música brasileira i cmu 322 módulo xii a Ópera nacional e a Ópera lírica nacional prof....
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Música Brasileira ICMU 322
Módulo XII
A Ópera Nacional e a Ópera Lírica Nacional
Prof. Diósnio Machado Neto
A literatura e o ideário romântico • Após a independência, despontam a prosa patriótica, o ensaio político e o sermão
nacionalista– Ainda que não foram esteticamente significativos, foi para a definição da consciência
nacional. – Neste momento, o dado mais importante é a definição de que existe, ou deveria
existir, uma literatura portuguesa e outra, brasileira. • Abundaram no momento da fundação do Império os jornais e panfletos políticos
ou simplesmente facciosos – Mais do que idéias, esses periódicos representavam as paixões do momento e lhes
traziam no estilo os ardores e violências. • Escritores brasileiros começaram a enfatizar a liberdade individual, o
subjetivismo, e uma preocupação com os assuntos sociais.• Na música vigora ainda o sentido clássico
– Marcos Portugal traz a ópera Napolitana– Sigismund Neukomm, que viveu no Brasil de 1816 a 1821, era um exemplo claro da
transição do classicismo vienense para a expressividade romântica. • Neukomm foi professor de D. Pedro I e, segundo as própria palavras, de Francisco Manuel da
Silva • Reconhece a força criativa do padre José Maurício • Em seu catálogo constam várias transcrições de compositores do período romântico inicial,
como Hummel
Gonçalves de Magalhães (1811 – 1882)• Em 1836, o ideário romântico nacionalista é
sistematizado na literatura de Domingos José Gonçalves de Magalhães
• Lança junto com Manuel de Araújo Porto Alegre a Revista Nitheroy, com apoio de D. Pedro I. – Circulam apenas dois números, em Paris.
• Exalta a Revolução Francesa • Magalhães diz que a cultura brasileira havia
começado a delinear-se ainda no século XVI– O regime colonial prejudicou o desenvolvimento dessa
cultura. – A destruição da cultura indígena impossibilitou uma
contribuição decisiva para a formação da cultura nacional (daqui parte o indianismo
– A natureza brasileira seria altamente propícia ao gênio criativo
• Independência do Brasil seria um fator preponderante para a afirmação de uma cultura brasileira.
Discurso sobre a história da literatura no Brasil - 1836
• A poesia brasileira não é uma indígena civilizada; é uma grega vestida à francesa e à portuguesa, e climatizada no Brasil; é uma virgem do Hélicon que, peregrinando pelo mundo, estragou seu manto, talhado pelas mãos de Homero, e sentada à sombra das palmeiras da América, se apraz ainda com as reminiscências da pátria, cuida ouvir o doce murmúrio da castalha, o trépido sussurro do London e do Ismeno, e toma por um rouxinol o sabiá que gorjeia entre os galhos da laranjeira. Enfeitiçados por esse nume sedutor, por essa bela estrangeira, os poetas brasileiros se deixaram levar por seus cânticos, e olvidaram a simples imagem que uma natureza virgem com tanta profusão lhes oferecia. Semelhante à Armida de Tasso, cujo beleza, artifícios e doces palavras atraíram e desorientaram os principais guerreiros do exército cristão de Gofredo. É rica a mitologia, são belíssimas as suas ficções, mas à força de serem repetidas e copiadas vão sensivelmente desmerecendo; além de que, como o pássaro da fábula, despimos nossas plumas para nos apavonar com velhas galas, que nos não pertencem. Em poesia requer-se mais que tudo invenção, gênio e novidade; repetidas imitações o espírito esterilizam, como a muita arte e preceitos tolhem e sufocam o gênio. As primeiras verdades da ciência, como os mais belos ornamentos da poesia, quando a todos pertencem, a ninguém honram. O que mais dá realce e nomeada a alguns dos nossos poetas não é certamente o uso dessas cediças fábulas, mas sim outras belezas naturais, não colhidas nos livros, e que só o céu da pátria lhes inspirará. Tão grande foi a influência que sobre o engenho brasileiro exerceu a grega mitologia, transportada pelos poetas portugueses, que muitas vezes poetas brasileiros se metamorfoseiam em pastores da Arcádia, e vão apascentar seus rebanhos imaginários nas margens do Tejo, e cantar à sombra das faias.
