notas sobre as razÕes do sucesso do modelo is-lm
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NOTAS SOBRE AS RAZÕES DO SUCESSO DO MODELO IS-LM*
Claudia Heller**
Resumo O texto parte da constatação de que a literatura econômica é rica no que diz respeito ao debate em torno do grau de lealdade com que o modelo IS-LM representa a Teoria Geral, mas é surpreendentemente pobre no que diz respeito às explicações do sucesso do modelo. Os trabalhos que de uma forma ou outra esbarram neste tema apontam para um consenso: o de que o modelo IS-LM é um modelo plástico, isto é, versátil e flexível e que nesta característica – que se originou no próprio nascimento do modelo – parece residir a explicação fundamental de sua sobrevivência. Mais precisamente, o consenso refere-se à constatação de que a plasticidade permite não apenas usar o modelo para discutir e analisar as mais variadas situações concretas de economias específicas mas também para estabelecer um campo comum de debate entre as diferentes correntes teóricas, possibilitando, inclusive, a incorporação de questões que não eram discutidas em sua formulação original. Existe, entretanto, um paradoxo: ao mesmo tempo em que o modelo é capaz de representar qualquer teoria ou qualquer situação concreta, ele é tão flexível que não é capaz de representar nenhuma delas em particular. O texto também chama a atenção para um conjunto de trabalhos que procura distinguir relações de causalidade de relações funcionais entre variáveis, tais como (mas não apenas) as que se encontram nas equações simultâneas que constituem o modelo IS-LM. Introdução
A transposição do nexo causal proposto por Keynes na Teoria Geral do
Emprego, dos Juros e da Moeda num sistema de equações simultâneas é uma das
características mais marcantes do modelo IS-LM. É também o foco principal de grande
parte das críticas a este modelo, não apenas das que não o vêem como representante
legítimo das idéias de Keynes, mas também das que o consideram incapaz de
representar uma abordagem específica de teoria econômica, keynesiana ou não, já que
não tem definição suficiente para descrever qualquer uma.
A literatura é rica no que diz respeito ao debate em torno do grau de lealdade
com que o modelo IS-LM representa a Teoria Geral, mas é surpreendentemente pobre
no que diz respeito às explicações do seu sucesso. Mesmo assim, os trabalhos que de
uma forma ou outra esbarram neste tema apontam para um consenso: o de que o modelo
IS-LM é um modelo plástico, isto é, versátil e flexível e que nesta característica – que se
originou no próprio nascimento do modelo1 – parece residir a explicação fundamental
de sua sobrevivência. Mais precisamente, o consenso refere-se à constatação de que a
plasticidade permite não apenas usar o modelo para discutir e analisar as mais variadas
situações concretas de economias específicas mas também para estabelecer um campo
* Texto submetido ao VII Encontro Nacional de Economia Política, 2002. ** Departamento de Economia, Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista – UNESP. Email: [email protected] 1 Para a história do modelo ver Young (1987). Para uma análise detalhada das primeiras tentativas de formalizar a Teoria Geral de Keynes ver Heller (1999, 2000a, 2000b, 2000c e 2001)
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comum de debate entre as diferentes correntes teóricas, possibilitando, inclusive, a
incorporação de questões que não eram discutidas em sua formulação original.
A hipótese que norteia a redação destas notas é que a plasticidade do modelo se
relaciona ao tipo de instrumental analítico que o compõe, que se constitui de um
conjunto de equações simultâneas capazes de representar qualquer relação de
causalidade. Ao mesmo tempo, chama a atenção para um conjunto de trabalhos que
procura distinguir relações de causalidade de relações funcionais entre variáveis, tais
como (mas não apenas) as que se encontram nas equações simultâneas que constituem o
modelo IS-LM.
O texto a seguir é composto de notas preliminares sobre os aspectos acima
mencionados. A decisão de submetê-lo à apreciação num forum de economistas objetiva
reunir sugestões e críticas para o desenvolvimento da tese principal que norteia a
pesquisa de que este trabalho faz parte, que é a de que a formalização matemática e/ou
gráfica da Teoria Geral tornou-se genérica o suficiente para poder representar qualquer
conjunto de relações teóricas de causalidade e que esta maleabilidade é o que explica
seu sucesso2.
Assim, as seções seguintes apresentam anotações e observações derivadas da
pesquisa bibliográfica realizada até o momento (março de 2002). A primeira parte reune
os argumentos que relacionam o uso de equações simultâneas, sua capacidade de
descrever relações de causalidade específicas e o grau com que o modelo IS-LM
representa a teoria de Keynes. A segunda resume as avaliações sobre as reações de
Keynes à formalização da Teoria Geral e a terceira trata das explicações existentes para
o sucesso do modelo IS-LM. Finalmente, a quarta seção trata do tema da formalização
matemática na teoria econômica ou mais especificamente da relação entre causalidade e
relações funcionais entre variáveis econômicas.
1 - Equações simultâneas, relações de causalidade e representatividade do modelo
IS-LM
É consensual que o aspecto mais significativo do modelo IS-LM é a “tradução”
do nexo causal proposto por Keynes na Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da 2 Em trabalhos anteriores, afirmou-se que a comparação das interpretações dos autores que primeiro formalizaram a Teoria Geral (David Champernowne, Brian Reddaway, Roy Harrod, James Meade e John Hicks) indica que apesar de diferentes (e às vezes até mesmo opostas), suas formalizações geraram resultados semelhantes, dando origem à representação da Teoria Geral por meio de sistemas de equações simultâneas que por sua vez dão base ao modelo IS-LM. O texto conclusivo desta primeira parte da pesquisa ainda está em fase de redação.
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Moeda num sistema de equações simultâneas, complementado por uma representação
gráfica. Este é também o principal objeto da maioria das críticas ao modelo, seja por
parte dos que não o consideram um representante legítimo das idéias de Keynes, seja
por aqueles que consideram o modelo incapaz de representar qualquer teoria.
Dentre os primeiros – e ressaltando apenas os que se debruçam sobre a questão
específica do uso de equações simultâneas – estão autores como Chase (1981), que
considera igualmente importantes, no que se refere à caracterização da principal
contribuição de Keynes na Teoria Geral, a ênfase na incerteza não sujeita a cálculo
probabilístico (sublinhada pelos pós-keynesianos como Joan Robinson e Shackle e
desconsiderada pelo modelo IS-LM) e a inversão de relações causais como a descrita
por Meade: “a revolução intelectual de Keynes foi mudar o pensamento comum dos
economistas em termos de um modelo de realidade no qual um cachorro denominado
‘poupança’ abana seu rabo denominado ‘investimento’ para pensar num modelo no qual
um cachorro denominado ‘investimento’ abana seu rabo denominado ‘poupança’”
(Meade 1975, p. 82 apud Chase, 1981, p. 129)3.
Outro autor importante que trata desta questão particular é Nevile (1996) que
ressalta a importância excessiva dada pelo modelo IS-LM à noção de equilíbrio: "... a
maior parte da análise econômica moderna é análise de equilíbrio, enquanto a análise da
Teoria Geral é análise histórica. A análise de equilíbrio não é capaz de nos dizer qual
será o valor de qualquer variável específica num ponto particular do tempo. Ela nos diz
o valor que várias variáveis devem assumir se a economia, ou talvez uma parte dela,
estiver em equilíbrio. Mais precisamente, não há causação. Um número de variáveis é
determinado simultaneamente. Não se pode dizer que ‘a’ causa ‘b’, tudo que se pode
dizer é que, se tiver este ou aquele valor, então, dados os valores de ‘d’, de ‘e’, e de ‘f’,
‘b’ deve ter este ou aquele valor se se pretende atingir o equilíbrio. Por outro lado, a
análise histórica tem elos causais; faz sentido dizer que ‘a’ causa ‘b’,
independentemente da economia ou parte dela estar em equilíbrio. Keynes explicitou
relações causais – algumas muito simples para enfatizar pontos básicos e outras bem
mais complexas" (Nevile, 1996, pp. 3-4). E um pouco mais à frente: “Keynes não
pensou em termos de determinação simultânea das variáveis dependentes. Para ele
tratava-se de um processo...” (Nevile, 1996, p. 9).
