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NOVAS EXPLORAÇÕES DO TRABALHO NO AMBIENTE PÓS VIRTUAL: O DIREITO LABORAL E A HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE ENTRE A PRECARIZAÇÃO E A DESUMANIZAÇÃO DA SOCIEDADE Eva Cristina Franco Rosa dos Santos Mestre (UFG), Doutoranda (UMSA Buenos Aires) Professora Universitária em Faculdade Estácio de Goiânia Advogada, membro da Comissão de Direito Digital e Informático da OAB/GO [email protected] Resumo: Desde que adentramos um momento em que as virtualidades de uma sociedade cada vez mais afeita aos mundos da internet, e que essas mesmas virtualidades se convertem em pós virtualidades, ou seja, quando um discurso crítico à nova realidade vem à tona, um discurso que, curiosamente, usa do meio que critica para se estabelecer, paulatinamente, uma nova conformação do social surge, relações expostas nas mídias e redes sociais, a ausência de distanciamento virtual entre as pessoas, o privado vindo à público e criando aquilo que Byung-Chul Han chama de sociedade do desrespeito, isso tudo tem reflexos importantes e perigosos para os mundos do trabalho, pois acirra a lógica da superexploração do trabalhador a partir do uso intenso de um trabalho morto, que ocorre em razão da própria nova estruturação da sociedade no meio virtual, como bem apontou Ricardo Antunes, em detrimento do trabalho vivo, da remuneração justa e outros direitos fundamentais do trabalhador. A sociedade e os Estados ocidentais democráticos, apesar de portarem discursos de abertura, promovem, por debaixo dos panos, uma lógica de vida nua e superexploração do ser humano, fomentando ambientes e lógicas próximas à Exceção, como afirma Agamben, e que nesse momento de covid-19 estão assumindo uma feição mais clara. Nesse sentido, importa para esse artigo buscar numa mirada da coetaneidade de uma História do Tempo Presente, que é um tempo compartilhado epistemologicamente entre o estudo e o estudioso, o caminho de uma sociedade do pós- virtual no mundo do trabalho, e observar se é possível ver na mesma - e em qual medida - a continuidade de uma lógica da máquina e da desumanização da sociedade. A metodologia aqui utilizada é a da pesquisa qualitativa com estudo comparado de referencial teórico, legal, jurisprudencial e bibliográfico, e ainda entrevistas com fontes como entregadores de aplicativos do mundo virtual, bem como uso de dados de fóruns de Direito sobre o tema dos Direitos Fundamentais e Laborais. Palavras-chave: trabalho virtual, superexploração do trabalho virtual, direito do trabalho digital, mundos do trabalho, vida nua 1 Digital, Virtual, Pós-virtual e Pós-digital

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NOVAS EXPLORAÇÕES DO TRABALHO NO AMBIENTE PÓS VIRTUAL: O

DIREITO LABORAL E A HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE ENTRE A

PRECARIZAÇÃO E A DESUMANIZAÇÃO DA SOCIEDADE

Eva Cristina Franco Rosa dos Santos

Mestre (UFG), Doutoranda (UMSA – Buenos Aires)

Professora Universitária em Faculdade Estácio de Goiânia

Advogada, membro da Comissão de Direito Digital e Informático da OAB/GO

[email protected]

Resumo: Desde que adentramos um momento em que as virtualidades de uma sociedade

cada vez mais afeita aos mundos da internet, e que essas mesmas virtualidades se

convertem em pós virtualidades, ou seja, quando um discurso crítico à nova realidade

vem à tona, um discurso que, curiosamente, usa do meio que critica para se estabelecer,

paulatinamente, uma nova conformação do social surge, relações expostas nas mídias e

redes sociais, a ausência de distanciamento virtual entre as pessoas, o privado vindo à

público e criando aquilo que Byung-Chul Han chama de sociedade do desrespeito, isso

tudo tem reflexos importantes e perigosos para os mundos do trabalho, pois acirra a lógica

da superexploração do trabalhador a partir do uso intenso de um trabalho morto, que

ocorre em razão da própria nova estruturação da sociedade no meio virtual, como bem

apontou Ricardo Antunes, em detrimento do trabalho vivo, da remuneração justa e outros

direitos fundamentais do trabalhador. A sociedade e os Estados ocidentais democráticos,

apesar de portarem discursos de abertura, promovem, por debaixo dos panos, uma lógica

de vida nua e superexploração do ser humano, fomentando ambientes e lógicas próximas

