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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA
NATAL / RN
MARÇO – 2017
O CIRCUITO ESPACIAL DE PRODUÇÃO AGROINDUSTRIAL
DE MANDIOCA NO RIO GRANDE DO NORTE
Raquel Silva dos Anjos
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RAQUEL SILVA DOS ANJOS
O CIRCUITO ESPACIAL DE PRODUÇÃO AGROINDUSTRIAL DE MANDIOCA
NO RIO GRANDE DO NORTE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação e Pesquisa em Geografia (PPGe) da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
como pré-requisito para obtenção do título de
mestre em Geografia.
Linha de Pesquisa: Território, Estado e
Planejamento.
Orientador: Prof. Dr. Francisco Fransualdo de
Azevedo.
NATAL / RN
MARÇO - 2017
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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes - CCHLA
Anjos, Raquel Silva dos.
O circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca no Rio Grande do Norte / Raquel Silva dos Anjos. - 2017.
176 f.: il.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de
Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, 2017. Orientador: Prof. Dr. Francisco Fransualdo de Azevedo.
1. Agroindústria - Rio Grande do Norte. 2. Mandioca -
Indústria - Rio Grande do Norte. 3. Território. I. Azevedo,
Francisco Fransualdo de. II. Título.
RN/UF/BS-CCHLA CDU 633.493(813.2)
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RAQUEL SILVA DOS ANJOS
O CIRCUITO ESPACIAL DE PRODUÇÃO AGROINDUSTRIAL DE MANDIOCA
NO RIO GRANDE DO NORTE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação e Pesquisa em Geografia (PPGe) da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
como pré-requisito para obtenção do título de
mestre em Geografia.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________
Prof. Dr. Francisco Fransualdo de Azevedo
(Orientador – UFRN)
__________________________________________________
Prof. Dr. Edu Silvestre de Albuquerque
(Membro interno – UFRN)
__________________________________________________
Profª. Drª. Sônia de Souza Mendonça Menezes
(Membro externo – UFS)
NATAL / RN
MARÇO – 2017
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AGRADECIMENTOS
A Deus todo poderoso, por sua infinita bondade e misericórdia; pelo amor, amparo e
força nos momentos difíceis e de desânimo. A Ele sempre toda honra e glória.
Aos meus pais, Francisco dos Anjos e Iranir Tomaz, minha eterna gratidão pelo
incentivo aos estudos desde cedo e esforço contínuo de me proporcionar sempre o melhor,
apesar das dificuldades. À minha irmã Regina, pela cumplicidade e por todas as vezes que me
ajudou, seja com algo relacionado à pesquisa ou em outras situações cotidianas.
Agradecimento especial ao meu namorado Marcondes pela imensa e valiosa ajuda
com a pesquisa de campo. Agradeço igualmente pelo apoio, compreensão, paciência e pelas
palavras de conforto que me encorajaram a prosseguir, quando, por vezes, cheguei a acreditar
que não conseguiria vencer os obstáculos impostos a mim durante o processo de construção
deste trabalho.
Ao meu querido professor Fransualdo Azevedo que, mesmo antes do resultado do
processo seletivo do mestrado, aceitou prontamente meu pedido de orientação, e por esse e
tantos outros motivos, sou bastante grata pela confiança depositada em mim. Pela
contribuição e novo direcionamento dado à pesquisa, estímulo, complacência e oportunidades,
quero externalizar minha satisfação por tê-lo como orientador, a quem tenho grande
admiração e respeito.
Aproveito para agradecer aos demais professores do Programa de Pós-Graduação e
Pesquisa em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte pelas contribuições à
pesquisa e por todo conhecimento adquirido tanto nas disciplinas quanto nos colóquios
temáticos. Nesse ínterim, um agradecimento especial aos professores Edu Silvestre e Sedeval
Nardoque (UFMS), por terem aceitado compor a banca do exame de qualificação deste
trabalho, colaborando para o aperfeiçoamento do mesmo a partir dos apontamentos
realizados, sugestões e indicações bibliográficas.
Meus agradecimentos também são direcionados aos professores Nivaldo Hespanhol e
Rosângela Hespanhol pela acolhida e contribuições ao trabalho de dissertação durante a
realização da missão de estudos na UNESP-PP (Faculdade de Ciências e Tecnologia - FCT).
Não poderia deixar de agradecer ainda ao professor Nivaldo Hespanhol por ter aceitado ser o
tutor desta atividade, colocando-se totalmente à disposição para reuniões e para ajudar no que
fosse preciso, e aos colegas que tive a oportunidade de conhecer no Grupo de Estudos
Dinâmica Regional e Agropecuária (GEDRA), pela receptividade, conversas e discussões
empreendidas.
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Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
pela concessão da bolsa de mestrado. Aos colegas da pós-graduação, pelas experiências
vivenciadas no decorrer das disciplinas cursadas, colóquios e curso de iniciação à docência.
Agradeço também ao amigo Edvaldo Lopes pelo apoio inestimável e inteira disponibilidade
em ajudar, inclusive, na pesquisa empírica, e a querida Inés Rosso, pela imensa ajuda na
confecção dos mapas deste trabalho de dissertação.
Direciono meus agradecimentos também a Rafael Pereira, Welton Nascimento e
Leonardo Galindo pelo conhecimento compartilhado bem como pela companhia na “Unidade
Interdisciplinar de Estudos sobre a Habitação e o Espaço Construído”; e ao Assistente em
Administração André Fabrício (PPGe/UFRN), por todo auxílio e disponibilidade em tirar
minhas dúvidas relacionadas ao Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia. Muito
obrigada!
Enfim, agradeço a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a
construção deste trabalho, bem como ao conjunto de entrevistados, compreendendo os
produtores de mandioca, proprietários das unidades de processamento e trabalhadores desses
estabelecimentos; e ao gestor do Projeto Mandiocultura Potiguar do SEBRAE-RN, pela total
atenção desde os primeiros contatos e aptidão em colaborar com a pesquisa.
Meus profundos e sinceros agradecimentos!
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RESUMO
No Rio Grande do Norte, o cultivo da mandioca ocorre praticamente em todo o estado,
possuindo importância, inclusive, no âmbito do seu processo de formação territorial. O
beneficiamento da referida raiz nos dias atuais está diretamente associado à intensificação das
relações estabelecidas entre a agricultura e a indústria, embora ainda com pouca
expressividade, considerando as especificidades e a realidade do Rio Grande do Norte. Tais
relações foram permeadas pelo processo de reestruturação produtiva e, diante da atual
conjuntura econômica do Rio Grande do Norte, tendo em vista os rebatimentos dos processos
econômicos no território, pode-se afirmar que ocorreram mudanças, sobretudo de caráter
técnico e organizacional, no setor mandioqueiro do estado, condicionando assim, a
reestruturação do circuito espacial de produção da mandioca. Este processo deu-se de modo
difuso, com permanências e coexistências de práticas e relações sociais de produção; mas
também de redefinição das possibilidades e escalas de usos do território pelo referido circuito
espacial produtivo, a partir do papel que passou a ter a mecanização, sobretudo no que se
refere ao beneficiamento da mandioca. Entende-se que as discussões sobre os circuitos
espaciais de produção são essenciais no entendimento da centralidade da circulação bem
como no encadeamento das diversas etapas produtivas. Nesse sentido, a circulação ganha
destaque, demonstrando o caráter essencial dos fluxos para a realização da produção. Desse
modo, o objetivo deste trabalho consistiu em investigar o circuito espacial e os círculos de
cooperação da produção agroindustrial de mandioca no Rio Grande do Norte, especialmente
no que concernem os processos de produção, processamento, distribuição e consumo de
mandioca e seus derivados. A metodologia adotada para a elaboração deste trabalho pautou-se
na realização de revisão e pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, bem como coleta e
sistematização de dados secundários, através de órgãos como IBGE, SEBRAE-RN e FIERN.
A realização da pesquisa de campo também foi um importante procedimento metodológico,
uma vez que permitiu conhecer, a partir da base empírica, as diferentes realidades vivenciadas
pelos agentes que atuam no circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca no Rio
Grande do Norte. As análises empreendidas revelam a ausência e/ou ineficácia de políticas
públicas destinadas à agricultura familiar, especialmente para o universo de produtores
vinculados ao circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca, bem como se observa
fragilidades e limites nas ações que poderiam fomentar o fortalecimento e a própria
dinamização do referido circuito espacial produtivo.
Palavras-chave: Agroindústria de mandioca. Circuito espacial de produção. Território. Rio
Grande do Norte.
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ABSTRACT
In the state of Rio Grande do Norte, cassava cultivation occurs practically throughout the
state, having importance even within the scope of its territorial formation process. The
beneficiation of this root in the present day is directly associated with the intensification of the
relations established between agriculture and industry, although still with little
expressiveness, considering the specificities and the reality of Rio Grande do Norte. These
relations were permeated by the process of productive restructuring and, given the current
economic situation of Rio Grande do Norte, in view of the refutation of the economic
processes in the territory, it can be affirmed that there were changes, mainly of a technical and
organizational nature, in the sector Mandioqueiro of the state, thus conditioning, the
restructuring of the space circuit of cassava production. This process occurred in a diffuse
way, with permanences and coexistence of practices and social relations of production; But
also to redefine the possibilities and scales of land use by the said productive space circuit,
from the role that started to have mechanization, especially with regard to the processing of
cassava. It is understood that the discussions about space production circuits are essential in
understanding the centrality of the circulation as well as in the chain of the various stages of
production. In this sense, circulation gains prominence, demonstrating the essential character
of the flows for the realization of production. Thus, the objective of this work was to
investigate the spatial circuit and the cooperation circles of cassava agroindustrial production
in Rio Grande do Norte, especially regarding the processes of production, processing,
distribution and consumption of manioc and its derivatives. The methodology adopted for the
elaboration of this work was based on the revision and bibliographical research, documentary
research, as well as collection and systematization of secondary data, through organs such as
IBGE, SEBRAE-RN and FIERN. The field research was also an important methodological
procedure, since it allowed to know, from the empirical basis, the different realities
experienced by the agents that act in the spatial circuit of cassava agroindustrial production in
Rio Grande do Norte. The analyzes carried out reveal the absence and / or inefficacy of public
policies aimed at family agriculture, especially for the universe of producers linked to the
space circuit of cassava agroindustrial production, as well as weaknesses and limits in the
actions that could promote the strengthening and dynamics of the said productive space
circuit.
Key words: Agribusiness of cassava. Spatial circuit production. Territory. Rio Grande do
Norte.
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LISTA DE MAPAS
Mapa 1: Distribuição das agroindústrias e empregos na produção de farinha no Rio
Grande do Norte (2015) ......................................................................................................
50
Mapa 2: Rio Grande do Norte: evolução da área plantada de mandioca (1990-2015) ......
Mapa 3: Rio Grande do Norte: evolução da área colhida de mandioca (1990-2015) .........
Mapa 4: Rio Grande do Norte: evolução da quantidade de mandioca produzida (1990-
2015) ...................................................................................................................................
Mapa 5: Produção de mandioca no estado do Rio Grande do Norte (2015) ......................
Mapa 6: Municípios de origem e municípios/estados de destino dos derivados (farinha
de mandioca e goma) I ........................................................................................................
Mapa 7: Municípios de origem e municípios/estados de destino dos derivados (farinha
de mandioca e goma) II .......................................................................................................
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Interação da distribuição, troca e consumo com a etapa da produção..................
44
Figura 2: Crescimento da produção mundial das principais culturas alimentares 1980-
2011 (índice 1980 = 100) ....................................................................................................
Figura 3: Depósito de friagem, destinado ao armazenamento da farinha na Agroindústria
dos Anjos.............................................................................................................................
45
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Figura 4: Comercialização da Goma Sinhá Maria, da indústria Primícias do Brasil, no
hipermercado Bom Preço – Natal/RN ................................................................................
52
Figura 5: Obra “A mandioca”, de Albert Eckhout (1640) ..................................................
64
Figura 6: Mapa das áreas alimentares do Brasil ................................................................. 70
Figura 7: Cultivo de macaxeira e feijão na mesma propriedade em Vera Cruz-RN...........
82
Figura 8: Trabalho realizado sem o uso de equipamentos de segurança e vestimenta
adequada em casa de farinha da Serra de Santana...............................................................
111
Figura 9: Trabalho realizado com vestimenta adequada em agroindústria de farinha e
goma da Serra de Santana....................................................................................................
112
Figura 10: Parte das máquinas que são utilizadas no beneficiamento da mandioca em
uma agroindústria do Agreste Potiguar................................................................................
113
Figura 11: Processo de empacotamento manual de farinha em Tenente Laurentino -
RN........................................................................................................................................
114
Figura 12: Placa de boas-vindas em Brejinho-RN com referência à produção de farinha
de mandioca.........................................................................................................................
Figura 13: Descarte da manipueira diretamente no solo em uma unidade de
processamento de mandioca no município de Tenente Laurentino Cruz-RN.....................
Figura 14: Manipueira armazenada em tanques ou reservatórios de captação (à dir.
agroindústria em Lagoa Nova –RN, à esq. agroindústria em Vera Cruz-RN......................
Figura 15: Fábrica de farinha e goma na Serra de Santana licenciada pelo IDEMA –
RN........................................................................................................................................
Figura 16: Casca de coco para aquecimento de fornos em agroindústria de mandioca do
Agreste Potiguar...................................................................................................................
Figura 17: Casa de farinha comunitária desativada no Sítio Buraco da Lagoa, município
de Lagoa Nova –RN.............................................................................................................
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Figura 18: Empacotadeira industrial em uma unidade de processamento de mandioca......
Figura 19: Péssimas condições de higiene nas unidades tradicionais de beneficiamento
de mandioca ........................................................................................................................
Figura 20: Mulheres realizando a raspagem da mandioca em agroindústria da Região
Agreste.................................................................................................................................
Figura 21: Agroindústria de goma no município de Lagoa Salgada – RN..........................
Figura 22: Unidades da EMPARN no Rio Grande do Norte...............................................
Figura 23: Raspagem manual da mandioca em agroindústria no Agreste Potiguar............
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LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE QUADROS
Gráfico 1: Produção de mandioca em toneladas nos estados nordestinos (2015)...............
81
Gráfico 2: Produção de mandioca no Rio Grande do Norte: quantidade produzida (t).......
Gráfico 3: Destino do resíduo líquido da mandioca (manipueira)......................................
Gráfico 4: Aproveitamento da manipueira nas unidades de processamento de mandioca..
95
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122
Quadro 1: Objetivos específicos e procedimentos da pesquisa...........................................
Quadro 2: Classificação da mandioca .................................................................................
Quadro 3: Agricultura familiar no Brasil: fases do debate político e intelectual.................
Quadro 4: Linhas de crédito do PRONAF...........................................................................
Quadro 5: Diferenças entre circuito espacial produtivo e cadeia produtiva........................
Quadro 6: Unidades de processamento e beneficiamento de mandioca no Rio Grande do
Norte....................................................................................................................................
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Principais municípios produtores de mandioca no Rio Grande do Norte (2014)
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Tabela 2: O programa nacional de fortalecimento da agricultura familiar no Rio Grande
do Norte ..............................................................................................................................
Tabela 3: Produção de mandioca (2015): municípios de procedência da raiz nas
agroindústrias de farinha e outros derivados.......................................................................
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LISTA DE SIGLAS
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária
APL – Arranjo Produtivo Local
ASCOFAM – Associação Mundial de Luta Contra a Fome
BB – Banco do Brasil
BNB – Banco do Nordeste do Brasil
BPF – Boas Práticas de Fabricação
CAIs – Complexos Agroindustriais
CEASA – Central Estadual de Abastecimento
CNAE – Classificação Nacional de Atividades Econômicas
CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento
CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
EMATER – Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EMPARN – Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte
FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação
FIERN – Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte
FINAGRO – Programa de Financiamento para Comercialização, Beneficiamento ou
Industrialização de Produtos de Origem Agropecuária
HCN – Ácido Cianídrico
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDEMA – Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente
IFRN – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário
PAA – Programa de Aquisição de Alimentos
PAS – Programa Alimentos Seguros
PDAN – Programa de desenvolvimento da agroindústria do Nordeste
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
POLONORDESTE – Programa de desenvolvimento de áreas integradas no Nordeste
PROCERA – Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária
PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
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PROTERRA – Programa de redistribuição de terras e de estímulo à agroindústria do Norte e
Nordeste
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SUVISA – Subcoordenadoria de Vigilância Sanitária do Rio Grande do Norte
UFERSA – Universidade Federal Rural do Semi-Árido
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
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SUMÁRIO
1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS.....................................................................
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1.1 OBJETO (PROBLEMA) DA PESQUISA: dimensão teórico-conceitual, empírica e
temporal ...............................................................................................................................
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1.2 JUSTIFICANDO O TRABALHO: Por que propor uma leitura geográfica sobre o
circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca no Rio Grande do
Norte?...................................................................................................................................
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1.3 QUESTÕES CENTRAIS E OBJETIVOS.....................................................................
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1.4 CONCEITO GEOGRÁFICO CHAVE: território e a noção de território
usado....................................................................................................................................
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1.5 ENFOQUE TEÓRICO-CHAVE DA PESQUISA: circuito espacial de
produção...............................................................................................................................
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1.6 AS CATEGORIAS DE ANÁLISE PRIORIZADAS NA INVESTIGAÇÃO...............
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1.7 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA............................................................................
28
1.8 A ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS: uma construção correlacionada teórico-
empírica na busca pela compreensão da realidade...............................................................
31
2 OS CIRCUITOS ESPACIAIS PRODUTIVOS: uma perspectiva geográfica sobre
produção, movimento e uso do território.........................................................................
35
2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE CIRCUITO ESPACIAL
PRODUTIVO.......................................................................................................................
2.1.1 A operacionalidade do conceito de circuito espacial produtivo na
Geografia..............................................................................................................................
2.1.2 Produção, distribuição, troca e consumo: compreendendo as etapas dos circuitos
espaciais produtivos.............................................................................................................
2.2 OS CIRCUITOS ESPACIAIS PRODUTIVOS E O USO DO TERRITÓRIO.............
2.2.1 Território: uma aproximação teórico-conceitual.........................................................
2.2.2 Abrigo e recurso: perspectivas do uso do território....................................................
2.2.3 Circularidade da produção, uso e organização do território........................................
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3 UMA LEITURA GEOGRÁFICA SOBRE A MANDIOCULTURA: breve
histórico, processos e conteúdos........................................................................................
3.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE A CULTURA DA MANDIOCA NO BRASIL...........
3.1.1 A farinha: derivado importante na alimentação brasileira..........................................
3.1.2 Geografia da fome: a experiência de Josué de Castro e o combate à desnutrição
utilizando a farinha...............................................................................................................
3.2 A FORMAÇÃO TERRITORIAL E A PRODUÇÃO DE MANDIOCA NO RIO
GRANDE DO NORTE........................................................................................................
3.2.1 Agricultura familiar e o papel do PRONAF no Rio Grande do Norte........................
3.2.2 Técnicas de cultivo de mandioca e adubação..............................................................
3.2.3 Entraves e perspectivas da produção atual de mandioca no Rio Grande do Norte.....
4 A MANDIOCA NO CONTEXTO DA TECNICIZAÇÃO DO TERRITÓRIO E
DA MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA.....................................
4.1 A AGROINDÚSTRIA DE MANDIOCA NO CENÁRIO ATUAL BRASILEIRO.....
4.2 DAS CASAS ÀS INDÚSTRIAS DE FARINHA: pensando a agroindústria de
mandioca no Rio Grande do Norte.......................................................................................
4.2.1 Programas de financiamento rural e a inserção de instrumentos técnicos nas casas
de farinha..............................................................................................................................
4.2.2 Agroindústria de mandioca e os nexos com a reestruturação produtiva no Rio
Grande do Norte...................................................................................................................
4.2.3 Coexistências e permanências no processo de beneficiamento de mandioca no Rio
Grande do Norte...................................................................................................................
4.2.4 Agroindústria de mandioca e meio ecológico: o caso da manipueira.........................
5 O CIRCUITO ESPACIAL DA AGROINDÚSTRIA DE MANDIOCA NO RIO
GRANDE DO NORTE......................................................................................................
5.1 ALÉM DA CADEIA PRODUTIVA: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA............
5.2 TOPOLOGIA E TIPOLOGIA DAS UNIDADES DE BENEFICIAMENTO DO
CIRCUITO ESPACIAL DE PRODUÇÃO AGROINDUSTRIAL DE MANDIOCA NO
RIO GRANDE DO NORTE................................................................................................
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5.3 O TRABALHO NO CIRCUITO ESPACIAL DE PRODUÇÃO
AGROINDUSTRIAL DE MANDIOCA NO RIO GRANDE DO NORTE: uma análise
no âmbito das unidades de processamento e beneficiamento..............................................
5.3.1 Relações de trabalho...................................................................................................
5.3.2 Origem e qualificação da mão-de-obra.......................................................................
5.4 OS CÍRCULOS DE COOPERAÇÃO DO CIRCUITO ESPACIAL DA
AGROINDÚSTRIA DE MANDIOCA NO RIO GRANDE DO NORTE..........................
5.4.1 As ações de empresas e instituições no setor mandioqueiro.......................................
5.4.2 A atuação do Sebrae-RN no contexto da agroindústria de mandioca.........................
5.4.3 Participação das instituições financeiras de crédito e das instituições de ensino e
pesquisa................................................................................................................................
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................
7 REFERÊNCIAS..............................................................................................................
8 APÊNDICES....................................................................................................................
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1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
O presente trabalho de dissertação resulta das reflexões realizadas durante a
construção da pesquisa intitulada “O circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca
no Rio Grande do Norte”, o qual foi desenvolvido junto ao Programa de Pós-Graduação e
Pesquisa em Geografia (PPGe) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob
orientação do Professor Dr. Francisco Fransualdo de Azevedo.
Nesse sentido, buscou-se apresentar uma leitura e um discurso geográfico a respeito
do tema anteriormente mencionado, tendo como elementos chaves para o desenvolvimento
dessa reflexão o conceito de circuito espacial de produção e o conceito de território, na
perspectiva de território usado, sinônimo de espaço humano, espaço habitado (SANTOS,
2005). Para Milton Santos (2000, p. 104) “o território usado constitui-se como um todo
complexo onde se tece uma trama de relações complementares e conflitantes”, por isso a
relevância dessa noção, “convidando a pensar processualmente as relações estabelecidas entre
o lugar, a formação socioespacial e o mundo” (Ibid., p. 105).
A seguir, serão apresentadas informações essenciais deste trabalho dissertativo,
evidenciando elementos como os objetivos da pesquisa, as questões norteadoras, assim como
os pressupostos teóricos e analíticos por meio dos quais foi analisado o circuito espacial de
produção agroindustrial de mandioca no Rio Grande do Norte.
1.1 OBJETO (PROBLEMA) DA PESQUISA: dimensão teórico-conceitual, empírica e
temporal
A ocupação e constituição do território do Rio Grande do Norte tem sua base no
desenvolvimento de atividades agrícolas, com a utilização de técnicas consideradas
tradicionais. Consorciadas às atividades da cana-de-açúcar, da pecuária e do algodão, a dita
economia de subsistência ou de autoconsumo, também se desenvolvia com uma produção
alimentar, sobretudo de feijão, milho, batata e mandioca. Sobre esta última, é interessante
salientar que o seu cultivo se dá, nos dias atuais, em praticamente todo o território norte-rio-
grandense, sobretudo nos municípios que compõem a Microrregião Agreste Potiguar (IBGE,
2014).
21
A mandioca1, enquanto cultura destinada à alimentação dos norte-rio-grandenses
manteve sua relevância ao longo do tempo, mesmo com as mudanças que ocorreram nos
hábitos alimentares, principalmente com o advento e consumo significativo dos fast-foods.
Na indústria, a produção de mandioca é destinada para a fabricação de farinha e amido, e
nesse ramo, destaca-se a “produção agroindustrial de mandioca” objeto de estudo da presente
pesquisa, aqui analisado a partir do conceito de circuito espacial produtivo e de círculos de
cooperação, tendo como recorte espacial empírico o estado do Rio Grande do Norte.
A utilização do termo “agroindustrial” justifica-se por se tratar da transformação de
uma matéria-prima, no caso a mandioca, que é proveniente da agricultura. De modo
abrangente, a agroindústria é definida como a unidade produtiva que transforma o produto
agropecuário natural ou manufaturado para utilização intermediária ou final (LAUSCHNER,
1995). O beneficiamento da referida raiz no período atual está diretamente associado à
intensificação das relações estabelecidas entre a agricultura e a indústria, embora ainda com
pouca expressividade, considerando a realidade do Rio Grande do Norte. O processo de
reestruturação produtiva que atingiu determinados segmentos da agricultura, conforme
Hespanhol et.al (2012), também está articulado com essa maior interação com a indústria.
Com o processo de reestruturação produtiva2 e diante da atual conjuntura econômica
do Rio Grande do Norte, tendo em vista os rebatimentos dos processos econômicos no
território, pode-se afirmar que ocorreram mudanças, sobretudo de caráter técnico e
organizacional, no setor mandioqueiro do estado, condicionando assim, a reestruturação do
circuito espacial de produção de mandioca. Tal processo deu-se de modo difuso, com
permanências e coexistências de práticas e relações sociais de produção; mas também de
redefinição das possibilidades e escalas de usos do território pelo referido circuito espacial
produtivo, a partir do papel que passou a ter a mecanização, sobretudo no que se refere ao
beneficiamento da mandioca.
Nesse contexto, é discutida a questão da modernização da atividade mandioqueira.
Salvador (2010) trata da inserção de instrumentos técnicos mecanizados nas casas de farinha
que vem causando transformações no processo de produção desse produto, bem como nas
relações de trabalho. Todavia, afirmar que a referida atividade está se modernizando, não
1 Refere-se à chamada mandioca de mesa: aipim ou macaxeira. As variedades de mandioca são classificadas
como “brava”, com fins industriais, e “mansa”, utilizada para o consumo in natura (CUNHA e FARIAS NETO,
2016).
2 O processo de reestruturação produtiva, que ocorre, sobretudo, a partir dos anos 1980, foi marcado no Rio
Grande do Norte, dentre outros aspectos, “pela falência de determinadas atividades econômicas, redefinição e
reestruturação de outras”, mas, sobretudo, pelo surgimento de atividades até então inexistentes no território
potiguar (AZEVEDO, 2013, p. 114).
22
significa defender que a atividade mandioqueira se apresente totalmente diferente do cenário
anterior. Pelo contrário, no momento atual ainda observa-se a permanência de várias
características “tradicionais” como a presença do trabalho familiar no cultivo da mandioca e o
uso de alguns instrumentos manuais, como prensas e peneiras. O que é certo, porém, é que a
atividade vem, desde a década de 1980, passando por mudanças, as quais são comandadas
pela lógica da modernização agrícola, caracterizada pelo avanço do capital na agricultura,
favorecendo a obtenção de maior produtividade e ampliação da lucratividade. (SALVADOR,
2010).
Com base no que foi apresentado, o estudo do circuito espacial de produção
agroindustrial de mandioca no território potiguar, é uma tentativa de construção de uma nova
abordagem que seja capaz de promover avanços não somente na discussão conceitual, mas
também na compreensão das dinâmicas territoriais concernentes ao Rio Grande do Norte no
período técnico-científico-informacional.
1.2 JUSTIFICANDO O TRABALHO: Por que propor uma leitura geográfica sobre o circuito
espacial de produção agroindustrial de mandioca no Rio Grande do Norte?
Analisar geograficamente o desenvolvimento da mandiocultura é resgatar, de forma
literal, a gênese do processo de formação territorial de muitas cidades e estados brasileiros,
particularmente no semiárido do Nordeste. Isso implica em buscar entender o Rio Grande do
Norte e o desenvolvimento de atividades econômicas associadas às chamadas “culturas de
autoconsumo” no referido estado, como a própria mandiocultura; e de como a mandioca passa
à condição de mercadoria destinada às casas de farinha, e posteriormente, às indústrias.
Estudar o circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca no Rio Grande do Norte é
buscar compreender a circularidade da produção, e como se dá o uso e a organização do
território norte-rio-grandense por esse circuito.
Desse modo, a pesquisa justifica-se tendo em vista a pertinência apresentada junto ao
Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, com área de concentração “Dinâmica Socioambiental e Reestruturação do
Território”, por constituir-se em um estudo que permite compreender as dinâmicas territoriais
a partir do desenvolvimento do circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca no
Rio Grande do Norte no período histórico atual. É entendida, assim, a relevância das questões
que envolvem o uso do território potiguar, levando-se em consideração as economias
presentes e que são condicionantes da configuração e/ou reconfiguração produtiva.
23
A análise do território fundamentada nos circuitos espaciais de produção e nos círculos
de cooperação é bastante válida e permite, portanto, reconhecer as articulações estabelecidas
entre os agentes e os lugares nos processos de aquisição de matéria-prima, gestão, produção,
distribuição e consumo das mercadorias. (BOMTEMPO e SPOSITO, 2012). Ademais, a
pesquisa viabiliza avanços nas discussões sobre os circuitos espaciais de produção,
contribuindo de maneira significativa para a compreensão do circuito espacial de produção
agroindustrial de mandioca no estado do Rio Grande do Norte, com a construção de novas
análises e novas abordagens a respeito das questões e problemáticas existentes. Por fim,
reforça-se a importância do tema na construção de uma base teórico-metodológica capaz de
subsidiar outras pesquisas e/ou trabalhos que estejam relacionados ao tema ora apresentado.
1.3 QUESTÕES CENTRAIS E OBJETIVOS
Os seguintes questionamentos foram importantes na definição do objeto (problema) de
pesquisa:
Como se dá o uso do território face à configuração do circuito espacial de produção
agroindustrial de mandioca no Rio Grande do Norte no período histórico atual?
Como as sucessões e coexistências (práticas, relações de trabalho, relações sociais de
produção agroindustrial de mandioca) expressam-se no território potiguar no contexto
do circuito espacial agroindustrial da mandioca?
Qual a importância do crédito e da técnica no contexto da mecanização do processo de
beneficiamento da mandioca no Rio Grande do Norte?
Quais as tipologias e topologias associadas aos processos de circulação,
comercialização e consumo da mandioca no Rio Grande do Norte?
A partir dessas questões, definiu-se como objetivo geral investigar o circuito espacial e
os círculos de cooperação da produção agroindustrial de mandioca no Rio Grande do Norte,
especialmente no que concernem os processos de produção, processamento, distribuição e
consumo de mandioca e seus derivados. Os objetivos específicos são:
24
Discutir os aspectos históricos marcantes no processo de produção de mandioca e seus
derivados no Rio Grande do Norte;
Analisar as sucessões e coexistências das práticas e relações sociais de produção no
interior do circuito espacial produtivo da mandioca e de seus derivados no território
potiguar;
Compreender a importância do crédito e das técnicas no atual processo de
mecanização do beneficiamento da mandioca no Rio Grande do Norte, e
Analisar as tipologias e topologias inerentes aos sistemas de circulação,
comercialização e consumo produtivo de mandioca no Rio Grande do Norte.
1.4 CONCEITO GEOGRÁFICO CHAVE: território e a noção de território usado
Na pesquisa, foram adotadas as discussões sobre território na perspectiva do seu uso,
tendo em vista a possibilidade de uma leitura e interpretação dos elementos da realidade com
a qual pretendeu-se trabalhar. Nesse viés, a perspectiva teórica por meio da qual buscou-se
compreender o conceito de território está baseada na ideia de território usado, este último
sendo sinônimo de espaço banal, pois “é o uso do território, e não o território em si mesmo,
que faz dele objeto da análise social” (SANTOS, 2005, p.255). Em sua análise, Milton Santos
ainda acrescenta: “O território são formas, mas o território usado são objetos e ações,
sinônimo de espaço humano, espaço habitado” (Ibid.).
O território é considerado uma dimensão do espaço marcada pela ideia de domínio, de
apropriação (SANTOS, 1996). Essa dimensão liga-se à categoria de poder, que pode ser
exercida tanto pelo Estado e pelas grandes empresas quanto pela sociedade civil. O território
não deve ser entendido apenas como um limite político-administrativo, mas também como um
espaço que é usado pela sociedade, pelo poder público e pelas empresas. Tem, pois,
importância social na dimensão dos povos. Entende-se que “o território é síntese histórica de
investimentos sociais e condição da práxis criadora. Seu uso faz com que ele não seja apenas
condição de ação tática estratégica, mas também uma dimensão da experiência humana”
(SALVADOR, 2010, p.23).
25
O território usado inclui a tudo e a todos, permitindo “considerar não apenas as formas
de dominação, mas também as formas de resistência” (CATAIA, 2011, p. 124). Esta
colocação evidencia a abrangência e a complexidade desse conceito, que merece ser analisado
de forma crítica e cuidadosa, para que não se incorra no equívoco de evidenciar no território
somente aquilo que aparentemente é conveniente.
1.5 ENFOQUE TEÓRICO-CHAVE DA PESQUISA: circuito espacial de produção
Na atualidade acredita-se que o estudo de um determinado ramo da economia e/ou a
produção de um produto em específico deve-se realizar através do conceito de circuitos
espaciais de produção, principalmente quando se trata de um trabalho de caráter geográfico,
pois como adverte Santos e Silveira (2008, p.143):
para entender o funcionamento do território é preciso captar o
movimento, daí a proposta da abordagem que leva em conta os
circuitos espaciais da produção. Estes são definidos pela
circulação de bens e produtos, e por isso oferecem uma visão
dinâmica, apontando a maneira como os fluxos perpassam o
território.
Nesse sentido, Castillo e Frederico (2010) compreendem que o conceito de circuito
espacial de produção enfatiza a um só tempo a circulação, os fluxos que permitem a produção
(circuito); o espaço geográfico enquanto instância social que se impõe a tudo e a todos
(espacial); e a atividade produtiva dominante, devendo-se levar em consideração os agentes e,
sobretudo, as firmas (produtivo). Sendo assim, o mais adequado é buscar compreender o
movimento que é próprio do território, este se caracterizando tanto como o resultado do
processo histórico quanto à base material e social das novas ações humanas.
Os circuitos espaciais produtivos são formados por empresas de diversos tamanhos e
que atingem de forma articulada diferentes frações do território. Essa articulação se expressa
pelo movimento de inúmeros fluxos de mercadorias, ideias, ordens, informação, dinheiro,
excedente, enfim, pela circulação (ARROYO, 2008). No que se refere à escala geográfica de
ação dos diferentes circuitos espaciais produtivos, Arroyo (2008, p. 2) afirma
A escala geográfica de ação dos diferentes circuitos constitui
um princípio de organização espacial, criando um tecido cuja
forma, extensão e complexidade estão mudando
permanentemente. Mesmo que as fases ou momentos
produtivos se desenvolvam de forma geograficamente dispersa,
26
inclusive para além das fronteiras nacionais, haverá sempre uma
unidade do movimento que permite indicar como cada fração
do território é interdependente das demais. Os circuitos
espaciais de produção são, portanto, úteis para revelar o quanto
o trabalho é comum, solidário e circular.
A análise dos circuitos espaciais de produção deve ser feita, juntamente, com os
círculos de cooperação no espaço (MORAES, 1985). Os círculos de cooperação são
importantes, pois apesar das etapas do processo produtivo estarem cada vez mais dispersas
territorialmente, em decorrência da crescente especialização produtiva dos lugares, há por
outro lado uma crescente expansão das redes de informação (Castillo e Frederico, 2010);
assim sendo, os círculos de cooperação evidenciam que apesar de estarem dispersos, os
espaços produtivos são interdependentes.
Os círculos de cooperação integram diferentes lugares numa mesma circularidade (de
mercadorias, e de capitais), definindo desse modo, hierarquias, especializações e fluxos. Suas
sobreposições delineiam a divisão territorial do trabalho. É no seu interior que se
movimentam os processos de transferência geográfica do valor (MORAES, 1985).
Desse modo, os círculos de cooperação ajudam a pensar e analisar de onde se origina o
capital para a atividade, a mão de obra necessária, o maquinário, o desenvolvimento técnico-
científico por trás da produção e as informações produzidas para gerar a produção, de onde
vem a matéria-prima, e as formas de transportá-la. Os círculos de cooperação podem ser
entendidos como a relação estabelecida entre os lugares e os agentes – que compõem o
circuito espacial de produção – por intermédio dos fluxos de informação (políticas das
empresas, ordens, mensagens e capital).
Portanto, os conceitos de circuito espacial de produção e de círculos de cooperação no
espaço, conseguem apreender de maneira indissociável as particularidades de cada etapa da
produção, captando o objeto da Geografia como uno e total (CASTILLO E FREDERICO,
2010).
1.6 AS CATEGORIAS DE ANÁLISE PRIORIZADAS NA INVESTIGAÇÃO
Definindo-se uma teoria central para o desenvolvimento do trabalho de dissertação, o
estabelecimento de algumas categorias analíticas configurou-se como importante para o
referido processo. Trata-se, portanto, da utilização dos seguintes pares dialéticos: densidade e
rarefação, fixos e fluxos, horizontalidades e verticalidades. A categoria divisão territorial e
27
técnica do trabalho também permeiam o trabalho. A seguir, serão apresentadas algumas
considerações sobre essas categorias.
Segundo Santos e Silveira (2001), o território mostra diferenças de densidades quanto
à distribuição espacial das coisas, objetos, homens, dinheiro e também das ações. Nesse
sentido, considerando o território norte-rio-grandense, a partir da produção agroindustrial de
mandioca, infere-se que há diferenciações não somente quanto à presença dos objetos ou
sistemas técnicos, mas também no que se refere à própria produtividade do setor
mandioqueiro. Por isso, a recorrência aos pares densidade e rarefação faz-se importante para
compreender essa realidade.
