o bem viver e o bem morrer segundo sÓcrates

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA O BEM VIVER E O BEM MORRER SEGUNDO SÓCRATES Edivar Noronha Brasília, 26 de setembro de 2012

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  • UNIVERSIDADE DE BRASLIA

    INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

    O BEM VIVER E O BEM MORRER

    SEGUNDO SCRATES

    Edivar Noronha

    Braslia, 26 de setembro de 2012

  • UNIVERSIDADE DE BRASLIA

    INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

    O BEM VIVER E O BEM MORRER

    SEGUNDO SCRATES

    Edivar Noronha

    Monografia apresentada como requisito para

    a obteno do ttulo de Licenciado em

    Filosofia sob a orientao da professora Dra.

    Loraine de Oliveira.

    Braslia, 26 de setembro de 2012

  • uma coisa singular esta vida. Sabes que s vezes eu quereria ser uma daquelas estrelas para ver de camarote essa Comdia que se chama Universo? essa Comdia onde tudo que h mais estpido o homem que se cr um espertalho? Vs aquela vaca que rumina ali deitada sonolenta no pasto? Talvez seja uma filsofa profunda que se ri de ns. (LVARES DE AZEVEDO, Macrio)

    Talvez nada seja to apropriado para aquele que vai partir para o Alm como refletir e discorrer sobre o significado dessa viagem e o que imaginamos que seja. (PLATO, Fdon)

  • 1

    Sumrio

    I. Introduo ................................................................................................................ 2 II. A defesa de Scrates .............................................................................................. 4 III. Discursos do Hades ............................................................................................. 13 IV. Do bem morrer ao bem viver ............................................................................... 22 V. Consideraes finais ............................................................................................. 34 Referncias bibliogrficas ......................................................................................... 36

  • 2

    I. Introduo

    Na Apologia escrita por Plato, o filsofo esboa a condenao de

    Scrates ocorrida em 399 a.C. Este responde a um processo pblico no

    tribunal de Atenas e os termos da acusao so os de no reconhecer os

    deuses da cidade, introduzir novas divindades e de corromper seus jovens

    seguidores. Scrates afirma que sua ocupao com a filosofia que o colocara

    em risco de morte, mas que prefere essa sentena a viver uma vida sem

    exame, pois como bem disse vida sem exame no digna de um ser

    humano.1

    Tendo por fio condutor a Apologia pretende-se, pouco a pouco, elucidar

    as passagens em que Plato, na voz de Scrates, discute a morte. Com que

    discursos da morte Scrates dialoga? Que inovaes traz sua concepo de

    morte? Em que medida essa discusso liga-se a uma meditao sobre o bem

    viver? O que seria esse bem viver para Scrates e, de que modo, converge a

    um bem morrer e estar morto?

    Deste modo, no primeiro captulo contrasta-se o estilo d'A defesa de

    Scrates com as de outros rus e de como as acusaes levantadas contra ele

    tm origem na sua ocupao com a filosofia, a sua profisso de ignorncia

    que o leva ao tribunal. No segundo, Discursos do Hades, so apresentados

    alguns discursos de Homero e Hesodo para ento se chegar ao Hades

    socrtico, suas especulaes sobre a morte e as novidades que elas trazem. O

    terceiro captulo, Do bem morrer ao bem viver, mostra as implicaes ticas da

    ideia de morte imaginada por Scrates e de como sua esperana num bem

    morrer est ligada ao bem viver de quem se conduz, a passos firmes, pelos

    caminhos da justia.

    Em suma, a morte ainda mais objeto digno da filosofia por ser a

    realidade mais desconhecida pelos mortais. Faz-se, pois, uma reflexo por

    aproximao sem jamais atingi-la. A atividade filosfica comparvel

    tentativa comovente de Odisseu, no Hades, de abraar a me Anticlia. A

    1 , (Apol.,

    38a).

    http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=o(&la=greek&can=o(0&prior=e)ceta/zontoshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=de%5C&la=greek&can=de%5C0&prior=o(http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)nece%2Ftastos&la=greek&can=a)nece%2Ftastos0&prior=de%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=bi%2Fos&la=greek&can=bi%2Fos0&prior=a)nece/tastoshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ou)&la=greek&can=ou)1&prior=bi/oshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=biwto%5Cs&la=greek&can=biwto%5Cs0&prior=ou)http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)nqrw%2Fpw%7C&la=greek&can=a)nqrw%2Fpw%7C1&prior=biwto%5Cshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=tau%3Dta&la=greek&can=tau%3Dta0&prior=a)nqrw/pw%7Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=d'&la=greek&can=d'0&prior=tau=tahttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e)%2Fti&la=greek&can=e)%2Fti0&prior=d'http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=h(%3Dtton&la=greek&can=h(%3Dtton0&prior=e)/tihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=pei%2Fsesqe%2F&la=greek&can=pei%2Fsesqe%2F1&prior=h(=ttonhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=moi&la=greek&can=moi1&prior=pei/sesqe/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=le%2Fgonti&la=greek&can=le%2Fgonti0&prior=moi

  • 3

    imagem dela, sua alma, passa pelas mos do heri como uma sombra

    (HOMERO, Odissia, XI, 204-208):

    Profundamente abalado deixaram-me suas palavras; e, desejoso de o esprito ao peito apertar com ternura, arremeti por trs vezes, levando-me o peito a abra-la; por outras tantas dos braos fugiu-me, qual sombra fugace, ou mesmo sonho, deixando-me dor mais acerba no esprito.

  • 4

    II. A defesa de Scrates

    Scrates comea sua defesa contrastando o discurso de seus

    acusadores ao seu prprio. Segundo ele, tamanha a persuaso deles quase o

    fez esquecer-se de quem , mas que na prtica eles no disseram nada de

    verdadeiro. Entre as muitas mentiras est a de lhe atriburem hbil eloquncia.

    Ao passo que Scrates nega ter o mnimo jeito para falar, e que seja eloquente

    caso esta caracterstica possa ser atribuda quele que diz a verdade, sendo

    assim, poderia admitir ser um orador (Apol., 17a-b).2

    Se pouco ou nada disseram os acusadores de verdadeiro, dele ouviro

    toda a verdade3 , pois, enquanto os discursos daqueles so enfeitados de

    verbos e nomes elegantemente associados, Scrates em sua apologia

    empregar as palavras usadas cotidianamente, as mesmas que costuma usar,

    quer na praa pblica, junto aos balces dos mercadores, quer noutros lugares

    (Apol., 17c). Ele pede aos juzes que considerem no o estilo de suas palavras,

    a construo e exposio de seus argumentos, mas se o que diz justo ou

    injusto. Por confiar nos deuses que basta a verdade a Scrates. Com seus

    argumentos ele quer requalificar o uso do discurso verdadeiro e da retrica,

    pois precisam ter em conta que um juiz deve julgar segundo as leis () e

    um orador dizer a verdade () Apol.,35c.4 No por outra razo que se

    2 A faculdade oratria situa-se em plano idntico ao da inspirao das musas aos poetas.

    Reside antes de mais nada na judiciosa aptido para proferir palavras decisivas e bem fundamentadas. No Estado democrtico, as assemblias pblicas e a liberdade de palavra tornaram indispensveis os dotes oratrios e at os converteram em autntico leme nas mos do homem de Estado. A idade clssica chama de orador o poltico meramente retrico. A palavra no tinha o sentido puramente formal que mais tarde adquiriu, mas abrangia tambm o prprio contedo (JAEGER, 2003, 340).

    3 De mim ireis ouvir toda a verdade ( ) Apol.,

    17b. 4 A oratria, como as atividades em geral, devemos empregar sempre a servio da justia

    (Grgias, 527). No dia de sua morte, Scrates diz a Crton que: uma linguagem que no perfeita no s uma ofensa contra si mesma, deixa tambm marcas de erro na alma! (Fdon, 115e). Ainda sobre a oratria pergunta:: E a oratria dirigida ao povo de Atenas e, nas outras cidades, s assemblias de homens livres? que pensar dela? No teu sentir, quando os oradores discursam, tm sempre em mira o maior bem, visam a tornar melhores os

    http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=no%2Fmous&la=greek&can=no%2Fmous0&prior=tou%5Cshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=u(mei%3Ds&la=greek&can=u(mei%3Ds0&prior=ei)rh/kasinhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=de%2F&la=greek&can=de%2F0&prior=u(mei=shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=mou&la=greek&can=mou0&prior=de/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)kou%2Fsesqe&la=greek&can=a)kou%2Fsesqe0&prior=mouhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=pa%3Dsan&la=greek&can=pa%3Dsan0&prior=a)kou/sesqehttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=th%5Cn&la=greek&can=th%5Cn0&prior=pa=sanhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)lh%2Fqeian&la=greek&can=a)lh%2Fqeian0&prior=th%5Cn

  • 5

    recusa a usar de uma linguagem adornada em sua defesa. Os juzes devem

    julgar conforme as prescries da lei (avaliando as aes como justas ou

    injustas), no se deixando, portanto, impressionar por discursos adornados

    empregados pelos rus. Scrates parece criticar a retrica como instrumento

    usado no tribunal para benefcio prprio em sacrifcio das leis. O discurso

    elaborado, o choro, as splicas, mesmo alheias verdade serviriam para que o

    ru fosse inocentado ou tivesse sua pena abrandada.

    Duas so as espcies de acusadores de Scrates: os que persuadem os

    atenienses desde a infncia com acusaes falsas e aqueles que levam a

    acusao ao tribunal Meleto, nito e Lcon.

    Os primeiros acusadores so os mais temveis no s do ponto de vista

    histrico, mas tambm do ponto de vista filosfico, porquanto suas palavras

    so impressas nas almas das crianas. 5 Estes acusadores so em grande

    nmero ( ), dedicando-se a essa tarefa h muito tempo,

    dirigem-se aos atenienses na idade em que so mais crdulos, na infncia e,

    em alguns casos, na adolescncia, acusando, ainda por cima, um ausente,

    Scrates, que no pode contestar as calnias espalhadas, sendo a acusao,

    em termos gerais, a seguinte: Scrates culpado de investigar, em excesso,

    os fenmenos subterrneos e celestes, de fazer prevalecer sobre a melhor a

    causa pior e de ensinar aos outros essa doutrina (Apol., 19b). H ao menos o

    nome de um destes antigos acusadores que pode ser citado: Aristfanes. Em

    423 a.C, o comedigrafo havia atacado Scrates com a comdia As nuvens.

    concidados por efeito de suas arengas, ou eles igualmente so movidos pelo desejo de agradar aos cidados , com menoscabo do bem comum em benefcio de seu interesse pessoal, e falam ao povo como a crianas. procurando apenas agradar-lhe, sem lhes importar se, em consequncia, ele fica melhor ou pior? (Grgias, 502d-503a). 5 No terceiro livro da Repblica, no que diz respeito educao dos guerreiros, Scrates

    preocupa-se com aquilo que devem ouvir desde a infncia, e aquilo que no devem (Rep., III, 386a) Em relao aos versos da pica homrica e o que cantam sobre os males do Hades, ele prescreve: Palavras como estas e todas as outras da mesma espcie, pediremos vnia a Homero e aos outros poetas, para que no se agastem se as apagarmos, no que no sejam poticas e doces de escutar para a maioria; mas, quanto mais poticas, menos devem ser ouvidas por crianas e por homens que devem ser livres, e temer a escravatura mais do que a morte (Rep., III, 387b). Nota-se que at mesmo o resguardo da cidade estaria ameaado por mitos e fbulas sobre o Hades: Quem acreditar no Hades e nos seus terrores, julgas que no teme a morte e que, em combate, a prefere derrota e escravido (Rep., III, 386b).

