novos horizontes - revista anarquista

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Nº 0 Setembro 2015 NOVOS HORIZONTES Nota Introdutória Numa época em que o capitalismo e a autoridade, ou seja, a exploração do homem pelo homem, são vistos como algo normal, e, ainda por cima, inatacáveis, pois estão tão enraizados e propagandeados pelos ditos “representantes” do sistema, quer pertençam à dita esquerda, ou direita e a outros oportunistas que tal, que são tratados e aceites como a única via; cumpre-nos desmontar algumas mentiras amplamente divulgadas que passaram a ser aceites por uma ampla maioria de oprimidos. Somos um pequeno grupo de companheiros e amigos da zona norte de Portugal que se juntou como grupo de afinidade e que se encontra várias vezes para debater o estado moribundo desta sociedade e tentar compreender o marasmo e a crescente proliferação das desigualdades no mundo, sendo que conhecemos melhor a nossa realidade regional, pois claro. No entanto, professamos a máxima que a nossa pátria é o mundo, daí nos interessarmos por todas as questões sociais existentes em qualquer parte do globo, pois oprimidos e opressores existem em todos os países, como sabemos. A História é escrita e veiculada, quase sempre, com omissões, por parte daqueles que alcançando o poder, e sempre o poder!, reescrevem-na à sua maneira e de acordo com os seus interesses. Por essa razão, vários textos e ideias foram sendo esquecidos ao longo do tempo e para muitos, quer seja por desinteresse, manipulação ou ignorância nem sequer existiram. Vale a pena pois relembrá-los… Consideramos que a Revolução Social já esteve mais perto, foquemos, por exemplo, aquela tentativa da Espanha Libertária de 1936, boicotada por todos os governos (fascistas, democratas ou “comunistas”) da Europa, ainda que por razões diferentes e sempre político-económicas tendo em vista não permitir a real emancipação dos trabalhadores. Decidimos dar o nome a esta publicação de “Novos Horizontes”, como forma de homenagear todos aqueles que se organizaram sem mestres, nem líderes, horizontalmente, nos inícios do século XX um pouco por todo o “rectângulo”. Esta revista especificamente era editada em Lisboa, mas tantas publicações havia nessa altura que tinham como finalidade a libertação de todos os explorados, de os pôr a reflectir e a agir, tendo em vista a abolição deste regime de “servidão voluntária” como tão bem o identificou E. La Boétie alguns séculos antes. Mas quando os oprimidos e explorados não se sentem como tais, ou aceitam as imposições vindas de cima, sem qualquer tipo de objecção, qualquer mudança se torna uma miragem. Estas publicações não terão uma periodicidade definida pois estão fundadas no esforço voluntário de poucos indivíduos, estando abertas à participação de todos aqueles que queiram fazer chegar textos antigos ou actuais, de qualquer zona do 1

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“Baqueiam os tiranos, morrem os poderosos, exterminam-se os grandes. Mas fica a Tirania, subsiste o Poder, continua a Grandeza. Homens: tendes que fazer obra mais grandiosa do que mudar regimes, criar leis, substituir indivíduos. Se as consciências estão putrefactas, não é com uma simples mudança de instituições que elas se purificam; se a humanidade vive mal, não é com os artigos e parágrafos de leis novas que se transforma magicamente o seu modo de viver; se um governante comete infâmias, estas não desaparecem pelo facto de ir outro ocupar o seu lugar. A vossa guerra não deve ser só dirigida contra os homens, que são um produto do meio social em que vivemos; a vossa guerra deve ser toda contra os princípios políticos que visam manter as actuais ou parecidas bases em que assenta a sociedade. E essa guerra deve ser sem tréguas(...)” . Revista Novos Horizontes, (n.º 13, Abril 1908), logo após o regicídio em Portugal.

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Nº 0 Setembro 2015 NOVOS HORIZONTES Ⓐ

Nota Introdutória

Numa época em que o capitalismo e a autoridade, ou seja, a exploração do homem pelo homem, são vistos como algo normal, e, ainda por cima, inatacáveis, pois estão tão enraizados e propagandeados pelos ditos “representantes” do sistema, quer pertençam à dita esquerda, ou direita e a outros oportunistas que tal, que são tratados e aceites como a única via; cumpre-nos desmontar algumas mentiras amplamente divulgadas que passaram a ser aceites por uma ampla maioria de oprimidos. Somos um pequeno grupo de companheiros e amigos da zona norte de Portugal que se juntou como grupo de afinidade e que se encontra várias vezes para debater o estado moribundo desta sociedade e tentar compreender o marasmo e a crescente proliferação das desigualdades no mundo, sendo que conhecemos melhor a nossa realidade regional, pois claro. No entanto, professamos a máxima que a nossa pátria é o mundo, daí nos interessarmos por todas as questões sociais existentes em qualquer parte do globo, pois oprimidos e opressores existem em todos os países, como sabemos.

A História é escrita e veiculada, quase sempre, com omissões, por parte daqueles que alcançando o poder, e sempre o poder!, reescrevem-na à sua maneira e de acordo com os seus interesses. Por essa razão, vários textos e ideias foram sendo esquecidos ao longo do tempo e para muitos, quer seja por desinteresse, manipulação ou ignorância nem sequer existiram. Vale a pena pois relembrá-los…

Consideramos que a Revolução Social já esteve mais perto, foquemos, por exemplo, aquela tentativa da Espanha Libertária de 1936, boicotada por todos os governos (fascistas, democratas ou “comunistas”) da Europa, ainda que por razões diferentes e sempre político-económicas tendo em vista não permitir a real emancipação dos trabalhadores.

