notas sobre a cultura escolar do curso ginasial no ginásio
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Vozes, Pretérito & Devir Ano VIII, Vol. XII, Nº II(2021)
Dossiê Temático ISSN: 2317-1979
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Notas sobre a cultura escolar do curso ginasial no Ginásio São
Luiz Gonzaga, Parnaíba-PI (1939-1971)
Maria Dalva Fontenele Cerqueira1
Resumo: O presente artigo tem como objetivo investigar a cultura escolar do curso ginasial
no Ginásio São Luiz Gonzaga. A pesquisa tem recorte inicial em 1939, ano em que a
instituição recebeu autorização preliminar para funcionamento do Ensino Secundário, e
recorte final em 1971, com as modificações nessa modalidade de ensino prescritas na Lei n.º
5.692/71. A pesquisa apresenta como limite espacial a cidade de Parnaíba-PI.
Operacionalizou-se com referenciais teóricos e metodológicos da Nova História Cultural, a
partir das contribuições propostas por: Magalhães (2010), Certeau (2015), Souza (2000), Julia
(2001) e Lopes (2019). Para tanto, recorremos a fontes hemerográficas como os jornais:
Diário Oficial, O Bembém, Norte, O Sino e a Revista Argos, além de documentos do
escriturário escolar e do Almanaque da Parnaíba. Metodologicamente, realizou-se uma
pesquisa do tipo qualitativa e historiográfica. Como resultado foi possível identificar que a
cultura escolar do curso ginasial do Ginásio São Luiz Gonzaga era formada por uma
pluralidade de elementos materializados por meio de normas, práticas e ritos escolares
vivenciados pelos sujeitos por meio de festas cívicas e religiosas, presentes no calendário
escolar.
Palavras-chave: História da Educação. Cultura escolar. Ginásio São Luiz Gonzaga. Ensino
Secundário.
Abstract: The aim with this paper is to investigate the school culture of the gymnasium
course in São Luiz Gonzaga Gymnasium. The research has an initial clipping in 1939, the
year when the school received preliminary authorization to offer secondary education
teaching and a final clipping in 1971, with modifications in this teaching modality prescribed
by the law 5.692/71. The research presents Parnaíba/PI as the spacial clipping. It was carried
out with theoretical and methodological reference on New Cultural History which was based
on contributions offered by Magalhães (2010); Certeau (2015); Souza (2000); Julia (2001),
Lopes (2009). For this, hemerographic sources were consulted such as: Diário Oficial, O
Bembém, Norte, O Sino and the Argos magazine, documents from the school record and
Almanaque da Parnaíba. Regarding the methodology in this paper, a qualitative
historiographical research was conducted. As a result, it was possible to identify that São Luiz
Gonzaga Gymnasium culture was formed by a plurality of materialized elements made
concrete through norms, practices and school rites experienced by individuals in civic and
religious parties present in the school schedule.
Keywords: History of Education. School Culture. São Luiz Gonzaga Gymnasium. Secondary
education.
Notes on the school culture of the gymnasium course
in São Luiz Gonzaga Gymnasium, Parnaíba-pi (1939-1971)
1 Professora de História da Educação Básica da Secretaria de Estado da Educação do Piauí. Mestra em História
do Brasil pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação
da UFPI. Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Educação, Sociedade e Cultura (NESC), do Núcleo de Pesquisa
em História e Educação (NUPEHED), ambos na Universidade Federal do Piauí (UFPI). Bolsista da Coordenação
de aperfeiçoamento de pessoa de nível superior (CAPES). E-mail: [email protected]
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1. Introdução
O presente artigo vincula-se a uma pesquisa em andamento2 e toma como objeto de
estudo a cultura escolar do curso ginasial no Ginásio São Luiz Gonzaga. Esta instituição
confessional, entre os anos de 1939 a 1971, foi a única instituição católica de Parnaíba-PI que
ofertou o Ensino Secundário, dedicado ao público masculino, com a oferta do curso ginasial
nos regimes de internato, semi-internato e externato, sendo primeiro destinado sobretudo aos
filhos das famílias residentes em outras cidades do Estado.
Fundado pela iniciativa privada em 1937, o então Instituto São Luiz de Gonzaga tinha
como finalidade oferecer educação católica aos filhos da elite parnaibana, com a oferta dos
cursos primário e de admissão. No ano de 1939 o Ensino Secundário no Brasil era regido pela
Reforma Francisco Campos (1931)3, e a instituição à qual faz-se referência recebeu
autorização preliminar para ofertar o Ensino Secundário, único curso propedêutico reservado
exclusivamente aos homens com a finalidade de conferir o grau de Bacharel em Ciências e
Letras4 aos seus educandos, seguindo a tradição intelectual do bacharelismo notabilizada na
sociedade brasileira. Na década de 1940, com a promulgação da Lei Orgânica do Ensino
Secundário de 19425, a instituição passou por mudanças que resultaram na alteração do seu
nome, passando a se chamar Ginásio São Luiz Gonzaga, assim como sua inserção no contexto
dos estabelecimentos de Ensino Secundário do país que ofertavam o curso ginasial.
A investigação tem como recorte espacial a cidade de Parnaíba-PI, onde está situado o
Ginásio São Luiz Gonzaga. Por sua vez, o recorte cronológico apresenta como marco inicial o
ano de 1939, quando a instituição recebeu do Ministério da Educação e Saúde Pública
autorização preliminar para ofertar o Ensino Secundário. E 1971 estabelece o recorte final,
com a instituição da Lei nº. 5.692/71, que criou dois cursos: 1º grau – a partir da junção do
2 Pesquisa realizada no Curso de Doutorado em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação, linha
de pesquisa História da Educação, Universidade Federal do Piauí. A pesquisa conta com financiamento da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior – CAPES. 3 Cf. Dallabrida, Norberto. A reforma Francisco Campos e a modernização nacionalizada do ensino secundário.