3 Trata-se de MEADE (1975): The Keynesian Revolution. In: KEYNES, M. (ed.): Essays on John Maynard Keynes. Cambridge: Cambridge University Press.
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Dentre os que consideram que o modelo IS-LM é incapaz de representar
qualquer abordagem específica de teoria econômica (keynesiana ou não), o argumento
principal é que o modelo é por demais genérico e não tem definição suficiente4. Clower
e Leijonhufvud (1975, p. 182), por exemplo, afirmam que o modelo “não impõe quase
nenhum limite ao que pode ser argumentado a partir dele; pior ainda, está aberto a
modificações ad hoc e extensões de senso comum em várias direções, ao bel prazer de
quem o utiliza ... o modelo não impõe, virtualmente, qualquer disciplina analítica aos
seus usuários e deste modo confere-lhes licença analítica virtualmente irrestrita” 5.
Associado à controvérsia em torno do papel das equações simultâneas do
modelo IS-LM, há um vasto conjunto de trabalhos que discute o grau de lealdade com
que o modelo representa a Teoria Geral – e os argumentos retomam a questão das
relações de causalidade. De um lado, há autores que consideram que Hicks – visto como
o “pai” do modelo - desvirtuou a proposta original de Keynes, menos pelo fato de ter
eliminado aspectos específicos da Teoria Geral na sua formulação, e mais por ter
transformado relações causais em equações simultâneas: “Em busca da construção
lógica perfeita, Hicks não hesitou no uso de estratagemas estilizadores e
‘simplificadores’ da Teoria Geral. Na realidade, lançou mão de artifícios metodológicos
que tornaram possível tratar relações causais desenvolvidas a partir de complexas
interações, em relações imediatas e mecânicas... o resultado da estilização de Hicks
limita e/ou desvirtua implicações da contribuição de Keynes, a ponto de inseri-la em um
contexto neoclássico de simultaneidade, quando era exatamente a isto que Keynes se
opunha” (Lopes, 1992, p. 31, grifos nossos)6.
4 Vale ressaltar que isto não é privilégio exclusivo do modelo IS-LM. Dutt e Skott (1996) constroem quatro modelos, com base nas curvas de demanda agregada e oferta agregada (o modelo AS-AD), representando a síntese neoclássica, o monetarismo (marco I), a teoria novo-clássica (ou monetarismo marco II) e a teoria kaleckiana/pós-keynesiana. Ou seja, a exemplo do modelo IS-LM, também o modelo AS-AD pode representar diferentes concepções de funcionamento da economia. Outra semelhança importante entre os modelos IS-LM e AS-AD é que nem as equações nem os gráficos que representam cada uma das concepções são auto-suficientes: são precisas explicações de causalidade (ou de ordem dos eventos) para diferenciar as versões. Estas explicações (em prosa, fora do âmbito da matemática), por sua vez, podem tornar os modelos inconsistentes, e esta é justamente uma das críticas de Barro (1994), replicada por Dutt e Skott (1996) como segue: “Barro ... aponta que alguns manuais provocam confusão ao derivar as curvas AS-AD utilizando interpretações de preços rígidos na derivação da AD, mas isto não implica que as curvas sejam intrinsicamente inconsistentes. Na verdade, ocorrem problemas semelhantes no uso indevido e interpretação incorreta em muitas abordagens narrativas e em modelos amplamente utilizados. O principal exemplo é o modelo IS-LM” (Dutt e Skott, 1996, p. 13). 5 Segundo os autores – e com referência à teoria de Keynes - o modelo IS-LM nem mesmo se coloca a questão que consideram central no seu ataque à teoria tradicional, que diz respeito à capacidade de auto-ajustamento do sistema econômico. 6 Lopes não critica a lógica interna do modelo e sim a simplificação que o modelo exige da teoria de Keynes para que possa ser considerado seu intérprete: “A engenhosidade e a criatividade de Hicks, ao desenvolver o mais importante aparato analítico da teoria econômica ortodoxa contemporânea, são quase
5
O mesmo tipo de argumento é utilizado por Pasinetti, que considera que “o sinal
mais seguro da distorção [da teoria de Keynes] se evidencia toda vez que os resultados
originais bem definidos de Keynes são obscurecidos pela imposição de
interdependências que transformam as relações de Keynes, ordenadas de um modo
causal, em um sistema de equações simultâneas” ( apud Muller, s.d., p. 5). Também
Kregel compartilha desta avaliação. Para ele, o caráter geral do modelo de Keynes é
incompatível com a “teoria geral generalizada” sugerida por Hicks quando, “por razões
de ‘elegância matemática’ transforma a teoria em um sistema de equações simultâneas
com três variáveis, renda, taxa de juros e investimento ... Esta ‘generalização’ varre a
teoria da demanda efetiva e ... elimina a causalidade”. (Kregel, 1976: 217 -218, n1).
Mas há também quem não veja no uso de equações simultâneas, por si só,
qualquer indício de deslealdade às idéias de Keynes. Um exemplo é Barens (1999: 3-4)
para quem “a essência da análise de Keynes pode ser capta da num sistema de equações
simultâneas e, neste sentido, Hicks estaria correto ...”. Barens se dedica a derivar o
sistema de equações simultâneas a partir das indicações oferecidas por Keynes na
Teoria Geral, especialmente na proposição de que “se tivermos todos os fatos à nossa
frente, devemos ter equações simultâneas suficientes para nos fornecer um resultado
determinado” 7.
Ao lado destas interpretações, há que se considerar as reações de Keynes ao
artigo de Hicks e aos demais autores que formalizaram ou resumiram ou simplificaram
sua teoria, assunto da seção a seguir.
2 – As reações de Keynes
É interessante mencionar que Keynes não foi explicitamente contrário à
matematização (algébrica ou geométrica) de suas proposições da Teoria Geral - e não
faltam, na literatura sobre o tema, indicações de passagens nas quais se pode identificar
implícita ou explicitamente sua aceitação desta matematização8. Além disso, na própria
insuperáveis. O rigor e a elegância da lógica são virtudes apreciáveis do modelo IS-LM. Logo, não é a lógica que deve ser questionada, mas as suposições necessárias para reduzir a contribuição de Keynes a um simples diagrama” (Lopes, 1992, p.32). 7 A frase está em Keynes (1936, p. 229). 8 Para Simonsen (1986), por exemplo, “... o esqueleto analítico da Teoria Geral só ficou claro depois de que Hicks e Hansen inventaram as curvas IS e LM. Trata-se, porém, de mera ressalva didática, pois a leitura das passagens mais complicadas da Teoria Geral, como as do capítulo 19, mostra que Keynes tinha essas curvas na cabeça.” (Simonsen, 1986, p. 301). Na mesma linha ver Barens (1999, p. 86): “no capítulo 21 da Teoria Geral, depois de ter enfatizado a intrincada complexidade de sua análise, decorrente da multitude de interdependências entre as variáveis que considera, Keynes (1936: 299) faz a afirmação já citada nesta página e continua: “Este endosso da abordagem de equações simultâneas não pode ser varrida
6
Teoria Geral Keynes faz uso de notação matemática (e inclusive de um diagrama que
lhe foi sugerido por Harrod)9.