  • 6

    Scrates: Voc que conhecer claramente as coisas divinas e exatamente o que elas so? Estrepsades: Sim, por Zeus, se possvel... Scrates: E travar relaes com as Nuvens, as nossas divindades, para conversar com elas? Estrepsades: Sim, demais! Scrates: Ento sente-se no leito sagrado (ARISTFANES, As Nuvens, 250).

    Estrepsades: Agora mesmo voc jurou por Zeus... Fidipides: Sim. Estrepsades (com nfase): Ento voc v como belo

    aprender? Fidipides, Zeus no existe! Fidipides: Mas quem?!... Estrepsades: Quem reina o Turbilho, depois de ter expulsado Zeus! Fidipides: Puxa, por que voc diz tolices? Estrepsades: Fique sabendo que isso mesmo. Fidipides: Quem que o afirma? Estrepsades: Scrates de Meios e Querefonte, que conhece as pegadas das pulgas (ARISTFANES, As Nuvens, 825-839).

    Em outros termos, Scrates nega ter conhecimento destas matrias, os

    fenmenos naturais, e pede aos presentes no tribunal que testemunhem em

    favor do que acaba de dizer, ou seja, que jamais lhe ouviram discorrer sobre

    tais assuntos (Apol., 19d)

    A segunda espcie de acusaes resulta da ocupao de Scrates com

    a filosofia iniciada aps uma consulta ao orculo feita por seu amigo

    Querofonte (Apol., 20e) . Indo a Delfos, este pergunta se h algum mais sbio

    do que Scrates e a Ptia responde no haver ningum mais sbio. Intrigado,

    Scrates quer entender a mensagem do orculo, pois sabe no ser sbio,

    admitido que o deus no pode mentir, passa ento a investigar aqueles tidos

    por sbios. Aqui cabe uma breve considerao sobre o Orculo de Delfos.

    Conforme ERLER (2012, 155):

    O motivo da preocupao de Scrates pela alma (therapeia ts psychs) seu desejo de demonstrar a falsidade do enunciado

    do Orculo de Delfos, segundo o qual ele seria o mais sbio dos homens (Apol., 21a). Ali, porm, ele tem de reconhecer ser

    mais sbio que outros homens, na medida em que no se representa saber o que na realidade no sabe (Apol., 20e-22e).

  • 7

    Dali, Scrates deduz a misso de libertar seus concidados de um saber que imaginam ter, melhorando sua alma (23b).

    Ora, Scrates ento, no assumindo o papel de sbio, mas daquele que

    sabe nada saber, busca em seus concidados algum que assuma o ideal do

    sbio. Por isso, pode-se dizer que o Orculo de Delfos tem uma relao com a

    ironia socrtica:

    A tarefa de Scrates, que lhe foi conferia, diz a Apologia, pelo

    orculo de Delfos, isto , em ltima instncia, pelo deus Apolo, ser fazer que os outros homens tomem conscincia de seu prprio no-saber, de sua no-sabedoria. Para realizar essa misso, Scrates agir como quem nada sabe, isto , com ingenuidade. a famosa ironia socrtica: a ignorncia dissimulada, o ar cndido com o qual, por exemplo, ele investigou para saber se havia algum mais sbio que ele (HADOT, 1999, 51).

    Daquele exame que surgem tantas inimizades e ele levado ao

    tribunal. Primeiro examina um dos polticos ( ) e na conversa

    () lhe pareceu que esse homem passava por sbio () aos

    olhos da maioria das pessoas ( ) e,

    sobretudo, aos seus prprios olhos, mas que na realidade no o era.

    Da se considerar ao menos mais sbio do que este homem, na precisa

    medida em que no julga saber aquilo que ignora.6 Scrates ganha do poltico

    e dos outros ao redor a inimizade, mas continua a examinar outros

    supostamente sbios.7 Dirige-se aos poetas8 e tambm aos artfices9, e chega

    6 Sou sem dvida, mais sbio que esse homem. muito possvel que qualquer de ns nada

    saiba () de belo () nem de bom (); mas ele julga que sabe alguma coisa, embora no saiba, ao passo que eu nem sei nem julgo saber (Apol., 21d). 7 Continuei, apesar de tudo, as minhas investigaes, compreendendo, com angstia e temor,

    que estava arranjando muitos inimigos; mas sentia-me na obrigao estrita de no desprezar a resposta do deus. Eis, em linhas gerais, a impresso que me ficou: aqueles que tinham mais fama pareceram-me quase inteiramente desprovidos dos conhecimentos essenciais quando os examinava luz do orculo do deus; outros, considerados menos importantes, estavam, entretanto, muito mais prximos de possuir a sabedoria (Apol., 21e-22a). 8 Dirigi-me aos poetas convencido que dessa vez seria notria a inferioridade de meus

    conhecimentos. Levando ento comigo aqueles poemas da sua autoria que me pareciam mais bem elaborados, pedi-lhes que me os explicasse, no desejo de aprender alguma coisa com

    http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=tw%3Dn&la=greek&can=tw%3Dn0&prior=tishttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=politikw%3Dn&la=greek&can=politikw%3Dn0&prior=tw=nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=dialego%2Fmenos&la=greek&can=dialego%2Fmenos0&prior=kai%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)%2Fllois&la=greek&can=a)%2Fllois0&prior=sofo%5Cshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=dokei%3Dn&la=greek&can=dokei%3Dn0&prior=a)nh%5Crhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=dokei%3Dn&la=greek&can=dokei%3Dn0&prior=a)nh%5Crhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=polloi%3Ds&la=greek&can=polloi%3Ds0&prior=tehttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)nqrw%2Fpois&la=greek&can=a)nqrw%2Fpois0&prior=polloi=shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ei)de%2Fnai&la=greek&can=ei)de%2Fnai0&prior=ka)gaqo%5Cnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kalo%5Cn&la=greek&can=kalo%5Cn0&prior=ou)de%5Cnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ka)gaqo%5Cn&la=greek&can=ka)gaqo%5Cn0&prior=kalo%5Cn

  • 8

    s mesmas concluses: eles apenas fingem saber, quando na realidade nada

    sabem (Apol., 23d).

    Assim, Meleto, nito e Lcon, tomando as dores dos poetas, artfices e

    polticos, caluniam Scrates, empreitada que o conduz ao tribunal.

    Mas, afinal, quem foi Scrates, essa figura levada ao tribunal? Scrates

    vivera miseravelmente, ao contrrio dos sofistas, como Grgias de Leontinos,

    Prdico de Ceos, Hpias de lide e Eveno de Paros que, indo de cidade em

    cidade, teriam instrudo os jovens a troco de dinheiro.10 A servio do deus

    Apolo, o filsofo ocupara seu tempo filosofando (), advertindo

    () e aconselhando () com discursos ()

    sobre a justia ( ) e as outras virtudes ( )

    Crton, 54a, e no tivera disponibilidade para os negcios da cidade nem para

    os prprios (Apol., 19d-e).11

    eles. Ora, custa-me muito, atenienses, dizer-vos a verdade, mas acho que deve ser dita. Quase todos os presentes teriam, por assim dizer, falado melhor do que os prprios poetas sobre os poemas que, esses tinham escrito (Apol., 22a-b). 9 Os artfices sabiam, de fato, coisas que eu no sabia e nesse sentido eram mais sbios do

    que eu. Mas esses bons artfices, atenienses, pareceram-me ter o mesmo defeito dos poetas. L, porque exercia com perfeio a sua arte, cada um julgava ser o mais sbio em relao a assuntos mais importantes e essa pretenso obscurecia o seu saber real (Apol., 22d). 10

    Conforme JAEGER (2003, 340-341), na idade clssica entendia-se sem mais que o contedo dos discursos [das assemblias pblicas] era o Estado e os seus assuntos. Neste ponto, devia basear-se na eloquncia toda a educao poltica dos chefes, a qual se converteu necessariamente na formao do orador, se bem que a palavra grega logos tenha implcita uma imbricao muito superior do formal e do material. Sob esta luz, torna-se compreensvel e ganha sentido o fato de ter surgido uma classe inteira de educadores que publicamente ofereceram, por dinheiro, o ensino da virtude no sentido acima indicado. Esta falsa modernizao do conceito grego de arete peca essencialmente por fazer surgir aos olhos do homem atual, com arrogncia ingnua e sem sentido, a pretenso dos sofistas ou mestres da sabedoria, como os contemporneos os chamavam e a si prprios eles se intitulavam. Este absurdo mal-entendido desfaz-se logo que interpretamos a palavra arete poltica, vista sobretudo como aptido intelectual e oratria, o que nas novas condies do sc. V era decisivo. natural que encaremos os sofistas retrospectivamente pelo ponto de vista ctico de Plato, para quem o princpio de todo o conhecimento filosfico a dvida socrtica sobre a possibilidade de ensinar a virtude. (...) Do ponto de vista histrico, a sofstica um fenmeno to importante como Scrates ou Plato. Alm disso, no possvel conceb-los sem ela. 11

    Num plano puramente humano no seria compreensvel que eu tivesse descurado todos os meus interesses pessoais, suportando j h tantos anos as consequncias desta atitude, para me dedicar exclusivamente vs, aproximando-me de cada um em particular, como um pai ou um irmo mais velho, e persuadindo-o a ocupar-se da virtude. E ainda se eu tirasse daqui algum lucro, se os meus conselhos fossem dados em troca de um salrio, haveria uma explicao para a minha conduta (Apol., 31a-b).

    http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=filosofw%3Dn&la=greek&can=filosofw%3Dn0&prior=pau/swmaihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=parakeleuo%2Fmeno%2Fs&la=greek&can=parakeleuo%2Fmeno%2Fs0&prior=u(mi=nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e)ndeiknu%2Fmenos&la=greek&can=e)ndeiknu%2Fmenos0&prior=kai%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=dikaiosu%2Fnhs&la=greek&can=dikaiosu%2Fnhs0&prior=%5Dhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=th%3Ds&la=greek&can=th%3Ds0&prior=kai%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)%2Fllhs&la=greek&can=a)%2Fllhs0&prior=th=shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)reth%3Ds&la=greek&can=a)reth%3Ds0&prior=a)/llhs

  • 9

    Dentre os jovens ociosos, das famlias mais ricas de Atenas, alguns

    teriam buscado o convvio de Scrates e tambm imitado seu modo de

    examinar a cincia dos homens ( ) Apol., 23c. Acusam-

    lhe, por isso, dentre outras coisas, de corromper a juventude. Porm, ele se

    recusava a admitir estes jovens, alguns ilustres at (Crtias e Alcibades, por

    exemplo), como discpulos. Scrates nunca fora mestre de ningum nem nunca

    cobrara remunerao. Como poderia ter ensinado se no portava nenhum

    saber? E o que explicaria a espontnea companhia deles? A que Scrates teria

    respondido: eles gostam de me ouvir examinar os que supem ser sbios e

    no o so; e isso no deixa de ter o seu gosto (Apol., 33c). Talvez na

    realidade, o sbio seja o deus e queria dizer, no seu orculo, que pouco valor

    ou nenhum tem a sabedoria humana e que o mais sbio de vs, mortais,

    aquele que, como Scrates, reconheceu que o seu saber , na verdade,

    inteiramente desprovido de valor (Apol., 23a-b). Mas isso na verdade oculta a

    ironia socrtica, o no-saber de Scrates dissimula uma outra coisa, sua

    prpria misso.

