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Caro leitor,

Em 2010, a Casa da Ciência comemora 15 anos de sonhos, desafios, conquistas e muito trabalho. Uma tra-jetória de encontros e reencontros que se concretizam no diálogo e na troca de experiências entre as mais di-versas áreas do conhecimento.

Assim também nasceu a Revista Ciência para Poe-tas, que, em seu segundo número, apresenta diferen-tes olhares e abordagens sobre a energia nuclear, am-pliando a discussão em torno de um tema tão polêmico e atual. Mais um debate que nos faz pensar nos riscos e benefícios que envolvem o fazer científico; que traz muitas perguntas, dúvidas e mostra caminhos a serem trilhados.

Conhecer a importância da descoberta dessa fonte de energia, suas diferentes aplicações – medicina, ge- ração de energia elétrica, uso bélico, indústria, agricul-tura –, sua presença em nosso dia a dia e na natureza nos permite refletir e interferir nesse debate, o que significa experimentar e viver plena cidadania.

Nuclear revela um universo rico e multifacetado sobre o assunto, reunindo artigos, poesias, teatro, artes plásticas, entrevista, quadrinhos, educação, arte e ciên-cia em um só lugar.

Nessa jornada, fica a nossa sugestão: “Quando você pensar que sabe como são realmente as coisas, descubra outras maneiras de olhar para elas”.

Boa leitura!

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2 junho2010para

PoetasCiênCia revista

A revista Ciência para Poetas é uma publicação da Casa da Ciência Centro Cultural de Ciência e Tecnologia da UFRJ R. Lauro Müller, 3 - Rio de Janeiro/RJ CEP 22290.160 tel: (21) 2542-7494 www.casadaciencia.ufrj.br

Distribuição gratuita

Direção ExecutivaFatima BritoCoordenação EditorialSimone MartinsDireção de ArtePaula WienskoskiProjeto GráficoIvan Faria - Paula WienskoskiCapaPaula WienskoskiRedaçãoAna Paula Trindade - Fernanda Cupolillo - Simone MartinsCopidesque e RevisãoFernanda Cupolillo - Simone MartinsColaboradoresAndré Bordalo - Isabel Azevedo - Kátia Mansur - Luciane Correia Luiz Carlos Lima - Maria do Socorro Moura - Monica Cristina de Moraes - Paula Vilaça - Renato FerreiraAgradecimentosAram Meguerian - Charles Cosac - Claudia Souza Justo Werlang - Lucia Bertazzo

Apoio

Imagem: MBA CulturalDireção: Marcia BrandãoAnimadores: Gero Luiz e Carlos Geovane

Reação em Cadeia

Animação feita para o equipamento multi-mídia interativo Tapete da Fissão, criado para a exposição Energia Nuclear, que simula a fissão de átomos, provocando uma reação em cadeia.

número 2 - Nuclearjunho 2010

ISSN 1983-9588

CiênCia para poetas - CiClos de palestras

Coordenação AcadêmicaIldeu de Castro MoreiraCoordenação ExecutivaAdriana Vicente - Andreza BertiBolsistaRaquel Ribeiro C. Rodrigues

Esta é uma publicação sem fins lucrativos, com imagens cedidas pelos criadores ou sob licença Commons e contratos similares ou de domínio público, com os devidos créditos, conforme informação dos autores dos textos. A retirada de créditos das imagens foi empregada a pedido dos autores ou na ausência destes.

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4 junho2010para

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Lembro da minha tenra infância, com números e equações circulando em volta do cérebro, ideias e projetos os mais variados e uma enorme curiosidade sobre tudo. Tímido e franzino, escondia-me quando algum professor perguntava quem era o “culpado” pela nota mais alta da sala em determinada matéria.

Atento a tudo, ou ao que imaginava ser o tudo, lembro-me perfeitamente de uma música cantada pelo personagem principal da telenovela Antônio Maria, lá pelos idos de 1969. Ouvi e me-morizei, quase que imediatamente, uma das mú-sicas da novela, prefaciadas pelo poema Cântico negro, do escritor português José Régio (1901-1969), que reproduzo em parte:

“Vem por aqui” – dizem-me alguns com os olhos doces Estendendo-me os braços, e seguros De que seria bom que eu os ouvisse Quando me dizem: “vem por aqui!” Eu olho-os com olhos lassos,(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)E cruzo os braços, E nunca vou por ali... [...]Não, não vou por aí! Só vou por ondeMe levam meus próprios passos...Se ao que busco saber nenhum de vós responde Por que me repetis: “vem por aqui!”?

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5junho2010 para

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Formado muito cedo em engenharia, tive como pano de fundo o incessante gosto por números e equações, além de um grande incentivo de uma família de engenheiros. Acabei aderindo às vagas das marés e tornei-me mais um engenheiro civil... Mas continuava a ecoar em minha mente o poema... “Vem por aqui!”.

Em um dia qualquer, na escola de engenharia, antes de me tornar finalmente um engenheiro, observei no meu tudo um folheto pendurado na parede com uma chamada para um curso sobre enge-nharia nuclear. Então, refleti: não seria má ideia; quem sabe não estaria ali meu uni-verso de números e equações? Processo seletivo, aceitação e início do curso. Final-mente, a grande surpresa: encontrei o que procurava! Iniciava-se, assim, um fas- cínio por um universo para mim antes desconhecido: a energia nuclear.

Não cansava de imaginar que meus números e equações descreviam um mundo literalmente radioativo: o planeta Terra, os animais, os vegetais, a água e, pasmem, o próprio ser humano... Que absurdo fantástico! E as aplicações mé-dicas? Diagnóstico, cura de câncer... E na indústria? A prospecção de petróleo, os materiais cirúrgicos, as indústrias de pa-pel, cigarro, cosméticos... E a pesquisa? Albumina, cardiopatias, melhoria gené-tica... E a produção de energia elétrica? Não podia ter feito escolha mais acertada!

Seguiram-se muito trabalho, idas e vindas pelo Brasil e ao exterior, e o aci-dente de Goiânia, em 1987. Tive, então, na- quele momento importante para a vida de muitos, a nítida sensação, junto à po- pulação, de que a minha querida energia nuclear ficara conhecida e associada no mundo a um “aborto”: a bomba nuclear! Imaginei que a população teria que en-tender o que me era essencial e fazer parte do meu tudo: a energia nuclear.

Com empenho, toda a equipe que trabalhou no acidente tornou-se da minha mais alta confiança. Mais do que um mero grupo de técnicos, vestidos de macacão, embaixo de um calor insuportável, a catar lixo e demolir casas: eram verdadeiros amigos!

A vida seguindo seu curso, passando pelo Portugal do autor do meu poema preferido “Vem por aqui”, fui convidado a dar uma aula para adolescentes em um Liceu de Lisboa. Anunciou-me a entrada o ilustre professor da matéria sobre ciência: “Alunos, apresento o Senhor Doutor que irá falar sobre energia nuclear”.

Jamais esquecerei o que se seguiu: todos em pé, empertigados, aguardando meu comando para tomarem seus assentos. Sentia os vários pares de olhos brilhando, como que esperando algo extraordinário de ser visto ou ouvido: quem sabe não tiraria aquele senhor um coelho do paletó? Ou, talvez, algo explosivo ou pirofórico não seria detonado? Subitamente, fez-se ouvir a voz tímida de uma garotinha no canto da sala, indagando se poderia fazer uma pergunta ao Senhor Doutor. Com a aquiescência do mestre, ela perguntou: “O Senhor Doutor faz foguetes?”. Contendo o riso e lembrando o quanto aprendera desde a minha entrada nesse universo nuclear, em especial com a população de Goiânia, fui enfático: “Não! Mas não acho uma má ideia...”. Consegui, por fim, convencê-los, para riso geral, que eram todos radioativos, embora não brilhassem no escuro...

Volta, então, à mente o meu poema preferido, que assim finda:

[...]A minha vida é um vendaval que se soltou,É uma onda que se alevantou,É um átomo a mais que se animou...Não sei por onde vou,Não sei para onde vouSei que não vou por aí!

Para mim, a energia nuclear, assim como o poema, se fez verdade: segui meu rumo e nunca fui por aí!

Arnaldo MezrahiCoordenação Geral do Ciclo do Combustível

Comissão Nacional de Energia Nuclear

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7junho2010 para

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O núcleo atômico é muitíssimo me-nor do que o átomo, como uma bola de futebol é menor do que o estádio. Mas a energia que rege a ligação e o movimento das partículas dos núcleos atômicos é infinitamente maior do que a energia da esfera eletrônica dos átomos ou das li-gações químicas entre eles. A energia das estrelas e das bombas A e H é de origem nuclear, assim como a das usinas nucleo-elétricas e de vários processos de radio-terapia e radiografia industrial. Isso tem uma importância tão grande quanto a be-leza da história de sua descoberta e de seu desenvolvimento.

Há pouco mais de 100 anos, foram detectadas e estudadas radiações de na- tureza desconhecida, emitidas por subs-tâncias encontradas em certos minérios, o que deu início a uma investigação do interior da matéria. Entre os pioneiros dessa nova física, vale mencionar Henri Becquerel, Marie e Pierre Curie e Ernst Rutherford. Este último denominou tais radiações de alfa, beta e gama, pela or- dem de sua descoberta, mais tarde iden-tificadas como sendo, respectivamente, iguais a núcleos do átomo de hélio, elé-trons de grande velocidade e radiação eletromagnética de altíssima frequência.

Antes que se conhecesse a consti-tuição dos átomos e se soubesse que eles tinham núcleos, essas radiações foram importantes para a própria investigação dos átomos e núcleos atômicos. Aliás, foi usando as alfas como projéteis e uma fina folha de ouro como alvo que Rutherford pôde propor um modelo atômico em que a massa dos átomos estava concentrada em minúsculos núcleos positivos, em tor- no dos quais “orbitavam” levíssimos elé-trons. Pouco depois, esse modelo foi aperfeiçoado por Niels Bohr, que fazia uso da nascente física quântica.

Desde as primeiras detecções das radiações até a formulação dos primeiros modelos de núcleo, passaram-se mais de duas décadas. Mas foi preciso outro tanto para que se alcançassem uma compreensão melhor e uma capacidade de manipulação do núcleo dos átomos. A física nuclear propriamente dita surgiu de questões sobre as massas dos elementos na Tabela Periódica, bem como da tentativa de compreender qual força seria responsável por conter a repulsão elétrica entre as cargas positivas no interior dos núcleos.

As massas dos elementos e de seus isótopos puderam ser entendidas quando se estabeleceu que os núcleos eram combinações de prótons, partículas positivas, e de nêutrons, partículas neutras. Já a intensa força atrativa que conteria a repulsão elétrica foi interpretada por Hideki Yukawa como resultante da troca de outras partículas, os mésons, para cuja descoberta contribuiu um jovem pesquisador brasileiro Cesare Monsueto Lattes.

Décadas depois, tanto os mésons quanto os prótons e nêutrons foram compreendidos como constituídos de partículas ainda menores, os quarks – protagonistas das forças nucleares ditas fortes. Outras forças nucleares, chamadas fracas, mostraram-se responsáveis pela emis-são beta, pois, como não há elétrons no núcleo, as betas são expulsas logo após sua formação, um processo – inicialmente interpretado por Enrico Fermi – em que, por exemplo, um nêutron “se transforma” em um próton e lança um elétron.

Assim, percebeu-se que, na natureza, há quatro forças fundamentais: a gravitação, que nos liga à Terra, compõe os astros e permite sua interação; a eletromagnética, que compõe os materiais, nós mesmos, os objetos, suas interações e todas as ligações químicas; e as duas forças nucleares, que só agem no interior dos núcleos, mas são responsáveis pela formação de todos os elementos, do hélio até o ferro no “forno” das estrelas e dos demais ele- mentos mais pesados nas explosões estelares das su- pernovas. Portanto, as forças nucleares não estão so-mente em bombas e reatores, mas são essenciais para a astrofísica e a cosmologia.