Educação, 32(2). Porto Alegre, v. 32, n. 2, p. 185-191, maio/ago. 2009. 4 De acordo com Rosa Fátima de Souza (2008, p. 100): “A formação compreendia um curso de seis anos de
duração, priorizando o estudo metódico e sistemático de língua portuguesa, além das línguas clássicas e
modernas, da literatura, da história e geografia do Brasil”. 5 O Capítulo III do Decreto-Lei n.º 4.244, de 9/4/1942, prescreveu que no Brasil existiria dois tipos de
estabelecimentos de Ensino Secundário: o Ginásio, destinado a ministrar o curso de primeiro ciclo (Curso
Ginasial) e o Colégio, que além do curso ginasial, destinava-se a ministrar o segundo ciclo (Clássico e
Científico). Cf. <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-4244-9-abril-1942-414155-
publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 24 de fevereiro de 2021.
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primário e o primeiro ciclo (curso ginasial), com duração de oito anos; e o 2º grau – formado
pelo segundo ciclo (curso colegial), com duração de três anos.
Na pesquisa foram analisados documentos do escriturário escolar, como livros Atas de
Exames de Admissão (décadas de 1940 a 1960) e convite de formatura (década de 1950), que
pertencem ao arquivo escolar da instituição, além da utilização de variadas ações escolares
divulgadas em revistas e jornais que circulavam na cidade durante o período pesquisado,
dentre eles os jornais: O Norte, O Sino, Almanaque da Parnaíba6. Também foi realizada
pesquisa no jornal culturalista parnaibano O Bembém7, que publicou entrevista feita com um
ex-aluno da escola. Além dos jornais de circulação na cidade, foram efetuadas pesquisas em
jornais de circulação no âmbito estadual, como o Diário Oficial do Piauí8.
O conceito de cultura escolar é aqui entendido como “um conjunto de normas que
definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que
permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos. […]”
(JULIA, 2001, p. 10-11, grifos do autor). Para o autor, “normas e práticas coordenadas a
finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou
simplesmente de socialização)”. Julia (2001) alerta para o fato de que a análise da cultura
escolar, além de levar em consideração relações conflituosas ou pacíficas, a depender da
época, que mantêm com o conjunto de culturas (religiosa, política ou popular) que lhes são
contemporâneas, é preciso levar em consideração a ação do “corpo profissional dos agentes”
na aplicação dos “dispositivos pedagógicos” adotados no processo formal de escolarização.
Na perspectiva histórica, Viñao Frago (2007) defende que não existe uma cultura
escolar única para todas as instituições educativas, para o autor, “não há duas escolas, dois
colégios, universidades ou faculdades exatamente iguais, embora entre eles se possam
estabelecer semelhanças. As diferenças crescem quando comparamos as culturas de
instituições que pertencem a níveis educativos distintos” (FRAGO, 2007, p. 95).
Na investigação sobre a cultura escolar do Ginásio São Luiz Gonzaga, a constituição
das fontes analisadas se deu a partir do “gesto de separar, de reunir, de transformar em
“documentos” certos objetos distribuídos de outra maneira” (CERTEAU, 2015, p. 69, grifos
do autor), assim, notas publicadas em jornais e revistas sobre ações da escola, documentos do
escriturário escolar, como publicações na imprensa oficial, dentre outros rastros deixados
6 Faz parte do acervo digital do Blog “Mundos do Trabalho no Piauí”.
<http://www.mundosdotrabalhopi.com.br/p/jornais.html>. Acesso: em 01 de agosto de 2020. 7 Encontra-se na Fundação Raul Furtado Bacelar, em Parnaíba-PI.
8 Encontra-se no Arquivo Público do Piauí – Casa Anísio Brito.
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pelos sujeitos do passado foram usados como fontes na pesquisa, cujos resultados
preliminares apontam que, no período investigado, cultura escolar do curso ginasial do
Ginásio São Luiz Gonzaga entrelaçava tradições católicas com ritos escolares formando uma
cultura cívico-católica.
2. A cultura escolar do curso ginasial no Ginásio São Luiz Gonzaga
Em regra, as instituições confessionais católicas estabeleciam, no momento da
fundação, um conjunto de normas e práticas disciplinares que constituíam seu Estatuto, que
era o documento escolar que regia seu funcionamento e modos de organização pedagógica e
administrativa da instituição, que se materializou por meio da cultura escolar vivenciada no
cotidiano.
Para Magalhães (2010, p. 43), “a escola e a cultura escolar têm a sua materialidade, o
seu funcionamento e organização, os seus meios técnicos e humanos”. O Estatuto do então
Instituto São Luiz Gonzaga, publicado no Diário Oficial do Piauí em 1º de fevereiro de 1939,
informou aos piauienses sobre a fundação, os princípios norteadores e os objetivos
educacionais da instituição.
O INSTITUTO SÃO LUIZ DE GONZAGA, fundado, em Parnaíba, a 1º de
março de 1937, destina-se exclusivamente ao sexo masculino. Moldado nos
princípios da moral cristã e nas mais modernas e salutares normas de higiene
e pedagogia, o seu objetivo precípuo é ministrar à mocidade conterrânea
uma educação sadia, ao lado de uma instrução perfeita e completa.
(ESTATUTOS... Diário Oficial, Teresina, 1º de fev. de 1939, p. 11).
A instituição deixou claro o público ao qual se destinava, evidenciou o objetivo de
oferecer educação moral cristã baseada na religião católica e nas modernas normas
pedagógicas de uma formação considerada “perfeita e completa” aos jovens parnaibanos que,
ao final do ensino secundário, receberiam o Grau de Bacharel em Ciências e Letras”
(ESTATUTOS... Diário Oficial, Teresina, 1º de fev. de 1939, p. 11) similarmente ao Colégio
Pedro II, instituição de ensino que, de acordo com Souza (2008), nas primeiras décadas do
século XX, foi mantida pelo Governo Federal como estabelecimento padrão, cuja
normatização e a centralizada organização pedagógica eram modelares para escolas públicas e
privadas do país.
