o Conflito de Jurisdies Em Caso de Violao de Direitos Da Personalidade Por Publicao Na Internet

    14/14

    Federao Brasileira de Bancos (FEBRABAN). Pesquisa FEBRABAN de TecnologiaBancria 2013. Disponvel em: Acesso em:

    04 nov. 2014.

    MORELLI, Gaetano. Derecho Procesal Civil I nternacional. Buenos Aires: E.J.E.A.,1953.

    ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS. Mil lennium Development Goals Report2014. Disponvel em:. p. 54. Acesso em: 27 out. 2014.

    ROBERTO, Wilson Furtado. Dano Transnacional e internet: direito aplicvel ecompetncia internacional. Curitiba: Juru, 2010.

    TORNAGHI, Helio. Comentrios ao Cdigo de Processo Civil.Vol. I. So Paulo:RT, 1974.

    UNIO EUROPEIA. TJUE, 25/10/2011, eDate eMartinez (C-509/09 e C-161/10), oprimeiro publicado na Coletnea de Jurisprudncia da Unio Europeia de 2011 I-10269e segundo ainda no publicado, concluses do Advogado-Geral Pedro Cruz Villaln.

    VANCIM, Adriano Roberto; MATIOLI, Jefferson Luiz. Direito & Internet: contratoeletrnico e responsabilidade civil na web: jurisprudncia selecionada e legislaointernacional correlata. Leme/SP: Lemos e Cruz, 2011.

    http://www.febraban.org.br/7Rof7SWg6qmyvwJcFwF7I0aSDf9jyV/sitefebraban/Pesquisa%20FEBRABAN%20de%20Tecnologia%20Banc%E1ria_2013.pdfhttp://www.febraban.org.br/7Rof7SWg6qmyvwJcFwF7I0aSDf9jyV/sitefebraban/Pesquisa%20FEBRABAN%20de%20Tecnologia%20Banc%E1ria_2013.pdfhttp://www.febraban.org.br/7Rof7SWg6qmyvwJcFwF7I0aSDf9jyV/sitefebraban/Pesquisa%20FEBRABAN%20de%20Tecnologia%20Banc%E1ria_2013.pdfhttp://www.febraban.org.br/7Rof7SWg6qmyvwJcFwF7I0aSDf9jyV/sitefebraban/Pesquisa%20FEBRABAN%20de%20Tecnologia%20Banc%E1ria_2013.pdfhttp://www.febraban.org.br/7Rof7SWg6qmyvwJcFwF7I0aSDf9jyV/sitefebraban/Pesquisa%20FEBRABAN%20de%20Tecnologia%20Banc%E1ria_2013.pdf