O conhecimento do núcleo permitiu a manipulação de seus componentes para a libertação de sua energia, em processos de fissão iniciados por Otho Hahn, mas tam- bém levou à compreensão, por Hans Bethe, da energia

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8 junho2010para

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das estrelas gerada em pro- cessos de fusão. O uso em grande escala dessa energia foi inicialmente bélico, nas bombas A desenvolvidas na Segunda Guerra Mundial e lançadas em Hiroshima e Nagasaki.

A reação em cadeia em tais bombas é um processo que pode ser contado, resumida-mente, da seguinte forma: certos isótopos do urânio e do plutônio, bombardeados com nêutrons, cindem-se em núcleos menores e emitem outros tantos nêutrons, que atingem novos núcleos, que, por sua vez, se cindirão emi-tindo mais nêutrons, em uma sequência exponencial. Assim, em frações de segundo, libera-se energia correspondente a muitos milhões de toneladas de dinamite (megatons). Para que isso aconteça, é preciso compactar alguns quilogramas dessas substâncias físseis por meio de uma explosão con-vencional. Por sua vez, uma bomba H usa uma bomba A como “espoleta”, para obter temperaturas de milhões de graus, como as do interior das estrelas, necessárias para fundir núcleos menores (como do hidrogênio ou deutério), em núcleos maiores (como o hélio), liberando uma energia ainda maior do que as da fissão. É assim que o Sol produz a energia que nos envia como luz e outras radiações eletromagnéticas ao longo de bilhões de anos. Nós, seres vivos, lhe seremos eternamente gratos, enquanto dure...

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9junho2010 para

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Nos reatores nucleares de fissão, esse processo de reação em cadeia é impossível, além de haver barras de moderação para absorção de nêutrons, sem a qual uma usina nem poderia ser desligada. É a energia dos nêutrons, freados pela água no interior do reator, que faz com que esta ferva e seu vapor a alta pressão movimente as pás da turbina, que vai girar um grande gerador. Em outras palavras, uma nucleoelétrica é um tipo de termoelétrica. O risco de acidente em uma usina dessas não é de explosão nuclear, mas de vazamento ou explosão convencional, que libere seu enorme inventário radioativo, altamente nocivo ou letal. Um reator de fusão poderia ser concebido para não liberar radiação, produziria uma “energia limpa”, mas, por enquanto, esse não é um reator de fissão nem de fusão, mas de ficção...

Mas há outros usos para o que se produz em reatores de usinas ou de pesquisa. Substâncias decor-rentes da fissão – como o cobal-to 90 ou o césio 137, frequen-temente radioisótopos emissores de gamas, alfas ou betas – podem ter, por exemplo, uso industrial na gamagrafia de peças de aço ou uso médico em radioterapia. A ló-gica da radioterapia é a de atacar um tecido vivo com células can-cerosas, com a convicção de que as células sãs se recuperarão mais eficazmente. Muito mais poderia ser dito do uso da energia nuclear, mas isso será tratado em novos textos e, quem sabe, em nossas próximas conversas.

Luis Carlos de MenezesInstituto de Física

Universidade de São Paulo

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10 junho2010para

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Falar sobre energia nuclear – como a manipulamos e como a utilizamos –, fazer uma breve abordagem dessa fantástica fonte de energia é, de certa forma, nada complicado. Entretanto, os profissionais da área, aqueles que lidam no dia a dia com as radiações, quando convidados a falar sobre o assunto, esbarram em um forte e explicável paradigma: “Energia nuclear é perigosa, mata, destrói”. Afinal, ela foi apresentada e ficou conhecida pela humanidade de uma forma terrível – bombas atômicas lançadas sobre duas cidades japonesas, durante a Segunda Guerra Mundial. Quem não viveu esse momento pode encontrar, em livros e documentários, relatos detalhados desse triste acontecimento.

COMO MANIPULAMOS E ONDE UTILIZAMOS

A ENERGIA NUCLEAR?Felizmente, e para o bem de todos, com o passar dos

anos, o homem investigou e compreendeu melhor a energia nuclear. Hoje, sabe medir as radiações, entendê-las e, mais do que isso, tirar proveito de sua interação com a matéria, especialmente com os organismos vivos. Desenvolveram-se métodos, processos e normas para utilizá-la largamente em diferentes campos do conhecimento humano.

Outro fenômeno que acontece com as radiações é que elas não são percebidas pelos nossos sentidos. Não têm cheiro, cor, sabor, som, e também não conseguimos tocá-las. Para detectar a presença de uma fonte radioativa em um ambiente, o homem desenvolveu instrumentação que permite identificar não apenas o radioisótopo, pela energia, como também o tipo de radiação.

Infelizmente, os usos da energia nuclear ainda são pouco divulgados. A geração de energia elétrica, a medicina, a indústria, a agricultura e o meio ambiente são algumas áreas beneficiadas pela radiação.

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11junho2010 para

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Geração de energia elétrica

O Brasil tem a geração hidroelétrica como sustentáculo de sua matriz energética, chegando a mais de 90% do total gerado. Por possuir grande extensão territorial e magníficas bacias hidrográficas, o país optou por esse modelo, uma das mais econômicas formas de produção de energia. Contudo, o crescimento populacional e o aumento da qualidade de vida da população fizeram com que os especialistas voltassem sua atenção para a necessidade de uma geração diversificada na busca de novos conceitos de produção. Assim, na década de 1970, aparecem as termoelétricas nucleares como uma atraente opção.

Um reator nuclear, de maneira simplificada, é uma usina térmica, que utiliza o urânio como fonte de calor, em vez do carvão ou óleo combustível. A grande vantagem das usinas nucleares é a enor- me quantidade de energia elétrica gerada, para a pequena quantidade de urânio utilizado, salien-tando que o Brasil detém uma das maiores reservas de urânio do mundo.

Medicina nuclear

Atualmente, uma das maiores contribui-ções da energia nuclear para a humanidade é a utilização das radiações no diagnóstico e na terapia de doenças, não raro procedimentos médicos impossíveis de serem realizados por métodos convencionais. Um número incontável de doenças pode ser detectado, investigado, tratado e acompanhado, utilizando-se o que chamamos de radiofármacos. Os institutos da Comissão Nacional de Energia Nuclear produ-zem diariamente cerca de oito mil doses desses fármacos. Tecnécio-99, FDG-18, iodo-131 e tálio-201 são alguns exemplos.

O modelo see and treat está sendo subs-tituído pelo predict and prevent – os médi-cos não se norteiam apenas pelas condições patológicas de seus pacientes, mas também em evidências de que determinada pessoa possa vir a desenvolver certa doença. Hoje, os radiofármacos são indispensáveis para a abordagem médica neurológica, cardiológica e, acima de tudo, oncológica.

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12 junho2010para

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Esterilização de produtos farmacêuticos, cirúrgicos e odontológicos

Utilizar uma fonte radioativa para esterilizar fios de sutura, seringas, luvas cirúrgicas, agulhas, algodão e inúmeros outros materiais médicos é rotina em todo o mundo. E no Brasil não é dife- rente. Uma fonte gama é extremamente eficiente nessa atividade, garantindo a perfeita higienização desses produtos.

Indústria

Gamagrafia é uma radiografia obtida por meio da radiação gama. Com essa técnica, defeitos inter- nos em estruturas podem ser detectados, garan- tindo a integridade estrutural de peças, compo-nentes, montagens etc. Também é usada para ins-pecionar a qualidade de soldas e partes de navios e de aviões.

Irradiação de alimentos

Segundo especialistas, as doenças ori-undas de alimentos contaminados são um dos maiores problemas de saúde do mundo contemporâneo. Assim, efetivas tecnologias são indispensáveis para aumentar a oferta de alimentos seguros e sadios. A irradiação de vários alimentos – como frango, grãos, carne de porco e pescados – reduz signi-ficativamente a incidência de doenças cau-sadas por micro-organismos. Trata-se de um processo físico que expõe o alimento, emba-lado ou não, a uma dose controlada de ra-diação gama, com os seguintes benefícios: consumo de alimentos saudáveis, aumento do tempo de prateleira, retardo do brota-mento, entre outros.

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13junho2010 para

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Arraste tecnológico

Essa é outra grande contribuição da tecno-logia nuclear para a sociedade. Devido à grande preocupação dos especialistas nucleares com a segurança e a qualidade dos materiais e equi-pamentos, no Brasil foram introduzidos novos conceitos de segurança e qualidade, absorvidos por todos os outros setores da indústria. Além disso, diversos desenvolvimentos tecnológicos, criados e aplicados na área nuclear, são ampla-mente utilizados na área convencional.

Um exemplo está no gerenciamento de re- jeitos radioativos, em que técnicos são convidados a participar de diversas comissões, nas três esferas do governo, para elaboração de dispositivos le-gais e regulamentos técnicos em gerenciamento de resíduos de serviços de saúde, tornando-se referência no Brasil.

Meio ambiente

Os traçadores radioativos são grandes aliados na monitoração ambiental. Por serem detectados, mesmo em quantidades peque-nas, mostram-se ideais para acompanhar o trajeto de poluentes no ar, na água e no solo. Uma grande contribuição do seu uso refere-se ao estudo de sedimentos como vetor de contaminação por metais pesados.

As técnicas nucleares também são muito utilizadas no meio ambiente para buscar soluções para a exploração segura e racional dos recursos naturais. Com os radiotraçadores, são desenvolvidos estudos de hidrologia de superfície, subterrânea e morfologia costeira.

Paulo Ney de Araújo BarrosCentro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear

Comissão Nacional de Energia Nuclear

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A ARTE DARADIOTERAPIA

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15junho2010 para

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A radioterapia é um dos meios de tra- tamento do câncer. Nessa técnica, são utilizadas as radiações ionizantes – que, paradoxalmente, também são indutoras do câncer – para destruir as células ma-lignas. Esse é o princípio básico, mas a técnica não é assim tão simples. Um tu-mor de bexiga, por exemplo, no interior do abdômen, será irradiado por uma fonte de radiação localizada fora do corpo humano. Mas, no caminho entre a fonte e o tumor, existe tecido saudável, que não tem câncer. Então, para danificar o mínimo possível os tecidos sãos e matar as células cancerígenas, essa irradiação deve ser feita conforme planejamentos e cálculos específicos.

Até a década de 1960, os próprios médicos radioterapeutas dosavam seus equipamentos para saber a dose de ra-diação que chegaria a um determinado ponto, calculando, então, o tempo em que o paciente deveria ser irradiado em determinadas posições, para alcançar a cura desejada.

Quando começou a ser utilizada, a radioterapia era realizada com aparelhos de raios X (mais penetrantes do que os usados em radiografias). Depois, vieram os equipamentos de cobalto-60, os de césio-137 (logo abandonados por não proporcionarem a mesma qualidade de tratamento) e, finalmente, os aceleradores lineares, que permitem irradiações com altas energias (20MV).

Com o avanço da tecnologia, os cálculos ficaram mais complicados e passaram a ser realizados pelos fí- sicos médicos, que também são responsáveis pela do- sagem do feixe de radiação que sai das máquinas e pelo controle de qualidade diário. À medida que as máquinas permitiram mais detalhamento e sofisticação das técnicas, mais difíceis se tornaram os planejamentos dos tratamentos.

A arte da radioterapia consiste em dar a maior dose de radiação possível, no volume a ser tratado, com a menor dose possível, nos tecidos sãos que circundam esse volume tumoral.

Técnicas de tratamento do câncer

O tratamento de câncer pode ser realizado por cirurgia, quimioterapia e/ou radioterapia. Essas técni-cas podem ser usadas isoladamente ou de modo complementar.

Há tumores que não respondem à radioterapia, mas respondem muito bem à quimioterapia. Em algu-mas cirurgias, é possível retirar todo o volume tumoral, sem que seja necessário outro tratamento. Em outros casos, se o médico suspeitar da existência de alguma célula cancerígena, pode indicar quimioterapia e radio-terapia, dependendo do tipo de tumor. É o médico quem determina o tratamento.

Os físicos são os responsáveis pelo planejamento do tratamento, que será realizado de acordo com as

à esquerda: Gordon Isaacs, em 1957 - primei-ro paciente a tratar um retinoblastoma por radioterapia com um acelerador linear. Isaacs perdeu uma das vistas, mas passou a en-xergar perfeitamente com a vista curada. Foto: National Cancer Institute, EUA

acima: tratamento radioterápico de pélvis. Foto: Dina Wakulchik

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16 junho2010para

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máquinas disponíveis no serviço de radioterapia e com a indicação do médico. Tudo isso, com o objetivo de dar a maior dose possível, no volume tumoral, e a menor possível, nos tecidos sãos.