No que se refere aos fixos e fluxos, entendem-se como fixos, os objetos materiais, isto
é, aquilo que é concreto, material, que sofreu um processo de transformação ou criação
humana e passou a adquirir uma função, um sentido (SANTOS, 2012). Os fixos são hoje cada
vez mais artificiais e mais fixos, fixados ao solo; os fluxos são cada vez mais diversos, mais
amplos, mais numerosos, mais rápidos (SANTOS, 2013). Nesse sentido acrescenta Santos
(2013, p. 155):
Os fixos (casa, porto, armazém, plantação, fábrica) emitem
fluxos ou recebem fluxos que são os movimentos entre os fixos.
As relações sociais comandam os fluxos, que precisam dos
fixos para se realizar. Os fixos são modificados pelos fluxos,
mas os fluxos também se modificam ao encontro dos fixos.
Assim, Santos e Silveira (2001) esclarecem que há territórios que se distinguem de
outros devido às possibilidades postas pela presença de sistemas de engenharia que
possibilitam a fluidez. Essa fluidez se dá por meio da instalação de equipamentos (fixos) que
proporcionam a circulação de homens, de produtos, de mercadorias, de dinheiro, de
informações, etc. Com base nisso, a partir da identificação dos objetos fixos que compõem o
circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca, serão analisados os fluxos que
perpassam o território norte-rio-grandense pelo referido circuito, aglutinando as ações e o
movimento, podendo este possuir conteúdos eminentemente materiais ou não.
As horizontalidades e verticalidades também serão analisadas, em razão do seu
potencial explicativo. Por horizontalidades entende-se o alicerce de todos os cotidianos, isto é,
do cotidiano de todos (indivíduos, coletividades, firmas, instituições). As horizontalidades são
o domínio de um cotidiano territorialmente partilhado, com tendência a criar suas próprias
normas, fundadas na similitude ou na complementaridade das produções e no exercício de
28
uma existência solidária (SANTOS, 2012). Nesses subespaços, e graças a essa solidariedade,
consciente ou não, há um aumento da produtividade econômica, mas também da
produtividade política, ambas alimentadas pela informação (SANTOS, 2013).
As verticalidades, por sua vez, agrupam áreas ou pontos a serviço de atores
hegemônicos não raro distantes. São os vetores da integração hierárquica regulada, doravante
necessária em todos os lugares da produção globalizada e controlada a distância (SANTOS,
2013). Ao que José Degrandi (2012) complementa, definindo as verticalidades como
“expressões das forças exógenas”, vetores de racionalidades vindas de fora, de cima e de
longe, que, através das redes técnicas e organizacionais, incidem e/ou se instalam no
território, gerando desagregação, divergência e desordem, mas, também, novas possibilidades
e dinâmicas.
Dessa forma, pretende-se analisar a partir do circuito espacial da produção
agroindustrial de mandioca no Rio Grande do Norte, a criação e/ou fortalecimento das
horizontalidades enquanto verdadeiras contiguidades, que se revele no empoderamento e no
engajamento dos agentes subordinados envolvidos na atividade mandioqueira, como os
agricultores familiares ocupados com a produção da mandioca. No que concerne às
verticalidades, estas serão analisadas na perspectiva de como os agentes hegemônicos,
movidos por interesses particulares, participam das etapas do circuito produtivo em estudo,
por meio de ações, informações e ordens seletivamente distribuídas e comandadas
pontualmente no território potiguar.
Por fim, entende-se que no estudo dos circuitos espaciais de produção, as categorias
divisão territorial e técnica do trabalho devem ser consideradas, pois as etapas que
compreendem esses circuitos estão conectadas e criam tais divisões, condicionando a
existência da circularidade da produção. Sobre a divisão territorial do trabalho Arroyo (2012)
afirma que ao mesmo tempo em que ela promove uma dispersão geográfica das atividades
produtivas, favorece as forças da concentração.
No que concerne à divisão técnica do trabalho, é nítida a discrepância existente entre a
ação das empresas que fazem uso de objetos técnicos mais sofisticados e dispõem de capital
intensivo para fins de investimentos na produção e dos agricultores familiares, que em sua
maioria utiliza-se de técnicas rudimentares no desenvolvimento dos processos produtivos. No
circuito espacial produtivo em análise, tais questões podem ser extremamente reveladoras, por
isso, a consideração da divisão territorial e técnica do trabalho.
De forma bem simples, a divisão do trabalho em determinados territórios e a
especialização dos trabalhadores em determinadas atividades têm suas relações aprofundadas
29
no período atual. Como tentativa de apreender o movimento desse conjunto de novos eventos,
ou seja, dessa nova situação geográfica3, Santos (1986) e Santos e Silveira (2001) propõem
levar em consideração os circuitos espaciais da produção, e nesse processo, insere-se o
circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca no Rio Grande do Norte.
1.7 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA
Para alcançar os objetivos propostos e responder as questões que orientam a pesquisa,
foram adotados, em síntese, os seguintes procedimentos metodológicos: realização de
pesquisa bibliográfica e documental; levantamento e análise de dados secundários; elaboração
de mapas e cartogramas, e a realização de pesquisa de campo, dentro da qual foram feitas
visitas técnicas, registros fotográficos, aplicação de formulários e entrevistas. Tais
procedimentos não foram modificados ao longo do desenvolvimento da pesquisa, assim como
não obedeceram a uma sequência rígida.
Iniciada a pesquisa, um dos primeiros procedimentos executados, foi a realização da
pesquisa bibliográfica, e sobre esta é preciso destacar que, para fins de uma melhor
sistematização das ideias, optou-se por dividir o levantamento bibliográfico em dois blocos de
obras e autores, com os quais procurou-se dialogar e estabelecer as correlações pertinentes
com o objetivo de clarificar a realidade em análise.
Os primeiros autores e obras pesquisados foram aqueles que ao longo de suas
trajetórias acadêmicas tiveram a preocupação e o interesse em estudar o conceito de circuitos
espaciais de produção e círculos de cooperação, dentre os quais destacam-se: Barrios (1978),
Santos (1986/1991), Moraes (1985), Santos e Silveira (2001), Silveira (2010), Castillo
(2007/2010), Arroyo (2008/2010), Frederico (2005), Castillo e Frederico (2010), entre outros.
O segundo grupo é formado por estudiosos que contribuíram nas discussões a respeito
do conceito de território e de seu uso no âmbito da ciência geográfica, a citar: Raffestin
(1993), Gottmann (2012), Santos (2001/2005), Souza (2002), Cataia (2011/2013), etc.
Tal levantamento bibliográfico, que resultou nos blocos de obras e autores
anteriormente apresentados, foi importante na construção e desenvolvimento das ideias
iniciais, bem como na melhor compreensão dos conceitos, a partir das leituras realizadas.
Nesse ínterim, como o trabalho também está voltado para o entendimento da agroindústria de
3 A situação geográfica é “a especificidade do lugar e, metodologicamente, aparece como uma instância de
análise e de síntese. É uma categoria de análise porque permite identificar problemas a pesquisar e, desse modo,
compreender os sistemas técnicos e as ações no lugar. Mas, ela propõe, ao mesmo tempo, uma síntese, pois é um
olhar horizontal de conjunto, um olhar sobre o espaço banal, exigindo, também um olhar vertical, ambos no
processo permanente da história” (SILVEIRA, 1999, p. 27).
30
mandioca no Rio Grande do Norte, optou-se por buscar em autores a exemplo de Sorj (2008),
Delgado (2012), Muller (1989), Silva (1996), conhecimentos referentes ao processo de
modernização da agricultura brasileira.
Concomitantemente à realização da pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental
também constitui-se em um importante procedimento, por meio da consulta a documentos
disponíveis em órgãos e/ou instituições públicas e privadas, a citar o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
do Rio Grande do Norte (SEBRAE-RN) e a Federação das Indústrias do Estado do Rio
Grande do Norte (FIERN), entre outros.
O levantamento e análise de dados secundários também constituiu-se um
importante procedimento. Assim, na execução da pesquisa ora proposta, foram utilizados
diversos dados secundários de fontes distintas e oficiais como o IBGE. Após o levantamento,
os dados obtidos foram organizados e analisados.
Por meio deste procedimento, pode-se constatar como se comporta a ocorrência de
determinados fenômenos e ações e, no caso específico desta pesquisa, a análise dos dados
possibilitou, dentre outras coisas, verificar como se deu a dinâmica da produção de mandioca
no estado do Rio Grande do Norte a partir da década de 1990 até os dias atuais. Nesse
processo, obteve-se dados de área plantada em hectares; área colhida, também em hectares; a
quantidade produzida de mandioca em toneladas e valor da produção (total), por exemplo. Foi
a partir deste procedimento que se deu a elaboração de tabelas, quadros e gráficos nos quais
estão contidos os dados sobre a produção de mandioca no estado do Rio Grande do Norte.
Uma vez da posse dos dados e realizadas as devidas análises, procedeu-se a
elaboração de mapas e cartogramas. O procedimento foi capaz de ilustrar a distribuição
espacial da produção de mandioca no estado do Rio Grande do Norte; a localização das
unidades de beneficiamento e processamento de mandioca; dentre outras representações
cartográficas que surgiram com o desenvolvimento investigativo. Tais produtos cartográficos
foram produzidos a partir da utilização do Software ArcGis 9.1.
Na ciência geográfica, o estudo empírico se faz ainda mais pertinente porque permite
observar os objetos geográficos, que correspondem à materialidade da ação humana, bem
como é possível observar os processos que ocorrem no recorte espacial, no caso em tela, o
estado do Rio Grande do Norte. Nesse aspecto, a realização de pesquisa de campo foi de
singular importância para o desenvolvimento desta pesquisa.
Dada à complexidade dos objetivos da pesquisa e a realidade dinâmica na qual está
inserido o seu objeto de estudo, foram adotados os seguintes procedimentos durante as
31
atividades de campo: realização de visitas técnicas e registro fotográfico; aplicação de
formulários e a realização de entrevistas.
Por meio da realização das visitas técnicas e registros fotográficos buscou-se observar
o cotidiano, o nível de desenvolvimento e de uso das técnicas nas casas e indústrias de farinha
existentes no Rio Grande do Norte, fazendo o registro fotográfico de cada etapa do
processamento e beneficiamento da mandioca.
Vale ressaltar que as visitas técnicas e posterior aplicação de roteiros de entrevistas
semiestruturados, concentraram-se em municípios que compõem a Microrregião Agreste, bem
como em municípios que fazem parte da Microrregião Serra de Santana, em razão da maior
expressividade tanto em produção de mandioca quanto no número de unidades de
beneficiamento. Ao todo, foram 72 (setenta e dois) agentes sociais entrevistados, sendo assim
distribuídos: 24 (vinte e quatro) produtores de mandioca, 30 (trinta) proprietários de unidades
de beneficiamento (modernas e tradicionais), e 18 (dezoito) trabalhadores desses
estabelecimentos. Nesse ínterim, cabe destacar também a entrevista realizada com o gestor do
Projeto Mandiocultura Potiguar do Sebrae-RN, com a finalidade de melhor compreender o
processo de produção agroindustrial de mandioca no Rio Grande do Norte.
Através das entrevistas junto aos produtores de mandioca, proprietários de unidades de
processamento e beneficiamento, e trabalhadores dessas unidades, foram levantadas questões
a respeito das etapas do processo produtivo, sobre as relações e custos da produção, onde é
produzida a mandioca e seus derivados, para onde tais produtos são destinados ou vendidos,
qual o meio utilizado para transportar a raiz ou a farinha, qual a forma de comercialização dos
produtos, dentre outras relações desse circuito espacial de produção agroindustrial de
mandioca no Rio Grande do Norte.
Nas entrevistas realizadas com os produtores e trabalhadores das casas e indústrias de
farinha, foram abordadas ainda questões a respeito dos aspectos socioeconômicos, das
relações de trabalho e da reprodução das relações sociais de produção, sempre no intuito de se
buscar compreender quais os desafios enfrentados por esses sujeitos sociais e quais os
cenários futuros para o circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca no Rio
Grande do Norte.
A seguir, tem-se um quadro resumo (quadro 1) com os objetivos específicos da
pesquisa e seus respectivos procedimentos técnicos.
32
1.8 A ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS (uma construção teórico-empírica na busca
pela compreensão da realidade)
Estruturalmente, o trabalho que ora se apresenta, organiza-se em quatro capítulos, os
quais versam sobre: o conceito de circuito espacial produtivo e território, evidenciando a
noção de território usado; o cultivo de mandioca no Brasil e no Rio Grande do Norte; a
mandiocultura no contexto da tecnificação do território, a partir da modernização da
agricultura brasileira; o circuito espacial produtivo da agroindústria de mandioca no estado do
QUADRO 1 - OBJETIVOS ESPECÍFICOS E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA
Objetivo específico Procedimento(s) técnico(s)
Discutir os aspectos
históricos marcantes no
processo de produção de
mandioca e seus
derivados no Rio Grande
do Norte
- Pesquisa bibliográfica (artigos, dissertações, jornais
eletrônicos, etc.);
- Pesquisa de campo (visita técnica, aplicação de formulários e
realização de entrevistas).
- Mapeamento (elaboração de mapas e cartogramas).
Analisar as sucessões e
coexistências das práticas
e relações sociais de
produção no interior do
circuito espacial
produtivo da mandioca e
de seus derivados no
território potiguar
- Levantamento e análise de dados secundários (produção e
técnica, emprego e renda);
- Pesquisa de campo (visita técnica, registros fotográficos,
realização de entrevistas).
Compreender a
importância do crédito e
das técnicas no atual
processo de mecanização
do beneficiamento da
mandioca no Rio Grande
do Norte
- Pesquisa bibliográfica (artigos, dissertações, etc.);
- Pesquisa documental (Sebrae-RN, FIERN, entre outros);
- Pesquisa de campo (visita técnica, registros fotográficos,
realização de entrevistas).
Analisar as tipologias e
topologias inerentes aos
sistemas de circulação,
comercialização e
consumo produtivo de
mandioca no Rio Grande
do Norte
- Mapeamento (elaboração de mapas e cartogramas que
ilustrem os fixos e fluxos do circuito espacial de produção
agroindustrial de mandioca);
- Pesquisa de campo (realização de entrevistas com produtores
de mandioca e proprietários de unidades de processamento e
beneficiamento).
Fonte: Elaborado pela autora (2015).
33
Rio Grande do Norte, e os círculos de cooperação do referido circuito. Na apresentação de
cada capítulo, optou-se por evidenciar obras e trechos de músicas, poemas e cordéis de
artistas brasileiros que remetem à cultura de mandioca bem como ao seu beneficiamento, a
partir de ilustrações que retratam o cotidiano das unidades de processamento, nesse caso, as
casas de farinha.
No primeiro capítulo apresenta-se uma breve introdução ao tema-chave, referencial e
contextualização empírica. Intitulado “Os circuitos espaciais produtivos: uma perspectiva
geográfica sobre produção, movimento e uso do território”, o primeiro capítulo traz a
discussão da relação dos circuitos espaciais produtivos e suas interfaces com os usos do
território, ressaltando a conceituação, as principais etapas que compõem os referidos circuitos,
bem como seu enfoque operacional na Geografia. Em seguida, é realizada uma abordagem
sobre o conceito de território, e as perspectivas do uso deste enquanto abrigo e recurso. Esse
capítulo, portanto, é finalizado com a discussão sobre a circularidade da produção, o uso e a
organização do território, estabelecendo uma relação coerente entre os subcapítulos
correspondentes.
O segundo capítulo, o qual tem como título “Uma leitura geográfica sobre a
mandiocultura: breve histórico, processos e conteúdos” apresenta, primeiramente, a cultura de
mandioca no Brasil, resgatando na história seus principais aspectos, e, nesse ínterim, será
discutida a importância da farinha na alimentação brasileira. Posteriormente, o enfoque é
voltado para o intelectual Josué de Castro e sua importante obra “Geografia da Fome”,
ressaltando o engajamento desse grande autor no combate à desnutrição, sugerindo, inclusive
a utilização da farinha de mandioca para esse fim. Ainda neste capítulo, discute-se a formação
territorial do Rio Grande do Norte e a produção de mandioca no estado. Tomando como base
a agricultura familiar, é enfatizado o papel do Pronaf, bem como seu envolvimento com a
agroindústria. São tratadas ainda nesse segundo capítulo, as tecnologias e técnicas atuais de
cultivo de mandioca e adubação; fechando o referido capítulo com a discussão dos entraves e
perspectivas da produção de mandioca no estado do Rio Grande do Norte.
No terceiro capítulo, cujo título ficou definido como “A mandioca no contexto da
tecnicização do território e da modernização da agricultura brasileira”, se discute a
agroindústria de mandioca no cenário brasileiro e no Rio Grande do Norte, a partir dos
programas de financiamento rural e a inserção de instrumentos técnicos que culminaram na
transformação das casas de farinha tradicionais nas atuais indústrias de farinha. Além disso,
estabelecendo uma relação com o processo de reestruturação produtiva no estado do Rio
Grande do Norte, processo este que desencadeia-se a partir da década de 1980, é tratada a
34
agroindústria de mandioca e as coexistências e permanências no beneficiamento da raiz.
Finalizando o capítulo, entendendo a toxicidade da manipueira, líquido proveniente do
processamento da mandioca, são discutidas alternativas de aproveitamento desse resíduo, de
forma que não seja descartado diretamente no meio ecológico. Aqui enfatiza-se como as
agroindústrias de mandioca têm procedido na destinação da manipueira na atualidade.
No quarto capítulo da dissertação, intitulado “O circuito espacial da agroindústria de
mandioca no Rio Grande do Norte”, tem-se uma discussão do movimento e da circularidade
da produção através de uma abordagem propriamente geográfica, e não a partir do conceito de
cadeia produtiva, que tem sua origem no âmbito da administração de empresas. Nesse sentido,
reafirma-se que o presente trabalho é construído a partir da teoria dos circuitos espaciais de
produção, pelo seu potencial explicativo na ciência geográfica.
Ainda no quarto capítulo, tem-se a proposta de uma tipologia e topologia das unidades
de beneficiamento do circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca no Rio
Grande do Norte. O trabalho, negligenciado na maioria das produções acadêmicas que tratam
dos circuitos espaciais de produção, também compreende um importante elemento de análise
na dissertação. Dessa forma, no cerne dessa discussão, são evidenciadas as relações de
trabalho, a origem e qualificação da mão-de-obra envolvidas no circuito espacial em estudo.
Em seguida, tem-se uma discussão a respeito dos círculos de cooperação do circuito
espacial da agroindústria de mandioca no Rio Grande do Norte, ressaltando as ações por parte
de empresas e instituições no setor mandioqueiro, a exemplo do SEBRAE-RN. O referido
órgão exerce um forte papel principalmente no que se refere à contribuição técnica na
transformação e funcionamento das indústrias de farinha. Finalizando o capítulo, considera-se
que, para um bom entendimento dos círculos de cooperação do circuito espacial da
agroindústria de mandioca no Rio Grande do Norte, fez-se importante também a discussão da
participação das instituições financeiras de crédito e das instituições de ensino e pesquisa.
35
Capítulo 1
“Eles não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou vaca,
cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal que
esteja acostumado ao viver do homem. E não comem
senão deste inhame, de que aqui há muito [...] E com isto
andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós
tanto, com quanto trigo e legumes comemos. ”
Trecho da carta escrita por Pero Vaz de
Caminha quando do ‘descobrimento’ do
Brasil, o qual mostra a relação dos nativos
com a mandioca, em maio de 1500.
“O mandiocal”, ilustração de Percy Lau. Revista Brasileira de Geografia, abril-junho 1948.
36
2 OS CIRCUITOS ESPACIAIS PRODUTIVOS: uma perspectiva geográfica sobre
produção, movimento e uso do território
Com o advento do período técnico-científico-informacional, uma nova situação
geográfica foi consolidada. A repartição de objetos e de atividades entre os diversos lugares,
aprofundando a divisão territorial do trabalho e levando, consequentemente, a uma maior
especialização produtiva dos lugares, tornou-se cada vez mais acentuada.
A atual divisão territorial do trabalho instala-se sobre as divisões do trabalho
anteriores, fazendo com que os lugares se tornem condição e condicionante da produção
(SANTOS, 1979). Além disso, tem-se a aceleração dos fluxos mundiais, tanto materiais como
imateriais possibilitando uma maior dissociação geográfica da produção e do consumo, que
no mundo contemporâneo se dá em escala mundial (FREDERICO, 2005).
A compreensão da circularidade da produção, subsidiada na ideia de movimento,
oferece uma visão dinâmica, propriamente geográfica de como os fluxos perpassam o
território. Nesse sentido, neste capítulo, serão direcionados esforços no intuito de se
apresentar uma discussão teórico-conceitual a respeito dos circuitos espaciais produtivos e dos
usos do território, entendendo a relação intrínseca existente entre ambos.
2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE CIRCUITO ESPACIAL PRODUTIVO
Na Geografia, assim como nas demais disciplinas preocupadas com à temática
espacial, o emprego da noção de circuito espacial de produção é considerado recente.
Somente no final da década de 1970, a partir de uma importante pesquisa teórico-empírica
realizada no Centro de Estudios del Desarrollo (CENDES), situado na Universidade Central
da Venezuela (Caracas), tem-se o reconhecimento na sociedade e sobre o território de
circuitos de acumulação regional.
O intuito da pesquisa, acima mencionada, foi a busca pela construção de um modelo
regional, o qual posteriormente recebeu a denominação de “Morven”; e teve Sonia Barrios
como uma das autoras, pesquisadora nas áreas de estudos do desenvolvimento, planejamento
urbano e regional. O projeto “Morven” constituiu, nesse sentido, um passo relevante no que
diz respeito à produção voltada ao entendimento dos circuitos espaciais de produção.
Tomando como base estudos anteriores, Barrios (1978) propôs em sua análise que
vinte e cinco circuitos fossem considerados, compreendendo as atividades agrícolas,
37
extrativas e industriais. Nesse aspecto é interessante evidenciar que um dos circuitos
identificados pela autora, para o caso venezuelano, foi o circuito de tubérculos e raízes.
De acordo com Barrios (1978) os circuitos de produção e acumulação se estruturam a
partir de uma atividade produtiva definida como primária ou inicial e compreendem uma série
de fases ou escalões correspondentes aos distintos processos de transformação pelos quais
passa o produto principal da atividade até chegar ao consumo final. A essa primeira definição
a referida autora acrescenta que, uma atividade pertencerá a um dado circuito quando seu
insumo principal provier da fase anterior do mencionado circuito; caso contrário, considera-se
que a partir desse ponto se desenvolve outro circuito, que deve ser analisado separadamente.
Dessa forma, Sonia Barrios (1979) considera que as práticas econômicas, em cada
conjuntura histórica, compreendem o conjunto de ações sociais que tenham por finalidade a
produção, a distribuição e o consumo de meios materiais (valores de uso - valores de troca).
Sua realização implica a utilização de meios materiais – a tecnologia e os objetos de trabalho
– assim como o estabelecimento de relações entre homens que participam coletivamente de
tais processos.
De acordo com o entendimento de Moraes (1985) Sonia Barrios fornece as bases
teórico-metodológicas em que se inscreve o esforço do “Morven”, entretanto, considera que o
autor Alexandre Rofmann é o responsável por dá operacionalidade ao plano de pesquisa, pela
proposta em estudar os encadeamentos das unidades de produção, distribuição e consumo em
seus imbricamentos espaciais. Por outro lado, Moraes (1985) entende que, apesar das críticas
formuladas por Rofmann à “visão regional”, este acaba por defender a ideia de que a união
dos vários circuitos definiria o “subsistema regional”, contrariando a lógica espacial na qual
está inserida os circuitos produtivos.
Como um dos principais colaboradores no desenvolvimento do conceito de circuito
espacial de produção, Santos (1986) propõe a existência de três circuitos: “circuito por
ramos”, “circuito de firmas” e “circuito espacial ou territorial”. O primeiro refere-se às
relações técnicas e sociais, à localização das atividades e à tipologia dos lugares. O segundo
trata da ação das grandes empresas, suas relações econômicas e círculos de cooperação
estabelecidos em diferentes escalas. Por fim, a noção de circuito espacial sintetiza os
precedentes, indicando ao mesmo tempo o uso do território por ramos produtivos e pelas
firmas. Ele nos oferece, a cada momento, a situação de cada lugar em função da divisão
territorial do trabalho de um país.
Em análise posterior, Santos (1997) afirma que o mundo encontra-se organizado em
subespaços articulados dentro de uma lógica global, dessa forma, já não se pode mais falar de
38
“circuitos regionais de produção”. Com a crescente especialização regional, com inúmeros
fluxos de todos os tipos, intensidades e direções, o termo mais adequado e correto reside nos
circuitos espaciais de produção.
Os circuitos espaciais de produção são as diversas etapas pelas quais passaria um
produto, desde o começo do processo de produção da matéria prima, ou da mercadoria,
propriamente dita, até o momento do consumo final, articulando desse modo diversos lugares,
os quais são hoje, ponto de confluência de diversos circuitos produtivos (SANTOS, 1991).
Segundo Moraes (1985), a análise dos circuitos espaciais de produção deve ser feita,
juntamente, com os círculos de cooperação.
Os círculos de cooperação possibilitam que diferentes lugares se articulem numa
mesma circularidade, possibilitando fluxos de mercadorias, capitais e informações. De acordo
com Moraes (1985), é no interior dos círculos de cooperação que se movimentam os
processos de transferência geográfica do valor. A análise dos círculos de cooperação
possibilita compreender de onde se origina o capital para a atividade, a mão de obra
necessária, o maquinário, o desenvolvimento técnico-científico por trás da produção e as
informações produzidas para gerar a produção; de onde vem a matéria-prima, e as formas de
transportá-la. Os círculos de cooperação podem ser entendidos como o conjunto de relações
estabelecidas entre os lugares e os agentes que compõem o circuito espacial de produção,
sendo identificados especialmente por intermédio dos fluxos de informação, que abarcam as
políticas dos Estados, as políticas das empresas, as informações, os capitais e as mercadorias.
Os círculos de cooperação são importantes, pois possibilitam o encadeamento das
etapas dos processos produtivos dispersos territorialmente, dada a crescente especialização
produtiva dos lugares. Tais processos só tornam-se efetivamente possíveis a partir da
expansão das redes técnicas e de informação (CASTILLO e FREDERICO, 2010), assim
sendo, os círculos de cooperação evidenciam que, apesar de estarem dispersos, os espaços
produtivos são articulados e interdependentes.
O circuito espacial inicia-se com a produção propriamente dita (SANTOS, 2012);
posteriormente há a etapa de circulação das mercadorias produzidas e sua distribuição pelos
diversos pontos do mundo, além de analisar a estocagem de parte da produção, evidenciando
também o transporte, a qualidade e quantidade de armazéns, e as vias utilizadas. E, por fim,
há a etapa ligada ao comércio e ao consumo, observando se há um monopólio da atividade, as
formas de pagamento, a taxação de impostos, quem consome, e qual o tipo de consumo:
produtivo ou consumptivo.
39
De acordo com Arroyo (2008), a escala geográfica de ação dos distintos agentes que
integram os circuitos constitui um princípio de organização espacial, criando um tecido cuja
forma, extensão e complexidade estão em permanentemente mudança. Mesmo que as fases ou
etapas constitutivas dos processos produtivos se desenvolvam de forma geograficamente
dispersa, inclusive para além das fronteiras nacionais, haverá sempre uma unidade do
movimento que permite indicar como cada fração do território é interdependente das demais,
assim os circuitos espaciais de produção são, portanto, úteis para revelar o quanto o trabalho é
comum, solidário e circular.
O conceito de circuito espacial de produção é, por vezes, confundido com a teoria dos
circuitos da economia urbana, desenvolvida pelo geógrafo Milton Santos na década de 1970, a
qual propõe a existência de dois circuitos, um inferior e outro superior. O enfoque no produto
na análise do circuito espacial de produção é o que vai diferenciá-lo do circuito da economia
urbana, cujo centro de análise volta-se para o agente econômico, independentemente do ramo
(ARROYO, 2008). A autora ainda considera em sua análise que o circuito inferior sempre faz
parte de um circuito espacial de produção, quer por estar interligado pela comercialização
direta, fornecendo ou comprando algum tipo de insumo, quer porque ele mesmo forma um
circuito produtivo completo que afeta a fabricação, a distribuição, a comercialização e o
consumo de bens e serviços.
Acrescenta-se então, dentro dessa perspectiva, que determinada análise geográfica
cujo marco teórico concentra-se nos circuitos espaciais de produção, pode ser realizada
conjuntamente com a teoria dos circuitos da economia urbana, pois conforme Castilllo e
Frederico (2010, p. 463)
Os conceitos de circuito espacial da produção e de circuitos da
economia urbana podem ser trabalhados de maneira
complementar, uma vez que tanto o circuito inferior quanto o
superior fazem parte de circuitos espaciais produtivos de
tamanho e características técnicas e organizacionais distintas.
No presente trabalho, não será feita a análise do circuito espacial de produção
juntamente com os circuitos da economia urbana, mas reforça-se a importância da
compreensão de ambos os conceitos.
Aproximando-se mais com a realidade estudada, o circuito espacial de produção
agroindustrial de mandioca no Rio Grande do Norte abrange uma complexidade de fatores e
relações, a começar pela própria “matéria-prima” do referido circuito que é a mandioca; na
40
maioria das vezes, negligenciada pelas ações do Estado e no contexto da modernização da
agricultura brasileira4. Em segundo lugar, existem os interesses antagônicos que o permeiam,
representados pelos diferentes agentes envolvidos na circularidade da produção. Além disso, o
circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca no Rio Grande do Norte está
inserido em um processo de transformações técnicas e organizacionais ainda recentes, que
tiveram seu desenvolvimento, sobretudo, a partir da década de 1980, com o advento do
processo de reestruturação territorial e produtiva em curso no estado (AZEVEDO, 2013).
No que se refere à produção de mandioca no estado do Rio Grande do Norte, atenta-se
que a mesma tem passado por algumas oscilações principalmente nos últimos cinco anos (a
partir de 2012), sendo que no ano de 2013, a produção caiu significativamente, atingindo um
total de apenas 80.685 toneladas, em comparação com a produção registrada no ano anterior
de 235.855 toneladas, de acordo com os dados da Produção Agrícola Municipal do
IBGE/2013.
A redução é explicada pela seca que ocorreu em 2013 no estado, afetando a produção
de mandioca – rareando a oferta e elevando o preço da raiz, a matéria-prima – o que
ocasionou o fechamento de algumas indústrias de farinha; em outras, a atividade foi mantida
de forma intermitente, isto é, apenas quando havia abastecimento da matéria-prima. Desse
modo, com a produção de mandioca afetada no ano de 2013, as demais etapas do circuito
espacial em análise também foram atingidas.
Diante disso, acrescenta-se que os circuitos espaciais de produção são essenciais no
entendimento da centralidade da circulação no encadeamento das diversas etapas da
produtivas. E nesse sentido, a circulação ganha destaque, demonstrando o caráter essencial
dos fluxos para a realização da produção. Logo, tais circuitos possuem grande
operacionalidade na ciência geográfica, o que será tratado no subcapítulo a seguir.
2.1.1 A operacionalidade do conceito de circuito espacial produtivo na Geografia
No atual momento histórico em que as esferas da produção e da troca tornam-se
geograficamente mais dispersas, fazendo da circulação uma prioridade e um campo de
atuação estratégica de Estados e empresas, revelam-se a importância e a operacionalidade do
conceito de circuito espacial produtivo na ciência geográfica. Pretende-se aqui demonstrar,
4 Segundo Silva (1982), as políticas de estímulo à modernização não atingiram as pequenas unidades agrícolas,
especialmente as que se dedicam à produção de gêneros alimentícios de primeira necessidade.
41
com base em autores estudiosos dos circuitos espaciais de produção, essa funcionalidade, a
partir da apresentação de algumas diretrizes que são essenciais para a análise desses circuitos.
Segundo Antas Júnior (2014), a análise específica de um ramo produtivo gera a
dificuldade inicial de operacionalização das categorias analíticas, bem como a perfeita
adequação entre estas últimas e uma realidade que é ao mesmo tempo histórica e geográfica,
pois se o conceito de circuito espacial produtivo é fundamental por não permitir negligenciar
a configuração espacial nem seu processo de constituição, também é importante em virtude de
sua capacidade explicativa quanto a realidade que se transforma.
Antas Júnior (2014) ainda questiona se o circuito espacial produtivo pode ser tratado
como um dado econômico abstrato e estritamente técnico, independente do componente social
específico que envolve determinada produção ou, se para cada circuito espacial produtivo é
preciso levar em conta a transformação social que ele institui, como um elemento imperativo
da teoria que o sustenta. Desse modo, o autor esclarece e compreende que
Sendo a técnica um componente intrínseco do espaço
geográfico e que define as diferenças essenciais entre os
períodos, parece não haver razões fortes para se negligenciar tal
papel dos circuitos espaciais de produção na dinâmica da
totalidade. Partimos do entendimento de que pesquisador que
adota essa perspectiva metodológica não pode jamais ignorar
este pressuposto, sob o risco de transformar os circuitos
espaciais produtivos e os círculos de cooperação no espaço num
modelo invariável, negando assim toda a filosofia por trás do
método que permitiu chegar à formulação desses conceitos
(ANTAS JÚNIOR, 2014, p.40-41).
Na contemporaneidade, outros autores também têm contribuído em seus trabalhos com
a discussão dos circuitos espaciais de produção, a exemplo de Castillo e Frederico (2010).
Estes compreendem que o aumento das trocas materiais, possibilitado pelo aprofundamento
da divisão territorial do trabalho, é o fato que torna operacional o conceito de circuito espacial
produtivo.
De acordo com Castillo e Frederico (2010), para compreender um circuito espacial de
produção, deve-se identificar a atividade produtiva dominante – de forma a buscar analisar
seus aspectos técnicos e normativos; os agentes envolvidos e seus círculos de cooperação –
detectando os diversos círculos de cooperação que existem num circuito, de forma a
apreender a relação existente entre as empresas, entre as empresas e o poder público,
instituições e associações; a logística - uma vez que através desta se estabelece a conexão das
42
etapas da produção, aqui se deve verificar suas redes técnicas – redes com níveis de densidade
técnica cada vez mais seletiva e dispersas, são os nós - e seus equipamentos.
Por fim, deve-se preceder de uma análise sobre o uso e a organização do território,
uma vez que em cada etapa do circuito; a decisão a respeito da localização da atividade
resulta de decisões corporativas sobre os atributos naturais, técnicos e normativos de cada
lugar. Por meio desta análise pode-se perceber a distribuição, a densidade, o nível técnico e o
arranjo dos sistemas de objetos envolvidos na circulação da produção, bem como em todo o
circuito espacial de produção (CASTILLO e FREDERICO, 2010).
Milton Santos (1997) também traz alguns apontamentos para a compreensão dos
circuitos espaciais produtivos. Segundo o autor, na análise deve-se observar itens distintos,
como matéria-prima (local de origem, formas de seu transporte, tipo de veículo transportador
etc.); mão de obra (qualificação, origem, variação das necessidades nos diferentes momentos
da produção etc.); estocagem (quantidade e qualidade dos armazéns, dos silos, proximidade
da indústria, relação entre estocagem e produção); transportes (qualidade, quantidade e
diversidade das vias de transportes, dos meios de transporte); comercialização (existência ou
não de monopólio de compra, formas de pagamento, taxação de impostos etc.); consumo
(quem consome, onde, tipo de consumo, se produtivo ou consumitivo).
A análise dos circuitos espaciais de produção, como evidenciado em momento
anterior, deve ser feita juntamente com os círculos de cooperação. Segundo Toledo (2005), os
círculos de cooperação podem ser compreendidos e analisados a partir do conjunto de
relações estabelecidas entre os lugares e agentes que compõem os circuitos espaciais de
produção, as quais suscitam a presença de fluxos de pessoas, informações, ordens, mercadoria
e capital, estes condicionados por articulações engendradas pelas instituições estatais ou pelas
empresas. Sem a formação desses círculos, as firmas e indústrias não escapariam à
dependência e às oscilações das demandas meramente locais ou regionais (ANTAS JÚNIOR,
2014).
As diretrizes apresentadas embasam os recursos metodológicos que pode ser utilizados
para realização de análises geográficas sobre o desenvolvimento das atividades produtivas no
período histórico atual, possibilitando identificar seus círculos de cooperação, como se
instalam no território, os fluxos por elas gerados, bem como as diferentes etapas que compõe
os circuitos espaciais produtivos de cada ramo ou atividade.
43
2.1.2 Produção, distribuição, troca e consumo: compreendendo as etapas dos circuitos
espaciais produtivos
Segundo Moraes (1985), a ideia de circuito de produção remonta às formulações
teóricas de Karl Marx, quando este enfatiza a unidade contraditória entre a produção, a
distribuição, a troca e o consumo. Diante da valiosa contribuição do referido autor no
entendimento dessas etapas, esse subcapítulo é construído principalmente com base na obra
“Grundrisse”(2011).
Ao tratar da relação geral entre as etapas acima mencionadas, Marx em seus
manuscritos econômicos de 1857-1858, considera que na produção, os membros da sociedade
apropriam (elaboram, configuram) os produtos da natureza às necessidades humanas; a
distribuição determina a proporção em que o indivíduo singular participa desses produtos; a
troca o provê dos produtos particulares nos quais deseja converter a cota que lhe coube pela
distribuição; no consumo, finalmente, os produtos devêm objetos de desfrute, da apropriação
individual. Produção, distribuição, troca e consumo constituem um autêntico silogismo; a
produção é a universalidade, a distribuição e a troca, a particularidade, e o consumo, a
singularidade na qual o todo se unifica (MARX, 2011).