É importante ressaltar que o documento foi publicado no mesmo ano em que recebeu
da Divisão do Ensino Secundário do Ministério da Educação e Saúde Pública, autorização
preliminar ao curso secundário fundamental, no entanto, nas disposições finais do documento
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constam informações que atestam sua existência desde de fevereiro de 1937, ou seja, o ano de
criação da instituição (ESTATUTOS... Diário Oficial, Teresina, 1º de fev. de 1939, p. 11).
Com a reforma educacional adotada durante o Estado Novo9, conhecida como
Reforma Capanema, a Lei Orgânica do Ensino Secundário de 1942 deu novos contornos ao
Ensino Secundário, o que afetou os planos do então Instituto São Luiz de Gonzaga de expedir
o diploma de bacharel a seus alunos, tendo em vista que, depois disso, o Ensino Secundário
passou a ser, segundo Souza (2019, p. 29): “normatizado como ensino sequencial e
obrigatório, compreendendo dois ciclos – o ginasial e o colegial – passou a ser considerado
um dos ramos do ensino médio, consagrado como modalidade de educação geral e
desinteressada responsável pela formação das elites condutoras do país [...]”.
A Lei Orgânica do Ensino Secundário, ao regulamentar o acesso ao Ensino
Secundário, manteve, dentre outras obrigatoriedades, o Exame de Admissão10
, “uma tradição
no país desde o final do século XIX, mais especificamente para o ingresso no tradicional
Colégio Pedro II, [...]. Adquire, contudo, caráter obrigatório na Era Vargas, no contexto das
reformas impetradas pelo então ministro da educação, Francisco Campos, nos anos 1930”
(PERES; RAMIL, 2019, p. 521). O exame consistia num processo seletivo realizado sob a
supervisão do Inspetor Federal de Ensino nas instituições escolares que ofertavam Ensino
Secundário e era regido por uma banca examinadora formada por professores das disciplinas
“Aritmética”, “Português”, “História” e “Geografia”, cujo conhecimento era cobrado nas
provas realizadas nas modalidades oral e escrita. No Estatuto do então Instituto São Luiz de
Gonzaga estava previsto a oferta do curso de Admissão. Em seu art. 8, estipulava que a idade
mínima exigida pela escola seria 10 (dez) anos para frequentar o curso de Admissão,
organizado “com elementos básicos de aprendizagem adquiridos no Curso Primário, o aluno
seria preparado para frequentar, com aproveitamento, o Curso Secundário” (ESTATUTOS...
Diário Oficial, Teresina, 1º de fev. de 1939, p.11).
Para entrar no curso ginasial do Ginásio São Luiz Gonzaga o aluno tinha que passar
pelo exame de Admissão Para realizar a matrícula para o exame na instituição, o candidato
precisava apresentar uma série de documentos, conforme lista publicada pela escola no jornal
O Sino, em 1957:
9 O Estado Novo foi o nome pelo qual ficou conhecido o período ditatorial brasileiro compreendido entre 1937,
quando Getúlio Vargas deu o golpe, até 1945, quando este foi deposto do governo pelos militares. 10
Instituído pelo Decreto de n.º 19.890/1931, permaneceu no sistema educacional brasileiro até 1971 como uma
forma de selecionar o ingresso ao Ensino Secundário.
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Ginásio São Luiz Gonzaga
AVISO
A diretoria do Ginásio São Luiz Gonzaga comunica aos interessados que
entre 16 e 30 de novembro corrente, estarão abertas as inscrições aos exames
de admissão do Ginásio, devendo cada candidato apresentar os seguintes
documentos:
1) Certidão de idade
2) Atestado de sanidade física e mental
3) Atestado de vacinação anti-variólica
4) Atestado de educação primária satisfatória
Todos os documentos citados deverão ter firma reconhecida.
Os exames de realizarão nos dias 9, 10, 11 e 12 de dezembro próximo.
Durante as férias funcionará no próprio ginásio um curso de preparação para
os candidatos aos exames de segunda época.
Parnaíba, 4 de novembro de 1957
Edgar Linhares
Diretor (GINÁSIO... O SINO, Parnaíba, 10 de nov. de 1957, p. 4).
Segundo o Livro de Registros do Exame de Admissão, sob o olhar de Joaz Rabelo de
Souza, responsável pela inspeção escolar do Ginásio São Luiz Gonzaga, como exigência do
cargo estava a incumbência de acompanhar, supervisionar e registrar em Ata a realização do
processo seletivo.
Aos 2 e 3 dias do mês de dezembro de 1953, respectivamente das 7 às 11
horas, realizaram-se os exames de admissão a 1ª série do primeiro ciclo no
Ginásio São Luiz Gonzaga.
Os exames constaram de 4 (quatro) provas escritas e orais, sendo: Português,
Aritmética, Geografia e História, tendo como eliminatória a prova de
Português, de acordo com a nova legislação em vigor.
Inscreveram-se 45 (quarenta e cinco) candidatos, dos quais 4 (quatro) não
obtiveram nota na prova eliminatória, não podendo mais se submeterem as
outras provas.
A banca examinadora foi constituída pelos seguintes professores: José
Rodrigues e Silva, Joaquim Custódio, Manoel de Melo Lopes Pedrosa,
Francisco Pessoa Pereira e Sória Lima dos Santos. Nos exames foram
observadas todas as determinações exigidas pelo Ministério da Educação e
Cultura.
Os trabalhos de fiscalização foram feitos pelo Sr. Joaz Rabelo de Souza,
Inspetor Federal deste Ginásio.
E para constar lavra-se a presente Ata que vai assinada pelo Secretário,
membros da banca examinadora e Inspetor de Ensino.
Parnaíba, 3 de dezembro de 1953. (ATA DE EXAME DE ADMISSÃO,
1953, p. 9).