Outro profissional envolvido nesse processo é o técnico, que, diariamente, atende o paciente e executa o procedimento com a máquina. Esse procedimento é muito importante, pois a região a ser irradiada deve estar perfeitamente posicionada embaixo do feixe de radiação. Senão, o que está bom poderá ser irradiado e o que está ruim deixará de ser irradiado.

Proteção radiológica e controle de qualidade

Nesse campo da medicina, é importante proteger quem não precisa ser irradiado, ou seja, as pessoas que estão próximas e os trabalhadores que atuam na área, di-reta e indiretamente. Isso se chama proteção radiológica. No Brasil, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) é a autoridade regulatória, responsável por licenciar a entrada de fontes de radiação no país, bem como as instalações que as utilizam. O Ministério da Saúde, por

meio das Vigilâncias Sanitárias, é o res-ponsável pelo paciente submetido a uma fonte de radiação.

O controle de qualidade dos equi-pamentos de radioterapia é realizado pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA), em atuação complementar às ações da CNEN e das Vigilâncias Sanitárias. O INCA, atra- vés de seu Programa de Qualidade em Radioterapia, avalia as condições de ope-ração dos equipamentos, realizando testes e medidas nas clínicas e nos serviços de radioterapia de todo o país.

Anna Maria Campos de AraújoPrograma de Qualidade em Radioterapia

Instituto Nacional de Câncer

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17junho2010 para

PoetasCiênCia revista

A medicina nuclear engloba o que há de mais mo-derno em diagnóstico por imagem e terapia para as mais diversas enfermidades, com o uso de elementos chamados radiofármacos. Apesar de seus inegáveis benefícios, ainda é vista com desconfiança devido aos tabus relacionados à radiação.

Mas como chegamos à medicina nuclear que co-nhecemos hoje? Essa ciência é mais antiga do que a maio- ria das pessoas imagina. A radiação foi descoberta, em 1896, por Antoine-Henri Becquerel, em sua pesquisa com o urânio. Cinco anos mais tarde, Alexandre Danlos e Eugene Boch iniciaram experiências colocando radiação em contato com lesão de pele tuberculosa. Mas foi George de Hevesy que, em 1913, propôs o “princípio do traçador”, um fundamento biológico para a especialidade, ao marcar o nitrato de chumbo com o radionuclídeo chumbo-210, mostrando sua absorção e movimento em plantas.

MEDICINANUCLEAR

UMA PEQUENA HISTÓRIA

à esquerda: cortes laterais, transversais e frontais do cérebro

manipulação de radiofármaco

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18 junho2010para

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Para compreender a importância desse feito, é pre-ciso saber que as substâncias utilizadas na medicina nuclear moderna – conhecidas como radiofármacos – são compostas por um radionuclídeo (elemento radioativo) e um traçador (composto químico ou biológico capaz de guiar o radionuclídeo até o tecido ou órgão de interesse).

O radionuclídeo é um elemento instável que pode emitir radiação única ou múltipla durante seu decaimento. Essa radiação pode ser usada para o tra-tamento de diversos tipos de câncer, entre outras patologias, além de formar imagens para diagnóstico, conforme o radionuclídeo utilizado e com o uso de equipamentos de SPECT (Single Photon Emission Computed Tomography – tomografia por emissão de fóton único) ou PET (Positron Emission Tomography – tomografia por emissão de pósitrons).

Para esses exames, é importante que os radionuclídeos fixem-se somente na área de interesse para estudo. Esse é o papel do traçador: uma substância quí-mica ou biológica capaz de interagir por afinidade somente com o tecido alvo, carregando o radionuclídeo e prenden-do-o no local durante o exame. Após algumas horas, ele será eliminado pelo organismo e também perderá sua ca-racterística instável, parando de emitir radiação.

Os radionuclídeos mais utilizados ho-je são o tecnécio-99m e o flúor-18, que possuem características importantes não só para a aquisição de imagens, mas também para a segurança em sua utilização. A evolução dos aparelhos de SPECT e PET também foi muito importante, tornando-os capazes de detectar atividades cada vez menores com menor tempo de decaimento (meia-vida). Existem exames, por exemplo, que demoram, em média, 10 minutos para a aquisição das imagens necessárias. Toda essa tecnologia, é claro, não foi descoberta de uma hora para outra. Desde os tempos de Hevesy, ela vem sendo pesquisada, transformada e aprimorada.

Somente durante a Segunda Guerra, com o advento dos reatores nucleares, os radionuclídeos passaram a ser produ-zidos artificialmente em quantidade sufi-ciente para uso médico.

aplicação de radiofármaco

Dr. Saul Hertz usa um multicontador para medir a quantidade de iodino radioativo absorvido pela tireoide, no início dos anos 1940. Foto: saulhertznd.com

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19junho2010 para

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Inicialmente, eram produzidos pou-cos radionuclídeos e as aplicações médi-cas enfocavam principalmente o estudo da glândula tireoide e suas disfunções, com a utilização do iodo-131. Como detector, utilizava-se o contador Geiger-Müller, ca- paz de mensurar a radiação emitida pe-lo radiofármaco, mas sem conseguir dis- tinguir que energia correspondia à ra-diação gama, nem gerar imagens de sua distribuição.

Um radionuclídeo é capaz de gerar vários tipos de radiação em escalas dife-rentes, interessando aqueles que podem gerar uma quantidade significativa de radiação gama e quantidades inferiores de qualquer outra radiação. Em 1951, Benedict Cassen solucionou esse pro-blema ao inventar e construir o mapeador linear e, sete anos mais tarde, Hal Anger desenvolveu a câmara de cintilação, me- lhorando a qualidade das imagens adqui- ridas. As câmaras usadas hoje são deri-vações da câmara de Anger.

Nas décadas de 1960 e 1970, houve três grandes avanços: a introdução do ra-dionuclídeo tecnécio-99m, por Paul Harper e equipe; a criação do primeiro aparelho SPECT, por David E. Kuhl e equipe; a criação do PET, por Gordon L. Brownell, Michael E. Phelps e colegas.

A razão de o tecnécio-99m fazer tanto sucesso é sua capacidade de marcar um grande número de fármacos, além de possuir meia-vida curta (seis horas), o que o tor- na aplicável ao estudo de quase todos os órgãos e sis-temas do corpo humano.

O SPECT foi rapidamente assimilado pela comu-nidade médica, mas o PET só se fixou a partir dos anos 1990, devido à meia-vida extremamente curta dos ra-dionuclídeos emissores de pósitron viáveis e ao alto cus-to de sua produção.

Hoje, é possível combinar em um único exame os sistemas de PET e CT (Computed Tomography – tomogra-fia computadorizada), melhorando a qualidade das ima-gens. Além disso, pesquisas estão sendo realizadas, in-clusive no Brasil, para obter meios de combinar o PET com a ressonância magnética. Graças a todo esse avanço tecnológico, a medicina nuclear tem se tornado cada vez mais indispensável, tanto no que se refere ao diagnóstico quanto ao tratamento de enfermidades.

Berdj A. Meguerian Renato Ferreira

Médico especialista em medicina nuclear Orientando em radiologia

Benedict Cassen e o cintilógrafo retilíneo, 1951 Hal Anger e a câmera de cintilação, 1958

acima: cintilografia de tireoide normal através de exame SPECTà direita: análise 3D de coração a partir de ima-gem SPECT

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20 junho2010para

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Para falar sobre os efeitos da ener- gia nuclear no corpo humano, é pre- ciso considerar as partículas esponta-neamente emitidas por núcleos de áto-mos radioativos, ou seja, núcleos em que há desequilíbrio de energia. Essas partículas energéticas – alfa, beta e fóton – recebem o nome de radiação ionizante, por criarem pares de íons sempre que um elétron é arrancado dos átomos que encontram em seu caminho. Inicia-se, assim, o dano biológico, com a ionização de átomos do corpo humano. Um dano que, na maioria dos casos, pode ser reparado por agentes do próprio corpo.

Imagine os efeitos de balas de armas de fogo no corpo humano. Os diâmetros de balas de pistolas e revól-veres variam de cerca de 6,0 a 12,0 mm. As balas funcionam como projéteis e podem sair da arma com velocidade aproximada de 0,2 km/s. Uma pessoa atingida por 10 balas de revólver pode sofrer sérios danos, mas não morrer, de- pendendo dos órgãos atingidos. Entre-tanto, basta uma única bala em um órgão vital, como cérebro ou coração, para matá-la instantaneamente.

O que acontece com as partículas emitidas por átomos que agem exatamente como projéteis?

No dia a dia, estamos expostos à radiação ionizante proveniente de raios cósmicos e àquela emitida por áto- mos radioativos existentes na crosta terrestre e em alimentos. Além disso, quando fazemos uma radiografia, uma tomografia ou um exame de medicina nuclear, nosso corpo é atingido por um número imenso de projéteis subatômicos. Sabemos, por exemplo, que, ao fazer uma radiografia de tórax, incidem sobre ele cerca de um bilhão de fótons.

Algumas características das partículas alfa e beta - o alcance é a distância percorrida até parar

Partícula massa energia alcance alcance (kg) de emissão no ar (cm) no tecido (MeV) humano (cm)

alfa 6,64x10-27 3,0 1,67 0,010

5,0 3,50 0,021

beta 9,1x10-31 1,0 420 0,50

3,0 1260 1,50

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21junho2010 para

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Partícula alfaConstituída de dois prótons (p) e dois

nêutrons (n), é emitida espontaneamente de núcleos de átomos radioativos pesados. A energia com que é emitida está entre 3 e 9 MeV (milhões de elétron-volts), de-pendendo do núcleo. A energia de uma partícula alfa emitida com 5,0 MeV, em unidades do sistema internacional, vale 8,0×x 10-13 J (joules) e, quando calculamos sua velocidade, obtemos 15.520 km/s, um valor altíssimo, equivalente a cerca de 5% da velocidade da luz. Essa partícula, ao ionizar átomos que encontra em seu cami-nho, vai depositando energia até parar. Como uma partícula alfa perde, em média, 34,50 eV em cada ionização, ela forma 145.000 pares de íons no tecido muscular, antes de parar.

Partícula betaHá dois tipos: beta menos (b-) e beta mais (b+). Quando

essa radiação foi descoberta por Ernest Rutherford, em 1899, foi assim chamada por não se conhecer sua natureza. Posteriormente, descobriu-se que a partícula b- é um elétron e a partícula b+, um pósitron, idêntico ao elétron, diferindo apenas na carga elétrica que é posi-tiva. A partícula b- é emitida juntamente com outra par-tícula, chamada antineutrino (V

e ), do núcleo de áto-

mos radioativos com excesso de nêutrons em relação a prótons. A partícula b+, por sua vez, é emitida do nú-cleo de átomos com excesso de prótons em relação a nêutrons juntamente com um neutrino (V

e ). As equações

de decaimento do nêutron e do próton que criam a partícula b- e b+, respectivamente, são:

n a p + b- + Ve

p a n + b+ + Ve

As partículas beta também agem como projéteis, ionizando os átomos que encontram em sua trajetória. Como o antineutrino e o neutrino praticamente não inte-ragem com a matéria, não depositam energia no meio. Um valor típico de energia com que uma partícula b é emitida é 1,0 MeV, com velocidade próxima à da luz. Essa partícula produz ao redor de 30.000 pares de íons na distância de 5,0 mm, no tecido muscular, visto que gasta 33,97 eV em cada interação de ionização. O poder de ionização de uma partícula beta é bem menor do que o de uma partícula alfa. Uma partícula b percorre uma distância bem maior do que a de uma partícula alfa de igual energia, como se pode ver na tabela da página anterior.