A produção, apesar de ser entendida como “ponto de partida”, é também
imediatamente consumo, pois conforme Marx (2011, p. 45), “o indivíduo que desenvolve suas
capacidades ao produzir também as despende, consome-as no ato da produção”. Nessa etapa,
também há o consumo dos meios de produção que são usados e desgastados, e
posteriormente, transformados novamente nos elementos gerais. Por isso, o próprio ato de
produção é, em todos os seus momentos, também um ato de consumo. Surge então a
denominação “consumo produtivo”, isto é, a produção enquanto imediatamente idêntica ao
consumo, e o consumo enquanto imediatamente coincidente com a produção.
Ainda nessa relação produção-consumo, cabe ressaltar que apenas no consumo, o
produto devém efetivamente produto. Para Marx (2011, p. 48)
O consumo só termina o ato da produção na medida em que
realiza o produto como produto, o dissolve, consome a sua
forma de coisa autônoma; na medida em que eleva à destreza,
pela necessidade da repetição, a disposição desenvolvida no
primeiro ato de produção; o consumo, portanto, não é apenas
um ato conclusivo pelo qual o produto devém produto, mas
também o ato mediante o qual o produtor devém produtor.
44
É importante que se tenha a compreensão de que o consumo não é o “fim” do
encadeamento produtivo. Pelo contrário, é esta a instância que retroalimenta o circuito
espacial de produção, não se tratando, pois, de um ciclo, mas de um espiral, de um acúmulo.
Dessa forma, o consumo está presente em todas as etapas dos circuitos espaciais de produção.
Na análise do circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca é importante,
portanto, considerar que há consumo quando os meios de produção destinados ao processo de
beneficiamento da raiz são utilizados; do mesmo modo que há “consumo” das diversas
infraestruturas que possibilitam os processos de circulação e distribuição como estradas,
condutos, vias e meios de comunicação que são utilizadas para permitir que os produtos
oriundos das agroindústrias de mandioca existentes no Rio Grande do Norte circulem e
cheguem até os consumidores. Numa relação inversa, a troca também pode ser realizada com
fins meramente de consumo.
Milton Santos (2012) adverte que condições similares de distribuição não asseguram,
uma homogeneidade no consumo. Uma vez que este último depende da capacidade efetiva de
aquisição, representada pela disponibilidade financeira (recursos efetivos ou créditos), mas
também pela acessibilidade do bem ou do serviço demandado.
Sobre a distribuição, esta se interpõe entre o produtor e os produtos. Nesse viés, a
articulação da distribuição está totalmente determinada pela articulação da produção. A
própria distribuição é um produto da produção, não só no que concerne ao seu objeto, já que
somente os resultados da produção podem ser distribuídos, mas também no que diz respeito à
forma, pois o modo determinado de participação na produção determina as formas
particulares da distribuição (MARX, 2011).
Na concepção mais artificial, de acordo com Karl Marx (2011), a distribuição aparece
como distribuição dos produtos, mas, antes desse entendimento, a distribuição também é
distribuição dos instrumentos de produção e dos membros da sociedade nos diferentes tipos
de produção, o que constitui uma determinação ulterior da mesma relação.
A etapa da troca também está incluída como momento da produção, só aparecendo
independente e indiferente desta no último estágio, no qual o produto é trocado imediatamente
para o consumo. Porém, não há troca sem divisão do trabalho; a troca privada pressupõe
produção privada; e a intensidade da troca, assim como sua extensão e seu modo, são
determinados pelo desenvolvimento e pela estrutura da produção (MARX, 2011). Desse
modo, a troca aparece em todos os seus momentos ou diretamente contida na produção, ou
determinada por ela (MARX, 2011).
45
A partir do que foi exposto, considera-se que as etapas da produção, distribuição, troca
e consumo, constituintes dos circuitos espaciais, não são idênticas, mas são componentes de
uma totalidade, a qual suporta diversidades dentro de uma unidade. A produção, por sua vez,
determina a distribuição e a troca; e está diretamente relacionada com o consumo e vice-versa.
A figura 1 mostra, por meio de um simples esquema, como as etapas da distribuição, troca e
consumo estabelecem relação direta com a produção.
Figura 1 - Interação da distribuição, troca e consumo com a etapa da produção
Nessa perspectiva, na análise dos circuitos espaciais é considerada a espacialidade da
produção-distribuição-troca-consumo como movimento circular constante (MORAES, 1985).
Logo, é preciso reafirmar, que tais etapas embora espacialmente dispersas, não podem ser
compreendidas separadamente. A Geografia assume assim, um papel fundamental enquanto
ciência que inspira movimento e é reveladora desse movimento.
2.2 CIRCUITOS ESPACIAIS PRODUTIVOS E O USO DO TERRITÓRIO
Os circuitos espaciais produtivos mantêm relação direta com o território, quando nele
se instalam e dele fazem usos diversos. Quanto ao uso do território, trata-se de uma proposta
totalmente empiricizável (SANTOS e SILVEIRA, 2001), e, nessa seção, a discussão será
voltada para o circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca no uso do território,
tendo como recorte espacial o Rio Grande do Norte. Espera-se apresentar um panorama das
etapas do referido circuito, e como este tem intensificado as dinâmicas territoriais no referido
Produção
Distribuição
Troca
Consumo
Fonte: Elaboração da autora
46
estado. Antes de entrar na discussão empírica, será apresentada algumas informações sobre a
cultura de mandioca e sua produção a nível mundial e nacional.
Outrora considerada o “alimento dos pobres”, a mandioca emergiu como uma cultura
polivalente no século XXI, quando passa a responder às prioridades dos países em
desenvolvimento, às tendências da economia global e aos desafios da mudança climática
(FAO, 2013). Entre 1980 e 2011, a produção mundial de mandioca mais que duplicou, saindo
de 124 milhões para 252 milhões de toneladas. Somente a produção de milho teve um
crescimento maior, conforme evidenciado na figura 2 a seguir.
Fonte: FAO, 2013.
A melhor gestão da cultura e do solo, e variedades de alto rendimento mais resistente à
seca, pragas e doenças, possibilitaram o crescimento da produção de mandioca. Atualmente, o
continente africano, ocupa lugar de destaque na produção mundial de mandioca. Na África, a
mandioca tornou-se um alimento de segurança nacional, pois alimenta cerca de 60% de sua
população, principalmente os mais carentes. Assim sendo, justifica-se a sua liderança na
produção, cuja participação já ultrapassa 50% do total mundial (FAO, 2013).
O Brasil já foi o maior produtor mundial de mandioca, quando atingiu 30 milhões de
toneladas, no ano de 1970. No território brasileiro, a produção de mandioca havia se
estabilizado em torno de 25 milhões de toneladas, porém na safra de 2012/13 a redução foi
acentuada devido à forte seca nos estados do Nordeste. Em função dessa redução, a produção
Figura 2 – Crescimento da produção mundial das principais culturas alimentares 1980-2011 (índice
1980 = 100)
47
brasileira em 2013 alcançou apenas 21 milhões de toneladas, significando a menor produção
dos últimos 10 anos (DERAL, 2015).
Dados da lavoura temporária de mandioca, do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE, ano 2014, revelam que os três estados brasileiros que mais produziram
mandioca foram o Pará, com 4.914.831 toneladas, em seguida, o Paraná, com uma produção
de 3.958.798 toneladas, e a Bahia, com 2.131.473 toneladas. O estado do Rio Grande do
Norte, objeto espacial-empírico de investigação desse trabalho, ocupou o 22º lugar entre os
estados brasileiros, com uma produção de 160.286 toneladas de mandioca no ano de 2014.
A mandioca é uma cultura de muita relevância na formação territorial norte-rio-
grandense, enquanto produção alimentar, juntamente com outras culturas, como feijão e o
milho. Atualmente é cultivada em praticamente todo o estado, sobretudo nos municípios que
compõem a Microrregião Agreste Potiguar. A referida Microrregião responde em mais de
47% da produção estadual de mandioca, segundo IBGE/2014.
Em 2014, a produção de mandioca no estado aumentou satisfatoriamente,
comparando-se ao ano de 20135. Foram quase 80 mil toneladas produzidas a mais em relação
ao ano anterior. A seguir, tem-se uma tabela 1 com os municípios que mais produziram
mandioca no estado do Rio Grande do Norte no ano de 2014.
TABELA 1 - PRINCIPAIS MUNICÍPIOS PRODUTORES DE
MANDIOCA NO RIO GRANDE DO NORTE (2014)
Município Produção (t)
1º Januário Cicco (Boa Saúde) 40.600
2º Touros 18.500
3º Pureza 18.000
4º Lagoa d´Anta 7.500
5º Senador Elói de Souza 7.200
5 O ano de 2013 é marcadamente o pior em termos de produção de mandioca no estado desde a década de 1990.
Tal fato é explicado pela seca que ocorreu no referido ano e que afetou bastante a produção de mandioca,
rareando a oferta e elevando o preço da raiz, a matéria-prima. Na ocasião, algumas indústrias de farinha foram
fechadas, outras, mantiveram suas atividades de forma intermitente, isto é, apenas quando aparecia a matéria-
prima.
48
6º Tenente Laurentino Cruz 5.400
7º Ceará-Mirim 5.000
8º Passa e Fica 4.800
9º Bom Jesus 4.200
10º Taipu 3.600
Fonte: IBGE. Produção Agrícola Municipal, 2014.
Como se pode observar na tabela anterior, os dados são bastante reveladores no
contexto geral da discussão empírica do presente trabalho. Desse modo, infere-se que a
representatividade dos municípios de Boa Saúde, Touros e Pureza no que concerne à
produção de mandioca no estado do Rio Grande do Norte, está relacionada possivelmente à
presença de assentamentos rurais de reforma agrária nesses municípios.
O município de Touros, localizado na região do Mato Grande, concentra uma
quantidade significativa de assentamentos, nos quais há o desenvolvimento de algumas
culturas, como a mandioca. Em Pureza, por exemplo, existe a “Associação dos Familiares do
Assentamento Bernardo Marinho”, cuja principal atividade é o cultivo de mandioca. Boa
Saúde, localizado na Região Agreste, também não escapa a essa lógica, uma vez que também
possui assentamentos rurais de reforma agrária; e ano após ano, tem se observado tanto o
aumento da área plantada (ha) quanto da própria produção em toneladas de mandioca no
referido município.
Associado a esse aspecto, há que considerar que a mandioca é fortemente cultivada
nos estabelecimentos rurais em que verifica-se a prática da agricultura familiar, geralmente
em consórcio com outras culturas, como o feijão. O cultivo dá-se em pequenas propriedades,
com área de menos de 10 até 30 hectares.
As condições edafoclimáticas também podem explicar a maior produção nos
municípios mencionados. A mandioca possui uma peculiaridade de adaptação às mais
diversas condições de clima e solo, pelo seu caráter resistente. Segundo o Idema (2008), os
municípios de Boa Saúde, Touros e Pureza possuem temperaturas máximas em torno de 32ºC,
o que torna viável a produção.
Tratando-se do processo de beneficiamento de mandioca no Rio Grande do Norte, a
partir dos anos 1980, passam a ocorrer mudanças que vão interferir diretamente na produção e
nas relações de trabalho. Nesse contexto, é válido destacar a transformação, embora que
gradual, das casas de farinha em indústrias de farinha, estas sendo cada vez mais marcadas
49
por instrumentos técnicos movidos à eletricidade, diminuindo a necessidade de mão de obra e
do trabalho braçal.
O modelo de transformação das casas em indústrias de farinha está de acordo com a
portaria número 326 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), e consultoria
especializada do Sebrae, Emater e Emparn, somado ao fornecimento de crédito para a
atividade proveniente do Banco do Nordeste e do Banco do Brasil. Salvador (2010)
compreende esse processo de transformação como “modernização da atividade
mandioqueira”6.
A modernização da atividade mandioqueira trouxe mudanças que incrementaram a
produção no plantio da raiz, mas o beneficiamento da mandioca foi o que mais sofreu
interferência no processo. Apesar de ainda conservar principalmente mulheres no tratamento
da matéria-prima, isto é, na raspagem manual da raiz, a produção de farinha é feita de forma
industrial. Nesse viés, destaca-se a agroindústria de Farinha dos Anjos, localizada no distrito
de Cobé, município de Vera Cruz, dentre outras localizadas no Agreste Potiguar. É importante
mencionar que a modernização da referida atividade deu-se de forma seletiva no território
potiguar, e em uma relação de complementaridade entre as técnicas utilizadas.
Na referida agroindústria, que já foi considerada modelo de modernização das casas de
farinha no país, houve a substituição de todos os equipamentos, como por exemplo, os antigos
tanques de madeira utilizados para a lavagem da mandioca que foram trocados por tanques de
fibra de vidro. Outro exemplo, também a partir da fibra de vidro, foi a inserção de um
depósito de friagem (figura 3), onde é colocado o produto antes de seguir para a embalagem,
conferindo assim, mais higiene e boa conservação do produto.
6 Entende-se por atividade mandioqueira o cultivo da mandioca com a transformação dessa em farinha e em
outros derivados (SALVADOR, 2010).
50
Sobre as indústrias de farinha, que no presente trabalho optou-se por utilizar a
denominação “agroindústria”, é interessante evidenciar que estas encontram-se concentradas
principalmente nos municípios de Vera Cruz e Brejinho; mas também estão localizadas nos
municípios de Serrinha, São Gonçalo do Amarante, Macaíba e no município de São Vicente,
de acordo com os dados do Sistema da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do
Norte (FIERN), no qual verifica-se um total de 15 (quinze) agroindústrias cadastradas,
responsáveis pela “fabricação de mandioca e derivados” (CNAE 2.0). Vale destacar que, a
grande maioria desses estabelecimentos, encontra-se na zona rural dos municípios
anteriormente mencionados. O mapa 1 a seguir, mostra a distribuição das agroindústrias e o
número de empregos formais gerados no âmago do processo de produção de farinha no estado
do Rio Grande do Norte.
Figura 3 – Depósito de friagem, destinado ao armazenamento da farinha na
Agroindústria dos Anjos
Fonte: Raquel Silva dos Anjos, 2016.
51
Mapa 1 - Distribuição das agroindústrias e empregos na produção de farinha no Rio Grande do Norte (2015)
52
Conforme os dados do Cadastro Industrial, realizado pela Federação das Indústrias do
Rio Grande do Norte (FIERN), as agroindústrias de farinha situadas no estado empregam um
total de 73 funcionários. A maior parte destes postos de trabalho está no município de Vera
Cruz7, onde se localizam cinco unidades de beneficiamento de mandioca; seguido do
município de Brejinho com quatro unidades cadastradas (FIERN, 2015). Todavia, atenta-se
que, em face de um circuito espacial produtivo em vias de modernização, onde as tradicionais
casas de farinha ainda coexistem, e que não estão consequentemente cadastradas, há o
emprego de mão de obra familiar, assim como a existência de empregos não formalizados,
representando um déficit na estrutura organizacional, na qual boa parte dos sujeitos encontra-
se marginalizada no âmbito deste circuito espacial produtivo, submetidos, às vezes, ao
trabalho precário e de baixo retorno econômico.
Isso não significa, entretanto, que as condições de trabalho nas indústrias de farinha de
mandioca e outros derivados são obrigatoriamente melhores do que nas unidades artesanais. O
mesmo pode aplicar-se à remuneração, considerando que os rendimentos nas unidades de
processamento e beneficiamento de mandioca são essencialmente maiores para os
proprietários, mas não necessariamente para os trabalhadores assalariados, especialmente os
ocupados com o processamento da matéria-prima.
Dos produtos gerados nas agroindústrias do setor mandioqueiro, a maior parte é
destinada para abastecer o próprio estado, mas a produção de farinha também abastece
mercados nos estados de Pernambuco e Ceará. A mandioca de mesa, conhecida no Nordeste
como macaxeira, é comercializada em feiras livres e distribuída em supermercados e
restaurantes, sobretudo na capital do Estado. Os produtos também são vendidos através do
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) – Compra Direta, ação do Governo Federal cujo
principal objetivo é o fortalecimento da agricultura familiar.
Um caso bem peculiar de produção agroindustrial por sua expressividade no território
potiguar apoia-se na indústria considerada referência na produção de alimentos derivados da
mandioca, a “Primícias do Brasil”, localizada em Macaíba-RN. A referida indústria atende
7 É interessante ressaltar com base nos dados da FIERN (2015) que, embora Vera Cruz detenha o maior número
de agroindústrias de farinha, não é o município que possui a maior produção atual de mandioca no Rio Grande
do Norte. No ano de 2014, o referido município atingiu uma produção de 1.500 toneladas, de acordo com o
IBGE. Na verdade, esse é um cenário bastante aparente quando se trata do descompasso existente entre a
localização das agroindústrias de mandioca e os principais municípios produtores da raiz no Rio Grande do
Norte. Destaca-se, assim, que a tradição cultural bem como as condições edafoclimáticas e a própria estrutura
fundiária tão marcada por minifúndios, tanto na Região Agreste quanto na Serra de Santana, onde prevalece o
cultivo de alimentos característicos da agricultura familiar, podem ser apontadas como as principais razões para
explicar essa realidade.
53
toda a região Nordeste, além do Pará e Brasília; e já teve demandas internacionais, vinda de
alguns países europeus e dos Estados Unidos. Seus produtos, com certificação de qualidade
BPF-PAS8, encontram-se disponíveis nas principais redes e lojas de atacado e varejo em toda
Região Nordeste, a citar: Carrefour, Hiper Bom Preço (figura 4), Maxxi Atacado, Hiper
Queiroz, Supermercado Nordestão, Atacadão, Assaí Atacadista, Rebouças Supermercados,
etc. A produção é automatizada, e a empresa destaca-se por ser a única no Brasil que atesta
produzir goma com água mineral9.
Na análise do circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca, deve-se
conjuntamente, atentar-se para o conjunto de fluxos imateriais relacionados que se
consubstanciam nos círculos de cooperação. Nesse sentido, destaca-se o Serviço de Apoio às
Pequenas e Grandes Empresas do Rio Grande do Norte (SEBRAE-RN) como um órgão de
apoio técnico para a própria transformação e funcionamento de muitas indústrias de farinha,
8 BPF: Boas práticas de fabricação.
PAS: Programa Alimentos Seguros. 9 Informações obtidas no endereço eletrônico da indústria “Primícias do Brasil”:
http://www.primiciasdobrasil.com.br/ .
Ressalta-se que, após meses de tentativas de realização de uma visita técnica na unidade, a partir de contatos
com funcionários (intermediação) via telefone e e-mail, não se obteve resposta do gerente administrativo da
empresa, que outrora ficou incumbido de colaborar com a pesquisa, através da concessão de uma entrevista.
Fonte: Raquel Silva dos Anjos, 2016.
Figura 4 - Comercialização da Goma Sinhá Maria, da indústria Primícias do Brasil,
no hipermercado Bom Preço – Natal/RN
54
inclusive, como fornecedor de licença ambiental, autorizada pelo Instituto de
Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (IDEMA-RN).
Vale ressaltar que, antes de receberem a licença ambiental, as indústrias de farinha
precisam, primeiramente, de um alvará sanitário, como requisito para poderem ser atestadas
pelo referido órgão. O SEBRAE-RN é responsável também por alguns projetos que objetivam
desenvolver técnicas de manejo sanitário e cultivo da mandioca.
O circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca faz uso do território
potiguar a partir das dinâmicas que dele são provenientes e inerentes. Os círculos de
cooperação são importantes por conectar as etapas que estão espacialmente dispersas,
facilitando o entendimento da circularidade da produção. A seguir, será discutido o conceito
de território e, por conseguinte, a noção de território usado.
2.2.1 Território: uma aproximação teórico-conceitual
O território por muito tempo foi interpretado apenas como uma configuração física
circundada por fronteiras políticas no interior das quais o Estado exerce poder e soberania
(CATAIA, 2013). Todavia, em torno dessa concepção, há uma crítica propriamente
geográfica, que reside na ideia de que o Estado nunca foi, de fato, a única fonte do poder a
usar o território. Nesse viés, Raffestin (1993), questiona a geografia (política) por, durante
anos, ter concebido o Estado como uma instância apartada das contradições sociais.
Tratando sobre a evolução do referido conceito geográfico, Gottmann (2012, p. 523)
entende que
Território é uma porção do espaço geográfico que coincide com
a extensão espacial da jurisdição de um governo. Ele é o
recipiente físico e o suporte do corpo político organizado sob
uma estrutura de governo. Descreve a arena espacial do sistema
político desenvolvido em um Estado nacional ou uma parte
deste que é dotada de certa autonomia. Ele também serve para
descrever as posições no espaço das várias unidades
participantes de qualquer sistema de relações internacionais.
Podemos, portanto, considerar o território como uma conexão
ideal entre espaço e política. Uma vez que a distribuição
territorial das várias formas de poder político se transformou
profundamente ao longo da história, o território também serve
como uma expressão dos relacionamentos entre tempo e
política.
55
A concepção de Jean Gottmann (2012) sobre o território parte mais de um
entendimento político-jurisdicional, sem levar em consideração, portanto, sua complexidade.
Outro geógrafo importante que tratou a respeito do conceito de território foi Claude
Raffestin (1993). O autor, primeiramente, faz uma distinção entre espaço e território,
enfatizando que não são termos equivalentes, pois acredita que “o espaço é anterior ao
território, e este se forma a partir do espaço” (Raffestin, 1993).
Para Raffestin (1993), ao se apropriar do espaço, concreta ou abstratamente, o ator
“territorializa” o espaço. Nessa perspectiva, conforme o autor, o território é um espaço onde
se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por consequência, revela relações
marcadas pelo poder. O espaço é compreendido como a “prisão original”, o território, por sua
vez, é uma espécie de prisão que os homens criaram para si (RAFFESTIN, 1993).
O território é assim, uma produção a partir do espaço que se inscreve em um campo de
poder (RAFFESTIN, 1993). É oportuno ressaltar que a relação entre território e poder, foi
primeiramente pensada pelo geógrafo alemão Friedrich Ratzel, sob a perspectiva do espaço
vital, o qual, segundo Corrêa (2000, p. 18), “expressa as necessidades territoriais de uma
sociedade em função de seu desenvolvimento tecnológico, do total da população e dos
recursos naturais.
De acordo com a perspectiva de Santos (2005a), o território é entendido como um
espaço efetivamente usado pela sociedade e pelas empresas. O território passa, então, de uma
categoria discursivamente exclusiva do Estado, para uma categoria inclusiva (CATAIA,
2013). Com base nisso, Santos e Silveira (2001), entendem o território como a extensão
apropriada e usada. Surge, dessa forma, a noção “território usado”, apontando para a
necessidade de um esforço destinado a analisar sistematicamente a constituição do território.
Na formação social dos Estados Nacionais, o território tem um papel importante,
havendo ainda muito pouca compreensão sobre esta dimensão nova dos seus estudos. É bom
lembrar que “tudo passa, mas os territórios, espaços efetivamente usados, permanecem”
(Souza, 2002, p.1). Nesse sentido, a perspectiva teórica por meio da qual se buscará
compreender o conceito de território nesse trabalho, está baseada na ideia de território usado,
este último sendo sinônimo de espaço banal, pois como bem destaca Santos et.al. (2001, p. 2)
O conceito de território usado conduz à ideia de espaço banal, o
espaço de todos, todo o espaço. Trata-se do espaço de todos os
homens, não importa suas diferenças; o espaço de todas as
instituições, não importa a sua força; o espaço de todas as
empresas, não importa o seu poder. Esse é o espaço de todas as
56
dimensões do acontecer, de todas as determinações da
totalidade social.
Em “O retorno do território”, Santos (2005, p.255) afirma que o uso do território
trata-se de uma forma impura, um híbrido, uma noção que, por
isso mesmo, carece de constante revisão histórica. O que ele
tem de permanente é ser nosso quadro de vida. Seu
entendimento é, pois, fundamental para afastar o risco de
alienação, o risco da perda do sentido da existência individual e
coletiva, o risco de renúncia ao futuro.
Para Santos (2005a), o território são formas, mas o território usado são objetos e
ações, sinônimo de espaço humano, espaço habitado. O uso do território pode ser definido
pela implantação de infraestruturas, as quais são denominadas “sistemas de engenharia”, mas
também pelo dinamismo da economia e da sociedade (SANTOS e SILVEIRA, 2001). Nesse
ínterim, cabe entender a técnica enquanto parte constituinte e elemento de transformação do
território (SANTOS, 2008).
A técnica é em Santos (2008) o processo constitutivo do território, técnica e território
vivendo uma relação recíproca de constituição. Não há território desprovido de objetos e
ações técnicas, e não há técnica fora de um território, reforçando o entendimento de Santos
(2008) quanto ao fato da técnica ser em si só uma espécie de meio. Vale ressaltar que o
processo de propagação desigual das técnicas é a um só tempo, causa e consequência, da
implantação seletiva destas sobre o território; o que possibilita a existência de subsistemas
técnicos diferentemente datados em uma mesma fração do território, isto é, elementos
técnicos provenientes de épocas diversas em convivência.
Nessa relação entre técnica e território, Linhares (2006) segue a mesma linha de
pensamento, quando afirma que a realidade espacial também é fortemente condicionada e
definida pela base técnica. O território cada vez mais se configura conforme as engenharias
técnicas que lhe são superpostas. Para outros autores, a técnica é o resultado do
aprimoramento humano, a exemplo de Ortega y Gasset (1963, p. 5), o qual define a técnica
como “[...] a reforma que o homem impõe à natureza em vista da satisfação de suas
necessidades”, sendo um instrumento de interposição das relações existentes entre os sujeitos
e o conjunto dos objetos socialmente construídos.
Há que se atentar também para as várias desigualdades que marcam o território. Dessa
forma, Santos e Silveira (2001) reconhecem os territórios da fluidez e da viscosidade, da
57
densidade e da rarefação, da luminosidade e da opacidade, da rapidez e da lentidão, bem
como os territórios que mandam e os que obedecem. Compreende-se que essas atribuições ao
território não são estáticas ou se dão de forma homogênea, pelo contrário, obedecem a uma
perspectiva complexa.
Diante do que foi apresentado, considera-se que, para além do espaço reticular e
racional da ação hegemônica, o território, quando compreendido como território usado,
espaço banal, aparece como recurso analítico pleno de um caráter político e humanista,
porque precisa necessariamente contemplar todos os interesses e todas as razões de ser (e de
existir), de todos os agentes (PEREIRA e KAHIL, 2010). Entretanto, tais agentes fazem o uso
do território de formas distintas, isto é, o território pode constituir-se como um abrigo ou um
recurso. Tais perspectivas do uso do território serão tratadas na próxima seção.
2.2.2 Abrigo e recurso: perspectivas do uso do território
Originalmente, a expressão território como abrigo e como recurso aparece em Jean
Gottmann (1975), sendo reelaborada posteriormente por Milton Santos (2000). Nessa
perspectiva, o geógrafo francês assinala que
por ser tradicionalmente usado tanto como abrigo quanto como
recurso, o território cria um dilema básico para seu povo. Ele
pode tentar desenvolver os recursos como um sistema
autocontido, tendo em mente o uso como abrigo. Pode também
adotar uma atitude completamente diferente e usar o território
para desenvolver os recursos próprios dos lugares, numa grande
rede de relações diversas, com uma mentalidade expansionista
(GOTTMANN, 2012, p. 532).
Em uma concepção mais contemporânea, sobre as perspectivas do uso do território,
Souza (2005, p. 252) complementa
Milton Santos chama a atenção para a necessidade de hoje
refinarmos o conceito de território de modo a distinguir aquele
território de todos, abrigo de todos, daquele de interesse das
empresas. O primeiro ele conceituará como território normado,
e o segundo, como território como recurso, território como
norma ou território das empresas.
Com isso, para os agentes hegemônicos, o território usado é um recurso, garantia da
realização de seus interesses particulares. Desse modo, o rebatimento de suas ações conduz a
58
uma constante adaptação de seu uso, com adição de uma materialidade funcional ao exercício
das atividades exógenas ao lugar, aprofundando a divisão social e territorial do trabalho,
mediante a seletividade dos investimentos econômicos que gera um uso corporativo do
território (SANTOS et.al., 2000).
Para Pereira e Kahil (2010), o uso do território como recurso pode ser compreendido,
no mais das vezes, como resultado de projetos particulares, orientados por uma razão que tem
vistas somente para finalidades específicas e previamente (racionalmente) determinadas,
aparecendo assim como um uso indiferente ao meio próximo, alheio ao meio circundante. O
uso do território como recurso atesta, no mais das vezes, o espaço econômico nos termos
propostos por François Perroux (1975) em meados do século XX.
Por outro lado, Santos et.al. (2000) considera, que as situações resultantes
possibilitam, a cada momento, entender que se faz mister considerar o comportamento de
todos os homens, instituições, capitais e firmas. Os distintos agentes não possuem o mesmo
poder de comando levando a uma multiplicidade de ações, fruto do convívio dos atores
hegemônicos com os hegemonizados. Dessa combinação, tem-se o arranjo singular dos
lugares.
Os atores hegemonizados, por sua vez, têm o território como um abrigo, buscando
constantemente se adaptar ao meio geográfico local, ao mesmo tempo que recriam estratégias
que garantam sua sobrevivência nos lugares. É neste jogo dialético que a totalidade é
recuperada (SANTOS et.al, 2000).
Nessa perspectiva, embora tratando diretamente da realidade do Agreste Potiguar,
Salvador (2011) revela que os produtores de mandioca, em sua maioria, vivem em condições
precárias de vida e trabalho. Isso porque os referidos agentes não conseguem cultivar mais
produtos e gêneros alimentícios em suas pequenas propriedades; outros, por sua vez, não
possuem sequer a propriedade e arrendam as terras. Ao arrendar, os agricultores ficam
subordinados aos interesses dos donos das terras, tendo-lhes que entregar, no final do
arrendamento, metade do que produziram. Vale ressaltar que esta é a forma de arrendamento
de terras mais usual no Rio Grande do Norte, mas que existem outros tipos. Os produtores de
mandioca não se encontram subordinados apenas aos interesses dos proprietários de maiores
áreas de terras
Esses agricultores também se encontram submetidos aos
ditames dos compradores de mandioca (intermediários e donos
de casas ou de indústrias de farinha), que exigem que a
mandioca seja cultivada com a utilização de adubos e/ou de
59
insumos (venenos, sobretudo) químicos, com alta rentabilidade
e no menor tempo possível. Isso faz com que os produtores
tenham altos gastos com o cultivo dessa planta, já que têm de
lançar mão de quantias consideráveis para a compra desses
adubos e insumos, assim como para pagamento do aluguel de
tratores para efetuarem rapidamente o preparo da terra para o
plantio (SALVADOR, 2011, p. 12-13).
Em outras palavras, Silva (1982, p. 31)
(...) a produção de alimentos fica relegada aos estabelecimentos
que estão naturalmente impossibilitados de assumir um
comportamento empresarial (pequenos proprietários,
arrendatários, parceiros e ocupantes) que basicamente
produzem a sua própria subsistência gerando um pequeno
excedente para o mercado. Essa dispersão da produção em
pequenas unidades cria a necessidade de um grande número de
intermediários, fazendo com que, sobrevindo uma eventual
escassez de gêneros alimentícios, o diferencial de preços se
dilua pelas numerosas escalas existentes entre o pequeno
produtor e o consumidor final.
Observa-se, assim, a perversidade imbricada nessa relação entre os agentes
hegemonizados e os agentes hegemônicos na atividade mandioqueira no Rio Grande do
Norte. O território usado, visto como uma totalidade é, portanto, um campo privilegiado para
análise, na medida em que, de um lado, nos revela a estrutura global da sociedade e, de outro
lado, a própria complexidade do seu uso (SANTOS et.al., 2000). Nessa perspectiva, cabe
avaliar e aprofundar a discussão, de como o território potiguar, no que concerne à produção
agroindustrial de mandioca, tem sido usado enquanto abrigo de todos e enquanto recurso,
pelos agentes hegemônicos.
2.2.3 Circularidade da produção, uso e organização do território
Para o entendimento de um circuito espacial de produção, além da atividade produtiva
dominante, a logística, os agentes envolvidos e seus círculos de cooperação, deve-se analisar
o uso e a organização do território.
Conforme Castillo e Frederico (2010), de maneira geral, o uso e a organização
territorial referem-se à quantidade, à qualidade, à distribuição e ao arranjo espacial dos
sistemas de objetos envolvidos na circularidade da produção, e a maneira como são usados,
possibilitando verificar, a um só tempo, a organização interna dos subespaços, o uso seletivo
dos sistemas técnicos e a forma como são estabelecidas as relações com outros subespaços.
60
No atual período, a definição no que concerne à localização das atividades produtivas
dominantes é resultado, sobremaneira, de decisões corporativas sobre os atributos materiais e
normativos dispostos nos lugares; sendo tarefa do pesquisador tentar entender o sentido dessa
localização. Para Santos (1996), a identificação da hierarquia entre os lugares também faz
parte desse procedimento analítico, distinguindo os lugares que produzem massa e abrigam o
comando técnico da produção dos lugares que produzem fluxos e detém o comando político
da produção.
Cada lugar abriga, ao mesmo tempo, diferentes etapas de diversos circuitos
produtivos, permitindo: confrontar a configuração territorial pretérita com os novos arranjos
espaciais produtivos; avaliar o papel das densidades normativas, inclusive as solidariedades
institucionais e as relações de conflito e cooperação entre as diversas escalas do poder
público; e identificar a hierarquia entre os lugares e as diversas temporalidades coexistentes
(CASTILLO e Frederico, 2010).
Portanto, busca-se apreender a constituição do território a partir dos seus usos, do seu
movimento conjunto e de suas partes, reconhecendo as respectivas complementaridades.
Desse modo, é discutida a divisão territorial do trabalho e os círculos de cooperação, o que, ao
mesmo tempo, permite pensar o território como ator e não apenas como um palco, isto é, o
território no seu papel ativo (SANTOS e SILVEIRA, 2001).
No próximo capítulo, de maneira geral, será discutido o trâmite da cultura de
mandioca no país, enfatizando sua importância, principalmente na alimentação.
Posteriormente, a discussão será voltada para a produção de mandioca no território norte-rio-
grandense, enfatizando os entraves e as perspectivas nesse processo.
61
Capítulo 2
500 anos de mandioca “mãedioca”
Agora é hora de apresentar pra ‘vosmecês’
Uma velha e grandiosa paisagem
Pioneira na alimentação dos povos indígenas
Personagem muito importante
Na formação da nação pindorama brasileira
Essa paisagem, nasce da manaíba
Portanto, é preciso saber plantar
E zelar
Daí ela prospera, cresce
E a raiz, grande riqueza (...)
Composição: João Bá
Álbum: Pica-Pau Amarelo (2003)
Obra “Descascadores de mandioca”, de Rubens Belém. Técnica: acrílico s/ tela / Dimensão:
89x136cm. 1° lugar no 9° Salão Manaus Marinha, 2008.
62
3 UMA LEITURA GEOGRÁFICA SOBRE A MANDIOCULTURA: breve histórico,
processos e conteúdos
A mandioca é considerada a mais brasileira das culturas, por ser originária do Brasil e
cultivada em todo o território nacional (SILVA, 2016). É um produto voltado para atender
necessariamente o mercado interno, constituindo-se um dos alimentos de base para o
abastecimento da população brasileira, seja in natura ou a partir de seus derivados, mas que
também assume significância na alimentação animal e na indústria (alimentícia e química).
Com capacidade de desenvolvimento e produtividade sobre condições edafoclimáticas
nas quais outras espécies sequer sobreviveriam, segundo Silva (2016), a mandioca tem
incorporado em seu cultivo novas técnicas produtivas, embora de modo menos intenso, o que
tem propiciado melhorias no desenvolvimento da cultura de maneira geral.
O fato é que a mandiocultura possui grande relevância, pois faz parte da formação
territorial brasileira como um todo, sustentando-se nos dias atuais, sobretudo, pelas mãos de
pequenos produtores, em face à sua desvalorização e às fragilidades das políticas públicas
voltadas para o fortalecimento da agricultura familiar no Brasil. Nesse aspecto, de forma
abrangente, o segundo capítulo desse trabalho apresenta, inicialmente, um breve histórico da
cultura de mandioca no Brasil e, por conseguinte, trata da formação territorial e da produção
de mandioca no estado do Rio Grande do Norte.
3.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE A CULTURA DA MANDIOCA NO BRASIL
Nas palavras do escritor e folclorista Luís da Câmara Cascudo (2004) mesmo fraca,
incompleta, irregular, defeituosa, subalterna, inferior, a mandioca pode ser considerada como
a “Rainha do Brasil”, ostentando uma “coroa irrenunciável”, denotando seu valor e presença
em praticamente todas regiões do país. Desse modo, dada sua relevância na compreensão e no
resgate, de forma literal, das raízes do processo de formação territorial de muitas cidades e
estados brasileiros, é reconhecida a importância de uma abordagem a respeito da
mandiocultura no Brasil.
Nessa perspectiva, sobre a procedência da mandioca o autor Bruno Zétola (2007),
afirma que, ao contrário do inhame, cuja origem é africana, a mandioca tem suas raízes no
Brasil, no sudoeste da bacia amazônica, e foi entre os indígenas da costa leste da América do
Sul que se tornou elemento indispensável e constitutivo da vida social.
