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no Século
Caderno Especial
Seminário Nacionaldo ANDES-SN
Sumário
SEção SiNdical doS docENTES da uNiVERSidadE FEdERal do Rio dE JaNEiRo do SiNdicaTo NacioNal doS docENTES daS iNSTiTuiçÕES dE ENSiNo SuPERioR
Capitalismo, centro e periferia na produção do conhecimento
Financiamento da pesquisa científica no Brasil
Pesquisa científica: interesse público e interesse privado
Trabalho docente e produção do conhecimento
4
6
8
10
Francesco SchettinoPablo RieznikÂngela Siqueira
Antonio Ibañez Ruiz Otaviano HeleneWrana Panizzi
Sérgio Henrique Ferreira Ciro Teixeira
Janete Luzia LeiteMaria Ciavatta Roberto Leher
Sede e Redação: Prédio do CT - bloco D - sala 200 Cidade Universitária, CEP: 21949-900, Rio de Janeiro - RJ • Caixa Postal 68531, CEP: 21941-972 • Tel: 2230-2389, 3884-0701 e 2260-6368 Diretoria da adufrj-SSind Presidente: Mauro Iasi;1º Vice-Presidente: Luis Eduardo Acosta; 2ª Vice-Presidente: Maria de Fátima Siliansky;1º Secretário: Salatiel Menezes dos Santos; 2ª Secretária: Luciana Boiteux; 1º Tesoureiro: José Henrique Sanglard; 2ª Tesoureira: Maria Coelho; CONSELHO DE REPRESENTANTES DA ADUFRJ-SSIND Instituto de Economia: Maria Mello de Malta, Alexis Saludjian; FACC: Vitor Iorio; Escola de Serviço Social: Rogério Lustosa; Janete Luzia Leite, Marcos Paulo O. Botelho (1º suplente); Faculdade de Educação: Claudia Lino Piccinini, Rosa Maria Corrêa das Neves; Roberto Leher; Vânia Cardoso da Motta (1ª suplente) Escola de Comunicação Eduardo Granja Coutinho; Escola de Enfermagem Anna Nery Walcyr de Oliveira Barros; Marilurde Donato; IESC Regina Helena Simões Barbosa; EEFD: Alexandre Palma de Oliveira, Luís Aureliano Imbiriba Silva; Escola Politécnica: José Miguel Bendrao Saldanha; COPPE: Vera Maria Martins Salim; Instituto de Física: José Antônio Martins Simões; Coordenador de Comunicação: Luiz Carlos Maranhão; Editora: Elisa Monteiro; Reportagem: Manuella Castro; Projeto Grá�co e Diagramação: Gil Castro; Fotógrafo: Rogério Alves; Tiragem 8.000; E-mails: [email protected] e [email protected]; Redação: [email protected]; Diretoria: [email protected] Conselho de Representantes: [email protected]; Página eletrônica: http://www.adufrj.org.br; www.adufrj.org.br/observatorio.Os artigos assinados não expressam necessariamente a opinião da Diretoria.
Os desafios para o Brasil do século XXI Seminário Nacional de Ciência e Tecnologia do ANDES-SN reúne docentes de todo o país na Universidade de Brasília.
Debater a produção científica e tecnológica hoje e as perspectivas para o futuro foi o
objetivo do Seminário Nacional de Ciência e Tecnologia, promovido pelo Sindicato
Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, o Andes-SN, realizado
entre os dias 17 e 18 de novembro, na faculdade de Educação da Universidade de Brasília.
O evento reuniu docentes de todas as regiões do país e contou com a participação de
pesquisadores nacionais e internacionais, ex-dirigentes de instituições de ensino superior
públicas e com o atualmente assessor de Coordenação dos Fundos Setoriais do Ministério de do
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Antônio Ibañez Ruiz.
As quatro grandes mesas temáticas do Seminário versaram sobre os impactos do capitalismo
sobre a produção da ciência, os conflitos entre os interesses públicos e privados nas pesquisas,
o financiamento público das investigações científicas e o trabalho docente na
produção do conhecimento.
Porém, ao longo do debate, outros temas contemporâneos,
igualmente relevantes, emergiram. A questão das patentes,
da autonomia universitária frente às demandas por
inovação e das consequências do produtivismo sobre
a saúde dos professores do ensino superior são apenas
alguns exemplos.