Decidimos dar o nome a esta publicação de “Novos Horizontes”, como forma de homenagear todos aqueles que se organizaram sem mestres, nem líderes, horizontalmente, nos inícios do século XX um pouco por todo o “rectângulo”. Esta revista especificamente era editada em Lisboa, mas tantas publicações havia nessa altura que tinham como finalidade a libertação de todos os explorados, de os pôr a reflectir e a agir, tendo em vista a abolição deste regime de “servidão voluntária” como tão bem o identificou E. La Boétie alguns séculos antes. Mas quando os oprimidos e explorados não se sentem como tais, ou aceitam as imposições vindas de cima, sem qualquer tipo de objecção, qualquer mudança se torna uma miragem.

Estas publicações não terão uma periodicidade definida pois estão fundadas no esforço voluntário de poucos indivíduos, estando abertas à participação de todos aqueles que queiram fazer chegar textos antigos ou actuais, de qualquer zona do globo, tendo como premissa básica e unificadora serem relacionados com o anarquismo. (qualquer questão, informação, entrar em contacto para o endereço electrónico novoshorizontes1908 @gmail.com )

Para este primeiro número, e passados 150 anos da sua morte, decidimos incluir alguns textos de P.J. Proudhon, considerando que as suas ideias continuam muito válidas e actuais. No entanto abordaremos igualmente temas como a acção directa, o parlamentarismo, as eleições, a “democracia” entre outros que consideramos pertinentes.

Saúde e Anarquia, pois claro!

Cronologia da vida e da obra de P. J. Proudhon

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Imagem retirada de:https://sabotijo.wordpress.com/personajes-de-nuestra-historia/

1809 - Nascimento em Besançon, em 15 de Janeiro, de Pierre-Joseph Proudhon. O pai é vinhateiro e tanoeiro. Foi também cervejeiro, mas, escreveu o filho nas suas “Mémoires sur ma vie”, “vendia a sua cerveja quase ao preço de custo; nada querendo a não ser o seu salário, o bravo homem perdeu tudo”. A mãe, Catherine Simonin, “a quem devo tudo”, assim como o pai, admiravam a obra igualitária da Revolução Francesa. Tiveram cinco filhos dos quais dois morrerão novos.

1820 – Entrada no colégio real de Besançon, graças a uma bolsa de estudo.

1826 – A família encontra-se arruinada por um processo e, apesar dos brilhantes sucessos escolares é obrigado a abandonar os estudos.

1827 – Aprendiz de tipógrafo na imprensa de Bellevaux.

1828 – Proudhon é corrector na tipografia Gauthier que é especialista nas obras de teologia e de patrística. “Os meus verdadeiros mestres”, declarará em 1848 ao amigo J. A. Langlois, “quero dizer aqueles que fizeram nascer em mim ideias fecundas, são em número três: A Bíblia, Adam Smith e Hegel”.

1833 – Morte, no regimento, do irmão Jean-Étienne, vítima, segundo Proudhon, do seu capitão: “Esta morte acaba por me tornar irreconciliável inimigo da ordem actual”, podemos ler nas “Mémoires sur ma vie”.

1836 – No início do ano, compra com os seus amigos Lambert e Maurice uma pequena tipografia em Besançon, a imprensa Montarsolo, que toma o nome de Lambert et Cie. A empresa acaba por se tornar desastrosa.

1838 – Em Abril morre Lambert, provavelmente de uma forma voluntária. A 31 de Maio escreve à Academia de Besançon apresentando a sua candidatura à pensão Suard. Esta renda – 1500 francos/ano – era atribuída todos os três anos a um jovem pobre da região manifestando vocação quer para a carreira das letras ou das ciências, quer para

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o estudo do direito ou da medicina, a fim de lhe permitir prosseguir estudos. A 23 de Agosto é-lhe atribuída a pensão, mas renunciará rapidamente a conquistar diplomas.

1840 – “Qu`est-ce que la propriété?” Imediatamente causa de escândalo. O Ministério Público pensa em perseguir Proudhon, mas é salvo pelo economista Adolphe Blanqui, irmão do revolucionário e membro do instituto que admite o valor científico da obra num relatório à Academia das Ciências morais e políticas. Endivida-se cada vez mais devido à tipografia.

1844-1845 – Encontros em Paris com Bakunine, Karl Grun, Karl Marx, etc. Discussões sobre Hegel. Na obra “A Sagrada Família” Marx fará rasgados elogios ao livro “O que é a Propriedade?” Os dois homens romperão em 1846.

1846 – Morre o pai de Proudhon. Escreveu a obra “Système des contradictions économiques ou philosophie de la misère”. Em 1847 Marx contraporá com a obra “Miséria da Filosofia” onde apelida Proudhon de “pequeno burguês constantemente oscilando entre o capital e o trabalho, entre a economia política e o comunismo”.

1847 – Morre a sua mãe. “Eis-me sozinho, sofrivelmente, desafeiçoado, desiludido, desgostoso…”.

1848 – Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels. Proudhon é eleito em Paris nas eleições complementares da Assembleia Nacional com 77 000 votos.