    A misso de Scrates fazer que os homens tomem conscincia de seu no-saber. Trata-se aqui de uma revoluo na concepo de saber. Sem dvida, Scrates pode dirigir-se a estranhos, e o faz com prazer, dizendo-lhes que tm apenas um saber convencional, que s agem sob a influncia de preconceitos sem fundamento refletido, para mostrar-lhes que seu pretenso saber no repousa sobre nada. Mas ele se dirige sobretudo aos que esto persuadidos, por sua cultura, de possuir o saber. At Scrates houve dois tipos de personagens desse gnero: de um lado os aristocratas do saber, isto , os mestres da sabedoria ou de verdade, como Parmnides, Empdocles ou Herclito, que opunham suas teorias ignorncia da multido; de outro, os democratas do saber, que pretendiam poder vender o saber a todo mundo: os sofistas (HADOT, 1999, 52).

    Na defesa de sua ocupao, no tribunal, Scrates evoca a coragem de

    Aquiles que vinga a morte de Ptroclo mesmo advertido pela me, Ttis, que

    isso resultaria em sua prpria queda. Observa-se a honra do guerreiro

    transferida do campo de batalha para o tribunal, onde Plato aproxima o

    modelo herico postura de Scrates frente a sua condenao. Tanto o

    http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ei)de%2Fnai&la=greek&can=ei)de%2Fnai0&prior=me%5Cnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ti&la=greek&can=ti0&prior=ei)de/naihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)nqrw%2Fpwn&la=greek&can=a)nqrw%2Fpwn1&prior=ti

  • 10

    filsofo quanto o guerreiro consideram a morte mais valiosa que uma vida

    desonrada, no tm medo em combate e obedecem a seus chefes.12 No caso

    de Scrates, parece interpretar o orculo como ordem, como j foi visto.

    Na Apologia, Scrates no d nenhuma razo terica para explicar por que se obriga a examinar sua prpria vida e a vida dos outros. Contenta-se em dizer, por um lado, que a misso que lhe foi confiada pelo deus e, por outro, que somente tal lucidez, tal rigor para olhar a si mesmo pode dar sentido vida (HADOT, 1999, 64-65).

    Scrates tambm recusa a prtica lamuriosa comum a tantos outros no

    tribunal e deixa claro que no questo de enfrentar a morte o que o motiva,

    mas sua preocupao com a reputao dele, dos juzes e de Atenas.13

    Prefiro morrer depois de semelhante apologia a viver por um preo desses! Nem no tribunal nem na guerra lcito a algum, a mim ou a outra pessoa, recorrer a todos os meios para escapar morte... muitas vezes fcil evitar a morte em combate, lanando fora as armas e dirigindo splicas aos perseguidores. Da mesma maneira, em todos os outros perigos, h muitos modos de uma pessoa escapar morte, desde que esteja resolvida a fazer e a dizer tudo. Talvez no seja, por isso, difcil, atenienses, evitar a morte, muito mais difcil conseguir no praticar o mal. E o mal persegue-nos mais rpido do que a morte (Apol., 38e-39b).

    12

    Quem escolhe um posto, por julgar que o melhor, ou o ocupa s ordens de um chefe, deve, em minha opinio, permanecer nele contra todos os riscos, no atendendo nem morte nem a nenhuma outra coisa que no seja a desonra (Apol. 28d). Concordam com essa opinio os seguintes versos lricos: Morrendo o bravo atire o ltimo golpe./Combater pela ptria, esposa e filhos/honra e nobreza traz. Quando o fiarem/as Moiras que a morte h de colher-te./V, pois, cada um brandindo a lana e, forte,/o corao do escudo protegido,/seu posto ocupe ao rebentar da pugna,/j que ningum do termo certo escapa/embora seja de Imortais prognie./O que, fugindo luta e aos dardos, volta,/muita vez no lar que o fim depara,/sem que o estime, porm, nem chore o povo (KALLINOS, I, 5-17).

    13 Teremos razo em arrancar as lamentaes aos homens clebres e em as entregar s

    mulheres, e, ainda assim, s s que no tiverem mrito, e, dentre os homens, aos que forem covardes, a fim de que no suportem um procedimento semelhante queles que proclamamos estarmos a criar para a guarda do pas (Rep., III, 387e).

  • 11

    Com a idade avanada de 70 anos e renomado pelo seu saber, Scrates

    no se atormenta com a condenao morte e chama de ndoa a prtica

    habitual nos tribunais em que homens renomados entre os atenienses (

    ) comportam-se como mulheres (

    ), manchando a honra da cidade aos olhos

    estrangeiros (Apol., 35b). Bom no se prestar ao ridculo principalmente

    quando seu nome corre entre os mais distintos ( ) da polis

    mais afamada , por sua sabedoria

    () e poder () Apol., 29d.

    Scrates no leva os parentes, a esposa, nem os filhos para compor um

    coro de prantos. Como todo ser humano, ele tem parentes. De que valeriam

    tantos dramas () em nome da absolvio, essas encenaes usuais

    entre homens persuadidos de que seria um horror terem de morrer, como se

    houvessem de ser imortais se no fossem condenados morte? (Apol., 35a-b).

    Na Apologia escrita por Xenofonte, Scrates tambm levanta questes

    sobre a impossibilidade de fugir da morte: No sabeis h muito que no instante

    mesmo de meu nascimento pronunciara a natureza a sentena de minha

    morte? (XENOFONTE, Apologia, III, 27). E ainda: Querendo seus amigos

    subtra-lo a morte, recusou-o e, debochando, perguntou-lhes se conheciam fora

    da tica algum lugar inacessvel morte (XENOFONTE, Apologia, II, 23).14

    A postura serena de Scrates diante da morte no tribunal, por dias na

    priso e pouco antes do ltimo suspiro esto fundadas num modo distinto de

    14

    O registro histrico da condenao: a Apologia de Xenofonte. Nela os argumentos da defesa de Scrates tm a morte como um bem certeiro, uma vez que, condenado e morto, ele no seria penalizado pelos diversos males que no corpo a velhice desemboca. j agora, se for alm, sei que terei forosamente de pagar meu tributo velhice. A vista se me enfraquecer, ouvirei menos, minha inteligncia se perturbar e esquecerei mais depressa o que aprender. Se perceber a perda de minhas faculdades e sentir-me mal comigo mesmo, como me aprazer da vida? (Apol., I, 6) Talvez seja um dom especial terminar a vida no s na poca mais conveniente como do modo menos penoso. Xenofonte desenvolve os argumentos do ru pensando numa economia da morte que tem por gnero mais suave aquela que menos faz padecer tanto o moribundo como os seus amigos (Apol., I, 7). Ruim seria vir a findar atormentado de doenas ou ento de velhice, para a qual vergem todas as enfermidades. (Apol., I, 8). Scrates tambm prefere morrer a mendigar servilmente a vida e fazer-se outorgar uma existncia mil vezes pior que a morte (Apol., I,9). Ele que chegara ao termo da carreira, quando seno males pode esperar (Apol., III, 27) deixou a vida a parte mais penosa e morreu a morte menos dolorosa (Apol., IV, 32). Ainda na Apologia escrita por Plato temos em 41d: O que acaba de me acontecer no pode ser fruto do acaso; pelo contrrio, para mim evidente que mais vantajoso morrer agora e libertar-me assim dos cuidados da vida.

    http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=oi(&la=greek&can=oi(0&prior=o(/tihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=diafe%2Frontes&la=greek&can=diafe%2Frontes0&prior=oi(http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=*)aqhnai%2Fwn&la=greek&can=*)aqhnai%2Fwn0&prior=diafe/ronteshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ei)s&la=greek&can=ei)s0&prior=*)aqhnai/wnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)reth%2Fn&la=greek&can=a)reth%2Fn0&prior=ei)shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ou(%3Dtoi&la=greek&can=ou(%3Dtoi0&prior=prokri/nousinhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=gunaikw%3Dn&la=greek&can=gunaikw%3Dn0&prior=ou(=toihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ou)de%5Cn&la=greek&can=ou)de%5Cn0&prior=gunaikw=nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=diafe%2Frousin&la=greek&can=diafe%2Frousin0&prior=ou)de%5Cnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=w)%3D&la=greek&can=w)%3D2&prior=o(/tihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)%2Friste&la=greek&can=a)%2Friste0&prior=w)=http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)ndrw%3Dn&la=greek&can=a)ndrw%3Dn0&prior=a)/ristehttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=po%2Flews&la=greek&can=po%2Flews0&prior=w)/nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=th%3Ds&la=greek&can=th%3Ds0&prior=po/lewshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=megi%2Fsths&la=greek&can=megi%2Fsths0&prior=th=shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kai%5C&la=greek&can=kai%5C5&prior=megi/sthshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=eu)dokimwta%2Fths&la=greek&can=eu)dokimwta%2Fths0&prior=kai%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=sofi%2Fan&la=greek&can=sofi%2Fan0&prior=ei)shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=i)sxu%2Fn&la=greek&can=i)sxu%2Fn0&prior=kai%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=dra%2Fmata&la=greek&can=dra%2Fmata0&prior=tau=ta

  • 12

    ver esta mesma morte. O que vem a ser a morte para Scrates e qual era a

    tradio corrente de viv-la naquela poca?

  • 13

    III. Discursos do Hades

    Scrates considera que o temor da morte parte daqueles que se julgam

    sbios ( ), sendo este medo fruto de representaes do ps-

    morte, do Hades e de seus males, mas afirma que ningum sabe o que a

    morte ( ).15

    Os poemas homricos parecem constituir a principal fonte do que se diz

    sobre o Hades. Ao que tudo indica, bebe dessa fonte, Plato, tambm para

    ilustrar um modelo de coragem diante da morte: Aquiles, modelo este que

    aproxima ao de Scrates no tribunal. V-se numa passagem do canto XI da

    Odissia como parece terrvel a morte. Trata-se do dilogo entre Odisseu e

    Aquiles no Hades, onde o guerreiro que na Ilada enfrenta-a em nome da

    honra, agora morto preza mais uma vida de misrias permanncia entre as

    sombras.