O Seminário revelou serem muitos os desafios colocados
para a ciência e a tecnologia, no Brasil e no mundo, do século XXI.
Por outro lado, demonstrou que a reflexão crítica para superá-los
é uma tarefa para o conjunto da sociedade, mas que diz respeito,
sobretudo, àqueles que produzem o conhecimento. Disto, depende
um futuro mais próspero e igualitário para a ciência em nosso país.
Caderno Especial no século XXICiência e Tecnologia
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Capitalismo, centro e periferia na produção do conhecimento
Francesco Schettino
Pablo Rieznik
Ângela Siqueira
Caderno Especialno século XXICiência e Tecnologia
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A produção intelectual cres-
ce, mas ela se concentra
nas mãos de grandes corpo-
rações, mesmo nos países
mais desenvolvidos. Está é a conclusão a
que chegou Francesco Schettino, do do-
cente da Universitá di Roma, em sua tese
de doutorado, desenvolvida a partir dos
registros de patentes na União Européia.
Segundo o pesquisador, na Itália, a maio-
ria dos inventores está nas sete maiores
empresas do país, responsáveis por 85%
dos investimentos nacionais de pesquisa
e desenvolvimento.
Além disso, o sistema de solicitação
de patentes é desigual. Segundo Fran-
cesco Schettino, cerca de 30% de pedi-
dos são retirados antes da finalização do
processo, mas a maioria das desistências
está entre pequenas e médias empresas.
Dados da Organização para Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OECD)
indicam que é bem maior a possibilida-
de de retirada da solicitação de paten-
te quando o requerente pertence a uma
região pequena. Isso, independente da
qualidade do produto em questão.
O professor explica que os empreen-
dimentos menores acabam fragilizados
em função, dentre outros fatores, da di-
ficuldade de caixa, do pouco conheci-
mento do sistema de patentes, da subes-
timação do valor de mercado e, sobre-
tudo, dos processos legais preventivos,
movidos por grandes empresas. O pro-
fessor relata que, em pesquisa realizada
em uma região da Itália, encontrou um
inventor que chegou a cancelar um pe-
dido de patente depois que recebeu uma
carta assinada por cem advogados de
uma grande empresa norte-americana
na qual havia trabalhado.
Evolução controversaPara Pablo Rieznik, da Universidad de
Buenos Aires, a tecnologia no capitalis-
mo é, ao mesmo tempo, revolucionária e
contraditória. Ela revoluciona, na medi-
da em que amplia a capacidade humana
de construir um mundo artificial e de se
apropriar das condições da própria exis-
tência. Porém, é controversa, pois o faz
por meio de um mecanismo que leva à
alienação.
Analisando a evolução histórica da
relação entre capital e tecnologia, o Rie-
znik expressou pessimismo. Para ele, o
modelo vigente aprofunda os elementos
negativos do binômio, uma vez que, ten-
de a transformar o desenvolvimento da
força produtiva em seu oposto, ou seja,
força destrutiva.
No que definiu como parasitismo ab-
soluto, o docente citou o atual sistema
das patentes. E criticou também a indús-
tria farmacêutica pela atuação “crimino-
sa” na omissão do desenvolvimento de
medicamentos para cura de epidemias
de massa em função de baixa rentabili-
dade.
A Pós-graduação De acordo com a Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), cabe ao Plano Nacio-
nal de Pós-Graduação definir diretrizes,
estratégias e metas para avançar nas po-
líticas de pós-graduação e pesquisa no
Brasil. Porém, segundo Ângela Siquei-
ra, da Universidade Federal Fluminense
(UFF), o Plano sequer contou com a par-
ticipação de profissionais da área de edu-
cação nas discussões de suas diretrizes.
Na avaliação da docente, a dinâmica
de produção acadêmica, inclusive a da
pesquisa, está sendo atropelado pela in-
gerência das agências de fomento. “Cada
vez mais a CAPES dita a regra: determi-
na em quanto tempo o aluno tem que
acabar a tese, a dissertação ou em quan-
to tempo a pesquisa tem que ser feita.
