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Neste texto, estão as compilações de partes de dois livros: “A importância ambiental da vermicompostagem: vantagens e aplicações”, de M. D. Landgraf, R. A. Messias e M. O. O. Rezende, editado pela editora Rima, em 2005 e outro em final de redação, dos mesmos autores. Assim, podem haver diferenças na relação de referências bibliográficas e na numeração de figuras, por exemplo. Enfim, é apenas um texto para ajudar o leitor durante a aula. CAPÍTULO 1 – O SOLO 1.1 Solo e ambiente A exploração agrícola proporcionou significativas modificações no fluxo de nutrientes e de energia dos ciclos naturais para o benefício, em geral, de uma única espécie. O aumento da população levou à maior demanda por alimentos e fibras, alterando a velocidade com que os nutrientes passam pelos ciclos naturais, levando a uma demora na devolução desses nutrientes ao reservatório de onde foram removidos, ou devolvendo-os de maneira nem sempre adequada, causando desequilíbrio entre o que era necessário repor e o que foi reposto. O solo tem um papel de fundamental importância nos ciclos da natureza, participando, direta ou indiretamente, da maioria das atividades que ocorrem no planeta. Além de ser o principal substrato para a agricultura, o solo também é suporte para estradas e para construções civis, sendo muitas vezes utilizado indevidamente como depósito de resíduos. É nos solos que se realiza a maior parte dos processos de reciclagem de nutrientes dos quais o planeta depende para manter-se vivo. Por tudo isso, o solo é um recurso natural que deve ser conservado para que os serviços que ora presta à sociedade sejam sustentáveis para as próximas gerações. A biodiversidade existente nos solos regula os processos biogeoquímicos formadores e mantenedores dos ecossistemas. Dentre esses processos, incluem-se: a formação e estruturação dos próprios solos, a decomposição da matéria orgânica, a reciclagem de nutrientes e a formação dos gases componentes da atmosfera terrestre.

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Neste texto, estão as compilações de partes de dois livros: “A importância

ambiental da vermicompostagem: vantagens e aplicações”, de M. D. Landgraf,

R. A. Messias e M. O. O. Rezende, editado pela editora Rima, em 2005 e outro

em final de redação, dos mesmos autores. Assim, podem haver diferenças na

relação de referências bibliográficas e na numeração de figuras, por exemplo.

Enfim, é apenas um texto para ajudar o leitor durante a aula.

CAPÍTULO 1 – O SOLO

1.1 Solo e ambiente

A exploração agrícola proporcionou significativas modificações no fluxo

de nutrientes e de energia dos ciclos naturais para o benefício, em geral, de

uma única espécie. O aumento da população levou à maior demanda por

alimentos e fibras, alterando a velocidade com que os nutrientes passam pelos

ciclos naturais, levando a uma demora na devolução desses nutrientes ao

reservatório de onde foram removidos, ou devolvendo-os de maneira nem

sempre adequada, causando desequilíbrio entre o que era necessário repor e o

que foi reposto.

O solo tem um papel de fundamental importância nos ciclos da natureza,

participando, direta ou indiretamente, da maioria das atividades que ocorrem no

planeta. Além de ser o principal substrato para a agricultura, o solo também é

suporte para estradas e para construções civis, sendo muitas vezes utilizado

indevidamente como depósito de resíduos. É nos solos que se realiza a maior

parte dos processos de reciclagem de nutrientes dos quais o planeta depende

para manter-se vivo. Por tudo isso, o solo é um recurso natural que deve ser

conservado para que os serviços que ora presta à sociedade sejam

sustentáveis para as próximas gerações.

A biodiversidade existente nos solos regula os processos

biogeoquímicos formadores e mantenedores dos ecossistemas. Dentre esses

processos, incluem-se: a formação e estruturação dos próprios solos, a

decomposição da matéria orgânica, a reciclagem de nutrientes e a formação

dos gases componentes da atmosfera terrestre.

De uma forma simples, pode-se dizer que o solo é a parte superficial

intemperizada da crosta terrestre, não consolidada, que contém ar, água,

matéria orgânica, matéria inorgânica e seres vivos. No solo desenvolvem-se

vegetais que, através das raízes, obtém a água e os nutrientes de que

necessitam. O solo é, portanto, resultante das interações da litosfera,

hidrosfera, atmosfera e biosfera, com grande contribuição antrópica, como

ilustrado na Figura 1.1.

As substâncias solúveis e as partículas coloidais, minerais e orgânicas,

podem-se movimentar pela ação da água. As partículas finas formam os

agregados ao se aglutinarem pela ação de vários fatores.

A Figura 1.2 ilustra o perfil de um solo, mostrando a contribuição da

rocha intemperizada e dos componentes orgânicos.

contribuições antrópicas

litosfera

solo

biosfera atmosfera

hidrosfera

Figura 1.1 - Representação dos processos que contribuem para a formação

de um solo

O resultado da ação dos fatores físicos, químicos e biológicos sobre o

material original e sobre seus produtos de alteração é o aparecimento gradual

de uma série de camadas, de estrutura e composição diferentes, chamadas

horizontes. O conjunto dos horizontes é denominado perfil do solo e apresenta-

se em camadas denominadas de O, A, B, C e R (Figura 1.3).

O horizonte O apresenta detritos orgânicos não humificados e

humificados; tais detritos são folhas, galhos e restos orgânicos em diferentes

estágios de decomposição. O horizonte A é a camada mineral próxima à

superfície e apresenta um acúmulo de matéria orgânica, em grande parte

humificada; é empobrecido por perdas de materiais sólidos translocados para o

horizonte B. No horizonte A está a camada arável, de constituição mais ou

menos estável, na qual se adicionam os insumos agrícolas. Vale lembrar que

os horizontes mais importantes para as práticas agrícolas são os mais

superficiais.

Cada horizonte possui características diferentes devido a diferentes

percolações de água e, conseqüentemente, a diferentes processos biológicos,

incluindo produção e decaimento de biomassa, graças à extraordinária

diversidade de vida existente.

~ 3 m

Solo

RochaE

B

C

R

O

A

Figura 1.2 - Representação do perfil de um solo e seus horizontes. Horizontes:

O = orgânico, A = mineral e orgânico, E = de perda ou aluvial,

B = de acumulação, C = rocha intemperizada, R = substrato rochoso.

O solo é, portanto, um sistema complexo e aberto, constantemente

submetido a trocas de matéria e energia com a atmosfera, hidrosfera e

biosfera, cujo comportamento pode ser definido como a totalidade dos

equilíbrios que ocorrem no ambiente. Além disso, o solo afeta e é afetado pela

marcante biodiversidade que nele existe, daí a grande variedade de solos

encontrados no nosso planeta.

O solo apresenta três fases bem distintas: gasosa, líquida e sólida.

Essas fases variam de solo para solo e, mesmo em um determinado solo, as

relações entre as fases podem sofrer alterações.

A fase gasosa, ou ar do solo, varia de acordo com a fase líquida. Sua

composição é diferente da atmosférica - é mais rica em vapor de água e CO2 e

mais pobre em O2. O ar do solo localiza-se no interior dos poros, sendo, por

isso, uma fase descontínua e variável. Essa descontinuidade e variabilidade da

fase gasosa do solo deve-se às reações químicas e à atividade biológica.

A fase líquida, ou solução do solo, também é bastante variável. É desta

fase que as plantas retiram água, nutrientes e elementos não essenciais na

forma iônica. A concentração destes depende da natureza e umidade do solo.

A concentração iônica da fase líquida está em equilíbrio com a concentração

iônica retida na fase sólida. A solução do solo é a porção aquosa do solo que

contém matéria dissolvida proveniente de processos químicos e de troca com a

hidrosfera e a biosfera. Esse meio transporta espécies químicas do solo e para

o solo, promovendo um contato íntimo com os solutos e as partículas do solo,

sendo, ainda, um meio para a troca de nutrientes entre a fase sólida e a

rizosfera.

A fase sólida, ou melhor denominada de particulada, é formada pelos

constituintes minerais e orgânicos. Um solo produtivo pode ter, por exemplo,

5% de matéria orgânica e 95% de matéria inorgânica. Inversamente, solos

como turfa podem conter até 95% de matéria orgânica, enquanto outros

contém menos de 1%. Apesar da pequena quantidade de matéria orgânica, em

comparação à quantidade de material inorgânico em solos produtivos, a fração

orgânica do solo desempenha um papel fundamental na regulagem de

processos químicos, além de influenciar nas características físicas do solo e de

ser o centro de atividades biológicas, incluindo fauna, flora e o sistema

radicular de plantas superiores. O teor de matéria orgânica nos solos é

influenciado por uma série de fatores, sendo o clima o principal componente.

