mulherzinhas.jane austen

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MULHERZINHAS LOUISA MAY ALCOTT VERBO Clássicos Juvenis ÍNDICE I - As quatro irmãs 5 II - Feliz Natal !...... 15 III - O Baile.. 23 IV - Trabalhos 33 V - Bons vizinhos... ... 41 VI - Beth descobre um belo palácio..... ... 53 VII - O vale da humilhação de Amy..... ... 59 VIII - Jo defronta-se com Apollyon ... 63 IX - Meg na feira das vaidades.... ... 71 X - O Clube Pickwick...... 83 XI - Experiências..... ........ ... 91 XII - O acampamento Laurence.... ... 101 XIII - Castelos no ar.. ... 115 XIV - Segredos. ... 125 XV - Um telegrama.. ... 135 XVI - Despedidas....... ... 143 XVII - Abnegação....... ... 147 XVIII - Dias difíceis..... .. 155 XIX - O testamento de Amy ... 161 XX - Confidências..... .. 167 XXI - Laurie faz uma partida e Jo intervém........ 175 XXII - A tia March resolve a situação....... ... 181

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Page 1: Mulherzinhas.jane austen

MULHERZI NHAS LOUI SA MAY ALCOTT VERBO Cl ássi cos Juveni s Í NDI CE I - As quat r o i r mãs 5 I I - Fel i z Nat al ! . . . . . . 15 I I I - O Bai l e. . 23 I V - Tr abal hos 33 V - Bons vi zi nhos. . . . . . 41 VI - Bet h descobr e um bel o pal áci o. . . . . . . . 53 VI I - O val e da humi l hação de Amy. . . . . . . . 59 VI I I - Jo def r ont a- se com Apol l yon . . . 63 I X - Meg na f ei r a das vai dades. . . . . . . 71 X - O Cl ube Pi ckwi ck. . . . . . 83 XI - Exper i ênci as. . . . . . . . . . . . . . . . 91 XI I - O acampament o Laur ence. . . . . . . 101 XI I I - Cast el os no ar . . . . . 115 XI V - Segr edos. . . . 125 XV - Um t el egr ama. . . . . 135 XVI - Despedi das. . . . . . . . . . 143 XVI I - Abnegação. . . . . . . . . . 147 XVI I I - Di as di f í cei s. . . . . . . 155 XI X - O t est ament o de Amy . . . 161 XX - Conf i dênci as. . . . . . . 167 XXI - Laur i e f az uma par t i da e Jo i nt er vém. . . . . . . . 175 XXI I - A t i a Mar ch r esol ve a si t uação. . . . . . . . . . 181

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����������� ���������� - O Nat al sem pr endas nem vai par ecer Nat al - di sse Jo, es t endi da ao compr i do sobr e o t apet e. - Que t r i st e é ser pobr e! - suspi r ou Meg, ol hando par a o seu vest i do j á mui t o usado. - Não acho j ust o que haj a r apar i gas que t êm t ant as coi sas boni t as, enquant o nós não t emos nada - acr escent ou Amy com ar despei t ado. - Em t odo o caso, t emos o pai e a mãe e t emo- nos umas às out r as - di sse Bet h em t om al egr e. Os quat r o r ost os i l umi nar am- se com est as úl t i mas pal avr as, mas vol t ar am a f echar - se, quando Jo mur mur ou t r i st ement e :

- O pai não o vamos ver t ão cedo. Nem acr escent ou e t al vez nunca mai s o vej amos, , mas cada uma del as compl et ou o pensament o, l embr ando- se de que o pai est ava na guer r a que di l acer ava o Nor t e e o Sul do seu paí s - a Amér i ca.

Depoi s de um mi nut o de si l ênci o, Meg di sse com voz comovi da: - Bem sabem que a mãe nos pr opôs que pr esci ndí ssemos das

pr endas est e Nat al , por que o I nver no vai ser mui t o dur o e não devemos gast ar di nhei r o em coi sas que nos dêem pr azer , 5 quando os nossos homens est ão a sof r er t ant o na guer r a. Não podemos aj udar mui t o, mas podemos f azer pequenos sacr i f í c i os al egr ement e. Se bem que eu r ecei e não ser capaz di sso - e abanou a cabeça, l embr ando- se das mui t as coi sas que desej ava.

- O que eu não compr eendo é que aj uda pode dar o pouco que t emos. É só um dól ar por cada uma e i sso pouco adi ant a ao Exér ci t o. Não quer o que vocês me of er eçam nada, mas eu vou compr ar Undi ne and Si nt r um - di sse Jo, que ador ava l er .

- Eu gost ava de gast ar o meu dól ar em músi ca - suspi r ou Bet h. - Eu pr ec i so de l ápi s de cor - dec i di u Amy. - E hei - de compr á-

l os . - Acho j ust o que t enhamos al gum pr azer , poi s bem nos cus t a

ganhá- l o - f oi a opi ni ão de Jo. - Eu que o di ga - l ament ou- se Meg. - Gost ava mui t o mai s de

f i car em casa do que i r dar l i ções àquel as cr i anças t er r í vei s. - Que di r í am vocês - excl amou Jo - se t i vessem de supor t ar

t odo o di a uma senhor a de i dade, r abuj ent a e ner vosa, sempr e descont ent e, que nos f az per der a cabeça a pont o de dar vont ade de l he pr egar uma bof et ada ou de f ugi r pel a var anda?

- Sei que não é boni t o l ament ar mo- nos, mas eu acho que o t r abal ho mai s enf adonho é o de l avar pr at os e ar r umar a casa. Abor r ece- me e põe- me as mãos t ão ásper as que depoi s não posso t ocar pi ano - e Bet h ol hou as mãos, pesar osa.

- Apesar de t udo, nenhuma sof r e t ant o como eu - exc l amou Amy.

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- Nenhuma de vocês t em de i r à escol a com r apar i gas ant i pát i cas que nos moem a paci ênc i a se não sabemos a l i ção, t r oçam dos nossos vest i dos , f azem al usões desagr adávei s ao nosso pai por el e não ser r i co e ai nda por c i ma f azem pouco de quem não t em um nar i z boni t o. 6 - Di ssest e no out r o di a que ér amos mai s f el i zes do que os f i l hos dos Ki ng por que, apesar de ser em r i cos, est ão sempr e zangados uns com os out r os - coment ou Jo.

- E di ssest e bem, Bet h, por que embor a t enhamos de t r abal har , sabemos t i r ar par t i do di sso par a nos di ver t i r mos e f or mamos uma pandi l ha gi r a, como di z a Jo.

- A Jo f al a de um modo t ão gr ossei r o - censur ou Amy, ol hando par a a f i gur a da i r mã est endi da no t apet e.

Est a l evant ou- se de um sal t o e, met endo as mãos nos bol sos do avent al , começou a assobi ar .

- Não assobi es , Jo. I sso é pr ópr i o dos r apazes. - É por i sso mesmo que eu assobi o. - Det est o r apar i gas que não sai bam por t ar - se como senhor as. - E eu não gost o das af ect adas e pr esumi das. - Os passar i nhos vi vem em paz nos seus ni nhos, - cant ar ol ou

Bet h, conci l i ador a. E a expr essão do seu r os t o er a t ão di ver t i da que as i r mãs desat ar am a r i r e a di scussão acabou al i .

- Meni nas, as duas são di gnas de r epr i menda - di sse Meg, começando um ser mão, no seu est i l o de i r mã mai s vel ha. - Tu, Jo, j á t ens i dade par a dei xar es esses modos ar r apazados. Ti nham pouca i mpor t ânci a quando er as mai s nova, mas agor a, que és t ão cr esci da e usas o cabel o apanhado, dev i as l embr ar - t e de que és uma senhor a.

- Não sou, nada! E se é pel o cabel o apanhado, vou usar t r anças at é aos vi nt e anos, excl amou Jo, enquant o dava um puxão à r ede que l ho segur ava, sacudi ndo a sua opul ent a cabel ei r a cast anha. - Não posso supor t ar a i dei a de que hei - de t or nar - me numa meni na Mar ch e usar vest i dos compr i dos. Não me conf or mo de não ser r apaz; mui t o mai s agor a, por que gost ava de l ut ar ao l ado do pai e t enho de f i car em casa a f azer mei a. - Pobr e Jo! Tenho i mensa pena de que não possas f azer mai s do que dar uma f or ma ar r apazada ao t eu nome e f i ngi r es que és o nosso i r mão mai s vel ho - mur mur ou Bet h, enquant o acar i c i ava a cabeça da i r mã, que a encost ar a aos seus j oel hos. - Quant o a t i , Amy - cont i nuou Meg - , est ás mui t o af ect ada. Agor a t ens gr aça, mas se não t e cor r i gi r es f i car ás r i dí cul a. Quando não pr et endes ser r equi nt ada, t ens uns modos boni t os que são agr adávei s. Mas as pal avr as r ebuscadas que usas às vezes são t ão desagr adávei s como o cal ão da Jo. - Se a Jo é uma mar i a- r apaz e Amy uma pr esumi da, pode saber - se o que é que eu sou? - qui s saber Bet h.

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- Tu és um anj o e mai s nada. E ni nguém cont r adi sse Meg, por que a r at i nha" er a a f avor i t a

da f amí l i a. As quat r o i r mãs conver savam numa sal a conf or t ável , por que,

embor a a car pet a est i vesse desbot ada e os móvei s f ossem mui t o si mpl es, nas par edes havi a al guns quadr os de boa escol a e as est ant es est avam chei as de l i vr os ; no par apei t o das j anel as vi am- se cr i sânt emos e r osas do Nat al e no ambi ent e r ei nava uma agr adável at mosf er a de paz f ami l i ar .

Mar gar et ( Meg) , a mai s vel ha, t i nha dezassei s anos. Er a uma l i nda r apar i ga r edondi nha e mui t o br anca, de ol hos gr andes e abundant e cabel o cast anho, boca mei ga e mãos mui t o br ancas, em que t i nha uma cer t a vai dade. Josef i na ( Jo) , com os seus qui nze anos, er a al t a, esbel t a e mor ena; f azi a l embr ar um pot r o de poucos di as. Dava a i mpr essão de nunca saber o que havi a de f azer dos seus br aços compr i dos e das suas l ongas per nas, que mui t o a at r apal havam. Ti nha uma boca de expr essão deci di da, o nar i z t r avesso e engr açado, ol hos duma t onal i dade ci nzent a, mui t o v i vos, que par ec i am t udo ver . O cabel o, compr i do e f or t e, er a o el ement o pr i nci pal da sua bel eza, mas el a t r azi a- o usual ment e pr eso 8 numa r ede, par a que a não i ncomodasse. Jo t i nha os ombr os ar r edondados, as mãos e os pés gr andes, uma manei r a despr eocupada de se vest i r e a apar ênc i a embar açada de uma r apar i ga que se est ava t or nando r api dament e mul her e a quem t al i dei a não agr adava. El i sabet h ( Bet h) er a uma j ovem de t r eze anos, r osada, de cabel os mac i os, ol hos cl ar os, manei r as acanhadas, voz t í mi da e uma expr essão t r anqui l a, que r ar as vezes se most r ava per t ur bada. O pai cos t umava chamar - l he a sua Pequena Tr anqui l i dade e est e nome adapt ava- se- l he mar av i l hosament e, por que par eci a vi ver num mundo que er a só del a, de onde apenas ousava sai r quando encont r ava pessoas de quem gost asse ou em quem t i vesse conf i ança. Quant o a Amy, embor a a mai s nova, er a uma pessoa mui t o i mpor t ant e, ou, pel o menos, er a est a a opi ni ão que el a f or mava de s i pr ópr i a. Uma per f ei t a boneca de neve, de ol hos azui s e cabel os de our o que l he caí am em car acói s sobr e os ombr os, pál i da e f r anz i na, sempr e com uma at i t ude de senhor a que nunca esquece as boas manei r as. O r el ógi o deu as sei s hor as e Bet h f oi col ocar di ant e da l ar ei r a um par de chi nel os a aquecer . Apr oxi mava- se a hor a do r egr esso da mãe e Meg acendeu o candeei r o. Amy apr ox i mou do cal or uma pol t r ona e Jo di sse, ol hando par a os chi nel os da mãe: - Est ão mui t o vel hos. Er a pr eci so compr ar out r os . - Eu pensava compr ar - l hos - di sse Bet h. - Quem os compr a sou eu! - excl amou Amy. - Eu é que sou a mai s vel ha começou a di zer Meg. Mas Jo i nt er r ompeu- a com ar deci di do:

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- Agor a que o pai não est á, o homem da f amí l i a sou eu. Por i sso sou eu que me vou encar r egar di sso, por que o pai r ecomendou- me que cui dasse da mãe. - Podí amos compr ar pr endas par a a mãe e não compr ar nada par a nós - suger i u Bet h. 9 - É uma ópt i ma i dei a - f oi a opi ni ão de Jo. - E o que é que vamos compr ar ? Pensar am um pouco e Meg, como se as suas boni t as mãos l he suger i ssem a i dei a, decl ar ou: - Eu vou compr ar - l he um par de l uvas. - E eu, os mel hor es chi nel os que encont r ar . - Eu compr o- l he uns l enci nhos bor dados - di sse Bet h. - Eu dou- l he água- de- col óni a - avent ou Amy. - A mãe gost a e, como não é mui t o car a, ai nda f i co com di nhei r o par a compr ar al guma coi sa par a mi m. - E como é que vamos dar as pr endas? - per gunt ou Meg. - Pômo- l as em ci ma da mesa e depoi s vamos buscá- l a par a el a abr i r os embr ul hos. - Lembr am- se do que cost umávamos f azer nos di as dos nossos anos? - r ecor dou Jo. - Eu f i cava com medo quando t i nha de sent ar - me na cadei r a gr ande com uma cor oa na cabeça e depoi s v i nham vocês com as pr endas e davam- me um bei j o - r espondeu Bet h, que est ava a f azer t or r adas. - Vamos f azer uma sur pr esa à mãe. Amanhã podemos sai r par a i r às compr as - di sse Jo. E acr escent ou, enquant o andava de um l ado par a o out r o com as mãos at r ás das cost as: - Não t e esqueças, Meg, ai nda há mui t o que f azer par a a r epr esent ação do di a de Nat al . - Não penso ent r ar em mai s nenhuma, por que j á est ou a f i car mui t o vel ha par a i sso. A conver sa é br uscament e i nt er r ompi da pel a chegada da mãe: - Como passar am o di a as mi nhas f i l has? - excl amou da por t a com uma voz mei ga. Ao ouvi - l a, t odas cor r er am a dar as boas- vi ndas a uma senhor a de aspect o di st i nt o, apesar de vest i r modest ament e. 10

- Havi a t ant o que f azer que não pude vi r al moçar - cont i nuou el a. - Vei o al gum r ecado, Bet h? Est ás mel hor da const i pação, Meg? Jo, t ens um ar cansado. Vem dar - me um bei j o. Depoi s de t i r ar o casaco e os sapat os e cal çado os chi nel os , sent ou- se na pol t r ona j unt o do f ogão e puxou Amy par a o col o.