Após a realização do exame, os candidatos selecionados recebiam um certificado com
as notas obtidas nas avaliações, o qual era assinado pelo Diretor e pelo Inspetor. Para Lopes
(2019, p. 487) “a aprovação no Exame de Admissão, para além de garantir uma vaga no
Ensino Secundário e reconhecimento do estudante por sua conquista, podia possibilitar o
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acesso à bolsa de estudos em escolas privadas, a depender da classificação obtida pelo
candidato”. O que pode ser constatado pelo relato de João Paulo dos Reis Veloso, classificado
em primeiro lugar no Exame de Admissão, realizado em 19 de dezembro de 1942.
Eu fui alfabetizado com cinco anos, num grupo escolar, o Luís Galhanoni. A
minha professora era Maria do Carmo Sampaio. Era tão competente que
voltou a ser minha professora no quarto ano ginasial, minha professora de
francês. [...]. No dia que eu fiz o exame de admissão (ao ginásio), eu não
esperei o resultado. Eu fui correndo pra casa porque havia um jogo de
Botequim. [...] o professor Zé Rodrigues que fez a prova de Português,
passou um tema lá, Um bom rapaz, e quando me viu escrevendo-escrevendo,
ele olhou assim e me gozou: “é uma historinha que você ouviu em casa, né?”
Ele nem tinha sido meu professor no admissão; meu professor tinha sido o
Zé Rebouças. Ele fez essa gozação, eu fui jogar futebol e “deixa pra lá”. No
meio do jogo chegou um colega e disse: “olha, você passou, primeiro lugar,
nota 10 em todas as matérias” essas coisas. Então fiz todo o ginásio no São
Luiz Gonzaga e só fiz porque tirei o primeiro lugar. Havia uma bolsa da
prefeitura; uma! (ENTREVISTA... O Bembém, Parnaíba, nov. 2011, p. 6).
Declarações de egressos do Ginásio São Luiz Gonzaga apontam que na década de
1940 o bom desempenho na seleção era um dos critérios estabelecido para designar bolsas
escolares, o que se concretizou também dentro período aqui pesquisado. O aluno do curso
ginasial do Ginásio São Luiz Gonzaga tinha uma rotina regulamentada pelo Estatuto,
composto por um conjunto de normas e regras que definiam a conduta que deveria apresentar
na instituição, a partir da qual haveria a expedição mensal de um “Boletim de Informações”
aos pais, informando sobre “comportamento, aplicação, aproveitamento e assiduidade às
aulas” (ESTATUTOS. Diário Oficial, Teresina, 1º de fev. de 1939, p. 11) que aconteciam das
7h:30min às 11 h e das 13 h às 16h:30min. A aula tinha a duração de 50 minutos, com
intervalo de 10 minutos de uma para outra, e obrigatoriamente, os alunos teriam que estar
uniformizados para poder assisti-las. (ESTATUTOS... Diário Oficial, Teresina, 1º de fev. de
1939, p. 11).
Era objetivo da Instituição que “nas aulas, no estudo ou nos recreios, conduzir-se-á o
aluno ao regime de auto-governo, de modo a levá-lo ao cuidadoso cumprimento do dever pela
formação da consciência e o nobre sentimento da dignidade própria” (ESTATUTOS... Diário
Oficial, Teresina,1º de fev. de 1939, p. 11). O aluno que não obedecesse às normas escolares
era considerado “desajustado”, e para não atrapalhar a “marcha do progresso da Instituição e
servindo de mau exemplo aos colegas”, a Direção entrava em contato com a família “para que
o lar venha ao auxílio da escola, para o reajustamento do mesmo”. (ESTATUTOS... Diário
Oficial, Teresina, 1º de fev. de 1939, p. 11).
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No Artigo 26 do referido Estatuto são apresentadas as regras cujo descumprimento
culminaria com a expulsão do aluno:
a) Toda e qualquer violação as leis do pudor;
b) Evidente e repetida exibição de irreligiosidade ou menosprezo sistemático
as práticas do Catolicismo;
c) Desobediência formal as determinações disciplinares;
d) Habitual indocilidade de caráter, que exija rigorosos meios de punição;
e) Prejudicial aversão aos estudos;
f) Doenças contagiosas;
g) Injustificável atraso nos pagamentos, por mais de dois meses.
(ESTATUTOS... Diário Oficial, Teresina, 1º de fev. de 1939, p. 11).
No Estatuto escolar estavam expostas as bases da formação intelectual oferecida na
instituição católica. O respeito às práticas católicas, a preservação do pudor, a disciplina, ser
estudioso e manter a mensalidade em dia, estavam dentre as regras que geravam casos de
expulsão, defendidas pela instituição com a finalidade de alcançar o objetivo de oferecer uma
“educação sadia e completa” a seus alunos. A cultura escolar (Julia, 2001) do curso ginasial
do Ginásio São Luiz Gonzaga estava assinalada pelo momento histórico em que a instituição
se inseria. Religiosa como era, o ginásio tinha entre seus objetivos instruir a juventude
parnaibana com uma educação pautada em elementos defendidos como essenciais para
formação integral o de ser católico e patriota. Assim foi destacado por Adonias Pires Costa,
egresso do curso ginasial:
Parnaíba honra-se, tem orgulho até – um orgulho são, justo – de possuir um
Ginásio São Luiz Gonzaga, plasmado incansável de caracteres que hão
honrado já nossa cidade em plagas as mais distantes.
É incalculável o número de benefícios que as novas gerações piauienses lhe
devem, mormente porque, ao lado da luz profusa para as mentes sequiosas e
moças que lhes são postas nas mãos, fornece alimento abundante para a
alma, forjando, ante os sagrados altares da Religião e da Pátria, homens
aptos a conservar intactas nossas tradições cívicas, culturais e cristãs.
(COSTA, 1947, p. 69).
Com a finalidade de modelar a conduta de seus alunos, a fé e a pátria eram
presentificados nas atividades escolares no curso ginasial, acompanhadas de perto pela
instituição que, além do corpo docente, mantinha um Diretor de Disciplina que depois passou
a ser chamado de Bedel, responsável por acompanhar e garantir o cumprimento dessas regras
e normas pelos alunos no curso ginasial, evitando assim perturbações na ordem estabelecida
pela instituição.
