norton j alberic · 2017. 1. 24. · plantava e colhia, sovava e peneirava, dma i a va rs at cos l...

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NORTON JUSTER Ilustrações ODILON MORAES Tradução JULIÁN FUKS o sábio e outras jornadas Alberic,

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  • NortoN Juster

    Ilustrações

    odiloN Moraes

    Tradução

    JuliáN Fuks

    o sábioe outras jornadas

    Alberic,

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  • Copyright do texto © 1965, 1993 by Norton JusterCopyright das ilustrações © 2013 by Odilon Moraes

    Publicado mediante acordo com o autor. Todos os direitos reservados.Proibida a venda em Portugal.

    A Editora Seguinte é uma divisão da Editora Schwarcz S.A.

    Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

    título origiNal: Alberic the Wise and Other JourneyspreparaÇÃo: Nathália DimambrorevisÃo: Valquíria Della Pozza, Arlete Zebber e Marina NogueiratrataMeNto de iMageM: Simone R. Ponçano

    2013Todos os direitos desta edição reservados àeditora schwarcz s.a.Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 3204532002 — São Paulo — spTelefone: (11) 37073500Fax: (11) 37073501www.seguinte.com.brwww.facebook.com/[email protected]

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

    Juster, NortonAlberic, o sábio e outras jornadas / Norton Juster ;

    ilustrações de Odilon Moraes ; tradução Julián Fuks. — 1ª ed. — São Paulo : Seguinte, 2013.

    Título orginal: Alberic the Wise and Other Journeys.isbN 978-85-65765-09-1

    1. Contos Literatura juvenil i. Moraes, Odilon ii. Título.

    1302996 cdd028.5

    Índice para catálogo sistemático:1. Ficção: Literatura juvenil 028.5

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  • sumarioAlberic, o sábio

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    elA não chorA mAis 37

    Dois reis 73

    sobre este livro102

    sobre o ilustrADor103

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    Mais que muitos anos atrás, quando menos coisas ti nham acontecido no mundo e havia menos a sa ber, vivia um jovem chamado Alberic que não sabia absolutamente nada. Bom, não sabia nada ou, de pen dendo da sua gene ro sidade de espírito, quase na da, pois ele era capaz de amarrar um boi e arar um sul co reto na terra, ou fazer um te to de palha, ou amo lar sua gadanha até que a lâmina estivesse brilhan te e afiada, ou prever o que o dia iria trazer pelo chei ro da brisa, ou adi vi nhar só com o olhar quando a uva estava doce e no ponto. Mas essas eram ape nas coi sas que ele ti nha que saber para viver, ou coi sas que, vivendo, ele não conseguia deixar de saber, e que rara men te, como você deve ter descoberto, são consi de radas conhecimento.

    Do mundo e seus problemas, contudo, ele sabia pouco; na verdade, sequer tinha consciência da exis tên cia de les. Em toda a vida, ele não es ti ve ra em nenhum outro lu gar e não vira nada além da proprie da de onde vivia, em cujas terras ele e sua fa mí lia se con finavam desde um tempo anterior ao li mite da me mória. Plantava e co lhia, so vava e pe neira va, admi nistrava as col meias e os porcos, respirava o ar do campo, e parava de quan do em quando para

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    ou vir os pássaros ou re fle tir ao vento. Não havia mistérios, es peranças ou so nhos para além daqueles abarcados por suas cos tas frequentemente doloridas e por seu estô ma go im paciente. Essa era a totalidade de sua exis tência e, com ela, ele não se sentia nem fe liz nem triste. Simplesmente não conseguia conceber nenhuma outra coisa.

    Como os dias eram muito parecidos, ele media a vida pelas estações do ano, mais discerníveis — em bora também elas lhe escapassem com faci li da de, e con tinua riam escapando, tenho certeza, se não ti ves se sido pelo via jante solitário que apa receu inex pli cavelmente em uma ma nhã fria no fim do inver no. Alberic assistiu ao homem que per fazia seu fas ti dioso caminho pela estrada até que, quando se pa rados apenas pela distância de um o lhar, ele parou para descansar antes de conti nuar sua jornada. Um velho de aparência curio sa: sua túnica aos farra pos tinha remendos e mais re mendos, e seus sapatos gastos quase sugeriam não haver nenhum couro entre ele e o chão gelado. Carregava nas costas uma trouxa volumosa, e sus pi rou de prazer quando a des lizou do ombro para o chão — deixan dose cair em seguida, com a mesma suavidade, em cima de la. Acenou com a ca beça e sorriu, limpou o