O solo apresenta características ímpares em comparação aos outros

compartimentos ambientais, o que lhe confere propriedades distintas. Por

possuir uma extensa área superficial, suas partículas adsorvem água,

moléculas iônicas e neutras. Além disso, por ser constituído por uma mistura

de partículas com alta concentração de cargas elétricas, o solo pode reter uma

grande quantidade de íons. Outra característica marcante são as partículas de

formas e tamanhos diferentes das quais é constituído. Devido a isso, o solo

apresenta texturas, arranjos estruturais e propriedades mecânicas diferentes,

levando a diferentes perfis de permeabilidade.

A textura do solo é determinada pelo conteúdo das partículas

inorgânicas de diferentes diâmetros - areia (2 - 0,05 mm), silte (0,05 - 0,002

mm) e argila (< 0,002 mm). As partículas maiores proporcionam, geralmente, o

suporte estrutural, aeração e permeabilidade, enquanto as partículas menores

ligam-se formando agregados, que retém nutrientes e água. As argilas

caracterizam a fração coloidal, tendo grande participação nas reações de

complexação de íons metálicos, afetando a totalidade dos processos físicos,

químicos e biológicos que ocorrem no solo.

1.2 Tipos de solo

Dependendo da composição do material da rocha de origem e da ação

exercida pelo clima e pelos organismos sobre esse material, formam-se solos

com características diferentes: uns mais férteis (mais ricos em nutrientes)

outros mais pobres em nutrientes. O tamanho e a natureza dos minerais que

compõem o solo determinam características importantes.

Um solo muito rico em areia, que se apresenta na forma de grãos

relativamente grandes (2 - 0,05 mm), não consegue reter água por muito

tempo. A água infiltra-se rapidamente pelos espaços existentes entre os grãos

de areia, indo acumular-se nas camadas mais profundas. Como retém pouca

água, secam com muita facilidade, dificultando o crescimento de plantas. São

chamados solos arenosos.

Os solos argilosos contém muita argila, que são minerais de tamanho

muito pequeno (< 0,002 mm). A água é retida por muito tempo nos pequenos

espaços entre os grãos, originando o barro. Esse tipo de solo encharca-se com

facilidade e por isso também dificulta o crescimento das plantas.

Já os solos escuros, ricos em matéria orgânica, são ricos em nutrientes,

principalmente em substâncias que contém nitrogênio. O húmus, que é matéria

orgânica em estado de decomposição, age ligando os minerais como um

cimento, modificando a porosidade do solo e, portanto, aumentando a

capacidade de retenção de água. Esses solos são férteis, e, normalmente,

proporcionam excelentes condições para o crescimento das plantas.

Dependendo das condições climáticas e biológicas que agem sobre a rocha de

origem, o solo pode, freqüentemente, apresentar características mistas.

Os solos, dependendo da própria ação da vegetação, da sua natureza e

do tipo de sistema radicular, apresentam diferentes teores de matéria orgânica.

Na Amazônia há acentuada acumulação de matéria orgânica na superfície

devido à reciclagem dos elementos constituintes dos galhos, folhas e sistema

radicular superficial. Entretanto, a heterogeneidade da vegetação é grande,

contribuindo para a variação quanto à natureza dessa matéria orgânica. Por

sua vez, o ambiente dos Cerrados é totalmente diferente quanto ao aspecto da

vegetação. Há baixa densidade de árvores por hectare, o que pouco contribui

na incorporação de matéria orgânica ao solo. Entretanto, na região dos

Cerrados desenvolvem-se gramíneas adequadamente adaptadas ao ambiente

ácido dos solos. Elas são mais homogêneas e apresentam sistema radicular

fasciculado, que penetra em profundidade criando condições de maior acúmulo

de matéria orgânica, quando comparado com os solos da Amazônia. Aliás, as

gramíneas têm capacidade de introduzir matéria orgânica via sistema radicular

em maior profundidade do que a vegetação de floresta.

Já dissemos que o solo é afetado pelo clima. Vale ressaltar que o

inverso, também, é verdadeiro: o solo afeta o clima. Nos Cerrados, à noite,

mesmo no verão, a temperatura cai bastante, pois a quantidade de matéria

orgânica, que é o constituinte do solo responsável pela retenção de calor, é

baixa.

1.3 - A biodiversidade do solo

No solo vive e se desenvolve uma vasta fauna, como minhocas,

moluscos, protozoários, insetos e até mamíferos, como toupeiras e tatus, por

exemplo, que atuam concomitantemente. Há, ainda, fungos, algas e bactérias.

A atividade de todos juntos produz nutrientes que as plantas retiram do solo. A

fauna e a flora são interdependentes e atuam diretamente na qualidade do

solo. A Figura 1.3 ilustra a biodiversidade existente.

Figura 1.3 – Ilustração da biodiversidade no solo

Como exemplo da biodiversidade existente no solo, há as bactérias que

absorvem o ferro do solo e o assimilam, depositando-o depois em forma de

compostos na parede externa da única célula de seu corpo. Há as bactérias

que utilizam o carbono proveniente de compostos orgânicos para, juntamente

com o oxigênio que circula no solo, produzir gás carbônico e energia.

As bactérias nitrificantes fixam o gás nitrogênio (N2), transformando-o no

gás amônia (NH3), ou em sais de amônio (NH4+). A amônia, em sua fórmula

molecular ou na forma de íons amônio, é oxidada, então, a nitrito (NO2-) e este

a nitrato (NO3-). Os nitratos solúveis são absorvidos pelas raízes dos vegetais e

transformados em proteínas vegetais. As proteínas são usadas na nutrição de

animais superiores, transformando-se em proteína animal.

Entre os fatores que influenciam o processo de nitrificação existem

aqueles que controlam as concentrações de N nas formas de NH4+, NO2

- e

NO3- no solo. Esses são os inibidores das atividades da urease e dos

microrganismos nitrificadores. Alguns desses inibidores ocorrem naturalmente,

provenientes da liberação de aminoácidos e de bases nitrogenadas graças à

decomposição da matéria orgânica do solo ou por substâncias liberadas pelas

raízes de algumas plantas. Sem os bilhões de microrganismos por grama, o

solo não seria fértil.

Os microrganismos apresentam uma imensa diversidade genética e

desempenham funções únicas e cruciais na manutenção do ecossistema,

como componentes fundamentais de cadeias alimentares e ciclos

biogeoquímicos.

A diversidade genética e metabólica dos microrganismos tem sido

explorada há muitos anos visando a obtenção de produtos biotecnológicos, tais

como na produção de antibióticos (estreptomicina, penicilina etc.), de alimentos

(cogumelos, queijos, cerveja etc.), tratamento e/ou remediação de resíduos

(esgotos domésticos, lixo) e na agricultura, na fertilização de solos (fixação

biológica de nitrogênio) e controle biológico de pragas e doenças (controle da

lagarta da soja, da cigarrinha da cana-de-açúcar, de fitopatógenos como

Rhizoctonia e outros).

Estima-se que seja conhecido apenas 1% das bactérias de solos. O

número de espécies de bactérias de solos descrito na literatura vem crescendo

nos últimos anos em virtude do desenvolvimento de ferramentas de biologia

molecular que possibilitam a análise de seqüências de DNA a partir de material

genômico extraído diretamente do solo. As novas técnicas evidenciaram a

enorme diversidade genética das bactérias. Estima-se que em 1 g de solo

ocorram entre 20 a 40 mil espécies bacterianas.

Considerando-se que são descritas apenas 4.100 espécies de bactérias,

cuja maioria não é de solos, há uma enorme lacuna no conhecimento a ser

preenchida em estudos de biodiversidade.

Entre os microrganismos, os fungos envolvem-se em inúmeras relações

mutualistas, amensais, comensais e competitivas com outros organismos do

solo. Há os que formam sistemas de reprodução macroscópicos, como os

cogumelos. Há os que formam relações mutualistas com plantas etc.

Por outro lado, existem os predadores de microrganismos dos

ecossistemas terrestres, que são os protozoários e os nematóides. Os

protozoários poderiam ser classificados de acordo com sua preferência

alimentar (bactérias ou fungos), preferência de habitat (acidófilo ou neutrófilo),

ou importância ecológica. Alterações na diversidade de protozoários poderiam

ser relacionadas a mudanças nos processos ecológicos do ecossistema. Por

exemplo, se numa amostra de solo predominam espécies acidófilas e de

preferência alimentar por fungos, podemos derivar informações sobre a

composição das populações de fungos e bactérias, além do pH do solo. As

informações sobre a população de fungos, por sua vez, podem indicar a

qualidade da matéria orgânica em decomposição.