à Exceção, como afirma Agamben, e que nesse momento de covid-19 estão assumindo

uma feição mais clara. Nesse sentido, importa para esse artigo buscar numa mirada da

coetaneidade de uma História do Tempo Presente, que é um tempo compartilhado

epistemologicamente entre o estudo e o estudioso, o caminho de uma sociedade do pós-

virtual no mundo do trabalho, e observar se é possível ver na mesma - e em qual medida

- a continuidade de uma lógica da máquina e da desumanização da sociedade. A

metodologia aqui utilizada é a da pesquisa qualitativa com estudo comparado de

referencial teórico, legal, jurisprudencial e bibliográfico, e ainda entrevistas com fontes

como entregadores de aplicativos do mundo virtual, bem como uso de dados de fóruns de

Direito sobre o tema dos Direitos Fundamentais e Laborais.

Palavras-chave: trabalho virtual, superexploração do trabalho virtual, direito do trabalho

digital, mundos do trabalho, vida nua

1 Digital, Virtual, Pós-virtual e Pós-digital

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No ambiente em que a humanidade se encontra nessa crise de biossegurança, em

que novas realidades intermediadas pelas máquinas e pelos espaços interconectados via

rede mundial de computadores se torna premente, é necessário pensar sobre algumas

terminologias usadas para descrever a realidade impulsionada pelos computadores

conectados, pelos smart phones e pelos devices de todos os tipos.

Uma das expressões que dizem respeito a essa busca é ‘Pós virtual’. Afinal de

contas, por que se fala em uma pós virtualidade? Quando essa expressão é utilizada, tem

por fim designar um ambiente crítico sobre as virtualidades e que usa do meio virtual para

se fazer, tendo em mente a diferenciação entre virtual e digital feita por Pierre Lévy, em

que o virtual é o aberto, é a experiência, e o digital é o fechado, talvez a forma (LÉVY,

2017), o digital pode ser visto como os ambientes que são habitados nessas novas

realidades, os espaços impossibilitados de uma interação livre, como sites, como

aplicativos em que aquilo que o usuário pode fazer já está bem delimitado. Por outro lado,

o virtual diz respeito à experiência desses usuários nesses locais, sendo que alguns locais

da rede permitem uma maior experiência, de modo que tal espaço adquira valor

internamente por quem use. Quando se fala em virtual, fala-se tanto em uma perspectiva

dos sujeitos individualmente, quanto das experiências coletivas, que são vividas por

grupos ou vários sujeitos.

Nessa ótica, as expressões ‘pós-virtual’ e ‘pós-digital’ apareceram de uma forma

importante no meio das produções da crítica da cultura e das artes digitais. O termo pós

passou a ser muito usado depois de Lyotard tê-lo usado junto à expressão ‘pós-

modernidade’ em 1979, porém, já era usado no movimento arquitetônico que tentava

sobrepujar o modernismo, o chamado ‘pós-modernismo’ arquitetônico. No mesmo

sentido a palavra ‘pós-humano’ passou a ser usada em textos como o Manifesto Ciborgue

de Donna Haraway, que foi escrito nos últimos 5 anos da década de 1980, numa discussão

sobre os efeitos que as tecnologias digitais provocavam no corpo dos seres humanos. O

termo também foi usado em Catherine Hayes no ensaio How We Become Post Humans.

De uma forma ou outra, quando se fala em pós virtual, fala-se da oposição entre virtual e

mundo real, sendo o último nosso mundo físico e o primeiro o mundo dos computadores,

o mundo ao qual temos acesso a partir do ciberespaço informacional, momento em que

fala-se sobre a atrofia do corpo físico, muito temida, a perda da noção humana de tempo

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e espaço, enquanto a mente poderia voar livre pelos espaços abstratos do mundo

informacional (Santaella, 2014).

Uma série, portanto, de produções intelectuais já mostrava como a habitualidade

humana junto ao ambiente informatizado poderia trazer problemas para a coletividade e

para a própria concepção do que é o humano, o que já nos deixa despertos para os efeitos

desse espaço no princípio mor que passou a reger o constitucionalismo internacional

depois das barbaridades do holocausto e das ditaduras latino-americanas, que é o da

Dignidade da Pessoa Humana, um princípio para guiar os sistemas jurídicos dos diversos

Estados e impedir novas ondas de barbaridades daquele patamar.