1849 – Tentativa de organização do “Banque du Peuple” que devia fornecer a uma taxa baixa os capitais necessários à compra de matérias-primas e ferramentas, sem sucesso. Três violentos artigos contra o príncipe-presidente vão valer-lhe acções judiciais, sendo condenado a três anos de prisão e ao pagamento de 3000 francos de multa pelo Tribunal do Sena. Refugia-se na Bélgica. Tendo cometido a imprudência de voltar a Paris, é preso em Sainte-Pelágie até 1852.Casamento com Euphrasie Piégard, operária passamaneira e quatro filhos nascerão desse casamento.

1855 – Apresenta ao príncipe Napoleão um projecto que era a retomada do Banco do Povo que devia servir para arruinar a Banca toda poderosa e os financeiros.

1858 – Colocado à venda o livro “De la justice dans la Révolution et dans l`Église”, sendo apreendido pouco tempo depois. Nova acção judicial e nova condenação que o levam a fugir para Bruxelas.

1865 – Morre a 19 de Janeiro.

Nota: Dados retirados da obra “Do Princípio Federativo e da Necessidade de Reconstruir o Partido da Revolução”, Proudhon. Francisco Trindade, Edições Colibri.

A polémica de Marx com Proudhon

A polémica com Proudhon vai ainda mais longe, ou não tivesse Marx que dissimular o muito que devia ao socialista libertário francês, a influência metodológica e teórica que este sobre ele exercera; e dos aspectos retintamente autoritários ab ovo do próprio pensamento e praxis de

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Marx e Engels, e com certeza das inevitáveis e pessoais maneiras de ser e de estar, mal me atreveria a balbuciar, se fosse mais deferente. Como não é o caso, só posso lembrar que Proudhon empreendera a crítica da economia política (dos seus postulados básicos e dos seus preconceitos “liberais”) e dos “socialistas utópicos” (que nada percebiam de economia) muito antes de Marx. A sua primeira dissertação sobre a propriedade (“O Que É A Propriedade?”), de 1840, na qual dissera que “a propriedade é o roubo”, soara como um toque a rebate para reunir as hostes e já ele era um socialista anarquista conhecido em França e internacionalmente e Marx não passava de um jovem filósofo antifilosófico da “esquerda hegeliana”. Só assim se compreende que Marx tenha falado na “Rheinische Zeitung”, logo em 1842, dos “trabalhos tão penetrantes de Proudhon” e, em 1845, em “A Sagrada Família Ou Crítica Da Crítica Crítica Contra Bruno Bauer E Consortes”, ou seja, contra os seus antigos colegas, tenha escrito preto no branco: “Proudhon não escreve apenas no interesse dos proletários, ele próprio é proletário, operário. A sua obra é um manifesto científico do proletariado francês.” (…)

Tanto “reconhecimento” é compreensível e hoje então completamente impossível de escamotear. Ao falar de forças colectivas que não se esgotam no processo produtivo e que são muito mais do que a simples adição das forças adicionais, Proudhon, além de insistir no carácter social do trabalho e na impossibilidade de detectar um trabalhador isolado para que se possa medir a sua força de trabalho, está a dar o mote às mais restritas forças produtivas de Marx; e ao falar do “erro de contas” do capitalista que que paga às forças colectivas como se estivesse a pagar às forças individuais adicionadas, metendo ao bolso a diferença, está a entregar a Marx a “teoria da mais-valia”, de que ele se apropriará sem hesitar e sem mencionar a origem:“Duzentos granadeiros nalgumas horas puseram de pé o obelisco de Lucsor; poderá supor-se que um homem só, em duzentos dias, teria concluído essa tarefa? No entanto, pelas contas do capitalista, a soma dos salários teria sido a mesma.” (“O Que É A Propriedade?”).É o próprio Marx, no curto momento em que as relações entre ambos ainda são aceitáveis, quem é obrigado a reconhecê-lo, sem voltar à carga mais tarde, em “A Sagrada Família”, provando que pela boca morre o peixe: “Ao fazer do trabalho a medida do salário e da determinação do valor e ao mostrar a mais-valia resultante da força colectiva, ele explicou porque o capitalista pode comprar não só o produto do trabalho, mas mais do que esse produto.” (…)Só que Proudhon era ética e praticamente muito mais consequente: “ A revolução social ficará seriamente comprometida, se chegar pela revolução política.” Donde: “Quem quer que seja que, para organizar o trabalho, faça apelo ao poder e ao capital, mentiu, porque a organização do trabalho deve ser a decadência do poder e do capital.”

As relações entre Proudhon e Marx, contudo, depressa perderiam o carácter deferente e cordial. Em 1844, conheceram-se pessoalmente em Paris (…) onde houve discussões até horas tardias e nelas chegaram a participar o exilado russo M. Bakunine, vários hegelianos alemães da jovem geração, Ewerbeck e Karl Grun, que foi quem pôs em contacto directo Proudhon e Marx e será o futuro tradutor para alemão das obras do socialista francês.Tudo ficará turvo quando, após expulsão de diversos alemães por pressão do governo da Prússia sobre o governo de Guizot, em Fevereiro de 1845, Marx enviou de Bruxelas uma carta, a 5 de Maio de 1846. Nessa curta missiva, pediu-lhe que participasse numa rede de correspondência internacional, possível embrião de qualquer directório encarregado da “vigilância a exercer sobre os escritos populares”; e, sob a assinatura falsa de um tal Phillipe Gigot, lançou-se, como bom intriguista que era, na calúnia de Grun, chamando-lhe “cavalheiro de indústria literária”, “charlatão” e “parasita” e acusando-o de ter o atrevimento de se jactar de ser o “professor privado” de Proudhon.É evidente que Proudhon não tinha vocação para vigiar ninguém, nem podia aderir a uma concepção dirigista da revolução, (…), e declinou com grande elegância e aprumo ético o