Os nematóides vivem nas películas de água formadas ao redor de

partículas do solo. Esses animais são muito importantes para as cadeias

tróficas de todos os solos. Da mesma forma que em outros grupos de

organismos do solo, são mais conhecidas as espécies de nematóides parasitas

de plantas de interesse agrícola, uma vez que causam redução da

produtividade das culturas, elas afetam a translocação de água e nutrientes

pela planta, além de diminuir a qualidade e o tamanho de frutos e tubérculos.

Os ácaros são o grupo de artrópodos de maior diversidade, o que se

reflete na grande diversidade de seus hábitos alimentares.

Os insetos do solo em ecossistemas naturais têm sido muito pouco

estudados. Os cupins são os principais decompositores na maioria dos

ecossistemas terrestres tropicais, sendo responsáveis por até 30 % da

produção primária líquida e de até 60 % da digestão de liteiras. A ação dos

cupins resulta em aumento da macroporosidade e da capacidade de infiltração

de água nos solos, o que traz benefícios para o ecossistema.

A diversidade de espécies de formigas diminui à medida que aumentam

a latitude, altitude e a aridez do ambiente. As formigas podem ser predadoras,

herbívoras ou granívoras, o que acarreta alterações nas propriedades físicas e

químicas dos solos.

Algumas das características e funções importantes do solo resultantes da

interação de sua biodiversidade com seus componentes químicos e físicos são:

gênese, estrutura, conteúdo e tipo da matéria orgânica (MO), capacidade de

retenção, estoque e reciclagem de nutrientes e biodegradação de xenobióticos.

O húmus é composto de aproximadamente 4 % de organismos vivos, e

o restante é matéria morta, que corresponde a resíduos animais e vegetais em

diferentes estágios de decomposição. A parte viva pode ser dividida em fungos

e bactérias (60-80 %), protozoários, nematóides, ácaros, minhocas e térmitas

(15-30 % ) e raízes (5-10 % ).

Entretanto, não se deve esquecer que, embora em menor proporção, a

MO viva tem função tão importante como a MO morta, na qual a formação e

transformação desta depende da viva. Um exemplo que pode ser considerado

é que pela ação das bactérias, que se associam com as raízes das plantas, há

o abastecimento de N para as plantas, e pela ação de fungos que se associam

com as raízes, há uma melhora na eficiência das culturas em absorver o

fósforo presente no solo.

Além disso, as minhocas e as hifas de fungos proporcionam a formação

e a estabilidade do agregado no solo. Os agregados condicionam a infiltração e

drenagem de água, a aeração, e favorecem a criação de um habitat para a

biota do solo.

O meio biológico do solo é altamente modificado pelo tipo e grau de

desenvolvimento agrícola. As populações microbiais e enzimáticas são

bastante elevadas em solos onde não são desenvolvidas culturas, assim como

o potencial de mineralização do N na superfície (7,5 cm) é, em média, 35 %

maior que em solos cultivados.

Os microrganismos participam direta e indiretamente dos ciclos

biogeoquímicos no ambiente. Além dos processos de dissolução de minerais,

os microrganismos podem acumular ou transformar elementos metálicos, como

resultado de reações enzimáticas específicas ou de mecanismos decorrentes

das propriedades de seus revestimentos celulares.

A microflora do solo tem papel fundamental nos ciclos globais de

nutrientes e de carbono, participando de processos importantes como sua

nitrificação, desnitrificação e mineralização. Dos organismos ativos nesse

esforço de reciclagem, os fungos são particularmente efetivos e versáteis,

possuindo a capacidade enzimática de degradar substratos bastante

complexos e poliméricos, como por exemplo, polissacarídeos como celulose,

hemicelulose, lignina, amido, quitina e glicogênio, e proteínas, como caseína,

queratina e albumina. Por outro lado, as bactérias, em geral, são efetivas na

degradação de produtos solúveis simples.

Desde há muito tempo, a atividade dos organismos tem influenciado o

nível de elementos na atmosfera, nos oceanos a na superfície da terra.

Compostos orgânicos e inorgânicos têm sido formados por atividade biológica

há quatro bilhões de anos.

Muitos elementos são utilizados no desenvolvimento de organismos,

mas nem todos são necessários para o crescimento e divisão celular de todas

as espécies. Além de C, N, H e O, outros 26 elementos, em quantidades de

traço, são requeridos para o desenvolvimento dos microrganismos. Uma

grande abundância de algum desses elementos, entretanto, pode levar ao

aumento do nível de toxicidade intracelular que, por sua vez, pode levar à

morte do indivíduo.

CAPÍTULO 2 - A Matéria Orgânica do Solo

2.1 A Matéria Orgânica do Solo

A matéria orgânica (MO) existente nos solos consiste de uma mistura de

produtos animais e vegetais em vários estágios de decomposição, resultantes

da degradação química, biológica e da atividade sintética dos microrganismos.

A MO é uma fonte de energia e de nutrientes para os organismos que

participam de seu ciclo biológico, mantendo o solo em estado dinâmico,

exercendo um importante papel na fertilidade do mesmo.

A MO do solo é correntemente definida como “a fração orgânica do solo

incluindo resíduos vegetais e animais em diferentes estados de decomposição,

tecidos e células de organismos e substâncias produzidas por habitantes do

solo”. Essa é uma definição muito ampla, que inclui materiais pouco

degradados, até aqueles que sofreram profundas alterações.

O termo MO do solo é usado para designar os constituintes orgânicos do

solo, incluindo aqueles provenientes da decomposição de vegetais e animais,

seus produtos de decomposição parcial e a biomassa do solo. Nesse termo

incluem-se os materiais de alta massa molar, como polissacarídios e proteínas,

substâncias comparativamente mais simples, como os açúcares, aminoácidos

e outras substâncias de menor massa molar, e as substâncias húmicas.

Os animais são considerados como uma fonte secundária de MO.

Usando na sua generalidade as plantas como alimento, os animais contribuem

com seus excrementos e, ao final do ciclo de suas vidas, incorporam ao solo

suas próprias carcaças. Todos esses resíduos, quer de origem animal ou

vegetal, são atacados por microrganismos, principalmente fungos, bactérias,

actinomicetos e protozoários invertebrados que habitam o solo e atuam na

decomposição da MO.

A quantidade e natureza dos componentes orgânicos do solo são

resultantes de vários fatores, como por exemplo: a origem dos resíduos

vegetais e animais, as propriedades do solo, o clima e o tipo de manejo, entre

outros.

Apesar de se encontrar em reduzida quantidade, a MO tem influência

em quase todas as propriedades do solo, atuando de maneira marcante no

crescimento dos vegetais. Sua presença caracteriza os solos de boa fertilidade,

aos quais proporciona uma estruturação favorável à vida das plantas. É,

praticamente, a principal fonte de nitrogênio para as plantas sendo, ainda,

fornecedora de elementos como o fósforo e o enxofre, bem como de vários

micronutrientes. Por isso, incrementa-se a quantidade de MO ao solo pela

prática de adições regulares de resíduos orgânicos para lhe conferir maior

produtividade agrícola.

Para sua nutrição, as plantas necessitam de 16 a 17 elementos,

geralmente referidos como macronutrientes e micronutrientes. Como

macronutrientes estão incluídos nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio

e enxofre. Como micronutrientesestão o ferro, o manganês, o cobre e o zinco.

Para o bom crescimento das plantas, o solo deve armazenar todos esses

nutrientes para que as plantas os absorvam através das raízes. Vale salientar

que a maioria dos nutrientes está associada a compostos orgânicos não

diretamente assimiláveis pelas plantas. Para que os nutrientes sejam

absorvidos pelas raízes das plantas é necessário que ocorra a mineralização,

ou seja, a quantidade de material orgânico que se transforma em mineral é que

governa a biodisponibilidade dos nutrientes nos fertilizantes orgânicos.

Atualmente, há um interesse crescente no uso de MO como fertilizante

ou corretivo de nutrientes do solo. Isso pode ser atribuído a vários fatores: (1)

interesse na redução do uso de fertilizantes químicos, (2) preocupação pública

com os efeitos poluentes potenciais de substâncias químicas no ambiente, e

(3) necessidade premente de conservação de energia.