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De acordo com o Estatuto, o aluno que contraísse uma doença contagiosa, como a
varíola, não poderia permanecer na escola para evitar a propagação da doença entre os
colegas. Esse controle era feito no ato da matrícula, por meio da exigência de dois
documentos: um provando que o aluno tinha sido vacinado contra a varíola, e outro que não
era portador de doença contagiosa.
Na cultura escolar do curso ginasial, os alunos eram obrigados a participar das
cerimônias católicas realizadas na instituição, que por ser administrada por leigos, previu em
seu Estatuto:
Art. 27 – O Instituto terá um assistente eclesiástico, que será indicado pelo
Sr. Bispo Diocesano ou pelo Vigário da Freguesia;
Art. 28 – O ensino da Religião competirá a esse assistente, que poderá, [...]
acercar-se de auxiliares de sua confiança;
Único – Considerando a preeminência da Religião Católica e a salutar
influência que os sentimentos cristãos exercem sobre o caráter do indivíduo,
conduzindo-o à perfeição, o Instituto não aceitará alunos que se queiram
eximir do aprendizado dessa disciplina. (ESTATUTOS... Diário Oficial,
Teresina, 1º de fev. de 1939, p. 11).
O ingresso do jovem no Ensino Secundário modalidade de ensino definida por Lopes
(2019, p. 488) como “um espaço mais competitivo e menos afetivo”, tinha uma estrutura e
organização que o diferenciava do Ensino Primário e “essa modificação advinha da forma de
funcionamento desse nível de escolaridade e começa pela substituição da professora primária
e seu modo de agir pelo professor do Ensino Secundário” (LOPES, 2019, p. 488-489), e
requeria dele uma adaptação a esse nível escolar, uma vez que essa modalidade de ensino
tinha uma organização própria, a começar pelos saberes escolares selecionados para
apropriação dos alunos e a constituição do corpo docente “predominantemente masculino,
diferente da escola primária, onde o corpo docente era feminizado” (LOPES, 2019, p. 488).
Sobre os professores do Ensino Secundário em meados da década de 1940, Araújo
(2012, p. 90) assinala que “muitos jovens intelectuais que ingressaram na docência, entre os
anos 1940 e 1950 no Piauí, vinham dos seminários, agências que contribuíram para sua
formação cultural. [...] Com a expansão dos ginásios, muitos profissionais liberais eram
também recrutados ao magistério”. A Lei Orgânica do Ensino Secundário de 1942
uniformizou e deu novos contornos a essa modalidade de ensino e à constituição do corpo
docente11
. O Art. 79 instituiu regras a serem seguidas para os professores desse nível de
11
Sobre a constituição do corpo docente do ensino secundário no Piauí Cf. ARAÚJO, Romildo de Castro. A
Constituição do Corpo Docente do Ensino Secundário no Piauí (1942-1982). 193 f. Dissertação (Mestrado
em Educação). Universidade Federal do Piauí. Teresina, 2012.
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ensino, tais como: formação conveniente, provimento, remuneração e a obrigatoriedade da
inscrição dos professores no Ministério da Educação.
Em consonância com a legislação educacional em vigor, o Art. 18 do Estatuto do
Instituto São Luiz Gonzaga tratava da formação do corpo docente, definindo que a escolha do
desses profissionais passaria por um “critério de verdadeiro selecionamento, de modo a
contar, em cada professor, com um íntegro sacerdote do ensino” (ESTATUTOS... Diário
Oficial, Teresina, 1º de fev. de 1939, p. 11). No que diz respeito aos deveres do cargo, o Art.
19 apresentava as competências e os deveres dos professores como segue:
a) Colaborar com a Diretoria em tudo que, direta ou indiretamente, possa
concorrer para o crescente aproveitamento dos alunos e bom nome do
educandário;
b) Comparecendo aos recreios dos alunos, corrigindo lhes os excessos ou
inconvenientes nas brincadeiras e norteando-lhes as atividades lúdicas para
que se transformem em processos socializadores;
c) Chegando ao estabelecimento pelo menos cinco minutos antes do início
das aulas e assinando o livro de pontos;
d) Assistindo as solenidades cívicas e literárias promovidas pelo
educandário, sobretudo as seções do “Círculo de Pais e Professores”, além
de outras reuniões pedagógicas, quando convocadas pelo Diretor.
(ESTATUTOS... Diário Oficial, Teresina, 1º de fev. de 1939, p. 11).
Na década de 1940, o corpo docente do curso ginasial do Ginásio São Luiz Gonzaga
estava constituído por um grupo de jovens professores que tinham recebido formação escolar
em Seminários, pertenciam a associações católicas e gozavam de prestígio perante a
sociedade parnaibana. Por toda a década de 1940, o corpo docente do curso ginasial do
referido Ginásio foi constituído majoritariamente, mas não predominantemente, por homens,
tendo as professoras Maria da Penha, de História e de Desenho, e Maria do Rosário Santos, de
Canto Orfeônico, como responsáveis pelas chamadas “disciplinas femininas”, presentes no
corpo docente do curso ginasial. Na década de 1950 outras professoras passaram a compor o
corpo docente do Ginásio São Luiz Gonzaga, aumentando a presença de mulheres, e em
ambos os casos havia o registro no Ministério da Educação e estavam inscritos na Campanha
de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino – CADES12
.
3. Ritos e festas escolares presentes na cultura escolar
12
Decreto nº 34. 638, de 17 de novembro de 1953 criou a Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino
Secundário – CADES, com a finalidade de aperfeiçoar a formação o corpo docente do Ensino Secundário.