Uma hipótese que tem sido levantada para explicar porque Keynes teria aceito a
exposição matemática da Teoria Geral é a sugerida por Skidelsky (1992: 610-611, 613):
uma vez que a matematização não excluía o papel do Estado, Keynes teria concordado
com ela por razões pedagógicas e políticas, preocupado em “converter” os economistas
comprometidos com a teoria tradicional, que acreditavam no ajuste automático das
imperfeições do mercado, ao mesmo tempo em que procurava incentivar a tomada de
medidas ativas pelas instituições governamentais para o combate ao desemprego. Teria
havido, assim, uma reconciliação entre a revolução e a ortodoxia, e com o
consentimento de Keynes. Para Young (1987: 30), entretanto, Keynes sempre manteve
uma posição ambígua, mas considera que o intuito teria sido o de permitir que os
membros do “Grupo da Teoria Geral” disseminassem as idéias básicas da Teoria
Geral10. Fazendo referência ao modelo IS-LM, que segundo ele foi o produto conjunto
de algumas destas versões matematizadas, Young (1987: 178) afirma textualmente que
“Keynes nunca aceitou totalmente a abordagem IS -LM - como Hicks e outros
acreditavam que tivesse aceito - mas também nunca a rejeitou totalmente - como
Robinson, Kahn e os pós-keynesianos afirmam. Ao contrário, ele foi ambivalente, ou
melhor, agnóstico, preferindo não rejeitar especificamente as várias interpretações de
para o lado como um deslize isolado...”, listando outras passagens da Teoria Geral (p. 297) e dos textos preparatórios (CWJMK, vol. XIII, pp. 402-403, 480-483, 483-484) em que Keynes afirmou idéias semelhantes. Barens (1999) apoia-se também nas notas de aulas de Keynes publicadas por Thomas K. Rymes em Rymes (1986, 1988, 1989). Patinkin (1990a: 212) também ressalta que na correspondência de Keynes com Harrod, Reddaway, Meade e Hicks, a respeito de suas respectivas resenhas da Teoria Geral, não se encontra qualquer indicação de que Keynes tenha sido contrário à apresentação das idéias expostas em seu livro por meio de sistemas de equações simultâneas. Entretanto, lembra que Keynes “rejeitou veementemente” (Patinkin, 1990a: 213) uma sugestão semelhante, feita por Harrod em 1935 e remete o leitor aos CWJMK, vol. XIII, pp. 526-565 (especialmente pp. 531-532, 545-546, 548, 553-554 e 557). A este respeito ver também O’Donnell (1997). 9 Especificamente sobre a origem do único diagrama da Teoria Geral ver O´Donnell (1990a e 1990b), Ahiakpor (1990) e Besomi (2000), e para uma interpretação de que o diagrama equivale à curva IS ver Patinkin (1993a). Young (1987: 13) e O’Donnell (1997: 138) lembram que Keynes fez uso de equações simultâneas em suas aulas, mas afirmam que “Keynes alertava contra o uso exagerado destas equações, uma vez que elas ‘são meramente um meio de exposição e não um instrumento producente. O instrumento verdadeiro é o pensamento, e elas não o substituem’.”. Young (1987: 185, n1) apoia-se nas notas de aula de Tarshis (Tarshis Lectures Notes - 14 November 1932), de Marvin Fallgater (reproduzidas em 1983 por Thomas K. Rymes em Marvin Fallgater’s lecture notes of J.M. Keynes, The Monetary Theory of Production, 1933) e de Robert B. Bryce (citadas por Don Patinkin em Keynes’ Monetary Thought: a study of its development. Duke University Press, Durham, N.C., 1976). As notas de aula tomadas por Robert B. Bryce, em 1935, estão reproduzidas nos CWJMK, vol. XXIX, pp. 132-150 sob o título “An Introduction to a Monetary Theo ry of Employment”. 10 O “Grupo da Teoria Geral” não é o mesmo que o “Cambridge Circus”. Veja Young (1987: 186, n2).
7
sua Teoria Geral ... para que seus fundamentos e idéias básicas pudessem ser
disseminados” 11.
Moggridge (1986) desenvolve argumento semelhante ao defender a tese de que
Keynes se utilizou, inúmeras vezes, do recurso da retórica para destacar as diferenças
entre suas proposições teóricas (e práticas) da teoria e prática vigentes. Este teria sido o
motivo, por exemplo, de incluir entre os “teóricos clássicos” não apenas os clássicos
tradicionais, mas também Pigou, Marshall, etc... A retórica – com o objetivo específico
de ressaltar e resguardar os aspectos “revolucionários” da Teoria Geral - também é o
que explica, segundo Moggridge, a aparente displicência com que Keynes comentou as
várias resenhas do seu livro, permitindo uma boa dose de liberdade às primeiras
exposições da Teoria Geral. Fazendo referência aos comentários de Keynes a Bryce
(1935)12, Reddaway (1936)13, Harrod (1937)14, Hicks (1937)15, Lerner (1936)16 e Joan
Robinson (1937a e 1937b)17, além de uma resenha anônima à segunda edição do livro
Prosperity and Depression de Haberler18, Moggridge destaca que “em todos os casos,
Keynes praticamente aprovou as interpretações em questão, embora frequentemente
tivesse algumas reservas quanto a detalhes. Entretanto, um exame das exposições
originais destes autores deixa claro que eles apresentaram interpretações variadas do
livro e do seu impacto na teoria econômica” (Moggridge, 1986, p . 361). Moggridge
considera surpreendente, por exemplo, que a resenha de Harrod, onde se lê que “O Sr.
Keynes não realizou uma revolução da teoria econômica fundamental, mas apenas um
re-arranjo e um deslocamento de ênfase” ( apud Moggridge 1986, p. 361) tenha levado
Keynes a declarar que prefereria apresentar o artigo de Harrod na palestra que deveria
proferir em Estocolmo (ver CWJMK, vol. XIV, p. 84). Esta reação de Keynes só não é
11 Os primeiros críticos da versão matematizada foram Richard Kahn e Joan Robinson. Entretanto, como bem lembram Young (1987: 178) e Skidelsky (1992: 613), não há evidências de que eles tenham manifestado oposição à matematização na época em que estas primeiras versões apareceram. 12 BRYCE, R.B. (1935): An introduction to a monetary theory of employment. In: CWJMK, vol. XXIX, pp. 132-150. 13 REDDAWAY, W.B. (1936): The General Theory of Employment, Interest and Money. Economic Record, vol. 12, junho, pp. 28-36. 14 HARROD, R.F. (1937): Mr. Keynes and traditional theory. Econometrica, vol. 5, janeiro, pp. 74-86. 15 HICKS, J.R. (1937): Mr. Keynes and the 'classics': a suggested interpretation. Econometrica, vol. 5, abril 1937, pp. 147-159. 16 LERNER, A.P. (1936): Review of Mr. Keynes' 'General Theory of Employment, Interest and Money'. International Labour Review, outubro 1936, pp. 435-454. 17 Respectivamente: Essays in the Theory of Employment. London: Macmillan e Introduction to the Theory of Employment. London: Macmillan. 18 Trata-se de HABERLER, G. (1937) Prosperity and Depression: A theoretical analysis of cyclical movements. 1946 edition, Lake Success, New York: United Nations. 2a. edição 1939
8
surpreendente, segundo Moggridge, para aqueles que “não levaram a retórica da
revolução [keynesiana] a sério” (Moggridge, 1986, p. 361) 19.
A interpretação de Harrod e a reação de Keynes a ela é só um exemplo. Para
Moggridge, quase todas as exposições da Teoria Geral aprovadas por Keynes poderiam
ser consideradas bastardas, inclusive a de Joan Robinson. Deixando de lado os
comentários irritados às resenhas de Pigou e de Knight20, a única reação pesada e
impressa de Keynes foi à interpretação de Jacob Viner, que gerou o famoso artigo do
Quarterly Journal of Economics de 193721. Na avaliação de Moggridge (1986, p. 362),
é possível considerar que exceto pelos textos que ressaltam a questão da incerteza,
Keynes acabou assumindo o que posteriormente seria chamado de uma posição
keynesiana mais próxima do mainstream dos livros-textos.
Em outro trabalho o mesmo autor aplica raciocínio semelhante ao modelo IS-
LM propriamente dito. Este foi “em si mesmo um instrumento de persuasão”
(Moggridge, 1995, p. 235), tendo sido usado, pela primeira vez, por Kaldor (1937)22 em
sua crítica a Pigou (1937)23. A persuasão teria sido tão eficaz que Pigou acabaria por
utilizar o modelo IS-LM em seu livro Employment and Equilibrium, de 1941, o que
também é destacado por Solow (1986)24.