Tratando da “Matriz Tupi”, Darcy Ribeiro (1995) afirma que na escala da evolução
cultural, os grupos indígenas davam os primeiros passos da revolução agrícola, superando
63
assim a condição paleolítica, tal como ocorrera pela primeira vez, há dez mil anos, com os
povos do velho mundo. É de assinalar que eles o faziam por um caminho próprio, juntamente
com outros povos da floresta tropical que haviam domesticado diversas plantas, retirando-as
da condição selvagem para a de mantimento de seus roçados.
Entre elas, a mandioca, o que constitui uma façanha extraordinária, porque se tratava
de uma planta venenosa a qual eles deviam, não apenas cultivar, mas também tratar
adequadamente para extrair-lhe o ácido cianídrico, tornando-a comestível10. É uma planta
preciosíssima porque não precisa ser colhida e estocada, mantendo-se viva na terra por meses
(RIBEIRO, 1995).
Acrescenta-se a isso que a mandioca foi a principal base alimentar utilizada durante
todo o período de colonização brasileira, uma vez que os portugueses tiveram que se adaptar à
alimentação nativa para garantir a sobrevivência, e por sua vez, o sucesso da empreitada
colonizadora. Segundo Cascudo (2004) o europeu no Brasil ampliava as plantações de
mandioca, classicamente as roças, historicamente as granjearias, comendo, vendendo,
comprando e valorizando, além de exportar a mandioca para as colônias africanas11. A
moenda da mandioca era realizada por meio de casas de farinha, onde engenhocas de ferro
substituíam as madeiras na fabricação do derivado.
Nesse ínterim é oportuno evidenciar que o inhame, alimento de significativa
importância para os lusitanos, era o referencial mais próximo que possuíam os portugueses no
momento em que tentavam descrever a mandioca para seus conterrâneos. Relatando sobre o
“descobrimento” do Brasil, o escrivão-mor Pero Vaz de Caminha que aportou em terras
brasileiras, endereçou uma carta ao então rei de Portugal D. Manuel I, e nela constava a
relação do gentio com a mandioca, a qual foi denominada de inhame, por apresentar
características que se assemelhavam à primeira.
Segundo Amorim (2015) havia um desconhecimento inicial das técnicas e cultivo da
mandioca em forma de lavouras, e os europeus estavam mais adaptados com as práticas da
agricultura de grandes roteamentos, por isso, a técnica de cultivo indígena prevaleceu. Nesse
sentido, Zétola (2007) esclarece que os indígenas derrubavam uma parte da mata nativa,
10 É importante destacar que o uso da mandioca pelos indígenas não se limitava apenas à alimentação, uma vez
que também lhe eram atribuídas propriedades medicinais (SALVADOR, 2010). Além disso, de acordo com
Zétola (2007), a importância da mandioca para os indígenas brasileiros pode ser atestada por meio de lendas
etiológicas, que lhe remontam uma origem sagrada, à maneira do que acontece com outros alimentos basilares
em culturas rurais. 11 Como consequência dessa exportação, países como Nigéria, República Democrática do Congo, Gana e Angola
são atualmente grandes produtores mundiais de mandioca, incorporando-a ao seu processo produtivo e de
alimentação humana e animal (FILGUEIRAS e HOMMA, 2016).
64
geralmente por meio de queimadas, e plantava-se a mandioca nas primeiras chuvas. Após
usarem a terra por alguns anos, abandonavam-na para plantar em outra parte.
Sobre a importância da cultura de mandioca no Brasil, os autores Filgueiras e Homma
(2016) acreditam que esta pode ser dimensionada pelo fato de que, em 1824, quando o
Imperador Dom Pedro I outorgou a Primeira Constituição do Brasil, na qual ficou
estabelecido que somente os indivíduos que possuíssem rende renda superior ou igual a 150
alqueires de mandioca, teria efetivo direto ao voto, daí a origem da expressão “Constituição
da Mandioca”. Os deputados e senadores eleitos nesse período deveriam contar, também, com
renda superior ou igual a 500 e 1.000 alqueires de farinha, respectivamente (FILGUEIRAS e
HOMMA, 2016).
Ainda no século XIX, a rudimentar técnica utilizada para o plantio da mandioca era
praticamente a mesma que fora herdada dos povos indígenas, o que só era possível em virtude
da imensidão de terras disponíveis no Brasil. Em 1850, com a publicação da Lei de Terras
o Estado avoca para si a propriedade dos solos devolutos. O
resultado é a transformação da terra, e principalmente da terra
fértil, em mercadoria altamente valorizada. Essa lei deve ser
entendida no âmbito da tentativa de “modernização” do país.
Apontando-se para a abolição da escravidão, essa medida
permitia ao governo conceder terras para imigrantes europeus,
considerados muito mais “morigerados e laboriosos” que os
africanos pelas elites locais (ZÉTOLA, 2007, p. 51).
Mais tarde, como consequência do projeto modernizador no país, houve uma
significativa transformação na estrutura agroalimentar nacional, pois inaugurava uma nova
forma de propriedade (a pequena produção), nova unidade econômica (a família), novo tipo
de relação de produção (o campesinato autônomo e o Estado) e o novo padrão de produção,
por meio de técnicas trazidas pelos imigrantes estrangeiros (ZÉTOLA, 2007).
A cultura que garantiu a sobrevivência de muitos brasileiros e permitiu a expansão e
fundação de São Paulo (relatada em cartas escritas pelo Pe. José de Anchieta), bem como dos
estados da Bahia e Pernambuco e algumas cidades nordestinas (sobretudo litorâneas); chegou
a ser retratada em pintura pelo francês Albert Eckhout (figura 5) quando este fazia parte da
comitiva científica e artística do Conde João Maurício de Nassau que atuou na tentativa de
dominação do nordeste brasileiro no século XVII. De acordo com Amorim (2015), a obra
ilustra a relação entre os europeus e os insumos nativos do Brasil, compreendendo um
importante recurso didático visual.
65
O fato é que a mandiocultura ainda possui notável importância no Brasil. Para efeito
de informação, dados mais recentes da Produção Agrícola Municipal do IBGE, ano de 2015,
revelam que o Brasil apresenta uma área plantada de 1.536.161 e correspondente área colhida
de 1.512.660 hectares de mandioca, o que é bastante significativo, embora seja considerada
uma cultura temporária. Embora a cultura de mandioca esteja presente em todo o território
nacional, é importante que se tenha clareza de que não existe homogeneidade em suas práticas
de produção e processamento artesanal ou industrial.
Conforme Filgueiras e Homma (2016) o Brasil, em 2012, era o quarto maior produtor
de mandioca do mundo e, no período de 1990 a 2012, a área plantada no Brasil apresentou
uma redução de 11,03%. Os autores ainda revelam que, entre as regiões brasileiras, o
Nordeste e Norte, no ano de 2013, foram responsáveis por 37,91% e 32,49% da área plantada,
respectivamente, tendo a região Norte elevado a área cultivada nos últimos anos e apresentado
desempenho em toneladas superior à região Nordeste.
O cultivo de mandioca assume papel preponderante na agricultura familiar ao
contribuir para a segurança alimentar das famílias que vivem no meio rural, bem como ao
possibilitar a geração de trabalho e renda por meio da venda dos produtos derivados.
Entretanto, o consumo de mandioca e seus derivados não se faz somente pelas famílias do
meio rural, ele se estende aos lares das famílias urbanas brasileiras (EMBRAPA, 2016),
chegando, inclusive, aos grandes restaurantes e redes de hotéis.
Fonte: AMORIM, 2015.
Figura 5 - Obra “A mandioca”, de Albert Eckhout (1640)
66
Tendo em vista esse conjunto de informações, reforça-se que a mandioca constitui um
dos ingredientes essenciais nos hábitos alimentares dos brasileiros de todas as regiões,
principalmente sob a forma de farinha, assumindo em cada uma destas, usos específicos
associados a traços culturais específicos, a exemplo dos churrascos gaúcho, acompanhamento
das caças e pescados no Centro-Oeste e no Amazonas, , assim como nas faixas litorâneas,
especialmente no Nordeste, onde é utilizada no preparo dos pirões (ZÉTOLA, 2007). A
seguir, tem-se o desenvolvimento de uma discussão em torno da farinha de mandioca
enquanto alimento de consolidada importância no regime alimentar brasileiro.
3.1.1 A farinha: derivado importante na alimentação brasileira
Conforme a região do país, a mandioca (manihot esculenta Crantz, sinônimo manihot
utilissima) recebe várias denominações como macaxeira, aipim, macamba, entre outras, sendo
uma espécie de planta da família Euphorbiaceae (euforbiácea), a única, dentre as 98 espécies,
cultivada para fins de alimentação (SEBRAE, 2008).
Para melhor esclarecimento, os autores Cunha e Farias Neto (2016) classificam as
variedades de mandioca em “brava” (que origina a farinha, o tucupi, a goma, etc.) e “mansa”,
macaxeira ou aipim (que é utilizada para consumo in natura). Esta última também recebendo a
denominação de “mandioca de mesa”.
Apresentando pouca diferenciação em relação à classificação anterior, sob o ponto de
vista agronômico, Conceição (1981) afirma que as cultivares em exploração podem ser
agrupadas conforme sua toxidade em: A- Mandioca brava, amarga ou venenosa, de
utilização industrial; B- Mandioca mansa, doce, inócua, de mesa, aipim ou macaxeira, de
uso culinário.
O autor reforça a variação relacionada à nomenclatura regional da mandioca, podendo
uma mesma cultivar ter diferentes nomes e um mesmo nome ser comum a mais de uma
cultivar. Acrescenta ainda que há uma confusão notória reinante quanto aos nomes e
características das mandiocas brasileiras, devida ao regionalismo. Sabe-se, entretanto, que nas
Regiões Norte e Nordeste do Brasil, a raiz é comumente chamada de macaxeira, ao passo que
nas Regiões Sudeste e Sul do país, é conhecida como aipim ou simplesmente mandioca, tanto
para designar a “brava” quanto a “mansa”.
Quanto à classificação correlacionada com as condições edafoclimáticas, ciclo da
planta, tratos culturais, espaçamento, efeito verietal, etc., as subdivisões das mandiocas bravas
67
e mansas estão descritas no quadro 2 a seguir, conforme Albuquerque (1969, apud
CONCEIÇÃO, 1981):
QUADRO 2 - CLASSIFICAÇÃO DA MANDIOCA
Segundo a coloração da película suberosa 1. Branca, 2. Cinza, 3. Marrom
Quanto à superfície da película suberosa 1. Lisa, 2. Áspera, 3. Muito áspera
Quanto à coloração do córtex (parte
externa ou camada felógena)
1. Branca, 2. Creme, 3. Arroxeada, 4.
Rósea
Quanto à coloração da polpa 1. Branca, 2. Amarelada, 3. Creme
(intermediária)
Quanto ao teor de água nas raízes 1. Enxutas, 2. Meio enxutas, 3.
Agradas
Quanto ao rendimento no beneficiamento
(farinha, fécula, álcool) 1. Alto, 2. Bom, 3. Médio, 4. Baixo
Quanto à precocidade
1. Precoces (ciclo de 10 a 12 meses), 2.
Semiprecoces (ciclo de 14 a 16 meses),
3. Tardias (ciclo de 18 a 20 meses)
Quanto à produção de ramas e raízes 1. Muito boa, 2. Boa, 3. Regular, 4.
Baixa
Quanto ao esgalhamento (ramificação) 1. Alta (erectas), 2. Baixo (esgalhadas)
Quanto à resistência de pragas e moléstias 1. Muito resistente, 2. Resistente, 3.
Suscetível, 4. Muito suscetível
Quanto à cor da folhagem 1. Verde, 2. Roxa
No que se refere ao cultivo da mandioca, como evidenciado no subcapítulo anterior,
este já era realizado pelos nativos antes mesmo do “descobrimento” do Brasil. Quando os
portugueses aportaram no Brasil e a posse da terra começou a ser realizada, a mandioca
passou a ser reconhecida como o alimento regular, obrigatório, indispensável aos indígenas e
europeus recém-chegados ao Brasil (CASCUDO, 2004). Assim, a mandioca passa a ser
considerada o “pão da terra em sua legitimidade funcional. Saboroso, fácil digestão,
substancial” (CASCUDO, 2004, p. 90).
De acordo com Cascudo (2004), a mandioca constituía-se como um dos ingredientes
essenciais da alimentação indígena, sendo a matéria prima para feitura da farinha e os beijus.
Ainda conforme a compreensão de Cascudo (2004, p. 91) “o primeiro constituía o conduto
essencial e principal, acompanhando todas as coisas comestíveis, da carne à fruta. O segundo,
Fonte: CONCEIÇÃO, 1981.
68
era a primeira matalotagem de jornada, de guerra, caça, pesca, permuta, oferenda, aos
amigos”.
A farinha de mandioca, a qual os portugueses chamavam farinha-de-pau, também
servia como importante mantimento para os lusitanos em terras brasileiras. Segundo Cascudo
(2004) não existindo prensas como as atuais, e antes não passando por um ralador eficiente, a
farinha indígena apresentava uma granulometria grossa, diferentemente da massa compacta e
fina de nossos dias. Conforme os estudos de Cascudo (2004) para a produção de farinha, a
mandioca era raspada, sendo utilizado para este fim espinhos de plantas, arcada dentária de
espécies de animais e cascas de ostras. Após esse processo inicial, a pasta da mandioca era
espremida à mão ou no tipiti, sendo este um cesto cilíndrico de palha bastante utilizado para
atender tal função (CASCUDO, 2004). O autor ainda cita um hábito comum registrado pelo
missionário e escritor francês Jean de Léry, em meados do século XVI no Brasil
a técnica de jogar farinha seca à boca sem que nenhum grão se
perdesse: “Os tupinambás, tanto os homens como as mulheres,
acostumados desde a infância a comê-la seca em lugar do pão,
tomam-na com os quatro dedos na vasilha de barro ou em
qualquer outro recipiente e a atiram, mesmo de longe, com tal
destreza na boca que não perdem um só farelo. E se nós
franceses os quiséssemos imitar, não estando como eles
acostumados, sujaríamos todo o rosto, ventas, bochechas e
barbas” - Viagem, 114. O hábito ficou no povo brasileiro,
especialmente o do interior (CASCUDO, 2004, p.99).
“A farinha é, assim, o primeiro conduto alimentar brasileiro pela extensão e
continuidade nacional” (CASCUDO, 2004, p. 96). Sua importância é retratada desde a
literatura às músicas populares brasileiras. Ao longo da história, sempre esteve associada à
escassez, como alimento necessário para dar volume, encher e saciar, principalmente ao se
tratar das camadas menos favorecidas. Por essa razão, o alimento chegou a ser chamado
demagogicamente, segundo Castro (1984) de “pão dos pobres” por um político nordestino.
No nordeste brasileiro, a farinha de mandioca sempre esteve presente nas refeições
diárias, seja na preparação do pirão, sinônimo da própria alimentação brasileira, de acordo
com Cascudo (2004); seja como complemento de outros alimentos, a exemplo do feijão ou
ainda na forma de farofa. Em trecho da obra “Fome: um tema proibido”, de Josué de Castro, o
autor mostra como o derivado, no caso a farofa, servia como importante acompanhamento
(por vezes, o alimento principal) na dieta nordestina. Nas palavras de Castro (2003a, p. 25)
69
Nas terras pobres e famintas do nordeste brasileiro, onde nasci,
é hábito servir-se um pedacinho de carne seca com um prato
bem cheio de farofa. O suficiente de carne – quase um nada
para dar gosto e cheiro a toda montanha de farofa feita de
farinha de mandioca, escaldada com sal.
Em algumas áreas do Nordeste, o consumo expressivo da farinha de mandioca chegou
a provocar algumas carências nutricionais, isso decorrendo do fato da farinha de mandioca ser
um alimento bastante inferior não só em teor proteico, mas também vitamínico e mineral,
comparando-se à farinha de trigo, de que é fabricado o “pão dos ricos” (CASTRO, 1984).
As regiões Norte e Nordeste são as maiores consumidoras de farinha de mandioca no
Brasil, respectivamente (ROSA NETO e MARCOLAN, 2010). O consumo passa a adquirir
novas nuances, não apenas como um alimento que garante a sobrevivência, mas também
como um produto capaz de atender às exigências do mercado. Conforme a análise
Nascimento (2016, p. 2008)
produzir farinha deixa de ser apenas o consumo de subsistência
e a manutenção de uma cultura centenária para se transformar
em excelente negócio, principalmente nas regiões Norte e
Nordeste, capaz de atender não apenas às demandas locais do
produto, mas também proporcionar a melhoria da qualidade de
vida das pessoas que se envolvem com a atividade, criar
alternativas de mercado, fortalecer o desenvolvimento
socioeconômico da região e garantir o atendimento às
necessidades atuais e futuras das gerações.
Quanto aos tipos, as farinhas crua e torrada são as mais comuns, mas assumem
características específicas em termos de cor e granulometria nas diferentes regiões do país.
Para além desses tipos de farinha, existe também a farinha d´água que é caracterizada pela
fermentação das raízes antes de processá-las (MENDES et.al, 2009). Os vários tipos de
farinha de mandioca denotam, assim, as perspectivas de comércio, bem como às necessidades
do mercado, não obstante os hábitos alimentares de cada região do país. Quanto à exportação
da farinha de mandioca, cabe destacar que este processo possui forte relação com a população
brasileira que vive em outros países, como Portugal, Estados Unidos, Japão, etc. (BARROS
et.al, 2004).
No entanto, apesar da farinha de mandioca ter adquirido força no que diz respeito à
comercialização, Almeida e Ledo (2004) afirmam que há limitação de ampliação do mercado
70
externo, haja vista que, em muitos casos, a farinha produzida em uma região não é bem aceita
em outras, dada às preferências distintas de consumo entre elas.
Muito embora com a existência de alguns entraves que permeiam desde o cultivo da
mandioca até seu processamento e posterior transformação em derivados, como a farinha, é
fato que esta, com base nas palavras de Câmara Cascudo (2004, p. 93) “é a camada primitiva,
o basalto fundamental na alimentação brasileira. Todos os elementos são posteriores,
assentados na imobilidade do uso multicentenário, irredutível, primário, instintivo”. Desse
modo, a farinha de mandioca tem contribuído historicamente para minimização da fome
aguda, sendo utilizada também no combate à subnutrição, o que será evidenciado a seguir.
3.1.2 Geografia da fome: a experiência de Josué de Castro e o combate à desnutrição
utilizando a farinha
Parafraseando Manuel Correia de Andrade (1997), Josué de Castro foi uma figura
marcante de cientista, de professor, de homem público e de parlamentar que teve grande
influência na vida nacional e grande projeção internacional nos anos decorridos entre 1930 e
1974. Além disso, o referido “médico-geógrafo” dedicou o melhor do seu tempo chamando a
atenção para os problemas da fome e da miséria que assolavam o mundo (ANDRADE, 1997).
As pesquisas e estudos a respeito da situação alimentar e da fome no Brasil, foram
determinantes para que Josué de Castro escrevesse o seu principal livro, publicado no ano de
1946: Geografia da Fome. Nessa obra, o autor trata do problema da fome no território
brasileiro, o “tema proibido” tão negligenciado pelos estudiosos. Dessa maneira, pela primeira
vez, foi discutido o quão relevante é a problemática da fome para compreensão do estágio de
subdesenvolvimento de um país.
Utilizando de uma metodologia eminentemente geográfica, Josué de Castro denunciou
a situação de fome em que vivia a maioria da população brasileira, a partir da análise de suas
características físico-naturais e sociais (ANDRADE, 1997). Assim, objetivando individualizar
as características alimentares, e consequentemente, as carências apresentadas pela população,
Josué de Castro propôs a regionalização do Brasil em cinco áreas alimentares: Amazônia,
Nordeste Açucareiro, Sertão Nordestino, Centro-Oeste e Extremo Sul. A figura 6, organizada
pelo próprio Josué de Castro, ilustra com maior ênfase como ficou definida tal divisão, bem
como os principais alimentos encontrados em cada região.
71
Como mostra a figura anterior, os principais alimentos básicos presentes nas cinco
regiões compreendem culturas como a do feijão, milho, batata e mandioca. Em relação a esta
última, observa-se que a farinha, principal derivado da mandioca, é predominante tanto na
Região Amazônica quanto na Região do Nordeste Açucareiro. Em ambas regiões, conforme
Castro (1984), se estabeleceu uma cultura primitiva de certos produtos de alimentação, e a
mandioca está inserida nesse aspecto.
Considerando a realidade da Região do Nordeste Açucareiro, o consumo significativo
de farinha de mandioca provocou uma série de carências alimentares decorrentes da falta de
ferro e de sódio, atingindo, sobretudo, as crianças pobres e mal alimentadas que “comiam
terra”, fato apontado como um vício, mas que era, na verdade, uma defesa do organismo
(ANDRADE, 2003). O mesmo conjunto de problemas também era comum na Região do
Sertão Nordestino e ainda mais agravado, em decorrência dos períodos de seca. Para Castro
(2003b, p.130)
Esse quadro tão sombrio da economia do Nordeste
frequentemente passou a impressão de que a região, com sua
conjuntura geoeconômica desfavorável, não podia ser
recuperada. Nada mais falso, mais desprovido de qualquer
fundamento científico do que essa interpretação apressada e
pessimista da economia nordestina.
Fonte: ANDRADE, 1997.
Figura 6 - Mapa das áreas alimentares do Brasil
72
Josué de Castro tinha bastante clareza de que a fome e a pobreza no Nordeste não
eram consequências das condições naturais da região como muitos afirmavam e/ou
acreditavam, associando principalmente à seca. O autor compreendia que o período de
colonização, o sistema de monocultura e o predomínio das grandes propriedades rurais nas
mãos de uma minoria, muito explicavam os problemas enfrentados pelos nordestinos, estando
no processo de formação socioespacial do Brasil, a gênese de muitos dos problemas sociais
ainda hoje existentes no país.
Desse modo, diante das dificuldades desencadeadas pela fome na região mencionada,
a ajuda de órgãos técnicos como a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
(Sudene), foi de grande importância na tentativa de mudar a realidade de pobreza tão
marcante na época. Além disso, foi organizado, sob a iniciativa de Josué de Castro, um plano
de combate à fome, por intermédio da Associação Mundial de Luta Contra a Fome
(Ascofam), entidade criada em 1957, pelo “médico-geógrafo” e pelo Abade Pierre, da França.
Concentrando suas ações no Nordeste, a Ascofam distribuiu suas atividades entre os
setores de informação e de execução de projetos capazes de provocar as reações sociais
indispensáveis para a transformação da economia regional (CASTRO, 2003b). A Associação
Mundial de Luta Contra a Fome também
executou estudos e pesquisas sobre a estrutura agrária do
Nordeste e sua repercussão, tendo em vista a situação
econômica e alimentar da região. Ela própria estabeleceu, com
base em seus estudos, um plano econômico de reforma agrária
regional, compreendendo o cálculo dos investimentos
necessários. Organizou diversos seminários sobre os problemas
regionais, entre os quais destaca-se o seminário sobre as
endemias rurais e a subalimentação, realizado em 1958, com a
participação de competentes especialistas (CASTRO, 2003b, p.
131).
Dentre os projetos realizados pela Ascofam, o mais importante consistiu em utilizar o
principal alimento de base no regime regional, que era a farinha de mandioca. Esta, de acordo
com Castro (1984) é muito inferior, tanto em seu teor proteico, como mineral e vitamínico,
quando comparada a outros alimentos, para tanto, buscou-se uma alternativa que melhorasse o
seu valor nutricional. Dessa forma, a partir da adição de proteínas e de sais minerais foi
realizado o enriquecimento artificial da farinha de mandioca, transformando um alimento
exclusivamente à base de hidrocarbonatos e calorias, num produto rico em aminoácidos, sais
minerais e vitaminas (CASTRO, 2003b).
73
Para a transformação da farinha de mandioca, de forma econômica e prática, a partir
do seu enriquecimento, foram instaladas três usinas pilotos em pontos diferentes do Nordeste
brasileiro com o intuito de combater as carências alimentares da região. Na cidade de
Surubim-PE, na época considerada um dos maiores núcleos de pelagra endêmica, uma
experiência de apenas um ano com a farinha enriquecida proporcionou um resultado bastante
satisfatório, uma vez que a doença carencial desapareceu-se praticamente da referida cidade.
A experiência inédita em Surubim-PE ocorreu da seguinte forma: no período de
dezembro de 1958 a dezembro de 1959, um quilo da farinha enriquecida era distribuído
semanalmente para cada morador. O médico José Nivaldo Barbosa, da cidade de Surubim-PE,
era o responsável por entregar a farinha em domicílio, elaborando fichários com observações
semanais sobre cada um dos pacientes. O fato teve repercussão mundial, fora divulgado em
revistas de medicina e tornou-se um exemplo pioneiro de uma tendência hoje disseminada
pelo mundo que é o enriquecimento nutricional de alimentos.
Segundo Castro (2003b), a Ascofam tinha interesse em apresentar os resultados da
experiência de Surubim-PE a outras instituições nacionais e internacionais interessadas na
adoção de técnicas de cooperação capazes de promover o desenvolvimento de comunidades
desse gênero. O autor considerava que esse era o principal projeto realizado pela Ascofam no
mundo.
Além do enriquecimento da farinha de mandioca com base na farinha de soja
desengordurada e de uma mistura de sais e vitaminas, a Ascofam estudou a possibilidade de
um processo ainda mais prático e racional com as raízes da planta, que consistia em uma
farinha tirada das próprias folhas da mandioca, que contém em torno de 20% de proteínas e
detém um alto teor de betacaroteno (provitamina A).
É interessante ressaltar que, após o golpe militar de 1964, o processo de
enriquecimento da farinha idealizado por Josué de Castro foi perdendo fôlego, agravando-se
ainda mais com um problema de natureza técnica que consistia na estocagem da farinha, uma
vez que o alimento não suportava longos períodos em armazenamento e, se não fosse
consumido logo, era estragado por gorgulhos, uma espécie de pequenos besouros que atacam
alguns produtos agrícolas. No entanto, acredita-se que tal problema poderia encontrar solução,
caso o desenvolvimento da pesquisa tivesse sido levado adiante.
É inegável que, como fundador da Ascofam e tamanha sensibilidade às causas
humanas, Josué de Castro sempre esteve à frente de projetos cujo objetivo era promover o
desenvolvimento humano, e porque também não dizer socioespacial, das áreas ameaçadas e
assoladas pela fome. O uso da farinha de mandioca para amenizar as carências nutricionais do
74
Nordeste, e assim, combater à desnutrição, foi estudado e idealizado por um intelectual e
homem público que vivenciou de fato a realidade de miséria na qual se encontravam muitas
famílias brasileiras.
3.2 A FORMAÇÃO TERRITORIAL E A PRODUÇÃO DE MANDIOCA NO RIO
GRANDE DO NORTE
A ocupação do Rio Grande do Norte tem seu início no final do século XVI, mais
precisamente a partir da instalação do regime de capitanias hereditárias. Quando da divisão
das terras brasileiras pelo então rei de Portugal, D. João III, a capitania do Rio Grande (depois
Rio Grande do Norte), como fora denominada, coube ao historiador João de Barros, alto
funcionário do governo português, e a Aires da Cunha, fidalgo que destacou-se lutando contra
piratas e corsários (TRINDADE, 2010).
Segundo Cascudo (1999), o nome dado à capitania procede da percepção que os
portugueses tiveram do rio Potengi, o principal do estado. A Capitania do Rio Grande era
considerada uma das maiores do Brasil, o que desencadeou uma série de dificuldades
relacionadas à sua colonização. Acrescenta-se a isso que referida capitania praticamente
“vegetava”, pois não passava de 80 (oitenta) o número de homens brancos moradores do Rio
Grande. A presença dos indígenas, muitos deles aliados aos franceses, também foi um fator
que impedia as investidas dos donatários, cujos homens eram rechaçados e, por vezes, mortos.
Por essa razão, a capitania do Rio Grande foi relegada ao abandono, sendo visitada e
explorada pelos franceses, que aqui realizavam um ilegal e lucrativo comércio de pau-brasil
(TRINDADE, 2010).
É importante o entendimento de que, inicialmente, a ocupação do território do Rio
Grande do Norte
estava associada às atividades mercantis, limitando-se a uma
ocupação apenas pontual, principalmente na área litorânea,
caracterizada pela presença de pequenos núcleos populacionais
em torno das feitorias que, na realidade, tinham por objetivo
principal a defesa e proteção, não do território, mas das
atividades que aí se desenvolviam. Dessa forma, esse primeiro
momento da ocupação do território não pode ser entendido
como um povoamento propriamente dito, dado o fato de que o
caráter exploratório da ação dos portugueses e dos franceses
ficou claramente evidenciado (GOMES, 1998, p. 23-24).
75
Conforme Salvador (2010), apesar dessa fase inicial ser considerada como ancoradora
dos primórdios da formação territorial norte-rio-grandense, esta encontra-se fortemente
atrelada ao desenvolvimento de atividades econômicas que tiveram bastante significância
durante todo o processo. Nesse sentido, a cana-de-açúcar, considerada o “ponto de partida”; a
pecuária como “elemento de expansão”, e o algodão como um “produto de redefinição”
(GOMES, 1998), são as atividades mais emblemáticas na constituição do território potiguar.
Sendo assim, a ocupação e construção do território do Rio Grande do Norte tem sua
base no desenvolvimento de atividades agrícolas - não se tratando de ciclos fechados e
estagnados - com a utilização de técnicas consideradas tradicionais. Tal processo é parte do
projeto de expansão capitalista que ocorreu no estado desde os primórdios de sua formação
(GOMES, 1998).
No Rio Grande do Norte, a atividade da cana-de-açúcar teve sua expansão por volta do
século XIX, quando a empresa açucareira brasileira estava em franca decadência, em virtude
da queda do preço do açúcar no mercado internacional. A modernização do setor açucareiro
foi implementada com atraso pelos produtores norte-rio-grandenses, o que ocasionou uma
queda acentuada na produção de açúcar no estado. Além de caro (pelos altos custos), o açúcar
produzido aqui era de qualidade inferior (SANTOS, 2005b). Sendo assim,
somente no final da década de 1920 e início da década de 1930
foram instaladas as primeiras usinas de açúcar no Rio Grande
do Norte, quase todas nos vales úmidos do litoral oriental do
estado. Apesar disso, não houve uma recuperação significativa
da atividade açucareira do estado. Até a década de 1980 a
produtividade era muito baixa (TRINDADE, 2010, p. 266).
Enquanto “ponto de partida”, a atividade açucareira foi relevante no sentido de que
também permitiu o surgimento de centros urbanos na área litorânea do estado do Rio Grande
do Norte, a exemplo de Arês, Ceará-Mirim, São José de Mipibú e Vila Flor. Mas a pouca
produtividade e a posterior descoberta do açúcar antilhano, provocou uma retração no
desenvolvimento da indústria açucareira norte-rio-grandense, o que propiciou a consolidação
de outas atividades, como a pecuária.
A pecuária, retrata assim o processo de expansão territorial do Rio Grande do Norte,
agora com vistas a ocupação do interior. De acordo com Gomes (1998) até o final do século
XIX a pecuária era a atividade mais importante do agreste e do sertão. O resultado de toda
essa dinamicidade se expressava espacialmente na ampliação do território, com o surgimento
76
de várias cidades associadas diretamente à pecuária, como Currais Novos, Pau dos Ferros, e
Caicó, que são, na atualidade, importantes centros urbanos do interior norte-rio-grandense.
A pecuária, no primeiro momento, subsidiava a atividade canavieira e, no segundo
momento, constituiu a própria atividade de acumulação de capital. Todavia, quando a
pecuária entra em crise, o processo de industrialização desponta em meio a um novo cenário
econômico mundial, e o Rio Grande do Norte, inserido nesse contexto, acompanha as
mudanças que vão culminar no desenvolvimento da economia algodoeira, associada ao
surgimento da indústria têxtil.
No entendimento de Gomes (1998), é a partir da expansão da cultura do algodão que o
processo de construção do território do Rio Grande do Norte passou por um momento de
redefinição. O desenvolvimento dessa cultura vai acontecer a partir da segunda metade do
século XVIII, devido à forte procura do mercado inglês pelo produto, com a finalidade de
abastecer sua indústria têxtil. Nessa perspectiva, a economia algodoeira é a primeira do estado
do Rio Grande do Norte voltada para atender o mercado externo12.
É interessante evidenciar que, várias cidades do Rio Grande do Norte se
desenvolveram devido ao crescimento da referida atividade, como por exemplo, Assú, Caicó,
Macaíba, Mossoró, etc. Além disso, a dinâmica da atividade impulsionou a instalação de
unidades industriais. Conforme Santos (2005b), em 1942, o RN tinha 168 estabelecimentos
industriais de algodão, sendo que 157 realizavam o beneficiamento e, apenas, 7 se destinavam
à fabricação de óleos vegetais. Na safra de 1959/60, existiam 39 usinas; na de 1963/64, 42
usinas; e na de 1969/70, 25 usinas.
Em meados do final do século XIX, a produção de algodão começa a entrar em fase de
decadência no estado. As secas, que sempre afetavam à cultura; fatores de ordem econômica,
ditados de fora do país; a incapacidade produtiva que se detinha ao uso de técnicas de
produção arcaicas; bem como o surgimento da praga do bicudo13 (um tipo de besouro que traz
danos à cultura do algodão), resultando em uma verdadeira extinção do produto nas áreas
tradicionais, ficando a sua produção restrita às áreas onde se desenvolvia a agricultura irrigada
(GOMES, 1998), foram fatores que muito contribuíram com a crise da atividade algodoeira
no Rio Grande do Norte.
12 A exportação de algodão do Rio Grande do Norte era bastante significativa, em virtude da excelência do
algodão mocó, considerados um dos melhores do mundo (TRINDADE, 2010). 13 Ainda conforme Gomes (1998) a praga do bicudo faz parte dos falsos discursos que são utilizados para
mascarar as realidades verdadeiras, pois a crise do algodão coincide, exatamente, com o surgimento da indústria
têxtil sintética dos países capitalistas.
77
Entende-se que, apesar da cana-de-açúcar, da pecuária e do algodão terem sido
decisivos no processo de formação territorial do Rio Grande do Norte, outras atividades foram
surgindo, como a mineração, a produção salineira e, posteriormente, o turismo, a produção de
petróleo e de frutas tropicais, comércio e serviços, criando novas territorialidades e
consolidando a construção do território norte-rio-grandense (AZEVEDO, 2013).
Nesse aspecto deve-se ressaltar que, consorciadas às atividades anteriormente
mencionadas, a economia de subsistência (autoconsumo) também se desenvolvia com uma
produção voltada para as culturas alimentares, sobretudo feijão, milho, batata e mandioca. Em
especial, a produção de mandioca foi importante para aqueles que viviam tanto em áreas
sertanejas quanto em áreas serranas do Rio Grande do Norte, e mais precisamente, para o
Agreste Potiguar em geral, pois conforme Salvador (2010), a cultura de mandioca criou as
bases para o processo de formação territorial dessa região.
Historicamente, a mesorregião Agreste Potiguar apresenta-se como a principal
produtora de mandioca no estado, seguido das mesorregiões Leste, Central e Oeste Potiguar.
Considerando a evolução da área plantada (mapa 2) e da área colhida de mandioca (mapa 3),
entre os anos de 1990 e 2015, observa-se que quase não há diferença entre elas em termos de
cultivo de mandioca no Rio Grande do Norte.
78
79
No entanto, ao analisar os dois comportamentos relativos à produção de mandioca no
estado do Rio Grande do Norte (área plantada e área colhida), fica claro que houve redução da
produção no Oeste Potiguar, principalmente na área relativa ao Alto Oeste. Em contrapartida,
pode-se considerar que a produção foi mantida na Região Central, especificamente, na Serra
80
de Santana; assim como nas regiões Agreste e Leste Potiguar, embora com diminuição tanto
da área plantada quanto da área colhida, principalmente no ano de 2015. Com relação à
quantidade de mandioca produzida em toneladas, entre os anos de 1990 e 2015, esta sofreu
diminuição em praticamente todo o estado, como representado a seguir (mapa 4).
81
Com o intuito de compreender não apenas a produção, mas também os desafios que
vem sendo enfrentados pelos produtores de mandioca no Rio Grande do Norte, e
considerando ainda, que estes também são agentes do circuito de produção agroindustrial em
análise, foram realizadas entrevistas com tais produtores. A seguir, serão discutidos os
resultados da pesquisa que ocorreu em municípios do Agreste Potiguar e da Serra de Santana.
No primeiro momento, quando questionados sobre sua situação na terra, 90% dos
produtores respondeu que possuíam pequenas propriedades, com áreas de menos de 10he e
até 15he, onde plantavam a mandioca. Os agricultores que não possuem terras plantam
mandioca por meio do arrendamento. Segundo os entrevistados, o cultivo da mandioca tem
uma duração média de oito meses, podendo chegar até dois anos, e a melhor época para
plantio da raiz vai do final do mês de dezembro até o início do mês de julho, correspondente
ao “período de inverno” na agricultura. A mão de obra que prevalece é a familiar, com
algumas contratações temporárias principalmente na época do “arranque” da mandioca, por
constituir um trabalho bastante laborioso.
De modo geral, os produtores de mandioca afirmaram que, no período regular de
chuvas, podia-se produzir até 12 toneladas de mandioca por hectare, todavia, em razão do
período de estiagem prolongado no Rio Grande do Norte, essa quantidade diminuiu para 8
toneladas de mandioca por hectare. É válido frisar que, atualmente, o estado do Rio Grande
do Norte possui uma das menores médias de produção de mandioca em todo o Nordeste,
correspondente a 11 toneladas por hectares. O gráfico 1 a seguir, reforça a afirmação anterior,
mostrando que no ano de 2015, a produção de mandioca em toneladas no Rio Grande do
Norte só não foi inferior ao estado da Paraíba. Os estados da Bahia e do Maranhão destacam-
se como os principais produtores de mandioca na Região Nordeste.