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Com a finalidade de modelar a conduta dos alunos do curso ginasial, ritos católicos e
patrióticos, elementos defendidos pela instituição como essenciais na formação intelectual
“sadia, perfeita e completa” aos jovens parnaibanos, pautada nos princípios da moral cristã e
nas modernas normas de higiene e pedagogia, a instituição promovia a realização de
atividades educativas, tais como: imprensa escolar, grêmio literário, Orfeon […]
(ESTATUTOS... Diário Oficial, Teresina, 1º de fev. de 1939, p. 11). Essa cultura pode ser
constatada em diversos momentos do cotidiano escolar. A escola participava e promovia
comemoração de datas patrióticas como “O Dia de Tiradentes”, “Dia da Pátria”, “Dia da
Bandeira” e “Dia da República”. Além da participação nessas festividades que envolviam
outras instituições educativas, autoridades municipais, militares e religiosos, a escola
promovia atividades como: Grêmio Cívico Literário, Orfeão, participação em atividades
esportivas, colação de grau e Primeira Eucaristia.
Os hinos patrióticos também faziam parte das atividades escolares promovidas na
escola. Inicialmente o Canto Orfeônico fez parte dos saberes escolares do Ensino Primário, no
entanto, Lemos Junior (2020) defende que “após as reformas de ensino de Francisco Campos,
em 1931, o governo federal presidido por Getúlio Vargas procurou expandir e tornar o ensino
do Canto Orfeônico obrigatório também na escola secundária” (LEMOS JUNIOR, 2020, p.
7). Essa obrigatoriedade explica a criação do Orfeão no Ginásio São Luiz Gonzaga, em 1937,
na criação da escola. As práticas envolvendo a criação do Orfeão escolar do Ginásio São Luiz
Gonzaga foram entregues ao padre Davi Augusto Moreira13
, que na década de 1940, além de
professor de Música e Matemática, tinha o cargo de Superintendente na Instituição.
No Ginásio São Luiz Gonzaga, o padre Davi foi um grande incentivador do gosto pela
música entre os alunos do curso ginasial. Compôs a letra e a música do Hino da Instituição e,
na condição de professor de Música, criou duas orquestras na escola: Orquestra de Salão,
formada por clarins, piano, trombone, sanfona, flautas; e de Fanfarra, formada por tambores e
cornetas. As fontes analisadas apontam que as duas orquestras foram mantidas entre as
décadas de 1940 a 1950. A partir da década de 1960 a escola contava com a Fanfarra, que se
apresentava durante as festas cívicas.
A Orquestra de Salão era composta por trinta alunos, e se apresentou pela primeira vez
“em 20 de dezembro de 1942, na festa de formatura da 1º turma” (ARGOS, 1943, p. 66).
13
Segundo o Livro de Registro de Professores e Auxiliares da Administração Escolar do Ginásio São Luiz
Gonzaga o Davi Augusto Moreira nasceu em 19 de janeiro de 1910 no lugar Quixará-Ceará, faleceu em 12 de
agosto de 1972, em Fortaleza. Filho de Augusto Moreira e Raimunda Moreira. Admitido em 1º de janeiro de
1944 na função de Superintendente, com horário de trabalho: das 7 às 17 horas, com intervalo entre 11 às 13
horas para refeição e descanso.
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Além de se apresentar nas solenidades de formatura das turmas do curso ginasial, a Orquestra
de Salão também se apresentava em atividades religiosas, conforme a Figura 1, “Fotografia
tirada no dia 8 de maio de 1943, por ocasião do 1º concerto, em benefício da Obra das
Vocações Sacerdotais” (ARGOS, 1943, p. 67), e a Orquestra de Fanfarra, também composta
pelos alunos do curso ginasial.
Figura 1: Orquestra de Salão (1943)
Fonte: ARGOS, 1943.
A formação do Orfeão na escola, com a criação das Orquestras de salão e fanfarra,
além de despertar o gosto musical e promover a disciplina na juventude masculina por meio
do treino de hinos, tinha o objetivo de fomentar a formação moral, cívica e intelectual,
fortalecendo o patriotismo e o nacionalismo entre os alunos. Para Monti (2015), “os hinos
patrióticos e a música nacionalista, executados nos orfeões escolares, seria uma parte
importante no processo pedagógico do novo Estado nacional”. (MONTI, 2015, p. 78).
Dentro do calendário escolar do Ginásio São Luiz Gonzaga eram comemorados ritos
religiosos e cívicos. Dentre as comemorações católicas que fizeram parte da cultura escolar do
Ginásio: o dia da Páscoa, o dia de São Luiz Gonzaga, a Primeira Eucaristia, dentre outros e
ritos cívicos, como: as festas de formatura, os desfiles cívicos realizados no dia da
Independência do Brasil.
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Os rituais católicos se fizeram presentes na cultura escolar do curso ginasial no
Ginásio São Luiz Gonzaga. Os ginasianos, independente da condição de interno, semi-interno
ou externo, tinham obrigação de participar dos rituais católicos e cívicos realizados pela
escola. Os rituais, que entrelaçavam práticas católicas e escolares, como missas de formatura
e Primeira Eucaristia, eram realizados em espaços no interior da instituição, como na Capela,
localizada ao lado do Auditório.
Para Silva (2018), “os ritos escolares têm significados múltiplos e díspares.
Cumprindo determinado momento da ritualista escolar e obter êxito tornam públicas à
sociedade as expectativas em torno do sujeito escolar […]” (SILVA, 2018, p. 125). Os ritos
católicos, como a celebração de missas e Primeira Eucaristia, faziam parte das práticas
católicas presentes na cultura escolar do curso ginasial, promovendo a aproximação dos
alunos com a religião, conforme a Figura 2, em que aparece um aluno trajando o uniforme
escolar, de uso obrigatório para assistir às aulas, colaborando com o padre na celebração da
missa.
Figura 2: Missa na capela do Ginásio São Luiz Gonzaga (década de 1950)
Fonte: Acervo de Benjamim Santos.
Cerimônias escolares, como festas de formatura, “uma prática ritualizada que expressa
cultura escolar institucionalizada” (WERLE, 2005, p. 3), eram momentos solenes que
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contavam com a participação da família, da comunidade escolar e representantes da
sociedade.