Tudo isso não é mais o tempo acadêmi-
co. E se você não der a resposta nesse
tempo, ou perde o financiamento ou é
descredenciado do programa.”
Ângela Siqueira critica também o fil-
tro criado pelo mercado editorial de re-
vistas especializadas: “As pessoas que
acabam publicando mais são aquelas
vinculadas às grandes empresas, como
as farmacêuticas e as biomédicas, por-
que elas pagam pelas publicações, que às
vezes custam quatro mil, cinco mil dó-
lares. Então, não é qualquer pesquisa-
dor que pode publicar. Quem é citado é
quem publica é quem publica é só quem
pode pagar”.
Para a professora a interferência do
mercado sobre a pesquisa no Brasil é
particularmente grave porque não há a
cultura de se investir recursos em capital
humano da área de ciência e tecnologia.
“É mais barato entrar na universidade e
se apropriar de professores, alunos, mes-
trandos e doutorando do que criar seus
próprios laboratórios. O assalto às uni-
versidades pela lógica capitalista é cres-
cente”.
Problema de origemNa opinião de Siqueira, a questão da
educação básica deveria ser considera
uma peça chave para cumprimento da
meta do Plano Nacional de Pós-Gradua-
ção. “Tentar aumentar o número de mes-
trados e doutorados sem pensar na edu-
cação básica, simplesmente [...] não tem
sentido nenhum. Uma pesquisa recente
diz que o analfabetismo caiu no Brasil,
mas o analfabetismo funcional está cres-
cendo, pois até nas universidades esta-
mos recebendo esses analfabetos”, de-
fende a docente da UFF.
Especialistas apontam para concentração da produção em ciência e tecnologia
A primeira mesa do Seminário constatou que a concentração da produção científica nas mãos de grandes corporações é uma tendência, mesmo nos países mais desenvolvidos
Cerca de 30% de pedidos de patentes são retirados antes da finalização do processo. A maioria das desistências está entre pequenas e médias empresas
Caderno Especial no século XXICiência e Tecnologia
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Financiamento da pesquisa científica
no Brasil
Antonio Ibañez Ruiz
Otaviano Helene
Wrana Panizzi
Caderno Especialno século XXICiência e Tecnologia
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O“Financiamento da Pesqui-
sa Científica no Brasil” foi
o tema de abertura da se-
gunda rodada de debates
do Andes-SN sobre Ciência e Tecnologia,
realizados na faculdade de Educação da
Universidade de Brasília (UnB).
Além do pesquisador Otaviano Hele-
ne (USP) e da ex--presidente da Asso-
ciação Nacional dos Dirigentes das Ins-
tituições Federais de Ensino (Andifes)
e vice-presidente do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecno-
lógico (CNPq), entre 2007 e 2010, Wra-
na Panizzi (UFRGS), a mesa contou com
a participação do ex-reitor da UnB e atual
assessor de Coordenação dos Fundos Se-
toriais do Ministério da Ciência, Tecnolo-
gia e Inovação (MTC), o professor Antô-
nio Ibañez Ruiz.
Ruiz mostrou gráficos atualizados do
MTC que revelam uma redução no inves-
timento público para desenvolvimento
da pesquisa científica no país. As infor-
mações mostram que houve uma dimi-
nuição do orçamento para a ciência entre
2010 e 2011, caindo de R$6,18 bilhões
para R$ 5,69 bilhões. A justificativa apre-
sentada pelo assessor do Ministério para
o corte orçamentário é a crise internacio-
nal.
Royalties para pesquisaComo alternativa possível para o es-
trangulamento orçamentário, RuIz suge-
re um aprofundamento do debate sobre
o Pré-sal dentro da academia. De acordo
com o gestor, as universidades devem
se apropriar da discussão sobre a divi-
são dos royalties que serão gerados. “Isso
tem que ser entendido, pois são dados
que transitam pela mídia, mas que de
certa forma os reitores não tem conhe-
cimento de como funciona. Como eles
querem participar do comitê gestor para
apresentar projetos, isso precisa ser mui-
to bem entendido pelas comunidades
sindicais e acadêmicas”, advoga.