De lá para cá, nesse meio tempo, chegou o Personal Computer, depois a internet

se popularizou, uma década ou duas depois o aparelho celular com diversas habilidades

de interatividade, o smartphone, apareceu, tomou conta de tudo, e causou uma mudança

nesse processo, no que foi chamado por Santaella de Hipermobilidade, situação em que

os espaços humanos do mundo físico passaram a estar conectados com o mundo digital,

os espaços reais passam a ser virtuais na experiência humana. Isso também adquiriu um

significado com as exposições do evento de arte Transmediale no ano de 2014, que

indagou sobre o que restou do sonho o qual envolvia anteriormente a cultura midiática.

Já o pós-digital tem a ver com o desencanto diante da cibercultura, especialmente num

ambiente pós fenômeno Snowden e a questão da vigilância (Santaella, 2014). Assim

portanto, esse termo é muito usado no contexto das artes.

Temos diversos problemas então envolvendo a questão midiática nesse ambiente

de virtualidade, seja o risco de um pós-humano, um humano atrofiado, seja o fenômeno

da vigilância e do controle, e as contradições emergidas com o big data, as paisagens pós

naturais que surgem com o lixo plástico e silícico de nossa era, o que nos coloca entre o

pós-virtual e o pós-digital. O que subjaz à noção do pós digital, assim, é que não é mais

possível postergar o enfrentamento com as ruínas das fantasias e utopias da última era

tecnológica.

Ao mesmo tempo, autores como Byung-Chul Han, em seus escritos sobre a

sociedade do desrespeito e do cansaço, causada pelo cansaço de informações, nos falam

de uma situação em que a capacidade analítica está impedida de fluir, temos então que a

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internet e a rede são esses meios que inundam de informações todas as sociedades que

delas se aproveitam, impedindo então que sejam expressadas percepções acerca do

humano, uma atrofia da faculdade do pensamento, e também da capacidade do juízo,

tendo em vista o grande número de informações. E não é porque está em amplo acesso a

quantidade de informações, que o mundo estará necessariamente ‘clarividente’. À medida

que aumenta as informações, e o seu fluxo na rede, mais impenetrável é o mundo, adquire

um aspecto de fantasmagoria, e chegamos a um estado de coisas em que a informação

não informa, mas deforma. A comunicação não comunica, apenas acumula. Não há mais

a capacidade de diferenciar o essencial do que não resulta essencial, e mantem-se uma

negatividade do pensamento, do ato de selecionar, algo que impulsiona atitudes de

exclusão, tudo dentro dessa desponderação do lugar do outro (HAN, 2019), como o

trabalhador, como o entregador de aplicativo, por exemplo.

Somado a isso há uma situação generalizada de desrespeito, de contato

desrespeitoso com os demais. O respeito necessita de um olhar distante para ocorrer. Com

as proximidades promovidas pelas redes sociais, por exemplo, esse distanciamento

diminui sobremaneira. Sem o respeito, o espaço público decai, e só sobra o espetáculo.

Hoje há uma carência de distância e aquilo que antes era do domínio privado e do íntimo

está exposto à publicidade. O público e o privado se mesclam, já não é possível nenhuma

esfera física privada, há uma coação que atua para eliminá-la. Além disso, grande parte

da comunicação na internet é anônima, sem um ‘nome’ tampouco pode haver respeito, a

‘shitstorm’ muito presente na rede é um sintoma disso (HAN, 2019).

2 O Trabalho em Plataformas Digitais e a Pós Virtualidade

Diante disso, temos o trabalho em plataformas digitais, ou por intermédio de

plataformas digitais, um trabalho que nem é visto como trabalho, com todas a proteções

que um trabalho deve ter segundo a evolução histórica do nosso Direito, um trabalho visto

agora como um empreendimento individual, facilitado por uma plataforma.

Essa situação da pós virtualidade coloca para nós a crítica do novo momento e das

novas condições do trabalho nas redes, em um mundo já digitalizado e virtualizado, em

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que agora, mais do que nunca, por causa do momento covid-19, vacila entre a sociedade

da vigilância e do controle, a rede deixa de ser simplesmente um espaço de liberdade,

algo que fora anteriormente, cerca de 15 anos atrás, e passa a ser a zona de convívio

principal, de realização de eventos públicos, e também de vigilância, uma facilitadora do

controle, que já ocorria por outros meios. Apesar de vermos sair do mar esse tipo de

controle, com situações que ficaram conhecidas como fenômeno Snowden, de organismos

internacionais vigilando as diversas pessoas e comunidades via devices eletrônicos

conectados à rede, temos também, agora, ainda, uma nova fase desse controle, uma

situação em que as pessoas ficam em suas casas, não saem mais com tanta frequência, e

fornecem conteúdos de suas vidas voluntariamente nas plataformas virtuais, permitindo

assim um amplo acesso livre de uma quantidade crescente e anônima de pessoas,

incluindo aí, aquelas que não pedem licença para ‘espiar’ nossas vidas, sobre diversos

detalhes privados de suas intimidades. Assim, vemos emergir e aprofundar-se a

configuração de uma sociedade do controle no meio digital.