    Ora no venhas, solerte Odisseu, consolar-me da morte, pois preferiria viver empregado em trabalhos de campo sob um senhor sem recursos, ou mesmo de parcos haveres, a dominar deste modo nos mortos aqui consumidos

    (HOMERO, Odissia, XI, 488 - 491).

    Cabem algumas observaes sobre o Hades descrito nos poemas

    picos atribudos a Homero para visualizar melhor a imagem nova, modificada,

    que faz Scrates dessa pavorosa () manso () bolorenta

    () HOMERO, Ilada, XX, 64-65.

    Na Ilada o Hades localiza-se diretamente por baixo da terra, enquanto

    na Odissia a manso dos mortos encontra-se num lugar longnquo, alm do

    oceano.16

    15

    Quanto a mim, atenienses, talvez nesse ponto que eu me distingo () da maioria das pessoas ( ); e, se pretendesse ser mais sbio do que os outros em alguma coisa, seria nisso, que, no sabendo exatamente o que se passa nos domnios do Hades, no tenho a pretenso de o saber (Apol., 29b). 16

    Treme, angustiado, Edoneu, rei dos vastos domnios subtrreos,/E, dando um grito, do trono saltou, receando que a terra/Sobre ele o deus de cabelos escuros, Poseido,

    http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=h)%5C&la=greek&can=h)%5C0&prior=e)sti%5Cnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=dokei%3Dn&la=greek&can=dokei%3Dn0&prior=h)%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=sofo%5Cn&la=greek&can=sofo%5Cn0&prior=dokei=nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=to%5Cn&la=greek&can=to%5Cn0&prior=ou)dei%5Cshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=qa%2Fnaton&la=greek&can=qa%2Fnaton2&prior=to%5Cnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=oi)ki%2Fa&la=greek&can=oi)ki%2Fa0&prior=e)nosi/xqwnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=eu)rw%2Fenta&la=greek&can=eu)rw%2Fenta0&prior=smerdale/'

  • 14

    H mudanas, por outro lado, quanto ao destino das almas. A Ilada

    parece restringir o lar ltimo das almas s trevas infernais do Hades. Mas na

    Odissia h possibilidade de um homem continuar a existir numa regio

    privilegiada, a que se d o nome de Campos Elseos.17

    J em Hesodo a Ilha dos Bem-Aventurados a terra abundante em

    alimentos que Zeus concede raa dos heris. Esse privilgio mostra que no

    s o nascimento d aos heris ascendncia divina, mas que tambm sua morte

    os coloca alm da condio humana.

    E so eles que habitam de corao tranqilo A Ilha dos Bem-Aventurados, junto ao oceano profundo, heris afortunados, a quem doce fruto traz trs vezes ao ano a terra nutriz (HESODO, Os trabalhos e os dias, 169-

    172).

    As almas () podem cristalizar-se na atividade que tinham durante a

    vida ou na situao em que o respectivo indivduo morreu. Foi esse o destino

    de inmeros guerreiros que Odisseu avistou no Hades 18 , alm do caso

    exemplar de Ssifo que arrasta eternamente uma enorme pedra ao topo de um

    monte (HOMERO, Odissia, 593-600). Esclarece BURKERT (1993, 381):

    De acordo com o modo de expresso homrico, no instante da morte algo, a psych, abandona o homem e dirige-se ao Hades. Psych significa exalao, assim como psychen significa respirar. O cessar da respirao o indcio exterior

    mais simples da morte. s em questes de vida ou de morte que entra a psych. Psych no alma como portadora de

    sensaes e pensamentos. (mantm-se as transliteraes do autor).

    rasgasse,/Escancarando, desta arte, viso dos mortais e dos deuses,/Seu tenebroso palcio, que at pelos numes odiado (HOMERO, lada, XX, 61-65). 17

    Mas, quanto a ti, Menelau, descendente de Zeus, o Destino/no determina morreres em Argos, nutriz de cavalos;/para as campinas do Elsio, limite da terra, te enviam/ os imortais, onde est Radamanto, de louros cabelos/e onde a existncia decorre feliz para todos os homens./L no cai neve, nem longo o inverno, nem chove o ano todo,/mas de contnuo o de Zfiro sopro de rudo sonoro/manda o oceano, que os homens com branda bafagem refresque,/visto de Helena, marido tu seres e, assim, de Zeus genro" (HOMERO, Odissia, IV, 561-569). 18

    Muitos guerreiros afluem, por lanas de bronze feridos/em duros prlios, que manchas de sangue nas armas estendem (HOMERO, Odissia, XI, 40-1).

  • 15

    A , em Homero, o no ser no sentido de representar a separao

    de um algo de outro algo (o corpo) que juntos no so exatamente a soma dos

    dois. Para o vivo no h um nome especfico para o corpo e nem para a alma.

    Para corpo usam-se palavras que se referem diretamente s suas partes, como

    perna, peito, brao. Pode-se ainda dizer que na pica homrica as almas no

    tm conscincia alguma at que em um sacrifcio seja-lhes ofertado o

    sangue.19 Ah! ento verdade que existe na manso () do Hades

    () uma alma () e uma imagem (), que no tem contudo

    senso () algum (HOMERO, Ilada, XXIII, 103-104). Os versos fazem

    referncia ao adivinho Tirsias, o nico morto a quem Persfone, a rainha do

    Hades, conservou o entendimento () os demais so sombras ()

    que se agitam (HOMERO, Odissia, X, 495).

    Discorrer sobre as inovaes trazidas por Plato ideia de morte ,

    obviamente, falar sobre alma e corpo, j que a morte a separao entre os

    dois. Logo, o que vem a ser a alma e qual a distino entre a sua

    representao de alma e aquela vinda da pica? Por que o filsofo descreve

    uma nova imagem do Hades onde as tm conscincia, discernimento e

    voz? E quais seriam as consequncias ticas dessas concepes de alma?

    Na Repblica e do Grgias Scrates constri outro Hades em linguagem

    mtica. 20 Para l, depois da morte, as almas seguem com todas as suas

    caractersticas morais, seguem conscientes e por l fazem novas escolhas,

    estas tomadas em acordo com as vidas anteriores. Em todos estes mitos

    escatolgicos, escreve ROBINSON (2007, 168):

    19

    Por Perimedes e Eurcolo as vtimas foram sustidas;/e eu, arrancando da espada cortante de junto da coxa,/um fosso abri, que de todos os lados um cvado mede,/e libaes, sua volta, fizemos a todos os mortos:/primeiramente, de mel misturado; depois, de bom vinho;/de gua a terceira, espalhando farinha por cima de tudo./Frvidos votos alcei s cabeas exangues dos mortos,/de, quando em taca, em casa, uma vaca imolar-lhes estril,/a de melhor aparncia, queimando preciosos objetos,/e que a Tirsias, parte, um carneiro tambm, mataria,/negro sem mancha, o que em nossos rebanhos os mais excelesse./Tendo assim, pois, dirigido meus votos ao coro dos mortos,/tomo as duas reses e em cima do fosso as mantenho cortando-lhes/logo o pescoo. Escorreu sangue negro. Em tropel afluram/do rebo escuro provindas, as almas de inmeros mortos (HOMERO, Odissia, XI, 23-37).

    20

    No final do Fdon h tambm passagens descrevendo o Hades. Para este trabalho preferiu-se abordar mais adiante o dilogo em questo especialmente naquilo que tange ao tema do bem viver.

    http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=yuxh%5C&la=greek&can=yuxh%5C1&prior=do/moisihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=do%2Fmoisi&la=greek&can=do%2Fmoisi0&prior=*)ai/+daohttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=*)ai%2F%2Bdao&la=greek&can=*)ai%2F%2Bdao0&prior=ei)nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=yuxh%5C&la=greek&can=yuxh%5C1&prior=do/moisihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ei)%2Fdwlon&la=greek&can=ei)%2Fdwlon0&prior=kai%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=fre%2Fnes&la=greek&can=fre%2Fnes0&prior=a)ta%5Crhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=fre%2Fnes&la=greek&can=fre%2Fnes0&prior=tehttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=skiai%5C&la=greek&can=skiai%5C0&prior=de%5C

  • 16

    a alma vista como um contraponto ou um duplo da pessoa que nos conhecida na vida atual. Ela se candidata ao nome de pessoa porque mostrada como um agente moral livre e responsvel, capaz do bem e do mal mesmo em seu estado desencarnado. Suas alegrias e seus castigos e os lugares nos quais se espera que ocorram so simplesmente verses glorificadas de contrapartidas terrenas.

    Ou seja, as almas uma vez despidas do corpo no so meras

    sombras ou espectros, permanecem com as qualidades naturalmente

    existentes, ou adquiridas em vida (Rep., 618d). Uma destas qualidades

    inteligncia: as nossas almas ( ) existiam j, independentemente de

    um corpo ( ) e dotadas de inteligncia () Fdon, 76d.

    O mito de Er (captulo X da Repblica) antecedido de uma discusso

    contrastando homens justos e homens injustos. De um lado, os prmios,

    recompensas e ddivas que o justo recebe, em vida, dos deuses e dos

    homens, do outro, os males sofridos pelos injustos. Ressaltando, sobre o

    justo, que esses (prmios,...) nada so, em nmero nem em grandeza, em

    comparao com os que aguardam cada um depois da morte (Rep., 613d-

    614a).

    A verdade que o que te vou narrar no um conto de Alcino, mas de

    um homem valente, Er o Armnio Panflio de nascimento (Rep., 614b). Assim

    comea Scrates a contar o mito a Glauco de quando encontraram entre os

    corpos em decomposio de combatentes mortos h dez dias, o corpo de Er

    em perfeito estado.21 No dcimo segundo dia, sobre a pira, Er desperta e narra

    o caminho feito pela sua e por muitas outras almas at uma terra onde os

    juzes julgavam-nas e dali elas seguiam para diferentes caminhos, conforme a

    sentena recebida.22 Sentenciados, os justos () seguiam o caminho

    21

    Como bem observa a tradutora Maria Helena da Rocha Pereira: Os contos narrados por Odisseu a Alcino, rei dos Fecios, nos cantos IX a XII da Odissia, so todos de carter fantstico. Entre eles, figura uma descida ao Hades (canto XI), que refora o paralelismo com a histria de Er (1990, 487, nota43). 22

    Para PENEDOS (1992, 41) a viagem de Er constitui uma experincia xamanstica. A alma separa-se do corpo, empreendendo uma vigem ao mundo dos mortos, observa o que l se

    http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=dikai%2Fous&la=greek&can=dikai%2Fous0&prior=me%5Cn

  • 17

    direita e para cima; os injustos (), o da esquerda e para baixo (Rep.,

    614c). A Er disseram-lhe que deveria ser o mensageiro, junto dos homens, das

    coisas do alm.