Ruiz explica que há três possibilidades
de divisão destes recursos, “O regime de
concessão é aquele em que a empresa ex-
ploradora é obrigada a pagar royalties. A
partilha é quando o país é dono de todo o
petróleo e a empresa vai receber os recur-
sos que gastou em óleo, juntamente com
uma parcela do lucro. Já a cessão onerosa
corresponde às áreas do Pré-sal ofereci-
das à Petrobras, limitada à extração de
cinco bilhões de barris de petróleo.”
O assessor do MCT defende uma pos-
tura ativa das universidades na dispu-
ta pelos recursos do petróleo, inclusive,
para financiamento de projetos em ciên-
cia e tecnologia.
Sem atalhosNo que diz respeito às perspecti-
vas para ciência no Brasil nos próximos
anos, o professor da Universidade de
São Paulo (USP) Otaviano Helene é cé-
tico. “Sobre a política real que estamos
enfrentando não tivemos nenhuma rup-
tura, revolução ou guerra para supor que
a política daqui pra frente será diferente
da passada. Até mesmo no caso especi-
fico do governo federal, com a continui-
dade de partido de governos estaduais, o
que acontecerá no futuro é basicamente
o que está acontecendo hoje e também
o que aconteceu no passado. É só uma
questão de método”.
O docente recorda que durante os
anos de 1990 os grandes órgãos financia-
dores, em especial, o Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecno-
lógico (CNPq) e a CAPES, sofreram uma
redução significativa dos seus recursos,
criando uma crise de financiamento para
as pesquisas. “Houve uma queda entre
20 % e 30% do volume de recursos desses
dois grandes órgãos de fomento que nós
temos na universidade”, relata Helene.
Segundo o pesquisador da USP, os
fundos criados para contornar o proble-
ma, à época, não chegaram a garantir a
preservação da produção científica. “Nes-
se mesmo período, surgiram os fundos
setoriais. Enquanto havia o discurso ufa-
nista de que o recurso iria aumentar por
causa do fundo setorizado, na verdade
os recursos reais diminuíram. Quem tra-
balhava em universidades na década de
1990 e tinha que pedir dinheiro lembra
com muita clareza desse período bastan-
te difícil.”
Responsabilidade socialWrana Panizzi (UFRGS), ex-presiden-
te da Andifes e vice-presidente do CNPq,
no período entre 2007 e 2010, avalia que
o orçamento não é o único problema gra-
ve enfrentado pela investigação científi-
ca no Brasil. Para ela, faltam aos estudos
dos pesquisadores nacionais mais defini-
ção e direcionamento.
Na visão da docente, a resposta para
o conflito entre autonomia científica e
inovação está na responsabilidade social.
“O verdadeiro conhecimento deve estar
disponibilizado para a sociedade como
um todo, para que ela possa ser maior e
melhor, e cada vez mais igualitária. Ele
deve ter muito mais compromisso social
do que atender a este ou aquele objetivo,
que muitas vezes utilizam nossos fun-
dos. A produção do conhecimento está
situada quase que exclusivamente no
contexto da sua aplicabilidade. Claro que
queremos saber para que produzir conhe-
cimento, para qual sociedade”, defende.
Para a docente, o produtivismo acadê-
mico representa um significativo entrave
para a produção de conhecimento cien-
tífico de qualidade. Segundo ela, “É pre-
ciso fazer sérias mudanças na universi-
dade. Ela está deixando de pensar, pois
está sendo dominada pelo pensamento
único. Nós temos que voltar a pensar.
Nós estamos muito preocupados em for-
mar nossos estudantes e instrumentá-
-los cientificamente e tecnologicamente,
mas estamos muito pouco preocupados
em perguntar: para que tudo isso?”.
Panizzi avalia ainda que o Brasil só al-
cançará um melhor posicionamento em
termos de ciência, no cenário internacio-
nal, quando investir em caminhos pró-
prios e condizente a sua realidade social.
“Há uma competitividade internacional
sim, mas precisamos daquela competi-
tividade que possa permitir que tenha-
mos uma ciência brasileira própria, com
posicionamentos de ciência brasileira.”,
conclui.