Muitos fatores que influenciam o incidente patogênico dos organismos

no solo estão direta ou indiretamente influenciados pela MO. Por exemplo, uma

provisão abundante de MO pode favorecer o crescimento de organismos que

auxiliam as defesas contra parasitas. A MO tem duplo papel no solo: além de

servir de alimento a microrganismos, como fungos e bactérias, ainda ajuda no

controle biológico, pois muitos desses organismos são inimigos naturais de

pragas, como nematóides. Ou seja, a MO afeta as atividades da microflora e da

microfauna. Outros organismos, como as minhocas, são, também, fortemente

afetados pela quantidade de resíduos orgânicos provenientes das plantas. Um

fator que deve ser levado em conta quando se avalia a MO como fonte de

nutrientes é o histórico da semeadura do solo. A MO tem um efeito profundo na

estrutura de solos, pois evita sua deterioração nos processos de lavoura

intensiva. A escassez de MO faz com que os solos tendam a ficar

compactados, impedindo a permeação da água. A adição freqüente de MO

facilita a síntese de combinações orgânicas complexas que ligam partículas de

solo em unidades estruturais chamadas agregados moleculares. Esses

agregados moleculares ajudam a manter o solo solto, em condição granular,

facilitando a absorção da água pelas raízes e facilitando a provisão ininterrupta

de O2, pois permitem uma melhor troca de gases com a atmosfera. Assim, a

MO melhora a aeração, a retenção de umidade e a proteção do solo. Deve ser

enfatizado, contudo, que a importância de um determinado fator varia de um

solo para outro e depende das condições ambientais, como clima, agricultura e

do próprio manejo desse solo.

2.2 O Ciclo da Matéria Orgânica

Sendo a Terra um sistema dinâmico, em evolução, o movimento e a

estocagem de seus materiais afetam todos os processos físicos, químicos e

biológicos. A MO do solo rege vários processos pedogenéticos e interfere nos

processos geoquímicos e nas propriedades físico-químicas dos solos. Em

condições naturais há um equilíbrio entre o solo e a vegetação e os animais

que fornecem os resíduos orgânicos.

As plantas produzem matéria orgânica e são consumidas como alimento

pelos consumidores primários. Estes são alimento para os consumidores

secundários, e assim por diante na cadeia alimentar. Todos os seres vivos

produzem resíduos sólidos e/ou líquidos enquanto vivem. Os organismos

decompositores aproveitam a energia desses resíduos e dos seres que

morrem, graças à decomposição dos últimos, devolvendo para o ambiente os

minerais, a água e o gás carbônico que novas plantas irão utilizar para fabricar

mais matéria orgânica, ou seja, é um processo contínuo no qual a morte nutre

a vida.

A quantidade e natureza dos componentes orgânicos do solo estão na

dependência de vários fatores, como por exemplo: a natureza dos resíduos

vegetais e animais que os originam, as propriedades do solo, o clima e o tipo

de manejo, entre outros.

A MO pode processar-se em condições aeróbias ou anaeróbias. No

primeiro caso, tem-se como resultado um tipo de húmus que normalmente

ocorre na maioria dos solos, sendo sua composição conseqüência do clima da

região, das características do solo, da vegetação e atividade dos

microrganismos presentes. No segundo caso, quando a decomposição ocorre

em regiões encharcadas, a MO assume aspectos diferentes, originando um

material denominado turfa.

O equilíbrio de carbono (C) na Terra é função da interação que existe

entre os três reservatórios desse elemento: o oceano, com ≈ 39000 x 1015 g; a

atmosfera, com ≈ 750 x 1015 g, e o sistema terrestre, com ≈ 22000 x 1015 g.

Esses reservatórios estão em equilíbrio dinâmico, cada um interagindo e

trocando matéria e energia com o outro.

O aumento do efeito estufa e a diminuição da camada de ozônio têm

levado à reflexão sobre a quantidade, qualidade, distribuição e comportamento

do C nos diferentes ecossistemas e à avaliação do impacto sobre a mudança

potencial no clima global e sua contribuição no tocante à agricultura. Uma

importante conclusão desses estudos poderá ser a definição de procedimentos

que resultem no alívio dos efeitos nas mudanças climáticas globais, que têm

uma relação direta com a agricultura e, mais especificamente, com a matéria

orgânica presente no solo.

O balanço de C no ecossistema terrestre pode ser mudado,

marcantemente, pelo direcionamento do impacto das atividades humanas –

incluindo destruição das florestas, queimada de biomassa, mudança do uso e

manejo do solo e poluição do ambiente.

O aumento da concentração de CO2 atmosférico deve-se à queima de

combustíveis fósseis e, também, às práticas usadas na agricultura. Recentes

estudos sugerem que o seqüestro de C pelo solo é um possível meio de

aliviar o aumento de CO2 na atmosfera. No entanto, o que se tem observado é

que os tipos de manejos de solo utilizados até o momento têm promovido a

perda de C do solo para a atmosfera, colaborando, ainda mais, para o aumento

de CO2 naquele meio.

Tal quadro poderia ser revertido por meio de algumas alternativas, como

a abolição do uso de queimadas e o uso de fertilizantes verdes (plantio de

leguminosas, por exemplo) e orgânicos, como fontes de reposição de MO.

Além disso, poder-se-ia estar devolvendo ao solo parte do C que lhe foi tirado.

2.3 Importância da Matéria Orgânica no Solo

A MO do solo é a principal fonte de nitrogênio para as plantas, sendo,

ainda, fornecedora de elementos como o fósforo e o enxofre, bem como vários

micronutrientes.

Cientistas, há tempos, têm reconhecido a importância da MO, em

especial do húmus, como fator de controle das propriedades físicas e químicas

do solo. Propriedades como capacidade tamponante, sorção de compostos

orgânicos hidrofóbicos, estabilidade de agregados de partículas do solo e

capacidade de retenção de água dependem da quantidade de MO presente. A

permeabilidade de água em dois solos de idênticas composição mineral e

distribuição granulométrica é geralmente maior em solos com alta quantidade

de húmus.

Em climas tropicais e subtropicais, a MO é crucial para a produtividade

do solo e sua quantidade depende de quão intenso é o seu manejo. Nesses

tipos de clima a taxa de decomposição da MO é bastante elevada, cerca de

cinco vezes mais rápida quando comparada à de regiões temperadas.

A MO é, atualmente, vista como o fator mais importante no

desenvolvimento e manejo do solo, afetando sua qualidade e,

conseqüentemente, a sustentabilidade agrícola.

Ela é um indicativo da qualidade do solo, por ser provedora de

nutrientes, e proporcionar condições de mudanças estruturais no solo, além de

promover e sustentar a atividade biológica. No conceito de MO do solo deve-se

considerar o grau de humificação, os compostos biologicamente ativos, o teor

de material compostado, os restos de plantas, e os organismos vivos e mortos.

Este material é responsável pela sustentabilidade de muitos agrossistemas

porque torna o solo resiliente e elástico.

A MO do solo é, portanto, o componente-chave de qualquer ecossistema

terrestre, e qualquer variação na abundância e composição desta perfaz

importantes efeitos na dinâmica que ocorre entre os sistemas de

armazenamento de C. Na busca de melhores condições para o cultivo do solo,

a reposição da MO é um passo de extrema importância. Assim, várias técnicas

têm sido aplicadas com tal intuito.

A substituição das tradicionais queimadas por cultivos pelo corte tem

sido uma técnica bastante utilizada em muitas partes do mundo. Como

exemplo disto, podem-se citar as plantações no semi-árido Nordeste Brasileiro.

Quando das queimadas, a incorporação das cinzas concentra a quantidade de

Ca e Mg, mas reduz a quantidade de N em 70 % da quantidade inicial. As

cinzas são fortemente alcalinas com pH por volta de 10, causando, com isso,

aumento do pH do solo, além do aumento de cátions trocáveis e da saturação

de bases. Mas quando substituídas as queimadas por cortes, há mineralização

tanto das raízes, como das partes aéreas dos vegetais, ocasionando um

aumento da quantidade de MO após o cultivo e, com isso ocorre um aumento

de nutrientes, principalmente de N no solo. Muito da MO perdida durante o

manejo do solo tem sido reposta das mais variadas formas. O uso de resíduos

orgânicos como fertilizantes ou corretivos é uma alternativa atualmente

bastante usada, devido ao resultado proporcionado ao solo, e sua viabilidade

econômica. A importância de adições regulares de matéria orgânica para

aumentar a fertilidade do solo é reconhecida desde tempos pré-históricos.