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    rosto com um lenço que podia ser tão ve lho quanto ele próprio, esperou até receber o tímido cumprimento de Alberic e fi nal men te se pôs a falar. Quando o fez, falou de mui tas, muitas coisas. De onde vinha e aonde se di rigia, o que vira e o que ain da tinha para descobrir: nações, reinos, impé rios, condados e ducados; fortalezas, bastiões e grandes castelos solitá rios que cravavam seus dedos nos desfiladei ros das montanhas e de sa fiavam o mundo a atravessar; cortes reais cujos monarcas trajavam peles de fai são, sedas e ricos bor dados de cor roxa, limão, car mim e celeste, tudo entrelaçado com figuras de feras e flores e estra nhos apa relhos geométricos; e montanhas sem cume, e ocea nos sem fundo.

    Parecia não haver fim na lista de coisas sobre as quais ele sabia, ou sobre as quais ele se propu nha a fa lar, e falar era o que ele fazia, o dia intei ro, sem pa rar. Sua voz era macia e fácil, mas suas ma neiras eram tais que mesmo suas pausas exigiam atenção. E, enquanto ele falava, seus olhos bri lhavam e suas pa lavras eram como mapas de ter ras des co nheci das. Contou de caravanas que atra vessavam conti nentes e voltavam com perfu mes, óleos e vi nhos tin tos es curos, madeira de sân dalo e peles de lince e ar mi nho, e baús de si cô moro esculpido, com cravo

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    e canela, pe dras pre cio sas e po tes de ferro, ébano e âmbar e objetos de pu ro ouro talhado; dos altos piná culos das ca te drais e ci dades cheias de vida, ar tesa nato e in dús tria; de navios na ve gando em todos os mares, e de arte, ciência e cultas re flexões sequer sonha das pela maioria das pessoas; e de exér citos, bata lhas, má gica e muito, muito mais.

    Alberic estava em transe, tentando desesperadamente imaginar todas aquelas coisas maravilhosas, mas sua mente não conseguia viajar além dos campos ao alcance de sua visão, e as imagens logo se nubla vam ou evanesciam.

    “O mundo é cheio de maravilhas”, ele suspi rou em desalento, pois percebeu que nem conseguia ima ginar o que era uma maravilha.

    “É tudo o que eu disse e muito mais”, o estra nho res pondeu e, como agora já era fim de tarde, bata lhou para fi car de pé e de novo apanhou sua trouxa pesada. “Lembrese”, ele disse com um largo meneio do braço, “está tudo aí fora, à sua espera.” E seguiu descendo a estrada, cruzando os campos de resto lho.

    Por semanas, depois que o velho partiu, Alberic ficou pensando, pois agora ele sabia que havia coisas que não conhecia, e como eram mágicas e excitantes essas coisas! Brisas quentes e úmidas haviam

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    co meçado a soprar pela terra, e os campos congelados haviam dado lugar primeiro à lama e depois às florescências precoces. Mas ago ra aquela silencio sa colina não era suficiente para conter seus pen sa mentos acelerados. “Está tudo aí fora, à minha es pera”, ele dizia a si mesmo de novo e de novo, re pe tindo as palavras do ve lho. Quando já as havia re petido o bastante, elas se converteram em uma de cisão. Em balou seus pou cos pertences secreta men te, e na ne blina do ama nhecer partiu de casa e começou a des cer ao mun do, à procura de suas ma ravilhas e sa be doria.