Ent r et ant o, Meg pr epar ou a mesa par a o chá, Jo t r ouxe l enha e pr ocur ou aj udar , embor a dei xasse cai r no chão al gumas coi sas, enquant o Bet h andava num vai vém ent r e a sal a e a cozi nha. Quando se sent ar am à mesa, a senhor a Mar ch di sse com uma expr essão

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r adi ant e: - Tr ago- vos uma sur pr esa par a depoi s do j ant ar . - É uma car t a! - excl amou Jo, at i r ando f or a o guar danapo.

- Tr ês v i vas par a o pai ! - É i sso mesmo. El e di z que est á bem e que l he par ece que

vai passar o I nver no mel hor do que supunha. Manda as Boas- Fest as e uma mensagem especi al par a as suas f i l has .

As r apar i gas apr ox i mar am- se do cal or . A mãe cont i nuava sent ada na pol t r ona com Bet h a seus pés e as out r as à sua vol t a. Na car t a, o senhor Mar ch não al udi a a desconf or t os nem a per i gos. Er a uma car t a opt i mi st a e encor aj ador a, mas o seu ansei o de est ar de novo com a f amí l i a t r anspar eci a no par ágr af o segui nt e :

Mui t os bei j os par a as mi nhas f i l has. Di z- l hes que penso nel as dur ant e o di a, r ezo por el as à noi t e e que são o meu mai or conf or t o. Est e t empo que passo sem as ver par ece- me i nt er mi nável , mas havemos de supor t ar est a dur a pr ova. Sei que ser ão boas par a t i , cumpr i r ão os seus dever es e pr ocur ar ão l ut ar por vencer os seus def ei t os par a que, quando eu vol t ar , me possa sent i r mai s do que nunca or gul hoso das mi nhas mul her zi nhas. 11 Fi car am t odas mui t o comovi das e Amy di sse, sol uçando:

- Sei que sou egoí st a, mas vou pr ocur ar emendar - me. - Eu sou mui t o vai dosa e não gost o de t r abal har - acr escent ou

Meg - , mas vou esf or çar - me por mudar . - Eu vou t ent ar t r ansf or mar - me numa mul her zi nha, como o pai

di z na car t a - mur mur ou Jo - , embor a i sso me par eça di f í c i l . Bet h não di sse nada mas t omou as suas deci sões

i nt er i or ment e. - E quai s são os nossos pr obl emas? - per gunt ou Amy,

cont i nuando a conver sa. - Cada uma de nós se r ef er i u ao seu, menos Bet h. Se cal har

é por que não t em nenhum. - Tenho, poi s! São os pr at os e o espanador , i nvej ar aquel as

que t êm pi anos boni t os e ser t ão t í mi da. Todas sent i r am vont ade de r i r , mas nenhuma o f ez par a não

f er i r Bet h. - Temos de enf r ent ar as nossas di f i cul dades - di sse Meg. -

I sso vai aj udar - nos a ser mel hor es. - Pr ocur em debai xo da al mof ada no di a de Nat al e encont r ar ão

um l i vr o que ser á o vosso gui a - pr omet eu a mãe. A vel ha Hanna l evant ou a mesa e el as pegar am nos seus cest os

de cost ur a par a cont i nuar em a f azer os l ençói s da t i a Mar ch. Er a um t r abal ho de cost ur a sem i nt er esse, mas, nessa noi t e, nenhuma del as r esmungou. As quat r o acei t ar am a i dei a de di v i di r em par t es i guai s as l ongas bai nhas de cada l ençol e dar - l hes sucessi vament e os nomes de Eur opa, Ási a, Áf r i ca e Amér i ca. Dest a manei r a o t r abal ho pr ogr edi u admi r avel ment e, em par t i cul ar quando t r ocavam

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i mpr essões, a r espei t o dos di f er ent es paí ses, à medi da que i am mar cando at r avés del es, com pont os da agul ha, o cami nho per cor r i do.

Tr abal har am at é às nove hor as e depoi s cant ar am um pouco como cost umavam f azer ant es de se dei t ar . 12 Bet h t ocava com suavi dade o vel ho pi ano, Meg e a mãe di r i gi am o pequeno gr upo cor al , por que Amy f azi a l embr ar um gr i l o e Jo desaf i nava sempr e. Desde pequenas, quando bal buc i avam Est r el i nhas que Br i l hai s e out r as canções par eci das, l hes f i car a o hábi t o de cant ar em f amí l i a. A mãe cant ava com mui t o ent usi asmo. O pr i mei r o som que se ouv i a em casa, de manhã, er a a sua voz, e à noi t e er a ai nda a mesma voz que as meni nas ouvi am como se f osse uma canção de embal ar . 13

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I I

������������������! No di a de Nat al , Jo f oi a pr i mei r a a acor dar . A pr i ncí pi o sent i u- se desapont ada, por que não havi a mei as com pr endas pendur adas na l ar ei r a. Ent ão l embr ou- se da pr omessa da mãe e, pr ocur ando debai xo da al mof ada, encont r ou um l i v r i nho de capa ver mel ha. Er a a hi st ór i a da vi da mai s per f ei t a j amai s vi v i da no mundo e Jo compr eendeu que er a um ver dadei r o gui a par a os per egr i nos dest a vi da. Com um Fel i z Nat al ! , acor dou Meg e, quando di sse à i r mã que pr ocur asse t ambém debai xo da al mof ada, es t a encont r ou um l i v r o i gual , mas de capa ver de. Os de Bet h e Amy, que depr essa acor dar am no quar t o ao l ado, er am um br anco e o out r o azul . As quat r o i r mãs f i car am a admi r ar os seus l i vr i nhos. - Meni nas - di sse Meg com aquel e t om de voz mui t o sér i o que t ant o i nf l uenc i ava as i r mãs, espec i al ment e a Jo - , a mãe desej a que si gamos as i ndi cações dest e l i vr o. Por i sso devemos começar i medi at ament e. Jo passou o br aço em t or no do pescoço de Meg e começar am a l er j unt as. Bet h, mui t o i mpr essi onada, di sse: - Como t u és boa, Meg! Amy, vamos t ambém l er como el as . Eu aj udo- t e a l er as pal avr as mai s di f í cei s e pr ocur ar emos compr eender t udo. Depoi s, os quar t os f i car am em pr of undo si l ênci o, apenas 15 quebr ado pel o vol t ar das pági nas, enquant o o sol l hes dava as suas al egr es Boas- Fest as!

Quando, mei a hor a depoi s , Meg desceu ao andar de bai xo par a agr adecer à mãe, per gunt ou a Hanna:

- Onde est á a mãe? - Apar eceu aí um r apaz i t o a pedi r qual quer coi sa e a senhor a

sai u com el e. Nunca vi uma pessoa t ão gener osa. Hanna vi vi a com a f amí l i a desde o nasci ment o de Meg e er a

consi der ada por t odos mai s uma ami ga do que uma empr egada. - Acho que não se vai demor ar . Por i sso vá acabar de f azer

os bol os par a que t udo est ej a pr ont o a hor as - di sse- l he Meg, dei t ando uma ol hadel a par a os pr esent es que est avam num cest o escondi do debai xo do sof á. - Mas, onde est á o f r asco de água- de- col óni a da Amy? - acr escent ou el a quando l he not ou a f al t a.

- El a l evou- o há moment os. Jul go que f oi pôr - l he uma f i t a - r espondeu Jo.

- Que boni t os que são os meus l enc i nhos! Não acham? Fui eu mesma que os bor dei - di sse Bet h cont empl ando os monogr amas um

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pouco i r r egul ar es que t ant o t r abal ho l he havi am dado. - Ol ha que engr açado ! - excl amou Jo. - El a bor dou a pal avr a

Mãe! - Foi por que a i ni c i al de Meg é a mesma e eu quer o que sej a

só a mãe a usá- l os . - Fi zest e mui t o bem, meu amor , e el a vai gos t ar mui t o - di sse

Meg, f azendo um si nal de desapr ovação a Jo. - Já l á vem! , escondam o cest o - di sse el a, l ogo que ouv i u

f echar - se a por t a da r ua. Mas quem apar eceu f oi Amy que, ao ver as i r mãs, f i cou um pouco

conf usa. - Onde é que est avas e o que é que t r azes aí escondi do? - per gunt ou Meg.

16 - Não quer i a que soubessem, mas. . . f ui t r ocar o f r asco pequeno por out r o mai or , por que não quer o ser egoí st a. A sua at i t ude modest a e si ncer a val eu- l he um abr aço de Meg, enquant o Jo l ouvava a sua cor agem e Bet h i a buscar uma r osa par a enf ei t ar o f r asco. Ouv i u- se de novo a por t a, o cest o vol t ou a desapar ecer e as r apar i gas f or am par a a mesa par a t omar o pequeno- al moço. - Boas- Fest as, mãe, e obr i gada pel os l i vr os! - Fel i z Nat al , mi nhas f i l has. Est ou cont ent e por t er em gost ado dos l i v r os e esper o que vos sej am mui t o út ei s. E agor a, ant es de nos sent ar mos, t enho uma coi sa par a vos di zer . Aqui per t o est á uma mul her com um f i l ho r ecém- nasci do e mai s sei s que dor mem na mesma cama par a não mor r er em de f r i o, por que nem l ume t êm. Vocês er am capazes de l hes dar o vosso pequeno- al moço como pr enda de Nat al ? As meni nas est avam com mui t o apet i t e e, naquel e moment o, ni nguém f al ou mas, l ogo a segui r , Jo di sse com cal or : - Ai nda bem que a mãe chegou ant es de t er mos começado a comer . - Posso i r t ambém? - per gunt ou Bet h ent usi asmada. - Eu l evo a mant ei ga e os bol os - acr escent ou Amy, a quem cust ava r enunci ar a coi sas de que t ant o gost ava. Meg, ent r et ant o, j á est ava a pr epar ar as coi sas par a l evar em. - Nem por um i ns t ant e duvi dei de que as mi nhas f i l has concor dar i am comi go - di sse sat i sf ei t a a senhor a Mar ch. Quando vol t ar mos comer emos pão e l ei t e. Saí r am l ogo e dent r o de pouco t empo es t avam num quar t o mi ser ável , sem l ume, onde se encont r avam a mãe doent e, numa cama com l ençói s r ot os, e o r ecém- nasci do ao l ado, chor ando. Nout r a cama, os i r mãozi nhos pál i dos e débei s aqueci am- se uns aos out r os. Os seus r os t ozi nhos abr i r am- se num sor r i so quando v i r am ent r ar as r apar i gas. 17 - Oh, meu Deus! - excl amou a mul her , chor ando de al egr i a. - São anj os bons que nos vêm aj udar !

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- Anj os com l uvas e t oucas - , gr acej ou Jo, f azendo r i r t oda a gent e.

Hanna, que t i nha t r az i do l enha, acendeu o l ume e cobr i u de papéi s os v i dr os par t i dos . A senhor a Mar ch deu l ei t e e chá à mãe dos pequeni t os, pr omet endo- l he que não a abandonar i a, e vest i u o bebé como se f osse seu pr ópr i o f i l ho. As meni nas l evar am a mesa par a j unt o do l ume e der am de comer às out r as cr i anças, que est avam mui t o espant adas.

Quando saí r am, não havi a em t oda a ci dade r apar i gas mai s f el i zes do que aquel as , por que t i nham r enunci ado, no di a de Nat al , a um bom pequeno- al moço, cont ent ando- se com pão e l ei t e. - I st o é amar o pr óxi mo mai s do que a si mesmo - di sse Meg enquant o, j á em casa, t i r ava as pr endas da cest a, apr ovei t ando o moment o em que a mãe f or a ao andar super i or . Uma j ar r a com r osas e c r i sânt emos dava à mesa uma not a de di s t i nção. - A mãe vem a descer ! Toca, Bet h! Abr e a por t a, Amy! Vi va a mãe! - excl amou Jo, agi t ando- se em vol t a da mesa, enquant o Bet h t ocava uma mar cha al egr e, Amy abr i a a por t a e Meg se apr oxi mava da mãe. Est a f i cou sur pr eendi da e emoci onada. Sor r i ndo, exami nou os seus pr esent es, l endo os bi l het i nhos j unt o de cada um. As chi nel as f or am- l he cal çadas, met eu no bol so um l enci nho per f umado com água- de- col óni a e, depoi s de pr egar ao pei t o a r osa que enf ei t ava o f r asco, cal çou as l uvas.