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convite de Marx, fazendo-lhe igualmente sentir que não gostava de delactores e caluniadores. Essa resposta foi expedida de Lyon, em 17 de Maio de 1846:“Procuremos juntos, se quiser, as leis da sociedade, o modo como essas leis se realizam, o progresso segundo o qual nós logramos descobri-las; mas, que diabo!, depois de termos demolido todos os dogmatismos apriorísticos, nem sonhemos sequer por nosso turno a doutrinação do povo; não caiamos na contradição do seu compatriota Martinho Lutero que, depois de ter derrubado a teologia católica, se pôs logo, à força de excomunhões e anátemas, a fundar uma teologia protestante.” E prosseguiu nos seguintes termos, antes de anunciar que a sua resposta era negativa: “… lá porque estamos à cabeça de um movimento, não nos armemos em chefes de uma nova intolerância, não nos armemos em apóstolos de uma nova religião, mesmo que essa religião fosse a religião da lógica, a religião da razão.” Após recusar a associação com Marx, anunciou-lhe a próxima saída do prelo de uma obra que Grun traduzirá para alemão e definiu-lhe de uma vez por todas a sua posição em relação ao homem difamado, não sem lamentar previamente “as pequenas divisões” do socialismo alemão: “Grun encontra-se exilado, sem fortuna pessoal, com uma mulher e duas crianças a cargo, dispondo apenas da pena para viver. Que quer que ele explore, se não as ideias modernas? Compreendo a sua ira filosófica e concordo que a santa palavra da humanidade nunca deveria constituir matéria de tráfico; mas não quero aqui ver senão a infelicidade, a extrema necessidade, e desculpo o homem. Ah, se fossemos todos milionários as coisas correriam melhor; seríamos santos e anjos.” E depois de achar que não atribuía à expressão “professor privado” a mesma conotação que Marx lhe queria dar, concluiu dizendo que Grun não lhe pagava na mesma moeda tanto rancor, uma vez que, juntamente com Ewerbeck, lhe dera a conhecer os seus escritos, os de Engels e os de Feuerbach, já que Proudhon não lia alemão.

Imagine-se com que sangue a ferver e com que humilhação o Doktor Marx terá recebido do “proleta” esta lição, cheio de si mesmo e vaidoso como era, e com que raiva recalcada e inextinguível ficou a aguardar que Proudhon pusesse o pé em falso, para logo daí extrair uma indução “gloriosa”, ou vergonhosa, e ditar uma sentença inapelável. (…)

E em 15 de Outubro de 1846 saiu do prelo o “Sistema Das Contradições Económicas Ou Filosofia Da Miséria”, obra com cerca de 800 páginas e de valor desigual, em que Proudhon, depois de delinear magistralmente o âmbito da ciência económica, expôs de novo a metodologia da “dialéctica serial”, cheia de séries de antinomias e equilíbrios, que alguns leitores apressados ainda hoje confundem com a dialéctica hegeliana mal assimilada. A obra em si, não obstante, já então fornecia a substância de “O Capital”, o qual só veria a luz do dia (1º livro) cerca de 20 anos depois (1867).

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Para Marx, a ocasião era demasiado boa para ser desperdiçada. Como Proudhon opusera sumariamente as doutrinas dos socialistas aos ensinamentos dos economistas, concluindo que os primeiros se perdiam na utopia e desconheciam a experiência, enquanto os segundos desdenhavam a razão e não conseguiam extrair as ideias a partir dos factos, urgindo organizar a série de antinomias e equilíbrios, a fim de progressivamente se descobrir a lei da ordem e da fenomenologia humana – logo Marx aí detectou ambiguidades e conciliações entre os contendores, quando Proudhon apenas pretendia estabelecer o nexo entre os dois métodos e não escolher, e menos ainda optar pelo “justo meio termo”, dado que tal atitude, a seu ver, era “traição em religião e absurda em ciência”.

libertário, revolução não é a tomada do poder por qualquer grupo aguerrido ou democrático, mas tudo o que vai contra o Estado, tentando destruí-lo e substituí-lo pela livre associação dos produtores e pela federação das comunas livres, ou pelo menos enfraquecê-lo; enquanto reforma é a atitude deprimente ou entorpecedora que nos leva a esperar do Estado e dos seus donos a mudança ou, pelo menos, a melhoria das coisas. É por isso que qualquer socialista de Estado, por mais centralizador e virulento que seja (Babeuf, Louis Blanc, Marx, Lenine,…), nunca passará de um reformista, ao tentar reformar algo de tão irreformável como é o poder, nas suas vertentes política e económica, e que sempre conquistou todos os seus conquistadores; enquanto todo o libertário, mesmo quando toma atitudes aparentemente mais moderadas e em aparente contradição com o que escrevera antes, só pode ser um revolucionário, até quando tenta a destempo criar o desastrado Banco do Povo, com crédito gratuito.As posições de Proudhon sobre a propriedade são ilustradoras disso e mais complementares do que contraditórias. É assim que ele explica que muita gente antes de si tenha exclamado indignada que “a propriedade é o roubo”, embora tenha sido ele quem conseguiu escrevê-lo, após uma longa demonstração económica; mas, por outro lado, como desconfia de um esquema uniformizador e fatalmente dirigido a partir do centro, e lhe prefere a pluralidade, admite que a pequena propriedade do camponês, sem títulos de nobreza, capitalísticos ou académicos, é a sua liberdade, a que lhe impede que se proletarize e que os seus entes queridos se degradem pela via do trabalho assalariado. (…)