    Por dois dias e duas noites e metade de mais um dia ele caminhou — por florestas solitárias, descendo monta nhas à beira de rios apressados que pareciam conhe cer seu destino muito melhor do que ele. Percorreu milha após milha, até que por fim as árvores e as vinhas deram lugar a pradarias mais fáceis de cruzar e, à distância, quase invisíveis, as torres de uma cidade refletiram os raios brilhantes do sol. Quando se aproximou, aquela forma inde fi nida transfor mouse em uma confusão de telhados e chaminés estendendose logo abaixo, e a cada passo que dava tudo se enfeitava com janelas, paredes esculpidas, cúpulas e colunas graciosas. Circundando essas cons tru ções, havia um muro alto que ficava ca da vez mais alto e

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    amplo à medida que se aproxi ma va, até ocupar toda a sua vista, escondendo aquilo que havia atrás. O rio, que poucos dias an tes era tão alegre e travesso, ago ra se alargava e, como se ga nhasse consciência de sua importância, assumia um ritmo lento e digno ao atravessar a cidade. Al be ric parou por um instante para recuperar o fôle go e, então, com um ligeiro tremor de expectativa, pas sou pelos portões frios e escuros, entrando na cida de ele também.

    Que lugar mais cheio e agitado! Casas e lojas, mú sica e movimento, todo tipo de barulho, pla cas e cheiros, e mais gente do que ele jamais sou bera exis tir. Passeava pelas ruas pavimentadas ma ravilhado com cada nova descoberta, prestan do atenção nas ima gens e nos sons tão desco nhe ci dos para seus sentidos campestres. Logo ficou sa bendo que havia chegado a uma cidade mais fa mo sa que todas as outras pelo vidro colorido ma nu faturado em suas ofi cinas.

    “Uma profissão nobre e importante, pois com cer teza a beleza é o verdadeiro objetivo da sa be do ria!”, ele ponderou com seriedade, e sem de mo ra quis se fazer aprendiz dos maiores mestres vi dra ceiros.

    “Muito bem, muito bem”, murmurou o velho artesão ao examinar Alberic com atenção, “então vo cê quer fa zer vidro. Muito bem, é o que veremos.

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    Seus deveres serão pou cos e simples. A cada ma nhã você acordará antes dos pássaros e, com os ou tros aprendizes, buscará na floresta sessenta carroças de lenha. Em seguida, em cada forna lha, você terá que criar um fogo quente o bas tan te para derre ter o chumbo e fundir o vidro, e vigiálas constantemente de modo que nenhuma se apague ou tenha qualquer míni ma variação de calor. Depois, é claro, terá que acionar os fo les, buscar os lingotes na fundição, passar recados, ajudar os artesãos no que precisarem, afiar e consertar todos os cinzéis, lixas, facas, pás, te souras, marretas e ferros para que cada um esteja em perfeito estado, fazer entregas com rapidez e cortesia, triturar e misturar os pigmentos, traba lhar a for ja, varrer a loja, buscar, carregar, curvarse, transpor tar e dobrar, e no seu tempo livre ajudar nas ta re fas domésticas. Você pode, é claro, matar a fo me com os restos da mesa e dormir no agra dá vel chão quente. Bom, não fique aí parado, você acabou de co meçar e já está horas atrasado em suas ta refas.” Quan do terminou, deu um sorriso bene vo lente, já que era conhecido por sua natureza ge ne rosa.

    Alberic dedicavase com diligência a seus novos afa zeres, trabalhando do amanhecer até tarde da noi te, quando então ele se encolhia em um can to da

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    lo ja pa ra so nhar alegremente com as rea li zações do dia e, com afinco, orga nizar e guardar em sua me mó ria tudo o que aprendera. Por um tem po fazia só os serviços me nores, mas, logo, sob os olhos vigilantes do mestre, co meçou a assu mir alguns procedi men tos mais impor tantes e rigorosos. Aprendeu a las car e moldar o vidro em peças até menores que a palma de sua mão, e em se guida a aplicar as cores misturadas em goma ou óleo com um delicado pincel de texugo, fun din doas em de finitivo dentro dos fornos ar den tes. Com medidas e modelos aprendeu a dispor ca da peça nas faixas de aço com ranhuras, e sol dálas cuidadosamente em cada junta. Por qua se dois anos ele trabalhou e observou co mo todas essas pequenas e acuradas operações vi nham a for mar gran des vitrais e medalhões de vidas sa gra das, ou his tórias com lições morais que reluziam em azuis es plêndidos, profundos, e verme lhos vívidos.

    E enfim chegou a hora de Alberic provar sua ha bi lidade e assumir seu lugar entre os vidracei ros — criando uma obra de sua própria autoria. Ele estava de terminado a fazer algo adorável e fora do comum, e empenhouse nisso com intensa con centração.

    “O que vai ser, Alberic?”, todos perguntavam com ansiedade.

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