82
Em relação aos tipos de raízes cultivadas pelos produtores, foram citadas as mandiocas
“cariri” que, segundo eles, oferecem bons rendimentos na fabricação de farinha, e a espécie
“bujoninha”, como é conhecida no Agreste Potiguar. A “mandioca mansa” também é
cultivada, preferencialmente, a “macaxeira pernambucana”, como foi citada pelos produtores.
Destaca-se ainda, que, dos produtores entrevistados, 87% asseveraram que, além da
mandioca (ou macaxeira) também produzem outras culturas na mesma área de cultivo, como
feijão e milho. Nessa situação, Costa e Lamoso (2013) explicam que os agricultores têm
fugido da especialização que o capitalismo tenta impor aos espaços com a monocultura
agrícola à Agricultura Familiar, para que não fiquem reféns das oscilações do mercado e
também possam evitar situações adversas, entre elas, as condições climáticas. No momento da
pesquisa, tal prática, pode ser constatada na propriedade de um agricultor familiar do
município de Vera Cruz-RN, com a produção de macaxeira e feijão, sendo este último,
irrigado (figura 7).
0
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
2.500.000
Gráfico 1 - Produção de mandioca em toneladas nos estados
nordestinos brasileiros (2015)
Fonte: IBGE. Produção Agrícola Municipal, 2015.
Fonte: IBGE. Produção Agrícola Municipal, 2014.
83
Quando questionados sobre o destino da mandioca produzida, a maioria respondeu
(83% dos entrevistados) que é vendida para as unidades de beneficiamento, ressaltando
também, que parte da raiz tem sido utilizada para alimentação dos rebanhos bovinos, em
função da seca que tem se perpetuado no estado. Tratando-se da macaxeira, esta tem sido
destinada para ser vendida em feiras livres, e alguns produtores também têm abastecido
mercados e alguns restaurantes, sobretudo, em Natal-RN.
Quanto à utilização de insumos agrícolas, verificou-se que os principais utilizados para
o cultivo da mandioca são os adubos orgânicos e químicos, além do calcário (adubo
corretivo). Nesse aspecto, a pesquisa revelou um dado bastante interessante: os produtores de
mandioca dos municípios de Lagoa Nova-RN e Tenente Laurentino Cruz-RN garantiram que
não utilizam nenhum tipo de adubo para o cultivo da mandioca; simplesmente deixam a terra
em repouso após a colheita, chegando a ficar até dois anos sem plantar a raiz; diferentemente
dos produtores da Região Agreste Potiguar que foram bastante enfáticos ao afirmar que sem
adição de adubo, não é possível cultivar a mandioca e obter bons rendimentos na produção.
Dos produtores entrevistados, todos realizavam o plantio de mandioca de forma manual.
A título de informação, dados do Sistema de Análise das Informações de Comércio
Exterior – AliceWeb2 (2016), relacionados à importação de “Máquinas para colheita de raízes
ou tubérculos” (código 84335300), mostram que no período de 2014 a 2016, o estado do Rio
Grande do Norte importou um total de 41 máquinas agrícolas.
Fonte: Raquel Silva dos Anjos, 2016.
Figura 7 - Cultivo de macaxeira e feijão na mesma propriedade em Vera Cruz-RN
Macaxeira
Feijão
84
No que se refere à definição do preço da mandioca, este, segundo os produtores está
relacionado “a oferta e a procura”, até porque não existe nenhuma forma de garantia de preço
mínimo pelo quilo da raiz. Sendo assim, a oscilação de preço por quilo da mandioca tem
acontecido de forma frequente no mercado, o que tem prejudicado os produtores, tornando-os
reféns da instabilidade dos preços e, muitas vezes, sem condições de cobrir os custos relativos
à produção. Quando a procura por mandioca parte de pessoas de outros estados, o preço tende
a oscilar positivamente para o produtor.
De modo geral, a principal dificuldade apontada pelos produtores de mandioca foi a
estiagem ocorrida nos últimos cinco anos, pois muitos perderam grande parte de sua
produção; e a situação tem se agravado ano após ano, como relatado pelos entrevistados. Em
função disso, os produtores mostraram-se preocupados quanto aos futuros cultivos de
mandioca, uma vez que não dispõem de uma quantidade suficiente de manivas para realizar o
plantio na área em que outrora produziam, no “período regular de chuvas”.
Em alguns municípios da Região Agreste, onde existe a possibilidade de um cultivo
irrigado, os produtores têm optado pelo plantio de outras culturas, como o feijão, a batata
doce, e até mesmo, a macaxeira (mandioca mansa), por assegurar a esses produtores uma
melhor fonte de renda, devido aos ciclos menores de produção. Outra dificuldade apontada
pelos produtores relaciona-se à falta de interesse do governo para com a cultura de mandioca
no estado, diante da necessidade de uma maior assistência técnica. A pesquisa empírica
revelou que, dentre os entrevistados, não há aquisição de mandioca por nenhum mercado
institucional, a exemplo do PAA e do PNAE.
3.2.1 Agricultura familiar e o papel do PRONAF no Rio Grande do Norte
Traduzida do modelo norte-americano, a expressão agricultura familiar popularizou-se
em meados da década de 1990, contrapondo-se à adoção do termo agronegócio utilizado para
designar o setor patronal rural altamente tecnificado. O uso dessa expressão visava,
principalmente, romper com algumas noções como a “pequena produção”, “produção de
subsistência” ou mesmo com o entendimento de “produção camponesa”, especialmente
porque essas carregavam um sentido de “ineficiência”, baixa produtividade (“pequeno
produtor”) e não-inserção no mercado, isto é, com produção destinada apenas para o
autoconsumo (SAUER, 2008).
Segundo Sérgio Sauer (2008), o processo de consolidação da noção de “agricultura
familiar” passou a fazer parte do movimento sindical, assim como dos espaços
85
governamentais e acadêmicos, a partir de pesquisas realizadas por equipes da Organização das
Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) e do Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD), em convênio com o então Ministério da Agricultura, do
Abastecimento e da Reforma Agrária, e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA), que iniciou com avaliações e indicadores socioeconômicos de
assentamentos de reforma agrária, posteriormente ampliada para outros segmentos da
agricultura familiar.
Tratando-se do debate atual sobre a agricultura familiar no Brasil, os autores
Schneider e Cassol (2013), discutem o conjunto de transformações sociais, econômicas e
políticas, que vão criar espaço e condições favoráveis à emergência, legitimação e
consolidação da agricultura familiar brasileira. Dessa forma, com base nos referidos autores, o
quadro 3 a seguir, mostra as três fases concernentes ao debate político e intelectual sobre a
agricultura familiar no Brasil.
QUADRO 3 - AGRICULTURA FAMILIAR NO BRASIL: FASES DO DEBATE POLÍTICO E
INTELECTUAL
Primeira fase
Refere-se ao (re)descobrimento da agricultura
familiar e pode ser cronologicamente
circunscrita ao período 1990 até 1995. Este
período é marcado pela afirmação política e
acadêmica da categoria agricultura familiar, que
encontrou espaço para sua afirmação tanto no
âmbito do movimento social e sindical quanto
na academia.
Segunda fase
Inicia-se em 1996, com a criação do PRONAF, e
estende-se até 2006, tendo como marco a
institucionalização da agricultura familiar
através da Lei 11.326 (24 de julho de 2006).
Neste interstício, a agricultura familiar
consolida-se no campo político institucional
tornando-se a categoria social que atrai a maior
parte dos programas e políticas de
desenvolvimento rural.
Terceira fase
Compreende o momento atual. Inicia-se com a
divulgação do Caderno Especial do Censo
Agropecuário de 2006 com os dados sobre a
agricultura familiar, que ocorreu em 30 de
setembro de 2009. A partir da publicação dos
dados do Censo Agropecuário estabeleceu-se
um verdadeiro debate sobre o lugar e o papel da
86
agricultura familiar no desenvolvimento rural do
Brasil.
Fonte: Adaptado de Schneider e Cassol (2013).
Entretanto, do ponto de vista teórico, conforme Wanderley (2003), existe uma certa
dificuldade em atribuir um valor conceitual à categoria agricultura familiar que se difundiu no
Brasil, sobretudo a partir da implantação do Pronaf. Tal fato se explica em virtude das várias
posições relacionadas ao conceito, uma vez que
para uns, o conceito agricultura familiar se confunde com a
definição operacional adotada pelo Pronaf que propõe uma
tipologia de beneficiários em função de sua capacidade de
atendimento. Para outros, agricultura familiar corresponde a
uma certa camada de agricultores, capazes de se adaptar às
modernas exigências do mercado em oposição aos demais
“pequenos produtores” incapazes de assimilar tais
modificações. São os chamados agricultores “consolidados” ou
os que têm condições, em curto prazo, de se consolidar. Supõe-
se que as políticas públicas devem construir as bases para a
formação desse segmento. Tal posição é defendida com uma
maior elaboração teórica. A ideia central é a de que o agricultor
familiar é um ator social da agricultura moderna e, de uma certa
forma, ele resulta da própria atuação do Estado.
(WANDERLEY, 2003, p.43-44).
Para o governo, a agricultura familiar é uma forma de produção na qual se associam
fatores essenciais como gestão e trabalho (AZEVEDO; PÊSSOA, 2011). Em relação aos
agricultores familiares, concorda-se com o pensamento de Silva (2014), quando este os
considera como sujeitos sociais que, de maneira geral, são detentores ou ocupantes de
pequenas porções de terra, nas quais se realiza predominantemente a diversificação da
produção animal e vegetal, sobretudo de produtos voltados para atender as demandas de
abastecimento dos mercados locais e regionais.
Comumente estes agricultores possuem baixo nível de integração com a indústria, seja
ela de bens de produção (consumo produtivo) ou processamento dos produtos. Outra
característica marcante deste grupo social é o acesso irregular e, em muitos casos, inexistentes
às políticas de financiamento, à assistência técnica, à pesquisa agropecuária. Vale destacar
também que os agricultores familiares desempenham papel importante visto que são
responsáveis por quase toda a produção de alimentos e pessoal ocupado no campo, embora o
acesso aos recursos e insumos produtivos não seja efetivado de forma plena (SILVA, 2014).
87
Dessa maneira, com vistas a gerar renda aos agricultores familiares e assentados a
partir do financiamento de projetos individuais ou coletivos, foi criado na década de 1990 o
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF)14. De acordo com
Azevedo e Pêssoa (2011) o programa é uma evidência do reconhecimento deste segmento por
parte do setor público, o que resultou em um novo direcionamento dos investimentos estatais,
uma vez que o Estado passou a contemplá-lo em suas linhas de atuação.
Desde sua criação, o PRONAF passou por vários ajustes e adaptações, com o intuito
de atender seus objetivos e adequar-se à complexa realidade social agrária do Brasil
(AZEVEDO; PÊSSOA, 2011). A mais expressiva mudança foi em 1999, correspondendo à
estratificação em grupos de agricultores familiares, segmentados conforme o nível da renda
bruta familiar anual. Além dessa mudança, houve ainda a criação de linhas específicas para
públicos diferenciados.
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) possui
as seguintes linhas de crédito15: Pronaf Custeio, Pronaf Mais Alimentos – Investimento,
Pronaf Agroindústria, Pronaf Agroecologia, Pronaf Eco, Pronaf Floresta, Pronaf Semiárido,
Pronaf Mulher, Pronaf Jovem, Pronaf Custeio e Comercialização de Agroindústrias
Familiares, Pronaf Cota-Parte, Microcrédito Rural. O quadro 4 mostra algumas das
características e finalidades de cada linha de crédito anteriormente citada.
14 É interessante mencionar que antes da criação do PRONAF, foi instituído em 1994, mais precisamente depois
da Jornada de Luta (atual Grito da Terra, liderada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
- CONTAG), o PROVAPE (Programa de Valorização da Pequena Produção), considerado o “embrião” do atual
programa voltado à agricultura familiar. A partir do PRONAF e mesmo na interface com este, outros programas
e políticas para a agricultura familiar foram sendo criados ou redesenhados, como por exemplo o Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA), criado em 2004 para responder aos problemas de comercialização e acesso aos
mercados da agricultura familiar, e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que já existia mas
que foi reorganizado de tal forma que o fornecimento da produção passou a ter condições especiais, como a
obrigação dos municípios que precisam comprar no mínimo 30% de produtos para alimentação escolar dos
agricultores familiares (SCHNEIDER; CASSOL, 2013). 15 Disponíveis em http://www.mda.gov.br/sitemda/secretaria/saf-creditorural/linhas-de-cr%C3%A9dito
Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2016.
88
QUADRO 4 - LINHAS DE CRÉDITO DO PRONAF
Pronaf Custeio
Destina-se ao financiamento das atividades agropecuárias e de beneficiamento
ou industrialização e comercialização de produção própria ou de terceiros
enquadrados no Pronaf.
Pronaf Mais
Alimentos -
Investimento
Destinado ao financiamento da implantação, ampliação ou modernização da
infraestrutura de produção e serviços, agropecuários ou não agropecuários, no
estabelecimento rural ou em áreas comunitárias rurais próximas.
Pronaf
Agroindústria
Linha para o financiamento de investimentos, inclusive em infraestrutura, que
visam o beneficiamento, o processamento e a comercialização da produção
agropecuária e não agropecuária, de produtos florestais e do extrativismo, ou
de produtos artesanais e a exploração de turismo rural.
Pronaf
Agroecologia
Linha para o financiamento de investimentos dos sistemas de produção
agroecológicos ou orgânicos, incluindo-se os custos relativos à implantação e
manutenção do empreendimento.
Pronaf Eco
Linha para o financiamento de investimentos em técnicas que minimizam o
impacto da atividade rural ao meio ambiente, bem como permitam ao
agricultor melhor convívio com o bioma em que sua propriedade está inserida.
Pronaf Floresta
Financiamento de investimentos em projetos para sistemas agroflorestais;
exploração extrativista ecologicamente sustentável, plano de manejo florestal,
recomposição e manutenção de áreas de preservação permanente e reserva
legal e recuperação de áreas degradadas.
Pronaf
Semiárido
Linha para o financiamento de investimentos em projetos de convivência com
o semiárido, focados na sustentabilidade dos agroecossistemas, priorizando
infraestrutura hídrica e implantação, ampliação, recuperação ou modernização
das demais infraestruturas, inclusive aquelas relacionadas com projetos de
produção e serviços agropecuários e não agropecuários, de acordo com a
realidade das famílias agricultoras da Região Semiárida.
Pronaf Mulher
Linha para o financiamento de investimentos de propostas de crédito da mulher
agricultora.
Pronaf Jovem
Financiamento de investimentos de propostas de crédito de jovens agricultores
e agricultoras.
Pronaf Custeio e
Comercialização
de Agroindústrias
Familiares
Destinada aos agricultores e suas cooperativas ou associações para que
financiem as necessidades de custeio do beneficiamento e industrialização da
produção própria e/ou de terceiros.
Pronaf Cota-
Parte
Financiamento de investimentos para a integralização de cotas-partes dos
agricultores familiares filiados a cooperativas de produção ou para aplicação
em capital de giro, custeio ou investimento.
Microcrédito
Destinado aos agricultores de mais baixa renda, permite o financiamento das
atividades agropecuárias e não agropecuárias, podendo os créditos cobrirem
89
Rural
qualquer demanda que possa gerar renda para a família atendida. Créditos para
agricultores familiares enquadrados no Grupo B e agricultoras integrantes das
unidades familiares de produção enquadradas nos Grupos A ou A/C.
Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2016.
Segundo Azevedo e Pêssoa (2011), o PRONAF incluiu agricultores familiares nas
condições de posseiros, arrendatários, parceiros, assentados, concessionários de terras
públicas, meeiros e proprietários de terra que utilizam principalmente mão de obra no
processo produtivo, podendo dispor ainda de até dois empregados permanentes. Em sua
estrutura operacional, os agricultores são inseridos nos seguintes grupos e modalidades:
Grupo A, Grupo B, Grupo C, Grupo A/C, Grupo D, Grupo E.
Sinteticamente, o Grupo A possui como principal público alvo os agricultores
familiares assentados, com mão de obra exclusivamente familiar e renda mínima não
delimitada; o Grupo B envolve agricultores com mão de obra também familiar, cuja renda
bruta não ultrapassa R$ 2 mil, excluindo-se os recursos da previdência social e os benefícios
sociais; o Grupo C abrange agricultores com predominância do trabalho familiar, mas com
possibilidade de contratação de mão de obra extrafamiliar (AZEVEDO; PÊSSOA, 2011).
O Grupo A/C engloba agricultores familiares egressos do PROCERA16 e até mesmo
agricultores do PRONAF Grupo A, com percentual de renda mínima não determinado para
esse grupo; o Grupo D compreende os agricultores familiares que eventualmente utilizam
mão de obra temporária extrafamiliar ou no máximo dois empregados permanentes, cuja
renda bruta varia entre R$ 14 e 40 mil, excetuando-se os benefícios sociais e da previdência;
por último, o Grupo E envolve os agricultores familiares com renda bruta anual que varia
entre R$ 40 mil e 60 mil, excluindo-se os possíveis benefícios. Os agricultores desse grupo
possuem o maior nível de capitalização e de melhores condições socioeconômicas em relação
aos agricultores dos demais grupos (Ibid.).
No que se refere ao crédito - PRONAF, este é operacionalizado pelos agentes
financeiros que compõem o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) e são agrupados em
básicos (Banco do Brasil, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia) e vinculados (BNDES,
Bancoob, Bansicredi e associados à Febraban). As contratações do crédito – PRONAF
apresentaram crescimento ao longo dos anos, tanto no que concerne à ampliação de
municípios brasileiros atendidos em cada ano agrícola, quanto ao montante para o
financiamento disponibilizado aos agricultores (MDA, 2016).
16 Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária.
90
Tratando-se do Rio Grande do Norte, a agricultura familiar é mais latente do que o
agronegócio, ainda que este último tenha maior capacidade de geração de divisas. Segundo o
Censo Agropecuário de 2006, o mais recente feito no país, o Rio Grande do Norte possui mais
de 71 mil estabelecimentos da agricultura familiar, o que corresponde a 86% dos
estabelecimentos agropecuários do estado (MDA, 2012).
A agricultura familiar é marcada pela heterogeneidade de formas organizativas no Rio
Grande do Norte. Os assentamentos de reforma agrária são marcados pela pouca assistência
técnica, terras pouco produtivas e dificuldades para acessar os principais insumos. No referido
estado, existem assentamentos desenvolvidos e inseridos no mercado, a exemplo do Maísa, o
segundo maior projeto da reforma agrária no Rio Grande do Norte e que se destaca na
produção de melão amarelo para exportação e de acerola para polpa de fruta. Ainda é possível
encontrar assentamentos que buscam inserção por meio da produção de orgânicos como o
Bom Sucesso, em Pedra Grande-RN, e o Canto da Ilha de Cima, localizado em São Miguel do
Gostoso-RN. Esses produzem rúcula, alface, couve, coentro, cebolinha, hortelã, tomate-
cereja, mamão, banana, entre outros produtos (AMARAL et.al, 2016).
Nessa discussão, há que se considerar também as dificuldades enfrentadas pelos
agricultores familiares do Rio Grande do Norte. Fatores como índice pluviométrico baixo,
contribuindo para o quadro de seca que afetou vários municípios norte-rio-grandenses
(associando-se à predominância do clima árido e semiárido), solos nem sempre férteis para o
cultivo, produção familiar restrita em pequenos lotes de terra, o que não assegura a
viabilidade comercial; envolvimento ainda tímido dos agricultores familiares com as
melhorias em tecnologia e práticas agrícolas, entre outros, aparecem, muitas vezes, como
entraves ao desenvolvimento da atividade no estado. Contudo, mesmo diante desses impasses,
sob a lógica da produção de alimentos17 e renda, a agricultura familiar assume importância
considerável para os que dependem de sua prática.
No que diz respeito à inserção do Rio Grande do Norte no PRONAF regionalmente e
nacionalmente, Silva (2014) ressalta que o estado não se configura como um dos grandes
captadores de recursos, ainda que se tenha notado uma participação cada vez maior, e
seguindo uma tendência regional. É indiscutível, porém, que o PRONAF desempenha um
importante papel no estado, e a recorrência ao crédito proveniente do referido programa é
significativa, considerando-se o número de contratos de investimentos desde a década de
17 É válido mencionar a relação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) com a agricultura
familiar do Rio Grande do Norte, a partir da aquisição de alimentos provenientes desse segmento para as escolas
do estado.
91
1990. A tabela 2 abaixo, mostra a quantidade desses contratos bem como os valores
correspondentes a cada safra, com destaque para as Safra 2005/2006 (maior número de
contratações) e Safra 2012/2013 (maior montante em recursos destinados à agricultura
familiar do Rio Grande do Norte).
Tabela 2 - O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar no Rio Grande
do Norte
Safra Quantidade de Contratos Valor em R$
1999/2000 17.106 16.047.326
2000/2001 15.740 24.547.988
2001/2002 16.853 19.245.353
2002/2003 26.616 25.935.585
2003/2004 67.253 72.745.664
2004/2005 99.029 94.699.534
2005/2006 143.644 159.023.976
2006/2007 119.143 121.986.391
2007/2008 72.425 93.222.154
2008/2009 42.598 66.178.393
2009/2010 43.275 73.903.175
2010/2011 40.113 76.125.766
2011/2012 41.688 100.196.869
2012/2013 69.155 205.071.882
2013/2014 52.426 190.324.220
2014/2015 50.179 192.405.443
Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2015.
Outro fator que merece atenção quando se trata do crédito oriundo do PRONAF é a
constituição de cooperativas ao longo da história da agricultura familiar do Rio Grande do
Norte, com base na economia solidária. Sobre essa discussão, Amaral et. al. (2016) enfatizam
que através do acesso ao mercado, maior poder de barganha, acesso as linhas de crédito
específicas e do senso coletivo para o enfrentamento dos desafios, o cooperativismo
apresenta-se como protagonista nas experiências exitosas da agricultura familiar no estado. Os
autores destacam ainda a atuação da Cooperativa Central da Agricultura Familiar do Rio
92
Grande do Norte, cujo principal produto é a amêndoa de castanha de caju, vendida no
mercado nacional e internacional, assim como a Cooperativa Potiguar de Apicultura e
Desenvolvimento Rural Sustentável, responsável pelo fortalecimento da apicultura na
agricultura familiar estadual.
No âmbito da agricultura familiar norte-rio-grandense, é pertinente destacar que a
produção de mandioca também se insere no custeio agrícola do PRONAF (modalidade
lavouras). A título de informação, dados do Anuário Estatístico do Crédito Rural (2012), mais
recente, revelam que o financiamento do PRONAF para a cultura de mandioca no Rio Grande
do Norte atingiu um total de R$ 406.542,79, com um número de 68 contratos efetivados.
Algumas tecnologias e/ou técnicas18 de cultivo de mandioca e adubação visam o
aumento da produtividade e melhoria da qualidade no âmbito da agricultura familiar. Com
base nessa afirmação, o próximo subcapítulo irá tratar de tais questões, focalizando também o
cultivo de mandioca no Rio Grande do Norte.
3.2.2 Técnicas de cultivo de mandioca e adubação
A planta da mandioca é considerada rústica e com capacidade de adaptação às mais
diversas condições de clima e solos. É cultivada em regiões de clima tropical e subtropical,
com precipitação pluviométrica variável de 600 mm a 1.200 mm de chuvas bem distribuídas e
temperatura média de aproximadamente 25 °C. Temperaturas inferiores a 15 °C prejudicam o
desenvolvimento vegetativo da planta. Pode ser cultivada em altitudes que variam de próximo
ao nível do mar até mil metros. Os solos mais recomendados são os profundos com textura
média de boa drenagem (SILVA, 2016).
Conforme Salvador (2010), quando se trata do ciclo de cultivo de mandioca, este é
variável, pois em locais com temperaturas mais elevadas, ele vai de oito a doze meses; já em
locais com temperaturas mais frias e secas, pode chegar até 24 meses. O autor ainda
acrescenta que a utilização de adubos e/ou fertilizantes também é determinante tanto para a
variação do ciclo de cultivo quanto para o preço que está sendo pago pela mandioca aos
produtores. Assim, o cultivo de mandioca é de longo ciclo, sendo colhida em oito meses (no
18 Locatel e Azevedo (2011, p. 15) entendem que se faz necessária uma diferenciação entre técnica e tecnologia.
Para os autores, “[...] a técnica é o procedimento ou o conjunto de procedimentos que têm como objetivo obter
um determinado resultado, que pode ser no campo da ciência, da tecnologia, das artes, da política, etc. A
tecnologia, por sua vez, pode ser compreendida como a “aplicação dos conhecimentos científicos à produção em
geral ou para se obter um resultado prático”. (Ibid).
93
mínimo), podendo chegar a dois anos, dependendo das técnicas utilizadas pelos produtores,
dos preços atribuídos à raiz e das condições edafoclimáticas.
De modo geral, o plantio de mandioca é feito a partir de pedaços de caule de plantas
adultas (sadias), conhecidos como manivas, que são colocadas em sulcos ou covas. Mas,
primeiramente, é preciso preparar a área onde serão dispostas as manivas. O preparo consiste
basicamente em sua limpeza e, nesse ínterim, a terra é arada ou cortada, para descompactar o
solo e facilitar o desenvolvimento das raízes. Com as condições favoráveis, o plantio e a
adubação são iniciados, realizando-se o tratamento da área sempre que preciso, para posterior
colheita da mandioca.
Tal processo de plantio da mandioca pode ser feito de forma manual, com tração
animal ou mecanicamente. Quando realizado manualmente, o cultivo de mandioca demanda
significativa mão de obra, podendo ser familiar ou a partir da contratação de trabalhadores,
pagos geralmente por diárias de serviço.
No que se refere ao plantio mecanizado de mandioca, este tem sido cada vez mais
realizado, embora no Rio Grande do Norte ainda prevaleça a forma manual, conforme
constatado na pesquisa empírica. Segundo Cravo e Souza (2016), diversos produtores vêm
acompanhando a evolução dessa tecnologia, considerando suas vantagens e benefícios,
destacando-se: a) rapidez no plantio e economia de tempo; b) redução dos custos; c)
uniformidade e qualidade do plantio; d) aumento de produtividade e competitividade; e)
uniformidade na distribuição das estacas e na dosagem de fertilizantes. Para os autores, a
mandioca continuará sendo plantada manualmente, especialmente por agricultores familiares,
mas se o objetivo é plantar em larga escala, para fins industriais, não há como dispensar o uso
de máquinas apropriadas, tanto para o plantio como para a colheita, desenhadas com
dimensões adequadas para o tamanho do empreendimento.
Atualmente, com uma maior preocupação em torno das questões ambientais e visando
uma “produção rural sustentável”, algumas técnicas e/ou tecnologias de cultivo de mandioca
têm sido estudadas e propostas para mitigar possíveis problemas ao meio ambiente. As
técnicas “Roça Sem Fogo” e “Trio da Produtividade da Mandioca” constituem dois exemplos
dessas inovações.
Como o próprio nome sugere, a “Roça Sem Fogo” está relacionada à prática de
preparo de área para o plantio de mandioca sem o uso do fogo. Além de eliminar a técnica
tradicional coivara, prejudicial ao solo e ainda utilizada por alguns produtores, os autores
Modesto Júnior e Alves (2016) afirmam que, juntamente com a redução das queimadas, o
principal benefício da “Roça Sem Fogo” é a redução da emissão de gases de efeito estufa.
94
Associada à “Roça Sem Fogo”, a técnica “Trio da Produtividade”19 está relacionada ao
plantio e manejo da mandioca. Considerada uma alternativa para o sistema de produção de
mandioca para agricultura familiar, a referida técnica, consiste em três componentes que mais
impactam na produtividade da mandioca, a citar: seleção e corte reto de manivas-sementes;
plantio no espaçamento de 1m x 1m, e controle de plantas daninhas durante os 150 (cento e
cinquenta) dias após o plantio da mandioca, por ser o período crítico da cultura, que é a época
de formação das raízes (MODESTO JÚNIOR; ALVES, 2016).
Outro importante aspecto está relacionado às técnicas de adubação empregadas no
cultivo da mandioca, estas nem sempre vistas como necessárias, uma vez que a raiz consegue
se adaptar à elevada acidez do solo e às baixas condições de fertilidade. Na Região Nordeste
do Brasil, por exemplo, é comum o cultivo de mandioca com uso mínimo de insumos e, em
alguns casos, não existe nenhuma utilização.
Entretanto, de acordo com Cravo et.al (2016) o cultivo contínuo de mandioca na
mesma área, sem reposição dos nutrientes exportados, pode provocar o esgotamento das
reservas nutricionais dos solos, levando-os à completa degradação. Nesse aspecto, com o
objetivo de manter o solo em condições de fertilidade adequada, a utilização de adubos
orgânicos (compostos orgânicos, estercos, restos de culturas, etc.), adubos minerais
(fosfatados, nitrogenados, potássicos), a técnica da calagem20 (aplicação de calcário) faz-se
importante para o cultivo de mandioca.
No Rio Grande do Norte, o cultivo de mandioca ainda é bastante convencional, no
entanto, a mandiocultura tem experimentado, ainda que forma tímida, novas técnicas de
plantio, como, por exemplo a “Técnica de Multiplicação Rápida de Mudas”, correspondente a
um projeto desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) em
parceria com outros órgãos ligados à agricultura familiar, na tentativa de facilitar o cultivo de
mandioca em meio ao período de seca que tem afetado as lavouras nos últimos cinco anos. O
grande benefício da “Técnica de Multiplicação Rápida de Mudas” é a quantidade de material
de plantio produzido que chega a ser até 16 (dezesseis) vezes maior comparando-se à técnica
convencional de plantio de mandioca.
19 É importante considerar que ambas as técnicas (Roça Sem Fogo e Trio Da Produtividade) foram
desenvolvidas pela Embrapa Amazônia Ocidental, logo, a utilização destas ainda é muito restrita aos produtores
de mandioca da Região Norte. O objetivo é apresentar o desenvolvimento de novas técnicas e/ou tecnologias
voltadas ao cultivo de mandioca. 20 Para o cultivo da mandioca, tem sido recomendada a aplicação de calcário em doses moderadas visando,
principalmente, o suprimento de cálcio e magnésio, que são o terceiro e o quinto nutrientes mais absorvidos pela
cultura (MIRANDA et. al., 2005).
95
O sistema de rotação de solo é uma das técnicas mais utilizadas pelos produtores de
mandioca no Rio Grande do Norte, onde, a cada cinco anos, as áreas de plantação de
mandioca dão lugar ao pasto para o gado. Associado a isso, o preparo da terra, com corte
realizado com três meses de antecedência e limpas a cada trinta dias, têm favorecido um
melhor cultivo da mandioca.
Quando se trata do cultivo da “mandioca mansa” (macaxeira), seu desenvolvimento
tem sido fortemente possibilitado no estado do Rio Grande do Norte pelo sistema de irrigação
adotado por alguns produtores. Na Microrregião Agreste, o cultivo irrigado de macaxeira é
bastante recorrente, devido à maior capacidade hídrica nos lençóis freáticos, propiciando
assim, o aumento da produção e do rendimento médio desse tipo de mandioca em relação à
mandioca voltada para fins industriais. O próximo subcapítulo irá seguir a discussão
envolvendo a mandiocultura no Rio Grande do Norte, ressaltando alguns dos entraves e
perspectivas da atual produção de mandioca no estado.
3.2.3 Entraves e perspectivas da produção atual de mandioca no Rio Grande do Norte
Como anteriormente evidenciado, no estado do Rio Grande a mandiocultura não se
restringe mais apenas ao autoconsumo, assumindo também importância no que se refere ao
abastecimento das unidades de beneficiamento de mandioca e na geração de renda no âmbito
da agricultura familiar. Todavia, em 2013, a atividade registrou seus piores índices em termos
de área plantada e colhida (ha), assim como em quantidade produzida (toneladas), em virtude
da estiagem prolongada que se acentuou no referido ano, levando o governo a decretar
situação de emergência em 150 municípios do estado. O gráfico 2 mostra o comportamento da
produção de mandioca no Rio Grande do Norte a partir dos anos 1990 (em intervalos de cinco
anos) até 2013, ano em que houve redução expressiva da quantidade produzida.
96
Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal, 2015.
Diante desse quadro, os pequenos produtores foram os mais prejudicados, uma vez
que tiveram sua produção comprometida. Estes dependem e reconhecem a importância das
chuvas na produção de mandioca, já que não podem arcar com as despesas de um cultivo
irrigado. Entende-se, dessa forma, que a utilização de técnicas e/ou tecnologias são
importantes nesses casos, a exemplo da própria irrigação, mas o emprego destas está
condicionado ao poder aquisitivo do produtor e, na maioria das vezes, falta assistência técnica
pública.
Além dos problemas relacionados à seca, outros entraves à produção de mandioca no
estado do Rio Grande do Norte podem ser considerados, como: limitações no financiamento
da cultura (oportunidade e valores financiados); variação constante no preço do produto e
instabilidade no mercado; baixo retorno econômico para alguns produtores, o que não
estimula os investimentos em tecnologia nas áreas rurais; dificuldades com a produção de
mandioca, que é bastante trabalhosa e de ciclo longo, etc.
Em 2014, a produção de mandioca no Rio Grande do Norte apresentou um
considerável aumento ao atingir uma quantidade produzida de 160.286 toneladas, dando
sinais de recuperação e trazendo novas possibilidades aos produtores. Entretanto, com a
estiagem prolongada no estado, essa quantidade de mandioca é reduzida em 10% no ano de
2015 (produção de 146.091 toneladas), de acordo com os dados do IBGE referentes à
Produção Agrícola Municipal (2015).
352.904
496.184
366.332
696.985
341.552
80.685
0
100.000
200.000
300.000
400.000
500.000
600.000
700.000
800.000
1990 1995 2000 2005 2010 2013
GRÁFICO 2 - PRODUÇÃO DE MANDIOCA NO RIO GRANDE DO
NORTE: quantidade produzida (t)
Quantidade produzida (t)
97
Ainda sob a análise da produção de mandioca no ano de 2015, verifica-se que o
Agreste e o Leste Potiguar ainda concentram a maior produtividade da raiz em toneladas,
acompanhada da Mesorregião Central Potiguar, com maior quantidade produzida na área que
compreende a Serra de Santana. Em relação ao Oeste Potiguar, a quantidade produzida em
toneladas de mandioca é bem menos expressiva, como evidenciado no mapa 5.
98
99
De modo geral, a quantidade de mandioca produzida em toneladas atualmente é
bastante inferior no contexto produtivo do Rio Grande do Norte, que já ocupou as primeiras
posições entre os maiores produtores da Região Nordeste. As perspectivas de que esse quadro
melhore apoiam-se no possível aumento das precipitações no estado, bem como nas suas
potencialidades à produção de mandioca, que deveriam ser aprimoradas a partir de ações mais
incisivas por parte do governo do Rio Grande do Norte. Somado a isso, a recuperação da
produtividade em algumas áreas do estado, associada ao desenvolvimento da mandiocultura
em assentamentos rurais, democratizando o uso da terra, pode ser entendida como um aspecto
positivo e indutor à produção de mandioca.
100
Capítulo 3
“A mandioca é uma raiz
E possui sais minerais
Cálcio, ferro e vitaminas
E outros nutrientes tais
É rica em proteínas
E é gostosa demais
Possui uma casca fina
Porém é branca a parte interna
A mandioca é secular
Mas atual e moderna
É riqueza brasileira
Alimenta nação inteira
É nossa parceira eterna (...)”
Trecho do Cordel “Manihot – Casa
de Mani”, de autoria de Carlos
Silva. Setembro de 2011.
Obra “Casa de Farinha”, de Antônio Andrade. Dimensão: 120x90. Coleção de Milton de Zé da
Laje, Fátima-BA.
101
4 A MANDIOCA NO CONTEXTO DA TECNIFICAÇÃO DO TERRITÓRIO E DA
MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA
A modernização da agricultura ocorrida em vários países derivou do movimento
expansionista caracterizado pelo expressivo crescimento econômico e pelo grande avanço
tecnológico. Foi sob este modelo econômico que a União Europeia, os Estados Unidos e
muitos outros países, inclusive subdesenvolvidos, promoveram alterações na sua base técnica
de produção e ampliaram a oferta de alimentos e matérias-primas. No Brasil, o referido
processo deu-se de forma bastante rápida, especialmente nas regiões sul e sudeste, onde as
alterações na base técnica e econômica da agropecuária se deram de maneira bastante
pronunciada a partir dos anos 1960 (HESPANHOL, 2008).
Segundo Locatel (2012, p. 1),
a partir da década de 1960, o aumento da densidade técnica do
território, através da execução do projeto “modernizador” para a
agricultura só foi viabilizado porque havia uma série de
elementos incorporados ao território na fase anterior, tais como
as políticas setoriais que favoreceram segmentos agrícolas,
possibilitando assim maior acumulação de capitais; um mercado
de máquinas com grande demanda; mudanças nas práticas
agronômicas e incorporação de componentes do pacote
tecnológico da “Revolução Verde”, até então importados.
Além disso, o aumento da demanda de produtos agrícolas no mercado externo e de
matérias-primas no mercado interno, com a “substituição de importações”; e uma
reestruturação política e econômica a partir do pós-guerra, consolidada com o golpe militar e
o estabelecimento do governo ditatorial no Brasil, também foram significativos no processo
de tecnificação do território. “Essa conjuntura estava em consonância com o cenário
internacional de mudanças nas relações entre países e capitais, que implicaram na
reestruturação da divisão internacional do trabalho e na configuração interna do país”
(LOCATEL, 2012, p. 1).