Manuel de Araújo Porto Alegre (1806 – 1879)
• Manuel de Araújo Porto Alegre contribui dentro do ideário romântico da época com dois gestos:
– Escreve um artigo na mesma Revista Nictheroi (nº1) – “Idéias sobre a música” – onde destaca os dois pólos musicais do Brasil:
– Bahia, onde predomina o lundum– Minas Gerais, onde impera a Bahia– Preserva a obra do padre José Maurício, e que mais tarde despertou o
interesse do Visconde de Taunay, fazendo a primeira biografia de um músico brasileiro.
• Importante fomentador cultural– Atua como intermediador de companhias de ópera– Em 1840 é nomeado pintor da Capela Imperial.
• Aluno de Debret.– Em 1859, é nomeado embaixador em Berlim
• Diminui a atividade artística• Sogro de Pedro Américo
• No entanto, o romantismo extrapola o mero anuncio do nacionalismo– Promove novas configurações institucionais.– Propõem novos programas poéticos correspondentes às transformações
sócio-culturais de uma nação emergente.
Arte no Império Vitor Meireles, Pedro Américo, Taunay, Porto
Alegre, Rugendas
Pedro Américo
A ópera italiana• A vida musical nos anos seguintes à Independência centralizou-se ao redor das
óperas apresentadas no Real Teatro São João – São Pedro de Alcântara. – Em 12 de outubro de 1813, aniversário do futuro imperador D. Pedro, era
inaugurado o teatro com O juramento de Numes, poema de Gastão Fausto da Câmara e música de Marcos Portugal.
– Tinha capacidade para 1200 lugares, incendiou-se em 1824. Após ser reconstruído, em 1826, passou a se chamar Imperial Teatro São Pedro de Alcântara
– Em 1822 apresentaram-se as seguintes óperas:• Don Giovanni; Barbeiro de Sevilha, A Italiana em Argel; Cenerentola
– Após 22, predominam as obras de Rossini– Somente em 1844 é executada a ópera Norma de Bellini e o Elixir de Amor, de
Donizette.• Ambos compositores passam a ser a preferência do público• O modelo musical de Norma tornou-se modelo até para os compositores de modinhas.
– Francisco Manuel da Silva faz arranjos de toda a ópera para mezzo-soprano e piano, com letra em italiano e português
• Somente em 1845 foram realizadas 11 récitas. No ano seguinte, mais 10. Somente Safo, de Paccini, pôde concorrer com a obra de Bellini.
– Consagra a cantora italiana Augusta Candiani. Febre estudantil pela prima-dona.
• 1846 – a primeira audição de Verdi– Apresentou-se Ernani, obra composta em 1844.
O projeto do canto em português• Antecedentes
– Modinhas• Desde meados da década de 1830, mais do que qualquer peça importada, eram as modinhas que davam lucro aos
editores. – Modinhas eram cantadas nas casas da burguesia e da aristocracia brasileira, muitas vezes com textos de poetas de
renome.– As árias de óperas traduzidas para o português foram chamadas de modinhas
– Os ideais de uma arte nacional• Manuel de Araújo Porto-alegre
• Rafael Coelho Machado– Músico português que chegou ao Brasil em 1835
• Publicou o primeiro dicionário musical no Brasil (1842)• Importante professor no Rio de Janeiro
– Ensinou canto, piano, composição e órgão– Traduz inúmeros tratados para instrumentos como piano, flauta, violino e violão.– Escreveu vários tratados teóricos e práticos
• Método de órgão, “para afinar piano”, método para oficleide, “elementos de escrituração musical” etc– Fundou uma revendedora de pianos e uma editora musical– Recebeu a comenda “Cavaleiro da Rosa”, a mesma que ganhou Carlos Gomes
• A sua coleção de oito modinhas Saudades da Norma, de 1845, foi o seu primeiro sucesso nas adaptações da música de Bellini e outros mestres italianos à poesia nativa, e foi esta coleção que motivou as primeiras discussões sobre o uso do português e a sua adaptação à melodia operística.
– Em 1852, no seu texto Breve Tratado de Harmonia surge a primeira manifestação formal sobre o canto em português.
• O texto consistia na apresentação dos princípios básicos da harmonia e do contraponto• No capítulo “Da poesia em música”, Coelho Machado insiste no uso do português em canções.