19 Harrod manteve uma longa correspondência com Keynes, ainda em torno das provas do livro. Outros que discutiram as provas foram Robertson, Hawtrey e Joan Robinson, além de Kahn. A contribuição de Harrod nestas discussões é tida como fundamental para o capítulo 14 da Teoria Geral: “Harrod argumentou a favor de uma síntese entre a abordagem de Keynes e a da teoria clássica, pavimentando o caminho para a posterior assimilação [da teoria da taxa de juros] dentro dos marcos marshallianos” (Clarke, 1988: 300-301). Ver também Young (1987: 21). 20 Ver CWJMK, vol. XIV, p. 87 e CWJMK vol. XXIX, pp. 217-218. 21 Reproduzido nos CWJMK, vol. XIV, pp. 109-123. Young sustenta que este artigo não foi só uma réplica a Viner, Robertson, Leontief e Taussig, mas também a Harrod, Hicks e Meade. Ver Young (1987, pp. 18-20, p. 178 e especialmente p. 197, n12). Este artigo de Keynes é tão importante que Shackle o considera a “terceira edição”, depois do Tratado e da Teoria Geral. Para uma visão crítica desta interpretação ver Clarke (1988: 304), onde o autor faz uma observação muito pertinente com respeito àqueles que procuram justificar suas interpretações da Teoria Geral usando textos posteriores de Keynes (conjectura que Keynes era uma mente efervescente, e que os trabalhos posteriores pretendiam “generalizar a Teoria Geral”, e conclui que “se isso for verdade, ele estava indo além da teoria da demanda efetiva que havia formulado, e não oferecendo uma chave para a sua elucidação histórica”). Esta observação de Clarke, entretanto, deve ser relativizada uma vez que o artigo de 1937 é muito próximo da publicação da Teoria Geral e das primeiras críticas ao livro. 22 KALDOR, N. (1937): Prof. Pigou on money wages in relation to unemployment. The Economic Journal, dezembro, pp. 745-753. 23 PIGOU, A.C. (1937): Real and money wages in relation to unemployment. The Economic Journal, setembro, pp. 405-422. 24 Cf. Moggridge, 1995, p. 237. Estes textos – Kaldor (1937) e Pigou (1937 e 1941) – podem ser considerados como representantes da primeira fase da transição de Hicks (1937) ao modelo IS-LM dos manuais. O artigo de Lange – ver LANGE, Oskar (1938): The rate of interest and the optimum propensity to consume. Economica, vol. 5, fevereiro pp. 12-32 - também se encaixa nesta fase como um bom exemplo do sucesso das formulações algébricas que o antecederam: não apenas tem por objetivo “demonstrar que tanto a teoria tradicional quanto a teoria de Keynes não passam de casos especiais do
9
Ainda na linha dos argumentos baseados na idéia da retórica, vale a pena
mencionar Kriesler e Nevile (2000) que procuram explicar os motivos pelos quais
Keynes teria “cautelosamente aprovado” a interpretação de Hicks (1937). Em sua
avaliação, “a principal razão é a clara posição presente no modelo IS -LM de que é a
demanda efetiva que determina o nível de emprego, e não o balanceamento, na margem,
da utilidade dos salários vis-à-vis a desutilidade do trabalho. O modelo rejeita a teoria
do emprego de Pigou e a lei de Say, alvos da cruzada de Keynes” (Kriesler e Nevile,
2000, p. 7). Esta avaliação é surpreendente, uma vez que não há, no artigo de Hicks (ou
mesmo no de Harrod) qualquer menção a este tema específico. Uma segunda razão
“provável” relaciona -se ao fato do modelo “mostrar os efeitos de mudanças na
quantidade de moeda sobre a economia real” (Kriesler e Nevile, 2000, p. 7), o que não
era aceito por qualquer economista “estritamente clássico”. Chase (1992) oferece uma
explicação semelhante para o fato de Keynes não ter criticado suficientemente os
modelos de Harrod e de Hicks: “Naquela época [referindo -se à carta na qual Keynes
comenta o artigo de Harrod, de 30 de agosto de 1936], Keynes estava profundamente
envolvido em dar conta de uma divergência entre seus vários apoiadores e conselheiros,
ou o que Warren Young chamou de “di visão do ‘General Theory group’. Em sua
essência, esta divisão era entre os seguidores (da análise do multiplicador) em
Cambridge (por exemplo, Kahn, Joan e Austin Robinson) e o grupo do equilíbrio geral
de Oxford (por exemplo, Harrod, Hicks e Meade). De uma perspectiva prática ou
‘política’, pode -se plausivelmente argumentar que Keynes (o ‘persuader’) não queria
afastar ninguém e [queria] cultivar qualquer um que pudesse defender os fundamentos
de sua teoria conforme expostos na Teoria Geral” (Chase, 1992, p. 888, n. 20, grifos no
original)25.
Finalmente, há autores que atribuem à morte prematura de Keynes, bem como às
suas outras ocupações e preocupações a incapacidade de avaliar de forma cautelosa as
possíveis conseqüências das formalizações de sua teoria. Este é o caso de Nevile (1996)
que se propõe a especular o que Keynes teria achado da maneira pela qual o modelo IS-
caso geral” (Lange 1938: xx), como inspira-se - explicitamente - em Reddaway, Meade e Harrod (além de Walras). 25 É interessante notar que Chase (1992) não inclui Meade entre os membros da “análise do multiplicador”. Isto é particularmente estranho quando se sabe que ele foi um do s que “inventou” este instrumento. Além disso, embora Meade tenha descrito a Teoria Geral por meio de equações, elas são bem simples e bastante próximas das equações apresentadas, na própria Teoria Geral, pelo próprio Keynes. Ou seja, além de excluí-lo do grupo da “análise do multiplicador”, ele foi incluído no grupo do equilíbrio geral!. Sobre Meade e o multiplicador ver, Meade (1993), Patinkin (1993a e 1994) e Dimand (1994).
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LM foi identificado com a sua teoria. Argumenta que embora Keynes tenha deixado sua
opinião documentada, “seu ataque cardíaco no final de 1937, as demandas da guerra, o
planejamento da reconstrução do pós-guerra e seu falecimento em 1946 fizeram com
que Keynes não tivesse tido o tempo necessário para refletir, de forma madura, sobre o
assunto” (Nevile, 1996: 2).
Por outro lado, O’Donnell (1 997) não aceita interpretações como as descritas
acima segundo as quais “Keynes adotou os instrumentos dos seus oponentes para
melhor persuadí-los” (O’Donnell, 1997: 149), por serem pautadas em julgamentos
psicológicos das intenções de Keynes, e afirma categoricamente que Keynes mesmo
criou e usou esquemas formais e matematizados, e não apenas restritos à Teoria Geral.
Portanto, não há consenso entre os estudiosos sobre qual a “verdadeira” opinião de
Keynes e abundam interpretações, referências ou citações quanto às passagens nas quais
Keynes teria criticado ou aprovado, parcial ou totalmente, explicita ou implicitamente,
os resultados e conseqüências das várias formulações matemáticas da Teoria Geral26.
Mais importante ainda é que há quem considere que o fato de Keynes ter usado
equações nas suas aulas do período anterior á publicação do livro representa sua própria
influência na formalização da Teoria Geral por meio de equações simultâneas27.
Constata-se portanto que nenhum estudioso nega que Keynes tenha usado o
raciocínio lógico da matemática28, algumas equações29 e até mesmo um gráfico30. A
discordância refere-se ao objetivo de Keynes e ao papel desta formalização na
exposição das idéias da Teoria Geral. Kregel (1976), por exemplo, chama a atenção
para o fato de Keynes, na Teoria Geral, definir o conjunto de “dados”, “variáveis
independentes” e “variáveis independentes”, ressaltando que alertava para o caráter
arbitrário desta classificação, já que ela depende do objeto específico a ser examinado.