Não obstante, curiosamente, apesar desse maior controle de nossas vidas nesse

novo momento, o controle não está presente na seara laboral, que é uma seara de proteção

dos direitos fundamentais sociais, que elegeu historicamente como seu princípio mor o

Princípio da Proteção, lembrando que no nosso sistema Neoconstitucional pós 1988,

temos a nova realidade da força normativa dos princípios. Ainda assim, diversos institutos

precarizantes tomaram espaço nos últimos 5 anos, o que resultou na reforma trabalhista

de 2017, que tem alguns aspectos bons, mas no geral, vários aspectos precarizantes e em

flagrante descompasso com o significado do ramo jurídico do Direito Laboral. Portanto,

curiosamente, a sociedade se cristaliza num controle, mas esse controle não significa

também, necessariamente, um controle dos direitos fundamentais de segunda dimensão,

os laborais. Muito pelo contrário, vemos com a ascensão de uma sociedade do controle

sobre os direitos fundamentais como liberdade, intimidade e etc, e um descontrole a

respeito dos direitos sociais, que são os direitos fundamentais de segunda dimensão, como

o caso dos direitos trabalhistas.

No virtual e no digital, o trabalho passa a ser despido de suas proteções jurídicas,

a proteção é o que garante a humanidade desse trabalho, mas no contexto digital, nos

últimos 5 anos, a realidade legislativa foi a de destruição dos instrumentos de proteção do

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trabalho. O digital, por ser muito próximo ao privado, por se entender, por exemplo, que

o trabalho digital ocorreria dentro de casa e que, portanto, o trabalhador estaria

confortável, tranquilo, no seu habitat de descanso, imaginou-se, não precisaria nem

mesmo da proteção do instituto jurídico das horas extras, que é um instituto organizado

no sentido de impedir que situações análogas à ideia de escravatura, em que o trabalho

não é limitado de modo algum, e a exploração não tem formas mais duras de controle, e

provoca a desumanização daquele que é objeto desse trabalho, daquele que o executa,

assim é por isso que se diz que o teletrabalho fora excluído da jornada de trabalho pela

Reforma Trabalhista (BRASIL, 2017).

Hoje, no entanto, estamos num momento em que todos, ou grande maioria, estão

executando ou inteiramente suas atividades mais proeminentes via digital/virtual, ou

executam parte de seus trabalhos nessa modalidade, como quando recebem comandos de

seus patrões ou superiores hierárquicos pelo whatsapp, seja lá qual espécie de trabalho

for. Junto a isso, a atual situação do corona-vírus catalisou um processo que vinha

ocorrendo de digitalização e virtualização, de modo que o inteiro da sociedade pode agora

sofrer com essa nova situação, incluindo aqueles que legislam e, então, quiçá entender

porque desde o princípio a ideia da exclusão da jornada de trabalho do trabalho que é

efetuado em casa por intermédio de plataformas virtuais foi um erro.

O trabalho feito em casa não apenas cansa, mas chega a ser muito mais exaustivo,

porque o local de descanso e proteção que classicamente estava no lar, agora passa a ser

também um local de trabalho, tripalium, para usar a expressão latina do instrumento de

tortura laboral usado no mundo antigo. E os ambientes da vida humana que esteticamente

implicavam o descanso, agora também implicam o tripalium na nova experiência laboral

da virtualidade digitalizada. De modo que o trabalhador tem sido paulatinamente excluído

de seu ambiente, sua terra de paz, restauração e serenidade, o que implica um

desmantelamento do ser humano em termos coletivos gerais.

Na verdade, desde o princípio, se um estudo adequado tivesse sido feito a respeito

do ambiente virtual, do digital, do que ele implica em termos humanos e de sociedade,

nunca deveria ter ocorrido a regulamentação desregulamentada do telebrabalho como se

deu. Como a lista de autores citadas até agora nesse texto mostra, desde os anos 1970 já

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havia produção acadêmica a respeito dos processos que ocorrem no meio virtual e

digital. A nossa situação atual de sofrimento perante a perda dos espaços de restauração,

longe dos espaços clássicos do labor, com a vinda dos trabalhadores em massa para os

ambientes caseiros via plataformas digitais (no sentido lato) mostra que esse instituto

jurídico do teletrabalho precisa ser revisto o quanto antes, sob pena de a atual crise

sanitária e de biossegurança aprofundar-se ainda mais, mesmo depois que uma eventual

vacina possa ser sintetizada, os efeitos em termos de saúde mental coletiva desse

fenômeno da perda do espaço de descanso e restauração podem ser ou irreversíveis, ou

de muito difícil reversão.