Er a j á bast ant e t ar de e o r est o do di a f oi passado em pr epar at i vos par a a r epr esent ação da noi t e. Como el as t i nham pouco di nhei r o i nvent avam peças de t eat r o e f azi am t odas as coi sas que er am pr eci sas : gui t ar r as de papel ão, candeei r os f ei t os com l at as cober t as de papel pr at eado, t r aj es de r et al hos de al godão enf ei t ados com bocadi nhos de l at as de 18 conser vas. . . A mobi l i a j á est ava habi t uada a ser vi r ada de per nas par a o ar e a gr ande sal a er a pal co de mui t os di ver t i ment os i nocent es. Não er am admi t i dos r apazes e Jo t i nha i menso pr azer em i nt er pr et ar papéi s mascul i nos. Naquel e di a de Nat al , à noi t e, uma dúzi a de r apar i gas acomodava- se como podi a em ci ma de uma cama que f azi a as vezes de pl at ei a e que f i cava em f r ent e de umas cor t i nas que ser vi am de pano de boca. Pouco depoi s, soou uma campai nha, as cor t i nas abr i r am e a r epr esent ação começou. Um bosque sombr i o er a r epr esent ado por al guns ar bust os em vasos, um t apet e ver de est endi do no chão e uma caver na ao f undo. Est a er a f ei t a com mant as escur as, a ser vi r de t ect o, e cómodas como par edes l at er ai s. Lá dent r o est ava um pequeno f ogar ei r o, de br asas at eadas, com uma panel a pr et a em c i ma e, cur vada sobr e el a, uma vel ha f ei t i cei r a. O pal co est ava às escur as, de modo que o

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l ume do f ogar ei r o dava um ef ei t o mui t o boni t o, pr i nci pal ment e quando a br uxa l evant ava a t ampa e o vapor de água se l i ber t ava. A peça decor r eu ent r e r i sos e apl ausos e as quat r o i r mãs esmer ar am- se no desempenho dos seus papéi s . No f i nal do úl t i mo act o, r eceber am uma sal va de pal mas, mas es t as f or am i nt er r ompi das br uscament e, por que o sof á- cama em que est avam sent adas as espect ador as f echou- se sobr e el as . Bet h e Jo cor r er am a aj udá- l as e t odas acabar am por sai r sem novi dade. A exci t ação t i nha- se acal mado um pouco, quando ent r ou Hanna di zendo, da par t e da senhor a Mar ch, que a cei a est ava ser vi da: As i r mãs ol har am umas par a as out r as pasmadas quando vi r am a mesa post a com t ant a abundânci a. Já esper avam que a mãe l hes pr epar asse al guma coi sa, mas nunca um banquet e 19 daquel es . Hav i a sor vet es de duas qual i dades, bol os, f r ut a, bombons. . . E, no cent r o da mesa, quat r o r amos de f l or es, um par a cada uma das i r mãs. - For am as f adas que t r ouxer am i st o? - per gunt ou Amy. - Foi o Pai Nat al - di sse Bet h. - Não! Foi a mãe. . . - sor r i u Meg, que ai nda t r azi a na car a a bar ba com que r epr esent ar a. - A t i a Mar ch t eve um i mpul so de gener osi dade e mandou i st o t udo ! - j ul gou adi vi nhar Jo. - Est ão t odas enganadas. Foi o senhor Laur ence quem mandou es t a cei a - escl ar eceu a senhor a Mar ch. - O avô do v i zi nho Laur ence? Por que é que el e t eve est a i dei a? Quase não o conhecemos! - admi r ou- se Meg. - Foi a Hanna que cont ou a um dos cr i ados del e a hi s t ór i a do vosso pequeno- al moço. El e é um vel hot e mui t o ext r avagant e e achou mui t a gr aça à hi s t ór i a. Conheceu o meu pai há mui t os anos e est a t ar de mandou- me uma car t a mui t o amável par a di zer que esper ava que eu acei t asse a of er t a de umas bagat el as par a vocês, por ser di a de Nat al . Não podi a di zer que não e por i sso aí est á est a pequena f es t a par a vocês. - Foi aquel e r apaz que l he met eu essa i dei a na cabeça. É mui t o si mpát i co e eu bem gost ar i a que nos déssemos com el e. Acho que el e t ambém i a gost ar , mas é t í mi do e a Meg é t ão chei a de pr econcei t os que, quando nos cr uzamos com el e, não me dei xa f al ar - l he - expl i cou Jo, enquant o as ou t r as meni nas começavam a ser vi r - se no mei o de gr ande r egozi j o. - Est ás a f al ar dos t eus vi z i nhos que mor am na casa ao l ado? - per gunt ou uma das vi si t as . A mãe conhece o senhor Laur ence e di z que el e é mui t o or gul hoso e que não gost a de dar - se com os vi z i nhos. Obr i ga o net o a est udar mui t o e só o dei xa sai r com o pr ecept or . 20 - Uma vez o net o vei o t r azer - nos o nosso gat o, que t i nha f ugi do.

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Eu f al ei com el e, por ci ma do mur o, de cr í quet e e coi sas assi m, mas quando vi u a Meg apr oxi mar - se f ugi u l ogo. Tenho a cer t eza de que pr ec i sa de se di ver t i r - af i r mou Jo, convi ct a. - Os seus modos agr adam- me. Par ece um caval hei r o. Por i sso, se se pr opor ci onar ocasi ão par a i sso, não me i mpor t o que l he f al es. At é f oi el e quem t r ouxe as f l or es e es t i ve t ent ada a conv i dá- l o a ent r ar . Quando ouvi u o bar ul ho que vi nha l á de c i ma, par ec i a desej oso de f i car . - Foi bom não o t er es convi dado, mãe - r i u Jo, ol hando par a as suas bot as. - Mas há- de vi r nout r a al t ur a. Tal vez at é quei r a r epr esent ar um papel qual quer . Que di ver t i do que i a ser !

- Nunca t i ve um r amo de f l or es t ão boni t o - di sse Meg. - Na mi nha opi ni ão, as r osas de Bet h ai nda são mai s boni t as - di sse a mãe, r ef er i ndo- se às que t r azi a ao pei t o.

A pequena abr açou a mãe, di zendo: - Gost ar i a de poder mandar o meu r amo ao pai . Com cer t eza não es t á a passar um Nat al t ão bom como o nosso. 21

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I I I

��"#���$��� - Jo, onde est ás? - chamou Meg da escada que dava par a o sót ão. - Est ou aqui - r espondeu l á de ci ma uma voz abaf ada. Subi ndo, Meg depar ou com a i r mã a l er e a comer maçãs. Jo gost ava de r ef ugi ar - se naquel e l ugar t r anqui l o onde t i nha, por úni ca companhi a, um r at i t o que não se i ncomodava nada com a sua pr esença. Ao ver Meg, o bi chi nho escapul i u- se. - Tr ago- t e uma not í ci a, Jo! Chegou est e bi l het e da senhor a Gar di ner a convi dar - nos par a uma f es t a que vai dar amanhã à noi t e. A mãe dei xa- nos i r , c l ar o, mas. . . o que vamos nós vest i r ? - Que per gunt a! Bem sabes que só t emos os vest i dos de popel i na. - Se eu t i vesse um de seda. . . A mãe di z que t al vez me f aça um quando eu t i ver dezoi t o anos. Mas ai nda f al t am doi s par a l á chegar ! - A popel i na par ece seda e os vest i dos são bem boni t os. Oh! Agor a me l embr o: o meu t em uma mancha e uma quei madur a. O que hei - de f azer ? A quei madur a vê- se mui t o. . . - Vai s t er de es t ar mui t o sossegada e pr ocur ar que ni nguém t e vej a de cost as. Eu vou compr ar uma f i t a nova par a 23 o cabel o, a mãe empr est a- me o al f i net e de pér ol as , os meus sapat os ai nda es t ão novos e as l uvas. . . ai nda passam. - As mi nhas est ão manchadas de l i monada, mas vou mesmo sem l uvas.

Jo nunca se pr eocupava com esses por menor es. - Ah! , i sso é que não - pr ot est ou Meg dec i di da. As l uvas são a coi sa mai s i mpor t ant e. Al ém di sso, sem l uvas não podes dançar e eu f i car i a t r i st í ssi ma. - A mi m t ant o me f az dançar como não dançar . Não acho nada di ver t i do andar às vol t as pel o sal ão. - A mãe j á di sse que não pode compr ar - t e out r as l uvas. Tens mesmo a cer t eza de que não podes usar as t uas? - Tal vez , se as l evar na mão. . . Ol ha! Podemos l evar cada uma de nós uma l uva cal çada e a out r a na mão. - As t uas mãos são mai or es do que as mi nhas. . . I as al ar gar - me a l uva. . . - Ent ão vou sem l uvas. Não me i mpor t a o que possam di zer - concl ui u Jo, vol t ando a pegar no l i vr o que est ava a l er . - Est á bem, empr est o- t e a l uva, mas não a est r agues e por t a- t e bem. Não ponhas as mãos at r ás das cost as nem di gas: Cr i st óvão Col ombo! como cost umas. - Descansa. Vou f i car t ão di r ei t a como se t i vesse engol i do um pau

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de vassour a e não f ar ei má f i gur a, se puder . Vai l á r esponder ao convi t e e dei xa- me com o meu l i vr o, que é mui t o i nt er essant e. Meg f oi - se embor a e Jo, acabada a l ei t ur a, pôs- se a br i ncar com o r at i nho. Na vésper a de Ano Novo, as duas i r mãs mai s novas ser v i am de cr i adi t as das mai s vel has, aj udando- as a vest i r em- se par a o bai l e. De r epent e, começou a chei r ar a cabel o quei mado. Meg quer i a l evar car acói s e Jo pr est ou- se a aper t ar - l he, com umas t enazes quent es, as madei xas enr ol adas em papel ot es . 24 - Est e chei r o é nat ur al ? - per gunt ou Bet h. - Deve ser a humi dade a evapor ar - se - avent ou Jo. Agor a vou t i r ar os papel ot es e vai s ver que l i ndos car acói s ! Mas, em vez di sso, o cabel o vei o agar r ado ao papel . - Oh! O que f ost e f azer ! Ai , o meu r i co cabel o - chor ava Meg, ol hando par a o f r i so de cabel o quei mado. - Não me devi as t er pedi do par a f azer i s t o, sabendo que eu est r ago t udo em que ponho as mãos. Tenho i mensa pena. O f er r o devi a est ar mui t o quent e - suspi r ou Jo com as l ágr i mas nos ol hos. - Não t e apoquent es, Meg. Fr i sa os cabel os que f i car am e at a uma f i t a de modo que as pont as t e cai am l i gei r ament e sobr e a t est a. Agor a es t á na moda - l embr ou Amy par a a consol ar . - Foi bem f ei t o, par a eu não ser t ão vai dosa! - excl amou Meg. - El e vol t a a cr escer depr essa - consol ou Bet h, dando um bei j o na ovel ha t osqui ada" . As duas i r mãs est avam mui t o boni t as , com os seus vest i dos s i mpl es: o da Meg, pr at eado, de um t om ent r e o ci nzent o e o cast anho, com uma f ai xa de vel udo azul ada e gol a de r enda; o da Jo, cast anho, com uma apl i cação de l i nho que l embr ava um col ar i nho gomado de homem. Cada uma cal çou uma l uva mui t o boni t a de cor c l ar a, l evando dobr ada na mão a out r a que t i nha nódoas. Os sapat os de sal t o al t o da Meg est avam- l he mui t o aper t ados e magoavam- l he os pés. Os dezanove ganchos de cabel o da Jo par eci a est ar em- l he pr egados na cabeça! Todas f or am de opi ni ão que o ef ei t o consegui do er a mui t o f i no! - Di vi r t am- se, mi nhas quer i das. . . ! - desej ou- l hes a senhor a Mar ch. - Não comam demai s e venham assi m que eu mandar a Hanna buscar - vos. Levam os l enci nhos boni t os? - Si m, mãe - r i u Jo. - A Meg at é pôs água- de- col óni a 25 no del a. E, enquant o se af as t avam, acr escent ou: - Tenho a cer t eza de que a mãe nos f ar i a a mesma per gunt a se f ôssemos a f ugi r de um t er r amot o!

- A mãe t em r azão, por que uma ver dadei r a senhor a conhece- se pel o cal çado, pel as l uvas e pel o l enci nho - decl ar ou Meg, que

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her dar a os mesmos gost os. Quando chegar am à f est a, sent i r am- se um pouco i ni bi das, por que er a r ar o i r em a r euni ões. Mas a senhor a Gar di ner cumpr i ment ou- as amavel ment e, ent r egando- as ao cui dado da f i l ha mai s vel ha. Meg f oi l ogo convi dada par a dançar , mas Jo, vendo um r apaz r ui vo apr oxi mar - se e t emendo que el e a convi dasse t ambém, escondeu- se at r ás de uma cor t i na. Ent r et ant o, j á al guém t i nha escol hi do aquel e r ef úgi o e, de r epent e, achou- se em f r ent e do net o do senhor Laur ence.

- Descul pe! Não sabi a que es t ava aqui gent e. - E Jo di spunha- se a dei xar aquel e esconder i j o.

Mas o r apaz começou a r i r e, apesar de um pouco sur pr eso, di sse af avel ment e:

- Não t em i mpor t ânci a. Se qui ser , dei xe- se f i car . - Não o i ncomodo? - Absol ut ament e nada. Vi m par a aqui por que me sent i a um pouco

des l ocado. Quase não conheço ni nguém. - Comi go passa- se o mesmo. Não se vá embor a. . . , a não ser

que quei r a. Jo, sent i ndo o embar aço que se i nst al ar a ent r e el es, di sse,

pr ocur ando ser educada: - Cr ei o que j á t i ve o pr azer de o encont r ar . Mor a na casa

ao l ado da nossa, não é ver dade? - Si m, somos vi z i nhos. - E começou a r i r , j á compl et ament e

à vont ade. - Gost ámos mui t o do pr esent e de Nat al que nos mandou.

