o ciclo hidrológico e suas relações com a mecânica dos solos
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Universidade Federal de Alagoas – UFAL
CTEC – Centro de Tecnologia
Cidade Universitária – Campus A. C. Simões
Tabuleiro do Martins – CEP 57072-970 – Maceió – Alagoas
O CICLO HIDROLÓGICO E SUAS RELAÇÕES COM A
MECÂNICA DOS SOLOS
Arlan Scortegagna
Malisherbes Laairoy
Mirian Carvalho
Pedro Silveira
30 de Junho de 2014
INTRODUÇÃO
Dá-se o nome de ciclo hidrológico ao movimento contínuo de água, seja ele
acima, sobre, ou abaixo da superfície da terra. A água apresenta-se, em nosso planeta,
em sistemas dinâmicos e rotativos, onde uma vasta gama de processos de
transferência de energia e massa, bem como mudanças de estado físico, sobrepõe-se
de forma complexa e simultânea, gerando efeitos globais essenciais à estrutura física e
biológica que nos rodeia. O ciclo hidrológico, como não poderia deixar de ser, tem
influência direta, também, sobre os solos, tendo estreita conexão com as ciências que
buscam estudá-lo.
Mais especificamente no escopo da Mecânica dos Solos, a umidade influencia
fortemente propriedades vitais do terreno, tais como a resistência e rigidez imposta
em resposta às solicitações que venham a mobilizá-lo. Fenômenos como
escorregamentos maciços de terra são consequência dessa influência da umidade no
solo. O Ciclo Hidrológico interfere ainda como agente intemperizador e/ou de
transporte, determinando a composição química e a dimensão dos grãos. Tais
parâmetros, por sua vez, relacionam-se a diversas características físicas e mecânicas do
terreno, sendo esses estudos de grande importância.
O próprio solo também é de grande importância para os processos associados
ao Ciclo Hidrológico. Parâmetros como porosidade, condutividade hidráulica, e o
próprio arranjo geométrico e topográfico das diversas camadas do mesmo são
responsáveis pela caracterização dos escoamentos subterrâneo e superficial, dois
fenômenos de extrema importância nos processos hídricos. Obras de regularização de
vazões, notadamente as barragens, invariavelmente assentam-se sobre o solo e
precisam leva-lo em consideração. Tais barragens, inclusive, podem ser feitas com o
próprio material do terreno, nas chamadas barragens de terra.
Pode-se perceber, portanto, que a boa compreensão da Geotecnia e da
Mecânica dos Solos permite aprofundar as análises dos processos Hidrológicos,
visando caracteriza-los e prevê-los com maior eficiência e precisão. A compreensão do
Ciclo Hidrológico, por sua vez, é também de vital importância às mesmas.
Ao longo deste trabalho, tratar-se-á das diversas etapas do Ciclo Hidrológico,
procurando, sempre que possível, dar enfoque a sua relação com os solos e a teoria
mecânica que visa descrevê-los, bem como prover exemplos diretos de aplicações
relacionadas à conhecimentos oriundos da simbiose dessas áreas de estudo.
O CICLO HIDROLÓGICO
A energia que circula no ciclo hidrológico é oriunda, em sua maior parte, do sol.
Através da absorção da energia térmica por ele emitida, gera-se um processo de
mudança de estado físico, promovendo a evaporação dá água superficial,
principalmente a dos mares e oceanos, introduzindo-a, na forma de umidade, no ar
atmosférico. À esse efeito, soma-se, ainda, a evapotranspiração oriunda dos solos e
das plantas. Essa umidade, então, é condensada pela redução da temperatura média
do ar com a elevação da altitude formando nuvens, sendo essas carregadas por
correntes de ar (também fruto da energia absorvida do sol). Essa umidade
condensada, em condições favoráveis de concentração, temperatura, entre outros,
precipita na forma de chuva, caindo, em sua maior parte, de volta nos oceanos.
A fração da água que precipita sobre o continente dá origem a uma gama de
fenômenos de grande importância. Um deles é a interceptação, que ocorre quando a
cobertura vegetal retém parte da chuva, acumulando-a. Essa chuva acumulada, então,
tem três destinos: é, em menor parte, absorvida pela planta, por osmose, evapora
para a superfície novamente, ou, em sua maioria, cai em direção ao solo. Essa porção
que verte para o solo, em adição à que o atinge diretamente, dá origem, por sua vez, à
dois tipos de escoamento, sendo eles o escoamento superficial e o subterrâneo, a
depender se a água é ou não capaz de infiltra no terreno. Tais processos e suas
relações com a mecânica dos solos serão detalhados posteriormente.
Grande parte do volume desses escoamentos subterrâneos e superficiais tem
os mares e oceanos como destino final, fechando o ciclo, que perpetua-se de forma
ininterrupta, complexa e superposta em séries de transformações físicas de
evaporação, condensação, precipitação e percolação. Parte da água infiltrada é, ainda,
absorvida pela vegetação, participando de processos biológicos no interior das plantas.