Além disso, a ideia do desrespeito visto por Byung-Chul Han no meio digital

também tem repercussões na situação do trabalho digital, posto que o desrespeito envolve

a noção, por exemplo, de que o ser não necessita de proteções, como horas extras, como

vínculo empregatício, que lhe irá conferir toda uma série de direitos, como férias, 13º

salário e etc, explicando, até mesmo, porque foi possível para os legisladores pensarem

em excluir o trabalhador digital de algumas proteções clássicas, pois por detrás dessas

exclusões, está o fenômeno do desrespeito no mundo digital, e a filosofia que o explica,

pensada por Han, a qual já mostrava, por assim dizer, o ambiente de ideias que permitiu,

e aqui nós adicionamos essa percepção, que o desrespeito se projetasse, inclusive, sobre

esse tipo de trabalho.

Com o digital há essa aproximação entre aquilo que seria o empregador e o

empregado, porque eles conversam via whastapp andando por suas casas, por seus

banheiros, por seus quartos de dormir, essa interferência entre mundo físico e mundo

digital e virtual tem reflexos no mundo do trabalho digital e seu desmantelamento, se o

trabalhador está tão próximo, como um amigo estaria, como alguém da família estaria,

capaz de acompanhar esse empregador até mesmo ao banheiro, ou à cozinha de sua casa

num mero lançar de dedos numa tela de celular, ele não precisa de tantas garantias, essas

garantias que foram erigidas historicamente pela presença velada do respeito ao outro,

pela observação de sua distância em relação a si. Aí portanto o desrespeito, que aparece

nessa sociedade como resultado da perda do privado, ou melhor, da vinculação mútua, e

não mais excludente, entre privado e público, é uma das chaves para entender diversos

fenômenos que se deram no sentido da desumanização do outro, que tem como um seu

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sintoma, a perda da proteção ao trabalho digital, como um Direito Social e Humano

Fundamental.

3 Explorações, Controle, Desumanização e História do Tempo Presente

E quando falamos em desumanização, precisamos citar também Agamben. Ora, a

tirania, na verdade, é outro dado constitutivo dessa era, posto que, como o grande

jusfilósofo, e que também criou uma Teoria do Estado, Agamben, afirma, o período

democrático é o momento em que o Estado de Exceção fora criado. Afirma que muito

longe de ser um momento excepcional, o Estado de exceção está na raiz na Democracia

tal qual ela fora criada, maculada desde o início, não em essência, mas em intenção, e na

origem do crisol que compõe a contemporaneidade que é uma série de escamoteamentos,

de jogo de claro e escuro entre os modelos institucionais e jurídicos de poder, e a

biopolítica, a qual perfaz um Estado, o poder soberano, que usa da violência e do Direito,

expõe uma vida nua diante de sua vontade de poder, que tem sempre embainhada, como

estratégia, o Estado de Exceção. O poder na Democracia e nos Estados de Exceção que

ela tem carregado em seu bojo é o biopoder, esse que se expressa desde o momento

foucaultiano pela forma do poder sobre corpos. Levar a política, como leva o biopoder,

transformando-a em local da vida nua, como fizeram os terrores nazistas e como fizeram,

embora isso não tenha sido afirmado por Agamben nessa mesma obra, as ditaduras latino-

americanas, é uma maneira que tal biopoder tem para justificar aquilo que, na verdade, é

seu centro e seu destino, o totalitarismo, a totalização, o poder total. O poder, assim,

transforma a vida em vida puramente biológica, com todos os problemas que Hannah

Arendt enxerga nisso (Agamben, 2004; 2010).

Corpo e poder dizem muito, assim, sobre como é o estado de coisas em que a era

do aprofundamento da lógica e influência da máquina, a era digital, surgiu e se

desenvolveu, num local, numa prática política, ou melhor, biopolítica, já permeada pela

necessidade de controle e pela redução da vida à vida nua, que é, ao fim e ao cabo, uma

forma de desumanização.