26 - Foi coi sa do avô. - Mas apost o que f oi você quem t eve a i dei a! Par a não r esponder , o r apaz per gunt ou, pr ocur ando f i car sér i o: - Como est á o seu gat o, meni na Mar ch? - Est á ópt i mo, senhor Laur ence, mas devo adver t i - l o de que não sou meni na Mar ch, mas si mpl esment e Jo. - Nem eu senhor Laur ence. Apenas Laur i e. - Laur i e Laur ence? Que engr açado! - O meu pr i mei r o nome é Teodor o, mas os r apazes chamam- me Dor a, e por i sso pr ef i r o que me t r at em por Laur i e. - Eu chamo- me Josef i na, mas t odos me chamam Jo. Como consegui u que os r apazes dei xassem de o t r at ar por Dor a? - A mur r o. - Eu não posso bat er na mi nha t i a. De modo que t enho de me r esi gnar . As manei r as um pouco ar r apazadas de Jo i am f azendo desvanecer a t i mi dez de Laur i e, que se est ava a di ver t i r i menso. Quant o a el a, est ava bem cont ent e, por que j á se t i nha

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esqueci do do vest i do e Meg não andava por per t o par a l he f r anz i r o sobr ol ho. Por moment os, Laur i e pôs os ol hos no chão e di sse com br andur a: - Aqui ao l ado há uma sal a ampl a onde podí amos dançar à vont ade. Não quer ? Jo acei t ou, ent usi asmada, mas quando vi u as l i ndas l uvas ci nzent o- pér ol a que o r apaz cal çava desej ou naquel e i nst ant e que as suas t ambém f ossem boni t as . A sal a, com ef ei t o, est ava vazi a, por i sso dançar am à vont ade e Jo di ver t i u- se i menso, poi s Laur i e ensi nou- l he a dançar a pol ca al emã, que er a mui t o mov i ment ada. Quando a músi ca t er mi nou, sent ar am- se ambos na escada 27 par a descançar , enquant o o j ovem l he cont ava epi sódi os de uma f es t a de est udant es em Hei del ber ga. Apar eceu ent ão Meg, que pr ocur ava Jo. Est a, a um si nal da i r mã, segui u- a i medi at ament e. Meg, mui t o pál i da, sent ou- se num sof á. - Tor ci um t or nozel o. . . Est es sal t os t ão al t os! Dói - me t ant o! Não sei como vou consegui r chegar a casa. - Já es t ava à esper a que t e magoasses por causa desses sapat os. Temos de chamar uma car r uagem ou ent ão vamos f i car aqui t oda a noi t e - di z i a Jo enquant o es f r egava suavement e o pé magoado. - Uma car r uagem é mui t o car o. De r es t o es t ão mui t o l onge e não t emos ni nguém par a l á mandar .

- Vou l á eu mesma. - Nem penses ni sso. Est á mui t o escur o. E aqui t ambém não posso f i car . Há vár i os convi dados e não sobr a l ugar par a mi m. Fi co agor a a descansar enquant o não vem a Hanna e depoi s t ent ar ei andar . - Se cont ar a Laur i e, el e vai l ogo buscar uma car r uagem - l embr ou Jo. - Não l he di gas nada! Não vou poder dançar mai s mas, quando acabar a cei a, esper a que venha Hanna e vem av i sar - me. - Pr ef i r o est ar ao pé de t i . Não vou cear . - Não, Jo, vai e t r az- me uma chávena de caf é. Meg est endeu- se ent ão no sof á. Jo f oi par a a sal a de j ant ar , mas ant es de l á chegar , ent r ou num sal ão chi nês e abr i u a por t a de um quar t o, onde o senhor Mor t i mer t omava a sós uma pequena r ef ei ção.

Quando chegou à sal a de j ant ar , pr ocur ou uma chávena de caf é que ent or nou sobr e a f r ent e do vest i do. Est a f i cou t ão depl or ável como as cost as. - Como sou desast r ada! - exc l amou, ao mesmo t empo que i nut i l i zava t ambém a l uva de Meg, com a qual se puser a a l i mpar o vest i do. 28 29

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- Dá- me l i cença que a aj ude? - di sse uma voz amável . Er a Laur i e, com uma chávena chei a de caf é numa das mãos e um pr at o com gel ados na out r a.

- I a l evar caf é à Meg, que est á mui t o cansada, mas ent or nei - o por ci ma de mi m.

- E eu andava pr eci sament e à pr ocur a de uma pessoa a quem of er ecer est as coi sas, de modo que podemos l evar - l has .

- Oh! Mui t o obr i gada! Uma vez j unt o de Meg, Laur i e puxou par a j unt o del a uma pequena mesa, f oi buscar uma segunda dose de gel ados e ca f é e most r ou- se t ão sol í c i t o que mesmo Meg, que er a mui t o

exi gent e, o achou si mpát i co. Junt ar am- se al i vár i os j ovens com quem se ent r et i ver am a j ogar al guns j ogos pacat os, at é que f or am sur pr eendi dos pel a chegada de Hanna. Meg, esqueci da do seu t or nozel o, l evant ou- se t ão r api dament e que t eve de encost ar - se a Jo, sol t ando um gr i t o de dor .

- Fui eu que dei um j ei t o ao pé - expl i cou par a di s f ar çar . E t ent ou subi r a escada par a i r ves t i r os abaf os, mas não consegui u f azê- l o.

Jo t ent ou ar r anj ar uma car r uagem, pedi ndo a um cr i ado, mas est e est ava al i de ocasi ão e não conhec i a aquel es sí t i os. Est avam nest es apur os, quando apar eceu de novo Laur i e, que l hes of er eceu a car r uagem do avô, que acabar a de chegar par a o vi r buscar .

- Ai nda é mui t o cedo. . . Mas a ver dade é que el a não pode andar - di sse Jo, encant ada com a of er t a, mas hesi t ando acei t á- l a.

- Eu cost umo vol t ar par a casa cedo. Per mi t am- me que as acompanhe. Fi ca no meu cami nho e, al ém di sso, segundo par ece, es t á a chover .

I st o dec i di u Jo. Cont ou- l he o aci dent e que Meg t i ver a e 30 acei t ou o convi t e mui t o gr at a. Cor r eu a buscar a i r mã e Hanna. Pouco t empo depoi s , subi am as t r ês par a a el egant e car r uagem f echada, onde se sent i r am como pequenas pr i ncesas. Laur i e i a j unt o do cochei r o e assi m Meg pôde col ocar o pé com mai s comodi dade e f al ar com Jo da f est a. - Eu di ver t i - me i menso. E t u, Meg? - Di ver t i - me at é ao moment o em que t or ci o pé. Uma ami ga de Sal l y conv i dou- me par a i r passar uma semana a casa del a, dur ant e a t empor ada de óper a. Como vai ser di ver t i do, se a mãe me dei xar i r ! - Vi - t e dançar com aquel e r apaz de cabel o r ui vo, de quem eu f ugi . Achast e- o si mpát i co? - Mui t o. E o cabel o não é r ui vo mas cast anho. - Par eci a um gaf anhot o, quando est avam a dançar aquel a dança nova. Ouv i st e- me r i r com o Laur i e?

- Não, mas i sso é uma f al t a de educação. O que es t avam a f azer

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al i escondi dos? Jo expl i cou o que havi a sucedi do e, quando acabou, est avam

em f r ent e de casa. Der am as boas- noi t es a Laur i e, expr essando- l he o mai s vi vo r econheci ment o, e ent r ar am cui dadosament e par a não acor dar ni nguém. Mas a por t a do quar t o r angeu um pouco e apar ecer am duas pequenas t oucas de dor mi r . Duas vozes ansi osas pedi r am bai xi nho:

- Cont em- nos como f oi o bai l e. . . Jo havi a comet i do a gr ave i ncor r ecção, na opi ni ão de Meg,

de guar dar al guns bombons par a l evar às i r mãz i t as que, depoi s de t er em ouvi do os sucessos da noi t e, vol t ar am par a as suas camas.

- I st o de vol t ar par a casa de car r uagem e est ar aqui sent ada enquant o uma cr i ada t r at a de mi m f az- me sent i r uma r apar i ga r i ca - di sse Meg, enquant o Jo l he punha uma l i gadur a no pé e l he escovava o cabel o. 31 - Não cr ei o que essas r apar i gas sej am mai s f el i zes do que nós, apesar dos car acói s quei mados, dos vest i dos vel hos e dos sapat os aper t ados, que nos f azem passar um mau bocado quando caí mos na asnei r a de os cal çar . E par ece que Jo t i nha r azão! 32 I V

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�%��"&����'���� - Oh, como é di f í c i l r ecomeçar a t r abal har ! - l ament ava- se Meg no di a a segui r ao bai l e. As f ér i as t i nham acabado e, depoi s de uma semana de di ver t i ment os, não er a nada f áci l vol t ar à monot oni a do di a- a- di a. - Quem der a que f osse sempr e Nat al ou Ano Novo - bocej ou Jo t r i st ement e. - Não t er í amos met ade da f el i c i dade que gozámos hoj e, pr ovavel ment e, se bem que é agr adável comer coi sas boas, r eceber r amos de f l or es, i r a bai l es e não t r abal har . Sempr e i nvej ei as r apar i gas que podem f azer es t as coi sas . Gost o mui t o do l uxo - di sse Meg, pr ocur ando ent r e os seus vest i dos o menos usado. - Mas como i sso não é possí vel , o mel hor é não nos quei xar mos. Peguemos no nosso f ar do e car r eguemos com el e t ão al egr ement e como f az a mãe. A t i a Mar ch é um pequeno f ar do par a mi m, mas t enho a cer t eza de que, quando t i ver apr endi do a car r egar com el e, t or nar - se- á mai s l eve e dei xar á de me i ncomodar . Hanna ent r ou, t r azendo bol i nhos de maçã, que as pequenas l evar am par a comer mai s t ar de e que, como est avam quent es, at é l hes ser vi am par a aquecer as mãos. 33 - Est i mo as t uas mel hor as, Bet h. Adeus, mamã. Est amos i mpaci ent es mas, quando vol t ar mos, est ar emos uns anj os. Vamos embor a, Meg. . . - e Jo deu o exempl o.

Ant es de dobr ar a esqui na, vol t avam- se sempr e par a t r ás, poi s a mãe f i cava à j anel a par a se despedi r com um aceno e um sor r i so. Sem aquel e adeus que er a par a el as como um r ai o de Sol , al guma coi sa par ecer i a f al t ar - l hes dur ant e o di a.

- Em vez de nos envi ar um bei j o, a mãe devi a ameaçar - nos com o punho - di sse Jo. - Não passamos de umas i ngr at as pouco i nt el i gent es.

- Não uses esse vocabul ár i o t ão vul gar . - Gost o de pal avr as f or t es, que t enham cont eúdo. - Podes r ef er i r - t e a t i como qui ser es, mas eu não me si nt o

nada di sso que t u di ssest e. - Coi t ada de t i . Est ás descont ent e por que não podes vi ver

à gr ande. Mas esper a que eu sej a r i ca e l ogo t er ás l i ndos vest i dos, car r uagens e at é r apazes de cabel o r ui vo par a dançar em cont i go. - És t ont a! - mas Meg sent i u- se mel hor depoi s das pal avr as da i r mã.

- se f ôssemus a encar ar aS coi sas como t u. Gr aças a Deus, encont r o sempr e r azões par a me di ver t i r ! Não r abuj es mai s e vai s ver que r egr essas a casa de bom humor . Jo deu à i r mã uma pal mada ani mador a nas cost as e separ ar am- se, t omando cada uma o seu cami nho.

Quando o senhor Mar ch per deu t oda a sua f or t una por quer er

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aj udar um ami go, as duas f i l has mai s vel has pedi r am par a i r t r abal har . E como os pai s quer i am que el as f ossem enér gi cas, i ndependent es e t r abal hador as, consent i r am- no.

Meg ar r anj ou uma col ocação como pr of essor a, mas er a- l he mai s di f í c i l t r abal har do que a Jo, por que se l embr ava bem do t empo em que não havi a f al t a de nada em casa. Esf or çava- se 34 por não ser i nvej osa, mas em casa dos Ki ng sent i a f al t ar - l he aqui l o que t ant o desej ava par a s i , por que as i r mãs mai s vel has das cr i anças que ensi nava j á t i nham si do apr esent adas na soc i edade e Meg vi a- as com espl êndi dos vest i dos e f al ando de t oda a espéc i e de di ver t i ment os . Al ém di sso, r epar ava que aqui l o que gast avam em bagat el as t er - l he- i a si do bem út i l a el a. Quando pensava na i nj ust i ça que i sso r e pr esent ava, sent i a- se amar gur ada, e nem se aper cebi a de como er a r i ca em qual i dades que cont r i buem par a a ver dadei r a f el i c i dade. Jo ar r anj ou empr ego em casa da t i a Mar ch, que er a coxa e pr eci sava de al guém que a t r at asse. Quando o senhor Mar ch cai u na r uí na, el a, que não t i nha f i l hos, qui s adopt ar uma das meni nas, por ém os Mar ch, que não er am i nt er essei r os , r ecusar am, di zendo àquel es que os censur avam: - Não damos as nossas f i l has, nem a t r oco de uma dúzi a de f or t unas. Ri cos ou pobr es, havemos de nos mant er j unt os e de ser f el i zes na companhi a uns dos out r os. A pr i ncí pi o, a vel hot a, r essent i da, cor t ou r el ações com el es , mas cer t o di a encont r ou Jo em casa de uma ami ga comum e agr adou- l he o ar desenvol t o da r apar i ga, a quem l ogo pr opôs empr ego em sua casa. A per spect i va não ent usi asmava Jo, mas t eve de acei t ar , por que não l he apar eci a nenhuma out r a opor t uni dade e, par a espant o de t oda a gent e, deu- se admi r avel ment e com a t i a. Às vezes di scut i am e acont eceu mai s de uma vez que Jo sai u par a casa, di zendo que não vol t ava mai s. Mas a t i a mandava sempr e buscá- l a com t al i nsi st ênci a que Jo, que no f undo se l he af ei çoar a, acabava sempr e por r egr essar . Cl ar o que o que mai s at r aí a a j ovem naquel a casa er a a bi bl i ot eca, com a qual ni nguém se i nt er essava desde a mor t e do t i o Mar ch. El a nunca se esquecer a do s i mpát i co vel hot e, que a dei xava const r ui r pont es e l i nhas de cami nhos de f er r o 35 com os seus di ci onár i os , l he expl i cava o s i gni f i cado das gr avur as que i l ust r avam os l i v r os e l he compr ava gul osei mas sempr e que a encont r ava na r ua.