Mais ainda e não há que esconder nada: tendo, quanto à escolha dos meios, cedido momentaneamente à politiquice e à tentação parlamentar, chegando a ser deputado – um deputado que chocava todos os outros parlamentares, mas ainda assim deputado – logo emendou a mão e escreveu: “É preciso ter-se vivido nesse compartimento fechado que é a Assembleia Nacional, para se conceber como os homens que ignoram mais

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Donde, passou o inverno inteiro a redigir uma “resposta”, embora nunca tivesse sido pessoalmente visado e menos ainda citado. Proudhon devia considerá-lo demasiado “filósofo” e pouco sabedor das coisas económicas, vindo nitidamente atrás de Engels, burguês de nascimento e de espírito como o seu sócio literário, mas ao menos com a experiência da direcção da fábrica do pai, propriedade da empresa Ermen & Engels! É que Proudhon é muito complexo, além de fecundo, e possivelmente o mais surpreendente dos pensadores revolucionários do século XIX; mesmo quando parece estar a resvalar para posições mais moderadas e reformistas, é tudo menos isso, se tivermos bem presente que, do ponto de vista

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completamente o estado de um país são quase sempre os que o representam.” Este pequeno excerto, inserto no livro “Confissões de um Revolucionário”, foi escrito em 1849, na cadeia de Sainte-Pélagie, em Paris. É que, entrementes a Assembleia retirara-lhe a imunidade parlamentar, por causa dos três violentos artigos que redigira contra o Presidente, o futuro imperador Napoleão III. A partir daí, nunca mais quis ouvir falar de eleições ou de democracia representativa. Passou a preconizar a abstenção e desaconselhou qualquer “candidatura operária”. Estava, numa palavra, vacinado e cada vez mais anarquista…

E em Julho de 1847, saiu o trocadilho com 178 páginas, da lavra do Doktor Marx, que pretendia ser uma réplica ataviada, ou engerocada, à pressa: “Miséria da Filosofia, Resposta à Filosofia da Miséria do Senhor Proudhon”. O próprio título sugeria que o pobre do “senhor” Proudhon ainda filosofava como um pateta, enquanto o sabichão do “doutor” Marx já estaria para além das filosofias. Marx é que ficou para sempre agarrado à dialéctica hegeliana e ao fatalismo dela decorrente, enquanto Proudhon, por exemplo, dirá, em “Da Justiça na Revolução e na Igreja”, que “(…) as ideias de Hegel não são outra coisa senão a descrição do organismo intelectual que governa o Homem e a natureza, do mesmo modo que a sua liberdade não é outra coisa senão a força cega que empurra esse organismo. (…) Não, não há outra coisa senão a força cega que empurra esse organismo. (…) Não, não há papel nenhum para a liberdade no sistema de Hegel e, portanto, não há lugar nenhum para o progresso.”Sem se preocupar com essas ninharias, o mote da “Miséria” aparece logo em epígrafe: “O senhor Proudhon tem a infelicidade de ser singularmente desconhecido na Europa. Em França tem o direito de ser mau economista, porque passa por bom filósofo alemão. Na Alemanha, tem o direito de ser mau filósofo, porque passa por um economista francês dos mais fortes. Nós, na nossa qualidade, ao mesmo tempo, de alemão e de economista, quisemos protestar contra esse duplo erro.”Já no miolo do panfleto, onde as convergências com o pensamento proudhoniano são disfarçadas com uma má-fé insuperável, ao ponto de quase podermos dizer que estamos ante “Proudhon, crítico do proudhonismo”, como diria Rubel, Marx apresenta uma “brilhante” conclusão que os pintainhos do marxismo ainda hoje, sem programação para mais, repetem como andróides, autómatos ou antropopitecos: Proudhon não passaria de um “pequeno burguês balanceado constantemente entre o capital e o trabalho, entre a economia política e o comunismo”, sendo “promovido”, em 1848, no “Manifesto do Partido Comunista”, de Marx e Engels, a “socialista burguês e reaccionário”, deixando de ser “pequeno”, que sempre é um termo mais “carinhoso”. (…)

Proudhon, a quem uma boa polémica nunca assustara, após breve hesitação, decidiu não ripostar à “Miséria”, apesar de instado por alguns amigos. (…) Não ripostando formalmente, não se coibiu de anotar de alto a baixo o libelo marxista, sendo as suas anotações publicadas postumamente. Uma das mais importantes é a que reza assim: “O verdadeiro sentido da obra de Marx é que ele nutre o secreto desgosto de em tudo eu ter pensado como ele e de tê-lo dito antes dele… Na verdade, Marx está mas é cheio de ciúmes.” E ao seu editor escreverá sobre o panfleto, apontando-lhe as razões por que não replicava e explicando-lhe que semelhante discurso não passava de um “tecido de grosserias, de calúnias, de falsificações, de plágios”, enquanto confiava ao seu “Carnet” a célebre apóstrofe: “Marx é a ténia do socialismo”.