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22 junho2010para

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células de um dado órgão morrem, diz-se que o efeito biológico é do tipo reação tecidual e, nesse caso, o órgão passa a funcionar mal. É nisso que se baseiam os tratamentos de câncer com radiação – a radioterapia. Os tecidos mais sensíveis ao dano biológico são os formadores de sangue, a mucosa que reveste o trato gastrintestinal e a pele.

dano leve, com quebra de ponte de hidrogênio (na parte de cima), causado por um fóton e um dano devastador causado por uma partícula pesada como partícula alfa (embaixo) em duas fitas de DNAIlustração: nasa.gov

FótonOs raios X e os raios gama têm caráter dual, isto

é, comportam-se como onda eletromagnética e como partícula, e propagam-se com a velocidade da luz, 300.000 km/s. A partícula de raios X ou gama, batizada como fóton, não possui carga elétrica nem massa de re-pouso. Os raios X originam-se da eletrosfera dos átomos que constituem o alvo dos tubos de raios X, isto é, não provêm do núcleo. Já os raios gama originam-se do núcleo de átomos radioativos. Os raios X, amplamente utilizados em diagnóstico médico, são produzidos apenas quando os tubos estão ligados na tomada, ao contrário dos raios gama, que são emitidos espontaneamente do núcleo de átomos radioativos, processo sobre o qual não podemos atuar. Os fótons perdem toda ou quase toda a energia em poucas ou apenas uma interação com átomos do meio.

As partículas aqui descritas são emitidas com energia e agem exatamente como projéteis lançados por armas de fogo; claro, guardadas as devidas proporções. Sendo essas partículas extremamente pequenas e energéticas, podemos nos perguntar quais devem ser seus alvos. A hipótese dos cientistas é a de que seus principais alvos sejam os ácidos desoxirribonucleicos (DNA) con-tidos no núcleo das células, principais constituintes dos cromossomos. A molécula de DNA, portadora de informação genética, é constituída de duas hélices an-tiparalelas (duas fitas) interconectadas por pares de bases, ligadas por pontes de hidrogênio. Os DNAs são moléculas muito grandes, com um número imenso de átomos ligados uns aos outros por forças elétricas. Um desses projéteis energéticos, ao atingir um átomo de uma molécula de DNA, pode arrancar um elétron e quebrar o equilíbrio elétrico existente.

Uma vez que o corpo humano tem vários recursos para a correção de danos, em geral, danos pequenos podem ser corrigidos.

Entretanto, danos grandes no DNA muitas vezes não são corrigidos e, consequentemente, propagam-se para o cromossomo, podendo resultar em mutação cromossômica. Quando o dano no cromossomo é gran-de, a célula pode morrer. Se o número de partículas que incidem em um corpo é muito grande, e muitas

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23junho2010 para

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Imagine, agora, que o dano no cromossomo não tenha sido tão grave a ponto de causar a morte da célula, mas que tenha ocorrido mutação cro-mossômica. A célula assim danificada continua a se multiplicar. Com o passar do tempo, outro projétil pode causar dano similar em algum sítio próximo ao anterior e, quando cerca de quatro desses danos tiverem ocorrido em lu-gares estratégicos, um câncer pode ter se formado. Esse é o chamado efeito estocástico – probabilístico e tardio –, cuja detecção pode ocorrer até 40 anos após a primeira exposição.

cromossomos dentro do núcleo da célula, cromossomo com braços, centrômero e molécula de DNA com pares de bases Ilustração: genome.gov

O processo de formação de um câncer deflagrado por um projétil subatômico é probabilístico. Geralmente, ocorre de modo silencioso e invasivo, podendo ficar latente durante dezenas de anos. É por esse motivo que qualquer exposição à radiação ionizante deve ser feita criteriosamente, considerando riscos e benefícios.

Emico OkunoLaboratório de Dosimetria

Depto. de Física Nuclear/Instituto de FísicaUniversidade de São Paulo

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24 junho2010para

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tratamento e armazenamento dos rejei-tos radioativos. Com essa preocupação, projetos de reatores nucleares que inci-neram os rejeitos à medida que produzem eletricidade estão sendo desenvolvidos. Nesse caso, a incineração refere-se à redução do tempo de vida dos rejeitos radioativos.

Há inúmeras aplicações da energia nuclear que são importantes para a so-ciedade em diferentes campos, tais co-mo: medicina, agricultura, indústria, ar- queologia, meio ambiente.

Na medicina, os radioisótopos pro- duzidos em reatores nucleares são asso-ciados a substâncias químicas para a produção de radiofármacos, largamente utilizados em diagnósticos e tratamentos médicos. Radiações nucleares também são usadas como terapia para a destruição de tumores cancerígenos. Produtos ra- dioativos podem ser injetados para iden-tificar anormalidades ou obstruções nas artérias coronárias, como alternativa ao diagnóstico feito por cateterismo. Eles também podem detectar tumores em

No imaginário popular, a energia nu- clear está quase sempre associada à ex- plosão de uma bomba atômica ou a aci-dentes em reatores de usinas. Mas, para compreender melhor o tema, é preciso conhecer fatos históricos que estão en-volvidos em uma dimensão técnica, polí- tica, econômica e social. O uso da fissão nuclear como fonte de geração de energia tem despertado um forte debate ao longo de sua curta história, com uma clara pola-rização entre grupos plenamente a favor e outros radicalmente contra. Por outro lado, há um consenso de que a energia nu- clear tem inúmeras aplicações, das quais a sociedade não pode prescindir.

A complexidade tecnológica que en- volve a decisão sobre o uso da energia nuclear na geração de energia e a pro-dução de rejeitos radioativos que sobre-vivem milhares de anos são aspectos que sempre aparecem quando se menciona a opção nuclear. No entanto, avanços tecnológicos nas duas últimas décadas aumentaram a segurança das instalações nucleares e ampliaram as opções de

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25junho2010 para

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órgãos que, por características próprias, concentram certos tipos de substâncias químicas.

Na agricultura, é usada, principal-mente, na conservação de alimentos, os quais recebem uma quantidade controlada de radiação gama, que não altera suas propriedades, mas destrói bactérias, fun- gos e outros micro-organismos, sem pre- judicar a saúde dos consumidores. Essa aplicação ajuda a minimizar o sério pro-blema da perda por apodrecimento de quase um quarto da produção agrícola.

Na indústria, as radiações nucleares são utilizadas, entre outros exemplos, no controle das espessuras de tecidos e papéis, no controle da qualidade das sol-das em estruturas metálicas, na detecção de vazamentos de líquidos poluentes e no processo de esterilização de diversos produtos, como seringas e materiais cirúr-gicos em geral.

O metabolismo das plantas pode ser acompanhado por meio de traçadores ra-dioativos, determinando as substâncias necessárias ao seu crescimento. Outra aplicação importante é o uso da radiação para erradicar pragas e insetos, pela es-terilização dos insetos machos.

O uso da energia nuclear para todas essas aplicações é dependente da pro- dução de radioisótopos em reatores projetados para esse fim. A característica principal desses reatores é o alto enri-quecimento do urânio de seus elementos combustíveis (em torno de 20%), muito superior ao enriquecimento dos elementos combustíveis dos reatores nucleares para geração de eletricidade. No Brasil, está em fase inicial o projeto de um reator totalmente nacional para a produção de radioisótopos e outras aplicações, deno-minado Reator Multipropósito Brasileiro.

Para a produção de eletricidade até o final de 2009, segundo dados da Agência Internacional de Energia Atô-mica (AIEA), estavam em operação, em 32 países, 436 usinas nucleares – apro-ximadamente, 16% do total da energia elétrica produzida no mundo.

Nas décadas de 1970 e 1980, dois grandes acidentes na indústria nuclear causaram graves impactos no desen-volvimento dessa tecnologia e no meio ambiente. Eles ocorreram nas usinas nucleares Three Mile Island (Estados Unidos) e Chernobyl (Ucrânia), em con-sequência de uma combinação de falhas de componentes e erros humanos. Na usina de Chernobyl, também houve defi- ciências de projeto; em particular, a ine- xistência de um edifício de contenção para impedir a liberação de radioativida-de no meio ambiente.

Após o acidente de Chernobyl – considerado o mais grave, com perdas de vidas humanas –, houve grande retração na construção de usinas nucleares em todo o mundo. Muitos países optaram por uma moratória e decidiram não encomendá-las, mas investiram forte-mente na extensão do tempo de vida das usinas que já existiam. Na prática, correspondeu a uma expansão de médio prazo na geração de eletricidade pela via nuclear. Originalmente, as usinas foram projetadas para operar, em média, durante 40 anos; posteriormente, esse período foi estendido para 60 anos. Ou seja, houve um aumento de 20 anos na utilização das usinas nucleares já existentes, resultando na expansão da geração termonuclear e no aumento do retorno econômico do investimento realizado.

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26 junho2010para

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Com o grave problema da emissão dos gases causadores do efeito estufa por fontes de geração de eletricidade, contribuindo para sérias mudanças climáticas, a energia nuclear renasceu mundialmente como opção energética, a partir da década de 1990, por não emitir esses gases durante a operação das usinas. Atualmente, há 55 usinas nucleares sendo construí- das em todo o mundo. No Brasil, a construção de An-gra 3 está autorizada e o planejamento da Empresa de Pesquisa Energética prevê a construção de quatro a oito usinas nucleares até o ano de 2030.

Um aspecto relevante é o domínio pelo país do ciclo do combustível nuclear, com o desenvolvimento tecnológico nacional do enriquecimento isotópico. Essa etapa do ciclo do combustível nuclear, de domí- nio restrito em nível internacional, era uma lacuna que criava forte dependência em relação aos países que possuem o domínio de tal tecnologia. Situação inadmissível para um país como o Brasil, com a sexta maior reserva de urânio do mundo e um enorme potencial de aproveitamento para a geração de energia elétrica.

A produção de rejeitos radioativos é a principal desvantagem da geração termonuclear. Os rejeitos radioativos são classificados nas categorias de re-jeitos de baixa, média e alta atividade, conforme a duração da vida dos materiais nucleares. Na última categoria, está incluído o combustível nuclear quei-mado para a geração de eletricidade. No combustí-vel nuclear queimado, há muitos produtos da fissão nuclear que são radioativos, com sobrevida de mi-lhares de anos. Os produtos de fissão são fontes de calor e de radiação do combustível queimado. Pou- cos combinam intensa radiação e longa vida, mas são problemáticos para o depósito definitivo dos rejeitos. Ainda não há em operação um depósito permanen- te de rejeitos radioativos de alta atividade. No Brasil, o volume total desses rejeitos é relativamente baixo, o que não gera pressões na busca de uma solução definitiva.

O uso da energia nuclear é indis-pensável em diferentes campos da ati- vidade humana; no entanto, são ne-cessários mecanismos institucionais na- cionais e internacionais para assegurar seu uso adequado. A Agência Interna-cional de Energia Nuclear (AIEA), cria- da em 1957, é o organismo internacional responsável das Nações Unidas pela fis- calização e promoção, de modo seguro e pacífico, da tecnologia nuclear. A AIEA tem sido responsável por vários acor-dos de não proliferação de armas nu- cleares. No Brasil, a fiscalização e o de- senvolvimento da tecnologia nuclear são algumas das atribuições da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). No entanto, pelo possível conflito de interesses, essa estrutura é inadequada, sendo necessária a separação dessas funções em instituições independentes.

No âmbito da pesquisa e do de-senvolvimento tecnológico de novas concepções de reatores nucleares, foi criado, em 2009, com o apoio do Mi- nistério da Ciência e Tecnologia, o Ins-tituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Reatores Nucleares Inovadores, com sede na COPPE/UFRJ, envolvendo ou-tras instituições de pesquisa, entre elas: Instituto de Engenharia Nuclear, Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, Departamento de Engenharia Nuclear da UFMG e o Instituto Militar de Engenharia.

Aquilino SenraPrograma de Engenharia Nuclear/COPPE

Universidade Federal do Rio de Janeiro

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27junho2010 para

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28 junho2010para

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PoeSias

HISTÓRIA DE UM ÁTOMO (ETERNIDADE DA MATÉRIA)Rodolfo Teófilo

Fui átomo de rocha, fui granito,Fui lava de vulcão, fui flor mimosa,Sutil perfume, nuvem borrascosaManchando a transparência do infinito.

Vaguei no espaço... errante aerolitoTranspus mundos de essência vaporosa.De santos fui artéria vigorosa,O coração formei a ser maldito.