Bet h f i car a em casa por que er a mui t o acanhada par a f r equent ar a escol a. Tent ar a i r , mas sof r i a t ant o que r esol ver am dei xá- l a em casa e, desde ent ão, er a o pai que l he dava as l i ções. Agor a, que el e est ava ausent e e que a mãe t i nha de dedi car t odas as hor as l i vr es ao ser v i ço de ass i st ênci a aos sol dados" , Bet h

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cont i nuava a est udar sozi nha com mui t a apl i cação. Apesar de t udo, Bet h t ambém t i nha os seus pr obl emas como as

i r mãs e às vezes chor ami ngava um pouco, por que não podi a r eceber l i ções de mús i ca nem t er um pi ano boni t o. Cont udo, t ent ava apr ender por si mesma no úni co pi ano que t i nham, j á vel ho e desaf i nado, pensando que t al vez um di a al guém ( sem se r ef er i r à t i a Mar ch) pudesse aj udá- l a a obt er out r o mel hor . Mas ni nguém par eci a i nt er essado em o f azer , daí os seus moment os de t r i st eza, que al i ás passavam depr essa, vi st o que cant ava al egr ement e enquant o f az i a os t r abal hos domést i cos e, esper ançada, pensava: Sei que, se f or boa, um di a vi r ei a consegui r o que desej o. "

Quant o a Amy, se al guém l he t i vesse per gunt ado qual o seu mai or desgost o, t er i a r espondi do i medi at ament e: O meu nar i z. " Quando er a ai nda mui t o pequena, Jo dei xar a- a cai r dent r o da car voei r a e el a af i r mava que aquel a queda l he def or mar a par a sempr e o nar i z. Er a um pouco achat ado e, por mai s aper t ões que l he desse com os dedos, não consegui a que el e f i casse com um ar ar i st ocr át i co. Ni nguém not ava nada, mas Amy l ament ava- se por não t er um nar i z gr ego e, par a se consol ar , desenhava const ant ement e nar i zes boni t os.

Amy est ava no mel hor cami nho par a se t or nar ant i pát i ca, pel os mi mos demasi ados que f azi am aument ar a sua vai dade e egoí smo. O que mai s f er i a a sua vai dade pr ópr i a er a o f act o 36 de t er de usar os vest i dos dei xados pel a sua pr i ma Fl or ênci a, cuj a mãe t i nha um gost o depl or ável . Os f at os er am de boa qual i dade e est avam pouco usados, mas Amy pr ef er i a pôr um chapéu azul em vez de ver mel ho e det est ava os bi bes est apaf úr di os que não di zi am com o r est o. A conf i dent e de Amy er a Meg, que l he dava consel hos. Da mesma f or ma, Jo, pel a si ngul ar at r acção dos opost os, er a a conf i dent e e consel hei r a de Bet h. Só a Jo, a t í mi da meni na, r evel ava os seus pensament os e, ao mesmo t empo, a pequena exer c i a mai s i nf l uênci a do que ni nguém sobr e a i r mã r ebel de e est ouvada. As duas i r mãs mai s vel has er am mui t o ami gas; cada uma t omar a a seu car go uma das mai s novas e cui dava del a a seu modo, a br i ncar às mães, como ambas di z i am. - Ni nguém t em nada par a cont ar ? Passei um di a abor r eci do e pr eci so de di st r acção - di sse Meg nessa noi t e, quando se sent ar am par a cost ur ar .

- Hoj e t i ve uma cena mui t o cur i osa com a t i a Mar chdi sse Jo, que gost ava mui t o de cont ar os pequenos i nci dent es que se passavam com el a: - est ava eu a l er aquel e i nt er mi nável Bel sham num t om monót ono, como de cost ume, par a ver se el a ador meci a e eu podi a i r l er al gum l i vr o mai s i nt er essant e, at é que el a acor dasse, quando quem t eve sono, ant es que el a começasse a dei xar cai r a

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cabeça, f ui eu. E bocej ei de t al f or ma que el a me per gunt ou se eu quer i a engol i r o l i v r o.

- Quem me der a! Assi m acabava com el e de uma vez! , excl amei , embor a não qui sesse par ecer i mper t i nent e. Ent ão f ez- me um ser mão i nt er mi nável acer ca dos meus def ei t os e di sse- me que r ef l ect i sse sobr e el es enquant o el a dor mi a um pouco. Esper ei e, quando vi que a t ouca se i ncl i nava par a um l ado, como uma dál i a mui t o r epol huda, t i r ei do bol so o Vi car of Wakef i el d e comecei a l ê- l o, dei t ando ol har es f ur t i vos 37 par a a t i a. Quando cheguei àquel e pont o em que t odos caem à água, esqueci - me del a e desat ei a r i r . A t i a acor dou e l á t i ve de vol t ar ao maçudo Bel sham.

- Agor a me l embr o - di sse Meg - que t ambém t enho uma coi sa par a cont ar . Não é t ão di ver t i do como a hi st ór i a de Jo, mas f ez- me r ef l ect i r mui t o no cami nho par a casa. Os Ki ng est avam hoj e mui t o i r r i t ados. Uma das pequenas cont ou- me que o i r mão mai s vel ho f i zer a qual quer coi sa de t er r í vel e que o pai o expul sar a de casa. Ouv i o senhor e a senhor a a di scut i r , e el a at é chor ava. A Gr aça e a Hel ena vi r ar am a car a quando passei , par a eu não l hes ver os ol hos ver mel hos de chor ar . Não f i z per gunt as , mas t i ve pena del as e s i nt o- me cont ent e por não t er um i r mão que possa enver gonhar a f amí l i a.

- Acho que ser post a de cast i go na escol a é mui t o pi or do que aqui l o que possam f azer os r apazes maus - sent enc i ou Amy, como se a sua exper i ênci a da vi da f osse mui t o vast a. - A Susana Par ki ngs apar eceu hoj e na escol a com um anel de cor al i na ver mel ha no dedo. Sent i t ant a, t ant a vont ade que el e f osse meu que desej ei est ar no l ugar del a. Bem, mas el a f ez a car i cat ur a do pr of essor , com um nar i z enor me e uma cor cunda, com as pal avr as Meni nas, ol hem que as est ou a vi gi ar , a saí r em- l he da boca. Est ávamos t odas a r i r da car i cat ur a, quando el e r epar ou que al guma coi sa se passava e mandou a Susana l evar - l he a pedr a. Embor a es t i vesse chei a de medo, t eve de obedecer . E o que i magi nam que el e f ez? Depoi s de l he puxar uma or el ha, vej am só que hor r or : l evou- a par a c i ma do est r ado e f ê- l a est ar al i mei a hor a com a pedr a na mão par a que t odas a pudessem ver . - E vocês, não começar am t odas a r i r ? - per gunt ou Bet h, di ver t i da. - Nem uma. Fi cámos mui t o cal adas e a Susana chor ou dur ant e mui t o t empo. Gar ant o- vos que não a i nvej ei , poi s, 38 mesmo que t i vesse mui t os anéi s , el es não me compensar i am de uma ver gonha daquel as. Depoi s de t er cont ado i st o, Amy cont i nuou o seu t r abal ho, mui t o sat i sf ei t a com a sua condut a e com a cor r ecção com que f al ar a. - Eu esqueci - me de vos cont ar uma coi sa que vi est a manhã e de que gost ei - di sse Bet h, que est ava a ar r umar a desor denada cest a

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de cost ur a de Jo. - Hanna t i nha- me mandado i r compr ar ost r as e o senhor Laur ence est ava na pei xar i a, mas não me vi u, por que me escondi por det r ás de uma bar r i ca. Ent ão ent r ou uma mul her que pedi u ao empr egado que a dei xasse f azer al gum t r abal ho de l i mpeza, a t r oco de um pouco de pei xe, poi s nesse di a não consegui r a ar r anj ar t r abal ho e não t i nha nada par a dar de comer aos seus doi s f i l hos. O homem est ava ocupado e di sse- l he que não, com modos br uscos. Mas, quando el a se i a embor a com um ar mui t o t r i st e, o senhor Laur ence apanhou um gr ande pei xe com a vol t a da bengal a e deu- l ho. A pobr e mul her , mui t o espant ada e t ambém mui t o cont ent e, pegou nel e e começou a agr adecer ao caval hei r o, mas el e di sse- l he que não er am pr ec i sos t ant os agr adeci ment os e que f osse ant es par a casa cozi nhá- l o. I a t ão cont ent e pel a r ua f or a, aquel a pobr e muI her , a di zer que desej ava ao senhor Laur ence mui t as f el i c i dades! Eu acho que f oi uma acção mui t o boni t a. Todas coment ar am o que Bet h r el at ar a e depoi s di sser am à mãe que er a a sua vez de l hes cont ar al guma coi sa. A senhor a Mar ch pensou dur ant e al guns i ns t ant es e depoi s di sse: - Er a uma vez quat r o i r mãs que t i nham bast ant e que comer e que vest i r , conf or t o e di ver t i ment os, boas ami zades, pai s que as amavam do f undo do cor ação; mas, apesar di sso, não vi vi am sat i sf ei t as. . . - Nest a al t ur a as r apar i gas ol har am- se de sosl ai o e começar am a coser com mui t a di l i gênc i a. - Essas meni nas t i nham um pr of undo desej o de ser em boas 39 e t omavam r esol uções excel ent es, mas por vezes, não consegui am mant ê- l as e di zi am: Se eu ao menos t i vesse i s t o! . . Se eu t i vesse aqui l o ! . . . " esquecendo o mui t o que j á t i nham e as coi sas agr adávei s que podi am f azer . Um di a per gunt ar am a uma vel hot a o que podi am f azer par a ser em mai s f el i zes, e a vel ha di sse- l hes: Quando est i ver em descont ent es, medi t em nas coi sas boas que j á t êm e most r em- se agr adeci das. - Jo l evant ou a cabeça como se qui sesse di zer al guma coi sa mas, vendo que a hi st ór i a ai nda não t i nha acabado, mudou de i dei as. - Como er am r apar i gas sensat as, r esol ver am pôr em pr át i ca o consel ho da vel ha e f i car am sur pr eendi das com os bons r esul t ados. Uma del as descobr i u que o di nhei r o não pode def ender da ver gonha e do sof r i ment o a casa dos r i cos . Out r a descobr i u que, apesar da pobr eza, er a mai s f el i z com a sua j uvent ude do que uma cer t a senhor a de i dade chei a de achaques e mau humor e i ncapaz de gozar das comodi dades de que di spunha. A t er cei r a descobr i u que, apesar de se abor r ecer por t er de f azer a comi da, ser i a mui t o pi or se t i vesse de pedi r esmol a. E a quar t a descobr i u que val e mai s uma boa condut a do que um l i ndo anel . Por i sso dec i di r am dei xar de se quei xar , par a desf r ut ar as coi sas boas que possuí am e f azer por mer ecê- l as, par a que est as não l hes f ossem t i r adas. E par ece que nunca t i ver am que se l ament ar por segui r em o consel ho da

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vel hot a. - Que habi l i dade, mãe! Vol t a as nossas hi st ór i as cont r a nós e, em vez de nos cont ar um cont o, pr ega- nos um ser mão - di sse Meg. - Não esquecer emos a l i ção, mãe. E, se i sso acont ecer , di ga- nos o mesmo que a vel ha Chl oe da Cabana do Pai Tomás: Pensem nas mer cês que r eceber am, meni nas, pensem nel as , - acr escent ou Jo, sem poder evi t ar um coment ár i o di ver t i do, embor a t i vesse t omado a l i ção a sér i o. 40

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- O que é que t e passou pel a cabeça agor a, Jo? - per gunt ou Meg numa t ar de de neve, ao ver a i r mã at r avessar o vest í bul o com bot as de bor r acha, uma capa com capuz e l evando nas mãos uma pá e uma vassour a.

- Vou sai r par a f azer exer cí c i o - r espondeu el a, com uma pi scadel a de ol hos mal i c i osa.

- Par ece- me que os doi s l ongos passei os dest a manhã f or am suf i c i ent es. O t empo es t á enovoado e f az f r i o. Ser i a mel hor dei xar es- t e f i car j unt o do l ume, como eu. - Não sou capaz de est ar qui et a t odo o di a e, como não sou gat o, não gost o de dor mi t ar ao pé do f ogão. Gost o de

avent ur as e vou à pr ocur a del as. Meg vol t ou par a j unt o do l ume par a se aquecer enquant o l i a

o I vanhoe, e Jo, na r ua, começou a abr i r cami nhos no j ar di m com t oda a ener gi a. A neve er a pouco espessa e assi m não t ar dou a apar ecer um cami nho que dava a vol t a ao j ar di m, por onde Bet h pudesse passear com as suas bonecas, quando houvesse sol . Esse j ar di m separ ava a sua casa da dos Laur ence; ambas f i cavam nos subúr bi os da ci dade, que er am ai nda campo, com pequenos bosques, pr ados, hor t as e r uas sossegadas. A casa dos Mar ch er a um pouco escur a e sem cor , nest a época do ano em que es t ava despi da das t r epadei r as 41 e em que não havi a f l or es no j ar di m. Do out r o l ado, er gui a- se uma i mponent e mor adi a em que t udo, desde a cochei r a e da r ua que conduzi a à est uf a, at é às bel as coi sas que se vi s l umbr avam por ent r e os sumpt uosos cor t i nados das j anel as, denunci ava l uxo e t oda a espéci e de conf or t os.