O gargalo do orçamento em ciência e tecnologia no Brasil
o orçamento para a ciência entre 2010 e 2011, caiu de R$ 6,18 bilhões para R$ 5,69 bilhões
Docentes discutem os problemas de financiamento público para pesquisa no país
Caderno Especial no século XXICiência e Tecnologia
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Pesquisa científica: interesse público e interesse privado
Ciro Teixeira
Sérgio Henrique Ferreira
Caderno Especialno século XXICiência e Tecnologia
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Interesses privados predominam sobre a pesquisa nacional
Embora a maior parte da pesqui-
sa no Brasil seja produzida por
instituições públicas, a ciência
do país está direcionada para
atender a interesses privados. A mesa
“Pesquisa científica: interesse público e
interesse privado”, do Seminário Ciência
e Tecnologia no Século XXI, indica que
o problema tem origem no modelo de
desenvolvimento econômico predomi-
nante no mundo contemporâneo. Mas é
também determinado por aspectos polí-
ticos e sociais específicos do país.
Segundo Sérgio Henrique Ferreira,
professor do Departamento de Farmaco-
logia na Faculdade de Medicina da Uni-
versidade de São Paulo em Ribeirão Preto
(USP), em países desenvolvidos, a maio-
ria da população tira proveito das vanta-
gens geradas a partir da industrialização.
No Brasil, contudo, somente uma mino-
ria abastada da população gozar de seus
benefícios. “Se fizermos uma inovação
aqui o povo não vê nem a cor dela”, criti-
ca o docente.
O professor explica que os países
periféricos levam desvantagem no de-
senvolvimento tecnológico porque têm
distribuição de renda desigual, balança
econômica dependente da exportação
de matérias primas, produção industrial
com baixo valor agregado e pouco poten-
cial inovador nos institutos tecnológicos
e na indústria. Além disso, afirma o pes-
quisador, esse cenário não contribui para
a inovação e nem tem sido mudado com
a ajuda dela. “Raramente a inovação é di-
rigida para modificar a curva de pobreza
do país”, constata.
Relação com a indústriaNa visão de Ferreira, um dos nós bra-
sileiros está na associação precária entre
a universidade e a indústria. O pesquisa-
dor identifica, em países desenvolvidos,
um trabalho contínuo e articulado entre
cientistas e inventores na mesma área.
Desta forma, na leitura de Ferreira, o co-
nhecimento sistematizado pelo cientista
é mais bem empregado na produção prá-
tica do inventor. E, simultaneamente, a
criatividade científica passa a beneficiar
não apenas a educação, mas também os
países onde as descobertas foram reali-
zadas.
De acordo com Ferreira, as dificulda-
des para desenvolver descobertas pró-
prias, no Brasil, são agravadas pela aber-
tura de mercado. Ele avalia que os inves-
timentos estão concentrados em pólos
industriais que atendem exclusivamente
a interesses particulares. Além disso, a
lógica individualista, típica do mercado,
muitas vezes, tem sido reproduzida nas
universidades com prejuízo para o pen-
samento livre e socialmente comprome-
tido. “Tem que se pensar em quem vai
analisar o projeto, qual a necessidade so-
cial do produto e para quem ficará a ino-
vação.”
O docente chama atenção ainda para
o fato de que a inovação implica a pos-
sibilidade de insucesso. Isso quer dizer,
portanto, que os governos precisam estar
preparados para correr este risco.
Orçamento aquém Ciro Teixeira, professor do Instituto
de Geociências e do Departamento de
Mineralogia e Geotectônica da Univer-
sidade de São Paulo (USP), avalia que o
processo de democratização do país não
reverteu os desvios privatistas do mode-
lo de desenvolvimento científico vigente
durante a ditadura militar (1964-1985).
Com isso, afirma o docente, a pesquisa
segue favorecendo a produção de conhe-
cimento voltada para interesses privados
em detrimento do interesse público. “A
perspectiva que se abriu a partir da Cons-
tituição de 1988 e da chegada da esquer-
da ao poder não configurou mudança sig-
nificativa na direção da universalização
da saúde, da educação e dos benefícios
dos resultados da pesquisa científica”,
analisa Ciro.
A partir de indicadores levantados
pelo professor Otaviano Helene (USP), o
professor questiona às informações ofi-
ciais de que, atualmente, há muito inves-
timento em pesquisa no país. “Embora a
gente tenha hoje um arsenal de políticas
publicas para pesquisa e de agências de
fomento, o investimento em pesquisa
cientifica nesse país é pífio”, argumenta.