    Ora ele viu que ali, por cada uma das aberturas do cu e da terra, saam as almas, depois de terem sido submetidas ao julgamento, ao passo que pelas restantes, por uma subiam as almas que vinham da terra, cheia de lixo e p, e por outra desciam as almas do cu, em estado de pureza. E as almas, medida que chegavam, pareciam vir de uma longa travessia e regozijavam-se por irem para o prado acampar, como se fosse uma panegrica (Rep., 614e-615a).

    Er relata as penas, castigos e vantagens recebidos pelas almas que de

    l seguiam ao encontro da Necessidade e de suas filhas: Lquesis, Cloto e

    tropos.23 As almas, ao chegarem, logo se aproximavam de Lquesis. Um

    profeta, depois de orden-las, do colo da deusa pegava lotes () e

    modelos de vidas ( ) que eram atirados e cada um pegava

    aquele prximo de si (Rep., 617d). Na ocasio da escolha por uma nova alma

    segundo o relato de Er dois elementos estavam em jogo. O primeiro era a

    sorte, pois um sorteio definia a ordem para a escolha dos lotes de vida humana

    e animal das vrias espcies e em nmero superior aos presentes (Rep.,

    618a).24 Depois, o discernimento, visto que a maioria das almas oscilava, a

    cada escolha, entre um lote mau e um lote bom, isso por praticarem as virtudes

    de acordo com os hbitos da vida anterior

    ( ), e no por uma reflexo filosfica.25 A

    passa, e regressa de novo ao corpo. E neste mundo, o xam, detentor da sabedoria das coisas divina, d aos membros da comunidade as indicaes que julga teis. 23

    Tanto no Grgias (525a-526a) quanto na Repblica (615c-616a), Plato ilustra os castigos recebidos por um tirano no alm. Naquele, menciona Arquelau; neste, descreve os castigos sofridos por Ardireu o Grande (Rep., 615c). Os tiranos so pessoas que cometeram os derradeiros pecados e se tornam por isso incurveis, esses servem de escarmento; se eles prprios j no tiram nenhum proveito, por incurveis, seu exemplo aproveita a outros, a quantos os vem sofrer, pela eternidade, por causa dos pecados, os maiores, mais dolorosos e temveis sofrimentos meros avisos pendurados l no Hades, no calabouo, para espetculo e advertncia perptua aos faltosos, medida que chegam (Grgias, 525c-d). 24

    A sorte no era fator determinante, pois mesmo para quem viesse em ltimo lugar, se escolhesse com inteligncia e vivesse honestamente, esperaria-o uma vida apetecvel, e no uma desgraada (Rep., 619b traduo ligeiramente modificada). 25

    O que mais acontecia s almas era fazerem a permuta entre males e bens. que se cada vez que uma pessoa chega a esta vida, filosofasse sadiamente ( ), e no lhe

    http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)di%2Fkous&la=greek&can=a)di%2Fkous0&prior=de%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=klh%2Frous&la=greek&can=klh%2Frous0&prior=gona/twnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=klh%2Frous&la=greek&can=klh%2Frous0&prior=gona/twnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=klh%2Frous&la=greek&can=klh%2Frous0&prior=gona/twnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=bi%2Fwn&la=greek&can=bi%2Fwn0&prior=kai%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=paradei%2Fgmata&la=greek&can=paradei%2Fgmata0&prior=bi/wnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=tou%3D&la=greek&can=tou%3D0&prior=ga%5Crhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=prote%2Frou&la=greek&can=prote%2Frou0&prior=tou=http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=bi%2Fou&la=greek&can=bi%2Fou0&prior=prote/rouhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ta%5C&la=greek&can=ta%5C0&prior=bi/ouhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=polla%5C&la=greek&can=polla%5C0&prior=ta%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ai(rei%3Dsqai&la=greek&can=ai(rei%3Dsqai0&prior=polla%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=u(giw%3Ds&la=greek&can=u(giw%3Ds0&prior=a)fiknoi=tohttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=filosofoi%3D&la=greek&can=filosofoi%3D0&prior=u(giw=s

  • 18

    exemplo de Orfeu, a quem vira escolher uma vida de cisne, por dio raa

    das mulheres, porque devido a ter sofrido a morte s mos delas, no queria

    nascer de uma mulher (Rep., 620a-b).

    Neste mito importante notar-se a conciliao entre liberdade e destino. Convir dizer que a ideia de destino desempenhou um papel relevante na mentalidade do Grego: a ideia-chave seria a de que a sorte estava traada desde o nascimento. certo, porm, que existia igualmente, o ponto de vista de que pretendia ilibar os deuses desta responsabilidade. (...) Para Plato o modelo de vida no imposto, ele escolhido, entre vrios, daqueles oferecidos alma. Aps a escolha, o modelo de vida irreversvel e nesse momento estamos perante a predestinao (PENEDOS, 1992, 41-42).

    Ou, nas palavras de Scrates: A responsabilidade de quem escolhe.

    O deus isento de culpa (Rep., X, 671e). Valendo-se do mito, Scrates

    adverte que tanto na vida quanto no alm dado ao indivduo diferenciar e

    escolher entre o justo e o injusto, conforme a possibilidade ( ), e

    a cincia () Rep., 618b-c.26

    A melhor escolha tanto em vida () quanto na morte () feita a partir da distino, tendo em conta a natureza da alma), entre a vida pior (aquela que tornaria a alma mais injusta); e a melhor vida (aquela que levaria a alma a ser mais justa Rep., X, 618d).

    coubesse em sorte escolher entre os ltimos, teria possibilidades, segundo o que se conta das coisas do alm, no s de ser feliz () aqui, mas tambm de fazer um percurso daqui para l, e novamente para aqui, no pela aspereza da terra, mas pela lisura do cu (Rep., 619d-e). Desse modo, escreve ROBINSON (2007, 169): a vida filosfica da Repblica, alm de garantir a completa satisfao do esprito nesta vida, tambm vista como uma etapa preliminar indispensvel para a beatitude eterna na prxima.

    26

    Na Repblica e no Fdon, Scrates distingue a virtude praticada por hbito daquela advinda da filosofia. (Rep., X, 619d) Comenta ROBINSON (2007, 169): Parece que a virtude () praticada pela maior parte da humanidade tem mais ou menos tanto valor no plano tico quando a opinio verdadeira no plano epistemolgico. No Fdon, os resultados disso so bastante ruins; o homem que praticou meramente a virtude popular (isto , virtude sem inteligncia) nesta vida pode esperar tornar-se um animal ou inseto em sua prxima encarnao, de acordo com seu carter (82B2-7). Na Repblica, os resultados so muito piores, pois a escolha crucial de uma vida futura e todos os riscos que a acompanham so vistos como dependendo do tipo de virtude que se tem.

    http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=poih%2Fsei&la=greek&can=poih%2Fsei0&prior=au)to%5Cnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=dunato%5Cn&la=greek&can=dunato%5Cn0&prior=poih/seihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e)pisth%2Fmona&la=greek&can=e)pisth%2Fmona0&prior=kai%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=zw%3Dnti%2F&la=greek&can=zw%3Dnti%2F0&prior=o(/tihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=teleuth%2Fsanti&la=greek&can=teleuth%2Fsanti0&prior=kai%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=eu)daimonei%3Dn&la=greek&can=eu)daimonei%3Dn0&prior=e)nqa/de

  • 19

    Alm do mais, ao final de todo o percurso as almas so foradas a

    beber uma certa quantidade da gua do rio Letes (), mas aquelas a

    quem inteligncia () no salvaguarda bebem mais que as outras.

    Enquanto se bebe, esquece-se tudo (Rep., 621a).27 O que isso significa? As

    pessoas acometidas em vida por excessos bebem demasiado dessa gua, j o

    filsofo no s escolhe conforme as virtudes que o conduziram em vida, como

    bebe da gua do esquecimento na justa medida (), guiado pela reflexo.

    Assim preserva, em sua nova vida terrena, reminiscncias das vidas anteriores

    e da contemplao das coisas divinas. Logo, para alcanar a maior felicidade

    o homem deve saber sempre escolher

    o modelo intermedirio dessas tais vidas, evitando o excesso de ambos os

    lados, quer nesta vida, at onde for possvel, quer em todas as que vierem

    depois (Rep., 619a-b). Com relao reminiscncia pode-se ainda considerar:

    Tal imagem permite-nos entender bem que na alma que se encontra o saber e que ao indivduo cabe descobri-la, at que ele descubra, graas a Scrates, que seu saber era vazio. Na perspectiva de seu pensamento, Plato exprimir miticamente essa ideia, dizendo que todo conhecimento reminiscncia de uma viso que a alma teve em uma existncia anterior. Ser necessrio aprender a recordar-se. Para Scrates, ao contrrio, a perspectiva muito diferente. As questes de Scrates no conduzem seu interlocutor a saber alguma coisa e a chegar a concluses que se possam formular sob a forma de proposies sobre este ou aquele objeto. O dilogo socrtico chega, ao contrrio, a uma aporia, impossibilidade de concluir e de formular um saber. Ou antes, porque o interlocutor descobrir quo ilusrio seu saber que ele descobrir ao mesmo tempo sua verdade, isto , que, passando do saber a si mesmo, principiar a pr-se a si mesmo em questo (HADOT, 1999, 54).

    Por fim, outro mito escatolgico que pode ser aludido, aparece no

    Grgias. Scrates, retomando da pica, conta o mito de quanto os juzes foram

    nomeados para julgarem as almas que chegavam no alm. No reinado de

    Cronos e quando Zeus comea a reinar, os juzes estavam vivos e julgavam os

    vivos no prprio dia em que deveriam morrer (Grgias, 523b). Zeus, Poseido

    e Hades dividiram os poderes do pai; Zeus ficou com os cus, Poseido com

    27

    Er no bebeu da gua do Letes e assim suas vises foram preservadas e contadas aos outros homens.

    http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=*lh%2Fqhs&la=greek&can=*lh%2Fqhs0&prior=th=shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=fronh%2Fsei&la=greek&can=fronh%2Fsei0&prior=de%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=me%2Ftrou&la=greek&can=me%2Ftrou0&prior=tou=http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=eu)daimone%2Fstatos&la=greek&can=eu)daimone%2Fstatos0&prior=%5Dhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=gi%2Fgnetai&la=greek&can=gi%2Fgnetai0&prior=eu)daimone/statoshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)%2Fnqrwpos&la=greek&can=a)%2Fnqrwpos0&prior=gi/gnetai

  • 20

    os mares, e Hades com o mundo subterrneo (Ilada, XV, 187 e seguintes). Ao

    homem justo era reservada uma permanncia feliz na Ilha dos Bem-

    Aventurados. O mpio seguia para o Trtaro e sofria seus castigos. Mas muitas

    falhas no julgamento faziam chegar um e outro homem ao local indevido e por

    isso os deuses responsveis pela Ilha e pelo Trtaro foram ter com Zeus. O

    erro no julgamento estava em julg-los vivos e vestidos, pois para uma alma

    ruim adornada com belos corpos, riqueza e posio, surgia quem

    testemunhasse a seu favor (Grgias, 523c). Os juzes, tambm vestidos,

    julgavam em conformidade com as aparncias e vestimentas que

    impressionavam seus prprios corpos. Zeus ento tomou duas providncias:

    primeiro tirou dos homens o conhecimento da prpria morte, j que at aquele

    momento sabiam com antecedncia e, assim, podiam preparar-se da melhor

    forma para a apresentao diante do juiz. A segunda foi que, tanto os rus

    quanto os juzes, deveriam estar mortos e nus no julgamento no teriam nada

    alm de uma alma que olha outra alma (Grgias, 523e). Depois Zeus nomeou

    trs juzes, Radamanto, Minos e aco, para julgar os mortos na encruzilhada

    entre a Ilha e o Trtaro. As almas vindas da sia julgadas por Radamanto;

    aco, o juiz das almas vindas da Europa; e a Minos, com basto nas mos e

    cetro de ouro, caberia o voto de qualidade. Estes juzes decidiriam os rumos da

    viagem de cada alma, um destino de prazer ou de dor em acordo com o

    percurso seguido em vida.