Apesar di sso, er a uma casa de aspect o sol i t ár i o e vazi a. . . Não havi a cr i anças a br i ncar no j ar di m nem um r ost o mat er nal assomava às j anel as par a l hes sor r i r . Except uando o senhor Laur ence e o net o, poucas er am as pessoas que se vi am ent r ar e sai r .

Desde a noi t e do bai l e, Jo f i cou mai s i nt er essada do que nunca em est abel ecer cont ac t o com o vi zi nho e i deal i zou vár i os mei os par a o consegui r . Mas, como não o v i a, j ul gou que el e se t i nha i do embor a. Todav i a, uma vez avi st ou um r os t o mor eno a ol har t r i st ement e par a o j ar di m das v i zi nhas I onde Amy e Bet h at i r avam bol as de neve uma à out r a.

Est e r apaz sof r e por f al t a de companhi a e di ver t i ment os" -

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pensou el a. O avô, conser vando- o assi m f echado most r a que não se aper cebe do que el e pr eci sa: t er em vol t a mei a- dúz i a de r apazes al egr es e di ver t i dos. Dá- me vont ade de i r l á dent r o e di zer i sso àquel e vel ho. "

Essa i dei a seduzi a- a, por que gost ava mui t o de avent ur as. Se bem que suspei t asse que Meg se i r i a escandal i zar , não se esquec i a daquel e pr oj ect o de ent r ar em casa dos vi z i nhos e quando chegou aquel a t ar de de neve, est ava di spost a a t ent ar e ver o que poder i a f azer . Como v i u o senhor Laur ence sai r de car r uagem, pôs- se a abr i r um cami nho at é à sebe que separ ava os doi s j ar di ns e al i par ou par a f azer o exame da si t uação. Não se v i a nenhum cr i ado e o úni co ser humano vi sí vel er a uma cabeça de cabel os negr os e encar acol ados apoi ada numa del i cada mão.

Lá est á el e! Pobr e r apaz! Compl et ament e só, at é par ece doent e, num di a t r i st e como est e! Vou at i r ar l á par a ci ma uma bol a de neve, par a l he chamar a at enção, e depoi s 42 di go- l he qual quer coi sa par a o ani mar . Se bem o pensou mel hor o f ez , e naquel e i ns t ant e o r apaz vol t ou a cabeça com o r ost o ani mado e l ábi os sor r i dent es. Jo acenou- l he, r i ndo e, enquant o agi t ava a vassour a cá de bai xo, gr i t ou- l he: - O que se passa? Est á doent e?

El e abr i u a j anel a e f al ou num t om de voz t ão r ouco que par eci a um cor vo.

- Um pouco, mas j á est ou mel hor . Ti ve uma const i pação mui t o f or t e que me f ez est ar met i do em casa uma semana.

- Tenho mui t a pena. Como é que você se di st r ai ? - Com nada. I s t o aqui é sot ur no como um sepul cr o. - Não cost uma l er ? - Quase nada. Não me dei xam. - E ni nguém l ê par a você ouv i r ? - Não me apet ece r eceber vi s i t as dos r apazes. Fazem mui t o

bar ul ho e ai nda me dói a cabeça. - E se f osse uma r apar i ga? No ger al são mai s sossegadas e

gost am de ser enf er mei r as. - Não conheço nenhuma. - Conhece- nos a nós - e Jo i nt er r ompeu- se par a r i r . - Você não se i mpor t ava de v i r ? - excl amou o r apaz. - Eu não sou o que se possa chamar uma r apar i ga sossegada,

mas se a mi nha mãe dei xar , não me i mpor t o de i r . Vou per gunt ar - l he. Ent r et ant o f eche a j anel a e esper e um pouco.

E Jo dei t ou a cor r er par a casa com a vassour a na mão. Dur ant e esse t empo, Laur i e, ani mado com a per spect i va, f oi pr epar ar - se, poi s, como di zi a a senhor a Mar ch, er a um caval hei r o e quer i a pr est ar as devi das honr as à vi s i t a que l he i a f azer companhi a. Passou uma escova pel os cabel os encr espados, pôs um col ar i nho

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l i mpo, deu uma ar r umação ao 43 quar t o, que bem pr ec i sava del a apesar dos sei s cr i ados que hav i a em casa.

Ao f i m de al gum t empo, ouvi u- se um t oque de campai nha e uma voz deci di da per gunt ou pel o senhor Laur i e. Um cr i ado mui t o admi r ado subi u a anunci á- l a.

- Di z- l he que suba. É a meni na Jo - di sse Laur i e, di r i gi ndo- se ao encont r o da r apar i ga que apar eceu sor r i dent e e amável , com um pr at o cober t o numa das mãos e os t r ês gat i nhos de Bet h na out r a.

- Aqui est ou com ar mas e bagagens - di sse el a al egr ement e. A mãe manda- l he cumpr i ment os e di z que ser á um pr azer se puder ser - l he út i l em al guma coi sa. A Meg qui s que eu l he t r ouxesse um pouco do gel ado f ei t o por el a. E Bet h achou que t al vez os gat i nhos o di st r aí ssem. Eu j á cal cul ava que se i a r i r , mas el a t i nha t ant a vont ade de f azer qual quer coi sa por si que não f ui capaz de l he di zer que não.

E o f ac t o é que a i dei a de Bet h vei o mesmo a cal har , poi s, enquant o se r i a das gr aci nhas dos gat os, Laur i e esqueceu a sua t i mi dez e t or nou- se i medi at ament e soci ável . - Você f oi mui t o amável . Er a i s t o que me f al t ava. Faça o f avor de se sent ar e dei xe- me f azer al guma coi sa par a a ent r et er . - Eu é que v i m par a o di st r ai r . Quer que l he l ei a em voz al t a? - Jo ol hava par a os l i vr os com gr ande i nt er esse, poi s par ec i am- l he mui t o at r aent es.

- Obr i gado, mas j á os l i t odos e, se i sso não a abor r ece pr ef er i a conver sar . Gost a do col égi o que f r equent a? - Não ando no col égi o. Ganho a vi da como dama de companhi a da mi nha t i a- avó. É uma vel hot a r abugent a, mas com mui t o bom f undo.

E, par a o di s t r ai r , descr eveu o r et r at o da enf adonha senhor a, do seu cão- d' água, do papagai o que f al ava espanhol . . . E, quando cont ou a hi st ór i a daquel e caval hei r o vel ho 44 e aper al t ado que uma vez f or a pedi r a mão da t i a Mar ch e a quem o papagai o ar r ancou a per uca, no moment o em que o senhor est ava no mei o de uma f r ase mui t o chei a de f l or eados, Laur i e l ar gou a r i r com t ant a vont ade que uma cr i ada espr ei t ou par a dent r o do quar t o par a ver o que est ava a acont ecer . - I s t o é que me f az bem! Cont i nue, por f avor . Mui t o cont ent e com o êxi t o al cançado, Jo cont i nuou a f al ar dos seus pr oj ec t os e esper anças e dos acont eci ment os do pequeno mundo em que as r apar i gas vi v i am. Dent r o de pouco t empo est avam j á a conver sar de l i vr os e Jo f i cou mui t o bem i mpr ess i onada por ver i f i car que el e não só gost ava de l er como el a, mas que t ambém t i nha l i do mui t o mai s. - Venha cá abai xo ver os nossos l i vr os. O meu avô não est á em casa.

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Não t enha medo. - Eu não t enho medo de nada - r epl i cou Jo. - Não duvi do - af i r mou o j ovem, ol hando- a admi r ado, embor a pensando i nt i mament e que ser i a mui t o di f í c i l el a não t er medo do avô, se o apanhasse num dos seus moment os de mau humor . Laur i e conduzi u Jo at r avés de vár i as sal as, dei xando- a par ar de vez em quando par a admi r ar qual quer coi sa que l he chamasse a at enção, at é chegar em à bi bl i ot eca. Aí , Jo bat eu com as mãos uma na out r a e começou aos sal t i nhos, chei a de ent us i asmo: al ém dos i númer os l i v r os, hav i a quadr os e es t at uet as, v i t r i nas com moedas e cur i osi dades, conf or t ávei s pol t r onas, mesas mui t o or i gi nai s, peças de br onze e, mel hor que t udo o r est o, um gr ande f ogão de sal a com azul ej os a t oda a vol t a. - Que r i queza! - excl amou Jo, dei xando- se cai r numa cadei r a f or r ada de vel udo, enquant o ol hava em vol t a chei a de admi r ação. E acr escent ou: - Você deve sent i r - se o r apaz mai s f el i z do mundo! 45 - Uma pessoa não pode ser f el i z apenas por que t em mui t os l i vr os - r epl i cou el e, sent ando- se sobr e uma pequena mesa.

Naquel e moment o soou uma campai nha e Jo l evant ou- se da pol t r ona de um sal t o, excl amando al ar mada:

- Oh ! É o seu avô ! - O que é que i sso t em? Você não t em medo de nada, Poi s não?

- di sse o r apaz mal i c i osament e. - Del e t enho um pouco, embor a não sai ba por quê. A mãe deu- me

l i cença par a vi r e j ul go que não est ou a ma çá- l o - mur mur ou Jo, t ent ando domi nar - se mas sem despegar os ol hos da por t a.

- Ant es pel o cont r ár i o, e não sei como agr adecer - l he. Uma cr i ada ent r ou par a anunc i ar :

- L o médi co que vem ver o meni no. - Vou t er que r ecebê- l o - descul pou- se Laur i e. - Não se i mpor t e comi go. Si nt o- me aqui mui t o bem. Laur i e sai u e el a ent r et eve- se à sua manei r a. Es t ava em

f r ent e de um bel o r et r at o do avô de Laur i e, quando a por t a se abr i u out r a vez, e el a, sem se vol t ar , di sse com o seu modo deci di do:

- Agor a j á t enho a cer t eza de que não vou t er medo del e, por que t em um ol har bondoso, embor a a expr essão da boca sej a um pouco t r i st e, e dá a i mpr essão de que as pessoas ass i m podem di zer coi sas i nesper adas. Não é t ão boni t o como o meu avô, mas gost o del e. - Obr i gada, meni na! - r espondeu por det r ás del a uma voz um t ant o ou quant o ásper a.

Vol t ou- se assust ada e achou- se def r ont e do senhor Laur ence. Fi cou mui t o ver mel ha e o cor ação começou a bat er desor denadament e. Sent i u um desej o i nt enso de f ugi r , mas i sso ser i a uma cobar di a e as i r mãs depoi s i r i am f azer t r oça del a, por i sso dec i di u f i car e enf r ent ar a si t uação. Nesse i nst ant e,

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46 r epar ou na expr essão bondosa, que j á not ar a no r et r at o e um cer t o ar mal i c i oso que l he f ez desapar ecer mui t o do medo que t i ver a. Depoi s de uma pausa, a voz do avô er a ai nda mai s ásper a quando per gunt ou: - Ent ão não t em medo de mi m, hem? - Não senhor , não t enho. O anci ão esboçou um br eve sor r i so, est endeu- l he a mão e, pondo- l he um dedo por debai xo do quei xo, l evant ou- l he o r ost o, di zendo depoi s de o exami nar com gr avi dade:

- A meni na her dou o car ác t er do seu avô, embor a as f ei ções sej am di f er ent es. Er a um homem cor aj oso e honr ado, e eu t enho or gul ho de o t er t i do como ami go.

- Mui t o obr i gada! - e Jo sent i u- se l ogo à vont ade. - O que é que t em est ado aqui a f azer ao Laur i e? - per gunt ou

el e sever ament e. - A t ent ar di st r aí - l o. E cont ou- l he os mot i vos da sua vi si t a. - Acha ent ão que el e pr eci sa de se di s t r ai r ? - Acho, si m. Est á mui t o só e pr eci sa da companhi a de um r apaz

da mesma i dade. Nós t ambém não nos i mpor t amos de l he f azer companhi a, mesmo sendo r apar i gas, poi s ai nda não nos esquecemos do seu pr esent e de Nat al .

- I sso f oi l á i dei a do r apaz. . . E como est á a pobr e muI her ? - Mui t o mel hor - e Jo cont ou que a mãe t i nha consegui do que

al gumas f ami l i as, com mai s posses do que as del as, se i nt er essassem por aquel a pobr e gent e.

- Er a exact ament e a manei r a que o seu avô t i nha de f azer o bem. Di ga- l he que, ass i m que t i ver t empo, i r ei v i s i t á- l a. Es t á a t ocar a campai nha par a o chá. Nós t omamo- l o

Cedo por causa do r apaz. Desça comi go at é à sal a de j ant ar .

- Se gost a da mi nha companhi a. . . 47

- Se não gost asse não a conv i dava - r epl i cou el e, of er ecendo- l he o br aço.

Que di r i a a Meg se me vi sse agor a?" , di z i a Jo par a consi go, encant ada, enquant o desci a a escada pel o br aço do senhor Laur ence.

Laur i e vi nha t ambém a descer , cor r endo, e vendo os doi s de br aço dado es t acou, pasmado.

- O que se passa com est e r apaz? - Não sabi a que o avô est ava aqui . . . - começou el e a

descul par - se, enquant o Jo o f i t ava, t r i unf ant e. - Já cal cul ava, vendo- t e descer a escada nessa gal opada. Vem

t omar chá e por t a- t e como um caval hei r o. E o anci ão, depoi s de dar , car i nhosament e, um puxão de

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cabel os ao r apaz, cont i nuou o seu cami nho. Enquant o t omavam chá, o senhor Laur ence r epar ou na

t r ansf or mação que se havi a oper ado no net o. O r ost o t i nha mai s cor e mai s vi vaci dade, e r i a espont aneament e.