2.4 O Húmus

O termo húmus data da era romana, quando era freqüentemente usado

para designar a terra como um todo. Esse termo foi mais tarde aplicado à

matéria orgânica de solos, materiais compostados e para as diferentes frações

que compõem a matéria orgânica.

Wallerius, em 1761, definiu húmus como sendo a MO decomposta.

Porém, o conhecimento que prevaleceu em relação à natureza química do

húmus e o mecanismo de sua formação eram muito vagos. Freqüentemente, o

húmus era considerado como um complexo formado no solo ou nos compostos

provenientes de resíduos de plantas, por um processo especial de humificação.

Theodore de Saussure (1767-1845) classificou o húmus como uma

substância heterogênea, constituída de vários complexos que poderiam ser

separados por inúmeros processos.

Thaer, em 1809, descobriu a relação entre as substâncias húmicas e a

nutrição de plantas. Ele também diferenciou “acid humus” ou turfa, formado

com quantidade limitada de oxigênio, e “mild humus”, formado na presença de

oxigênio em quantidade suficiente.

Liebig, no século XIX, definiu húmus como uma substância marrom,

solúvel em solução alcalina e pouco solúvel em água, formada durante a

decomposição de vegetais pela ação de ácidos ou bases.

Sprengel, em 1826 e 1837, realizou as primeiras descrições detalhadas

sobre o ácido húmico. Assim, ao ácido húmico pouco solúvel em álcali, ele

denominou de “carbono húmico”.

Berzelius, em 1839, descobriu os ácidos crênico e apocrênico, e Mulder,

em 1861 e 1862, sistematizou o material húmico segundo sua cor e sua

solubilidade em água e em soluções alcalinas.

Oden, em 1919 e 1922, sistematizou o material húmico propriamente

dito, em quatro grupos: carbono húmico, ácido húmico, ácido himatomelânico e

ácidos fúlvicos; estes últimos são considerados análogos aos ácidos crênico e

apocrênico de Berzelius.

Waksman, entre 1926 e 1933, definiu húmus como um agregado amorfo

de substâncias complexas, de coloração variando do marrom claro ao preto,

que se originam a partir da decomposição de resíduos de plantas e animais,

pela ação de microrganismos sob condições aeróbias e anaeróbias, tanto no

solo como em materiais compostados, turfas, e pântanos. Ele concluiu que as

substâncias de fácil decomposição (celulose, carboidratos e outros) têm um

papel insignificante na formação do húmus, com a fonte principal das

substâncias húmicas sendo, em primeiro lugar, a lignina dos tecidos vegetais e,

em segundo, as proteínas ressintetizadas na forma de plasma microbiano.

Quimicamente, o húmus consiste de materiais originários de plantas e

animais que passaram por um processo de decomposição, via hidrólise,

oxidação, redução e síntese por microrganismos. O húmus tem um importante

papel na formação de agregados do solo, no controle da acidez, no ciclo dos

elementos nutrientes, assim como na descontaminação de compostos

indesejáveis. O húmus compreende as biomoléculas, tais como aquelas

exemplificadas como substâncias não húmicas, e as substâncias húmicas

(SH), as quais serão tratadas com maior detalhe no item 2.6 deste capítulo. As

SH, grosso modo, são compostos de coloração escura, persistentes,

poliméricos e amorfos, diferenciados em ácidos fúlvicos, ácidos húmicos e

humina, com base em suas características de solubilidade.

2.5 A Importância do Húmus no Processo da Civiliza ção

Antigas civilizações geralmente tiveram lugar em regiões de vales e

planícies banhadas por grandes rios. Como exemplo, podem-se citar Egito, no

vale do rio Nilo, Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates, Índia, às margens

dos rios Indo e Ganges, e China, nos vales dos rios Amarelo e Azul.

Sem a presunção de uma abordagem histórica, descreve-se aqui, apenas a

título de ilustração, a importância das substâncias húmicas na fertilidade do

solo e, conseqüentemente, no processo de civilização, citando o caso do vale

do Nilo como exemplo.

A colheita era para os antigos egípcios talvez a mais importante de todas

as atividades. Os egípcios não mediam o ano pela revolução do sol, mas sim

pelo tempo necessário para a produção de uma colheita. E a colheita sempre

dependia da inundação. O Nilo era considerado mais que um rio, era um deus,

o deus Hâpi. Durante a enchente, o Nilo cobria todo o vale e corria por entre

dois desertos, transformando cidades e aldeias em ilhas, e estradas em diques.

Quatro meses após a primeira manifestação da cheia, o Nilo começava a

decrescer, retornando ao seu leito normal. Esse período de quatro meses

formava a primeira estação do ano: a inundação.

Logo que o Nilo voltava ao seu leito, a terra se deixava facilmente

trabalhar. Assim que as águas retrocediam, os camponeses espalhavam-se

pelos campos e, sem dar à terra tempo de endurecer, semeavam e lavravam.

Depois disso, durante quatro ou cinco meses, só precisavam irrigar os campos.

Então, vinha o tempo da ceifa e, após a ceifa, recolhidos os cereais, a debulha

e os outros trabalhos. Havia, então, depois da estação da inundação, a estação

da emergência das terras, perit, seguida pela estação das colheitas, chemu. Os

antigos egípcios dividiam o ano em três estações em vez de quatro. Divisão

esta baseada na lavoura, baseada, por sua vez, na emergência das águas.

Em sua origem latina, a palavra húmus significa terra, solo, chão. Porém,

seus correlatos oferecem uma série de variáveis para se pensar o significado

que húmus possui no contexto da História do ser humano.

Relacionado à palavra homo - homem, significa aquele que vive na

Terra: terráqueo. Já humo significa materiais enterrados, depositados e, no

caso de seres humanos, sepultados.

Húmus está também na raiz da palavra úmido ou húmido, como é a

escrita em Portugal - que tem ou conserva água, que alaga, e na palavra

humilde: aquele que se encontra ao nível do chão, que come o pó, ou do pó.

Húmus, por outro lado, tem uma vinculação estreita com cultus, cultivo e culto.

O cultivo e o trato do solo, sua preparação para o plantio mas, em nível

simbólico, é também o culto: a sagração da terra, principalmente como lugar

onde homo – o homem, deposita o humo – restos mortais de seus

antepassados.

A assistência aos mortos, desde as eras mais remotas da história,

“denota uma atitude para com o espírito dos antepassados”. A terra (húmus) na

qual repousam os antepassados (humo) é considerada como o solo do qual

brota a cada ano, magicamente, o sustento alimentício da comunidade. Assim,

nas palavras de Bosi, “cultus é o sinal de que a sociedade que produziu seu

alimento já tem memória” e constrói cultura, no sentido “de uma consciência

grupal, operosa e operante que desentranha da vida presente, os planos para o

futuro”. A cultura possui uma dimensão de projeto. Projeto de vida, baseado em

valores antigos e em suas constantes atualizações no presente.

A busca do significado das palavras em suas origens, nos obriga a

refletir sobre o significado de nossas relações atuais com o solo, o chão.

Inicialmente, que perdemos nossa humildade diante da terra, a que fornece

alimento e onde sepultamos os antepassados; depois, que esquecemos a

dinâmica que nos mantém vivos: a matéria que repousa e se transforma pela

ação da umidade doa, pródiga, o que nos faz sobreviver e, acima de tudo, onde

o culto e o cultivo da terra podem gerar uma cultura, um projeto de vida que, ao

se sedimentar, transforma. O humo depositado transforma-se em húmus; o

húmus sustenta o homo; o homem pratica o culto, repõe o humo, reforça o

solo, lavra e louva a terra à qual pertence, de onde provém e para onde voltará.

O que se observa, porém, é que a retirada do humo – MO – nem sempre é

compensada pela sua reposição. Daí, a necessidade da incorporação de

resíduos orgânicos ao solo.

No conhecimento dos benefícios da utilização do húmus encontra-se,

pois, a expressão de um processo no qual natureza e cultura convergem para a

perpetuação das práticas que levam à manutenção da vida, sua expressão

através dos ciclos naturais de nascimento, crescimento e morte, bem como do

trabalho humano que, ao se apropriar dos métodos de fazer o solo gerar,

mantém a natureza e cultura em estreito e significante convívio.

2.6 Substâncias Húmicas

2.6.1 Conceito e Modelos

A matéria orgânica de solos, bem como de águas naturais, sedimentos,

turfas e produtos de compostagem, incluindo o vermicomposto, é constituída

basicamente de substâncias húmicas e substâncias não húmicas.