Nesse contexto, é importante reforçar que, mesmo com o aumento da densidade
técnica verificada no território nacional, o processo ainda é bastante desigual e tem ocorrido
sob forte intervenção estatal, por meio de políticas públicas específicas. No geral, a
modernização da agricultura não assume uma característica homogênea no país, contribuindo,
assim, para o acirramento das diferenciações espaciais, apresentando ainda, caráter seletivo
com relação à categoria de produtores/segmentos sociais beneficiados, de maneira mais
intensa e direta (ELIAS, 2006).
102
Do mesmo modo, não atinge todas as culturas agrícolas, pois de acordo com Andrade
(1979), o processo de modernização da agricultura consolida o privilégio que é dado, desde o
período colonial, aos produtos destinados ao mercado externo21, relegando à condição de
arcaicos e tradicionais os produtos essenciais à alimentação da sociedade nacional, como a
mandioca. Com uma produção voltada para atender basicamente o mercado interno, a
mandioca não é valorizada no contexto da modernização da agricultura e, por essa razão, seu
envolvimento com a agroindústria ainda é considerada incipiente.
O que não se deve desconsiderar é que a maior interação da cultura de mandioca com
a indústria tem permitido o desenvolvimento de técnicas produtivas, bem como a adoção cada
vez mais significativa de insumos e a utilização de novas tecnologias voltadas ao
beneficiamento, embora que de maneira gradual e discrepante no território brasileiro.
4.1 A AGROINDÚSTRIA DE MANDIOCA NO CENÁRIO ATUAL BRASILEIRO
Antes de adentrar diretamente na discussão a respeito da agroindústria de mandioca, é
preciso entender as bases em que se deu o desenvolvimento do setor agroindustrial no Brasil e
sua vinculação ao processo de modernização da agricultura22, cujas transformações foram
desencadeadas principalmente no período compreendido entre as décadas de 1960 e 1980.
Nesse contexto, até a década de 1960, predominava no Brasil o “complexo rural”, que
constitui o “período técnico da produção agropecuária brasileira”, conforme Locatel (2012). O
complexo rural caracterizava-se por apresentar “uma dinâmica muito simples na qual a
atividade agrícola, ou o setor rural, mantinha poucas ou quase nenhuma relação com as
atividades externas às fazendas, a não ser com o mercado externo para um único produto, de
modo geral, em todo o circuito produtivo com valor comercial, como o caso da lavoura
cafeeira desde o século XIX” (FAJARDO, 2008, p. 33).
Com a crise do complexo rural e a mudança dos determinantes da dinâmica da
agricultura, foi iniciado, ainda em 1960, o processo de “industrialização da agricultura”.
Nesse viés, Silva (1996) enfatiza que o novo centro dinâmico da economia – a indústria e a
21 De acordo com Salvador (2010), apesar da modernização da agricultura privilegiar os produtos destinados à
exportação, isso não significa que esse processo caracterize apenas tais produtos, de modo que também pode
expressar-se em outras lavouras, que não interessam veementemente aos agentes hegemônicos do atual sistema,
como a mandioca, porém com intensidade diferenciada. 22 Segundo Muller (1989) a modernização, nesse contexto, trata-se do processo geral de mudança
tecnoeconômica e social das atividades agrárias e dos atores sociais engajados. Não só passa a predominar a
racionalidade empresarial, mas igualmente, os padrões de consumo e as aspirações de vida urbana. Este processo
mostra-se claro quando há a concomitância da industrialização da agricultura e de sua agroindustrialização.
103
vida urbana – impõe suas demandas ao setor rural e passa a condicionar suas transformações,
que vão culminar nos anos de 1970 na constituição dos complexos agroindustriais (CAIs).
Ainda com base no referido autor, é importante assinalar que no processo de
desarticulação do complexo rural e constituição do CAIs
a agricultura perde a sua regulação geral que era dada pelo
mercado externo/mercado interno. E isso impõe uma
participação cada vez maior do Estado no sentido de formular
políticas específicas para cada complexo agroindustrial, com
um duplo objetivo. Primeiro de restabelecer uma regulação
geral, na medida em que o Estado passa a definir os principais
parâmetros para a rentabilidade dos capitais empregados nesses
distintos ramos. Segundo, como árbitro das contradições que se
internalizam nesses novos complexos, como por exemplo a
fixação de preços e margens dos produtos intermediários, a
fiscalização da competição oligopólica, estabelecimento de
cotas - especialmente no caso das exportações - etc. (SILVA,
1996, p. 6).
Sendo assim, a formação do complexo agroindustrial (CAI), que de certa maneira é
determinante e determinada pelo processo de tecnificação da agricultura, passa a provocar
transformações regionais e setoriais, que não são homogêneas no território brasileiro, mas
impõem de forma geral uma nova dinâmica aos circuitos de produção agrícola,
principalmente na forma de organizar, produzir e comercializar. Além do mais, com a nova
dinâmica ditada pelo CAI, correspondente ao atual período técnico-científico-informacional,
verifica-se a incorporação dos novos insumos e tecnologias mais avançadas, com uma grande
inversão de capital na agropecuária (LOCATEL, 2012).
Tratando-se da interação entre a agricultura e a indústria, para Muller (1989, p. 61-62)
o CAI é uma unidade de análise na qual a agricultura se vincula
com a indústria de dupla maneira: com a indústria de máquinas
e insumos que tem na agricultura seu mercado e com a indústria
processadora/beneficiadora de matérias-primas agrícolas. A
primeira pode ser designada de indústria para a agricultura, e a
segunda de agroindústria. Na medida em que há uma forte
interdependência entre agricultura e a indústria para agricultura,
verifica-se um processo de industrialização da agricultura; e na
medida em que há uma forte interdependência entre agricultura
e a indústria beneficiadora e processadora, verifica-se um
processo de agroindustrialização. Chama-se de modernização
(tecnoeconômica) agrária a interação entre industrialização do
campo e agroindustrialização.
104
A finalidade dessa discussão inicial é mostrar que, embora a agroindústria de
mandioca no Brasil não tenha alcançado a magnitude de um “complexo agroindustrial”, ela
está inserida na lógica desse processo. A transformação das unidades de beneficiamento de
mandioca (representadas, sobretudo, pelas “casas de farinha”), em indústrias ou agroindústrias
está associada à ampliação do mercado de mandioca no Brasil, principalmente quando se trata
do amido. Nesse sentido, conforme Santos e Santos (2013, p. 2)
Essa tendência de crescimento do mercado da mandioca no
Brasil, decorrente do processo de industrialização, demonstra
sua entrada no agronegócio, capitalizando um produto que foi
durante séculos, produzido, comercializado e consumido pela
população considerada marginalizada no país, para colocá-lo
nas prateleiras dos supermercados como derivados
industrializados. As transformações da mandiocultura no Brasil,
sua rentabilidade para a indústria e a comercialização dos
produtos derivados estão ganhando destaque no país, em função
do número de órgãos públicos e entidades privadas que estão se
dedicando ao seu melhoramento genético, com objetivos
comerciais, buscando maior valor nutricional e maior
concentração de amido, criando novas variedades mais
competitivas e atraentes para o mercado, através da agregação
de valor ao produto.
No entanto, existem discrepâncias relacionadas à topologia e ao financiamento rural
quando se trata das agroindústrias de mandioca no Brasil. Isso porque as Regiões Sul e
Sudeste23 concentram as maiores e mais modernas indústrias de fécula e farinha do país, em
detrimento das Regiões Norte e Nordeste, cujas indústrias de farinha e outros derivados da
mandioca são, geralmente, de pequeno porte e de origem familiar, com poucos instrumentos
técnicos e predominando ainda a utilização de mão de obra familiar no processo produtivo.
Pensando a realidade da Região Nordeste, especificamente, concorda-se com os
autores Santos et.al (2009) quando estes compreendem que as pequenas agroindústrias de
mandioca garantem emprego e renda para produtores, familiares e demais agentes envolvidos,
movimentando a economia das localidades onde estão inseridas. Para os autores, ao gerar
renda, a referida agroindústria propicia a permanência dos indivíduos em sua terra natal,
impedindo, assim, que algumas pessoas se desloquem de sua região a fim de buscar melhores
oportunidades de vida, que acabam muitas vezes em trabalhos alternativos ou subempregos.
23 A região Sudeste destaca-se também como a principal em termos de pesquisa no que se refere à mandioca.
Ademais, possui a maior produtividade agrícola e o principal polo de comercialização, localizado no estado de
São Paulo (DERAL, 2015).
105
No que se refere ao financiamento rural, o Pronaf-Agroindústria tem desempenhado
um papel importante no repasse de créditos voltados ao custeio de infraestrutura para o
beneficiamento, processamento e a comercialização da produção agropecuária e não
agropecuária (MDA, 2016). Todavia, historicamente, a maior parte do financiamento do
Pronaf-Agroindústria tem sido dirigida para os estados do Sul/Sudeste do Brasil (ALVES,
2014), fato que pode explicar a predominância das tradicionais casas de farinha em relação às
unidades industriais de beneficiamento de mandioca nos estados nordestinos como um todo24.
Com base na explicação de Alves (2014, p. 3),
quando se comparam os dados de aplicação global do Programa
com os do BNB, percebe-se que há uma distribuição espacial
desigual dos recursos, com prejuízo para o Nordeste. Na
verdade, os valores emprestados via BNB praticamente
inexistem, pois representam em torno de 0,31% das aplicações
globais. O número de agroindústrias financiadas pelo BNB no
Pronaf-Agroindústria equivale a 2,4% do total do país. Além
disso, o número de famílias com acesso aos recursos não
ultrapassa os 0,3% do total beneficiado em todo o Brasil.
Por parte do BNB, principal responsável pelas contratações no Nordeste, as metas
anuais têm sido modestas para aplicação do Pronaf-Agroindústria (ALVES, 2014). É
importante considerar também que muitos dos proprietários das agroindústrias familiares de
mandioca no Nordeste optam por não recorrer à referida linha de crédito alegando o conjunto
de burocracias envolvidas ou simplesmente pelo receio em adquirir dívidas.
Como maneira de justificar as desigualdades espaciais concernentes à distribuição dos
recursos oriundos do Pronaf-Agroindústria, autores como Schneider, Mattei e Cazella (2004
apud ALVES, 2014) apontam que além do peso econômico e às pressões políticas que as
agroindústrias sulistas exercem sobre os órgãos responsáveis pela alocação dos recursos, os
agricultores familiares da Região Sul são mais organizados e estão acostumados a incorporar
o crédito rural na pauta de suas reivindicações.
Segundo Wesz Júnior (2012), outro argumento que tem sido frequentemente utilizado
tanto pelos gestores envolvidos no desenvolvimento do referido programa, como por alguns
estudos acadêmicos para explicar essa configuração no tocante à distribuição dos recursos,
infere que a concentração do apoio do Pronaf-Agroindústria no Sul do país justifica-se pela
24 Além da concentração dos recursos do Pronaf no Centro-Sul, é importante considerar a maior capitalização e
maiores iniciativas dos próprios produtores da região em questão, na busca incessante em adotar métodos mais
tecnificados nas suas lavouras de mandioca.
106
tradição dos agricultores em agroindústria familiar, fruto da influência recebida da
colonização europeia, diferentemente das Regiões Norte e Nordeste, em que a base do
problema estaria no perfil das populações, sem vocação para o trabalho agroindustrial em
função da influência da origem e da cultura.
É uma ideia totalmente equivocada e, nesse aspecto, concorda-se com Alves (2014),
quando a autora defende que tal justificativa além de conter uma dose de preconceito, não
corresponde à realidade, uma vez que não é por inexistência de agroindústrias familiares que
o programa em questão deixa de atender essas regiões.
Desse modo, a agroindústria de mandioca no Brasil faz parte das recentes
transformações relativas à modernização da agricultura. Se por um lado, sob a lógica seletiva
capitalista, tem revelado suas contradições no território brasileiro, por outro, faz-se importante
diante dos processos industriais que procuram agregar valor no beneficiamento da mandioca,
utilizando-a como matéria-prima em diferentes áreas, sendo um vetor de articulação entre a
agricultura e a indústria (SANTOS et.al, 2009).
4.2 DAS CASAS ÀS INDÚSTRIAS DE FARINHA: pensando a agroindústria de mandioca
no Rio Grande do Norte
A produção de derivados de mandioca, como a farinha e a goma, não faz parte apenas
da cultura norte-rio-grandense, mas também da “consolidação de muitas comunidades rurais
que nasceram e se desenvolveram sob influência das casas de farinha, promovendo sua
própria história na persistente luta pela qualidade de vida de sua gente” (SEBRAE, 2006, p.
19).
Nesse contexto, de acordo com Cascudo (2004), agosto era o mês das farinhadas ou
da desmancha no Agreste Potiguar. Estas, eram marcadas por relações culturais, decorrentes
de tradições históricas herdadas de povos indígenas, sendo realizadas nas casas de farinha. No
Rio Grande do Norte, as casas de farinha eram o local onde as famílias se reuniam não
somente para a produção de derivados da mandioca, mas também para a realização de
festividades, ou utilizando-se da expressão de Nogueira e Waldeck (2006), ao tratar da cultura
mandioqueira no Brasil, as casas de farinha constituíam espaços de expressão da vida coletiva
no território norte-rio-grandense.
É importante considerar nessa discussão, que a transformação da mandioca em farinha
não era realizada apenas nas casas de farinha, uma vez que algumas famílias realizavam todo
o processo em suas residências. Nesse aspecto, a massa produzida era utilizada para fazer
107
beijus, bolos, e a farinha geralmente era armazenada, como forma de garantir o consumo
familiar.
Até a década de 1980, os instrumentos técnicos presentes nas casas de farinha eram
movidos à força humana e as relações que marcavam o processo de produção de farinha e
outros derivados, segundo Salvador (2010) “eram calcadas na amizade, no compadrio, na
ajuda mútua entre os familiares”. Sobre os instrumentos técnicos, o autor acrescenta
Inicialmente o rodete (usado para ralar a mandioca), a prensa
(usada para retirar a manipueira) e a peneira (usada para
enfarinhar a massa) eram instrumentos feitos de madeira;
posteriormente, passaram a ser confeccionados com materiais
mais resistentes, como o ferro. O forno era a braço, ou seja,
construído com tijolo e cimento, aquecido com lenha, sendo a
farinha mexida por um homem (o forneiro) por meio de um
pedaço de madeira chamado de rodo (SALVADOR, 2010, p.
69).
Essa realidade começa a mudar a partir dos programas de financiamento rural que
foram elaborados com o intuito de atender, sobretudo, a Região Nordeste. No Rio Grande do
Norte, programas como o PROTERRA e o POLONORDESTE, além de impactar a
agricultura do estado, foram importantes no que diz respeito à admissão de instrumentos
técnicos movidos à eletricidade nas casas de farinha, a partir de recursos oriundos de tais
programas, o que será tratado na próxima seção do presente trabalho. Associado a isso, o
processo de reestruração produtiva no Rio Grande do Norte, em curso desde a década de
1980, também trouxe mudanças, especialmente no que se refere ao beneficiamento da
mandioca, a partir do papel que passou a ter a mecanização.
Assim, a passagem do modelo das unidades artesanais às agroindústrias de mandioca
atuais, encontra-se alicerçada a esse conjunto de acontecimentos, que não deixam de estar
relacionados à modernização da agricultura e à tecnificação do território. Atualmente, o
modelo de transformação das casas de farinha em indústrias de farinha e outros derivados da
mandioca no Rio Grande do Norte está de acordo com a portaria número 326 da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), e consultoria especializada com órgãos como
Sebrae, além do fornecimento de crédito para a atividade proveniente do Banco do Nordeste e
do Banco do Brasil.
108
4.2.1 Programas de financiamento rural e a inserção de instrumentos técnicos nas casas de
farinha
Segundo Romão et.al (1987 apud SALVADOR, 2010), com a crise da cotonicultura
no território potiguar e com a política nacional de industrialização, já se observava na segunda
metade da década de 1970, um movimento em direção à modernização da agricultura no Rio
Grande do Norte, posto em evidência com base na política estatal de transformação e de
integração da agricultura tradicional ao mercado. Com o intuito de efetivar a referida política,
foram formulados e executados programas de financiamento rural, objetivando à inserção de
novas tecnologias nas atividades da agricultura.
Ainda conforme o referido autor, os seguintes programas impactaram diretamente na
agricultura potiguar: Programa de redistribuição de terras e de estímulo à agroindústria do
Norte e Nordeste (PROTERRA); Programa de desenvolvimento de áreas integradas no
Nordeste (POLONORDESTE); Projeto Sertanejo, e o Programa de desenvolvimento da
agroindústria do Nordeste (PDAN). A seguir, tem-se uma breve explanação a respeito de cada
um deles.
O Programa de redistribuição de terras e de estímulo à agroindústria do Norte e
Nordeste (PROTERRA), criado pelo Decreto-Lei nº 1.179, de 6 de julho de 1971,
tinha como objetivo promover o mais fácil acesso do homem à terra, criar melhores
condições de emprego de mão de obra e fomentar a agroindústria nas regiões
compreendidas nas áreas de atuação da SUDAM e da SUDENE;
O Programa de desenvolvimento de áreas integradas no Nordeste
(POLONORDESTE), criado por meio do Decreto-Lei nº 74.794, de 30 de outubro de
1974, com a finalidade de promover o desenvolvimento e a modernização das
atividades agropecuárias de áreas prioritárias do Nordeste, com o sentido de polos
agrícolas e agropecuários;
O Projeto Sertanejo foi criado através do Decreto-Lei de nº 78.229 de 23 de agosto de
1976, com a finalidade de fortalecer a economia das unidades de produção
agropecuária, sobretudo pequenas e médias, do semiárido nordestino, tornando-as
mais resistentes aos efeitos das secas. Nas palavras de Sorj (2008) o projeto se
orientaria no sentido de apoiar aqueles setores na região semiárida que mais sofreriam
os efeitos das secas: os pequenos proprietários, os parceiros e arrendatários e os
109
trabalhadores sem terras. Além do Rio Grande do Norte, o Projeto Sertanejo tinha
prioridade de atuação os estados do Piauí, Ceará, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Bahia e
Pernambuco (COLOMBO, 2012);
O Programa de desenvolvimento da agroindústria do Nordeste (PDAN) foi iniciado
em 1974 e conduzido pela SUDENE e Banco do Nordeste do Brasil, na linha de apoio
à iniciativa privada. O referido programa previa a instalação de projetos privados
agroindustriais na Região Nordeste (COLOMBO, 2012).
Segundo Salvador (2010), através dos recursos disponibilizados nesses programas,
passaram a ser inseridos nas casas de farinha, a partir da década de 1980, instrumentos
técnicos movidos a eletricidade, como fornos e rodetes. No Rio Grande do Norte, a Região
Agreste25 se sobressai em relação às demais no contexto dessas mudanças, entendidas pelo
autor como “modernização da atividade mandioqueira”. O fato é que a introdução de
instrumentos técnicos mecanizados nas casas de farinha trouxeram transformações não apenas
no processamento da matéria-prima, mas também nas relações de trabalho presentes no setor
mandioqueiro do estado do Rio Grande do Norte.
4.2.2 Agroindústria de mandioca e os nexos com a reestruturação produtiva no Rio Grande do
Norte
Conforme visto em momento anterior, o processo de reestruturação produtiva no Rio
Grande do Norte iniciado nos anos 1980 provocou a falência de determinadas atividades
produtivas, assim como o surgimento, redefinição e dinamização de outras, com a emergência
de novas materialidades, novas formas, novos objetos e novos conteúdos técnicos, políticos e
sociais no território (AZEVEDO, 2013).
No que se refere ao espaço rural potiguar, “a reestruturação produtiva é marcada, nas
últimas décadas, por processos globais de acumulação, além da perda da capacidade de
decisão local e do aumento das assimetrias territoriais, com o aumento da densidade técnica
em alguns pontos do território” (LOCATEL e LIMA, 2016, p. 33).
Nesse contexto, o
movimento dos capitais internacionais, ao promover mudanças
na divisão internacional do trabalho – ao mesmo tempo
25 Na Região Agreste, houve ainda a “interferência de interesses de agentes externos no território local,
provenientes de Pernambuco, no desencadear inicial da modernização em questão” (SALVADOR, 2010, p. 104).
110
resultante da globalização e condicionante desse processo –
implica em mudanças em outras escalas da divisão territorial do
trabalho, havendo repercussões no âmbito nacional, regional e
local, repercutindo, assim, na configuração e reconfiguração do
território (LOCATEL; LIMA, 2016, p. 34).
Considerando o processo de reestruturação produtiva, observa-se um conjunto de
novas lavouras com elevado valor comercial inseridas na agricultura potiguar, “como
desdobramento do processo de modernização da base técnica e da reestruturação produtiva do
capital, com ênfase no setor agrícola, bem como lavouras tradicionalmente cultivadas no
estado também passaram por contínuas modernizações” (LOCATEL; LIMA, 2016, p. 48).
Nesse sentido cabe ressaltar que as modernizações sucessivas não atingiram somente a
produção de commodities agrícolas produzidas no estado, estas incidiram também sobre as
lavouras alimentícias, as quais paulatinamente incorporaram novas técnicas produtivas, ainda
que de forma menos intensa (LOCATEL; LIMA, 2016).
A mandioca é um exemplo dessas lavouras alimentícias, cuja produção atual passa a
ser realizada com o uso de máquinas e de adubos químicos. Em relação à atividade
mandioqueira no Rio Grande do Norte, reforça-se mais uma vez, o processo de modificação
de suas bases técnicas com o intuito de aumentar a produtividade.
Desse modo, a reestruturação produtiva é marcada pela coexistência de novas e velhas
formas de produzir, assim como por redefinições no uso dos objetos geográficos e, por
conseguinte, do território (AZEVEDO, 2013). No âmago desse processo, em muitos casos os
objetos técnicos mantêm as suas “formas conservadas, mas passam a adquirir novas
funcionalidades, estas mais condizentes com as atuais formas de produção e distribuição das
mercadorias” (AZEVEDO, 2013, p.115). Reforça-se que tal processo no âmbito do Rio
Grande não provocou o desparecimento das casas de farinha, pelo contrário, elas passaram a
coexistir com as “unidades mais modernas”, que atualmente configuram-se como
agroindústrias de mandioca.
4.2.3 Coexistências e permanências no processo de beneficiamento de mandioca no Rio
Grande do Norte
No Rio Grande do Norte, a constante e crescente preocupação com a elevação dos
padrões de qualidades vigentes no processamento de mandioca coexiste com as tradicionais
casas de farinha de processamento artesanal (LOCATEL; LIMA, 2016). Dessa maneira, com
a finalidade de entender essas relações no âmbito do circuito espacial de produção
111
agroindustrial de mandioca no Rio Grande do Norte, utilizou-se como procedimento
metodológico a realização de entrevistas direcionadas aos proprietários de unidades de
processamento e beneficiamento de mandioca. Embora este trabalho esteja direcionado ao
entendimento da produção agroindustrial de mandioca, logo, para as indústrias de farinha, a
análise empreendida não poderia negligenciar as casas de farinha, considerando a importância
histórica e a resistência destas no Rio Grande do Norte.
Conforme se verificou na pesquisa de campo, as unidades de processamento e
beneficiamento de mandioca são de origem familiar, mesmo as de maiores portes, a exemplo
de uma indústria de fabricação de goma, no município de Lagoa Salgada-RN, sendo que 80%
delas estão situadas na zona rural. O período de funcionamento (em atividade) dessas
unidades vai de 2 a 46 seis anos, sendo que muitas passaram por reformas em suas
infraestruturas nos anos de 2008, 2012, 2014 ou foram registradas nesse período.
O número de trabalhadores nessas unidades de beneficiamento de mandioca vai de 6 a
36 pessoas, sendo que muitos ainda são remunerados por produção (sobretudo as raspadeiras
de mandioca), outros, por diárias (prenseiros) ou “acordos” com os proprietários, conforme o
trabalho desempenhado nas unidades. Na ocasião, verificou-se que poucos trabalham com
carteira assinada, representando apenas 21% do universo de entrevistados. Quando
questionados se existia algum processo para a seleção de trabalhadores em suas unidades de
processamento, a maioria dos proprietários respondeu que não, pois muitos “eram conhecidos,
moradores da região ou da própria família”, ou ainda, “aprendia com os demais que já
trabalhavam”; apenas 15% dos entrevistados afirmaram que antes de admitir os trabalhadores
realizavam um período de experiência que poderia durar de 14 a 45 dias.
No que se refere à capacitação, os proprietários afirmaram que os trabalhadores de
suas unidades já realizaram cursos de boas práticas, higiene e manejo de alimentos, além de
cursos voltados para a utilização de equipamentos, geralmente oferecidos pelo SEBRAE-RN.
Todavia, 47% dos entrevistados responderam que não foi realizado nenhum tipo de curso de
capacitação com os trabalhadores. Nesse viés, observou-se que a inexistência de capacitação
dos trabalhadores é marcante no âmbito das tradicionais casas de farinha, tanto da
Microrregião Agreste Potiguar quanto da Microrregião da Serra de Santana, do mesmo modo
em que essas unidades, não levam em consideração as leis trabalhistas, o uso vestimentas
apropriadas26 (figura 8) ou de equipamentos de proteção individual – EPIs. A fiscalização por
26 Conforme a legislação específica, todo o pessoal deverá trajar uniforme, touca para prender o cabelo, luvas,
botas de borracha branca, máscara para nariz e boca, entre outros, mantendo a máxima higiene pessoal possível
(NASCIMENTO, 2016).
112
parte do Ministério do Trabalho nessas unidades é inexistente ou mínima, ocorrendo somente
duas vezes ao ano, segundo um proprietário de uma casa de farinha do município de Lagoa
Nova-RN.
Os proprietários das agroindústrias, porém, alegaram que os representantes dos
Ministério do Trabalho visitam suas unidades em um período de seis em seis meses. Nessas
unidades, observou-se que os trabalhadores, além de terem realizado cursos de capacitação,
utilizavam vestimentas adequadas (figura 9), apesar de que alguns proprietários informaram
que ainda existem resistências ao uso de alguns elementos da vestimenta, como luvas, assim
como na utilização de protetores auriculares. Nessa relação entende-se que os hábitos e
tradições culturais relacionados à produção de derivados da mandioca contribuem bastante no
fortalecimento destas resistências.
Em relação às condições de higiene, tanto pessoal quanto à limpeza das máquinas e do
espaço físico, verificou-se que estas são visivelmente melhores nas agroindústrias do que nas
casas de farinha, até porque nessas últimas, as etapas do beneficiamento da mandioca estão
concentradas, praticamente, em uma única área de produção. Vale ressaltar que a
insalubridade nas unidades tradicionais de beneficiamento de mandioca não pode ser
totalmente encarada como sinônimo de negligência de seus proprietários, considerando que a
Figura 8 - Trabalho realizado sem o uso de equipamentos de segurança e vestimenta
adequada em casa de farinha da Serra de Santana
Fonte: Raquel Silva dos Anjos, 2016.
113
maioria não dispõe de capital para ampliar seus estabelecimentos e, assim, adequar-se às
normas higiênico-sanitárias.
Questionou-se também aos proprietários se, nos últimos anos, as unidades de produção
haviam passado por transformações referentes ao processo de beneficiamento de mandioca, a
passo que a maioria respondeu que sim, e que tais mudanças vieram principalmente com a
reforma e melhorias na infraestrutura da unidade a partir da consultoria realizada com o
SEBRAE-RN. Sendo assim, todas as etapas da produção de farinha e goma passaram a ser
feitas de forma mecanizada e, em grande parte das unidades todos os equipamentos foram
substituídos e novos foram adquiridos, apesar de que, a raspagem manual de mandioca foi
verificada mesmo em unidades consideradas como de padrão industrial, o que pode ser
encarado como um “elemento de permanência e coexistência” no tocante ao beneficiamento
de mandioca e a manutenção de algumas relações de trabalho. Todavia, é importante
considerar que a padronização dos estabelecimentos também tem provocado o endividamento
de alguns proprietários que aderem aos “projetos modernizantes” do SEBRAE, pois, de modo
geral, o referido órgão não fomenta a cooperação, a solidariedade e a economia solidária, mas
a competitividade via empreendedorismo.
Figura 9 - Trabalho realizado com vestimenta adequada em agroindústria de farinha e goma
da Serra de Santana
Fonte: Raquel Silva dos Anjos, 2016.
114
A transformação da mandioca em farinha consiste nas seguintes etapas: primeiro a
mandioca é descascada, depois lavada, processada, prensada, triturada, peneirada e, em
seguida, vai ao forno (ficando em torno de 1h, 1h20min.). Posteriormente, já em forma de
farinha, ela é classificada e depois embalada. Na figura 10, estão dispostas algumas máquinas
e/ou equipamentos utilizados no processo de fabricação de farinha em uma agroindústria do
Agreste Potiguar.
Nas unidades tracionais, por sua vez, além da raspagem da mandioca, outras etapas da
produção de farinha ainda são realizadas de forma manual, como a lavagem das raízes
descascadas (quando é feita); o peneiramento da massa; a tiragem da goma e o
empacotamento da farinha. No circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca
também pode-se observar o desenvolvimento e uso de tecnologias sociais, uma vez que
alguns proprietários têm criado instrumentos artesanais, com o objetivo de auxiliar no
processo de empacotamento manual, como pode ser verificado no município de Tenente
Figura 10 - Parte das máquinas que são utilizadas no beneficiamento da mandioca em uma
agroindústria do Agreste Potiguar
Fonte: Raquel Silva dos Anjos, 2016.
115
Laurentino Cruz-RN, a partir da utilização de um tambor de plástico (cortado) e um cone
(figura 11). O processo funciona da seguinte forma27: a) a farinha produzida é despejada no
tambor, que encontra-se fixado a um cone; b) exercendo a função de funil, o cone tem em sua
extremidade uma espécie de “separador” de madeira, que serve para dosar a quantidade de
farinha a ser colocada na embalagem de 1kg; c) feito isso, o produto é levado a seladora
manual, finalizando o procedimento.
Os proprietários das unidades de processamento e beneficiamento de mandioca
também foram questionados no que diz respeito à realização de consultoria especializada com
algum órgão, como o SEBRAE-RN. Dos entrevistados, 42% responderam que sim,
principalmente no momento de transformação da estrutura de suas unidades; na capacitação
de seus funcionários e no licenciamento ambiental (subsidiado). A proprietária de uma
unidade industrial localizada no Agreste Potiguar chegou a se referir ao SEBRAE-RN como o
“pai das casas de farinha”. Em contrapartida, outro entrevistado de uma unidade industrial de
produção de farinha e goma situada na Serra de Santana respondeu que não realizou nenhuma
consultoria com o referido órgão, uma vez que este “exige muito, e deixa muito a desejar”.
27 O empacotamento manual estava sendo realizado em uma antiga residência do proprietário, logo, fora das
dependências da casa de farinha.
Fonte: Raquel Silva dos Anjos, 2016.
Figura 11 - Processo de empacotamento manual de farinha em Tenente Laurentino-RN
116
Em relação ao fornecimento de crédito para a atividade mandioqueira, apenas 26% dos
proprietários obtiveram recursos oriundos do Banco do Brasil e do Banco do Nordeste, a
partir de empréstimos e das linhas de crédito do Pronaf (Agroindústria e Mais Alimentos).
Um proprietário afirmou ter realizado empréstimo através Banco do Nordeste somente para a
compra de um caminhão. Os demais entrevistados afirmaram que utilizam recursos próprios,
alegando, inclusive, as dificuldades burocráticas de acesso ao crédito por meio das
instituições financeiras citadas. No que concerne ao recebimento de apoio do poder público
para o fortalecimento das casas e indústrias de farinha e outros derivados, a resposta foi quase
que unânime: não houve ajuda de nenhuma forma, seja do poder público estadual e muito
menos do poder público municipal, evidenciando assim, a pouca importância que é dada pela
administração pública à atividade mandioqueira no estado.
Quando questionados sobre a procedência da mandioca que é beneficiada nas
unidades, os proprietários28 citaram os municípios de Boa Saúde, Bodó, Brejinho, Ielmo
Marinho, Lagoa D’Anta, Lagoa de Pedras, Lagoa Nova, Lagoa Salgada, Macaíba
(assentamento no distrito de Riacho do Sangue), Montanhas, Monte Alegre, Nova Cruz, Passa
e Fica, São José de Mipibú, Serrinha, Sítio Novo, Tenente Laurentino Cruz, Vera Cruz.
Destaca-se, nessa relação, que alguns dos municípios mencionados estão entre os maiores
produtores de mandioca no estado do Rio Grande do Norte, cujos dados referentes à área
plantada (he), área colhida (he) e quantidade produzida (t) encontram-se dispostos na tabela 3
a seguir.
28 Muitos dos proprietários entrevistados também cultivam a mandioca. No município de Lagoa Nova-RN, por
exemplo, nos fundos de uma agroindústria visitada, havia uma plantação de mandioca cuja área tinha 8 (oito)
hectares.
TABELA 3 - PRODUÇÃO DE MANDIOCA (2015): MUNICÍPIOS DE PROCEDÊNCIA
DA RAIZ PROCESSADA NAS AGROINDÚSTRIAS DE FARINHA E OUTROS
DERIVADOS
MUNICÍPIO
ÁREA
PLANTADA
(he)
ÁREA COLHIDA
(he)
QUANTIDADE
PRODUZIDA (t)
Boa Saúde 1.300 1.300 18.200
Bodó 800 800 6.800
Brejinho 100 100 1.000
Ielmo Marinho 50 50 600
Lagoa D’Anta 1.000 1.000 15.000
Lagoa de Pedras 20 20 200
Lagoa Nova 200 200 400
117
Vale ressaltar, que a produção de mandioca no estado diminuiu consideravelmente nos
últimos cinco anos, em razão do período prolongado de estiagem. De modo geral, os
proprietários das unidades de processamento de mandioca têm enfrentado dificuldades por
conta da escassez da matéria-prima. Em 2013, considerado um dos anos mais críticos da seca
(quando a mandioca chegou a custar R$ 1,10 kg), por exemplo, alguns proprietários chegaram
a comprar mandioca de outros estados para abastecer suas unidades, como Pará, Alagoas, São
Paulo e Paraná. Nesse período, para muitos proprietários de unidades de beneficiamento,
comprar mandioca de outro estado era mais vantajoso porque o preço era menor, mesmo com
o aumento dos custos no transporte (logística).
Atualmente, o valor pago pela mandioca está em torno de 0,50 a 0,70 centavos o kg,
logo, em toneladas, a mandioca pode ser adquirida pelo proprietário no valor de até R$ 700
reais. No decorrer do ano de 2016, os preços oscilaram bastante, chegando a R$ 0,80 kg. Essa
variação de preço está relacionada às condições climáticas (“inverno e seca”), e, por
conseguinte, à qualidade da raiz. Quando no período de plantio, correspondente ao “inverno”,
o preço da raiz tende a diminuir. Para a fabricação de farinha e derivados, os proprietários das
unidades de beneficiamento afirmaram que são exigentes quanto à qualidade da raiz, com o
intuito de obter melhores rendimentos na produção.
Dentre os produtos que as unidades de beneficiamento fabricam, o principal é a
farinha, sobretudo no Agreste Potiguar. A produção de farinha em Brejinho-RN, por exemplo,
é conhecida em todo o estado do Rio Grande do Norte, por sua tradição e qualidade, denotada,
inclusive, na placa de boas-vindas do referido município, como mostra a figura 12.
Lagoa Salgada 100 100 1.500
Macaíba 500 500 5.500
Montanhas 20 15 150
Monte Alegre 50 50 500
Nova Cruz 80 80 850
Passa e Fica 800 800 6.400
São José de Mipibú 50 50 750
Serrinha 40 40 600
Sítio Novo 1 1 8
Tenente Laurentino Cruz 600 450 1.350
Vera Cruz 100 100 1.100
Fonte: IBGE. Produção Agrícola Municipal, 2015.
118
Em algumas unidades, além da farinha tradicional branca, também é produzida a
farinha amarela. Na pesquisa de campo realizada na Serra de Santana, verificou-se que a
goma é o principal produto voltado para a comercialização, contrapondo-se à realidade do
Agreste Potiguar. A “farinha fraca” produzida naquela Região, possui tal denominação
justamente pela retirada do amido, o que segundo o proprietário de uma unidade de
processamento, “não agrada ao paladar de todos”. Ainda em relação a goma de mandioca, esta
pode ser encontrada na forma “peneirada” ou embalada à vácuo, principalmente nas
agroindústrias de mandioca. Infere-se, assim, que as unidades beneficiadoras de mandioca no
Rio Grande do Norte têm na fabricação de farinha e goma, seus principais derivados, com
maior expressividade do primeiro.
Os preços dos derivados também variam conforme a região do estado. Nas unidades
de beneficiamento visitadas nos municípios do Agreste Potiguar, a exemplo de Brejinho,
Serrinha, Monte Alegre, Vera Cruz, entre outros, a farinha é vendida no valor de R$ 3,00 a R$
3,50 (kg), chegando a 4,00 reais o preço de revenda; e a saca de farinha (50 kg) é vendida no
valor de R$ 120,00 podendo chegar a R$ 200,00 reais. A goma, por sua vez, é comercializada
no valor de R$ 2,80 a R$ 3,00 (kg), com exceção da produzida pela fábrica de goma no
município de Lagoa Salgada-RN, cujo valor é R$ 4,00 reais. Já nas unidades de
beneficiamento da Serra de Santana, percebeu-se que o quilo da farinha é vendido por preços
Fonte: Raquel Silva dos Anjos, 2016.