– Refletia as preocupações já latentes nas décadas de 1830 e 1840: a necessidade de colocar-se corretamente música nos textos em português, enfatizando a associação música/idioma nacional
“...cantam em língua estrangeira, sem saberem os
significado das palavras...” • A observação de Rafael Coelho Machado está nas diretrizes apontadas por
Magalhães na Revista Nitheroy, de 1834– ...muito maior [absurdo] [do que cantar em idioma estranho] o será compor em idioma
estranho...é notável que cantando todas as nações em seus próprios idiomas, só a nossa se conservasse até certo ponto na trivialidade das modinhas e lunduns, como se ela não fora muito e muito adequada ao canto...Depois da língua italiana, a que mais se presta ao canto é incontestavelmente a portuguesa...Mas para compor em português é preciso nos barbarismos de toda a espécie, semeados em uma grande parte nas composições que por aí correm...
• As regras de Machado Coelho para a composição em português– Cacofonia: deve-se evitar a junção de duas palavras, fazendo soar uma outra, que de certo não se
queria– Hiato: deve-se evitar a concorrência de muitas sílabas uníssonas, como “esperado estado; doce
laço enlaço”– Deve-se fugir de prolongar as sílabas que acabam em e, i, u por serem mal soantes e não se
prestarem à livre emissão do som– Prosódia: deve procurar-se o mais possível não fazer das breves longas e vice versa, e dar a
maior naturalidade que possa ser à pronuncia das palavras, de maneira que a prosódia se conserve intacta, o que toma o canto sobremaneira agradável e inelegível
– Depois de ferir com força a predominante de uma palavra he permitido então demorar ou firmar a sílaba imediata, pois que já não ha receio de equívoco
O canto em português por decreto
• Em 1850, as autoridades responsáveis pelos espetáculos lítero-musicais determinavam via decreto o espaço para o canto em português
– Contrato de uma companhia ópera italiana firmado com o teatro São Pedro de Alcântara do Rio de Janeiro obrigava a apresentação de uma obra em português
• Obriga-se o empresário a fazer escrever para um dos dias de festa nacional, a cada ano, a musica e libreto de uma opera nova sobre assunto nacional, apontado pelo conservatório dramático ou pelo governo. Para outro daqueles dias uma pequena opera, cujo libreto seja escrito em idioma nacional, e posto em musica pelo mestre da companhia.
– Essa cláusula consolidava um costume já enraizado• Apresentações teatrais anteriores a 1850, envolvendo música com textos em português, subiam
regularmente aos palcos do Rio de Janeiro em festejos nacionais e tinham títulos variados, tais como: “pequena ópera”, “elogio dramático”, “cena lírica”, ‘peça alegórica”. ou “cantata alegórica”.
• Em dezembro de 1837, como parte das comemorações do aniversário do jovem imperador Pedro II foi à cena o “Elogio Dramático, de gênero romântico, ornado de maquinismo, dança e musica” intitulado O Gênio do bem ou Os Mosqueteiros de Ormuz, com texto de Araújo Porto Alegre, cenário de Joaquim Lopes de Barros Cabral, e coros e hino final de Cândido Ignácio da Silva (c.1800-1838)
– Hinos e coros em português eram regularmente inseridos em espetáculos deste tipo. • Peças alegóricas
– Comum na década de 1840– Realçavam algum aspecto de caráter nacional
• Em abril de l847, no teatro São Pedro de Alcântara, na comemoração “do feliz regresso de S. M. o Imperador”, foi representada uma típica peça alegórica: O gênio benéfico do Brasil
– Texto do Dr. Antonio José de Araújo e música do italiano Gioacchino Giannini (1817-l860), que era na época o”mestre de canto da companhia italiana.”
– O gênio benéfico do Brasil foi anunciado como uma “alegoria lírica com musica”, contava com um coro de “Amazonas e Indígenas” e com a participação de cantores/personagens incorporando o caráter da nação brasileira
Academia de Música e Ópera Nacional• Obras que antecederam a criação da Academia de Música
– Marília de Itamaracá ou Donzela da Mangueira (1854) foi uma das primeiras obras do gênero pensada em português• Obras teatrais com música e textos em português • Texto do Dr. Luis Vicente De Simoni (médico italiano) e música do alemão Adolph Maerch
– Não chegou a subir à cena. Porém a abertura foi ouvida no concerto realizado por Sigismund Thalberg, em 1855– “scena e ária de assumpto nacional” A Véspera dos Guararapes
• Com texto de Manuel de Araújo Porto Alegre e música de Giannini • Cantada no Theatro Lyrico Fluminense pelo cantor Enriko Tamberlik (1820-1889) a 27 de novembro de 1856;
– A “cena evangélica lírica” Deixai que as crianças venham a ter comigo • Com música de Giannini, também cantada em português por Tamberlik em 16 de dezembro do mesmo ano
• Em 1857, o governo imperial funda a Imperial Academia de Música e Ópera Nacional– Idealizado por José Amat
• Professor de canto espanhol– Musicou letras de Machado de Assis
• Faz sucesso com a produção de zarzuelas• A estréia de uma artista foi um êxito retumbante.