As substâncias não húmicas (proteínas, aminoácidos, carboidratos,

ácidos orgânicos, entre outras) pertencem a grupos bem conhecidos e

possuem características físicas e químicas bem definidas. Geralmente

correspondem aos compostos mais facilmente degradados por

microrganismos, tendo, normalmente, tempo mais curto de vida no ambiente.

As substâncias húmicas, por sua vez, são macromoléculas ou estruturas

supramoleculares, com massa molecular e estrutura variáveis. São produtos de

degradação química e microbiológica de resíduos de animais e plantas. A

Figura 2.1 apresenta esquematicamente a distribuição da matéria orgânica no

ambiente.

Solo

Matéria inorgânica Matéria orgânica

Materiais quimicamenteHúmus

Substâncias não húmicas Substâncias húmicas

Ácidos fúlvicosÁcidos húmicos Humina

Ambiente

inalterados

Figura 2.1 - Distribuição ambiental da matéria orgânica do solo.

As SH são constituídas de uma mistura heterogênea de compostos, em

que cada fração (ácidos húmicos, ácidos fúlvicos e humina) deve ser

considerada como sendo constítuída de uma série de moléculas de tamanhos

diferentes. A maioria delas não possui a mesma conFiguração estrutural ou

grupos reativos na mesma posição. Os ácidos húmicos (AH) constituem a

fração das SH solúvel em meio alcalino, que precipita após acidificação. Os

ácidos fúlvicos (AF) permanecem em solução quando o meio é acidificado e a

humina é a fração insolúvel tanto em ácido quanto em álcali diluídos. Dos AH,

fração mais abundante das SH, pode ser extraído o ácido himatomelânico, que

é a parte dos AH solúvel em álcool.

A divisão das SH em AH, AF e humina é uma classificação operacional

que leva em conta apenas o aspecto de solubilidade em solução aquosa e não

as propriedades inerentes a essas substâncias.

As SH são definidas na literatura de maneiras bem diversas, em função

de suas múltiplas características e de sua natureza heterogênea e bem

complexa. Assim, enquanto algumas definições colocam em evidência a

natureza polimérica das SH, outras utilizam sua coloração escura como

característica, embora a coloração escura não seja, necessariamente, uma

característica do húmus. Outras definições colocam em evidência aspectos de

natureza química, como predominância de estruturas aromáticas, grupos

nitrogenados ou caráter ácido. Essa variedade de definições é conseqüência

da natureza complexa das SH e principalmente devido ao fato destas

substâncias não constituírem uma classe definida de compostos, mas um

grupo dinâmico de compostos heterogêneos que mudam constantemente com

o tempo e conjuntura ambiental. Pode-se, também, atribuir essa variedade de

definições ao fato de que as SH são estudadas por pesquisadores com

formações diversas como: químicos, físicos, biólogos, geólogos, agrônomos,

geógrafos, arquitetos etc. Naturalmente, esses pesquisadores interessam-se

por diferentes aspectos de seu objeto de estudo - as SH.

Em síntese, pode-se conceituar SH como aquela parte da MO ou,

particularmente, do húmus que, após várias transformações, permanece no

ambiente, consistindo de uma mistura heterogênea, polifuncional, sem

características químicas e físicas definidas e em diferentes graus de

polidispersão.

A variedade de materiais de origem e o grande número de caminhos

reacionais possíveis para a formação do húmus são a razão para as

dificuldades na sugestão de uma estrutura precisa para os AH e AF. As SH

variam em composição, dependendo da sua origem, do método de extração e

de outros parâmetros. Entretanto, as similaridades entre diversas SH são mais

pronunciadas que suas diferenças. São essas semelhanças que permitem a

classificação das SH em categorias com base em sua solubilidade em meio

aquoso: AH, AF e humina.

As SH são onipresentes no ambiente, sendo encontradas em solos,

sedimentos e nos sistemas aquáticos.

1 Substâncias Húmicas - Considerações Iniciais

A matéria orgânica existente em solos, turfas, sedimentos e águas

naturais é um sistema complexo, constituído por de várias substâncias de

diversas naturezas em contínua transformação, sob a ação de fatores físicos,

químicos e biológicos.

O ataque inicial aos materiais orgânicos é promovido por

formigas, cupins, oligoquetas e outros representantes da mesofauna. Em

seguida, ocorrem transformações promovidas por diversos microrganismos. A

fase inicial da biodegradação microbiana é caracterizada pela perda rápida dos

compostos orgânicos menos recalcitrantes, como açúcares, aminoácidos,

proteínas, amido e celulose, nos quais as bactérias são especialmente ativas.

Na fase subseqüente, produtos orgânicos intermediários e protoplasma

microbiano recentemente formado são biodegradados por uma variedade maior

de microrganismos com produção de nova biomassa e liberação de gás

carbônico. O estágio final é caracterizado pela decomposição gradual de

compostos mais resistentes, exercida pela atividade de actinomicetos e fungos

(Stevenson, 1994 ).

O material originado de todas essas transformações pode ser

dividido em dois grandes grupos. O primeiro, denominado genericamente de

substâncias não húmicas , é constituído por proteínas, aminoácidos,

polissacarídeos, ácidos graxos e outras substâncias químicas. O segundo,

denominado de substâncias húmicas (SH) , origina-se da oxidação e

subseqüente polimerização da matéria orgânica. Esse último grupo apresenta-

se como uma mistura heterogênea de moléculas polidispersas com elevadas

massas moleculares e grupos funcionais distintos, sendo responsáveis por

vários processos naturais (Stevenson, 1994 ).

Com base nas suas solubilidades em meio aquoso, as SH são

usualmente classificadas em:

• ácidos fúlvicos (AF) : fração solúvel em meios alcalino e ácido;

• ácidos húmicos (AH) : fração solúvel em meio alcalino e insolúvel em meio

ácido;

• humina : fração insolúvel em qualquer intervalo de pH.

Dos ácidos húmicos, pode ser extraído o ácido himatomelânico,

que é a fração solúvel em álcool (Rezende, 1999 ).

Embora as propriedades fertilizantes das SH sejam conhecidas

desde os antigos egípcios, seu estudo iniciou-se no fim do século XVIII, com o

trabalho pioneiro de Achard, em 1786. Achard dissolveu turfas em solventes

alcalinos, obtendo uma solução escura que precipitava por ação de ácidos. Ao

material solúvel em álcali e insolúvel em meio ácido, foram dados diversos

nomes, até chegar a ácido húmico, utlizado atualmente (Stevenson, 1985 ). A

Saussure é creditada a introdução do termo “húmus”, em 1804, para designar o

componente escuro da matéria orgânica do solo, e a Döbereiner, em 1822, o

termo “ácido húmus”. Já a origem do termo “ácido húmico” não é precisa, mas

já era comum no tempo de Berzelius (1839).

As SH desempenham um papel importante no meio ambiente por

diversas razões. Nos solos e sedimentos, por exemplo, elas contribuem para a

retenção de calor (devido à sua coloração escura), estimulando dessa maneira

a germinação de sementes e o desenvolvimento de raízes. Além disso, as SH

favorecem a aeração do solo, devido aos agregados oriundos de suas

combinações com argilas, e atuam contra a erosão, pois evitam o escoamento

devido à sua alta capacidade de retenção de água. Em ambientes aquáticos,

as SH governam a produtividade primária, estimulando o crescimento do

fitoplâncton, além de participarem de reações fotoquímicas em águas

superficiais.

A presença de grupos funcionais distintos, tais como carboxilas,

hidroxilas fenólicas e carbonilas, faz com que as SH assumam um

comportamento polieletrolítico e atuem como agentes complexantes de vários

íons metálicos (Rocha e Rosa, 2003 ), além de adsorverem diversos poluentes

orgânicos, como pesticidas (Messias, 1998 ), diminuindo as concentrações

desses materiais no ambiente.

2 Origem e Formação das Substâncias Húmicas

Existem pelo menos quatro vias principais (figura 1 ) pelas quais

as SH podem ser formadas durante a decomposição da matéria orgânica

(Stevenson, 1994 ).

FIGURA 1 - Mecanismos de formação das substâncias húmicas (adaptado de

Stevenson, 1994 ).

A teoria de formação de SH a partir de açúcares (teoria da

condensação amino-açúcar – via 1 da figura 1 ) é, talvez, a mais antiga.

Maillard, em 1916, acreditava que as SH eram produtos da reação

exclusivamente química entre açúcares redutores e aminoácidos (estes sim

originados da atividade microbiana). Esse autor, inclusive, sintetizava

compostos de coloração escura “semelhantes às substâncias húmicas”. Surge,

então, o conceito de humificação, que considera que a formação das SH deve-

se à decomposição microbiológica da matéria orgânica.