Segundo Kregel (1976: 219) “o arcabouço [de Keynes] é geral no sentido de que pode 26 Por exemplo: “pelo menos uma vez [Keynes] expressou aprovação a uma interpretaç ão do seu livro mediante uma formulação de equilíbrio geral” Patinkin (1990a: 214). Esta manifestação estaria presente, segundo Patinkin (1990a: 214), “nas páginas do Economic Journal de 1938”, onde Keynes descreve o já mencionado artigo de Lange (1938) como sendo um trabalho que “segue, com muita proximidade e acuidade, minha linha de raciocínio” (CWJMK, vol. XIV, n1, apud Patinkin, 1990a: 214). Mas Patinkin mesmo sublinha uma ressalva de Keynes a Lange, referente ao pressuposto, adotado por Lange, de quantidade de moeda constante, que Keynes não reconhece como sendo representativo de suas idéias. (Ver Patinkin, 1990a: 214, n5). 27 Os que defendem esta tese apóiam-se nas compilações das notas de aulas de alunos de Keynes, organizadas por Thomas Kenneth Rymes. 28 O uso de expressões como “dados”, “variáveis independentes”, “variáveis dependentes”, “número de equações” e “número de incógnitas” seriam uma das provas desta afirmação. 29 A da demanda por moeda M = L1(Y) + L2(r) ou outras relativas à propensão a consumir, ao valor presente dos ativos, etc... 30 Conforme mencionado acima
11
ser rearranjado como um quebra-cabeças para investigar outras variáveis dependentes,
requerendo, naturalmente, uma divisão diferente dos determinantes do sistema, entre
fatores dados e variáveis independentes” 31.
Independentemente da posição de Keynes quanto ao uso de equações
simultâneas ou gráficos, o fato é que o desenvolvimento do diagrama IS-LM foi
decisivo na incorporação da proposta keynesiana ao paradigma econômico vigente, pois
tornou “invisível o elemento de ruptura” (Bianchi, 1992, p. 131) entre a Teoria Geral e
a tradição da época. Mas, ao mesmo tempo em que a contribuição de Hicks ajudou a
“dobrar as resistências que poderiam obstruir o caminho” (Bianchi, 1992, p. 131) da
proposta keynesiana, também bloqueou a assimilação dos seus aspectos mais
revolucionários. Assim, as reformulações que ocorreram com a participação de Hicks e
de Samuelson (e que desembocaram na síntese neoclássica), “ingredientes cruciais”
foram deixados de lado ou minimizados.
Bianchi (1992, p. 143) também lembra quem um elemento importante
introduzido por Hicks foi a manipulação “à primeira vista inofensiva”, que alterou o
encadeamento lógico dos argumentos keynesianos, transformando relações definidas
num esquema seqüencial em um modelo de equações simultâneas. Do mesmo modo,
para Franco (1983) o artigo de Hicks (1937) “inaugurou a prática que em nossos dias
parece ter-se elevado a uma atitude com relação a novas descobertas – de reunir
posições, posturas ou modelos opostos, ou meramente divergentes, em um modelo
‘geral’, onde as posturas conflitantes transformam -se em casos especiais desse mesmo
modelo, que se devem a ênfases ou hipóteses diversas” (Franco, 1983, pp. 125 -126).
3 – A explicação do sucesso do modelo IS-LM
Comparada à fartura de trabalhos que discutem o grau de representatividade do
modelo IS-LM, é impressionante a escassez de referências para explicar seu sucesso.
Em geral, considera-se que ele é “bastante atraente pela facilidade com qu e qualquer
coisa, qualquer efeito da economia pode ser encaixado em alguma de suas curvas”
(Carvalho, 1987-1988, p. 6) e consequentemente “cumpre a função [de] formalizar de
maneira tal que se tenha exatamente os modelos nos mesmos termos ou que se possa
31 É interessante notar que para esta questão Kregel faz referência às contribuições de Harrod em sua correspondência com Keynes (CWJMK, vol. XIV, pp. 295-306).
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definir todas as teorias nos mesmos termos” (Carvalho, 1987 -1988, p. 9)32. Ou seja, o
sucesso do modelo deriva da sua capacidade de oferecer um instrumental analítico
comum que incorpora toda e qualquer abordagem teórica (e para alguns, por isso
mesmo nenhuma).
Um autor que destaca a capacidade do discutir e analisar as mais variadas
situações é Fisher33: “ a versatilidade do modelo [IS-LM] é responsável pela sua
sobrevivência: pode ser usado para analisar tanto a política fiscal quanto a política
monetária considerando tanto o pleno emprego quanto o desemprego; pode gerar
resultados de teoria quantitativa ou puramente keynesianos com apenas pequenas
modificações...”. (apud Darity e Young 1995a, p. 37)34.
A capacidade de estabelecer um campo comum de debate entre as mais variadas
correntes teóricas é ressaltada por Coddington (1979, p. 972): “o aparato da IS -LM de
Hicks se constituiu num receptáculo de surpreendente versatilidade e flexibilidade
dentro do qual mesmo os protagonistas de prolongadas controvérsias foram capazes de
encontrar um arcabouço comum para seus debates” 35.
Por sua vez, a capacidade de incluir questões que não eram discutidas em sua
formulação original tem inúmeros exemplos, tais como o modelo IS-LM-BP (ou
modelo Mundell-Fleming) que trata das questões relativas ao comércio internacional,
isto é, a “macroeconomia aberta” 36, o modelo IS-LM-BB de tipo walrasiano que
incorpora o mercado de títulos37 e o modelo IS-LM-EE que incorpora a política
32 Mas o autor ressalta que a estrutura formal resultante é “comum porém sem conteúdo” (Carvalho, 1987-1988, p. 9). 33 Trata-se de FISCHER, S. (1987): [Franco Modigliani] 1944, 1963 and 1985. In.: DORNBUSCH, R., FISCHER, S. e BOSSONS, J. (ed)(1987): Macroeconomics and finance: essays in honor of Franco Modigliani. Cambridge: MIT Press. 34 Koenig (1993a), por exemplo, desenvolve uma variante do modelo IS-LM (incorporando expectativas racionais) com o objetivo de “reduzir a diferença existente entre o paradigma keynesiano e a abordage m do ciclo econômico real” (Koenig, 1993a, p. 33), o que permite “analisar uma variedade de modelos macroeconômicos a partir de um aparato comum” (Koenig, 1993a, p. 45) e Koenig (1993b) introduz o investimento endógeno transformando a teoria do ciclo econômico real num caso particular desta variedade de modelo IS-LM. 35 O caso mais citado na literatura é o uso do aparato IS-LM pelo mais importante anti-keynesiano (Milton Friedman), mas de um ponto de vista mais abstrato e geral é preciso considerar também os que defendem a concepção de que o modelo IS-LM serve tanto para a teoria do equilíbrio quanto a do desequilíbrio, como Smith (1977). (Smith se propõe a dissolver a tensão existente entre os macroeconomistas neo-keynesianos em torno do caráter de equilíbrio ou de desequilíbrio do modelo IS-LM. Seu objetivo é “demonstrar que o modelo serve para ambos os propósitos” (1977, p. 1). Na sua visão, tudo se resume à definição das equações como nocionais (desejadas) – no caso do modelo de equilíbrio - ou efetivas – no caso do modelo de desequilíbrio.) 36 Ver, por exemplo, Mundell (1963). Para uma crítica, ver Ferrari Filho (1995). 37 Ver Klausinger (2000).
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ambiental38 – entre outros39. Esta característica do modelo, aliás, se desenvolveu desde
sua origem: Barens (1999, p. 26, n.46), por exemplo, levanta um argumento irrefutável:
o artigo original de Hicks (1937) - o modelo SI-LL - não estudou os aspectos que se
tornaram o foco da controvérsia em torno do modelo IS-LM, como a relevância da
hipótese de rigidez dos salários nominais e/ou da existência da armadilha da liquidez
para o desemprego involuntário. Hicks (1937) também não desenvolveu a análise típica
dos livros-texto em torno dos efeitos da política fiscal e monetária sobre a produção e o
emprego40.
Assim, enquanto o grau de fidelidade com que o modelo IS-LM representa a
teoria proposta por Keynes é tema de controvérsia aparentemente insolúvel na qual as
posições são muito bem delimitadas e por vezes radicalmente opostas, pode-se dizer que
há consenso em torno da avaliação de que a característica mais marcante do modelo IS-
LM é sua versatilidade – para o bem ou para o mal41 - e que é isso que lhe garante a
longa existência. Entretanto, na literatura consultada, apenas Vercelli (1999) se dedica a
oferecer uma explicação para a resiliência dos modelos IS-LM, isto é, para a sua
capacidade de recuperar a forma, depois (e apesar) de todas as críticas que já recebeu.