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Pierre-Joseph Proudhon e seus filhos, óleo sobre tela por Gustave Courbet, 1865.

Proudhon tinha descodificado a prosa marxista e desmontado a maneira “original” que Marx tinha de polemizar: enquanto pilhava o que Saint-Simon, Louis Blanc ou o próprio Proudhon, entre outros, tivessem de aproveitável, revestia o produto do saque com uma fraseologia pedante e, depois, zurzia os espoliados! E não pensou mais no caso. Ainda tinha para dar à estampa a sua maior obra em tamanho (cerca de mil páginas) e acuidade crítica: “Da Justiça na Revolução e na Igreja”, livro publicado em 1858 e que vendeu 6000 exemplares em meia dúzia de dias, sendo logo retirado da circulação pelos sicários do Imperador. Sem já falarmos, entre outros, de trabalhos tão importantes como “Do princípio Federativo (1863) ou “Da Capacidade Política das Classes Operárias”, obra que sairá do prelo já postumamente e que tanto influenciará o movimento operário até 1914 e o sindicalismo revolucionário (sindicalismo de acção directa e independente da tutela dos partidos políticos), nem de escritos mais autobiográficos como os extensíssimos “Carnets” (1843-1860) ou as “Confissões de um Revolucionário” (1849), onde são descritos todo um itinerário pessoal e uma estratégia global: “A ideia económica do capital, a ideia política do governo ou da autoridade e a ideia teológica da Igreja são três ideias idênticas e reciprocamente convertíveis: atacar uma é atacar as outras. O que o capital faz ao trabalho e o Estado à liberdade, faz por seu turno a Igreja à inteligência. Esta trindade do absolutismo é fatal, tanto na prática como na filosofia. Para oprimir eficazmente o povo, é preciso acorrentá-lo, ao mesmo tempo, no corpo, na vontade e na razão.” (…)

Nota: Texto retirado do livro “Novas Crónicas Bem Dispostas e Uma Réplica Muito Comprida”, de Júlio Carrapato, Edições Sotavento.

O que é a propriedade?

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Tenciono discutir o próprio princípio do nosso governo e das nossas instituições, a propriedade: estou no meu direito; posso enganar-me na conclusão das minhas pesquisas: estou no meu direito; agrada-me inserir o último pensamento do meu livro no começo: estou ainda no meu direito.

(...)

Terminei a obra que me propus; a propriedade está vencida; nunca mais se reerguerá. Em toda a parte onde este discurso for lido e comunicado ficará depositado um germe de morte para a propriedade: ali, cedo ou tarde, desaparecerão o privilégio e a servidão; ao despotismo da vontade sucederá o reino da razão. Com efeito, que sofismas, que obstinação preconceituosa se sustentariam perante a simplicidade destas proposições?:

I) A posse individual é a condição da vida social; cinco mil anos de propriedade demonstram que a propriedade é o suicídio da sociedade. A posse está dentro do direito; a propriedade opõe-se ao direito. Suprimi a propriedade e conservai a posse; e, só com essa alteração no princípio, mudareis tudo nas leis, no governo, na economia, nas instituições: expulsareis o mal da terra.

II) Como o direito de ocupar é igual para todos, a posse varia de acordo com o número de possuidores; a propriedade não pode formar-se.

III) Como o resultado do trabalho é o mesmo para todos, a propriedade perde-se com a exploração alheia e o aluguer.

IV) Como todo o trabalho humano resulta necessariamente de uma força colectiva, toda a propriedade se torna, pela mesma razão, colectiva e indivisa: em termos mais exactos, o trabalho destrói a propriedade.

V) Como toda a capacidade de trabalho constitui, como todo o instrumento de trabalho, um capital acumulado, uma propriedade colectiva, a desigualdade de ganho e de fortuna, sob pretexto de desigualdade de capacidade, é injustiça e roubo.

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A propriedade é o roubo.Se eu tivesse que responder à seguinte pergunta: O que é a escravidão? E respondesse numa palavra: É o assassinato, o meu pensamento seria imediatamente compreendido. Não teria necessidade de um discurso muito longo para mostrar que o poder de espoliar o homem do pensamento, da vontade, da personalidade, é um poder de vida e de morte, e que escravizar um homem é assassiná-lo. Porque, então, a esta outra pergunta: O que é a propriedade? não posso responder da mesma forma: É o roubo, sem ter a certeza de que não serei compreendido, embora essa segunda proposição não seja mais do que a primeira transformada?

Tenciono discutir o próprio princípio do nosso governo e

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VI) O comércio tem como condições necessárias a liberdade dos contratantes e a equivalência dos produtos trocados: ora, como o valor tem por expressão a soma de tempo e de despesa que cada produto custa, e sendo a liberdade inviolável, os trabalhadores são necessariamente iguais em salários como o são em direitos e deveres.

VII) Os produtos só se compram com produtos: ora, como a condição de toda a troca é a equivalência dos produtos, o lucro é impossível e injusto. Observai esse princípio da mais elementar economia e o pauperismo, o luxo, a opressão, o vício, o crime desaparecerão de entre nós juntamente com a fome.

VIII) Os homens são associados pela lei física e matemática da produção, antes de sê-lo por livre assentimento: portanto, a igualdade das condições é de justiça, isto é, de direito social, de direito estrito; a estima, a amizade, o reconhecimento, a admiração prendem-se ao direito equitativo ou proporcional.