Nasci com a Terra; gaz eu fui com ela,Estive de Princípio na procela,Fui nebulosa, sol, planeta agora.

Há cem mil séculos vivo m’encarnando,Águia n’altura, verme rastejando,Pólen voando pelo espaço afora.

Fot

o: n

asa.

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29junho2010 para

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A MÁQUINA DO MUNDOAntonio Gedeão

O Universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.Espaço vazio, em suma.O resto, é a matéria.Daí, que este arrepio,este chamá-lo e tê-lo, erguê-lo e defrontá-lo,esta fresta de nada aberta no vazio,deve ser um intervalo.

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30 junho2010para

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Escrever é abrir-seàs irradiações àscontaminaçõesdo sal do sol do mercúrioao risco do rádioaos túneis do tórioàs urbes do urânioque rangem nos dormitórios da face no fundo das lápidesescritas no crânio até queem chumbo o tutanoa morreracordado até queem si mesmo a bombaiminente a esmo até que não maisou bem mais: o de repente

CRIAÇÃOIgor Fagundes

Escrever é movimentarátomos descer

porde-bai-xodeumpró-ton

sofrero nem-nêutron chocar-secontraum elétron eeletricamente gozar a energia tornada nuclearem alguma usina íntima

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31junho2010 para

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Escrever étrans formar isópotos empalavras isótonosem páginas e vice- -versaformar os mapas quânticosde um verso: verterem silêncio nas mãos o big bang de cada dia chamar os nomes aos vãosdo espaçodo tempo estender o braçoao repouso(im)possíveldo vento ali onde o deusé – aqui – (onde?)o inter- valo de cadamomento

Escrever édisparar o momento em que o momentose disparana partículadas ondas em ondas de partículasé rezarc.......... a( )o------ sem toda físicae química a delirarseus para- digmas seus pára-quedas ao ar que se respiraao mirar-seno espelho da poesia que ele é capaz de serpor ser capaz

de se escrever

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32 junho2010para

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33junho2010 para

PoetasCiênCia revista

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O TEMPO DECORRIDO REGRESSA A UM NADA TUBULAR

Márcio-André

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É possível que dentro de cada átomo exista um deus. E é possível que o peso de tais deuses, no conjunto dos átomos, crie a chamada gravidade. Todo sonho é feito de átomos, todo poema é feito de átomos. Todo sonho pesa – há sonhos guardados dentro de pedras. Dentro de cada pedra, portanto, há um poema e uma cidade. E é lá – no sonho – que a cidade encontra sua densidade de água: pedra-água.

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34 junho2010para

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Os

Aut

ores

Marco LucchesiEscritor, poeta, tradutor, ensaísta, professor de Literatura Comparada na UFRJ e editor e curador da Biblioteca Nacional. Autor de diversos livros, como Ficções de um gabinete ocidental, Meridiano celeste e A memória de Ulisses, recebeu prêmios nacionais e internacionais. Organizou antologias de Artaud e Leopardi e traduziu obras de Umberto Eco, Rilke e Rumi, dentre outros. É editor das revistas Poesia Sempre e Tempo Brasileiro.

à direita: painel e poesia expostos no National Peace Momorial Museum, Hiroshima, Japão

www.pcf.city.hiroshima.jp

André CarneiroPoeta, contista, romancista, cineasta e artista plástico, é considerado pioneiro da fotografia modernista brasileira. Além de ganhar diversos prêmios, sua obra foi traduzida em mais de 12 países e publicada em mais de 60 antologias, no Brasil e no exterior. Na década de 1950, editou o jornal literário Tentativa, com apresentação de Oswald de Andrade e ilustrações de Aldemir Martins.

Rodolfo Teófilo (1853-1932)Médico sanitarista, escritor e divulgador da ciência, desempenhou importante atividade nas campanhas de vacinação no Nordeste, há cerca de um século. Publicou diversos livros, entre contos, poesia e romances, como a obra intitulada A fome, que introduziu o realismo/naturalismo no Ceará.

Igor FagundesPoeta, jornalista, crítico literário, ensaísta, ator, mestre e doutorando em Poética, pela UFRJ. Autor dos livros de poesia Zero ponto zero, Por uma gênese do horizonte, Sete mil tijolos e uma parede inacabada e Transversais e do livro de ensaios Os poetas estão vivos – pensamento poético e poesia brasileira no século XXI, todos premiados.

Márcio-AndréAutor de Intradoxos e Ensaios radioativos, está presente em antologias nacionais e internacionais. Recebeu a Bolsa Fundação Biblioteca Nacional e ministrou cursos de poesia na Universidade de Coimbra e na UFRJ. Com o espetáculo de poesia sonora, Indivisible: Poem-polyphony for voices, violin, electronic processing, bells and whistles, realizou turnê pelo Brasil e pela Europa. Tornou-se o primeiro poeta radioativo do mundo, ao realizar performance na cidade fantasma de Pripyat, a mais contaminada pelo acidente de Chernobyl.

Antonio Gedeão (Rómulo de Carvalho, 1906-1997) Físico, escritor, professor e importante divulgador da ciência português, publicou em revistas especializadas e organizou obras sobre a história das ciências e das instituições, como A atividade pedagógica da Academia das Ciências de Lisboa nos séculos XVIII e XIX. É autor dos livros de poesia Movimento perpétuo, Teatro do mundo e Poema para Galileu, entre outros.

Vinicius de Moraes (1913-1980)Diplomata, poeta, dramaturgo e jornalista, é um dos nomes mais significativos da vida cultural brasileira do século XX. Sua vasta obra abrange literatura, teatro, cinema e música, com clássicos como Orfeu da Conceição, Soneto da fidelidade e Rosa de Hiroshima, entre tantos outros. Com a Bossa Nova, intensificou sua atuação como compositor e letrista, tendo como principais parceiros Tom Jobim, Toquinho, Baden Powell, João Gilberto, Chico Buarque e Carlos Lyra.

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35junho2010 para

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Aquele OutonoEm Hiroshima onde foi dito“Por 75 anos nada irá crescer”Novos botões brotaramNo verde que retorna à vidaEntre as ruínas carbonizadasPessoas recuperaramSua esperança de vida e coragem

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36 junho2010para

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CÉSI

Osérie

SIRON FRANCO

O fascínio pelo brilho azulado emitido pelo pó do césio-137 gerou um sonho de ri-queza em Devair, pessoa simples, dono de um ferro-velho em Goiânia. Pensava que ia dis-tribuir riqueza aos familiares, e provocou mor- te e terror em um dos maiores acidentes ra-dioativos de que se tem notícia no Brasil. A história, que envolve o costumeiro medo e fascínio que a morte gera, revelou a negligência das autoridades, a ignorância das pessoas e produziu mortes, contaminação, preconceito e revolta.

Intimamente ligado ao local da tragédia, bairro onde transcorreu sua infância e adoles-cência, Siron Franco, impulsionado pelo senti- mento de irmandade que se manifesta em momentos extremos, empenhou-se ativamen-te em todos os possíveis desfechos. Foi o porta- voz das vítimas junto às autoridades, estilizou máscaras para uma passeata que reivindicava um aterro adequado para os rejeitos radioativos. Seu ateliê se tornou ponto de apoio às vítimas e aos jornalistas e, além de telas e desenhos, esboçou monumentos, ilustrou matérias jorna-lísticas, deixando evidente o seu papel de ar-tista-cidadão, pelo qual se destacou desde o início de sua carreira. Essa atitude mostra a faceta romântica, mas engajada, do artista que acredita que a denúncia, por meio da arte, ajuda a mudar uma realidade angustiante.

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37junho2010 para

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A nuvem de temor e insegurança perante o des-conhecido que assolava a cidade impôs um desafio plás- tico ao artista. Como se daria a representação desse terror radioativo? A iconografia foi sendo construída a partir da cartografia produzida com terra goiana, que simbolicamente estava sendo enjeitada em outros estados brasileiros. As casas, as ruas, as vítimas e os animais fica- ram eternizados em desenhos traçados com tintas me-tálicas sobre papéis pretos e em telas simbolicamente

Rua 57, 1987, técnica mista s/tela, 100 x 100cm

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38 junho2010para

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incrustadas com terra, realizadas para uma exposição que pretendia arrecadar dinheiro para os lesados no acidente. O medo da contaminação, entretanto, afastou os compradores, que, ironicamente, perderam a oportunidade de ad-quirir a série mais emblemática do artista, que enfoca um tema que oferece várias releituras e desdobramentos.

O concreto que soterrou todos os rejeitos e vítimas provocou a série Vestígios, 2000, em que camas mortuárias revelam, entre outras imagens, mem-bros amputados, frutas, animais, objetos de uso cotidiano e o reflexo do Brasil em um espelho já despedaçado. Em 2009, o projeto do Museu do Césio pretendeu eternizar a memória do acidente. Toda a história do “acidente césio-137” ficará envolvida em grandes blocos de resina, com fotos, jornais e objetos usados na época em que se detectou a contaminação. Percebemos, assim, que o drama humano que afetou a cidade e o artista se desdobra em uma poética de denúncia, na certeza (ou ilusão?) de que seja possível evitar outras catástrofes.

Lucia BertazzoMestre em cultura visual/Universidade Federal de Goiás

Estudiosa da obra de Siron Franco desde 2005

série Césio, 1987, guache s/papel, 40 x 60cm

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39junho2010 para

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Rua 57, 1987, técnica mista s/tela, 110 x 90cm

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40 junho2010para

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série Césio, 1987, guache s/papel, 40 x 60cm

série Césio, 1987, guache s/papel, 40 x 60cm

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41junho2010 para

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Primeira vítima, 1987, técnica mista s/tela, 155 x 135cm

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42 junho2010para

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Rua 57, 1987, técnica mista s/tela, 110 x 90cm

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Quarta vítima, 1987, técnica mista s/tela, 155 x 135cm

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44 junho2010para

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série Césio, 1987, guache s/papel, 40 x 60cm

Siron Franco nasceu na cidade de Goiás Velho (GO), em 1947. Em 1950, mudou-se para Goiânia, onde iniciou sua carreira, recebendo seu primeiro prêmio na II Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia, em 1968. Desde então, sua obra foi exposta nas principais cidades do país e do exterior, tendo recebido várias outras premiações. Na arte pública, Siron pro- duziu alguns monumentos, com destaque para o Museu às Nações Indígenas, de 1992. Seu envolvimento político se evi- dencia em instalações produzidas, princi-palmente, em frente ao Congresso Nacio-nal de Brasília, como a bandeira brasileira com 1.020 caixões de criança, de 1990.

Leia mais sobre o artista e sua obra em www.sironfranco.com

série Césio, 1987, guache s/papel, 40 x 60cm

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45junho2010 para

PoetasCiênCia revistaacima e na página seguinte: série Vestígios, 2000, colchão em concreto,

cama-suporte em ferro, chumbo, cobre e borracha, 220 x 98 x 75cm

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47junho2010 para

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48 junho2010para

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Nos palcos da ciência

Criado em 1998, o Núcleo Arte Ciência no Palco é uma companhia teatral profissional que busca trazer, para a linguagem do teatro, da arte, questões rele- vantes do conhecimento humano. Especialmente

questões ligadas ao conhecimento dos fenô- menos naturais e suas implicações na

sociedade contemporânea.

Ao longo dessa trajetória, lidamos com vidas de cientistas que, indiscutivelmente, tiveram que enfrentar em seus trabalhos questões morais e insuspeitas dúvidas

existenciais. Nessas abordagens, procuramos fazer do objeto científico uma leitura plenamente humana, em que a poesia,

a arte e a ética possam, de alguma forma, contribuir para uma discussão mais ampla das relações entre áreas do saber.

Acreditamos no teatro como arena de múltiplas abordagens – espaço para questionamentos e rupturas –, onde o

conhecimento científico e o pensamento humano possam ser desnudados para que transpareça

a indelével ação do homem na totalidade de suas inquietações e grandezas criativas.

Difícil? Não estamos sozinhos nessa...

“Traduzir a ciência para a língua de gente”, palavras de Heisenberg, na peça Copenhagen. Esse é um dos desafios de um encontro que mostra caminhos a serem explorados: mais do que um instrumento de apresentação de ideias, o teatro pode possibilitar a reflexão crítica sobre o poder da ciência e da tecnologia em nossas vidas e suas implicações na sociedade.