    Neste mesmo dilogo, Scrates afirma que a morte nada mais que a

    separao () de duas coisas: a alma () e o corpo ()

    Grgias, 524b.28 O corpo e a alma conservam suas caractersticas mesmo

    depois de separados. O cadver mantm os traos fsicos do vivo ento se

    decompe; a alma, despida do corpo, deixa mostra suas caractersticas

    naturais e aquelas adquiridas e modificadas no decorrer da vida. Esta a razo

    pela Scrates aconselha para que se cuide mais da alma: porque do corpo

    so todos despidos aps a morte, apenas as virtudes e vcios que a alma

    28

    Esta concepo de morte tambm aparece no Fdon, 64c: estar morto significa isto mesmo: que o corpo, uma vez separado da alma, subsiste em si e por si mesmo, parte dela; tal como a alma, uma vez separada do corpo, subsiste em si e por si mesma, parte dele. E tambm em Anaxgoras: O sono () chega pela fadiga da ao corporal, pois um efeito corporal, no fsico; a morte a separao da alma ( ) DK B 103.

    http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=dia%2Flusis&la=greek&can=dia%2Flusis0&prior=pragma/toinhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=yuxh%3Ds&la=greek&can=yuxh%3Ds0&prior=th=shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=sw%2Fmatos&la=greek&can=sw%2Fmatos0&prior=tou=

  • 21

    carrega so vistos pelos juzes na hora do julgamento. Ainda de acordo com o

    mito, a alma seria examinada sem que se identificasse a quem pertence, com

    exceo dos poderosos; um grande rei, por exemplo, seria identificado. Do

    julgamento sairiam com a classificao curvel ou incurvel e a prescrio do

    castigo adequado. Para as falhas que houvesse correo, a punio seriam

    dores e sofrimentos tanto na Terra quanto no Hades. Enquanto os piores

    criminosos, por serem incurveis, ficariam condenados eternamente para que

    seus castigos e sofrimentos servissem de exemplo aos outros.29

    Segundo este dilogo, cuja parte final uma apologia da vida filosfica

    (PENEDOS, 1992, 39), a alma do filsofo seguiria para a Ilha dos Bem-

    Aventurados30, pois este o destino daquele que se empenhou

    em alcanar os prazeres da sabedoria, em adornar a sua alma, no com adornos alheios a ela ( ), mas com aqueles que lhe so prprios ( ) isto , moderao, justia, coragem, liberdade e verdade ( (Fdon, 114d-155a).

    O verdadeiro filosofo, ao invs de adornar o corpo com honrarias e

    riquezas, pesquisa pela verdade para sempre se tornar o melhor enquanto

    viver e para que sua alma apresente-se aos juzes to sadia quanto possvel. A

    exposio deste mito no Grgias encerra a discusso de Scrates sobre o uso

    a oratria nos tribunais, depois refletida no modo de se apresentar no

    julgamento. A ocupao do filsofo sua defesa, sua vida.

    29

    Aqueles que no so considerados suscetveis de cura devido magnitude dos seus crimes assim, a prtica de roubos sacrlegos, numerosos e avultados, de homicdios voluntrios e injustificveis face de qualquer lei, e de outros crimes de no menor gravidade a esses, o seu prprio destino impele-os a despenharem-se no Trtaro, donde no mais regressam (Fdon, 113e).

    30

    [A alma] de um filsofo, que, quando vivo, s cuidou de sua vida e no quis abarcar o mundo com as pernas; ento, com prazer, [aco] o expede para a Ilha dos Bem Aventurados (Grgias, 526c).

  • 22

    IV. Do bem morrer ao bem viver

    Para se compreender quo distinta a postura de Scrates diante da

    morte e as razes que o levam a ter esperana em um bem morrer, sero

    percorridas as passagens dos trs dilogos que representam respectivamente

    a sua defesa no tribunal, os ltimos dias na priso e os momentos derradeiros,

    tambm no crcere, quando a pena executada, a saber: Apologia, Crton e

    Fdon.

    Ao longo de sua defesa, Scrates faz consideraes sobre a morte. A

    princpio, antes de ser condenado, ele diz que ningum sabe se morrer um

    bem () ou um mal (), e que o temor da morte parte de quem se

    acha sbio, mas no o (Apol., 37b). Uma vez condenado morte, Scrates

    tende a crer que a morte seja um bem. Esta crena ele alimenta porque em

    nenhum momento de sua defesa foi advertido pelo seu daimon.31 Ora, este

    sempre alertou Scrates quando em aes e discursos conduzia-se por vias

    errneas. Mas no transcorrer do julgamento, em nada se ops defesa do

    filsofo que, ao final, sentenciado com a pena de morte. Acredita, ento, que

    o silncio do daimon indcio de que esta sentena no , como aparenta, um

    mal. Sobre o daimon que acompanha Scrates, comenta HADOT (2010, 59):

    Le daimon de Socrate, ctait cette inspiration qui simposait parfois lui dune manire tout fait irrationnelle, comme un signe ngatif lui interdisant de faire telle ou telle action. Ctait en quelque sorte son caractre propre, son vrai moi. Cet element irrationnel de la conscience socratique nest

    31

    O daimon um ser intermedirio entre os deuses e os homens, um mediador atravs do qual um ser humano entra em contato com os deuses (e vice-versa). Scrates em sua defesa, precisa justificar no s a sua crena nos deuses da cidade, mas tambm a forma como se relaciona com eles, principalmente com os daimones, principal ponto de discrdia entre a concepo pretendida por seus acusadores e a concepo grega utilizada em seu argumento de defesa. Foi por obedincia as orientaes do seu daimon que no participou ativamente na vida poltica, atuando somente quando convocado pelo seu demos, e mesmo assim, sempre agindo de acordo com a justia. Considera como prova da atuao divina sobre as suas aes o fato do seu daimon manter-se silencioso durante todo o processo, deixando com isso que ele explicasse somente aquilo que considerava necessrio a sua defesa (COSTA, 2001, 108).

    http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)gaqo%5Cn&la=greek&can=a)gaqo%5Cn0&prior=ei)http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kako%2Fn&la=greek&can=kako%2Fn0&prior=ei)

  • 23

    probablement pas tranger dailleurs lironie socratique. Si Socrate affirmait ne rien savoir, cest peut-tre quiil sen remettait, dans laction, son propre daimon et quil avait confiance dans le daimon de ses interlocuteurs.

    Considera ainda que, sendo a morte ou um sono sem sonhos,32 ou uma

    transposio para o Hades, nas duas hipteses a morte um bem. Na

    primeira, a morte resume-se a uma nica noite, uma vez que a alma

    aniquilada e so perdidas as sensaes. De acordo com a segunda hiptese,

    com a morte a alma separa-se do corpo e migra para outro lugar, o Hades,

    onde de muita felicidade encontrar os juzes, e poder examinar queles j

    mortos e condenados pelas leis divinas. Scrates ento coloca em xeque a

    sentena dos juzes, pois no a sentena final, assim sendo, no nem justa,

    nem verdadeira. A verdadeira e ltima sentena vem dos deuses.

    Caso exista o Hades, Scrates imagina, como foi visto, que nele esto

    os verdadeiros juzes ( ) Apol., 41a, os deuses Minos,

    Radamanto, aco, Triptlemo,33 e, com eles, homens e mulheres com quem

    de uma felicidade () indizvel estar junto (), conversando

    (), sujeitando-os a exame ( ) Apol., 41c.34 L

    ele imagina poder conversar com os heris do tempo passado, jax e Ssifo,

    por exemplo, condenados pelas leis divinas.

    O filsofo nutre a esperana () de um bem morrer por acreditar que

    nenhum mal () pode ocorrer ao homem justo, seja em vida, seja aps a

    morte visto que a sorte () dos humanos est sob a tutela dos deuses

    32

    Anaxgoras compara sono e morte quando escreve que h dois modos de aprendizagem () da morte (): o tempo anterior ao nascimento ( ) e o sono ( ) DK B 34. 33

    Triptlemo no est entre os juzes nomeados segundo o mito do Grgias. 34

    Considera GUARDINI (1948, 68): Socrates does not wish for annihilation as such, but he knows that the final completion of his mission and of his existence can only be brought about through death. So this appears as a transition to the real. This is expressed quite clearly in the third speech, when he explains to the judges who have voted in his favor what has taken place in the events just concluded. Death there appears as a step to the true life.

    http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=eu)daimoni%2Fas&la=greek&can=eu)daimoni%2Fas0&prior=ei)/hhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=sunei%3Dnai&la=greek&can=sunei%3Dnai0&prior=kai%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=diale%2Fgesqai&la=greek&can=diale%2Fgesqai0&prior=e)kei=http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e)ceta%2Fzein&la=greek&can=e)ceta%2Fzein0&prior=kai%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)mh%2Fxanon&la=greek&can=a)mh%2Fxanon0&prior=e)ceta/zeinhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kako%5Cn&la=greek&can=kako%5Cn0&prior=a)gaqw=%7Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=pra%2Fgmata&la=greek&can=pra%2Fgmata0&prior=tou/tou

  • 24

    (Apol., 41d).35 ignorante quanto s coisas do Hades, mas tem a convico de

    que um mal () e vergonhoso () cometer a injustia () e

    desobedecer () a um superior, seja deus ou homem (Apol., 29b).

    muito interessante constatar que aqui, conforme HADOT (1999, 61-62):

    o no-saber e o saber conduzem no a conceitos, mas a valores: o valor da morte, de um lado, o valor do bem moral e do mal moral, do outro. Scrates nada sabe do valor que necessrio atribuir morte, pois ela no est em seu poder, pois a experincia de sua prpria morte lhe escapa por definio. Mas ele sabe o valor da ao moral e da inteno moral, pois elas dependem de sua escolha, de sua deciso, de seu empenho; elas tm, portanto, sua origem nele mesmo. Ainda aqui o saber no uma srie de proposies, uma teoria abstrata, mas a certeza de uma escolha, de uma deciso, de uma iniciativa; o saber no um saber tout court, mas um saber-que--necessrio-escolher, portanto um saber-viver.