Em 1921, Fischer e Schrader postularam uma nova teoria na qual

se preconizava que as SH seriam essencialmente ligninas parcialmente

modificadas (via 4 da figura 1 ). A lignina (figura 2 ) é um biopolímero de

estrutura complexa, formado pela combinação de unidades fenilpropanóides

(álcoois coniferílico, cumárico e sinapílico) com outras subunidades, tais como

éter guaiacilglicerol-β-coniferílico, álcool diidroconiferílico, pinorresinol e

dibenzodioxocina.

De acordo com Stevenson (1994) , as vias 2 e 3 da figura 1

formam as bases da chamada teoria dos polifenóis. Essas duas vias são muito

semelhantes, diferindo apenas na fonte de polifenóis. Na via 2, os polifenóis

originam-se de fontes de carbono não lignínicas ou são sintetizados por

microrganismos específicos. Na via 3, a fonte de polifenóis é a lignina. Os

aldeídos e ácidos fenólicos, originados a partir da degradação parcial do

biopolímero, podem sofrer recombinações entre si ou com outras moléculas

orgânicas convertendo-se em quinonas. Essas quinonas poderiam sofrer

reações de condensação com a amônia e outros compostos nitrogenados,

como aminoácidos e proteínas, originando, dessa forma, as substâncias

húmicas.

OH

OCH3

O

HO

O

H3CO

O

HO

HO

OCH3

O

O

OCH3

O

OHHO

O

OCH3

OO

OH

H3CO

O

HO

O

O

OH

OH

OCH3

OCH3

O

OCH3

HO

HO

H3CO

O

O

OCH3

O

HO

HO

O

O

H3CO

OH

FIGURA 2 - Estrutura parcial de uma lignina, evidenciando algumas das

principais subunidades: éter guaiacilglicerol-β-coniferílico (em vermelho), álcool

diidroconiferílico (em azul), dibenzodioxocina (em verde) e álcool coniferílico

(em rosa) (adaptado de Giovanela, 2003 ).

3 Estrutura Molecular das Substâncias Húmicas

O esqueleto macromolecular das substâncias húmicas tem sido,

ao longo dos anos, objeto de inúmeras investigações.

Na busca de uma estrutura para essas substâncias, várias

técnicas analíticas foram e têm sido extensamente utilizadas, dentre as quais

destacam-se a análise elementar, as espectroscopias nas regiões do

infravermelho e ultravioleta-visível, a ressonância magnética nuclear de

hidrogênio e de carbono 13, a pirólise acoplada à cromatografia gasosa e à

espectrometria de massas, a cromatografia de exclusão por tamanho, a

eletroforese capilar e o espalhamento de luz, entre muitas outras.

No final do século XIX já se compreendiam as substâncias

húmicas como uma mistura complexa de substâncias orgânicas com natureza

principalmente coloidal e com propriedades fracamente ácidas. Também, já

havia informações a respeito da sua interação com outros componentes do

solo.

Uma estrutura das substâncias húmicas muito popular foi

proposta por Fuchs em 1931 (figura 3 ). Em 1948, Dragunov propôs que as

substâncias húmicas eram constituídas de anéis aromáticos substituídos por

grupos hidroxilas e quinonas, sendo os anéis aromáticos ligados por grupos –

CH2O– e –CN. Carboidratos e peptídeos estariam ligados aos C que uniam os

anéis aromáticos e a grupos CH2 ligados diretamente aos anéis (figura 4 ). O

modelo de Flaig de 1964 (figura 5 ) continha anéis aromáticos e quinonas

substituídas por grupos hidroxilas, carboxilas e metoxilas.

O

O O

OCH3

H

OH

OH

HO

HO OH

COOHCOOH

HO

COOH

COOHHOOC

FIGURA 3 - Modelo de ácido húmico proposto por Fuchs, em 1931 (adaptado

de Stevenson, 1985 ).

H2C OO

O

HO CH2

COOH

H3CO

HC

O

C6H11O5

H2C

N

O

H2C

N

O

HC

OH

H2C

HO

CH2

OCHN C8H16O3N

H2C OO O

O

OH

FIGURA 4 - Modelo de ácido húmico proposto por Dragunov, em 1948

(adaptado de Stevenson, 1985 ).

C3HN

COOH

COOH

OH

OH

OH

H2C

O

Ar

HO

HO

OH

HO

O

O

O

O

OCH3

CH2

O

Ar

HO

OH

HO

OH O

OH

O

FIGURA 5 - Modelo de ácido húmico proposto por Flaig, em 1964 (adaptado de

Stevenson, 1985 ).

No modelo proposto por Kleinhempel em 1970 (figura 6 ), os

núcleos aromáticos seriam conectados por átomos de O, N e outras “pontes”,

enquanto polissacarídeos e peptídeos estariam presentes como estruturas

lineares. Nesse modelo mostrou-se o papel de cátions polivalentes, como Fe2+,

na associação entre substâncias húmicas e a porção mineral do solo. O

modelo proposto por Stevenson em 1982 (figura 7 ) mostra a presença de

ligações de hidrogênio e de estruturas do tipo quinona e indica a ocorrência de

resíduos de carboidratos e proteínas.

FIGURA 6 - Modelo de ácido húmico e de associação de ácido húmico com

argila e íons metálicos proposto por Kleinhempel, em 1970 (adaptado de

Novotny, 2002 ).

COOH

HO

OH

COOH

O

OH

HO

N

CHR

COOH

O

O OH

CH

HC

O

C

HC

HC

O

O

O

N

H2C

O

O

OH

O

OH

COOH

COOH

O OH

O

O

NH

CHR

C O

NH

FIGURA 7 - Modelo de ácido húmico proposto por Stevenson, em 1982

(adaptado de Stevenson, 1985 ).

Até meados da década de 90, a maioria dos pesquisadores

acreditava que as SH eram constituídas essencialmente de centros aromáticos

policondensados com alto grau de substituição. Contudo, graças

principalmente aos dados obtidos por espectroscopia de ressonância

magnética nuclear de carbono-13 (13C-NMR), verificou-se que o grau de

aromaticidade seria muito menor do que o esperado.

No início da década de 90, Schulten et al. (1991) apresentaram

um esqueleto carbônico de ácidos húmicos baseado em experimentos de

pirólise acoplada a um espectrômetro de massas com ionização branda (Py-

FIMS) e a um sistema de cromatografia gasosa e espectrometria de massas

com bombardeamento de elétrons (Py-GC/MS), a partir dos quais foram

identificados e quantificados os produtos térmicos. Dois anos depois, eles

apresentaram um modelo completo (com as funções oxigenadas e

nitrogenadas) dos AH (Schulten e Schnitzer, 1993; Schulten e Schnitzer,

1997). Esse modelo apresentou uma nova concepção de modelo estrutural

para AH, ao enfocar um número significativo de porções alifáticas (figura 8 ).

OH

OHO

O

HO O

N

O

OH

O

O

OHO

OH

OHOH

O

OH

O

O

OH

OCH3

O

OH

O

OH

OO

OH

OH

OHO

HO

OHO HO OOH

O

OH

O

OOHO

O

OH

O OH

OHO

OH

OH

O

O OH

HO

O

C N

OH

O

OHOHO

OH

O

HO

OH

O

OHO

O

O

O

OH

O

HO

OHOHO

O

OH

NH

O

OH

O

OH

(CH3)0-5

CH2OH

(CH3)0-5

(CH3)0-2

(CH3)0-3

HO

(CH3)0-2

(CH3)0-2

C N

(CH3)0-3(CH3)0-4

(CH3)0-4

(CH3)0-2

HO

HO

NH

HO

FIGURA 8 - Modelo de ácido húmico proposto por Schulten e Schnitzer

(1993).

Em 1995, esses mesmos pesquisadores apresentaram a estrutura

tridimensional (figura 9 ) do modelo que haviam proposto em 1993 (Schulten,

1995; Schulten e Schnitzer, 1995 ). Eles puderam constatar que o modelo em

questão, otimizado através de cálculos matemáticos, apresentava uma série de

espaços vazios de diferentes tamanhos. Esses espaços poderiam alojar outros

compostos orgânicos, hidrofílicos ou hidrofóbicos, tais como carboidratos,

lipídios, pesticidas e outros poluentes. Poderiam, também, estar presentes

compostos inorgânicos como argilas e oxi-hidróxidos.