Figura 12 - Placa de boas-vindas em Brejinho-RN com referência à produção de farinha de
mandioca
119
bem inferiores, chegando a R$ 1,45 o quilo, como foi constatado em uma casa de farinha no
município de Lagoa Nova-RN, o que para um proprietário de uma unidade industrial do
mesmo município, é uma “concorrência desleal” tanto com seu estabelecimento “legalizado”
quanto com o seu produto, “fabricado em boas condições de higiene”, e que é vendido a R$
3,00 reais (kg). A goma é o principal derivado da mandioca produzido na região, sendo
comercializada no valor de R$ 2,50 a R$ 3,50 (kg), superior ao preço do quilo de farinha.
Nessa relação, ressalta-se que, de modo geral, o Estado brasileiro não possui uma
política de controle dos preços de produtos da atividade mandioqueira, deixando-os ao livre
comando do mercado. Associado a isso, Michels, Carvalho e Mendonça (2004 apud
SALVADOR, 2010), explicitam que os preços correntes pago quilo da mandioca e de seus
derivados são definidos pelas indústrias feculeiras, localizadas na região concentrada,
particularmente no Paraná e São Paulo que, as quais possuem elevada influencia e capacidade
de comando sobre a atividade mandioqueira em escala nacional.
De acordo com os dados obtidos na pesquisa, em média o custo da produção de uma
saca de farinha (50kg) varia de R$ 130 a 140 reais nos municípios da Região Agreste. Na
Serra de Santana, o custo é menor, em média R$ 100,00 por saca da farinha. No momento da
pesquisa, percebeu-se que muitos proprietários das unidades de beneficiamento sentiram
dificuldade em responder à pergunta, pois geralmente não fazem o cálculo do custo de
produção e muitos não possuem um sistema informatizado (com planilhas de custos) que os
auxilie nesse sentido. No que se refere à quantidade produzida em derivados anualmente, esta
varia de 2.000 a 7.200 toneladas por ano (em média), segundo os entrevistados.
Os proprietários das casas e agroindústrias de farinha foram ainda questionados sobre
as principais dificuldades por eles enfrentadas para manter suas unidades em funcionamento,
ao passo que as principais respostas obtidas foram: escassez de matéria-prima (mandioca),
devido à redução da produção no estado; A baixa qualidade da matéria-prima em
determinados períodos do ano, comprometendo o rendimento da produção; falta de mão-de-
obra; falta de recursos financeiros (capital de giro) para investir nas casas de farinha e
melhoramento de suas estruturas; desvalorização da atividade por parte do poder público;
escassez de água; manutenção da produção e do rendimento, e a concorrência com as casas de
farinha “clandestinas” (não cadastradas).
Diante do que foi exposto, infere-se que o processo de beneficiamento de mandioca
unidades de beneficiamento artesanal e, principalmente, nas indústrias de farinha do Rio
Grande do Norte tem sido marcado consideravelmente pela mecanização, seguindo a lógica
120
capitalista de intensificação da produtividade e da exploração do trabalho, mas também pelas
permanências e coexistências de práticas de produção relativas à atividade mandioqueira.
4.2.4 Agroindústria de mandioca e meio ecológico: o caso da manipueira
A manipueira é o líquido proveniente da prensagem da massa da mandioca, extraído
na fabricação de farinha. Possui grande toxicidade, em razão da quantidade de ácido
cianídrico (HCN) em sua composição, encontrado em todas as partes da planta, sendo mesmo
uma característica comum ao gênero Manihot, da família das Euforbiáceas (CONCEIÇÃO,
1981)29. Logo, não deve ser descartado diretamente no meio ecológico, pois provoca a
contaminação do solo e das águas.
Todavia, ao mesmo tempo que a manipueira é um potente agente poluidor, dezenas de
vezes superior ao esgoto doméstico, é preciso destacar que outros usos são possíveis a partir
de seu descarte, seja para seja para fazer tijolos, na alimentação animal, controle de pragas e
doenças de plantas, assim como o seu uso para produção de biogás, dentre várias outras
utilidades (SANTOS, 2009). Além desses aproveitamentos, a manipueira também pode ser
utilizada na produção de sabão e na produção de vinagre para uso doméstico e comercial.
No Rio Grande do Norte, o descarte inadequado da manipueira ainda é bastante
recorrente (figura 13), principalmente nas unidades tradicionais de processamento de
mandioca (casas de farinha), o que é preocupante, pois de acordo com Santos (2009, p. 12) tal
“prática restringe fisicamente os locais de produção pela formação de enormes volumes deste
líquido, provocando condições de insalubridade na população e afetando à saúde e a
economia desta atividade”.
29 Conceição (1981) considera que a toxidade da planta não decorra unicamente da presença de HCN ou ácido
prússico, parecendo a alguns que outros princípios tóxicos contribuam em escala menor.
121
Em outras unidades de processamento de mandioca, porém, os proprietários têm
procurado atender às normas de controle ambiental, armazenando a manipueira em tanques ou
reservatórios de captação do líquido (figura 14), para o processo de decantação, o que é o
mais recomendável nos dias atuais. Geralmente, são agroindústrias de mandioca que possuem
licenciamento ambiental pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do
Rio Grande do Norte (IDEMA-RN), obtido junto ao SEBRAE-RN (unidades credenciadas ao
órgão) ou por iniciativa e recursos próprios dos interessados, neste caso, os proprietários das
agroindústrias.
Figura 13 - Descarte da manipueira diretamente no solo em uma unidade de processamento
de mandioca no município de Tenente Laurentino Cruz-RN
Fonte: Raquel Silva dos Anjos, 2016.
122
No momento da pesquisa de campo, os proprietários das unidades de processamento e
beneficiamento de mandioca foram questionados quanto ao destino do resíduo líquido da
mandioca, e se existia algum tratamento e/ou controle do descarte da manipueira ou mesmo
aproveitamento desta. Do universo de entrevistados, a maioria respondeu que a manipueira
era simplesmente armazenada em tanques (gráfico 3) e que não realizava nenhum tipo de
tratamento, mas que utilizavam a manipueira, sobretudo, para a alimentação bovina (gráfico
4). É interessante ressaltar que, nesse contexto, uma fábrica de goma localizada no município
de Lagoa Salgada-RN tem utilizado a manipueira para a produção de biogás, como uma
alternativa de geração de energia elétrica.
Figura 14: Manipueira armazenada em tanques ou reservatórios de captação (à dir.
agroindústria em Lagoa Nova-RN, à esq. agroindústria em Vera Cruz-RN)
Fonte: Raquel Silva dos Anjos, 2016.
123
Os proprietários das unidades de processamento e beneficiamento de mandioca
também foram questionados quanto ao licenciamento ambiental. Nesse aspecto, destaca-se
que as unidades licenciadas eram facilmente identificadas em razão da publicação da licença
ambiental em placa do órgão responsável, no caso, o IDEMA-RN, fixada na parte externa do
estabelecimento, tal como registrado na figura 15. Entretanto, pode-se constatar que a grande
maioria das referidas unidades não possuem licença ambiental e, em outras, os proprietários
afirmaram que já tinham recorrido aos órgãos responsáveis, e que o processo estava “em
trâmite”.
11%
58%
5%
26%
Gráfico 4 - Aproveitamento da manipueira nas unidades de
processamento de mandioca
Ração animal (gado) / fertilizante orgânico Ração animal (gado)
Produção de biogás Não aproveita
69%
26%
5%
Gráfico 3 - Destino do resíduo líquido da mandioca (manipueira)
Armazenada em tanques Descartada no solo Armazenada em poços
Fonte: Dados obtidos na pesquisa de campo (2016). Elaborado por
Raquel Silva dos Anjos.
Fonte: Dados obtidos na pesquisa de campo (2016). Elaborado
por Raquel Silva dos Anjos
124
Percebe-se, assim, que as preocupações em torno das questões ambientais têm
aumentado, e no âmbito da atividade mandioqueira a busca por alternativas que minimizem os
danos ao meio ambiente, tem sido posta em prática, como por exemplo, a utilização de lenhas
de cajueiro (material extraído das podas) e algaroba, ambas permitidas para o aquecimento
dos fornos das unidades de beneficiamento de mandioca.
Outro exemplo que merece ser destacado é a substituição da lenha por cascas de coco
(seco) para aquecer os fornos. Esse procedimento alternativo pode ser presenciado em
pesquisa de campo, mais precisamente em uma agroindústria de mandioca localizada no
Agreste Potiguar, como mostrado na figura 16.
Figura 15 - Fábrica de farinha e goma na Serra de Santana licenciada pelo IDEMA-RN
Fonte: Raquel Silva dos Anjos, 2016.
125
Além de diminuir o uso da lenha na atividade mandioqueira e, consequentemente, o
desmatamento, a casca do coco é facilmente encontrada na região e sua utilização é
economicamente viável, o que permite que essa alternativa seja levada adiante e adotada por
outras unidades de beneficiamento de mandioca.
No capítulo a seguir, o enfoque é voltado para o circuito espacial de produção
agroindustrial de mandioca no Rio Grande do Norte, no qual são evidenciadas as principais
etapas produtivas desse circuito, bem como os principais agentes que formam seus círculos de
cooperação no espaço.
Figura 16 - Casca de coco para aquecimento de fornos em agroindústria de mandioca do
Agreste Potiguar
Fonte: Raquel Silva dos Anjos, 2016.
126
Capítulo 4
Farinha
A farinha é feita de uma planta da família das euforbiáceas, euforbiáceas
De nome Manihot Utilíssima, que um tio meu apelidou de macaxeira
E foi aí que todo mundo achou melhor!
A farinha tá no sangue do nordestino
Eu já sei desde menino o que ela pode dar
E tem da grossa, tem da fina
Se não tem da quebradinha
Vou na vizinha pegar (...)
Composição: Djavan
Álbum: Milagreiro (2001)
Obra “Raspando mandioca, pra fazer farinha”, de Gildásio Jardim (2015). Tela: Pintura em
tecido estampado.
127
5 O CIRCUITO ESPACIAL DA AGROINDÚSTRIA DE MANDIOCA NO RIO
GRANDE DO NORTE
Uma característica do período atual é a necessidade de criar condições para a maior
circulação de pessoas, produtos, mercadorias, dinheiro, informação e ordens (SILVEIRA,
2010). Nesse sentido, a análise dos circuitos espaciais de produção, definidos pela circulação
de bens e produtos, torna-se fundamental no entendimento da interdependência dos espaços
produtivos e dos fluxos que permitem a produção.
Logo, assim, os circuitos espaciais de produção não se caracterizam somente pela
dispersão e distanciamento geográfico das distintas etapas da produção, mas também por uma
multiplicidade de relações, as quais se engendram a partir da atuação de múltiplos agentes
(CASTILLO; FREDERICO, 2010). Tratando-se mais especificamente do circuito espacial de
produção agroindustrial de mandioca no estado do Rio Grande do Norte, os produtores de
mandioca, os atravessadores, as unidades de processamento (consubstanciadas na figura dos
proprietários), o mercado assim como os consumidores, foram identificados como os
principais agentes envolvidos no referido circuito espacial produtivo.
No Rio Grande do Norte, a mandioca é cultivada, sobretudo, por pequenos produtores
que estão inseridos no âmbito da agricultura familiar. Atualmente, muitos têm enfrentado
problemas na produção devido à irregularidade das precipitações no estado, associada à falta
de recursos que os impedem de arcar com a adoção de sistemas de irrigação, o que seria o
ideal para manter a produtividade de suas lavouras. Além disso, esses produtores têm que
lidar com a instabilidade dos preços da mandioca e com a dificuldade de colocar o produto
para comercialização, o que geralmente é feito pelos atravessadores ou “corretores” como são
popularmente conhecidos.
Sendo assim, entre a aquisição da matéria-prima e o início do seu processamento, a
partir do qual são originados os derivados da mandioca, verifica-se a presença incisiva dos
atravessadores. Para Salvador (2010), estes agentes sempre conseguem os melhores
rendimentos na atividade mandioqueira, uma vez que compram a mandioca e seus derivados
dos produtores a preços baixos, vendendo, posteriormente, esses produtos por preços que lhes
proporcionam boa rentabilidade.
Nas unidades tradicionais e industriais de processamento e beneficiamento, ocorre a
produção dos derivados da mandioca, principalmente a farinha e a goma. Nessa relação, vale
destacar que muitas casas de farinha comunitárias também importantes na fabricação de
derivados, encontram-se, atualmente, deterioradas ou desativadas no estado, devido a fatores
128
como matéria-prima insuficiente, fragilidade organizacional dos agricultores e negligência
dos poderes públicos estaduais e municipais para com o funcionamento dessas unidades, a
exemplo de uma casa de farinha comunitária no município de Lagoa Nova-RN. (figura 17).
Gerados os subprodutos da mandioca, os proprietários das unidades de beneficiamento
ou funcionários realizam o transporte da mercadoria em caminhões e/ou caminhonetes.
Embora em menores casos, a atuação dos atravessadores também acontece junto às unidades
de processamento, principalmente quando se trata do transporte e comercialização dos
produtos das casas de farinha, cujos proprietários não dispõem de veículos próprios.
Com base nos dados da pesquisa empírica, os derivados da mandioca são destinados
ou vendidos sobretudo na Região Metropolitana de Natal, assim como nos municípios de
Caicó e Currais Novos e nos estados do Ceará, Paraíba e Pernambuco, com a criação de
vários fluxos no território norte-rio-grandense, como evidenciado no mapa 6. Em seguida, a
representação do mapa 7 evidencia, de forma mais clara, os municípios de origem e os
municípios/estados de destino da produção de derivados da mandioca no Rio Grande do
Norte.
Figura 17 – Casa de farinha comunitária desativada no Sítio Buraco da Lagoa,
município de Lagoa Nova-RN
Fonte: Raquel Silva dos Anjos, 2016.
129
130
131
Algumas unidades industriais de beneficiamento de mandioca mantêm parcerias com
restaurantes e redes de supermercados, como Boa Esperança, Rede Mais, Nordestão,
Rebouças, Queiroz; além de grupos atacadistas como o Assaí. Dessas unidades, pode-se citar
as agroindústrias Farinha dos Anjos, Farinha São Pedro e Goma de Mandioca Prata Fina. A
relação das agroindústrias de mandioca com esses estabelecimentos comerciais dá-se da
seguinte forma: a venda dos derivados para os supermercados ou atacados é realizada com
desconto financeiro (na nota fiscal), cuja porcentagem é embutida no produto, ou seja, o
derivado que é vendido a R$ 3,00 reais, por exemplo, é revendido nas gôndolas dos
supermercados a R$ 3,70. O Centro de Distribuição do Sam’s Club e a CEASA-RN, também
são abastecidos com farinha e goma provenientes de agroindústrias do Agreste Potiguar. Em
relação aos restaurantes, destacam-se os seguintes: Bar e Restaurante do Bidoca, Churrascaria
do Arnaldo, Farol Bar e Restaurante, Restaurante Farofa D’água, Tábua de Carne, Mangai e
Nau Frutos do Mar, todos configurando-se como importantes estabelecimentos de
gastronomia em Natal-RN. Para os proprietários das unidades agroindustriais de
processamento de mandioca a venda de derivados para esses estabelecimentos é positiva, pois
além do retorno econômico, é uma forma de inserir seus produtos, e até mesmo divulgá-los,
em estabelecimentos que, na sua maioria, estão concentrados no bairro de Ponta Negra, “onde
a plenitude da atividade turística acontece, pois ocupa um espaço privilegiado, na
conformação da cidade do lazer e do turismo” (FURTADO, 2007, p. 51).
As feiras livres e os pequenos supermercados (mercadinhos - destinados a suprir
menores demandas), também constituem locais de comercialização da farinha e da goma,
principalmente dos derivados provenientes das unidades tradicionais de beneficiamento de
mandioca. Aliás, não há a inserção dos produtos dessas unidades em redes de supermercados,
sendo comercializados, sobretudo, nas feiras livres.
Os proprietários das unidades de processamento e beneficiamento de mandioca
também têm destinado a produção de goma para algumas tapiocarias em Natal-RN,
considerando que a tapioca tem sido bastante consumida nos dias atuais, fazendo parte,
inclusive, do cardápio do setor de alimentos e bebidas vinculado ao turismo30. Nesse sentido,
30 Além do turismo, é válido mencionar também a inserção da tapioca no cardápio, sobretudo dos jovens, a partir
das mudanças nos padrões alimentares relacionados à estética na alimentação contemporânea, como discute
Barbosa (2016). Para a autora, no contexto atual, deve-se analisar a relação da alimentação com a ética e a
estética. Nessa perspectiva, destaca-se o consumo expressivo da tapioca, considerada um alimento saudável, com
fins de manutenção da “boa forma”, assim como a comercialização das “tapiocas coloridas”, como a tapioca
pink, hidratada com o sumo da beterraba, como aborda Guilherme e Portilho (2016, p. 16), uma vez que “[...]
132
infere-se que a atividade turística também tem sido importante para o fortalecimento do
circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca no Rio Grande do Norte, sendo
reconhecida também pelos proprietários das unidades de beneficiamento, cuja demanda por
goma tem aumentado.
Na análise do circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca no Rio Grande
do Norte, reconhece-se a existência de circuitos complementares, sobretudo de insumos
agrícolas, ainda na primeira etapa produtiva do referido circuito; e de máquinas e
equipamentos, importantes no processo de beneficiamento de mandioca. Dessa maneira,
entende-se que os circuitos complementares são ramos específicos de produtos ou atividades
que se estabelecem para atender as demandas dos circuitos espaciais produtivos, contribuindo
assim, para o funcionamento destes. Sobre o setor de insumos, de forma sintética, este é parte
do conjunto de atividades à montante do cultivo da mandioca e, nesse caso, destaca-se a
utilização de adubos orgânicos e químicos na produção da raiz em algumas áreas de plantio
no estado, principalmente na Região Agreste, conforme discutido em momento anterior.
A utilização de adubos de natureza corretiva, como o calcário, também é bastante
recorrente no cultivo de mandioca no estado, assim como o uso de defensivos agrícolas, a
exemplo dos herbicidas, quando do aparecimento de ervas daninhas na mandiocultura. A
mandioca é uma planta que apresenta boa resistência a vários herbicidas, quando aplicados
antes de sua brotação e nas doses recomendadas (EMBRAPA, 2016). Em relação aos circuitos
complementares de máquinas e equipamentos, estes correspondem a todo aparato técnico
presentes nas unidades de processamento de mandioca, a exemplo dos lavadores, trituradores,
prensas hidráulicas, empacotadeiras industriais (figura 18), entre outros.
agrega novas características estéticas, principalmente, no que tange a cor, visto que ela é rosa, e sensoriais, já que
sua textura é crocante, distinta da tapioca chamada de tradicional, que é úmida”.
133
No tocante à procedência do conjunto de máquinas e equipamentos presentes nas
agroindústrias de mandioca, a pesquisa empírica revelou que estes são originários do Sul e
Sudeste do Brasil (Minas Gerais, São Paulo, Paraná), como também do estado de Pernambuco
e Ceará. Entre as empresas citadas pelos proprietários destacam-se a Indústria de Máquinas
Agrícolas Novo Horizonte Ltda, localizada em Limeira-SP, e a Midiam Ltda, situada no
município de Pombos-PE. Nas casas de farinha, por sua vez, as máquinas e equipamentos
antigos, alguns ainda manuais, dividem o mesmo espaço físico com maquinários adquiridos
com histórico de uso, comprados de outras unidades do estado (situadas nos municípios de
São José de Mipibú, Monte Alegre, Touros, Bodó, Tenente Laurentino, Lagoa Nova, etc.) e
que atualmente encontram-se fechadas.
A presença de circuitos complementares, revelam assim, o quão são complexas as
relações que permeiam o circuito de produção agroindustrial de mandioca no Rio Grande do
Norte. A próxima seção reforça a importância do conceito de circuito espacial produtivo no
âmbito da ciência geográfica, diferenciando-o da ideia de cadeia produtiva.
Figura 18 – Empacotadeira industrial em uma unidade de processamento de
mandioca
Fonte: Raquel Silva dos Anjos, 2016.
134
5.1 ALÉM DA CADEIA PRODUTIVA: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA
O emprego do termo “cadeia produtiva” tem sido bastante recorrente em trabalhos
acadêmicos que tratam do processo produtivo de determinada mercadoria. Entretanto, na
Geografia, o conceito de “circuito espacial de produção”, apesar de recente, surge com grande
potencial explicativo para o entendimento da organização, da regulação e do uso dos
territórios. Dessa maneira, pensando em uma abordagem propriamente geográfica, buscou-se
na análise de Castillo e Frederico (2010), a distinção entre circuito espacial produtivo e cadeia
produtiva, a qual será abordada a seguir.
Para Castillo e Frederico (2010), a formulação de teorias em cada disciplina científica
pressupõe um sistema interno, particular e articulado de conceitos, suficientemente abertos
para dialogar e se relacionar com as teorias provenientes de outros campos de conhecimento.
Com base nessa assertiva, os autores consideram que os conceitos de cadeia produtiva e de
circuito espacial produtivo “pertencem a corpos teóricos e respondem a objetivos distintos,
mas compartilham vários pressupostos e alguns procedimentos analíticos, tornando oportuno
o estabelecimento de suas diferenças” (CASTILLO e FREDERICO, 2010, p.466).
O uso do termo “cadeia produtiva” passa a ser mais difundido na década de 1970, com
a emergência do novo paradigma produtivo e do ideário da competitividade. Na
Administração e na Economia, assim como na Engenharia de Produção, a utilização da ideia
de cadeia produtiva baseia-se nas teorias de estudiosos da logística e da economia corporativa.
Desde então, várias formulações conceituais foram elaboradas, em torno das quais pode-se
definir cadeia produtiva como “um conjunto de elementos (“empresas ou “sistemas”) que
interagem em um processo produtivo para oferta de produtos ou serviços ao mercado
consumidor” (SILVA, 2005, p. 1).
Em outras palavras, o conceito de cadeia produtiva vincula-se a uma crescente
demanda por organizações das atividades empresariais, frente ao atual paradigma produtivo
com o objetivo de elevar a competitividade de produtos e serviços, através da reestruturação
de processos produtivos e da racionalização dos fluxos. Envolve a integração funcional entre
diversas empresas ou setores de produção, armazenamento, distribuição e comercialização,
serviços de apoio e estrutura normativa regulatória (CASTILLO; FREDERICO, 2010).
Remetendo-se ao conceito de circuito espacial produtivo, várias são as semelhanças
com o conceito de cadeia produtiva, pois
em ambas as abordagens, trata-se de apreender a unidade das
diversas etapas do processo produtivo (produção propriamente
135
dita, distribuição, troca e consumo), acompanhando todas as
etapas de transformação e agregação de valor pelas quais passa
um produto, da produção ou extração da matéria-prima até o
consumo final, bem como os diversos serviços associados à
distribuição, armazenamento, comercialização, crédito, pesquisa
e desenvolvimento etc. O reconhecimento da importância da
informação e de suas tecnologias como elementos de unificação
entre as diversas produtivas e a constatação da especialização
produtiva ou do aprofundamento da divisão do trabalho, além
de outros pressupostos característicos do atual período
histórico, são compartilhados por um e por outro. (CASTILLO;
FREDERICO, 2010, p. 467).
Entretanto, como citado anteriormente, os objetivos e o sistema de conceitos a que
cada uma dessas noções pertence são distintos. Desse modo, partindo da proposição de
diferenciação entre circuito espacial produtivo e cadeia produtiva, elaborada pelos autores
Ricardo Castillo e Samuel Frederico (2010), o quadro 5 a seguir traz um resumo explicitando
as distintas possibilidades analíticas de cada conceito.
Reafirma-se, assim, que a utilização do conceito de circuito espacial produtivo é o
mais apropriado na Geografia, por compreender o uso do território através da dinâmica dos
fluxos, acentuada no atual período histórico. O conceito de cadeia produtiva além de restritivo
à ação das empresas, responde a objetivos que não condizem a uma abordagem geográfica.
Nesse aspecto, segundo Dantas (2016), o que autoriza e dá fundamento para falar em circuito
QUADRO 5 - DIFERENÇAS ENTRE CIRCUITO ESPACIAL PRODUTIVO E CADEIA
PRODUTIVA
Circuito espacial produtivo
Cadeia produtiva
O foco da abordagem proposta pelo
circuito espacial produtivo é o espaço
geográfico;
Objetivo: implicações socioespaciais da
adaptação de lugares, regiões e territórios
aos ditames da competitividade, bem
como o papel ativo do espaço geográfico
na lógica da localização das atividades
econômicas, na atividade produtiva e na
dinâmica dos fluxos.
Na abordagem da cadeia produtiva,
considera-se o espaço e a região como
parte do “ambiente externo”, como um
fator que pode afetar, positiva ou
negativamente, o processo produtivo;
Objetivo: identificação dos “gargalos”
que dificultem a plena integração
funcional e prejudiquem a
competitividade final dos produtos.
Fonte: Adaptado de Castillo e Frederico (2010).
136
espacial na Geografia é a mobilidade, que tem na circulação e na comunicação as suas duas
faces indissociáveis, permitindo analisar os fluxos materiais e imateriais de qualquer ordem.
5.2 TIPOLOGIA E TOPOLOGIA DAS UNIDADES DE BENEFICIAMENTO DO
CIRCUITO ESPACIAL DE PRODUÇÃO AGROINDUSTRIAL DE MANDIOCA NO RIO
GRANDE DO NORTE
O circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca no Rio Grande do Norte
envolve um conjunto de complexidades que estão fortemente marcadas pelas coexistências de
novas e velhas formas de práticas e relações produtivas. Dessa maneira, reconhecendo as
contrariedades existentes na atividade mandioqueira, tem-se a proposta de uma tipologia
(quadro 6), ainda que simplificada, voltada às unidades de beneficiamento de mandioca no
referido estado. A topologia também é evidenciada, como forma de entender a distribuição
espacial dessas unidades no território.
QUADRO 6 - UNIDADES DE PROCESSAMENTO E BENEFICIAMENTO DE MANDIOCA
NO RIO GRANDE DO NORTE
TIPOLOGIA TOPOLOGIA CARACTERÍSTICAS
Unidades modernas:
Agroindústrias ou indústrias de farinha
e outros derivados da mandioca
(Código CNAE 10635).
Agreste, Leste e
Central Potiguar: Vera
Cruz, Brejinho, Lagoa
Salgada, São José de
Mipibú, Macaíba, Lagoa
Nova.
A transformação da
mandioca é realizada,
sobretudo, por meio de
máquinas movidas à
eletricidade e operadas por
alguns homens. O
ensacamento dos derivados,
nesses estabelecimentos, é
feito com o uso de máquinas
embaladoras.
Nesses estabelecimentos
existe a preocupação com a
higiene pessoal e local e com
a qualidade dos produtos,
conforme os padrões
estabelecidos pelo mercado.
Os instrumentos técnicos são,
geralmente, limpos após o
dia de trabalho, assim como
todo o espaço físico.
137
Unidades tradicionais:
Casas de farinha e outros derivados da
mandioca (Código CNAE 10635).
Agreste, Leste, Central
e Oeste Potiguar: Boa
Saúde, Serrinha, Vera
Cruz, Monte Alegre,
Lagoa Salgada, Lagoa
D’Anta, Touros,
Tenente Laurentino,
Lagoa Nova, Martins,
Portalegre, etc.
O processo de fabricação de
farinha e/ou goma, quanto às
técnicas utilizadas, pode ser
classificado como híbrido,
isto é, esses estabelecimentos
são marcados por
instrumentos técnicos
movidos à eletricidade e por
instrumentos movidos à força
humana;
Quanto à organização do
processo de produção, as
unidades tradicionais
funcionam sem grandes
preocupações com higiene e
com a segurança do ambiente
de trabalho (ver figura 19).
Fonte: CNAE 2.0; Dados pesquisa (2016); Adaptado de Salvador (2010). Elaboração: Raquel Silva dos
Anjos.
Figura 19 – Péssimas condições de higiene nas unidades tradicionais de beneficiamento de
mandioca.
Fonte: Raquel Silva dos Anjos, 2016.
138
Com base nas informações acima descritas, concorda-se com Salvador (2010) quando
o autor afirma que as particularidades existentes entre as indústrias e casas de farinha
terminam na questão das técnicas utilizadas e da organização do funcionamento dos
estabelecimentos. Ao se levar em consideração outros fatores, como os derivados produzidos
(farinha, goma de mandioca), infere-se que ambas as unidades também são marcadas, em
certa medida, por aspectos em comum. No que concerne à topologia, a presença de unidades
de beneficiamento de mandioca estende-se a todo o Rio Grande do Norte, mas é preciso
reconhecer que as agroindústrias ou indústrias de farinha apresentam uma maior densidade no
Leste e, principalmente, no Agreste Potiguar. Na Região Oeste do estado, as poucas casas de
farinha que ainda resistem ao tempo e as inovações técnicas, são mantidas por famílias cuja
principal atividade é a produção para o consumo de subsistência ou autoconsumo.
5.3 O TRABALHO NO CIRCUITO ESPACIAL DE PRODUÇÃO AGROINDUSTRIAL DE
MANDIOCA NO RIO GRANDE DO NORTE: uma análise no âmbito das unidades de
processamento e beneficiamento
Para Karl Marx (1983, p.149), "(...) o trabalho revela o modo como o homem lida com
a natureza, o processo de produção pelo qual ele sustenta a sua vida e, assim, põe a nu o modo
de formação de suas relações sociais e das ideias que fluem destas". No entendimento do
autor, o trabalho é o cerne das atividades, relações e processos que denotam as especificidades
das interações entre os homens. Nesse sentido, “é a categoria que funda o desenvolvimento
do mundo dos homens como uma esfera distinta da natureza; não é apenas a relação dos
homens entre si no contexto da reprodução social; o seu desenvolvimento exige o
desenvolvimento concomitante das relações sociais” (SEMPREBOM; ALVES;
ESPERIDIÃO, 2010, p. 02).
Sob o enfoque geográfico, o trabalho é compreendido como “expressão de uma
relação metabólica entre o ser social e a natureza” (THOMAZ JÚNIOR, 2002, p.4). Para o
autor, a dimensão da regulação sociedade-espaço, nas suas diferentes manifestações
(assalariado, autônomo, informal, domiciliar, terceirizado, etc.), também permite o
entendimento da expressão geográfica do trabalho, implicando na discussão das localizações,
que, não se limitam ao imediato, ao visível (THOMAZ JÚNIOR, 2002).
Com base nessa concepção, e considerando que a categoria trabalho tem sido
negligenciada na maioria das produções acadêmicas que tratam dos circuitos espaciais
produtivos, a presente dissertação é construída valendo-se do entendimento de que o trabalho
139
consiste em um importante elemento de análise. Dessa forma, no cerne dessa discussão, são
evidenciadas as relações de trabalho, a origem e qualificação da mão-de-obra envolvidas no
circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca no Rio Grande do Norte, mais
precisamente, no âmbito das unidades de beneficiamento e processamento de mandioca31.
5.3.1 Relações de trabalho
De modo geral, nas unidades de beneficiamento de mandioca as relações de trabalho
estão pautadas no controle do desperdício de tempo e no aumento da produtividade,
principalmente a partir da inserção de novos instrumentos técnicos nesses estabelecimentos.
Nesse processo, Costa e Lamoso (2013) entendem que por trás da otimização da produção,
está a despersonalização do trabalho, uma vez que o trabalho deixa de ser pautado no ritmo da
natureza para ser pautado no ritmo de processos eminentemente mecânicos e previsíveis.
A pesquisa empírica realizada revelou que o tempo de trabalho (em anos) das pessoas
entrevistadas nas unidades de beneficiamento de mandioca varia de três a dez anos, algumas
ainda com quinze anos de trabalho, exercendo funções como raspagem da mandioca
(sobretudo realizada por mulheres, figura 20), prenseiro e peneirador, forneiros, tiradores de
goma (nas unidades em que o produto é voltado à comercialização, juntamente com a
farinha), embaladores, ajudantes gerais (responsáveis por carregar e descarregar a matéria-
prima e os derivados dos caminhões ou caminhonetes, como também por juntar as cascas da
mandioca, etc.).
31 Foram realizadas entrevistas com os trabalhadores das unidades de beneficiamento de mandioca.
140
Nesse conjunto de funções vale ressaltar que, como o processo de beneficiamento é
mecanizado nas agroindústrias de mandioca (com a exceção da raspagem da mandioca, que é
predominantemente manual), os trabalhadores são responsáveis por realizar a supervisão e o
funcionamento de algumas máquinas ou equipamentos (prensa hidráulica, peneira elétrica
fornos elétricos, máquinas empacotadeiras etc.), diferente dos trabalhadores das unidades
tradicionais, em que boa parte das etapas do processamento de mandioca ainda prevalece
sendo realizadas de modo manual.
Esses trabalhadores geralmente desenvolvem suas atividades laborais em quatro dias
na semana (terça a sexta), isso porque a segunda-feira é o dia reservado pelos proprietários
das unidades de processamento para a compra da mandioca. Outros trabalham de segunda a
sexta, como no caso de uma agroindústria no município de Brejinho-RN, cujo proprietário
adquire a matéria-prima aos sábados. Nessa relação, destaca-se que alguns estabelecimentos
funcionam de segunda a sábado (meio dia), a exemplo de uma agroindústria de goma em
Lagoa Salgada-RN (figura 21).
Figura 20 – Mulheres realizando a raspagem da mandioca em agroindústria da Região
Agreste
Fonte: Raquel Silva dos Anjos, 2016.
141
Em relação às jornadas de trabalho, verificou-se que, em algumas agroindústrias, os
trabalhadores têm desempenhado suas funções em oito horas diárias, conforme a legislação
trabalhista prescreve. Acredita-se que a maior fiscalização por parte do Ministério do
Trabalho tem feito esses estabelecimentos se adequarem aos poucos e, assim, atender as leis.
Quando o trabalho excede as oito horas, os trabalhadores recebem também por hora extra. Em
contrapartida, nas casas de farinha e mesmo em algumas unidades industriais, os
trabalhadores estão submetidos a cumprir intensas jornadas de dez a doze horas de trabalho
diárias (das 6h às 16/18h). Nesse contexto, é importante evidenciar que devido à escassez de
matéria-prima em algumas unidades de processamento, estas não tem funcionado diariamente,
ou então reduzido o período de suas atividades na semana.
No geral, a remuneração destes trabalhadores dá-se por produção, logo muitos
recebem menos de um salário por mês. Quando por produtividade, o pagamento pode ser feito
por diárias ou semanalmente, de acordo com a função realizada e condições dos proprietários
das unidades de beneficiamento. No caso das raspadeiras de mandioca, algo chamou atenção:
na Região Agreste do estado, estas têm recebido o valor de R$ 1,00 a 1,20 por caixa de
mandioca descascada, ao passo que na Serra de Santana o valor pago por caixa vai de R$ 1,50
a 1,60. Em toneladas, esses valores correspondem a R$ 40,00 reais e R$ 64,00 reais,
respectivamente, a depender do esforço desempenhado por essas trabalhadoras. Os poucos
Fonte: Raquel Silva dos Anjos, 2016.
Figura 21 – Agroindústria de goma no município de Lagoa Salgada-RN
142
que trabalham com carteira assinada recebem um salário mínimo mensal, cujo valor pode ser
acrescido a partir da realização de horas extras de trabalho. Diante desses valores irrisórios,
esses trabalhadores foram questionados se possuíam outra fonte de renda, e a maioria
respondeu que recebe “benefícios do governo”, sendo mais citado o Programa Bolsa Família,
apesar de que alguns revelaram que tiveram o benefício cortado, passando a depender da
ajuda de familiares. Outra fonte de renda partia do trabalho realizado nos roçados pelos
cônjuges das raspadeiras de mandioca, ou ainda pelo recebimento de aposentadorias,
considerando os que moravam com os pais.
Esses trabalhadores foram questionados também sobre as condições de trabalho nas
unidades de beneficiamento. Nesse sentido, entre as opções dadas (ver apêndice C), a maioria
definiu como “condições razoáveis” de trabalho, afirmando que “apesar do cansaço, o
trabalho compensava e garantia alguma renda”, outros ressaltando que “ajudava no sustento
da família”, e que “trabalho hoje em dia não é fácil”, etc. Apesar do tom de conformidade nas
respostas, para muitas famílias que vivem principalmente nas áreas rurais e com pouco grau
de instrução, é um trabalho, sobretudo, digno.
5.3.2 Origem e qualificação da mão de obra
A pesquisa empírica revelou que os trabalhadores das unidades de beneficiamento de
mandioca são moradores dos municípios onde os referidos estabelecimentos estão situados.
Quando questionados como surgiu a oportunidade de trabalho, os entrevistados responderam,
em sua maioria, que “eram da família”, “conheciam os donos há anos” ou “estavam
acostumados com o trabalho”, visto que alguns citaram, inclusive, que desde mais novos
acompanhavam as mães no trabalho realizado nas casas de farinha.
A idade dos trabalhadores entrevistados varia de 27 a 51 anos. Mas, na ocasião,
também foi presenciado o trabalho infantil, principalmente em uma casa de farinha no
município de Lagoa Nova-RN, com crianças que aparentavam ter menos de 12 anos de idade,
as quais, com bastante agilidade, realizavam a raspagem da mandioca. Essas crianças
geralmente têm ajudado suas mães no referido processo, como forma de elevar a produção e
consequentemente, obter uma melhor renda.