Sua hipótese é a de que a “longevidade dos modelos IS-LM se tornou possível pela
grande adaptabilidade demonstrada em face das mudanças de percepção do ambiente
econômico em que são aplicados, que dependem da evolução dos fatos estilizados
importantes, dos principais problemas de política, bem como da evolução dos
pressupostos teóricos e abordagens metodológicas prevalecentes”. (Vercelli, 1999, pp.
199-200). Mais do que isso, Vercelli propõe que a capacidade de adaptação está
intimamente relacionada aos diferentes papéis atribuídos ao modelo, que classifica em
quatro categorias42.
A primeira função dos modelos é seu papel propedêutico, com objetivos
didáticos, que se configura na simplicidade, uma vez que representa o lado da demanda
de uma economia inteira por meio de duas equações (IS e LM) e duas variáveis (renda e
38 Como o de Heyes (1988). 39 Por exemplo: a adaptação do modelo IS-LM para condições de concorrência imperfeita é o tema de Cottrell e Darity (1991). A inclusão de questões relativas à inflação vem sendo feita por meio das várias versões da “curva de Phillips”, encontradas em inúmeros manuais modernos de teoria macroeconômica. 40 Por outro lado, este tipo de questão aparece claramente nas primeiras formalizações da Teoria Geral, como as de Champernowne e de Meade, conforme Heller (2000b) e Heller ( 2001) respectivamente. Este aspecto será tratado em outra oportunidade. 41 No sentido, respectivamente, de que é capaz de representar qualquer teoria ou de que não representa nenhuma. 42 Uma abordagem parecida é a de Earp (1997).
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taxa de juros), e permite a análise da interação entre o setor real (IS) e o setor monetário
(LM) no que se refere à demanda43. O segundo papel dos modelos é a função
hermenêutica, isto é, a capacidade de esclarecer a interpretação de uma teoria
macroeconômica em comparação a outras, constituindo-se numa base teórica única que
permite o debate teórico e político entre macroeconomistas e policy makers de
diferentes perspectivas teóricas e políticas. O terceiro papel é o descritivo, que
representa, explica ou prevê a evolução de economias específicas. A quarta função é a
prescritiva, que permite escolher medidas de política econômica, apropriadas a
diferentes hipóteses.
Ousamos resumir a classificação proposta por Vercelli em duas grandes
categorias: uma se refere ao papel propedêutico (o caráter didático) do modelo IS-LM,
que decorre da simplificação que ele faz da teoria de Keynes (e ao mesmo tempo o torna
vulnerável às críticas em torno da sua representatividade das idéias originais de
Keynes); a outra reúne os demais papéis que decorrem de sua maleabilidade, isto é, da
sua capacidade de incorporar diferentes hipóteses, seja para descrever simultaneamente
diferentes perspectivas teóricas, seja para caracterizar as diferentes situações
“concretas” de economias específicas, seja para propor diferentes medidas de política
econômica. É particularmente interessante ressaltar que a primeira categoria (o papel
propedêutico) teve uma existência menos instável que a segunda (os papéis
hermenêutico, descritivo e prescritivo), e há razões da história econômica mundial para
isso44.
43 A ausência de elementos referentes à oferta bem como a não explicitação da sua base microeconômica são os focos principais da crítica contemporânea à IS-LM. As críticas mais antigas, como a da não consideração do fenômeno inflacionário (ou até mesmo da estagflação) e o escopo restrito a economias “fechadas” já vem sendo objeto de reformulação do modelo, e seus resultados já se encontram nos manuais de macroeconomia, o que parece confirmar a capacidade de adaptação do modelo IS-LM. 44 De forma bastante resumida: Segundo Vercelli (1999) – ver também Minsky (1975) - o consenso sobre o modelo IS-LM foi contemporâneo do amplo consenso sobre política macroeconômica, nos Estados Unidos mas não apenas lá, decorrente das circunstâncias especiais caracterizadas pela necessidade de intervenção do Estado para sair da Grande Depressão, da necessidade de financiamento da guerra e depois para a conversão da indústria de guerra e a reconstrução via Plano Marshall. Assim, nos anos trinta e quarenta o modelo foi “desenvolvido e discutido principalmente para esclarecer as relações entre Keynes e os clássicos” (Vercelli, 1999, p. 205), enquanto que nos anos cinqüenta o modelo tornou-se o instrumento básico para a “sintonia fina” do desempenho da economia em “tempos normais”, embora estes anos cinqüenta não tenham sido efetivamente “tempos normais”, pois havia estabilidade monetária, as relações industriais (preços e salários) eram pacíficas, o progresso técnico era lento mas estável (representado por “deslocamentos lentos e estáveis da curva de oferta de modo que pudessem ser razoavelmente descritas , no curto prazo, por uma curva de oferta dada” (Vercelli, 1999, p. 206).) e ha via estabilidade estrutural significativa da demanda - “suficiente para usar modelos IS -LM para propósitos descritivos e de política” (Vercelli, 1999, p. 206). Mas na década de sessenta, os países industrializados passaram a sofrer “choques de oferta”, pri ncipalmente por parte dos salários, que foram se tornando mais profundos e generalizados, fazendo com que o modelo IS-LM se ressentisse da dificuldade de tratar do
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Vercelli conclui que o desempenho dos modelos IS-LM, no que se refere às suas
funções hermenêutica, descritiva e prescritiva foi muito pobre e em geral mal
direcionada, e portanto a resiliência do modelo não pode ser atribuída a estes papéis e
sim à adaptabilidade do modelo às diferentes teorias: “sua duradoura popularidade
encontra-se na sua flexibilidade que, em última instância está enraizada na sua
ambigüidade” (Vercelli 1999, p. 215). Para o autor, o fato dos modelos não terem, por
definição, restrições sobre a inclinação e a posição das duas curvas os tornam
consistentes com quase todos os tipos de evidência empírica, que sempre podem ser
incorporadas, de um modo ou de outro, pela alteração das funções que compõem as
curvas. Isto significa que sempre haverá algum tipo específico de modelo IS-LM
adaptado a evidências empíricas e/ou hipóteses teóricas específicas e que podem ser
entendidos como formas particulares de um modelo geral. Por este motivo – e esta é
uma conclusão importante - o modelo IS-LM “não é falseável” (Vercelli, 1999, p. 215).
A conclusão do autor, de que “a resiliência dos modelos está mais relacionada à
sua ambigüidade intrínseca do que ao seu bom desempenho na análise
macroeconômica” (Vercelli, 1999, p. 201) dá origem a um paradoxo: por um lado, o
papel propedêutico do modelo IS-LM é o responsável por sua sobrevivência mesmo
depois que as funções hermenêuticas, descritivas e prescritivas perderam relevância. Por
outro lado, o modelo é ambíguo (por isso é não falseável) e isso também explica sua lado da oferta e do processo de formação de preços e salários (o que, segundo Vercelli, foi antecipado por Hicks (1957): A rehabilitation of ‘Classical’ economics? Review of Patinkin’s “Money, Interest and Prices”. Economic Journal, vol. 67, junho, pp. 278-289.). A solução encontrada foi a inclusão de uma “terceira equação” (“the missing equation ”), isto é, a curva de Philllips, que passou a representar o lado da oferta e o processo de alteração dos preços e salários. Mas o fim do sistema de Bretton Woods no início dos anos setenta e os dois choques do petróleo ao longo desta mesma década geraram um clima de profunda instabilidade estrutural nas “três curvas”. Apesar dos esforços dos defensores da IS -LM, o modelo acabou derrotado frente à nova abordagem que surgia, a dos novo-clássicos (representada por Lucas, Sargent, Barro). Das várias críticas novo-clássicas ao modelo IS-LM – a ausência de microfundamentos sólidos, de expectativas endógenas sobre o futuro, a estática comparativa e a violação sistemática da dicotomia clássica entre os setores real e monetário – a mais importante, segundo Vercelli, foi a assim chamada “crítica de Lucas” – ver Lucas (1976): “Econometric policy evaluation: a critique” publicado em Brunner e Meltzer (eds.) (1976): The Phillips Curve and labour markets, Carnegie-Rochester Conference Series on Public Policy, vol. 1, p.19-46 - segundo a qual funções como a IS e LM não são por princípio insensíveis a mudanças nas regras de política econômica e conseqüentemente não podem ser usadas na avaliação destas políticas. Ou seja, as próprias curvas (ou suas funções constituintes) variam em decorrência de “choques de política econômica”. A crítica dos novo -clássicos explica, segundo Vercelli, o declínio da utilização dos modelos IS-LM com funções hermenêuticas, descritivas e prescritivas, mas não afetou seu papel didático, conforme se atesta pela sua contínua presença em livros-texto de macroeconomia, tanto nos de “inspiração keynesiana” quanto nos de “inspiração novo -clássica” - embora nestes últimos o modelo seja apresentado como “uma expressão de uma abordagem considerada desatualizada” (Vercelli, 1999, p. 207). Entretanto, o ambiente econômico mais estável das décadas de oitenta e noventa permitiu o renascimento do modelo IS-LM, na verdade o surgimento de uma segunda geração de modelos, cujo principal objetivo é oferecer fundamentos microeconômicos consistentes com a abordagem novo-clássica. Embora esta segunda geração não seja ainda numerosa nem homogênea, o que Vercelli destaca é que sua existência é uma confirmação da grande adaptabilidade de modelos IS-LM.