    A esperana de Scrates de que a sentena do tribunal seja um bem

    vem da convico de que no cometeu voluntariamente nenhuma injustia, e

    mesmo que no tribunal seja penalizado injustamente pelas leis humanas, no

    deve responder com injustia. Ele acredita que depois de morto algo de bom

    lhe est reservado, ocasio em que ser julgado pelos verdadeiros juzes,

    35

    Sobre a esperana () na morte so inmeras as passagens: Pensemos agora na grande esperana que h de que a morte seja um bem (Apol., 40c). Tambm vs, juzes, deveis como eu ter esperana na morte e tomar conscincia desta verdade, que nenhum mal pode acontecer a um homem de bem, nem em vida, nem depois de morrer, e que nunca os deuses se desinteressam da sua sorte (Apol., 41c-d). Por minha parte, Smias e Cebes, se no estivesse to convicto de ir para junto de outros deuses, tambm sbios e bons, e, alm disso, de me reunir pela morte a homens melhores do que estes daqui, seria erro no me revoltar por morrer. Mas no esse o caso: e, podem estar certos, se alimento a esperana de me reunir l a homens virtuosos (o que, mesmo assim, no fao questo em garantir...), muito mais me move, insisto, a de alcanar a companhia desses excelentes amos que so os deuses e isso sim, garanti-lo-ia a ps juntos, se que, neste assunto, alguma coisa pode garantir-se! Eis por que, em vez de me revoltar, me conservo, pelo contrrio, na bela esperana de que algum destino aguarda os que morrem, destino esse que, a crer na tradio, ser infinitamente mais compensador para os bons do que para os maus (Fdon, 63b-c). Se isso exato, meu amigo (Smias), ento h boas razes para confiar que, chegando ao meu destino, ali, com mais fortes possibilidades, me ser dado alcanar o fruto de tantos esforos despendidos ao longo da vida. E da que no encare sem uma alegre esperana esta viagem que agora me imposta e, como eu, qualquer outro que sentisse o seu esprito preparado e, por assim dizer, purificado (Fdon, 67b-c). Como explicar, de fato, que encarassem sem alegria essa partida para o Alm onde, ao l chegarem, h a esperana de alcanar aquilo que ardentemente amavam em vida ou seja, a sabedoria e verem-se livres da indesejvel presena do corpo? (Fdon, 68a).

  • 25

    segundo as leis do Hades. Os juzes do tribunal de Atenas, por sua vez,

    acreditam que esto fazendo voluntariamente um mal a Scrates. Scrates cr,

    por sua vez, que Zeus imputar uma pena muito pior aos juzes, que se no

    so julgados pelos homens, sero pela divindade.

    Na priso, doravante, Scrates expe a Crton o seguinte princpio: o

    que verdadeiramente importa no viver, mas viver bem ( ) Crton,

    48b.36 Neste dilogo, ele deixa de lado a ideia de que a morte seja um sono

    sem sonhos, passando a pautar os seus argumentos na de que a alma seja

    uma mudana de domiclio deste para outro lugar, o Hades (Apol., 40c). Crton

    visita Scrates na priso logo cedo tentando persuadi-lo a fugir e exilar-se na

    Tesslia. A fortuna dele, de Smias e de Cebes estariam disponveis para

    subornar os sicofantas e o filsofo poder sair de Atenas em fuga.37 Scrates

    examina a proposta de Crton em dois momentos.

    No primeiro, pergunta a Crton se eles devem considerar a opinio da

    maioria ( ) que dir, caso Scrates morra, que seus

    amigos pouco ou nada fizeram para salv-lo. Scrates mostra que a opinio da

    maioria no deve ser considerada, mas que se deve apenas dar ouvidos e

    obedecer opinio das pessoas sensatas. As boas opinies so as dos

    homens prudentes ( ), tal como so ms as dos imprudentes

    ( ) Crton, 47a.38 O ginasta, Scrates exemplifica, deve importar-

    se apenas com a opinio do mdico ou professor de ginstica, pois sofre algum

    mal quem desobedecer a estas pessoas entendidas e conhecedoras para em

    36

    There was a Socratic style of life, and the Socratic dialogue was an exercise which brought Socratics interlocutor to put himself in question, to take care of himself, and to make his soul as beautiful and wise as possible (HADOT, 1995, 269).

    37

    Meu caro Scrates, uma vez mais te peo, obedece-me [ ] e salva-te. que, se morreres, no ser para mim uma desgraa s, mas, alm de ficar privado de um amigo como no tornarei a achar outro, ainda farei aos olhos da maioria, que no nos conhece bem, nem a mim nem a ti, o papel de algum que, podendo salvar-te, se quisesse gastar dinheiro, no se incomodou. E que fama pode haver mais vergonhosa que parecer ter em mais conta o dinheiro do que os amigos? A maioria das pessoas nunca acreditar que foste tu que no quiseste sair daqui, apesar da insistncia dos nossos pedidos (Crton, 44b-c).

    38

    Pergunta Scrates a Hermgenes: E os bons () so outra coisa que prudentes ()?, Este responde: (Crtilo, 398b).

    http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=eu)%3D&la=greek&can=eu)%3D0&prior=to%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=zh%3Dn&la=greek&can=zh%3Dn1&prior=eu)=http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=tw%3Dn&la=greek&can=tw%3Dn3&prior=ai(http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=tw%3Dn&la=greek&can=tw%3Dn4&prior=ai(http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)fro%2Fnwn&la=greek&can=a)fro%2Fnwn0&prior=tw=nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)gaqoi%5C&la=greek&can=a)gaqoi%5C0&prior=d'http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=fro%2Fnimoi&la=greek&can=fro%2Fnimoi0&prior=h)%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=fro%2Fnimoi&la=greek&can=fro%2Fnimoi0&prior=h)%5C

  • 26

    troca respeitar as palavras da multido ( ) que nada percebe

    deste e de outros assuntos. Os efeitos de tal desobedincia, neste caso,

    danificam o corpo do ginasta. E segue perguntando:

    No que respeita ao justo ( ) e ao injusto (), ao feio () e ao belo (), ao bom () e ao mau (), que so o objeto atual da nossa deliberao, devemos ns seguir e recear a opinio da maioria ( ) ou to s daquele que entendido na matria (no caso de haver), a quem devemos respeitar e temer mais do que aos outros todos juntos? Certamente que, se no adorarmos a orientao deste, arruinaremos e degradaremos em ns aquela parte que sabemos tornar-se melhor pela prtica da justia e perecer pela injustia (Crton, 47d).

    Dessarte pode-se retornar questo da fuga, que em ltima anlise

    seria uma desobedincia s leis da cidade. Scrates, ao considerar se justo

    ou no sair da priso sem o consentimento da cidade,39 conclui que tal conduta

    contraria todos os seus discursos. Antes morrer vtima de uma injustia

    praticada pelos homens ( ) e ainda se livrar dos males da

    velhice ( ), a fugir de cidade em cidade perseguido durante a

    vida pelas leis humanas e, quando morto, no ser bem acolhido pelas leis do

    Hades ( ) Crton, 54c.40 Os argumentos de Scrates opem-se

    aos de Crton. O amigo, temeroso da opinio da maioria, quer gui-lo pelo que

    considera o nico caminho ( ) Crton, 46a a ser seguido, a

    saber: fugir enquanto tempo, exilar-se e escapar da morte. 41 Scrates

    considera o exlio um tipo de morte, assim como morrer exilar-se do corpo. O

    exlio () um desrespeito Ptria e s leis que o condenaram pena de

    morte no tribunal. Ele bem pde propor como pena o exlio, mas por achar que

    39

    Like the Apology, the Crito shows the connection that exists between the problem of death and that of the conscience (GUARDINI, 1948, 89). 40

    Para mim evidente que mais vantajosos morrer agora e libertar-me da velhice (Apol., 41d). 41

    O caminho a seguir s um, uma vez que tudo tem de estar feito na noite que vem. Se hesitarmos, um pouco que seja, eliminamos toda e qualquer possibilidade de xito. Por isso, Scrates, obedece-me como quiseres, mas obedece-me ( ) e no procedas de maneira diferente da que te digo (Crton, 46a).

    http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ai)sxrw%3Ds&la=greek&can=ai)sxrw%3Ds0&prior=ou(/twshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)ntadikh%2Fsas&la=greek&can=a)ntadikh%2Fsas0&prior=ai)sxrw=shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kaka%5C&la=greek&can=kaka%5C0&prior=kai%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e)rgasa%2Fmenos&la=greek&can=e)rgasa%2Fmenos0&prior=kaka%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=*(%2Faidou&la=greek&can=*(%2Faidou0&prior=e)nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=no%2Fmoi&la=greek&can=no%2Fmoi0&prior=*(/aidouhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=pei%2Fqou&la=greek&can=pei%2Fqou0&prior=*sw/krateshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=moi&la=greek&can=moi0&prior=pei/qou

  • 27

    se sasses de Atenas, no saberia o que fazer nem para onde ir, condena-se a

    uma multa de uma mina; valor elevado a trinta minas pelos fiadores Plato,

    Crton, Critobulo e Apolodoro (Crton, 45b; Apol., 38b). Ao supor sua fuga,

    Scrates imagina o surgimento das Leis personificadas na porta da priso.

    Nesta apario, as Leis dizem ao filsofo:

    Obedece-nos ( ), pois, Scrates, a ns que te criamos, e no prezes os teus filhos (), a tua vida ( ), ou o que quer que seja, mais do que a justia ( ), para que, ao chegar ao Hades, possas alegar isto em tua defesa () aos que ali governam () (Crton, 54b-c).

    Scrates, obediente, considera que os filhos e a vida so bens maiores

    segundo a opinio da maioria que imagina saber o que a morte (no caso, que

    ela seja um mal). Aquele que tem em conta apenas o essencial vive segundo

    a verdade, a piedade e a justia realiza boa defesa quando chega ao Hades.

    Deve-se, por isso, sujeitar-se as suas ordens mesmo quando considerar o

    julgamento injusto, pois Scrates defende que melhor sofrer injustia do que

    comet-la. Sendo, alm do mais, um homem velho ( ) e lhe restando

    j pouco tempo de vida ( ), ousaria desejar

    vergonhosamente mais vida, a ponto de transgredir as leis mais importantes?

    (Crton, 53b).42

    E valeria prolongar sua vida afastado de Atenas, evitando as cidades

    mais bem governadas ( ) e os homens mais civilizados

    ( ) para viver indignamente como estrangeiro?