Nesse sentido, muito importante destacar a concepção de Baudrillard de que é a

irracionalidade humana por detrás de uma técnica que dá gás ao indizível e terrível, e

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assim vemos todas as guerras, as armas desenvolvidas para matar, mas também as

máquinas que retiram a individualidade dos trabalhadores nas fábricas, ou nas suas

próprias casas, com o teletrabalho descontrolado. A busca desenfreada para um gadget

para qualquer necessidade alimenta, na verdade, um sonho inconsciente da

funcionalidade milagrosa do corpo, um desejo de projetar-se e criar no mundo. Assim,

por um lado o momento de aprofundamento da era da máquina no digital é uma

continuação do controle sobre os corpos, da desumanização, do reino da vida nua, mas é

também a promessa da tentativa de superar esse controle, porque a rede da internet,

quando surgiu para os primeiros habitantes do mundo digital via fase dos Personal

Computers, PC’s, tinha o intuito de ser um local de liberdade. Havia o sonho da liberdade

diante do trabalho pesado, as máquinas passariam a realizar tais trabalhos, era o sonho da

musa que Flusser indicou, mas que nunca chegou a acontecer, porque o trabalho digital é

um trabalho que nunca cessa, pelo menos da forma como está organizado hoje, que é na

verdade, uma forma totalmente desorganizada, desregulamentada (HAN, 2019;

BAUDRILLARD, 2012).

Agora portanto, diante dessa desumanização e diante da teoria da vida nua, que é

a finalidade do Estado democrático, ao fim e ao cabo, ficamos aqui a refletir, como

historiadores e juristas, e como historiadores do tempo presente. Esse tempo que engloba

a ideia de coetaneidade, de um tempo reencontrado, como dito por Arnaldo Momigliano,

e que pode até mesmo ser visto como uma volta aos fundamentos da historiografia,

relembrando Heródoto e a ideia de testemunha ocular, mas sem perder de vista a noção

de que depende do historiador a escrita da história, e tendo o cuidado de não desembocar

naquilo que é o relativismo muito usado por correntes negacionistas, ou até mesmo

falsificacionistas (BEDÁRIDA, 2007), tão em voga no momento atual no Brasil e no

mundo, ou seja, no sentido de que as disputas políticas do presente possam trazer à tona

uma falsificação, o que nos faz ter mais cuidado com as fontes, com os acontecimentos e

com os processos.

Pensar a História e os meandros jurídicos no pós-virtual é também viver uma

coetaneidade desse tempo compartilhado historicamente entre o estudo e o estudioso,

entre o observado e a experiência, ver o pós-virtual é estar diante da História do Tempo

Presente, naquilo que ela tem de mais peculiar, que é esse compartilhamento temporal e

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situacional entre ver, sentir e ser. Olhar o pós-virtual é sofrer junto com os trabalhadores

de plataformas virtuais os sofrimentos da mitigação paulatina de direitos, é entender na

carne e no sentimento a ausência de controle de jornada e a desumanização que ela

promove. É observar as falsificações, como a falsificação promovida na narrativa que

trouxe à tona grande parte dos institutos desregulamentadores da Reforma Trabalhista,

essa falsificação que, por exemplo, diz que os trabalhadores não são mais vulneráveis

diante do capital, que o contexto da Revolução Industrial já fora inteiramente vencido,

que hoje, porque o trabalhador tem acesso a internet e a conhecer sobre o Direito na rede,

ele já está salvaguardado contra abusos. É observar tudo isso, e sentir e ver esses direitos

serem paulatinamente extirpados do universo da vida.

Ora, toda a teoria sobre a internet, sobre a rede, sobre a experiência, ou até mesmo

a ausência de experiência, nesse lugar e não lugar que é a rede, mostra como é falso pensar

que não há mais vulnerabilidade. Muito pelo contrário, estamos mais vulneráveis do que

nunca, seja do ponto de vista de uma Teoria do Estado que expõe a vida nua, da

exploração desmesurada e da ausência de controle diante dos desmandos do poder no

mundo do trabalho, seja do ponto de vista de uma sociedade do controle que surge cada

vez mais explícita pelo fato de o mundo ter se convertido, em grande parte, em um mundo

digitalizado ou virtualizado e que portanto, não apenas os controles clássicos como a

vigilância que tem por fim proteger facções políticas - que fica mais evidente agora nas

redes e quando notamos por exemplo a ADPF 722 ajuizada perante o Supremo,

recentemente julgada em sessão colegiada, que tinha a intenção de julgar abusos de

autoridade do Ministério da Justiça, ou seja, do Executivo, ao criar uma lista de servidores

e outros profissionais que poderiam ser perseguidos apenas por serem chamados de

‘antifascistas’, o que uma parte do poder vigente de uma das esferas do Estado brasileiro,

a esfera executiva, entendeu como sinônimo de terrorismo, jogando, com esse

entendimento, claramente, por terra, a ideia de liberdade política, de consciência e

liberdade de expressão no mundo da vida, ideias que são basilares para o conceito corrente

de Democracia e são corolário do princípio maior que assegura o Neoconstitucionalismo

no qual a Constituição de 1988 se insere, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

(BRASIL, 2020).