Segundo Ciro, embora as projeções do
governo federal indiquem que 1,5% do
PIB é aplicado em ciência, verificações
feitas pela academia demonstram que o
chamado investimento, na verdade, en-
globa os recursos da manutenção das fa-
culdades. Ou seja, os recursos utilizados
pelo ensino e para pagamento de salá-
rios e aposentadorias das instituições en-
tram na conta. E com isso, o valor acaba
superestimado.“O investimento real em
pesquisa é de no máximo 0,3% do PIB”,
complementa o professor.
Para o docente, além de investir pou-
co, o governo tem traçado junto com o
setor privado estratégias para se apro-
priar da demanda científica e tecnológica
do país e de seus benefícios. Ele destaca
dois marcos legais para exemplificar seu
ponto de vista.
O primeiro é 1994, quando o então
presidente Itamar Franco encerrou seu
mandato com a Lei 8958, instituindo a
possibilidade de parceira entre Institui-
ções de Ensino Superior e fundações pri-
vadas de apoio. Já o segundo momento
se refere ao final do governo Lula. Em
2010, o decreto-lei 7423 ampliou a par-
ticipação de empresas privadas nas agên-
cias de financiamento da pesquisa e nas
universidades.
Na avaliação de Ciro Teixeira, ambos
os instrumentos institucionais visaram
aumentar a interferência direta das em-
presas privadas sobre a pesquisa e são
demonstrações claras de uma política
que procura direcionar o que deveria ser
ciência básica para uma ciência aplicada
a interesses de grandes conglomerados.
Ele afirma que: “Os decretos e outras ini-
ciativas do governo garantiram às empre-
sas privadas a possibilidade de se apro-
priar a baixo custo da infraestrutura tec-
nológica do país”. E conclui sua crítica,
afirmando que para alcançar o interesse
público as universidades necessitam de
formas democráticas de financiamento e
mais autonomia de gestão.
Raramente a inovação é dirigida para modificar a curva de pobreza do país
Especialistas avaliam que a maioria da população, no Brasil, não usufrui da inovação
Caderno Especial no século XXICiência e Tecnologia
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Trabalho docente e produção do conhecimento
Maria Ciavatta
Janete Luzia Leite
Roberto Leher
Caderno Especialno século XXICiência e Tecnologia
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Produtivismo compromete a pesquisa e a saúde docente
A mesa “Trabalho Docente e
Produção do Conhecimento”
fechou o Seminário sobre Ci-
ência e Tecnologia no Século
XXI, do Andes-SN, trazendo para a dis-
cussão as condições de trabalho em que
os docentes estão produzindo. De acor-
do com os dados apresentados, o “alijei-
ramento” do tempo acadêmico, em fun-
ção da mercantilização da educação, não
está prejudicando apenas a qualidade do
ensino superior e da pesquisa universitá-
ria. Ele está também afetando negativa-
mente a qualidade de vida e a saúde dos
professores.
Para Janete Luzia Leite, professora da
Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), o trabalho docente está cada vez
mais intenso e precário. “Os professores
estão adoecendo. A venda da educação
como mercadoria está atravessando não
só nossa vida, como nosso processo de
trabalho. Nós não temos mais nenhum
espaço para fazer o que queremos, a não
ser que se obedeça ao que está sendo
mandado pelo financiador. Todo aquele
processo de construção de um projeto,
não só de trabalho, mas também de pro-
dução do conhecimento, está acabando
pela pressa”, afirma.
Segundo a docente, a situação se agra-
va em função das cobranças por rapidez
na apresentação do conteúdo, do aumen-
to no número de estudantes e da quebra
do chamado tripé universitário – com-
posto por ensino, pesquisa e extensão.
Dentre as somatizações mais comuns em
casos de sobrecarga de trabalho, Janete
Leite destacou o stress, a depressão, a
LER, os problemas de coluna, a hiperten-
são, a asma, as úlceras, as enxaquecas, a
perda de equilíbrio, torcicolos e queda de
cabelos. Além disso, sublinha a profes-
sora, o ambiente universitário é propício
ao desenvolvimento de dependências de
álcool, tonificantes, drogas, tabaco e ou-
tras substâncias responsáveis por provo-
car ou intensificar doenças crônicas.