Essa água é devolvida ao ambiente através da transpiração e da respiração aeróbia,
participando, juntamente com a água evaporada, na umidificação do ar atmosférico,
também fechando o ciclo.
Uma representação desse processo global é apresentada na Figura 1, abaixo.
Figura 1 – Representação esquemática do ciclo hidrológico
Precipitação e Interceptação
Ser capaz de antecipar a intensidade, a duração e a frequência dos eventos
chuvosos é de grande importância para obras de contenção e regularização,
comumente barragens. Tais obras buscam conter eventos naturais danosos como
inundações provocadas por picos de chuva, ou ainda aproveitar elevações no nível do
corpo hídrico superficial para a geração de energia ou a capitação para abastecimento.
A Mecânica dos Solos entra diretamente em trais obras, umas vez que,
invariavelmente, elas se assentam sobre o terreno, necessitando de sustentação
mecânica por parte do mesmo.
Outros processos, notadamente o escoamento subterrâneo, que será
detalhado mais adianta, também são de vital importância para o sucesso dessas
estruturas de contenção, mas conhecimentos acerca de dados pluviométricos estão
entre os primeiros levantamentos necessários para embasa-las.
Associando-se tais valores de precipitação com parâmetros relacionados ao
solo, tais como profundidade das camadas impermeáveis, porosidade da estrutura
granular, condutividade hidráulica, entre outros, objeto direto de estudo da Mecânica
dos Solos, tem-se a capacidade de prever, até certo ponto, a capacidade de recarga
dos aquíferos que abastecem os poços.
Por fim, a interceptação também tem forte importância no sentido de absorver
o impacto das chuvas sobre o solo, prevenindo a erosão do mesmo, bem como
evitando que a vazão oriunda da chuva atinja o alcance de imediato, reduzindo o
escoamento superficial e portanto o carreamento exagerado de nutrientes ou mesmos
grãos do terreno para os rios e lagos. Reduzir a cobertura vegetal, portanto, provoca
efeitos extremamente donosos na dinâmica do ciclo hidrológico, elevando o
escoamento superficial, promovendo erosão e carreamento de sedimentos,
posteriormente acarretando em assoreamento e inundações, processo que será
caracterizado na sessão a seguir.
Escoamento Superficial
A parcela não infiltrada da água que atinge o solo compõe o chamado
escoamento superficial. Esse escoamento, que ocorre sobre o terreno, tem
velocidades da ordem de grandeza de centímetros ou mesmo metros por segundo,
sendo significativamente mais rápido que o escoamento subterrâneo, e ocorre dos
pontos de maior energia potencial para os de menor (de cotas topográficas mais
elevadas para a menores, em geral), procurando rios, lagos, ou outros corpos d’água
fluindo em depressões no terreno. Tais corpos tem, em sua maioria, os mares e
oceanos como destino final.
A velocidade com que água flui nesses corpos hídricos superficiais é
diretamente responsável pela faixa granulométrica dos grãos de solo que a mesma é
capaz de carrear. Em pontos de maior velocidade, apenas os maiores grãos
sedimentam em grande volume, formando solos, em geral, de maiores diâmetros em
suas partículas. Próximo à foz, contrariamente, onde as declividades são baixas e as
velocidades bem menos intensas, também pelo alargamento dos corpos d´agua,
observa-se a deposição de grãos bem mais finos. Tal granulometria reflete
diretamente no comportamento desses solos, sendo um exemplo da influência dos
processos hídricos no mesmo.
A precipitação e o escoamento superficial também são de grande importância
para o estudo de obras de contenção, como previamente citado. É preciso saber a
vazão máxima provável a atingir a estrutura reguladora idealizada, de modo a
averiguar sua capacidade ou não de contê-la em termos de volume de resistência
mecânica. Falhas em barragens podem provocar eventos catastróficos, sendo a
resistência da estrutura, do leito que a suporta, e das vazões que ela recebe área de
intenso estudo onde combina-se os conhecimentos da Mecânica dos Solos e da
Hidrologia.
Outra combinação importante de se observar é o efeito contínuo do
carreamento de solo. O desmatamento da vegetação que beira os corpos d’água
superficiais, por exemplo, reduz drasticamente o efeito de contenção imposto pelas
raízes, permitindo que grandes volumes do mesmo sejam erodidos e carregados por
chuvas e escoamentos superficiais mais intensos ao longo do tempo. Quando tais
volumes alcançam pontos mais rasos ou de menor declividade, o solo carreado pode
se depor, provocando assoreamento e, em consonância com outros processos,
notadamente a já citada elevação da taxa de precipitação convertida em escoamento
superficial acarretada pela redução da cobertura vegetal, inundações próximas a ele.
Um exemplo desse processo é apresentado na Figura 2, abaixo.