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longevidade. O paradoxo está no fato de que o caráter didático do modelo IS-LM se
associa à sua ambigüidade45.
4 – Teoria econômica e formalização matemática
Ao longo do texto usamos as expressões “matematização”, “formalização”, “uso
de equações” e/ou de “funções matemáticas” para designar o uso de representação
simbólica típica da matemática sem preocupação com a precisão algébrica, e a
expressão “diagramas” para simbol izar a utilização de gráficos, independentemente do
rigor geométrico ou trigonométrico. Conforme assinalamos em outras ocasiões – ver
Heller (1999, 2000a, 2000b, 2000c e 2001) - seguimos e ampliamos a sugestão de
O’Donnel (1997: 132) de que “por formalismo entend[e-se] a representação simbólica, a
matemática, a inferência estatística ou a econometria”.
É ainda O’Donnel (1997) quem inspira a concepção de que a formalização, em
seu caráter simbólico, permite que a formulação matemática seja utilizada como um
instrumento genérico de expressão e de raciocínio sobre as relações existentes entre os
conceitos, que não precisam, necessariamente, ter magnitude expressável
numericamente. Diferencia-se da álgebra por ser mais ampla e abranger uma maior
variedade de possibilidades, dentre as quais se inclui a própria álgebra como um caso
particular. A álgebra não apenas permite mas, de certa forma, exige manipulação e
operação matemática, pois as variáveis têm propriedades numéricas inatas ou atribuídas:
“o valor da mat emática como auxílio para raciocínio na teoria econômica reside mais no
seu caráter simbólico como expressão de relações gerais entre variáveis do que no seu
45 Talvez este seja o motivo pelo qual tenham surgido, recentemente, trabalhos que discutem a insuficiência da utilização exclusiva de gráficos para a explicação dos pressupostos teóricos subjacentes ao modelo IS-LM. Aqui, novamente, há sugestões opostas, e é particularmente interessante notar que são críticas geralmente associadas às discussões sobre o ensino da teoria econômica: de um lado, há os que consideram que o uso de gráficos não prescinde de explicações que se não são causais, devem ao menos ser seqüenciais; de outro, os que propõem o uso exclusivo de sistemas de equações simultâneas que eliminam este problema pela raiz. Entre os primeiros pode-se citar Barreto (1995) que sugere três modos de explicar a determinação gráfica do equilíbrio no modelo IS-LM: (i) o “processo Co bweb”, que se caracteriza pela determinação seqüencial do equilíbrio, alternando de um mercado para outro; (ii) o processo “mercado de ativos”, que supõe que o mercado monetário entra rapidamente em equilíbrio e o restante do raciocínio se concentra no ajuste do “mercado de bens”; e (iii) o processo “mercado de ativos e de bens”, que é um processo híbrido, no qual os dois mercados entram paulatina e simultaneamente em equilíbrio. Barreto (1995) ressalta que esta problemática só se coloca para a explicação gráfica (ou verbal) do processo de equilíbrio, não para a explicação matemática baseada em sistemas de equações simultâneas. Entre os segundos está Cartelier (1989), que argumenta que o uso da matemática, isto é, de um sistema de equações simultâneas elimina este tipo de dificuldade pois o sistema de equações simultâneas é um mecanismo instantâneo de ajuste, que exige a hipótese de velocidade infinita para que seja possível evitar “a elucidação do processo dinâmico e lidar com situações transitórias” (Cartel ier, 1989: 3).
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caráter algébrico ou numérico que freqüentemente requer hipóteses simplificadoras
específicas” (O’ Donnell, 1997: 157)46. Portanto, a questão não é a da utilização dos
símbolos matemáticos em si, mas a da interpretação. Os símbolos permitem que se
estabeleçam relações funcionais entre variáveis, e que se discuta os fatores que
influenciam as funções e as variáveis, e esta discussão muitas vezes se dá de maneira
não-formal, isto é, através de elaborações verbais não formalizáveis47.
Também Samuelson (1952) defende a concepção de que a matemática é uma
linguagem, com a mesma capacidade comunicativa que a prosa, e reconhece que em
algumas situações a prosa pode ser mais adequada do que a matemática. Na ciência
econômica, por exemplo, a grande virtude da matemática é sua capacidade de
representar as complexas interações e interdependências. Segundo Samuelson, a
analogia da interdependência econômica com a interdependência dos sistemas físicos é
“valiosa quando alerta para os perigos das teorias de causação unilateral. Mas depois
que as noções matemáticas tenham desempenhado a função de nos lembrar que tudo
depende de tudo, podem não ter mais nada a acrescentar – a não ser que possamos fazer
hipóteses especiais sobre fatos” (Samuelson, 1952, p. 63). Assim, Samuelson parece
indicar a existência de uma dicotomia radical entre “teorias de causação unilateral” e
“sis temas em que tudo depende de tudo”.
As “relações de causalidade” a que se faz referência no âmbito desta pesquisa é
o que Cartelier (1989) chama de “modelos recursivos” 48, uma expressão inspirada na
característica de expressões matemáticas com vários termos (polinomiais) em que cada
termo é determinado pela aplicação de uma fórmula ao termo anterior. O exemplo de
Cartelier, aplicado à economia, é o de que “em cada período dado as decisões dos
empresários influenciam as decisões dos não empresários, mas o inverso não é
verdadeiro” (Cartelier, 1989: 4). Trata -se de um sistema com hierarquia, em que não há
interdependência geral nem mútua compatibilidade. A diferença entre modelos de
interdependência geral e modelos recursivos, na economia, é definida por León (1999):
46 Nestas notas e nos demais textos desta pesquisa assumimos que a relação entre álgebra e matemática é a mesma que entre a geometria e diagramas. 47 O’Donnell (1997: 152, grifos no original) também alerta para o perigo de se confundir “fatore s que limitam o uso da matemática em economia com fatores que excluem seu uso” e chama a atenção para a existência de “três tipos de relações ordenadas entre variáveis de uma teoria baseada em raciocínio quantitativo: a ordenação cardinal, a ordenação ordinal e a completa incomensurabilidade” (O’Donnell, 1997: 157). O mesmo autor ainda ressalta a possibilidade de que as variáveis em questão não sejam formalizadas ou quantificáveis, entre outros motivos por não serem suficientemente homogêneas ou constantes ao longo do tempo. 48 A expressão foi aparentemente sugerida por Wold. Ver Wold (1954, p. 173).
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“um modelo econômico é de interdependência geral quando a determinação das
variáveis de equilíbrio que resolvem o sistema resulta da interação conjunta de todas as
equações que representam as ofertas e demandas dos agentes econômicos. Quando o
modelo pode ser decomposto em dois subsistemas (A e B) de modo que as variáveis que
integram o sub-sistema A, por exemplo, se resolvem independentemente de B, e as
variáveis econômicas que se determinam no sub-sistema B se ajustam aos valores pré-
determinados no primeiro sub-sistema, tem-se o que se conhece como modelo
recursivo. Ou seja, o resultado é determinado por uma parte do sistema de equações e o
resto se adapta.” (Leon, 1999, pp. 41 -42)49.