IX) A associação livre, a liberdade, que se limita a manter a igualdade nos meios de produção e a equivalência nas trocas, é a única forma possível de sociedade, a única justa, a única verdadeira.

X) A política é a ciência da liberdade: o governo do homem pelo homem, não importa o nome com que se disfarce, é opressão; a mais alta perfeição da sociedade reside na união da ordem e da anarquia.

Pierre-Joseph Proudhon, in O que é a propriedade?

Sou anarquista

Que forma de governo preferiremos? — Ora, responderá sem dúvida algum dos meus leitores mais jovens, para quê perguntá-lo? Sois republicano. — Republicano, sim; mas essa pergunta não diz nada. Res publica é a coisa pública; quem quer que almeje a coisa pública, sob não importa que forma de governo, pode dizer-se republicano. Os reis também são republicanos. — Então sois democrata? — Não. — Como?! Seríeis por acaso monarquista? Não. — Constitucional? — Deus me livre! — Sois então aristocrata? — De forma alguma. — Aspirais a um governo misto? — Menos ainda. — Que sois então? — Sou anarquista.

— Entendo: estais satirizando o governo. — De modo algum: acabais de ouvir a minha profissão de fé, séria e maduramente reflectida; embora muito amigo da ordem, sou, em toda a força da expressão, anarquista.

Pierre-Joseph Proudhon, in O que é a propriedade?

O sufrágio universal

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O sufrágio universal é a contra-revolução.

Pierre-Joseph Proudhon, in Ideia Geral da Revolução no Século XIX

Como é que o sufrágio universal conseguiria manifestar o pensamento, o verdadeiro pensamento do povo, quando o povo está dividido, pela desigualdade das fortunas, em classes subordinadas umas às outras, votando por servilismo ou por ódio; quando esse mesmo povo, jugulado pelo poder, não pode, apesar da sua soberania, fazer ouvir o seu pensamento sobre nada; quando o exercício dos seus direitos se limita a escolher todos os três ou quatro anos os seus chefes e os seus charlatães; quando a sua razão, moldada pelo antagonismo das ideias e dos interesses, não sabe senão ir de uma contradição para outra contradição?

É preciso ter-se vivido nesse retiro isoladíssimo a que se chama Assembleia Nacional, para se conceber como é que os homens que ignoram mais completamente o estado de um país, são quase sempre os que o representam.

Pierre-Joseph Proudhon, in Confissões de um revolucionário

Tu não participarás em ajuntamentos; tu não imprimirás a palavra; tu não lerás; tu respeitarás os representantes e os funcionários que o desfecho do escrutínio ou a vontade discricionária do Estado te tiverem dado; tu obedecerás às leis que a sua moderação te tiver concedido; tu pagarás fielmente o orçamento; e tu amarás o governo, teu senhor e teu deus, com toda a tua alma, com todo o teu coração, com toda a tua inteligência: porque o governo sabe melhor do que tu aquilo que tu és, o que tu vales, o que te convém, e tem o poder de castigar os que desobedecem aos seus mandamentos, como de recompensar até à quarta geração aqueles que lhe são agradáveis.

Pierre-Joseph Proudhon, in Ideia Geral da Revolução no Século XIX

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O governado

Oh, personalidade humana! Como é possível que durante sessenta séculos tenhas vivido miseravelmente nesta abjecção! Dizes-te santa e sagrada, e não passas da prostituta, infatigável, gratuita, dos teus lacaios, dos teus monges e dos teus soldados de velha guarda. Sabe-lo e sofres com isso! Ser governado é ser guardado à vista, inspeccionado, espiado, dirigido, legislado, regulamentado, arrumado, doutrinado, pregado, controlado, estimado, apreciado, censurado, mandado, por seres que não têm o título, nem a ciência, nem a virtude.

Ser governado é ser, a cada operação, a cada transacção, a cada movimento, notado, registado, recenseado, tarifado, selado, medido, avaliado, patenteado, licenciado, autorizado, apostilado, admoestado, impedido, reformado, reeducado, corrigido. É, com o pretexto de utilidade pública, e em nome do interesse geral, ser pedido em empréstimo, exercitado, espoliado, explorado, monopolizado, abalado, pressionado, mistificado, roubado; depois, à menor resistência, à primeira palavra de queixa, reprimido, multado, injuriado, vexado, encurralado, maltratado, batido, desarmado, garrotado, aprisionado, fuzilado, metralhado, julgado, condenado, deportado, sacrificado, vendido, traído e, ainda por cima, jogado, escarnecido, ultrajado, desonrado. Eis o governo, eis a sua justiça, eis a sua moral!

E dizer que há entre nós democratas que pretendem que o governo tem coisas boas; socialistas que apoiam, em nome da liberdade, da igualdade e da fraternidade, esta ignomínia; proletários que se candidatam à presidência da República! HIPOCRISIA!...

Pierre-Joseph Proudhon

Nota: Os textos das páginas 8, 9 e 10, chegaram-nos, via correio electrónico, enviados pelos companheiros S e A.M.