Um encontro que pretende expandir as te- máticas do teatro para uma abordagem diferen-te das questões que envolvem o homem: sua ciência e os desafios e limites de quem se aven-tura a buscar o conhecimento inovador.

Os espetáculos Einstein e Copenhagen, en-cenados pelo Núcleo Arte Ciência no Palco, pro-porcionam uma reflexão sobre alguns dos mais importantes cientistas responsáveis por desco- bertas que mudaram a história do homem. Ultra-passando os limites do tempo e do espaço, as representações possibilitam, ainda, que diversas áreas do conhecimento se entrecruzem nos pal-cos: história, filosofia, física, arte tecem a rede de relações que conduzem os espetáculos.

Em cena, leituras de suas histórias.

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49junho2010 para

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Einstein“A coisa mais bonita que o homem

pode experimentar é o mistério, o desco-nhecido. É essa emoção fundamental que está na raiz de toda ciência e de toda arte. Foi a experiência do mistério, o medo do des- conhecido que fez surgir as religiões. A cer- teza de que existe algo que não podemos entender ou alcançar. Esta certeza e esta emoção são o alicerce da verdadeira reli-giosidade. E da ciência. E da arte...”

“Quando eu tinha nove ou 10 anos, eu não falava com as crianças da minha idade.

Na verdade, eu não me comunicava com ninguém. Meus pais receavam que eu fosse mentalmente retar-dado (...) Como foi que aconteceu que, mais tarde, eu fui a pessoa a desenvolver a teoria da relatividade? A razão, eu acho, é que um adulto normal não para pra pensar sobre problemas do tempo, do espaço. Essas são coisas nas quais ele pensou quando criança. Como o meu desenvolvimento intelectual foi retardado, eu comecei a pensar nisso quando já era adulto. Eu era um adulto com mente de criança. Mamãe me levou a vários especialistas e meu pai foi à escola perguntar ao Diretor qual a profissão que eu deveria seguir. – Isso realmente não tem nenhuma importância, Herr Einstein. Seu filho nunca será bem sucedido em nada.”

“Nós tivemos uma reunião, aqui, nesta sala, com todos os cientistas que escaparam da Alemanha. Eles falaram de seus medos: – E, se os nazistas construírem a bomba, eles não a usarão? Escreva uma carta, doutor Einstein. Diga ao presidente Roosevelt que tudo o que precisamos é apoio financeiro. Nós podemos construir a bomba atômica! ... Durante toda a minha vida, eu tenho sido um pacifista. Mas será que posso ser um pacifista a qualquer preço? Se eu não lutar, serei poupado? E seu eu lutar, serei alguma coisa melhor? Não, eu não posso ser comandado pelo medo. Eu tenho que usar a minha inteligência para pensar com sabedoria. Acontece que muitas vezes a sabedoria está do outro lado da inteligência. Eu não posso ter apenas bom senso com um inimigo que quer destruir a mim e ao meu povo. Se eu não puder raciocinar, deixarei de ser um ser humano. Diante disso o que é que eu fiz: eu assinei a carta.”

Albert Einstein combi- nava genialidade, profun- do senso de moral e total indiferença às convenções. De personalidade contro- versa, um tanto quanto temperamental, principal-mente em suas relações pessoais, é o símbolo de tu- do o que é novo, original e incerto na era moderna. Ao longo de sua vida, o cientista atuou em prol da paz. Doou os manuscritos de seus trabalhos científicos à Universidade Hebraica de Jerusalém e, uma semana antes de sua morte, assinou sua última carta. Foi endereçada a Bertrand Russel, na qual concordava que seu nome fosse incluído em um manifesto pedindo a todas as nações que abandonassem as armas nucleares. É esse gênio, sob o ponto de vista estritamente humano, que a peça Einstein apresenta.

Com refinado humor e extrema fran-queza, o texto fascina pela sensibilidade com que apresenta Einstein em seu aniver-sário de 70 anos, em 1949. A peça trata da relação ciência e poder e faz uma tocante reflexão sobre importantes fatos que mar-caram a sua vida e a história do século XX.

Enquanto se veste para um jantar, Einstein conversa com a plateia em tom intimista. Em dúvida se faz um discurso ou se toca violino, ele acaba revelando, com simplicidade e bom humor, seu processo criativo, suas teorias, seu relacionamento familiar, suas dificuldades escolares e o domínio nazista na Alemanha de 1930. Discute o poder e a ciência, a ética e faz um manifesto contra o terror das guerras e toda forma de opressão e violência.

em fragmentos

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50 junho2010para

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A maioria das peças teatrais que abor- da a ciência, e foram muitas desde o sécu-lo XVIII, tem tido um caráter didático, uti- lizando o teatro como instrumento para apresentar conteúdos científicos. No entan- to, outras peças, como Galileu de Brecht e agora Copenhagen, exibem uma preo-cupação maior com a ciência, seus dilemas, conflitos éticos e impactos sociais. Nelas, o contexto histórico subjacente e a visão da ciência, como uma atividade social-mente condicionada, ganham contornos mais complexos e realistas. Copenhagen, entre outras inspirações, nos convida a refletir sobre as relações entre ciência e poder, tomando como mote a situação no regime nazista. Alguns mitos e visões deturpadas sobre a ciência e sua suposta neutralidade correm, com isso, o risco de se tornarem insustentáveis.

Estudos recentes mostraram que a maioria dos cientistas do Terceiro Reich, se não deu sustentação entusiástica ao re- gime, também não se opôs fortemente a ele. Prevaleceu a zona cinzenta. Para evi- tar confrontos morais e dilemas políti- cos, refugiaram-se na posição de que es- tavam simplesmente praticando a sua ciên- cia e não se preocuparam com os usos do conhecimento. Muitos outros chega-ram a contribuir de forma ativa (ideoló- gica e tecnologicamente) para a susten-tação e as práticas do regime. Parcialmente

Reflexões sobre

Copenhagen

Copenhagen recria o momento do explosivo e misterioso encontro que mudou o rumo da história. Em 1941, em plena Segunda Guerra Mundial, os pais da física quân- tica, Niels Bohr – judeu dinamarquês – e Werner Heisenberg – alemão encarregado do programa nuclear de Hitler –, têm uma breve e secreta conversa sobre a construção da bom- ba atômica, em Copenhagen, então sob ocupação nazista. As diferentes versões desse encontro são revistas com os personagens já mortos, agora com a presença de Margrethe Bohr, mulher de Niels. O espetáculo revela as implicações das decisões humanas e um profundo pensar so- bre o mundo e nossas vidas, usando a ciência como metáfora para fortes emoções.

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51junho2010 para

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motivados por interesses profissionais e políticos e/ou pelo desejo de servir à Ale-manha e à ciência germânica, uma parce-la dos físicos, por exemplo, se envolveu com entusiasmo no programa nuclear.

O mito de que a ciência teria sido sis-tematicamente desvalorizada na Alema-nha nazista parece também não ter sus- tentação. Muitos cientistas e técnicos se adaptaram e produziram ciência de “boa qualidade” dentro do regime, que, por seu turno, apoiou muitas áreas de pes-quisa. Pesquisa de excelência chegou a ser produzida; a excelência pode ser ambí-gua, vê-se, mesmo em ciência. Isso parece mostrar também que a ciência não exige necessariamente governos democráticos ou liberais para seu desenvolvimento. Mas, com certeza, usos sociais democrá-ticos e eticamente fundados da ciência e a distribuição igualitária de suas benesses, e também de seus riscos e consequências, parecem necessitar, sim, de uma estrutura social democrática.

A ideia, propagada por Heisenberg, e difundida por muitos outros, de que teria agido de forma consciente para retardar o projeto alemão é pouco consistente e se defronta com muitas evidências contrárias.

Após a Segunda Guerra, em seus livros e decla- rações, ele traçou uma visão sanitarizada de seu envol- vimento político. Não se trata aqui de condená-lo; afinal de contas, era cidadão de um país que havia sofrido um processo de cerceamento violento após a Primeira Guerra e que estava em situação de beligerância com outros países. É sempre bom lembrar também que, na história da ciência, em muitos outros momentos, cientistas se mostraram fortes aliados de interesses polí-ticos, econômicos e militares de cada nação. Mas não se pode esquecer que cientistas importantes deixaram a Alemanha, e outros, embora lá ficando, permaneceram reticentes diante do regime. Existiu todo um espectro de posições diante do nazismo. Entre a colaboração de Heisenberg (mitigada ou não) e a posição frontal de Einstein, vai uma longa distância, que passa pela atitude crítica de von Laue e pela cautelosa de Planck. Por iro-nia do destino, e como um reflexo da complexidade das relações entre ciência e sociedade, uma carta de Einstein (da qual se arrependeria mais tarde) veio a ter um papel

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52 junho2010para

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importante na decisão do governo americano de iniciar o processo de construção da bomba atômica.

A participação dos físicos tem atraído mais a atenção por causa do impacto da bomba. No entanto, cientistas e técnicos de outras áreas tiveram também profunda inte-gração com o regime nazista. Muitos médicos, biólogos e bioquímicos, em nome da “objetividade científica”, cons- truíram teorias racistas que justificaram práticas de extermínio ou contribuíram com experimentos nessa direção. Cerca de 300 mil pacientes psiquiátricos foram exterminados na Alemanha. Posteriormente, o genocídio de ciganos, judeus e outros se generalizou e atingiu proporções gigantescas. Muitos médicos e cientistas, com face profissional respeitá- vel, justificaram tais ocorrências ou delas participaram. A ciência “racial” havia se tornado ciência “normal”. A tecnocra-cia forneceu base racional e tecnológica para a sustentação do regime e para muitas das atrocidades cometidas e faz com que não seja possível separar nitidamente a comunidade científica (ou parcela significativa dela) das práticas adotadas.

Embora paradigmático, o exem-plo da relação entre os cientistas e o regime nazista não é único. Durante a Guerra do Vietnã, por exemplo, mui-tos cientistas (inclusive nobelistas) participaram da Divisão Jason, criada pelo governo americano para traçar estratégias e imaginar armas mais efi- cientes para a destruição do inimigo (o que também incluía civis e crianças). Para não ir muito longe, no passado recente da América Latina, parcela de cientistas e acadêmicos se mostrou omissa ou até apoiadora de regimes militares que cerceavam a liberdade, fechavam universidades, cassavam oponentes e praticavam a tortura. Ou- tros, porém – possivelmente a maio- ria –, adotavam posições contrárias. Hoje, também, muitos cientistas que trabalham para multinacionais ou governos, em áreas de profundo im- pacto social, se refugiam em uma su- posta neutralidade para justificar omissões ou ações de interesse res- trito. Isso sem mencionar o fato de que a ciência e a técnica, se trazem enormes contribuições sociais, sus-tentam ainda desigualdades profun- das entre países e no interior destes. Apesar de a ética “apolítica” invoca-da por Heisenberg ser ainda frequen-temente ressuscitada para absolver escolhas, esses exemplos históricos mostram que não há mais lugar para ingenuidades nesse domínio.

Mais importante do que produzir julgamentos morais a posteriori so-bre o comportamento de cientistas na Alemanha ou em qualquer época,

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53junho2010 para

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Ildeu de Castro MoreiraCoordenador Acadêmico Ciência para Poetas

Professor do Instituto de Física/UFRJ

é buscar as razões e motivações que os levaram a adotar tais atitudes. Para isso, devem ser considerados dentro do pano de fundo de sua época, de seus vín-culos e cerceamentos, e também a forma na qual ocorrem a produção e o uso do conhecimento científico e tecnológico. Não se trata, no entanto, de estabelecer um procedimento de absolvição genera-lizado, em um relativismo moral que tudo justifica. Se o radicalismo moral pouco constrói, o relativismo absoluto esgarça as responsabilidades. Os cientistas têm res- ponsabilidades morais e éticas como quaisquer outros cidadãos. No entanto, na medida em que eles (ou outros profissio- nais) possuem uma informação técnica valiosa e com repercussões sociais signi-ficativas, suas atitudes devem levar isso em conta. Um dos principais dilemas de nossa época talvez seja o de administrar de forma adequada a enorme gama disponível de conhecimentos científicos e recursos tecnológicos.