Figura 2 – Inundação provocada pelo assoreamento, pela impermeabilização das
superfícies e pela elevação da taxa infiltração convertida em escoamento superficial
Outro efeito extremamente danoso do enfraquecimento do solos pela umidade
e seu fluxo, tanto superficial quanto subterrâno, também diretamente agravado pela
retirada da vegetação de contenção, são os dramáticos escorregamentos de terra que
ocorrem em taludes que perdem sua estabilidade, provocando danos intensos às
proximidades, tais como os apresentados na Figura 3, abaixo. A instabilidade de
taludes também é objeto de estudo da Mecânica dos Solos.
Figura 3 – Escorregamento de terra sobre uma rodovia em Taiwan
Parte do escoamento superficial em rios e lagos é proveniente do chamado
escoamento de base, que nada mais é do que o abastecimento desses córregos pelo
fluxo subterrâneo de água. Tal fluxo subterraneo, em contrapartida, também pode ser
abastecido pela parcela da água dos escoamentos superficiais que acaba por infiltrar-
se no solo, sendo ambos os eventos interconectados. O escoamento subterrâneo será
detalhado a seguir.
Escoamento Subterrâneo
A porção da água que se infiltra no solo, percolando em seu interior, também é
de grande importância. O fato de muitos rios serem permanentes, por exemplo, não
secando completamente em períodos de estiagem, é consequência do grande volume
de água que adentra o terreno e por ele se desloca em pequena velocidade (da ordem
de centímetros por semana ou até por mês). Essa água pode demorar meses ou
mesmo anos para chegar até o corpo hídrico superficial, abastecendo-o muito depois
do evento chuvoso.
Parte dessa água também fica armazenada em grandes lençóis sobre o terreno,
podendo ser posteriormente extraída artificialmente para o consumo ou naturalmente
para o abastecimento dos rios permanente. A poluição desses lençóis por acidentes
industriais é um problema ambiental grave estudado pela Geotecnia Ambiental, que
combina os conhecimentos de diversas áreas, tais como a Geologia, a Mecânica dos
Solos, a Biologia, a Química, entre outros, de modo a tentar prever e entender a
direção e a velocidade da migração dos contaminantes, as reações químicas que se
procedem durante a degradação desses compostos e seus efeitos sobre o solo e os
seres que com ele se relacionam. A Figura 4, abaixo, mostra os resultados de um
estudo feito em uma pluma de contaminação causada por um cemitério no lençol
freático abaixo através de leituras feitas sobre a resistência elétrica da água (que reduz
com a presença de íons poluentes).
Figura 4 – Determinação da pluma de contaminação em um aquífero
A migração subterrânea de água também é de grande importância para o
estudo das supramencionadas barreiras de contenção. A grande diferença entre o
nível da água a jusante a montante da barreira gera consideráveis diferenças de
pressão no maciço de solo, acarretando em escoamentos subterrâneos mais intensos,
para os quais o gradiente hidráulico é a força motriz. Esse escoamento acelerado pode
promover o enfraquecimento mecânico do leito, ultimamente gerando seu colapso.
Tal processo ocorre porque a percolação de água gera tensões nos grãos do
terreno. Quando a água flui de baixo para cima, por exemplo quando precisa
atravessar uma barragem através do solo abaixo, essa tensão se opõe à força
gravitacional, reduzindo a tensão efetiva no solo. Quando essa tensão de
levantamento é suficientemente grande, a mesma pode acarretar na perda de
estabilidade do terreno.
Outro evento danoso provocado pela intensa percolação de água no interior do
terreno é o Piping, um tipo erosão interna na qual há ruptura hidráulica causada pelas
forças de percolação: partículas de solos podem ser arrastadas permitindo a abertura
de pequenos orifícios que podem se tornar significativos e originar colapsos do terreno
(Figura 5).
Figura 5– Evidências do fenômeno do Piping
Outros efeitos diretamente relacionados ao escoamento subterrâneo e à
retenção de água nos solos bastante estudados são os cones de rebaixamento dos
poços (Figura 6), vitais para o abastecimento de água, execução de fundações em
regiões de lençol freático raso, entre outros. A geometria dos cones de rebaixamento,
a velocidade do escoamento subterrâneo e seu efeito sobre a resistência do solo, bem
como a acumulação de água em lençóis, são fenômenos diretamente governados por
parâmetros como a condutividade hidráulica, porosidade, distribuição granulométrica,
tipo de solo, etc. Tais parâmetros são objeto de estudo, dentre outras disciplinas, da
Mecânica dos Solos.
Figura 5 – Cone de rebaixamento (ou de depressão) de um poço em
bombeamento
A extração exagerada de água nos poços pode acarretar na cedência do
terreno, uma vez que a mesma colabora, em parte, com a sustentação oferecida pelo
solo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nota-se que a Hidrologia, em especial o Ciclo Hidrológico, tem relação íntima e
indissociável com diversos processos de formação e alteração do solo, bem como são,
também, diretamente influenciadas por parâmetros associados ao mesmo. Dessa
forma, é bastante razoável afirmar que a compreensão global de ambas as disciplinas
passa, invariavelmente, pelo bom entendimento da outra, bem como a associação
entre os conhecimento interconectados.
REFERÊNCIAS
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