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Esses direitos, que estavam sendo colocados em xeque por esse dossiê, são

considerados direitos básicos de todo o cidadão e cidadã do país, assegurados não apenas

nacionalmente, mas também pela ordem jurídica internacional. Essa prática faz lembrar

os terríveis dossiês de perseguição que circulavam na época das ditaduras latino-

americanas, onde os opositores políticos eram torturados nos porões da ditadura (REIS,

2005) sem nem ouvir a sombra de regras básicas do Direito Processual Democrático,

como Devido Processo Legal, em que preceitua, entre outras coisas, que ninguém será

condenado sem passar por um Juiz imparcial e previamente constituído, o chamado Juiz

Natural, conforme estipula art. 5º, inciso LIII da Constituição Federal do Brasil

(BRASIL, 1988). Felizmente o Supremo barrou a lista e seus efeitos na Administração

Pública, considerando-a inconstitucional em sede de Controle de Constitucionalidade por

via da referida Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental. Esse controle,

entretanto, é um controle formal, numa sociedade polarizada por uma prática política em

que as facções que disputam o poder usam da comunicação das redes digitalizadas para

interferir na capacidade de construção de um mundo em comum, salvaguardando assim,

acima de tudo, sua vontade de poder, expõe então um tipo de conformação em que o

controle judicial existe, mas dentro de uma sociedade em que o consenso social se rui

paulatinamente, sobrecarregando o judiciário ou criando situações rotineiras de

denegações de direitos que muitas vezes nem mesmo chegam ao Poder Judiciário para

serem resolvidas.

Assim, o meio digital promove essa sociedade de controle: onde direitos

fundamentais ligados à manifestação política e à liberdade de consciência são cassados

pela prática do Estado, e também promove os controles na seara privada do trabalhador.

Se o local onde ele convive agora é a rede, o empregador, que geralmente o tem

adicionado, pode muito mais facilmente observar todos os atos de sua vida digital, e

portanto, controlar, fiscalizar, exercer assim, seu poder de empregador, até mesmo fora

do ambiente mais classicamente laboral.

Em suma, o ambiente digital, por suas próprias características, torna tudo mais

vulnerável. Felizmente já existe uma esperança, que vem do movimento organizado dos

trabalhadores de aplicativos, em que uma das lideranças é Galo, um interessante jovem

que advindo da cultura do rap e do compartilhamento de saberes dali surgidos, adquiriu

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formas de exercitar a pós-virtualidade, ou seja, a crítica da virtualidade (Lima; Matuck,

2020), mesmo num ambiente em que a faculdade do pensamento e do juízo está cada vez

mais depauperada, que é o ambiente atual no qual todos convivemos, o das redes.

A esperança vem ainda dessa mobilização, que já resultou numa greve geral e

paralização geral internacional de entregadores no dia 1 de julho de 2020, o que teve

reflexos já no Judiciário, especialmente em algumas primeiras instâncias, como é o caso

de um juiz que decidiu em Minas Gerais, no seu respectivo Tribunal Regional do

Trabalho, que havia sim vínculo empregatício entre o trabalhador autor da ação

processual e o CNPJ por detrás do aplicativo de entregas. Ou ainda o recente acórdão do

Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba que reconheceu, por maioria, a existência de

vínculo entre motorista de João Pessoa trabalhador da Uber, e a referida empresa de

prestação de serviços de entrega e transporte via plataforma digital (TRIBUNAL

REGIONAL DO TRABALHO DA PARAÍBA, 2020).

Há uns 8 anos ganha força no Brasil e no ocidente a ideia de que o trabalhador

não precisa mais de proteção face os desmandos do capital. Essa ideia fora gestada no

seio das crises econômicas imediatamente precedentes ao momento atual, e ganharam

força em diversas casas legislativas, seja na Europa, seja no Brasil, por representarem

soluções face o crescente número de desempregados e também tendo em vista a nova

estrutura do capital que tem usado da tecnologia digital para aumentar seus lucros e,

aproveitando-se da novidade do ambiente digital, ainda pouco pensado e regulado, valeu-

se do momento para descaracterizar relações até então protegidas classicamente pelo

ramo do Direito do Trabalho, convertendo-as em relações do âmbito puramente cível e/ou

empresarial (PIPEK; MAGANO; DUTRA; 2017; ROYO, 2018; GOLDIN, 2017).