Ainda sobre a formatura, Werle (2005) assinala que:
Uma formatura é um importante momento no funcionamento das instituições
escolares, destaca referência por comprovar atos pedagógicos de sucesso
processados em seu interior. Ela é o momento final de um processo de
formação, significando uma graduação, um avanço reconhecido
publicamente na escala de escolaridade, que diferencia os que a obtiveram
das demais pessoas [...]. (WERLE, 2005, p. 3).
Pelos motivos apresentados pela autora supracitada, a festa de formatura era um ritual
com múltiplos significados e, para a escola, a entrega do certificado simbolizava o êxito das
práticas educativas adotadas na formação intelectual do aluno. Enquanto que para o aluno, a
festa de formatura atestava sua vitória em ter concluído o curso ginasial, uma etapa
importante na vida dos jovens de então. João Paulo dos Reis Veloso, orador da sua turma na
festa de formatura, a quinta turma que concluiu o curso ginasial no Ginásio São Luiz
Gonzaga, em seu discurso fez o seguinte relato:
[...] E se nos sentimos gratos por nos ter iniciado no caminho do Saber,
muito mais agradecido se mostrara nosso coração por nos haverem ensinado
a linguagem cristã do perdão, que já que, sem isso, como disse alhures
Gustavo Barroso, haveríamos perdido a batalha da vida antes mesmo de
havê-la começado, porque não teríamos nada, porque nos faltaria tudo,
porque nos faltava o coração. Adeus pois, velho Instituto, Mansão da
Esperança, adeus mestres queridos, adeus anos fugazes de anseios mal
definidos [...] (DISCURSO...O Norte, Parnaíba, 07 de dez. 1946, p. 3).
A escola organizava uma programação incluindo todas as atividades que seriam
realizadas no dia da formatura, envolvendo os concludentes e suas madrinhas. Tão grande era
a notoriedade da realização do ritual escolar da festa de formatura que chegava a ser notícia
nos jornais da cidade, como pode ser visto a seguir:
Concludentes de 1946
Mais uma turma de alunos vem concluir os seus estudos, nesse Ginásio, e
como em todos os anos festivamente fará a entrega dos certificados aos
concludentes.
Este ano, vem despertando nos meios sociais, grande interesse por todos os
parnaibanos, esta festividade, para que foi organizado o seguinte programa.
I – Missa e comunhão dos concludentes e das respectivas madrinhas, na
capela do Estabelecimento, às 7 horas.
II – Café aos concludentes e madrinhas, logo em seguida a missa.
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III – Entrega dos certificados, com discursos do Paraninfo e Orador da turma
às 19 horas.
IV – Te Deum – em ação de graças pela conclusão do curso, logo após a
entrega dos certificados (CONCLUDENTES... O Norte, Parnaíba, 07 de dez.
1946, p. 1).
Os concludentes homenageavam seus professores, que eram convidados para serem
patronos e/ou paraninfos da turma. Os convites eram preparados e distribuídos para as
famílias, contendo os nomes dos alunos com suas respectivas madrinhas de um lado, e, do
outro, os nomes do paraninfo, do patrono, do orador e a programação da festa, como mostra a
Figura 3:
Figura 3: Convite de formatura (1950)
Fonte: Unidade Escolar São Luiz Gonzaga – Colégio Diocesano.
O convite de formatura da turma de 1950 apresentou os “Concludentes do Ano Santo”,
expressando e reafirmando o viés religioso da instituição. A turma escolheu como paraninfo o
professor José Nelson de Carvalho Pires (professor de Educação Física, Francês); como
patrono, José Rodrigues e Silva (professor de Português); e como Orador o aluno José Batista
de Oliveira Silva. A programação apresentava uma missa às 19 horas, na Capela do Ginásio
São Luiz Gonzaga, com posterior cerimônia de entrega dos certificados no Cine Teatro Éden,
localizado na Praça da Graça, na cidade de Parnaíba.
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As festas cívicas, que estavam presentes no calendário escolar de todo o país, eram
cerimônias públicas que contavam com a participação das instituições escolares de ensino
Primário e Secundário. Eram realizadas com o objetivo de fortalecer o sentimento nacional e
o patriotismo por meio da comemoração de datas instituídas pelo poder público, como: “Dia
do Trabalho”, “Dia da Bandeira” e “Dia da Independência do Brasil”, esta última
comemorada em 07 de Setembro, configurando-se como um momento de manifestação
patriótica em que as instituições escolares de todo o país realizavam desfiles cívicos.
Ao se posicionar sobre a realização dos desfiles cívicos, Melo (2009) os define como
elementos responsáveis pela construção da memória cívica no Piauí, pois além do significado
político, os desfiles cívicos tinham uma função pedagógica:
Os desfiles funcionavam como pedagogia porque ensinavam a história pátria
[...]. As ruas eram palco para exibição do que a escola havia preparado ao
longo dos anos, grande teatro aberto onde a cidade se envolvia, os
estudantes, os professores, os militares, as autoridades eram os principais da
festa [...] As comemorações iam além dos desfiles estudantis e militares,
somando-se aí várias outras atividades, como os hinos que eram cantados, as
exibições de educação física, as várias bandeiras, as disputas entre as
escolas, a demonstração do aparato militar representando a força do Estado,
os discursos das autoridades era sempre o coroamento das festividades, era o
momento, além do desfile, que dava maior conotação política ao evento e,
acima de tudo com sua significação pedagógica. (MELO, 2009, p. 77-78).
Na década de 1940, os desfiles cívicos aconteciam na Semana da Pátria, comemorada
entre o dia 1º ao dia 07 de Setembro. Era uma semana de comemorações em alusão à
Independência do Brasil. Em 1940, o jornal O Norte divulgou a programação dos festejos da
Semana da Pátria, organizada pela Prefeitura Municipal:
A Prefeitura Municipal de Parnaíba, desejando dar maior realce as
festividades cívicas com que este ano a SEMANA DA PÁTRIA convida
todos os parnaibanos para as solenidades constante do programa que se
segue, solicitando a valiosa cooperação dos estabelecimentos de ensino,
clubes desportivos, corporações militares e associações de classe e
intelectuais.