Quanto à escolaridade, os trabalhadores entrevistados possuem até o ensino médio
completo, e devido à rotina de trabalho intensa, raramente conseguem realizar atividades de
lazer ou até mesmo voltar a estudar. Outros citaram que nunca frequentaram a escola, e alguns
responderam que possuíam “pouco estudo”. Os trabalhadores foram questionados também
143
quanto à participação em algum curso de capacitação e/ou treinamento voltado ao
processamento e beneficiamento de mandioca, sendo que dos entrevistados, 77%
responderam que sim, relacionados à higiene pessoal e manejo de alimentos, fato que pode ser
comprovado nas agroindústrias de mandioca, nas quais foi possível encontrar trabalhadores
uniformizados e utilizando touca no cabelo, assim como luvas, botas, etc.
5.4 OS CÍRCULOS DE COOPERAÇÃO DO CIRCUITO ESPACIAL DA
AGROINDÚSTRIA DE MANDIOCA NO RIO GRANDE DO NORTE
Considerando que a localização das diversas etapas constitutivas do processo
produtivo pode dar-se de forma geograficamente dissociada, mas articuladas por fluxos
diversos, “as necessidades de complementação entre os lugares aumentam, gerando circuitos
produtivos e fluxos cuja natureza, direção, intensidade e força variam segundo os produtos, as
formas produtivas, a organização espacial preexistente e os impulsos políticos” (SANTOS,
1994, p. 128). Tais circuitos e círculos de cooperação, juntos, buscam dar conta das relações
entre mobilidade geográfica, configuração territorial e condições históricas do capitalismo
atual (FREDERICO; CASTILLO, 2004).
Sobre os círculos de cooperação no espaço, como visto anteriormente, estes tratam da
comunicação consubstanciada na transferência de capitais, ordens e informação (fluxos
imateriais), garantindo os níveis de organização necessários para articular lugares e agentes
dispersos geograficamente, isto é, unificando, através de comandos centralizados, as diversas
etapas, espacialmente segmentadas da produção (TOLEDO; CASTILLO, 2008).
No que se refere especificamente ao circuito espacial de produção agroindustrial de
mandioca no Rio Grande do Norte, verifica-se a presença de alguns agentes constitutivos dos
círculos de cooperação no espaço, dos quais destacam-se: a Companhia Nacional de
Abastecimento (CONAB); os institutos de pesquisa e assistência técnica, a exemplo da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e Empresa de Pesquisa
Agropecuária do Rio Grande do Norte (EMPARN); o Instituto de Assistência Técnica e
Extensão Rural do Rio Grande do Norte (EMATER-RN); órgãos de inspeção sanitária, como
a Subcoordenadoria de Vigilância Sanitária do Rio Grande do Norte (SUVISA), e o Serviço
Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas (SEBRAE).
As próximas seções tratam mais diretamente das ações de empresas e instituições no
setor mandioqueiro, configurando-se como o conjunto de fluxos imateriais importantes no
entendimento do circuito espacial produtivo em análise.
144
5.4.1 As ações de empresas e instituições no setor mandioqueiro
Conforme explicitado anteriormente, a atuação de empresas e instituições tanto em
nível nacional quanto em nível estadual, caracterizam-se como importante base institucional
no desenvolvimento da atividade mandioqueira do Rio Grande do Norte e, por conseguinte,
do circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca.
A Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), por exemplo, realiza estudos e
estatísticas dos preços, assim como levantamentos de custos de produção da agropecuária, e
nesse aspecto, está incluída a mandiocultura. É uma empresa pública, vinculada ao Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), criada por decreto presidencial e
autorizada pela Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990, tendo iniciado suas atividades em 1991.
No Rio Grande do Norte, a referida empresa conta com uma Superintendência Regional, a
qual tem executado o levantamento de dados conjunturais sobre a safra de mandioca no
estado.
Apesar de não possuir unidade no Rio Grande do Norte, a Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), através da Embrapa Mandioca e Fruticultura, localizada
no município de Cruz das Almas-BA, tem realizado importantes pesquisas com a mandioca,
condizentes aos processos e serviços para a cultura, estatísticas nacionais e internacionais de
produção e de mercado, manivas (mudas) e cultivares32 de mandioca. Desse modo, algumas
parcerias foram desencadeadas, a citar o trabalho realizado pelo SEBRAE-RN juntamente
com a EMBRAPA, referente ao desenvolvimento de pesquisas relacionadas à análise de
variedades de raízes de mandioca no Rio Grande do Norte.
Nessa relação, destaca-se também o papel da Empresa de Pesquisa Agropecuária do
Rio Grande do Norte (EMPARN), cujas ações têm se disseminado em praticamente todo o
estado, a partir de suas unidades ou estações experimentais, como mostra a figura 22. No que
se refere à mandiocultura, as estações “Felipe Camarão”, situada no município de São
Gonçalo do Amarante, e “Jiqui”, em Parnamirim, destacam-se por realizar a avaliação de
cultivares de mandioca, a partir de análises bromatológicas. Além disso, em parceria com
outras instituições, a EMPARN desenvolve trabalhos relacionados ao emprego de novas
tecnologias direcionadas ao cultivo de mandioca no Rio Grande do Norte.
32 Segundo a Lei de Proteção de Cultivares, Lei n.° 9.456/1997, cultivares são espécies de plantas que foram
melhoradas devido à alteração ou introdução, pelo homem, de uma característica que antes não possuíam. Elas se
distinguem das outras variedades da mesma espécie de planta por sua homogeneidade, estabilidade e novidade.
145
Com ações semelhantes, o Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio
Grande do Norte (EMATER-RN) tem promovido cursos e oficinas sobre a cultura de
mandioca no Rio Grande do Norte, e prestado assessoria aos agricultores do estado.
Entretanto, de acordo com os produtores de mandioca entrevistados, em geral, estes não estão
satisfeitos com a atuação do referido instituto, em razão da irregularidade e ineficiência nos
serviços prestados.
Atuando também como um agente dos círculos de cooperação, tem-se a
Subcoordenadoria de Vigilância Sanitária do Rio Grande do Norte (SUVISA), responsável
pelo monitoramento da qualidade sanitária dos derivados de mandioca produzidos e
comercializados no Rio Grande do Norte, bem como pelo fornecimento de licença sanitária,
válida pelo prazo de 1 (um) ano, às unidades de beneficiamento. Tal procedimento geralmente
antecede a licença ambiental, cuja autorização é incumbência do IDEMA-RN.
Enquanto órgão de apoio técnico na transformação e funcionamento das unidades de
processamento de mandioca no Rio Grande do Norte, o SEBRAE-RN constitui um dos
principais agentes dos círculos de cooperação do circuito espacial de produção agroindustrial
de mandioca no Rio Grande do Norte, o que será evidenciado a seguir.
Figura 22 – Unidades da EMPARN no Rio Grande do Norte
Fonte: EMPARN (2016).
146
5.4.2 A atuação do Sebrae-RN no contexto da agroindústria de mandioca
O Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Rio Grande do Norte
(SEBRAE-RN) tem desempenhado um papel significativo no contexto da modernização das
casas de farinha. Assim, com o intuito de melhor compreender a agroindústria de mandioca
no Rio Grande do Norte, sua dinâmica, bem como as bases que ancoraram a produção
industrial atual, foi realizada uma entrevista com o Sr. Fernando José Medeiros de Melo33,
analista técnico e gestor do Projeto Mandiocultura Potiguar.
Segundo o entrevistado, a transição do modelo artesanal ao padrão industrial das
unidades de beneficiamento de mandioca no Rio Grande do Norte teve início através da
implantação do “APL da Mandioca” no município de Vera Cruz que esteve em
funcionamento durante quatro anos (2006-2009), o qual abrangeu vinte e duas unidades de
processamento, sendo que, desse total, foram obtidos resultados apenas em oito. Nesse
contexto, o trabalho desenvolvido de maior destaque compreendia a “modernização das casas
de farinha”.
Dessa maneira, visando a qualidade da produção e dos serviços, surgiu a ideia de
desenvolver um trabalho nas unidades tradicionais de processamento de mandioca que
atendesse a uma legislação. Entretanto, não existe uma portaria ou lei específica para as casas
de farinha, então, tomando como base o trabalho do SEBRAE-RN anteriormente realizado
com as panificadoras (que apresentavam problemas semelhantes às casas de farinha
relacionados à produção, processo, higiene e instalações), utilizou-se a portaria 326 da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que trata do processamento de
alimentos, envolvendo layout de máquinas, separação de setores, pé-direito34, forro,
iluminação, etc.
Assim, foi montada uma planta baixa de uma indústria de farinha, e posteriormente
apresentada à Subcoordenadoria de Vigilância Sanitária do Rio Grande do Norte - SUVISA.
Dentro dos pré-requisitos analisados pelo órgão, na pessoa do engenheiro responsável pela
instalação de projetos, o modelo foi aprovado, mas com orientações para a realização de
algumas mudanças na planta, as quais foram atendidas pelo SEBRAE-RN e resultou na
33 Fernando José M. de Melo exerce o cargo de analista técnico no SEBRAE-RN desde o ano de 1994. O
referido analista possui graduação em Administração e curso técnico em Agropecuária. 34 Diz respeito à altura entre o piso e o forro de um compartimento ou pavimento.
147
transformação de uma casa de farinha no Rio Grande do Norte, a Farinha dos Anjos,
localizada em Cobé, distrito do município de Vera Cruz.
A primeira mudança realizada foi a separação da “área suja” (raspagem) da “área de
processo” (lavagem da raiz, trituração, torragem da massa, classificação da farinha,
embalagem e expedição, que consiste no armazenamento), uma vez que nas unidades
tradicionais não existe tal divisão. Segundo o analista técnico, a Farinha dos Anjos serviu
como “espelho” para que outros proprietários de casas de farinha mostrassem interesse em
modernizar suas unidades. É preciso ressaltar que todo esse processo ocorreu no âmbito do
“APL da Mandioca” que, como anteriormente citado, teve duração de quatro anos.
Com o término das atividades do APL da Mandioca em Vera Cruz, e valendo-se do
êxito obtido na Farinha dos Anjos, seguiu-se, no ano de 2010, o desenvolvimento de um
projeto de maior abrangência, o Projeto Mandiocultura Potiguar, em continuidade ao trabalho
de modernização das casas de farinha, compreendendo a reforma e adequação técnica destas,
e inovando com o trabalho voltado também para a capacitação e gestão empresarial. O
referido projeto estendeu-se a todo Rio Grande do Norte, com área de atuação em municípios
do Leste e Agreste Potiguar, e na Microrregião da Serra de Santana35.
O Projeto Mandiocultura Potiguar teve como foco inicial a importância da higiene na
produção de farinha e a segurança alimentar. No que se refere à higiene pessoal, os
trabalhadores daquelas unidades de processamento passaram a usar vestimentas apropriadas,
além da utilização toucas, luvas, botas, etc., pois segundo o analista do SEBRAE-RN, “vez ou
outra era encontrado algo indesejável na farinha”, então a medida serviu para evitar situação
como essa. Em relação à higiene do processo, a medida que passou a ser adotada foi a limpeza
diária das máquinas e equipamentos, considerando que os resíduos deixados além de agregar
bactérias, poderiam adulterar o produto.
Desde a implantação do “APL da Mandioca”, a separação das etapas do processo de
produção já havia sido posta em prática. Com o Projeto da Mandiocultura Potiguar, essa
mudança foi mais incisiva nas unidades de beneficiamento de mandioca. Em meio a essas
35 O analista técnico Fernando José explicou que não ocorreram ações por parte do Projeto Mandiocultura
Potiguar no oeste do estado em virtude da produção de mandioca nessa região ser bastante tímida, logo, sem
condições de fornecer matéria-prima para as indústrias. A farinha produzida nas pequenas unidades tradicionais
é totalmente voltada para o autoconsumo e não para fins de comercialização. Assim, o trabalho desenvolvido
pelo SEBRAE-RN na Região Oeste ateve-se à gestão da produção no campo (custo de produção, melhorias de
produtividade por área plantada, etc.), além do associativismo, visando o fortalecimento da produção de
derivados nas casas de farinha existentes. Entretanto, a prática do associativismo não pode ser realizada, uma vez
que os proprietários se mostraram bastante resistentes e não aderiram a essa forma de trabalho.
148
transformações, em algumas agroindústrias, por exemplo, a raspagem manual da mandioca
deixou de ser realizada no “chão”, para ser feita em compartimentos individuais (figura 23).
Nesse contexto de mudanças, é válido ressaltar que, no primeiro momento, os
proprietários das casas de farinha se mostraram receosos e resistentes à transformação de suas
unidades de beneficiamento, o que demandou do SEBRAE-RN o trabalho de elaborar e
apresentar todo o projeto arquitetônico de modernização das unidades. Com a adesão dos
proprietários, as unidades então começaram a ser reformadas.
Diante da maior inserção de máquinas e equipamentos movidos à eletricidade, houve a
necessidade de diminuição de mão de obra dentro da unidade de beneficiamento. O analista
técnico do SEBRAE-RN destacou que antes nas etapas de torragem, prensagem, classificação,
entre outras, trabalhavam de seis a oito pessoas em algumas casas de farinha, tendo esse
número diminuído para três pessoas. O beneficiamento mecanizado propiciou um maior
aumento da produção, otimizando e agilizando o processo. Todavia, há que considerar o lado
perverso desse conjunto de mudanças, uma vez que os trabalhadores foram excluídos do
processo, sendo substituídos assim, pelas máquinas.
Nesse âmbito, o SEBRAE-RN também realizou o trabalho de avaliação da produção
nas agroindústrias de mandioca, a partir da medição da capacidade produtiva dos
Figura 23 – Raspagem manual da mandioca em agroindústria no Agreste Potiguar
Fonte: Raquel Silva dos Anjos, 2016.
149
equipamentos existentes, cujos resultados foram discutidos em relatório e posteriormente
apresentados aos proprietários das unidades de beneficiamento. Desse modo, a partir da
avaliação do referido órgão, os proprietários puderam aumentar a produção em suas
indústrias, uma vez que, se antes trabalhavam com 10 toneladas de raiz/dia, essa quantidade
poderia ser ampliada em até 15 toneladas de raiz/dia.
A assessoria no processo de gestão financeira e administrativa também foi trabalhada
pelo SEBRAE-RN nas unidades de beneficiamento. Atualmente, as agroindústrias possuem
escritório, sistema informatizado, emitem nota fiscal eletrônica; além de almoxarifado e
refeitório. Antes, a entrada de matéria-prima, o custo da produção, etc., eram todos anotados
manualmente (controle diário), o que não era um procedimento eficiente. A Farinha dos
Anjos, a Farinha São Pedro e a Farinha Quentinha, todas situadas na Região Agreste, são três
exemplos de unidades de beneficiamento de mandioca no Rio Grande do Norte que
experimentaram essas mudanças.
Entretanto, para alguns proprietários, era praticamente inviável a realização de
reformas em suas unidades de beneficiamento, devido ao alto custo gerado. Então, a solução
encontrada foi o financiamento via Banco do Nordeste e Banco do Brasil, através da linha de
crédito Pronaf - Mais Alimentos. De acordo com o analista do SEBRAE-RN, três unidades,
que já possuíam máquinas e outros equipamentos, foram financiadas com o valor em torno de
R$ 105 mil reais destinados à estrutura e instalação, no ano de 2010.
A partir de 2015, o SEBRAE-RN começa a desenvolver ações voltadas ao
licenciamento ambiental, em razão dos problemas ocasionados pelo descarte do resíduo
líquido (manipueira) da mandioca diretamente no solo, principalmente pelas unidades
tradicionais de beneficiamento. Em um caso extremo, a promotoria pública chegou a entrar
em ação com recursos contra uma unidade situada em Tenente Laurentino-RN, denunciada
por danificar o lençol freático, em razão da quantidade de manipueira descartada durante
muito tempo no solo; e como se tratava de um estabelecimento localizado na região
semiárida, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do
Norte (IDEMA-RN) também foi acionado.
Nesse contexto, a ideia da construção de reservatórios de captação de manipueira
(tanques) nas unidades de beneficiamento de mandioca já fazia parte da planta baixa
desenvolvida pelo SEBRAE-RN. A licença ambiental é autorizada pelo IDEMA-RN e, nesse
processo, as unidades de beneficiamento de mandioca credenciadas ao SEBRAE-RN,
conseguem subsídio de 50% do valor a ser pago pelo licenciamento.
150
Em termos de Nordeste, o Rio Grande do Norte é pioneiro em fornecer licenciamento
ambiental voltado às unidades de processamento de mandioca. Segundo o analista, o
SEBRAE-RN deu entrada no projeto de licenciamento ambiental de trinta unidades de
beneficiamento de mandioca, sendo que desse total, três unidades obtiveram e estão
funcionando atualmente com a licença provisória (Farinha dos Anjos e Farinha Cobé, ambas
na zona rural de Vera Cruz, e a Farinha do Babá, localizada na zona rural de São José de
Mipibú), com duração de dois anos. Nesse interstício, os estabelecimentos devem se adequar
ao conjunto de exigências estabelecidas pela legislação vigente, para que, posteriormente,
consigam a licença ambiental definitiva36.
O SEBRAE-RN também fornece informações aos proprietários das agroindústrias de
farinha relacionadas à situação do mercado de mandioca no Brasil. Desse modo, em parceria
com a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) que desenvolve o trabalho de
divulgação dos preços da mandioca e de seus derivados em nível nacional, realizado a cada
dois meses, o SEBRAE-RN detendo tais informações, repassa a “tomada de preços” às
unidades de beneficiamento. Além disso, dependendo da demanda que chega ao SEBRAE-
RN advinda dos proprietários das unidades de beneficiamento, seja nas áreas de inovação e
tecnologia, embalagem e criação de marketing, gestão ou informação nutricional, o referido
órgão pode disponibilizar profissionais de empresas credenciadas que atendam a tais
propósitos.
Além do trabalho de inovação tecnológica, gestão, capacitação, segurança alimentar
voltado às unidades de beneficiamento de mandioca, o SEBRAE-RN também atua com vistas
ao mercado, principalmente no que se refere à divulgação e inserção dos produtos nos
estabelecimentos comerciais. Sendo assim, a “Rede Nacional Comércio Brasil”, enquanto
produto do sistema SEBRAE criado no ano de 2005, busca, por meio da aproximação
comercial entre micro e pequenas empresas e novos canais de comercialização, “facilitar o
acesso, o relacionamento sustentável e o desenvolvimento das empresas atendidas”
(SEBRAE, 2016). Desse modo, os “agentes de mercado”, consultores do SEBRAE, são
responsáveis por apresentarem e oferecerem os produtos derivados da mandioca aos
supermercados, fazendo a ligação produtor-comprador. A negociação final dos preços é feita
através do empresário com o gerente de compras do estabelecimento comercial.
36 Nos três casos, o lavador de fumaça ainda não havia sido implantado, por isso, as unidades estavam
funcionando com a licença provisória. Mesmo com a licença definitiva, a cada dois anos, o IDEMA-RN realiza o
trabalho de inspeção nas unidades de processamento de mandioca.
151
Com o intuito de promover cursos de capacitação voltados aos produtores de
mandioca, apresentando as melhores espécies a serem utilizadas na mandiocultura, com fins
de garantir maior produtividade, o SEBRAE-RN desenvolveu uma pesquisa de avaliação de
variedades de raiz junto à EMBRAPA. Ao todo, foram avaliadas duzentas espécies de
mandioca existentes no estado, fazendo a distinção entre “indústria” e “mesa”, e trazidas mais
vinte variedades da Bahia37, consideradas de “boa produtividade”, para que fossem analisadas
também. Destas, somente uma conseguiu adaptar-se às condições de cultivo no Rio Grande do
Norte, a qual compreendia uma espécie de mesa.
Atualmente, o Rio Grande do Norte é referência no Nordeste em unidades de
beneficiamento de mandioca, cuja tecnologia de produção é superior a Bahia, por exemplo. A
passagem da produção artesanal para a produção industrial foi concretizada com algumas
adaptações, considerando que o descascamento da mandioca ainda é expressivamente
realizado de forma manual, e o investimento para uma máquina que atenda essa finalidade
gira em torno de R$ 600,00 mil reais, fugindo da realidade das unidades de beneficiamento de
mandioca do Rio Grande do Norte.
De acordo com o entrevistado, trata-se de uma realidade preocupante, pois se o
Nordeste não tecnificar totalmente a produção, no âmbito das unidades de beneficiamento de
mandioca, vai continuar atrás do Sul e Sudeste do país. O estado do Paraná, por exemplo,
além de fornecer farinha e outros derivados aos grandes centros como Minas Gerais, São
Paulo e Rio de Janeiro, está encaminhando tais produtos, inclusive, para as empacotadeiras do
Nordeste. No ano de 2013, enquanto a saca de farinha de 50kg produzida no Rio Grande do
Norte estava custando de R$ 280,00 a 400,00 reais, a farinha do Paraná chegou ao estado no
valor de R$ 130,00 reais, no qual fatores como tecnologia empregada no plantio e cultivo da
mandioca, bem como na fabricação de derivados, explicam a alta produtividade associada aos
menores custos de produção.
Além disso, entende-se que a atuação do SEBRAE-RN não é de todo modo positiva,
como fora apresentada pelo analista técnico entrevistado. Isso porque o referido órgão está
ancorado na lógica de competitividade das empresas, aumento e otimização da produção, o
que tem gerado problemas, sobretudo, relacionados ao endividamento dos proprietários, seja
com a realização de empréstimos, aquisição de maquinários, etc., bem como o desemprego de
muitos trabalhadores, que passaram a ter suas antigas funções desempenhadas por máquinas
e/ou instrumentos movidos à eletricidade.
37 É interessante evidenciar que o estado da Bahia conta com o centro de pesquisas da EMBRAPA (Mandioca e
Fruticultura) localizado no município de Cruz das Almas.
152
5.4.3 Participação das instituições de ensino e pesquisa e das instituições financeiras de
crédito
Os círculos de cooperação do circuito espacial de produção agroindustrial de
mandioca também são formados pelas instituições de ensino e pesquisa, como o Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), a Universidade
Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) e a própria Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN). Atenta-se, dessa forma, para o desenvolvimento técnico-científico que se
consolida a partir da realização de pesquisas e estudos no âmbito das referidas instituições que
tratam, por exemplo, da sustentabilidade de agroecossistemas de mandioca (Silva; Cândido,
2014); do uso da água residuária da mandioca como fertilizante orgânico (Bezerra, 2014),
assim como a avaliação dos riscos causados por excesso de exposição à manipueira (Oliveira
et.al, 2013), entre outros. Entende-se que o fluxo de informações produzidas é importante
enquanto círculos de cooperação do circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca
no Rio Grande do Norte.
Outra importante instituição, não de ensino e pesquisa, mas financeira que compõe os
círculos de cooperação no espaço é o Banco do Brasil S/A que, por intermédio do Instituto de
Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Norte (EMATER-RN), é o
responsável pelo financiamento de projetos de custeio relacionados ao setor mandioqueiro,
através das linhas de crédito do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
Dispondo de uma variedade de linhas de crédito, o Banco do Nordeste do Brasil S/A
revela-se também como um importante agente dos círculos de cooperação do circuito de
produção agroindustrial de mandioca no Rio Grande do Norte. O segmento agroindustrial do
BNB conta com programas de financiamento específicos, dos quais pode-se citar o Programa
de Apoio ao Desenvolvimento da Agroindústria do Nordeste (FNE AGRIN), o Programa de
Financiamento para Comercialização, Beneficiamento ou Industrialização de Produtos de
Origem Agropecuária (FINAGRO), e o Programa de Financiamento às Microempresas e
Empresas de Pequeno Porte e ao Empreendedor Individual (FNE-MPE).
O Nordeste Territorial, enquanto estratégia de desenvolvimento regional do Banco do
Nordeste, também contribui para operacionalização do conjunto de linhas de crédito
existentes. Consiste no conjunto de ações articuladas que combinam crédito, capacitação,
assistência técnica, inovação tecnológica e políticas públicas das diferentes esferas
governamentais promovidas pelo BNB. Em 2011, foram contempladas cerca de 3 mil famílias
153
por ações do Nordeste Territorial no Rio Grande do Norte, sendo destinado, em linhas de
crédito, um valor de R$ 5 milhões para o plantio de mandioca, beneficiamento, modernização
das casas de farinha e comercialização dos produtos, conforme revelou o agente do
desenvolvimento do Banco do Nordeste Osmar Amorim, quando da realização da reunião do
Fórum da Mandiocultura do Rio Grande do Norte38.
As reflexões anteriormente tecidas apontam a importância dos círculos de cooperação
do circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca no Rio Grande do Norte, os quais
a partir da atuação de empresas e diferentes instituições, estabelecem vários fluxos de
informações, mercadorias e capitais, e possibilitam, assim, a conexão das etapas produtivas do
referido circuito espacial produtivo.
38 O Fórum de Mandiocultura é coordenado pelo Banco do Nordeste, com o apoio de vários parceiros, entre eles
a EMATER, EMPARN, EMBRAPA, SEBRAE e CONAB (ARAÚJO; ARRUDA JÚNIOR, 2013).
154
6 Considerações Finais
Diante do que foi apresentado, depreende-se que o circuito espacial de produção
agroindustrial de mandioca tem se reestruturado no espaço geográfico potiguar, imbricando
um processo amplo de reestruturação produtiva e reestruturação do território, contribuindo,
assim, de forma significativa nas dinâmicas territoriais do estado do Rio Grande do Norte,
embora envolva um conjunto de relações e particularidades presentes em todas as etapas da
produção.
Isso se explica especialmente porque, embora possua uma importância significativa na
formação territorial do Brasil e do Rio Grande do Norte, sobretudo enquanto economia de
subsistência ou de autoconsumo, a mandiocultura não se constituiu numa atividade tão
valorizada no contexto da modernização agrícola, em comparação com outras como a
sojicultora, a fruticultura irrigada e a produção de grãos em geral, por exemplo. Tampouco é
interessante para a agroindústria de grande porte, até porque o mercado capitalista de larga
escala ainda não a considera uma cultura promissora na geração de lucros, especialmente
porque é trabalhosa, em suas diferentes etapas de produção, beneficiamento e distribuição, do
mesmo modo que ainda não dispõe de consumo também em larga escala.
A produção in natura ou de derivados, como a farinha e a goma que serve de matéria-
prima para fazer tapioca e outras iguarias, é destinada para atender principalmente o mercado
interno, e quando a atenção é voltada para a realidade do Rio Grande do Norte, o cenário
torna-se bem mais estreito, em virtude do recente processo de transformação das tradicionais
casas de farinha em agroindústrias, onde é realizado o beneficiamento da mandioca. Além
disso, a farinha e a goma que é fabricada nas unidades tradicionais de beneficiamento de
mandioca têm sua comercialização restrita ao mercado local, especialmente em mercadinhos e
feiras livres, uma vez que não conseguem inserir-se nas esferas do consumo monopolizadas
pelas grandes redes de supermercados, por exemplo, salvaguardando algumas exceções.
No caso da goma que se constitui como um subproduto da mandioca que serve à
culinária regional como matéria-prima para a geração da iguaria conhecida como tapioca,
observa-se a forte relação desta com o consumo verificado no cotidiano da população local e
regional, mas também no contexto da atividade turística, pois em geral a tapioca faz parte do
cardápio do setor de alimentos e bebidas vinculado ao turismo, portanto, faz parte do menu de
alimentos da maioria dos hotéis, restaurantes e lanchonetes do estado e da região Nordeste.
155
Em segundo lugar, considerando a importância da produção agroindustrial de
mandioca no território potiguar, reconhece-se que há diferenciações não somente em relação à
presença da técnica e/ou de objetos técnicos, mas também no que se refere à própria
produtividade do setor mandioqueiro. Nesse aspecto, embora haja uma quantidade
significativa de casas de farinha na Serra de Santana, e algumas em funcionamento no oeste
do estado, o Agreste Potiguar concentra as unidades de processamento de mandioca mais
modernas do Rio Grande do Norte.
Reforça-se, ainda, que o uso da técnica impõe alguns limites, considerando que nas
unidades de processamento industrial de mandioca o emprego de sistemas técnicos que
garantem a eficiência do processo produtivo é visivelmente maior, favorecendo a produção
em escala, e consequentemente, a maximização do lucro, pautada no emprego cada vez menor
de mão de obra. Em contrapartida, nas unidades de processamento artesanal, além do
emprego recorrente de mão de obra familiar, a utilização de técnicas rudimentares é bastante
presente face à presença pontual de técnicas modernas de produção e processamento; o tempo
demandado para a realização da produção é maior, assim como os custos gerados, o que torna
a produção dispendiosa para os proprietários desses estabelecimentos.
No que se refere aos pequenos produtores de mandioca no estado do Rio Grande do
Norte, a maioria não tem conseguido obter financiamentos, seja em razão de endividamentos
oriundos de empréstimos anteriores, ou por falta de informação sobre linhas de créditos
específicas para este segmento, ou por temer a burocracia do sistema financeiro atual. Além
disso, a assistência técnica e apoio público direcionado à produção de mandioca no estado são
incipientes e ineficientes. Ademais, se reconhece que as técnicas e/ou tecnologias empregadas
no campo estão condicionadas ao poder aquisitivo do agricultor e às disponibilidades de
assistência técnica pública ou de assistência privada onerosa no ambiente de produção. Essa
situação é reveladora do processo desigual de modernização da agricultura brasileira, uma vez
que parcela expressiva dos recursos advindos das políticas de financiamento e voltados ao
custeio das atividades agropecuárias é acessada por produtores mais capitalizados.
Vale ressaltar ainda, que os efeitos climáticos, calcados na escassez de chuvas no
estado do Rio Grande do Norte e as instabilidades nos preços da mandioca no mercado trazem
transtornos e instabilidades à produção desta raiz, pois não há nenhum instrumento ou
mecanismo que assegure os preços e favoreça maiores avanços nesse circuito produtivo.
Em relação aos círculos de cooperação, essenciais na análise da circularidade da
produção, entende-se que o Serviço de Apoio às Pequenas e Grandes Empresas do Rio
Grande do Norte (SEBRAE-RN) é o principal órgão responsável por prestar assistência
156
técnica para o funcionamento de muitas agroindústrias de farinha, sobretudo de caráter
familiar, desempenhando assim, um papel relevante nesse sentido.
As instituições financeiras de crédito, representadas, sobretudo, pelo Banco do
Nordeste do Brasil e Banco do Brasil também constituem importantes agentes dos círculos de
cooperação do circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca, embora a pesquisa
tenha revelado a pouca aderência dos proprietários das unidades de processamento de
mandioca à realização de empréstimos ou participação nas linhas de crédito do Pronaf. Os
gastos para a reforma dos estabelecimentos, bem como para a aquisição de novos maquinários
foram realizados mormente com recursos próprios.
Ademais, atenta-se para a ausência e/ou ineficácia de políticas públicas destinadas à
agricultura familiar, especialmente para o universo de produtores vinculados a este circuito de
produção, bem como se observa um contexto de fragilidades e limites nas ações que poderiam
fomentar o fortalecimento e a própria dinamização do circuito espacial de produção
agroindustrial de mandioca no Rio Grande do Norte. Em geral, o Estado brasileiro tem
negligenciado ações no contexto desse circuito produtivo, sendo muitas vezes omisso quando
se trata da cultura de mandioca e do seu beneficiamento e comercialização, corroborando com
o cenário de fragilidades e desigualdades neste circuito produtivo, a exemplo do que se
observa nas relações que envolvem o processo agroindustrial do produto.
Entende-se que as reflexões tecidas em torno da temática deste trabalho, não encerram
as possibilidades de pesquisa e tampouco interpretam e desvendam todas as dinâmicas
provenientes do circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca no estado do Rio
Grande do Norte, abrindo espaços de reflexão para aqueles que tenham interesse em
aprofundar as discussões em torno da circularidade da produção e da cultura de mandioca em
suas distintas nuances, de forma que problematize e instigue os poderes públicos e o Estado a
serem mais atuantes e eficazes em suas ações para com o setor.
157
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167
APÊNDICES
168
APÊNDICE A
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Departamento de Geografia
Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia
Título do trabalho: “O circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca no Rio Grande do
Norte”
Discente de mestrado: Raquel Silva dos Anjos
Professor orientador: Fransualdo Azevedo
Entrevista direcionada aos proprietários de unidades de processamento e beneficiamento de
mandioca
Nome fantasia:
Nome do entrevistado / razão social:
Município:
Endereço:
Casa de farinha
Agroindústria de farinha
Outro
Em atividade desde:
Origem familiar:
Sim
Não
169
Número total de empregados:
Remuneração:
Cursos de capacitação?
Existe algum processo para seleção de trabalhadores nessa unidade de beneficiamento? Se sim, como
é definido?
A unidade de beneficiamento de mandioca leva em consideração as leis trabalhistas e o uso de
equipamentos de segurança? Se sim, como?
Há fiscalização por parte do Ministério do Trabalho?
A unidade de produção passou por transformações nos últimos anos no que se refere ao processo de
beneficiamento de mandioca? Se sim, como se deram tais transformações? Se não, por quê?
Qual a procedência do conjunto de máquinas e equipamentos presentes na unidade de beneficiamento
de mandioca?
Foi realizada consultoria especializada com algum órgão, como o Sebrae-RN? Se sim, qual?
Houve fornecimento de crédito para a atividade? Se sim, como e qual linha de crédito?
Houve algum tipo de apoio do poder público para fortalecimento da unidade? Se sim, qual e como?
170
Qual a procedência da mandioca que é beneficiada na unidade? Se a mandioca vem de outro
município ou até mesmo de outro estado, há variação no preço?
Qual o valor pago pela mandioca?
Há variação no preço da matéria-prima no decorrer do ano?
Há algum controle ou exigência de qualidade da raiz? Se sim, qual e como?
Quais são os produtos que a unidade fabrica, além da farinha de mandioca?
Qual o custo da produção em média?
Qual a quantidade produzida em derivados anualmente?
Para onde os produtos são destinados ou vendidos?
A unidade de beneficiamento de mandioca mantém parceria com alguma rede de supermercados,
restaurantes ou até mesmo hotéis? Se sim, como são definidos os custos?
A atividade turística teve relevância para o fortalecimento da “cadeia produtiva” considerando que a
tapioca faz parte do cardápio do setor de alimentos e bebidas vinculado ao turismo?
171
Qual o meio utilizado para transportar os produtos? Os veículos são próprios?
Há presença de atravessadores?
Qual a forma de comercialização dos produtos?
Como é definido o preço dos derivados da unidade?
A unidade de beneficiamento possui parceria com alguma rede de supermercado?
Para onde é destinado o resíduo da mandioca na unidade? Existe algum tratamento ou controle do
descarte?
A unidade possui licença ambiental?
Quais são as principais dificuldades enfrentadas para manter a unidade em funcionamento?
172
APÊNDICE B
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Departamento de Geografia
Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia
Título do trabalho: “O circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca no Rio Grande do
Norte”
Discente de mestrado: Raquel Silva dos Anjos
Professor orientador: Fransualdo Azevedo
Entrevista direcionada aos produtores de mandioca
Nome:
Município:
Endereço:
É proprietário ou possui outra situação na terra? Se sim, qual?
Qual o tamanho da propriedade (he) onde é cultivada a mandioca?
Qual a quantidade de mandioca produzida (he) em média?
Qual a quantidade colhida de mandioca por hectare em sua propriedade?
Qual(is) o(s) tipo(s) de mandioca cultivada(s) em sua propriedade?
173
O cultivo da mandioca dura quanto tempo e qual o período mais propício?
Utiliza algum insumo agrícola ou máquina(s) no cultivo da mandioca?
Qual o destino da mandioca produzida? (município, estado / unidades de beneficiamento, feiras,
supermercados etc., estes últimos, mais específicos da macaxeira)
Qual e como é definido o preço da mandioca?
Há variação no preço de venda da mandioca no decorrer do ano?
Se a mandioca é vendida em outro município ou até mesmo em outro estado, há variação no preço?
Recebeu algum tipo de assistência técnica voltada à produção ou apoio do poder público? Se sim,
como?
Quais as principais dificuldades enfrentadas no cultivo da mandioca?
Produz outra cultura além da mandioca na mesma propriedade? Se sim, qual(is)?
174
APÊNDICE C
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Departamento de Geografia
Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia
Título do trabalho: “O circuito espacial de produção agroindustrial de mandioca no Rio Grande do
Norte”
Discente de mestrado: Raquel Silva dos Anjos
Professor orientador: Fransualdo Azevedo
Entrevista direcionada aos trabalhadores das unidades de processamento e beneficiamento de
mandioca
Nome:
Idade:
Escolaridade / Formação:
Município:
Endereço:
Casa de farinha
Agroindústria de farinha
Outro
Trabalhando na unidade desde:
Como surgiu a oportunidade de trabalho nesta unidade de beneficiamento de mandioca?
175
Qual a sua função na unidade de processamento e beneficiamento de mandioca?
Quantos dias da semana trabalha e quantas horas por dia?
Como você considera as condições de trabalho na unidade de beneficiamento?
Boas
Razoáveis
Ruins
*Se respondeu “boas condições de trabalho”, por quê?
Utiliza algum equipamento de proteção ou vestimenta diferenciada para exercer seu trabalho na
unidade de beneficiamento?
Sua remuneração é por produtividade ou recebe salário fixo? Possui vínculo empregatício?
Possui outra fonte de renda?
Participou de algum curso de capacitação ou algum treinamento voltado ao processamento e
beneficiamento de mandioca?
176
APÊNDICE D
Farinha e Goma: produtos derivados das unidades de beneficiamento de mandioca no Rio
Grande do Norte.
Registro: Raquel Silva dos Anjos (2016).
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APÊNDICE E
Veículos utilizados no transporte dos derivados da mandioca para os estabelecimentos
comerciais.
Registro: Raquel Silva dos Anjos (2016).