Com sua profunda inserção na vida de todos nós, a ciência é cada vez mais importante, inclusive para a sobrevivência da humanidade, para que as decisões e os rumos que a afetem não sejam deixados apenas aos cientistas (ou apenas aos políticos ou apenas aos go- vernantes). A releitura de eventos ocorridos na Alema-nha nazista, que Copenhagen trouxe novamente à baila, e seus reflexos nos dias de hoje nos recordam Einstein: “Não superestimem a ciência quando se trata de pro-blemas humanos”. E, ainda: “O intelecto tem um olho aguçado para os métodos e ferramentas, mas é cego quanto aos fins e valores”.

EINSTEIN - de Gabriel EmanuelTradução Rosamaria Franceschini

Direção Sylvio Zilbercom Carlos Palma

COPENHAGEN - de Michael FraynTradução Aimar Labaki

Direção Marco Antonio Rodriguescom Carlos Palma, Oswaldo Mendes e Selma Luchesi

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54 junho2010para

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O átomo é uma minúscula esfera maciça, impenetrável, indestrutível, indivisível e sem carga.”-

Desde o século V a.C., filósofos gregos tentavam com-preender do que a matéria é feita. Leucipo e Demócrito afirmavam que todas as coisas no Universo seriam formadas por átomos, a menor porção da matéria. Seriam como “bloquinhos” infinitos e muito minúsculos, que não poderiam ser divididos, penetrados ou visualizados, mas que se movimentavam e, combinados, formavam tudo o que existe.

“Átomo algum interrompe jamais o seu movimento no vácuo, antes se move sem cessar,

empurrando e sendo empurrado em várias direções.”

Lucrécio (século I a.C.)

No final do século XIX, o químico inglês John Dalton propôs a teoria atômica/molecular da matéria, segundo a qual cada substância seria constituída de pequenas partículas, as moléculas.

“O átomo é uma minúscula esfera maciça, impenetrável, indestrutível, indivisível e sem carga.”

Entre os séculos XIX e XX, o físico inglês J. J. Thomson descobriu o elétron, partícula de carga negativa menor do que o átomo, e sugeriu um mo-delo constituído de uma “massa” positivamente carregada, na qual os elétrons estariam grudados, como ameixas em um pudim.

Somente no século XIX descobriu-se que o átomo podia ser subdividido em prótons e elétrons. No século XX, novas pesquisas comprovaram que o átomo possui um núcleo que contém quase toda a sua massa e é formado por prótons e nêutrons. Em seguida, foi identificada a existência de várias partículas ainda menores.

E, assim, modelos atômicos foram traçados e novas hipóteses, pesquisas e possi-bilidades de visualização continuam a estimular a imaginação dos cientistas.

“Não existe nada além de átomos e espaços vazios. O resto não passa de opinião.”

Demócrito (século V a.C.)

Do que tudo é feito?

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55junho2010 para

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O átomo é uma minúscula esfera maciça, impenetrável, indestrutível, indivisível e sem carga.”-

No início do século XX, o físico dinamarquês Niels Bohr propôs uma estrutura atômica na qual o átomo seria constituído de prótons e nêutrons, localizados no núcleo, e elétrons distribuídos em níveis de energia, for-mando a eletrosfera.

“O átomo possui um núcleo pequeno carregado positivamente e cercado por elétrons em órbitas circulares.”

Representação de uma projeção bidimensional de nuvens eletrônicas de diferentes átomos, segundo o modelo de ní-veis eletrônicos do químico norte-americano Linus Pauling, desenvolvido em meados do século XX.

Representação gráfica tridimensional da manipulação do comportamento de átomos so-bre uma superfície, gerada pelo microscópio de tunelamento desenvolvido pela IBM, na década de 1980. Sua utilização possibilita “enxergar” os átomos e, inclusive, manipulá-los.

“Se, em algum cataclismo, todo o conhecimento científico fosse destruído e apenas uma frase fosse transmitida para as próximas gerações, que afirmação conteria mais informações em menos palavras? Acredito que seja a hipótese atômica de que todas as coisas se compõem de átomos.”

Richard Feynman (1963)

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56 junho2010para

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57junho2010 para

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59junho2010 para

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Livremente inspirado nos personagens do Universo Marvel (www.marvel.com) e da DC Comics (www.dccomics.com)

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60 junho2010para

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A ciência do Dr. Manhattan

Como o Dr. Manhattan pode aparecer em mais de um lugar ao mesmo tempo?

Essa foi uma das questões levantadas pela produção do filme Watchmen, quando fui convidado a fazer a consultoria científica para o personagem e explicar como seus superpoderes poderiam ser justificados cientificamente.

O Dr. Manhattan pode fazer coisas incríveis: se teletransportar, se subdividir em múltiplas cópias e conhecer, simultaneamente, o passado, o presente e o futuro.

Antes, ele era o cientista Jon Osterman, que, durante um acidente em seu laboratório, teve seu campo intrínseco removido e, assim, adquiriu esses poderes.

Não existe campo intrínseco, mas, se existisse, poderíamos descrevê-lo como uma onda que manteria todos os átomos e núcleos do personagem unidos. Se essas forças que os mantêm unidos fossem removidas, ele se desintegraria.

Mas, afinal, como o personagem consegue estar presente em vários lugares? Talvez porque consiga controlar sua função de onda de mecânica quântica. Uma marca do fenômeno de onda são os padrões de interferência: se uma onda está passando através de alguma região ou limite estreito, pode parecer estar em muitos locais ao mesmo tempo.

As ondas interferem umas nas outras e podem formar um padrão de difração complexo. Quando jogamos uma pedra em um lago, percebemos uma série de ondulações; jogando duas pedras perto uma da outra, percebemos um padrão de interferência complexo, já que cada ondulação interage com a outra.

De qualquer maneira, se é possível analisar uma história em quadrinhos ou um filme e deles extrair ciência concreta, como a aplicação de princípios físicos, então talvez eles possam ser compreendidos na vida real.

James KakaliosProfessor de física/Universidade de Minnesota

Autor do livro The physics of the superheroes (USA:Gothan Books, 2005)

Este texto é baseado na entrevista do autor emScience of Watchmen divulgada no site Youtube

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61junho2010 para

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“E agora, pra onde eu vou?”

Aventure-se por caminhos onde a ciência pode trazer

descobertas surpreendentes!

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62 junho2010para

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63junho2010 para

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64 junho2010para

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UM CAMPO INFINDÁVEL

A paixão por números e equações levou Arnaldo Mezrahi a descobrir, meio que por acaso, o mundo da energia nuclear. Apesar de muito novo na época em que ingressou em um curso de introdução ao tema, ao final de sua graduação, não teve dúvidas de que aquele encontro seria para o resto de sua vida. Hoje, é doutor em engenharia nuclear e coordenador do Ciclo do Combustível, na Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Durante mais de uma hora, ele nos contou histórias saborosas sobre seus 30 anos de trajetória profissional, recheada de experiências e aprendizados. Muitas delas, um aperitivo para quem deseja atuar na área.

Revista Ciência para Poetas – Como você en-trou nesse universo da energia nuclear?

Arnaldo – Foi totalmente por “força do acaso”! (risos) Não foi por alguma coisa que eu tivesse li-do, porque na época a gente não tinha fácil aces-so, como hoje em dia, a publicações. Era tudo mui-to difícil de conseguir. E pensei: “Bom, nuclear de- ve ser alguma coisa muito interessante”. Mas eu não tinha a menor noção do que poderia fazer. Talvez, quem sabe, fosse para fazer foguetes... Eu estudava engenharia civil, na Universidade Federal de Pernambuco, e, um dia, vi um anúncio no mural da cantina sobre um curso de introdução à engenharia nuclear. Então, resolvi me inscrever e, quando comecei a fazer esse curso, em 1976, eu consegui me encontrar. Eu vi que realmente aquilo faria parte do resto da minha vida.

RCP – O que você considera mais apaixonante em sua profissão?

Arnaldo – Tudo! (risos) Nessa profissão, a gente lida com proteção do meio ambiente, preser-vação, qualidade de vida, com vários tipos de melhorias para o ser humano. É muito gratifican-te lidar com uma ciência que é aplicável em todos os campos. Claro que há os opositores à energia nuclear; a história da bomba atômica,

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65junho2010 para

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que foi um “aborto”; o uso sujo da energia nuclear. Eu diria que nada é perfeito, e a ciência pode ser usada para qualquer coisa, depende da forma como é manipu- lada. Mas acho que tudo com o que já trabalhei, e continuo a trabalhar, me dá gratificação. Eu levanto feliz por trabalhar nessa área.

RCP – Como é o trabalho do profissional com especialização na área de energia nuclear?

Arnaldo – A grande vantagem de atuar nessa área é que ela abrange muitas ati-vidades do conhecimento humano, como saúde (medicina nuclear e radioterapia), indústria etc. Pode-se trabalhar com todas as aplicações da energia nuclear, que é bas- tante ampla, tendo como base o curso em que a gente se forma. Eu não sou físico, mas posso trabalhar com radiometria, por exemplo, fiscalizar as instalações de me-dicina nuclear ou até propor melhorias e procedimentos nesse campo. Além disso, há inúmeras pesquisas na área, relaciona-das a animais, agricultura, melhorias gené-ticas, entre outras. Existe também uma associação internacional de direito nuclear, que é um campo muito vasto. Sem contar a parte mais específica, que o mundo co-nhece, de geração de energia elétrica. Eu diria que é um campo infindável.

RCP – O que é preciso fazer para se espe-cializar nessa área?

Arnaldo – Na minha época, não havia gra-duação em engenharia nuclear. No Rio de Janeiro, tinha o que se chamava de enge-nharia com “chapéu” nuclear. Quer dizer, o pessoal fazia o curso, normalmente, e tinha algumas matérias de nuclear. No iní- cio de 2010, a Escola Politécnica da UFRJ abriu a primeira turma de graduação em engenharia nuclear. Também há cursos na

área da indústria, para quem quer atuar como supervisor de proteção radiológica. Na medicina, tem a radiologia, para a qual é preciso ter um diploma específico. Além disso, há cursos de especialização, em cada área, ou mestrado e doutorado.

RCP – Você tem alguma dica para quem quer trabalhar com energia nuclear?

Arnaldo – Não gosto muito do contato frio, da informação por papel. Recomendaria a quem quer fazer vestibular ir ver do que trata o seu curso de graduação, ter uma ideia do que é. Aconselharia uma visita à COPPE da UFRJ, ao Programa de Energia Nuclear, para ver o que pode ser interessante de ser relacionado com a profissão escolhi-da. De repente, você vai descobrindo umas coisas que nem fazia ideia de que poderia fazer. Eu diria que, quem se interessar pelo assunto, até mesmo jornalista, o que for, é só ir “pegando a veia” e seguindo em frente.

RCP – O mercado está em um bom momento para rece-ber esses profissionais?

Arnaldo – Está em um excelente momento. Quando comecei a atuar nessa área, a energia nuclear estava no auge, mas já em declínio. E agora, o mundo abriu todas as portas para a energia nuclear. Hoje em dia, tudo o que vai para a mídia causa mais curiosidade do que antigamente. A “caixa-preta” não é tão preta como an-tes, porque hoje a divulgação é muito grande. Há 30 anos, havia no Brasil umas 700 instalações que lidavam com material radioativo; atualmente, há mais de 3.500. O número de usinas no mundo também aumentou muito – mais de 400. Na medicina nuclear, então, são milhões de diagnósticos e de transportes desse material pelo mundo. A gente precisa de pessoal atuando em todas as áreas da energia nuclear porque a demanda, não só brasileira, mas mundial, é muito grande, absurdamente grande. No Brasil, houve uma lacuna muito grande entre a minha geração e a última que entrou na área nuclear. Estamos defasados em mais de 10 anos, com uma carência profissional absurda. A gente precisa de uma superoxigenação.

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66 junho2010para

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13 de setembro de 1987 Um aparelho de radioterapia abando-

nado nas antigas instalações do Instituto Goiano de Radioterapia foi manipulado indevidamente, provocando a contamina- ção acidental de centenas de pessoas através de radiações emitidas pela cáp- sula de césio-137.