• Os sucessos de Amat levaram o governo a subvencionar suas produções com a extração de quatro loterias anuais– Conselho artístico: Francisco Manuel da Silva; Gioacchino Giannini; Araújo Porto-alegre, entre outros
• Fundamentos da Academia– Fazia parte do ideário romântico literário
• Identidade nacional vista como valorização da língua nacional• Escolha de temas históricos brasileiros
– Fase de transição• A música continua fincada na tradição italiana
– Amat, porém, promove a zarzuela – teatro cantado espanhol – como um gênero ideal para esse período de transição. Assim traduz óperas bufas e zarzuelas para o português
• Proibição por oito anos de se representar óperas líricas em língua nacional– A academia iria se preparar com cantatas– Recitais periódicos de canto em língua nacional– Composição anual de obra em língua nacional– Com o tempo promover a encenação de óperas estrangeiras em língua nacional
• Repercutem os tópicos nacionalistas que caminhará progressivamente até a valorização das músicas populares urbanas.
A “Ópera Lírica Nacional”
• A crise da Academia de Música e Ópera Nacional– Nem bem os estatutos da Academia tinham terminado (1858) e um conflito sobra a construção de um teatro para a
Academia determinou o encerramento das atividades• Amat queria que o governo imperial construísse o teatro em um terreno que fosse doado a ele
– O empresário-cantor se demite da direção da academia• Durante os 14 meses de sua duração representou 62 espetáculos• A Norma foi a ópera mais cantada
• Em 1859, recomeçariam os espetáculos líricos, agora agenciados por uma nova companhia fomentada pelo governo: a Ópera Lírica Nacional
– Amat continua na direção– Nessa nova fase, a companhia privilegiou a produção de autores brasileiros
• Em 14 de dezembro de 1860, no Teatro São Pedro de Alcântara, sobe em cena a ópera “A Noite de São João”– É a segunda montagem da companhia– O libreto é de José de Alencar e versa sobre as festas joaninas
• A história se passa no Brás colonial (SP) e trata do amor de dois jovens primos. A jovem estava destinada ao convento pelo pai e o jovem ao exército. Na noite de São João, uma cigana conta uma lenda que une os jovens.
– A música, uma pequena ópera-bufa, é do compositor ituano Elias Álvares Lobo (1834 – 1901)– A ópera foi recebida com reservas, pelas deficiências técnicas. Escreveu uma nova obra, A Louca, mas não foi à cena.
• Elias Álvares Lobo, atuante em Itú, tem uma destacada atuação como professor e regente em São Paulo• Sua formação pode ser referenciada nos alunos de Jesuíno de Monte Carmelo. Em 1860, viaja ao Rio de janeiro, onde travou
contato com Rafael Coelho Machado e Francisco Manuel da Silva• Em 1858, uma missa sua (Missa a São Pedro de Alcântara) foi executada na Capela Imperial.• Foi o idealizador da Associação dos Músicos de São Paulo, junto com o mestre-de-capela Antônio José de Almeida• Escreveu um Método de Música muito difundido no último quartel do século
– A regência da ópera esteve a cargo de um jovem músico: Antônio Carlos Gomes.• Em 1861, o jovem músico compõe A Noite do Castelo, em 1863 Joana de Flandres. No mesmo ano aparece O vagabundo de
Henrique Alves de Mesquita– Esse compositor estudou na Europa, era muito celebrado em sua época. Machado de Assis escreve crônicas a respeito de sua música– Dedica-se à música de salão e de sua autoria são os primeiros tangos-brasileiros.
• 1864 marca o término da Ópera Lírica Nacional• Entre outros fatores a pressão da burguesia local e seu ideal de transposição dos valores europeus• A execução também se via afetada pela dificuldade dos cantores estrangeiros de articularem o português.