Acção Directa – Manuel Joaquim de Sousa

“A acção directa é não confiarmos no parlamentarismo nem nos homens que o defendem; é não esperar do Estado senão reformas ilusórias e deprimentes para os que produzem e sofrem; é não entregarmos as resoluções das nossas questões com o

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patronato a políticos que sempre nos ludibriam: é lutarmos aberta e directamente contra aqueles que directamente nos escravizam; é confiarmos na força saída do nosso esforço; é lutarmos no campo económico-social cada vez com mais energia, de modo a que abreviemos a queda do patronato e do salariato que nos têm presos ao carro da escravidão capitalista; é, em suma, o meio de

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da sua personalidade.”

Já a acção parlamentar é o que se sabe, cada vez com mais exemplos esclarecedores, como o recente referendo grego, é passar “cheques em branco” de quatro em quatro anos àqueles que ficarão com o privilégio de decidir o rumo das nossas próprias vidas, independentemente daquilo que consideramos certo e olhando especificamente à (i)lógica dos ditos mercados.

Segundo Júlio Carrapato “acção directa e acção parlamentar opõem-se, pois, irreconciliavelmente e excluem-se mutuamente, não tendo a acção parlamentar nada a ver com simples delegação para a realização de determinadas tarefas concretas e limitadas ou com o mandato imperativo, no seio de uma sociedade libertária, igualitária e autogerida, em que os delegados da base podem ser destituídos em qualquer momento, a esta regressando, sem nunca se terem afastado dela.”

Neoliberalismo

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patronato a políticos que sempre nos ludibriam: é lutarmos aberta e directamente contra aqueles que directamente nos escravizam; é confiarmos na força saída do nosso esforço; é lutarmos no campo económico-social cada vez com mais energia, de modo a que abreviemos a queda do patronato e do salariato que nos têm presos ao carro da escravidão capitalista; é, em suma, o meio de

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Retirado da revista anarquista Acção Directa

Eleições

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Dificuldade de Governar

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Todos os dias os ministros dizem ao povo Como é difícil governar. Sem os ministros O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima. Nem um pedaço de carvão sairia das minas Se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda Mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra Nunca mais haveria guerra. E atrever-se-ia a nascer o sol Sem a autorização do Führer? Não é nada provável e se o fosse Ele nasceria por certo fora do lugar.

É também difícil, ao que nos é dito, Dirigir uma fábrica. Sem o patrão As paredes cairiam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem. Se algures fizessem um arado Ele nunca chegaria ao campo sem As palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem, De outro modo, poderia falar-lhes na existência de arados? E que Seria da propriedade rural sem o proprietário rural? Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas.

Se governar fosse fácil Não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como o do Führer. Se o operário soubesse usar a sua máquina E se o camponês soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas Não haveria necessidade de patrões nem de proprietários. É só porque toda a gente é tão estúpida Que há necessidade de alguns tão inteligentes.

Ou será que Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira São coisas que custam a aprender?

Bertolt Brecht

Sobre a democracia

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O fundamentalismo democrático é-nos imposto e serve de correia de transmissão do capitalismo, de um modelo onde os homens são explorados por outros homens, promovendo guerras, miséria e desigualdades.Fazem-nos crer numa falsa liberdade por se ter acesso a eleger de 4 em 4 anos aqueles que depois dirão ser os representantes legitimados pelo voto, pelas maiorias, arrogando-se a cometer as maiores infâmias pretensamente em nome dessas, no entanto efectivamente em nome dos mercados, como tão bem nos fomos habituando a ouvir. Limitam-se pois a defender e a acumular quotas de poder político e económico por forma a manter-se o domínio sob a sociedade. Que autoritarismo! Que fraude! Através dos meios de (des)informação, do sistema de instrução e de muitas outras instituições que servem para eternizar o domínio tendo em vista a formação do pensamento, o Estado vai transmitindo a ideia de que trabalha e serve o “bem comum”, quando na realidade o fosso entre ricos e pobres aumenta exponencialmente, por exemplo. Vivemos definitivamente num totalitarismo que utiliza palavras ocas como “democracia”, “povo”, “bem comum”, “austeridade” (para quase todos e em benefício de poucos, pois claro), entre tantas outras, como forma de manutenção desta dominação absurda e inaceitável.Quanto a nós anarquistas, acratas ou libertários, rejeitamos esta sociedade hierarquizada, de especialistas e de dirigentes que, qual casta superior e que nasceu para governar, sabe o que é melhor para nós, comum dos mortais.Temos bem presente que somos capazes de resolver os nossos problemas e de decidir o rumo que queremos dar à nossa vida colectiva. Sabemos, como oprimidos e explorados, que a acção directa, a greve “selvagem” e activa, a autogestão, as assembleias horizontais e o apoio mútuo são os meios que temos para um dia alcançarmos a Revolução Social.Houve um dia quem dissesse que “a democracia é a pior forma de governo, exceptuando as demais”. (W. Churchill) Ideia tantas vezes repetida e que serve os intentos de tantos manipuladores que apenas pretendem a manutenção desta sociedade em pirâmide, fazendo eles parte do cume, pois claro.Quanto a mim pergunto, para quando uma mentalidade que nos faça prescindir de governos? Para quando o derrubar dos alicerces desta sociedade capitalista e autoritária?

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Muitos de nós fomos crescendo ouvindo dizer que a chamada democracia seria o melhor dos regimes. Até se compreende, os nossos pais e avós vivenciaram períodos onde a coacção e repressão eram mais visíveis e intensos. E como E. Malatesta bem diagnosticou no seu tempo, outro dos males do fascismo é fazer-nos sentir saudades da dita democracia.

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