Tal situação promoveu, por um lado, a chamada de flexibilização trabalhista e,

trouxe em seu bojo, a agora mais que nunca inafastável ideia de desregulamentação. No

seio da situação de crise econômica que atingiu o Brasil após 2014, pareceu, em muitos

aspectos, que as ideias de relativização dos preceitos trabalhistas que passavam a ganhar

fôlego poderiam ser interessantes, até mesmo para garantir alguma renda ao trabalhador

que, de outro modo, não teria como manter-se, visto que as empresas fugiam das

contratações tradicionais, temendo os direitos que deveriam pagar. Contudo, ao passo que

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a crítica se fundamenta cada vez mais, se organiza em ideias (MELO, 2017; MOLINA,

2017, FURTADO, 2017; GALVÃO, KREIN, BIAVASCHI, TEIXEIRA, 2017) e chega,

paulatinamente e concomitantemente, com a nova situação do covid-19, a situação de

digitalização da sociedade e a novidade de que agora, todos que podem, estão em casa

trabalhando através de meios telemáticos e digitalizados, fica evidente como fora

equivocado abrir, no que toca à desregulamentação, o espaço para formas de contratação

excluídas das clássicas proteções trabalhistas sob o pretexto de que o digital era menos

pesado para o trabalhador, ou de que o digital elevaria o trabalhador à condição de um

“sócio”.

Na nova sociedade de controle que emerge, com a crescente digitalização e

virtualização das relações sociais, o trabalhador não apenas continua explorado, como

agora, face à crise e as novas condições legais que surgiram com as leis do corona vírus

- e, no que tange ao trabalho, a Medida Provisória 927/2020, que já caducou, mas

dispunha sobre o afastamento do empregado contaminado pelo vírus e dava outras

providências, e no que tange à questão laboral, os encargos que aos empregadores

estipulou-se prestar, como ter de fornecer álcool em gel, tolhas descartáveis para limpar

mãos, sabonete líquido para higienização e água, normas de segurança como máscaras,

medidas que foram propugnadas pela Lei do Corona Vírus, e que podem ser encontradas

no art. 3º-J (BRASIL, 2020), ainda ter de fornecer local com arejamento para repouso e

etc - os trabalhadores que laboram via plataformas, não reconhecidos como empregados,

e, muitas vezes, nem mesmo reconhecidos como estando em uma relação de trabalho,

ficaram expostos para o todo da sociedade brasileira como verdadeiros seres explorados

no seio do capitalismo digital. Essa exploração veio ao debate público especialmente

porque o setor de delivery passou a ser visto como atividade essencial e, portanto, não

sujeita e ter que parar mediante a decretação de quarentena.

Super explorados e essenciais: esse binômio não combina. Fica cada vez mais

evidente que as estratégias adotadas para a contenção de desemprego que emergiram com

o discurso da flexibilização há 8 anos, e que culminaram na alteração de vários

dispositivos dentro da CLT de 2017, já não são mais suficientes para garantir o rule of

law na sociedade que toma cada vez mais consciência de que deve proteger seus direitos

face à digitalização. Assim sendo, portanto, essa é uma sociedade que caminha para o

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pós-virtual a nível de ideias, por exercer a crítica ao digital; ao mesmo passo que se

digitaliza em função da pandemia e demais processos que já vinham sendo desencadeados

há séculos desde a ascensão do indivíduo como personagem central da modernidade num

mundo em processo de modernização (SIMMEL, 2013). Ela entra, assim, no pós-virtual

e no digital ao mesmo passo, esses tempos coexistem. Desse modo, o cenário é de

construção, por intermédio tecnológico, de novos ambientes habitados. Nesse contexto,

devemos nos indagar se o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana restará como

principio basilar ainda nesse novo momento, ou se já chegamos, infelizmente, em caso

afirmativo, a uma situação de destituir aquele princípio e eleger algo como a Dignidade

da Máquina como elemento basilar do nosso ordenamento jurídico e consenso social.

Essa resposta, só as tutelas que forem deferidas a nível judicial, os atos legislativos e os

atos da sociedade como um todo nos próximos anos poderão dar.

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