FIGURA 9 - Modelo tridimensional de ácido húmico proposto por Schulten e

Schnitzer (1997) , evidenciando os átomos de carbono (em azul), hidrogênio

(em branco), oxigênio (em vermelho) e nitrogênio (em azul escuro); as letras A,

B e C indicam os espaços vazios presentes na estrutura.

Pouco se tem estudado sobre as estruturas primárias e

secundárias dos chamados “building blocks (BB)”, que seriam monômeros bem

definidos resultantes da biodegradação dos AH (Jansen et al., 1996). A figura

10 mostra dois modelos de BB – modelo de Steelink e modelo TNB (Temple -

Northeastern - Birmingham) – ambos com diversos centros quirais (Sein Jr. et

al., 1999). ;A partir desses modelos foram obtidas diversas conformações

isoméricas. Utilizando-se cálculos semi-empíricos e o programa computacional

HyperChem®, foram determinados os valores de energia dos 64 pares de

enantiômeros. A figura 11 mostra o estereoisômero do modelo de Steelink com

mais baixa energia. Essa configuração (RSSRSSR ou SRRSRRS) é cerca de 2

a 4 kcal mol-1 mais estável que as espécies de menor energia subseqüentes.

Esse isômero é estabilizado por forças de Van der Waals entre 2 anéis

empilhados.

FIGURA 10 - Estrutura molecular dos modelos de Steelink (a) e TNB (b) para

os monômeros de AH, destacando (com círculos) os centros quirais (adaptado

de Sein Jr. et al., 1999).

FIGURA 11 - Modelo de Steelink de monômero de AH com mais baixa energia.

Os átomos de carbono estão representados em cinza claro, e os de oxigênio

em preto (os átomos de hidrogênio não estão representados) (adaptado de

Sein Jr. et al., 1999).

Devido à enorme heterogeneidade química e polidispersão dos

AH, o conhecimento de suas estruturas químicas e dos valores absolutos de

massa molecular desses compostos pode ser inadequado. Assim, dados da

literatura sugerem que os valores de massa molecular dos AH podem variar de

500 a 106 daltons (Stevenson, 1994 ). Esse grande intervalo pode ser

explicado, além das diferentes origens dos AH, pelas diversas técnicas

utilizadas para medir essas massas e a falta de um padrão de composição e

massa molecular conhecidas.

O conceito de polidispersão e heterogeneidade das SH pode ser

explicado pela polimerização, através de ligações covalentes, de estruturas

monoméricas, em processos de condensação e oxidação. Essa descrição de

estrutura macromolecular das SH foi inicialmente criticada por Wershaw. Ele

propôs que as SH em solução formam agregados de moléculas anfifílicas

(Wershaw, 1993 ). Esses agregados seriam unidos, não por ligações

covalentes, mas sim por ligações mais fracas, como ligações de hidrogênio e

interações hidrofóbicas. Os AH formariam, então, micelas, nas quais a parte

interna seria composta por porções hidrofóbicas e a superfície por

componentes altamente carregados.

O maior defensor dessa nova interpretação da estrutura das SH

foi Piccolo. Por meio de experimentos de cromatografia de exclusão por

tamanho (SEC) e utilizando ácido acético, cujas propriedades anfifílicas

tornam-no apto a interagir com as partes hidrofílicas e hidrofóbicas das SH, ele

concluiu que as SH seriam formadas por moléculas relativamente pequenas

ligadas por ligações de hidrogênio e forças de Van der Waals. Ou seja, as SH

teriam uma estrutura denominada supramolecular (Conte e Piccolo, 1999;

Piccolo e Conte, 2000; Piccolo, 2001 ).

De acordo com esse modelo, os ácidos fúlvicos seriam formados

por pequenas micelas estáveis que permaneceriam dispersas pela repulsão

das cargas negativas originadas da dissociação da grande quantidade de

grupos ácidos presentes na sua estrutura. As micelas de ácidos húmicos, por

outro lado, por apresentarem uma menor quantidade de grupos funcionais

ácidos, poderiam aproximar-se o suficiente para formar agregados de elevada

massa molecular (Hayes e Clapp, 2001; Wershaw, 1993 ).

2.6.3 A Importância Ambiental das Substâncias Húmi cas

As SH desempenham um papel importante no ambiente devido a várias

características. Uma delas é ajudar na germinação de sementes, pois, graças à

coloração tipicamente escura que possuem, aumentam a retenção de calor

pelo solo. Devido à alta capacidade de retenção de água, até vinte vezes a sua

massa, as SH evitam o escoamento, protegendo, assim, o solo contra a

erosão. Ao combinarem-se com argilas, cimentam partículas do solo em

agregados e permitem a troca de gases, aumentando a permeabilidade do

mesmo. A decomposição da MO produz NH4+, NO3

-, H2PO4- e HPO4

2- que são

nutrientes importantes para o crescimento das plantas. A MO também participa

do transporte e conseqüente lixiviação e/ou acumulação de íons metálicos

presentes em solos e águas, formando quelatos de diferentes estabilidades,

tornando-os disponíveis para as plantas.

O crescimento de plantas é governado, principalmente, pela nutrição

mineral, suprimento de água e ar às raízes, conteúdo de MO, bem como pelas

condições ambientais tais como iluminação e temperatura.

A MO pode afetar a fertilidade do solo através de vários mecanismos: (i)

suprimento de minerais, principalmente nitrogênio, fósforo, potássio e

micronutrientes para as raízes; (ii) alteração da estrutura do solo, tornando-o

mais poroso, melhorando, conseqüentemente, a relação água-ar na rizosfera;

(iii) aumento na população microbiana, incluindo microrganismos benéficos; (iv)

aumento da capacidade de troca catiônica e da capacidade tamponante do

solo e (v) suprimento de SH que servem como carregadores de micronutrientes

ou fatores de crescimento.

Nas regiões tropicais úmidas, a tendência à perda de bases é mais

pronunciada e as cargas negativas do complexo coloidal, inicialmente livres,

passam a ser saturadas por H3O+ da solução lixiviadora. De um modo geral, os

solos brasileiros são ácidos. No estado de São Paulo, a maior parte dos solos

cultiváveis, 87 %, apresenta pH < 6,0, sendo que pouco menos que a metade,

47 %, tem problemas sérios com acidez, com o comprometimento da

fertilidade. De modo geral, um solo com pH em torno de 6,5 é o mais adequado

para todos os tipos de cultura. Considerando-se como exemplo a

disponibilidade de elementos essenciais às plantas, à medida em que o pH de

um solo se eleva, os íons alumínio, ferro, manganês, cobre e zinco tornam-se

menos solúveis. Em solos ácidos esses íons podem ser encontrados em

quantidades potencialmente tóxicas às plantas. Neutralizando-se o solo,

promove-se a formação de óxidos e hidróxidos inertes, minimizando-se a

toxicidade desses íons metálicos. No entanto, aumentando-se muito o pH do

solo, a solubilidade desses íons pode diminuir a ponto de comprometer o

crescimento das plantas devido à deficiência de nutrientes.

Devido à umidade e ao calor, a atividade microbiana é mais intensa em

solos tropicais e subtropicais. Essa característica, aliada a valores menores de

pH, confere às SH aí presentes propriedades fertilizantes e capacidade de

interação com cátions metálicos e com pesticidas diversas daquelas

observadas em solos temperados.

Estudos dos efeitos das SH no crescimento das plantas, sob condições

de nutrição mineral adequada, mostraram efeitos positivos na biomassa

vegetal. O estímulo ao crescimento das raízes é, geralmente, mais aparente

que o estímulo ao crescimento de brotos. A pulverização das folhas também

pode aumentar o crescimento de raízes e brotos. Esses efeitos estimulantes

das SH têm sido correlacionados com o aumento na absorção de

macronutrientes. As SH podem complexar cátions de metais de transição, o

que algumas vezes resulta em aumento da absorção e, em outras, em

competição com as raízes. Efeitos tóxicos nas plantas são reduzidos devido ao

efeito da interação desses íons com componentes insolúveis do solo. Por outro

lado, a solubilização dos nutrientes presentes em formas inorgânicas poderia

ser o principal fator na promoção do crescimento de plantas pelas SH. A

mesma situação poderia ser aplicada a soluções nutrientes nas quais a

solubilidade da maioria dos nutrientes é limitada. A presença de SH no solo ou

na solução nutriente poderia contribuir para o aumento da disponibilidade dos

elementos, estimulando o crescimento além daquele proporcionado pelos

nutrientes minerais.