Ao ser transportado e desmontado, o aparelho espalhou fragmentos de clore-to de césio, um pó azul brilhante. A fonte foi vendida e partes do material foram dis- tribuídas entre diversas pessoas, aumen-tando o raio de contaminação.

Os sintomas – vômitos, diarreia e lesões na pele – surgiram horas após o contato com o material, levando muitas pessoas aos hospitais. Mas a causa só foi descoberta depois que o aparelho foi levado à Vigilância Sanitária e identifi- cado como radioativo.

Diversas instituições acionaram um plano de emergência para identificar, mo- nitorar, descontaminar e tratar a popu-lação, além de analisar o ambiente e iso- lar os principais focos. Do total de pes-soas monitoradas, 249 apresentaram con-taminação, recebendo tratamento médico.

O acidente gerou 3.500m3 de “lixo” radioativo, monitorado pelo Centro Regio-nal de Ciências Nucleares do Centro-Oeste/CNEN para controle ambiental. O efeito da radiação nas vítimas é acompanhado pela Superintendência Leide das Neves Ferreira, desde 1988.

inserir, no cotidiano dos indivíduos, temas relacionados à energia nuclear? Despertar interesse negativo é fácil; qualquer inci-dente que acontece nessa área vai para a mídia no dia seguinte. Vou dar um exem-plo: quando trabalhei em Goiânia, após o acidente, havia um cachorro, o Sheike, que estava muito contaminado. Ninguém po-dia se aproximar dele e não havia mais o que fazer. Ele não podia ficar ali, mas nin- guém, nenhum órgão de pesquisa, queria pegá-lo, pois tinham medo da radiação.

RCP – Que experiência(s) mais significativa(s) você teve ao trabalhar nessa área?

Arnaldo – Uma experiência forte foi após o acidente com o césio, em Goiânia, em que se aliou o conhecimento técnico ao contato direto com o ser humano. Mesmo que as pessoas não tivessem sido irradiadas o suficiente para sofrer danos, a gente teve que retirar todas as coisas delas; tudo virou lixo. Depois, houve um ressarcimento, mas, de qualquer maneira, o sentimento de perda foi muito grande. Outra experiência muito forte foi quando trabalhei com a parte médica aliada à radiação, que mexe muito com o sentimento. Fiscalizava a parte de diagnóstico com radioisótopos e tratamento de câncer, e não me sentia capaz de entrar em uma enfermaria de crianças. É uma experiência muito intensa entrar em uma área onde todos estão sofrendo. Você sabe que está ajudando, que está contribuindo para que tudo seja bem feito, mas isso vai além do nosso treinamento.

RCP – Essa experiência mudou a sua visão sobre o mundo nuclear?

Arnaldo – Para mim, no início, a energia nuclear eram os números. Hoje, tenho pleno conhecimento de que ela está ligada também às ciências humanas e, em especial, ao ser humano. Claro que a gente ainda faz aquelas contas e grandes equações, mas hoje sei exatamente onde elas são aplicadas, por que devem ser feitas e como isso deve ser transformado em proteção ao homem e ao meio ambiente, por exemplo. Isso, para mim, é uma mudança completa de paradigma.

RCP – Essa área, como você tem falado, é muito rica e está diretamente ligada ao nosso cotidiano. Mas parece que há um abismo em relação à quantidade de informação produzida e o interesse e conhecimento do público.

Arnaldo – O mundo tomou conhecimento da energia nuclear através de um “aborto”, que foi a bomba atômica. Sabemos que, quando sai alguma notícia na mídia sobre um desabamento, com muitas mortes, o interesse é ime-diato. Agora, se a reportagem for sobre a constituição da matéria ou do mundo, por exemplo, não é muito atraente. Em um programa específico, há espaço para esse tipo de notícia, mas não é o mesmo espaço de um jornal da noite, que atinge um público maior. Então, como

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67junho2010 para

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Então, um veterinário decidiu que ele ti-nha que ser sacrificado com uma dose muito forte de anestésico. Seria uma mor- te tranquila. No dia do sacrifício, a mídia inteira estava presente, todos os grandes jornais brasileiros. Aí, me perguntaram: “Como é que o Sheike vai morrer?”. Eu disse: “Vai se aplicar uma dose excessiva de anestésico”. “Anestésico?”. Eu disse: “É”. Foi todo mundo embora... Acho que eles estavam pensando que a gente ia botar o Sheike no paredão e dar um monte de tiros.

RCP – Que iniciativas existem para apro-ximar esse universo do público em geral?

Arnaldo – Existem várias tentativas, como as campanhas com os chamados stake-holders, que são as partes interessadas: as pessoas envolvidas no empreendimento, por exemplo, a população circunvizinha, os políticos e os empreendedores. É como se todos estivessem engajados em um programa para dar conhecimento do que está acontecendo. Mas não adianta pon- tuar a questão apenas. Se você não ex-pande o universo, a informação vai ser passada e esquecida. Além do mais, exis- te a chamada percepção de risco: o des-conhecido causa medo. Assim, se o cida- dão desconhece o que é a energia nuclear, ele tem medo. A gente poderia quebrar isso se houvesse campanhas nacionais de esclarecimento sobre energia nuclear, tais como as de câncer de mama e de prós-tata e a de prevenção de H1N1. Não é campanha de convencimento, não va-mos trocar as coisas. A população tem que ser esclarecida: nada é “zero risco”. Esse tipo de campanha já é realizado em muitas partes do mundo, principalmente onde mais se utiliza energia nuclear, onde há depósitos de rejeitos radioativos,onde há várias usinas, onde elementos do

combustível são reprocessados e armazenados. Eu diria que as iniciativas da Casa da Ciência da UFRJ e do Museu de Astronomia e Ciências Afins de realizar exposições sobre energia nuclear, por exemplo, são importantes. Talvez seja uma “sementinha” que a gente precise para ir plantando, para gerar outros campos férteis. l

RCP – O que é preciso saber sobre rejeitos radioativos, mais conhecidos como “lixo atômico”?

Arnaldo – A gente não chama de “lixo atômico”, mas de re-jeito radioativo, que é um material resultante das atividades humanas, que contém radioisópotos, cuja utilização é impró-pria ou não prevista. É importante mencionar que nem tudo o que descartamos constitui lixo. Por exemplo, uma lata de refri- gerante, depois de utilizada, é dispensada no lixo, mas pode ser reutilizada, poupando muita energia.

Com o material radioativo, o mesmo pode acontecer. A fonte sólida da radioterapia (cobalto, por exemplo) é utilizada du-rante determinado tempo, mas fica tão “fraca” depois que não se conseguirá mais irradiar o paciente em um tempo curto.

Aí, você me pergunta: “Isso é lixo?”. Sim, é o famoso “lixo atô-mico”, um rejeito radioativo. Se for possível, essa fonte poderá ser reutilizada em outra irradiação, em alguma pesquisa. Caso contrário, deve-se fazer o descarte.

É importante ressaltar que o descarte do rejeito radioativo po-de ser imediato, se o radioisótopo tiver um tempo de vida muito curto – como é o caso da medicina nuclear –, ou pode-se armazenar o material em depósitos, durante determinado período de tempo, e, depois, colocá-lo em repositórios, cons-tituídos de trincheiras de argila, concreto ou ambos.

Quando encerradas as atividades de deposição dos rejeitos radioativos, pode-se recompor a paisagem do repositório, co- brir a superfície e revegetar, por exemplo. Esses locais são acompanhados durante o período previsto pelas autoridades regulatórias de cada país, sendo liberados apenas quando a ra- diação presente tiver atingido níveis previstos. São feitos todos os controles necessários para que a quantidade de radiação que venha a alcançar o homem seja cientificamente aceitável.

Há também os rejeitos classificados de alto nível – com um tem- po muito longo de vida –, difíceis de serem abrigados. Esses rejeitos são provenientes do reprocessamento dos elementos combustíveis irradiados em reatores ou são os próprios ele- mentos irradiados, sem tratamento. Eles devem ser armaze-nados, por exemplo, abaixo da superfície terrestre, em for-mações geológicas de grande profundidade. No Brasil, como em outros países, os elementos combustíveis irradiados não são classificados como rejeito radioativo, tampouco houve a resolução de reprocessá-los. Assim, permanecem devida-mente armazenados, até que haja uma decisão a respeito.

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69junho2010 para

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70 junho2010para

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livros

quer mais?

filmes

A história do átomo – de Demócrito aos quarks. J. B. Martins. Ciência Moderna, 2001.

A radioatividade e o lixo nuclear. M. E. M. Helene. Scipione, 1999.

Alice no país do quantum – a física quântica ao alcance de todos. R. Gilmore. Jorge Zahar Ed., 2002.

Bohr: o arquiteto do átomo. M. C. B. Abdalla. Imortais da Ciência. Odysseus, 2002.

Da natureza. T. Lucrécio. Os pensadores. Editora Abril, 1973.

Einstein – o reformulador do Universo. Cássio V. Leite. Imortais da Ciência. Odysseus, 2003.

Introdução à física em quadrinhos. S. T Butler. Fronteiras da Ciência. Ed. Brasil-América, 1979.

Lições de física de Feynman. R. P. Feynmam. Bookman, 2008.

Marie Curie e a radioatividade. S. Parker. Caminhos da Ciência. Scipione, 1999.

Marie Curie: uma vida. S. Quinn. Scipione, 1997.

Mundos invisíveis: da alquimia à física de partículas. Marcelo Gleiser. Editora Globo, 2008.

O mágico dos quarks – a física de partículas ao alcance de todos. R. Gilmore. Jorge Zahar Ed., 2002.

Proteus – a aventura da ciência em quadrinhos. Ed. Abril Jovem, 1991.

Quanta energia! Casa da Ciência/UFRJ, CNEN, Insti-tuto Ciência Hoje, 2010.

Ficção

A hora final (1959)

A síndrome da China (1978)

Black Rain – a coragem de uma raça (1989)

Césio 137 – pesadelo de Goiânia (1990)

Dr. Fantástico (1964)

Homem-Aranha (2002)

O dia seguinte (1983)

O incrível Hulk (2008)

O início do fim (1989)

O planeta dos macacos (1968)

Os senhores do holocausto (1989)

Rapsódia em agosto (1991)

Silkwood (1983)

Stalker (1979)

Tartarugas Ninja (1990)

Watchmen (2009)

Documentários

Átomo (BBC, 2007)

Hiroshima (BBC, 2005)

O desastre de Chernobyl (Discovery Channel, 2006)

Reação nuclear (WGBH, 1997)

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71junho2010 para

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quer mais?

passeios

Centro de Informações de ItaornaCentral Nuclear de Angra dos Reiswww.eletronuclear.gov.br/professores

Circuito das Águas - Minas Geraiswww.circuitodasaguas-mg.org.br

Circuito das Águas - Santa Catarinawww.santur.sc.gov.br

Circuito das Águas - São Paulowww.circuitodasaguaspaulista.com.br

Espaço Eletrobrás EletronuclearAngra dos Reiswww.eletronuclear.gov.br/professores

Espaço INB - Caetitéwww.inb.gov.br

Museu de Ciências Nucleares da [email protected]

Museu do Césio - Goiâniawww.sectec.go.gov.br/portal

Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleareswww.abacc.org

Agência Internacional de Energia Atômicawww.aiea.orgAgência Nacional de Energia Elétricawww.aneel.gov.br

Associação Brasileira de Energia Nuclearwww.aben.com.br

Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclearwww.cdtn.br

Centro de Energia Nuclear na Agriculturawww.cena.usp.br

Comissão Nacional de Energia Nuclearwww.cnen.gov.br

Eletronuclear - Eletrobrás Termonuclear S.A.www.eletronuclear.gov.br

Instituto de Engenharia Nuclearwww.ien.gov.br

Instituto de Estudos Japoneseswww.iej.uem.br

Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleareswww.ipen.br

Instituto de Radioproteção e Dosimetriawww.ird.gov.br

Indústrias Nucleares do Brasilwww.inb.gov.br

Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A.www.nuclep.gov.br

Sociedade Brasileira de Proteção Radiológicawww.sbpr.gov.br

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