Est a pequena t em r azão. O r apaz est á mui t o i sol ado. Ver emos o que é que el as podem f azer par a o di st r ai r , pensou, enquant o os ouvi a t agar el ar ani madament e. Jo agr adava- l he, por causa dos seus modos br uscos e or i gi nai s.

Por seu l ado, el a gost ava dos Laur ence por que não er am pr et enci osos nem convenci dos. Achou que er am f r ancos e espont âneos, o que f ez com que el a se compor t asse da mesma f or ma e l hes causasse boa i mpr essão. Ant es de se i r embor a, Laur i e l evou- a a ver a est uf a que est ava i l umi nada em sua honr a. À Jo, aqui l o par eceu um paí s de f adas, com f l or es por t odos os l ados, uma l uz suave, o ambi ent e t épi do, as pl ant as exót i cas . Laur i e f or mou um r amo com as f l or es mai s bel as que encont r ou e of er eceu- l ho com uma expr essão al egr e no r ost o: - Tenha a bondade de o ent r egar a sua mãe e di ga- l he que o r emédi o que el a me mandou me f ez mui t o bem. 48 For am encont r ar o senhor Laur ence num sal ão onde havi a um l i ndo pi ano de cauda. - Você t oca pi ano? - per gunt ou Jo a Laur i e. - Às vezes. - Não se i mpor t ava de t ocar agor a, par a eu poder cont ar à Bet h? - Não quer t ocar pr i mei r o? - Não sei t ocar , mas ador o músi ca. Laur i e sent ou- se ao pi ano e Jo escut ou- o com o nar i z met i do ent r e as r osas e os hel i ot r ópi os. E, enquant o escut ava, o r espei t o e consi der ação que sent i a pel o j ovem aument ar am consi der avel ment e, poi s el e t ocava bem e com modést i a. El ogi ou- o t ant o que o avô i nt er vei o, di zendo:

- Tant os el ogi os f azem- l he mal , meni na. Não é desaj ei t ado, mas esper o que consi ga os mesmos r esul t ados em coi sas mai s i mpor t ant es. Já se quer i r embor a? Ent ão mui t o obr i gado pel a sua vi s i t a e vol t e mai s vezes. Cumpr i ment os a sua mãe. Boas- noi t es, dout or a Jo.

Est endeu- l he a mão amavel ment e, mas Jo, achando que el e par eci a um t ant o cont r ar i ado, per gunt ou a Laur i e, ass i m que chegar am ao vest í bul o, se t i nha di t o ou f ei t o qual quer i nconveni ênci a.

- Não, eu é que t i ve a cul pa. El e não gost a de me ouvi r t ocar pi ano.

- Por quê? - Nout r a ocasi ão l he expl i co. Si nt o mui t o não poder

acompanhá- l a.

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Quando, j á em casa, Jo acabou de cont ar por menor i zadament e a sua v i si t a, t odas as pessoas da f amí l i a se sent i r am di spost as a i r f azer a mesma vi si t a, por que cada uma descobr i u qual quer coi sa par a a j us t i f i car . A senhor a Mar ch desej ava conver sar com o anci ão sobr e o pai . Meg quer i a passear na est uf a. Bet h ansi ava por t ocar naquel e l i ndo pi ano. E Amy quer i a cont empl ar os bel os quadr os e est at uet as. 49 - Mãe, por que ser á que o senhor Laur ence não gost a que Laur i e t oque pi ano? - per gunt ou Jo. - Jul go que sej a pel o f act o de o f i l ho se t er casado cont r a a vont ade do pai com uma i t al i ana que est udava Músi ca. Er a bel a, cul t a e boa, mas el e nunca mai s vol t ou a ver o f i l ho. Ambos mor r er am quando Laur i e er a pequeno e o avô t r ouxe- o par a casa del e. Tenho a i mpr essão de que o r apaz, que nasceu em I t ál i a, não é mui t o f or t e e o avô t em mui t o medo de o per der ; é essa a r azão por que t em t ant os cui dados com el e. Laur i e t em um gost o nat ur al pel a músi ca, no que é mui t o par eci do com a mãe, e, pr ovavel ment e, o avô r ecei a que el e quei r a ser músi co. Sej a como f or , o seu t al ent o t r az- l he à memór i a a mul her de quem não gost ava, e é essa a r azão por que el e f oi aos ar es" , como di z a Jo. - Oh, que r omânt i co! - suspi r ou Meg. - Que t ol i ce! - opi nou Jo. - Se o r apaz quer ser músi co, devem dei xá- l o e não o i mpor t unar obr i gando- o a f r equent ar a Uni ver si dade se f or coi sa de que el e não gost e. - Agor a per cebo por que é que el e t em aquel es ol hos escur os t ão gr andes e manei r as t ão boni t as. Os I t al i anos são mui t o si mpát i cos - di sse Meg, que er a um pouco sent i ment al . - O que é que t u sabes dos ol hos e das manei r as del e, se mal o conheces? - excl amou Jo que, ao cont r ár i o de Meg, não er a nada sent i ment al . - Vi - o na f es t a. E agor a, com o que t u cont ast e, é suf i c i ent e par a saber como são as suas manei r as. A obser vação que el e f ez sobr e o r emédi o que a mamã l he mandou é mui t o gent i l . - Se cal har , r ef er i a- se ao gel ado! - Ref er i a- se mas er a a t i , mi nha t ont a. - A mi m? - admi r ou- se Jo. - Nunca vi ni nguém como t u! Di zem- t e um gal ant ei o e nem sequer per cebes. 50 - Essas coi sas não passam de par voí ces. Só ser vem par a est r agar o meu pr azer . Laur i e é um bom r apaz e gost o del e, mas não admi t o al usões sent i ment ai s. Vamos aj udá- l o por que não t em pai nem mãe. Pode vi r v i s i t ar - nos, não pode, mãe? - Ev i dent ement e, Jo. O t eu ami go ser á bem r ecebi do e esper o que Meg se l embr e de que as cr i anças devem cont i nuar a ser c r i anças por t ant o t empo quant o l hes f or possí vel .

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- Eu ai nda não f i z t r eze anos, mas j á não me consi der o uma cr i ança - di sse Amy. - E t u, Bet h? - Est ava a pensar no nosso cami nho como per egr i nos. No moment o em que dec i di mos ser boas, saí mos do pânt ano e começámos a subi r a col i na escar pada. . . Tal vez aquel a l i nda casa r epr esent e par a nós um bel o pal áci o. - Mas, ant es, t emos de passar pel os l eões - adver t i u Jo, num t om que denot ava que t al per spect i va ser i a par a el a mui t o i nt er essant e. . . 51

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VI

" �+�%'-,����/.���"0��1��� " ���2�435���/6�.+��� A casa vi zi nha er a r eal ment e um pal ác i o encant ado, mas l evou al gum t empo at é que t odas l á ent r assem, e par a Bet h f oi mui t o di f í c i l passar pel o mei o dos l eões. O mai or de t odos er a o pr ópr i o senhor Laur ence; apesar de el e as t er i do vi s i t ar , conver sado ami gavel ment e com el as e r ecor dado com a mãe o t empo passado, Bet h cont i nuou a t er medo del e. Passar am- se ent ão coi sas mui t o agr adávei s, poi s a nova ami zade cr esci a como a r el va na Pr i maver a. Todas gost avam de Laur i e e, quant o a est e, bast a di zer que el e conf essou ao pr ecept or que el as er am umas r apar i gas f or mi dávei s" . As quat r o i r mãs acol her am o sol i t ár i o r apaz com o ent usi asmo pr ópr i o da j uvent ude, dando- l he t oda a sua ami zade. Por i sso el e achava mui t o agr adável a companhi a daquel as si mpl es r apar i gas. Não t endo conheci do nem mãe nem i r mãs, não t ar dou a sent i r a benéf i ca i nf l uênci a que el as exer ci am sobr e el e, a pont o de os seus hábi t os de t r abal ho o f azer em sent i r - se enver gonhado da vi da i ndol ent e que l evava. Est ava cansado dos l i vr os e i nt er essava- se agor a t ant o pel as pessoas que o senhor Br ooke, seu pr ecept or , f oi obr i gado a dar más i nf or mações sobr e o seu apr ovei t ament o. I st o, por que Laur i e f ugi a const ant ement e par a casa da senhor a Mar ch. - Não se pr eocupe - descansou- o o avô. - Dei xe- o 53 t r anqui l o por al gum t empo, que el e vai r ecuper ar o t empo per di do. A nossa boa vi zi nha acha que el e est uda demai s e que pr ec i sa de companhi as j ovens, di st r acção e exer c í ci o. Par ece- me que el a t em r azão e que t em l i dado com o r apaz como uma avó. Que f aça o que qui ser , cont ant o que se si nt a f el i z. Nada de mal pode acont ecer - l he naquel e convent i nho de f r ei r as, e a senhor a Mar ch vai f azer por el e aqui l o que nós não poder í amos f azer .

E que moment os t ão agr adávei s el es passavam! Repr esent ações t eat r ai s , cor r i das de t r enó, pat i nagem, ser ões di ver t i dos na vel ha sal a de est ar e, de vez em quando, r euni ões em casa de Laur i e. . . Meg podi a passear na est uf a e apr eci ar as f l or es dur ant e t ant o t empo quant o qui sesse; Jo devor ava os l i vr os e pr ovocava at aques de r i so no anci ão com as suas opi ni ões; Amy copi ava quadr os e gozava na cont empl ação das obr as de ar t e, e Laur i e f azi a as honr as da casa de um modo encant ador .

Apesar de t udo i st o, Bet h, se bem que desej asse mui t o t ocar no pi ano de cauda, não consegui a ar r anj ar cor agem par a ent r ar na

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mansão da f el i c i dade" , como l he chamavam. Foi l á um di a com Jo, mas o senhor Laur ence, que nada sabi a da sua gr ande t i mi dez, f i t ou- a mui t o f i xament e sob as suas sobr ancel has t ão car r egadas e pr of er i u um ah! " t ão f or t e que a dei xou at er r or i zada. Fugi u a cor r er e af i r mou que nunca mai s l á vol t ar i a, nem sequer por causa do pi ano. Não houve nada que a convencesse. At é que um di a, quando est e f act o chegou ao conheci ment o do anci ão, el e pr ópr i o pr ocur ou encont r ar uma sol ução par a o caso. Dur ant e uma das vi si t as que f ez a casa dos Mar ch, conduzi u a conver sa par a assunt os musi cai s. Fal ou dos cant or es f amosos que ouvi r a, de ór gãos mar avi l hosos que escut ar a e cont ou hi st ór i as t ão i nt er essant es que Bet h, dei xando o seu cant i nho, f oi - se apr oxi mando l ent ament e, como se es t i vesse a ser hi pnot i zada. 54 Fi ngi ndo não dar pel a sua pr esença, el e cont i nuou f al ando das l i ções de Laur i e, dos seus pr of essor es , e ent ão, como se a i dei a l he t i vesse ocor r i do pr eci sament e nesse moment o, di sse à senhor a Mar ch:

- O Laur i e agor a dá pouca i mpor t ânci a à músi ca, o que at é me agr ada, por que es t ava a est udar demai s. Mas o que me pr eocupa é o pi ano, que se pode est r agar com a f al t a de uso. Não gost ar i a al guma das suas f i l has de l á i r t ocar de vez em quando, par a evi t ar que el e se desaf i ne?

Ant es que a senhor a Mar ch pudesse r esponder al guma coi sa, el e acr escent ou com um sor r i so de i nt el i gênci a:

- El as não pr eci sam de ver nem f al ar com ni nguém. Eu est ou quase sempr e f echado no meu escr i t ór i o, Laur i e sai mui t o e os cr i ados nunca se apr oxi mam da sal a depoi s das nove hor as. Di zendo est as pal avr as , l evant ou- se par a se i r embor a. Ent ão Bet h dec i di u f al ar , poi s as úl t i mas pal avr as t i nham- na convenci do. Mas, ant es que o pudesse f azer , o anci ão acr escent ou: - Peço- l he que r epi t a i st o às suas f i l has, mas, se el as não qui ser em i r , t ambém não t em i mpor t ânci a.

Ent ão sent i u que uma pequena mão pegava na sua, e Bet h, com pr of unda gr at i dão, di sse t i mi dament e, mas com t odo o ar dor :

- Quer em, si m. . . mui t o. - É a meni na que gost a de músi ca - per gunt ou el e com doçur a

e sem nenhuma excl amação que a pudesse at emor i zar . - Chamo- me Bet h e ador o músi ca, de modo que vou apr ovei t ar

o seu convi t e, se me dá a cer t eza de que ni nguém vai ouvi r - me e de que eu não vou i ncomodar ni nguém di sse el a, sur pr eendi da com a sua pr ópr i a ousadi a. - Ni nguém a ouvi r á, meu amor . Venha e t oque quando qui ser . De r es t o, sou eu quem f i car á mui t o agr adeci do.

- O senhor é mui t o bondoso! 55 Bet h cor ou como uma r osa, ao sent i r sobr e s i a expr essão de

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si mpat i a que l he i l umi nou o r ost o, e, dei xando compl et ament e de sent i r qual quer espéc i e de r ecei o, aper t ou a enor me mão em si nal de r econhec i ment o, por que l he f al t avam as pal avr as par a agr adecer a dádi va pr eci osa que acabava de l he ser f ei t a. O senhor Laur ence passou- l he docement e a mão pel os cabel os e, cur vando- se, bei j ou- a e di sse:

- Ti ve em t empos uma f i l hi nha com os ol hos i guai s aos seus. Deus a abençoe! Adeus, mui t o bom di a! - e sai u apr essado.