As paradas serão realizadas no Campo Desportivo da Casa Inglesa,
gentilmente cedido pela firma James Frederich Clark & Cia. Ltda.
E a seguir, a orientação do programa:
Dia 1 de Setembro
Às 18 h, hora cívica, Litero-musical a cargo do Ginásio Parnaibano. A
sessão será aberta pelo senhor Dr. Prefeito Municipal.
Dia 2 de Setembro
Às 18 horas, hora cívica, a cargo do Instituto São Luiz de Gonzaga
constando de cantos orfeônicos e discursos.
Dia 3 de Setembro
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Às 16 horas programa desportivos com corrida, jogos populares, etc. sendo
disputados os seguintes prêmios: Presidente Getúlio Vargas, Interventor
Leônidas Melo, Ministro Francisco Campos, Ministro Gustavo Capanema,
Cidade de Teresina, Cidade de Parnaíba, Sete de Setembro, Juventude
Parnaibana.
Às 18 horas, hora cívica-literária pelas professoras de ensino primário desta
cidade.
Dia 4 de setembro
DIA DA JUVENTUDE BRASILEIRA. Às 9 horas da manhã, parada da
juventude escolar na qual tomarão parte todos os estabelecimentos
secundários. Concentração na Praça da Graça.
Às 16 horas, jogos desportivos pelos alunos dos estabelecimentos primários.
Às 18 horas, hora cívica-literária pelos professores e alunos da Escola de
Comércio da União Caixeiral.
Dia 5 de Setembro
DIA DA RAÇA, às 16 horas, ginástica musicada, bola militar e ginástica
decorativa, pelos alunos dos estabelecimentos secundários e Tiro de Guerra.
Às 18 horas, hora cívica a cargo do Colégio de Nossa Senhora das Graças,
constando de cantos orfeônicos e discursos.
Dia 6 de Setembro
Às 18 horas, hora cívica pelos intelectuais José Euclides de Miranda, Alarico
J. da Cunha, Antonio Narciso O. Castro, Nicanor Barreto, José Lins Leitão e
R. Fonseca Mendes.
Dia 7 de Setembro
Dia da Pátria, às 7 horas, missa campal na Praça da Graça, celebrada por
Monsenhor Roberto Lopes Ribeiro que falará sobre a pátria.
Às 8 horas, hasteamento da Bandeira Nacional pelo sr. Dr. Prefeito
Municipal, no local do altar da pátria, ao som do Hino Nacional cantado por
todos os alunos, colégios desta cidade, seguindo-se a esta cerimônia o desfile
militar-colegial.
Guarda de honra ao altar da pátria pelo T. G 147 e alunos dos
estabelecimentos de ensino.
Às 16 horas, a posição do retrato do Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas, no
Sindicato dos Marinheiros, do Exmo Sr. Ministro do Trabalho e do Capitão
de Corveta Nelso Martins Desouzart, no Sindicato dos Mestres, Práticos e
Arraes.
À mesma hora partida inter-estadual de foot-bal entre o Flamengo e o
Guarani da cidade de Sobral.
Às 18 horas, arreamento da Bandeira com o mesmo programa para o
hasteamento. Em seguida, hora cívica literária pelos intelectuais, professores
José de Souza Brandão, Elias de Carvalho Magalhães e Benedito Jonas de
Moraes Correia.
Às 21 horas, sessão cívica no Cassino 24 de Janeiro, seguida de baile
comemorativo do dia.
(SEMANA DA PÁTRIA. O Norte, Parnaíba, set. de 1940, p. 2).
Em Parnaíba, até a década de 1960, a Praça da Graça, localizada no Centro da cidade,
era o local de concentração das atividades cívicas e religiosas, com a participação das
instituições escolares, das autoridades constituídas e da população.
Os desfiles cívicos faziam parte da vida social das escolas e da cidade. No dia 07 de
Setembro, as ruas em torno da Praça da Graça se transformavam numa grande passarela onde
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os alunos desfilavam com um uniforme escolar preparado especialmente para aquele
momento. Com uma expressão séria, todos enfileirados e movimentos sincronizados, os
alunos desfilavam pelas principais ruas e avenidas da cidade sob o olhar atento e curioso dos
parnaibanos, como pode ser visto na Figura 4:
Figura 4: Desfile cívico (década de 1950)
Fonte: Acervo do Benjamim Santos.
Pelas principais ruas e avenidas da cidade, os alunos do Ginásio São Luiz Gonzaga
saíam em marcha cívica com sua banda de tambores, seus uniformes impecavelmente
engomados, desfilando pela cidade, ostentando a imagem de escola disciplinada que primava
pela educação pautada em valores religiosos, cívicos e patrióticos.
4. Considerações finais
A investigação da cultura escolar de uma instituição confessional católica, destinada
ao público masculino, permitiu conhecer práticas, regras, normas e ritos vivenciados por
sujeitos que receberam educação católica na condição de internos, semi-internos ou externos,
compartilhando experiências escolares que tiveram atuação marcante na formação da
juventude brasileira no período estudado.
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A cultura escolar do curso ginasial no Ginásio São Luiz Gonzaga, no período
pesquisado, integrou elementos como as regras de convivência e o funcionamento da
instituição estabelecidos pelos documentos escolares. Além do formalismo institucionalizado
pela escola, por meio da instrução propriamente dita, a cultura escolar se materializava por
meio de um conjunto de práticas, normas e rituais que se fizeram presentes no cotidiano.
Elementos como fé, disciplina e patriotismo compunham uma cultura escolar que pode ser
caracterizada como cívica e católica que atuou modelando condutas, desenvolvendo nos
jovens habilidades importantes como: discursar, escrever, respeito às Sagradas Escrituras,
disciplina, amor à pátria e à família, dentre outras, preparando-os para sua trajetória
profissional, e no futuro possibilitar a ocupação de cargos de mando e de condução da cidade.
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