    (Crton, 53c).43 O filsofo, conduzido pelo princpio do bem viver, mostra como

    42

    Si le dieu intervient et donne un ordre, qui renforce l'attitude morale du sage, c'est que le respect de la loi a aussi un caractre sacr: la dsobissance est une impit (Criton, 51e). On peut ici rappeler la croyance populaire l'origine divine des lgislations sans cependant y faire participer Socrate. Car ce qu'il semble accorder la tradition a pour lui une racine plus profonde dans la mtaphysique du divin, que nous avons trouve la base de sa vocation morale () l'ordre divin rejoint l'ordre rationnel, et le sage, en obisant aux lois, ne fait que suivre sa conscience confondue avec celle du divin (CALLOT, 1979, 118).

    43

    Se fores para alguma das cidades mais prximas, Tebas ou Mgara pois ambas so governadas por boas leis , ser recebido, Scrates, como inimigo da sua constituio, e

    http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=peiqo%2Fmenos&la=greek&can=peiqo%2Fmenos0&prior=*sw/krateshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=h(mi%3Dn&la=greek&can=h(mi%3Dn0&prior=peiqo/menoshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=pai%3Ddas&la=greek&can=pai%3Ddas0&prior=mh/tehttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=to%5C&la=greek&can=to%5C0&prior=mh/tehttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=zh%3Dn&la=greek&can=zh%3Dn0&prior=to%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=tou%3D&la=greek&can=tou%3D0&prior=pro%5Chttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=dikai%2Fou&la=greek&can=dikai%2Fou0&prior=tou=http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)pologh%2Fsasqai&la=greek&can=a)pologh%2Fsasqai0&prior=tau=tahttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)%2Frxousin&la=greek&can=a)%2Frxousin0&prior=e)kei=

  • 28

    seria vergonhoso viver fugitivo das leis de Atenas. A fuga justificaria a opinio

    de todos aqueles que entenderam que os juzes pronunciaram uma sentena

    justa ( ): quem corruptor () das leis

    () facilmente pode ser considerado corruptor () dos jovens

    () e dos espritos fracos ( Crton, 53b-c). Alm

    disso, Crton e os demais amigos de Scrates correriam o risco de serem

    exilados, privados do direito da cidade ou despojados de seus bens. Scrates

    estaria assim fazendo algum bem para si ou seus amigos? Escreve HADOT:

    O cuidado de si no se ope ao cuidado da cidade. De maneira igualmente notvel, na Apologia de Scrates e no Crton, o que Scrates proclama como seu dever, como aquilo pelo que deve a tudo sacrificar, mesmo sua vida, a obedincia s leis da cidade, as Leis personificadas que, no Crton, exortam

    Scrates a no deixar levar pela tentao de evadir-se da priso e fugir para longe de Atenas, fazendo-o compreender que sua salvao egosta ser uma injustia para com Atenas. () O cuidado de si , portanto, indissoluvelmente cuidado da cidade e cuidado dos outros, como se v pelo exemplo do prprio Scrates, cuja razo de viver ocupar-se com os outros (HADOT, 1999, 66-67).

    Pode-se ainda corroborar estas ideias com duas passagens do Grgias,

    nas quais Scrates diz algo prximo ao que foi visto:

    Scrates: o maior dos males vem a ser praticar uma injustia. Polo: Esse o maior?! No o maior o sofrer a injustia? Scrates: Absolutamente no. Polo: Assim, pois, tu preferes sofrer uma injustia a pratic-la? Scrates: Eu no quereria nem uma nem outra coisa; mas se fosse imperioso ou praticar ou sofrer uma injustia, eu preferiria sofr-la a pratic-la (Grgias, 469b-c).

    Mais nos devemos precaver de cometer injustias do que de sofr-las e que o principal cuidado do homem deve ser, no o de parecer, mas o de ser bom, quer em particular, quer na vida

    quantos tiverem amor sua cidade olhar-te-o com suspeita como a um destruidor das leis; justificars, assim, a opinio de todos aqueles que entendem que os teus juzes pronunciaram uma sentena justa (Crton, 53d-e).

  • 29

    pblica; que, se algum for mau nalguma coisa, precisa ser punido (Grgias, 527b).

    Considerando-se finalmente o Fdon, nota-se que o verdadeiro alvo da

    filosofia um treino para morrer e estar morto (64a). Neste dilogo so tambm

    duas as hipteses lanadas por Scrates, pouco antes de beber a cicuta, sobre

    o que seja a morte: morrer pode ser ou o extinguir das sensaes ()

    comparvel a uma noite de sono profundo; ou, se esto certos os poemas

    homricos, as almas seguem para o Hades. So as mesmas hipteses

    apresentadas no tribunal (Apol., 40c), mas que no Fdon ganham novos

    contornos.

    Se a morte for a aniquilao total, sorte dos maus, que com a morte

    livram-se do corpo, da alma e da maldade (Fdon, 107c). Esta primeira

    hiptese, sobre a natureza da alma, muito se aproxima do fragmento II de

    Terno: A vida, com efeito, seria verdadeiramente um festim para os maus que

    morrem aps terem se conduzido iniquamente, se a alma no fosse imortal.

    Se a alma () imortal (), para o Hades leva a formao

    moral e o regime de vida. Segundo Scrates, a alma o que mais vale ou

    prejudica o morto, desde o incio da viagem que o conduz ao alm (Fdon,

    107d ).44 Sendo assim, preciso zelo, pois se descuidar da alma pode ser

    perigoso. Essa viagem (re)inicia a cada nascimento com a unio da alma a um

    corpo. Estes dois, orientados pela alma, conforme uma ordenao hierrquica

    de suas partes, acumulam ao longo da vida os registros da conduta terrena.

    O mesmo daimon que acompanha cada pessoa em vida a conduz

    depois de morta para onde julgada e recebe sentena divina. Este caminho,

    que leva as almas ao Hades, no direto nem nico, da a necessidade dos

    guias para conduzi-las por suas numerosas bifurcaes e encruzilhadas

    (Fdon, 108a). A alma prudente ( ) obediente ao guia,

    enquanto a alma apegada ao corpo ( ) fica desnorteada e ningum

    quer conduzir.

    44

    Nos fragmentos considerados como rficos e em alguns poemas de Pndaro, a alma aparece independente do corpo, mas presa a ele para expiar as culpas cometidas em vidas passadas, com caractersticas prprias e, sobretudo, imortal. (OLIVEIRA, 2008, 8)

    http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ai)%2Fsqhsin&la=greek&can=ai)%2Fsqhsin0&prior=mhde%5C

  • 30

    Ora, a alma () prudente () e ordenada () segue docilmente o seu guia ( ), e nada do que encontra lhe alheio; pelo contrrio, aquela que est presa ao desejo do corpo ( ), como antes disse, sente ainda por longo tempo nsia dele e da regio do visvel, e no meio de resistncias constantes, de sofrimentos inmeros que avana, arrastada a custo e fora pelo daimon () que a tem a seu cargo (Fdon, 108a-

    b).

    As outras almas afastam-se daquela apegada ao corpo, mas mesmo

    assim, fatalmente levada a uma residncia que lhe conveniente. A alma

    pura () e moderada () tem por companheiros () e

    guias () os prprios deuses at a regio () que lhe prpria

    (Fdon, 108c).

    Por estes motivos Scrates expe a Smias porque se deve dar tudo

    para participar nesta vida da virtude () e da prudncia ():

    que a recompensa bela ( ), e grande a esperana (

    )! (Fdon, 114c).

    Os homens que de alguma forma, cuidam de sua alma ( ) e no vivem com o pensamento fito no corpo ( ), quando dizem adeus a todo este tipo de prazeres () para seguir um trilho bem diverso daqueles que no sabem aonde vo dar: pois, convictos com esto de que nada devem fazer, que seja contrrio filosofia ( ) e libertao purificadora ( ) que neles opera, na sua direo que se voltam, seguindo espontaneamente na via por onde ela os conduz () Fdon, 82d

    Como j sabido, Scrates perambulou por Atenas tentando persuadir

    seus concidados e estrangeiros a sempre melhorarem suas almas, porquanto

  • 31

    a alma a parte mais preciosa () Crton, 48a. Seu intuito alertar

    que a alma vale mais do que o corpo.45 Como se pode ler no Fdon:

    Os filsofos que o so de verdade se abstm por completo dos prazeres do corpo e lhes opem resistncia em vez de se lhes entregarem: no por temerem a runa ou a pobreza, como o comum das pessoas, em especial os que amam o dinheiro; nem tampouco por recearem o descrdito e a infmia de uma vida viciosa, como o caso dos que ambicionam o poder ou a glria, e que, por este motivo, se abstm dos ditos prazeres (Fdon, 82c).

    O maior dos bens, segundo o filsofo, est no exame que consiste no

    aperfeioamento da alma humana e na conquista dos bens e virtudes que lhe

    so prprias.46 Estes bens e virtudes, no caso de a morte ser uma mudana de

    domiclio, a alma leva para a vida imortal no Hades. Com isso, Scrates prope

    uma inverso nos valores da vida poltica, em que a morte, o exlio e a privao

    dos direitos cvicos deixam de ser os maiores males. Como concebido, as

    honrarias, a riqueza e a glria so bens externos e perecveis, enquanto o

    cuidado com a alma o que pode haver de mais perene e valioso (Apol., 29d).

    Ademais mister notar que tambm nas ltimas linhas da Apologia,

    como do Crton, fica a ideia de que s os deuses sabem o destino de Scrates

    e dos demais, e qual deles ter melhor sorte. Sendo os deuses quem

    conduzem um homem de bem, aquele que senhor de si47 e orientado pela

    45

    Nas minhas idas e vindas pela cidade, no fao outra coisa seno persuadir-vos, novos e velhos, a que no vos preocupeis mais, nem tanto, com o vosso corpo e as vossas riquezas do que com a vossa alma, para a tornares o melhor possvel, dizendo-vos que no das riquezas que nasce a virtude, mas que da virtude que provm as riquezas e todos os outros bens, tanto pblicos quanto particulares (Apol., 39a-b).

    46 O maior dos bens para o homem ( ) consiste em discorrer

    todos os dias sobre a virtude ( ) e outros temas sobre os quais me tendes ouvido conversar (), examinando-me a mim prprio e aos outros (Apol., 38a). 47

    Clicles: Que entendes por governar a si mesmo ( )? Scrates: Uma coisa simples, como toda gente; ser inteligente (), ter domnio de si ( ), senhoreando sobre os prazeres () e paixes existentes no prprio ntimo () Grgias, 491d.

    http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=me%2Fgiston&la=greek&can=me%2Fgiston0&prior=tugxa/neihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)gaqo%5Cn&la=greek&can=a)gaqo%5Cn0&prior=me/gistonhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=o)%5Cn&la=greek&can=o)%5Cn0&prior=a)gaqo%5Cnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a)nqrw%2Fpw%7C&la=greek&can=a)nqrw%2Fpw%7C0&prior=o)%5Cnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=peri%5C&la=greek&