Na opinião de Maria Ciavatta, profes-
sora da Universidade Estadual do Rio
de Janeiro (UERJ), o acúmulo de funções
entre os docentes não está recebendo a
atenção devida por parte instituições:
“Dar aula, fazer pesquisas, coordenar
projetos, reuniões, desenvolver ativi-
dades, fazer palestra, escrever artigos,
relatórios, trabalhos administrativos e
técnicos. A universidade não tem cer-
tos suportes para nos apoiar. Além dis-
so, estamos mantendo uma dependên-
cia cultural no cumprimento da ordem
instalada para atender as expectativas
da profissão, dos alunos e das famílias,
da direção, dos coordenadores e cumprir
um trabalho prescrito pelo Estado ou
pelo dono do negócio”, adverte.
O ritmo do mercadoOutro problema enfrentado pelos do-
centes destacado por Ciavatta é a cres-
cente demanda por um ensino “expres-
so”, provocada, na leitura da professora,
por uma cultura que valoriza mais o títu-
lo do que a qualidade do ensino. “Quan-
do um aluno reprova o segundo grau, ele
faz um supletivo rápido e logo está na
faculdade, mostrando que o que impor-
ta é o título e não a qualidade de ensi-
no. Existe hoje um grande processo de
desvalorização do conhecimento, e isso
a gente percebe. Como o título é mais
importante e há a sua necessidade para
a entrada no mercado de trabalho, ele é
substituído pelo conhecimento”.
Para a Ceviatta a aceleração da forma-
ção universitária está em descompasso
com a realidade da educação básica, “Às
vezes chegam para nós alunos do ensi-
no médio, treinados e avaliados, que não
têm preparo algum para estar numa uni-
versidade”.
A docente alerta que a lacuna de qua-
lidade entre os níveis de ensino público
prejudica, posteriormente, o ensino su-
perior ou tecnológico. “Não dá pra fazer
educação profissional verdadeiramente
se o aluno não tem uma base de ciências
porque ele não vai assimilar e aí, não vai
aprender. Nós vemos que há um impas-
se”.
Segundo Janete Leite (UFRJ), o cor-
po discente também é prejudicado pela
dinâmica do mercado dentro da univer-
sidade. “Hoje é difícil achar um aluno
que leu um livro inteiro no semestre,
são sempre capítulos, trechos corta-
dos e só. São ambientes marcados por
pressões sobre alunos (participação em
eventos, publicações para manter bol-
sas), competitividade pelo desempenho
quantitativo (editais para pesquisas, pu-
blicações, banalização), cumprimento
de metas e apresentação de resultados.
Isso prejudica todo um processo de in-
formação”, observa.
De acordo com Roberto Leher, pro-
fessor da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), a absorção da lógica
do mercado internacional pela a edu-
cação brasileira está criando confusões
sobre o papel docente. “Esta universida-
de, que está marcada pelo capitalismo
acadêmico também não está marcada
pelo mesmo capitalismo acadêmico das
grandes universidades dos países cen-
trais? Isso nos coloca na seguinte situa-
ção: somos professores, intelectuais ou
funcionários?”, questiona.
O professor chama atenção ainda para
o fato de que parte da sobrecarga docente
pode ser atribuída a soma da obrigação de
inovação tecnológica ao tripé universitá-
rio. Leher explica que apenas no Brasil a
universidade é responsabilizada pelo de-
senvolvimento da inovação. “A cada dez
inovações dentro dos Estados Unidos,
nove nasceram dentro das empresas. Mi-
nha hipótese é que estamos responsabili-
zando a universidade a fazer tarefas para
as quais as empresas não querem desem-
bolsar equipamentos, força de trabalho,
laboratórios. Isso é um serviço”, explica.
A venda da educação como mercadoria está atravessando não só nossa vida, como nosso processo de trabalho
As condições de trabalho dos docentes de nível superior vieram à tona na última mesa do Seminário Ciência e Tecnologia no Século XXI
no Século
Seminário Nacionaldo ANDES-SN