Outros autores que contribuem para este tema são Cowan e Rizzo (1994). Eles
destacam a necessidade de se diferenciar três concepções básicas de causalidade no
âmbito da teoria econômica. A primeira diz respeito aos objetivos das ações do agente
econômicos, e baseia-se na idéia de que os agentes agem com o propósito de atingir
determinados fins, escolhendo, para tanto, os meios para alcançá-los. Ou seja, trata-se
da “causa das ações, isto é, dos desejos e crenças dos agentes” (Cowan e Rizzo, 1994:
274). A segunda concepção está relacionada à idéia de que ainda que os agentes
individualmente não alcancem os objetivos desejados, seus atos – ou melhor, as
interações dos seus atos – produzem determinados resultados gerais (de mercado). A
terceira concepção diz respeito à “natureza genética de uma conexão causal” (Cowan e
Rizzo, 1994: 274), em que “uma causa não é simplesmente algo que precede seu efeito;
ela cria um processo unidirecional cujo resultado é seu efeito” (Cowan e Rizzo, 1994:
274).
O caráter unidirecional entre causa e efeito é o que torna problemático o uso de
relações funcionais entre variáveis (descrita por meio da formalização matemática)
como sendo o método da teoria econômica, pois este tipo de linguagem desconsidera
que as causas são parte importante do fenômeno estudado pela teoria econômica, e seu
entendimento ajuda a responder muitas das questões específicas de que a teoria
49 A autora também oferece exemplos: o modelo de equilíbrio geral é do primeiro tipo, ou seja, de interdependência geral, pois “não se pode falar de equilíbrio em relação a qualquer bem em particular, já que a oferta e a demanda em qualquer mercado depende de seu próprio preço e dos preços dos demais bens e serviços” (Leon, 1999, p. 42, n.6). Os modelos recursivos, por sua vez, podem ser recursivos pelo lado da oferta ou pelo lado da demanda. No primeiro caso, o exemplo é o do modelo de ciclo econômico real, no qual as flutuações econômicas são associadas a choques tecnológicos e mudanças dos preços relativos dos insumos (a oferta se adapta); no segundo caso, o exemplo é a teoria keynesiana, na qual as flutuações econômicas são decorrentes da instabilidade da demanda agregada, que pode ser afetada pela política fiscal (a demanda se adapta).
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econômica deve tratar50. Para tanto, afirmam que é preciso distinguir as causas que
“sustentam” ou mantém uma determinada situação [“sustaining causes”] das que
“originam” [“originati ng causes”] ou alteram esta situação. As primeiras explicam
“estados” (e em geral estão embutidas, ou compõem as cláusulas “coeteris paribus”,
como, por exemplo, os costumes, o estado das artes, a dotação orçamentária) e as
segundas explicam “eventos” e “m udanças”, tratam de como e porquê determinados
fenômenos e situações ocorrem, ou seja, tratam de sua “gênese” 51.
Para Cowan e Rizzo (1994) é errado identificar causação com os conceitos de
dependência funcional, de capacidade preditiva ou de implicação lógica. No que se
refere à dependência funcional, o erro decorre do fato da assimetria entre a causa e o
efeito desaparecer quando a função é reversível52. Embora a reversibilidade possa ser
limitada quando, por exemplo, há distinção entre variáveis endógenas e variáveis
exógenas, de modo que a mudança no valor de uma variável exógena seja associada a
uma mudança na variável endógena, esta não é necessariamente uma relação de
causalidade propriamente dita, pois pode ser entendida como uma reação do sistema a
choques externos – e em muitos casos “a essência da causação como função matemática
é a simples covariância” (Cowan e Rizzo, 1994: 297). Uma solução parcial para essa
questão, segundo os autores, é a que considera sub-sistemas, nos quais uma variável que
é exógena num sub-sistema é endógena em outro. Isto é o que ocorre nos sistemas
recursivos.
A capacidade preditiva (que também está associada à covariância), muitas vezes
requer que a causa seja anterior (no tempo) ao efeito. O erro nessa identificação é
exemplificado com a idéia de que uma queda do barômetro (fenômeno que costuma
50 Cowan e Rizzo (1994) referem-se explicitamente ao livro de Roy Weintraub, Mathematics for Economists: An Integrated Approach. Cambridge: Cambridge University Press, 1982, como um exemplo de uso indevido de relações funcionais em que as causas são tratadas como meras variáveis exógenas, desconsiderando relações causais propriamente ditas. Por exemplo, não basta considerar que existe uma relação ou uma função que relaciona a oferta de moeda à renda nominal, sem uma interpretação causal desta relação. Do mesmo modo, não basta explicar que a oferta sempre iguala a demanda através das variações de preços sem oferecer uma explicação do que faz (o que causa) os agentes agirem de modo a provocar (causar) a igualdade entre demanda e oferta. 51 Para os autores, a necessidade de oferecer uma explicação do processo pelo qual um determinado fenômeno é gerado é tão fundamental para a compreensão da teoria econômica, que “mesmo na teoria mais formal, a tradição walrasiana considerou necessário introduzir a ficção do leiloeiro para explicar a determinação dos preços” (Cowan e Rizzo, 1994: 280 -281). 52 Também Wold (1954) distingue relações causais de relações funcionais: “relações causais são reversíveis ou irreversíveis com relação à causa e efeito, uma distinção que precisa ser mantida à parte do fato de que uma relação funcional y = f(x) é sempre reversível no sentido formal, gerando x = f-1(y) onde f-1 é a função inversa de f.” (Wold, 1954, p. 165, n6). No caso específico da IS-LM a reversibilidade ocorre sem restrições, até mesmo nas primeiras formalizações da Teoria Geral, como a de Harrod. Ver particularmente Heller (2000a)
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anteceder a chuva), ainda que possa ser associado à probabilidade de chuva não pode
ser visto como causa da chuva; na verdade, é a queda da pressão atmosférica que causa
ambos: a queda do barômetro e a chuva53. Por sua vez, a confusão entre implicação
lógica e causação é exemplificada por meio da confusão que se costuma fazer entre as
condições que determinam a natureza de um equilíbrio e os eventos que geram este
equilíbrio. Por exemplo: a igualdade entre demanda e oferta descreve o equilíbrio, mas
não gera o equilíbrio; neste caso, o que gera o equilíbrio é a variação de preços.
No caso da IS-LM, especialmente na sua representação gráfica o problema se
exacerba pois cada um dos oito quadrantes (quatro para a construção da IS e quatro para
a construção da LM) representam condições de equilíbrio e não os eventos que o geram.
Conclusão:
As notas deste texto, especialmente as da última seção, parecem indicar que a
hipótese que deu origem à pesquisa está parcialmente correta: as equações que
descrevem o modelo IS-LM são capazes de representar relações de causalidade
diferentes (e até opostas), mas isto decorre de se confundir relações funcionais com
causalidade, especialmente por não haver qualquer restrição ao grau de reversibilidade
das relações funcionais (as equações que compõem o sistema de equações simultâneas).
Parece que o estágio atual da questão implica em optar entre abdicar de
explicações causais – conforme sugerido por Cartelier (1989) – ou adotar um discurso
narrativo que destaca a ordem “cronológica” especificando a “velocidade” do processo
– conforme sugerido por Barreto (1995). Mas esta segunda opção ainda abre
alternativas de nexo causal (seqüencial) variadas, o que confirma a maleabilidade do
modelo IS-LM.
Tudo indica que a não falseabilidade do modelo – cuja origem está na sua
ambigüidade, que por sua vez repousa na formulação de equações simultâneas sem
restrições de reversibilidade – é uma importante razão do seu sucesso e de sua
longevidade
E, no entanto, o modelo nasceu de um conjunto de trabalhos nos quais as
relações funcionais descritas em prosa eram diferentes entre si e do próprio modelo IS-
LM. O estudo da história deste processo de transformação certamente trará luz adicional
para a questão.
53 Isto significa que o problema não se resolve facilmente com o recurso das defasagens temporais.
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