Desde esse di a, quase t odas as manhãs podi a ver - se um pequeno capuz escur o a at r avessar a sebe, e o sal ão onde est ava o pi ano er a vi s i t ado por um espí r i t o mel odi oso que par eci a ent r ar e sai r sem ser not ado. El a nunca vei o a saber que mui t as vezes o vel ho senhor abr i a a por t a do seu escr i t ór i o par a escut ar aquel as mel odi as de que t ant o gost ava; nunca vi u Laur i e mont ando guar da no vest í bul o par a que os cr i ados não ent r assem no sal ão; nem sequer suspei t ou de que as músi cas er am col ocadas de pr opósi t o num l ugar onde a sua mão as encont r asse. De f or ma que o seu pr azer f oi i nt enso e el a r eal i zou um desej o l ongament e acal ent ado, coi sa que nem sempr e sucede na vi da.

- Mãe, eu gost ava de bor dar umas chi nel as par a o senhor Laur ence. Quer o most r ar - me gr at a e não vej o out r a manei r a de o f azer . Que l he par ece? - per gunt ou Bet h al gumas semanas mai s t ar de. - Acho que é uma boni t a manei r a de l he agr adecer e el e vai gost ar ! As t uas i r mãs aj udam- t e e eu f aço as despesas.

Depoi s de di scut i do o assunt o com Jo e com Meg, escol her am o model o, compr ar am o mat er i al e começar am o t r abal ho. Opt ar am pel a cor ver mel ha- escur a, sobr e a qual bor dar am uns r amos de amor es- per f ei t os. Bet h t r abal hou af i ncadament e, sendo aj udada apenas nas par t es mai s di f í cei s 56 Uma vez acabadas as chi nel as, escr eveu uma car t a mui t o si mpl es e, com a col abor ação de Laur i e, f ê- l as chegar à

secr et ár i a do senhor Laur ence de manhã cedo, ant es de el e se l evant ar .

Bet h, que f i car a à esper a de ver o que acont eci a, vi u passar aquel e di a e par t e do segui nt e sem que ni nguém acusasse

a r ecepção do pr esent e, e ent ão começou a r ecear que el e t i vesse desagr adado. Por ém, quando na t ar de do di a segui nt e

vol t ava de f azer um r ecado, vi u as i r mãs à j anel a da sal a, acenando- l he vi vament e com a mão, enquant o excl amavam:

- Cor r e! Chegou uma car t a do senhor Laur ence! - Bet h, el e mandou- t e. . . - começou Amy a di zer , mas

Jo i nt er r ompeu- a, f echando a j anel a com f or ça. À ent r ada da por t a, as i r mãs l evar am Bet h em t r i unf o at é à sal a e, uma vez chegadas, apont ar am t odas par a um

det er mi nado l ugar .

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- Ol ha o que est á al i ! Ao ol har , Bet h empal i deceu de pr azer e sur pr esa, poi s v i u um pi ano enver ni zado, sobr e a t ampa do qual est ava uma car t a di r i gi da à Exma. Meni na El i sabet h Mar ch" . Nel a agr adeci a a of er t a das chi nel as, acr escent ando:

Nunca t i ve nenhumas t ão boni t as em t oda a mi nha vi da! - Podes sent i r - t e or gul hosa, Bet h! Laur i e di sse- me que o

avô gost ava mui t o da net i nha a quem per t enceu es t e pi ano eque conser va t odas as suas coi sas com mui t o car i nho. . . -

di sse Jo, pr ocur ando acal mar Bet h, que par ec i a mai s t r anst or nada do que nunca.

- Que l i ndos que são os supor t es par a as vel as. . . e a apl i cação em seda ver de. . . e o caval et e. . . e o banco. . . - acr escent ou Meg, enquant o abr i a o pi ano. - Exper i ment e- o, meni na - di sse Hanna, que sempr e t omava par t e dos acont eci ment os f ami l i ar es. Bet h começou a t ocar e t odas achar am que t i nha um som 57 magní f i co. Ti nha si do af i nado de novo, sem dúvi da, mas o que mai s encant ava er a a expr essão f el i z do r ost o que se i ncl i náva par a o t ecl ado, enquant o as mãos o per cor r i am com amor . - Acho que o vou agr adecer - gr acej ou Jo, poí s não l he passava pel a cabeça que a i r mã f osse capaz de o f azer .

- Si m, hei - de f azê- l o, e par ece- me que vou agor a mesmo, ant es que comece a sent i r medo.

E, per ant e o espant o de t odas, di r i gi u- se r esol ut ament e par a o j ar di m, at r avessou a sebe e ent r ou na r esi dênci a dos Laur ence.

- É a coi sa mai s espant osa que t enho v i st o em t oda a mi nha vi da! Est e pi ano é mi l agr oso! - exc l amou Hanna ol hando par a el a.

E, com ef ei t o, t odas achar am que aqui l o par ec i a um mi l agr e. Mas ai nda f i car i am mai s espant adas se t i vessem v i st o o que

Bet h f ez depoi s: sem par ar par a pensar , bat eu à por t a do escr i t ór i o e, quando uma voz br usca di sse Ent r e! " ent r ou. Apr oxi mou- se do senhor Laur ence e, par a sua sur pr esa, est endeu a mão, di zendo com voz t r émul a: - Venho agr adecer o. . . - mas não t er mi nou, por que el e a ol hava com t ant a s i mpat i a que, pondo- l he os br aços em vol t a do pescoço, l he deu um bei j o.

O senhor Laur ence f i cou encant ado com aquel e pequeno bei j o e t odo o seu mau humor se desvaneceu. A par t i r dest e moment o, Bet h dei xou de sent i r qual quer espéci e de t emor e sent ou- se a conver sar t ão à vont ade como se o t i vesse conhec i do t oda a vi da. Quando vol t ou par a casa, el e acompanhou- a at é à por t a, deu- l he uma af ect uoso aper t o de mão e l evou a mão ao chapéu, quando se r et i r ou, mui t o di r ei t o, como um vel ho gent l eman el egant e que r eal ment e er a. 58

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VI I

�7(8�����!,9��':���7�;��' ��</=��4,��>���1? No di a segui nt e, Amy chegou bast ant e t ar de ao col égi o, mas não f oi capaz de r esi s t i r à t ent ação de most r ar um pacot e de conf ei t os que t r az i a, ant es de guar dá- l o na car t ei r a. Logo cor r eu a not í ci a de que a Amy t r azi a uns doces e que i a of er ecê- l os a t odas, por i sso f oi cumul ada de at enções. Kay Br own convi dou- a par a uma f est a, Mar y Ri ngsl ey empr est ou- l he o r el ógi o at é à hor a da saí da e Jenny Snow, uma r apar i ga que t i nha di scut i do com el a, mudou de at i t ude, of er ecendo- se par a l he dar a sol ução de um pr obl ema di f í c i l . Mas Amy não esquecer a as suas i nsi nuações mal évol as e r espondeu de um modo cor t ant e: - Não val e a pena most r ar es- t e de r epent e t ão s i mpát i ca, por que par a t i não há nada. Deu- se o caso de, nest e di a, uma pessoa mui t o i mpor t ant e vi s i t ar o col égi o, e os mapas de Amy, mui t o bem desenhados, f or am obj ec t o de mui t os el ogi os. I sso i r r i t ou Jenny, mas Amy f i cou vai dosa como um pavão. Às vezes, por ém, acont ece que ao t r i unf o sucede o f r acasso, e a v i ngat i va Jenny dec i di u que dest a vez ser i a assi m. Logo que o vi s i t ant e se r et i r ou, Jenny, a pr et ex t o de f azer uma per gunt a ao senhor Davi s , f oi comuni car - l he que Amy t i nha al guns doces escondi dos na car t ei r a. 59 O pr of essor havi a pr oi bi do que as meni nas t r ouxessem conf ei t os par a o col égi o, sob pena de ser em sever ament e cast i gadas.

O moment o escol hi do por Jenny par a denunc i ar a sua col ega er a o menos opor t uno e el a sabi a i sso. Par ece que, naquel a manhã, o pr of essor t i nha bebi do caf é f or t e demai s e o vent o es t ava de l es t e, o que, habi t ual ment e, l he causava f or t es dor es de cabeça. Al ém di sso, as suas al unas não t i nham f ei t o boa f i gur a per ant e o i l ust r e vi s i t ant e, como el e t ant o desej ava. Por t odas est as r azões, est ava de mui t o mau humor . A pal avr a conf ei t os" f oi como se se t i vesse dei t ado pól vor a no l ume. Com o r ost o ver mel ho de cól er a, Davi s deu um mur r o sobr e a secr et ár i a com t amanha f or ça que Jenny voou" par a o seu l ugar .

- Meni nas ! - gr i t ou el e. - At enção ! Logo que se f ez si l ênci o, cont i nuou com sever i dade: - Meni na Mar ch, chegue aqui . E t r aga os doces que t em na sua

car t ei r a. At endendo ao pedi do da col ega do l ado, Amy separ ou

mei a- dúz i a e l evou os out r os ao pr of essor .

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- Est ão aqui t odos? - Não. . . t odos não. - Vá buscar o r est o.

Com uma expr essão de desesper o no r ost o, Amy f oi buscar o r est o dos conf ei t os e o pr of essor or denou- l he:

- Agor a, dei t e- os pel a j anel a f or a. Ter r i vel ment e enver gonhada, Ammy obedeceu e, quando acabou de os dei t ar f or a, o senhor Davi s di sse:

- As meni nas l embr am- se do que eu l hes di sse a semana passada. Tenho mui t a pena, mas nunca f al t o à mi nha pal avr a. Meni na Mar ch, est enda a mão.

Amy er a demasi ado or gul hosa par a pedi r mi ser i cór di a, de modo que, cer r ando os dent es com f or ça, supor t ou com 60 apar ent e i mpassi bi l i dade as pal mat oadas que o pr of essor l he deu. Não f or am mui t as nem mui t o f or t es, mas aqui l o er a uma desonr a par a el a, que nunca t i nha si do cast i gada. - Agor a vai f i car de pé em ci ma do est r ado at é à hor a da saí da. Par a el a f oi hor r í vel t er de passar por aquel a ver gonha di ant e de t oda a cl asse e, por uns i nst ant es, ai nda pensou que não podi a aguent ar mai s e quase cai u no chão desf ei t a em sol uços. Mas um amar go sent i ment o de i nj ust i ça e a l embr ança de Jenny Snow cont i ver am- na. Per maneceu naquel e l ugar de supl í c i o e dei xou- se f i car t ão i móvel que as out r as r apar i gas sent i r am gr ande di f i cul dade em est udar com aquel a f i gur i nha t r ági ca di ant e dos ol hos. Aquel e i nci dent e t al vez t i vesse s i do uma coi sa t r i v i al par a out r as, mas não par a Amy, que sempr e r eceber a amor em t oda a sua vi da e nunca f or a f er i da por nenhum gol pe. O pi or de t udo er a pensar : Vou t er de cont ar t udo em casa. Como vão f i car desi l udi das comi go! Quando chegou a hor a do r ecr ei o, o pr of essor di sse, sent i ndo- se um t ant o ou quant o embar açado com o sucedi do: - Já pode descer do est r ado, meni na Mar ch. E Amy sai u da escol a, di zendo par a s i mesma que não vol t ar i a mai s. Quando chegou a casa sent i a- se mui t o t r i st e e, l ogo que as i r mãs mai s vel has r egr essar am, r euni r am- se t odas i medi at ament e par a f al ar do que t i nha acont eci do. A senhor a Mar ch não f al ou mui t o, mas est ava pesar osa e conf or t ou a f i l ha acabr unhada, com a mai or t er nur a. Meg f r i cci onou suavement e a mão de Amy com gl i cer i na. Bet h achou que nem os seus gat i nhos a consegui am di st r ai r de um desgost o daquel es e Jo, ext r emament e i r r i t ada, pr opôs que se mandasse pr ender o senhor Dav i s, enquant o que Hanna ameaçava o mi ser ável ao mesmo t empo que esmagava as bat at as como se o t i vesse dent r o do al mof ar i z. 61 À t ar di nha, pouco ant es de a escol a f echar , Jo ent r ou co uma

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expr essão de mui t a di gni dade, ent r egou ao pr of essor uma car t a da mãe e j unt ou t udo o que per t enc i a a Amy. Depoi s f oi - se embor a, l i mpando cui dadosament e os pés no capacho, como se nem o pó qui sesse l evar daquel e l ugar . 62

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@A��,B����9���C�D��EF�/�1.���� ��3�)�2�G?H�)� - Aonde é que vocês vão? - per gunt ou Amy numa t ar de de sábado, quando v i u as i r mãs mai s vel has pr epar ar em- se par a sai r com um ar mi st er i oso, que a i nt r i gou. - As meni nas pequenas não devem ser cur i osas! - r espondeu Jo com sever i dade. Ao ouvi r a r espost a, Amy domi nou- se, mas r esol veu descobr i r o segr edo, nem que t i vesse de as maçar dur ant e uma hor a. Vol t ando- se par a Meg, que nunca l he negava nada, pedi u com mei gui ce: - Dei xa- me i r . . . A Bet h es t á ent r et i da com as bonecas e eu est ou abor r eci da. - Não é possí vel , quer i da, por que não f ost e conv i dada - começou Meg a di zer , mas Jo i nt er r ompeu- a com i mpac i ênci a: - Não di gas nada! Vai s est r agar t udo! Não sej as cr i ança, Amy, não i ns i st as . - Vão a qual quer sí t i o com o Laur i e. Ont em à t ar de est avam a r i r e a segr edar no sof á e cal ar am- se quando eu cheguei . - Poi s vamos. E agor a, por f avor , não maces mai s . - Já sei ! Vão ao t eat r o ver Os Set e Cast el os! Eu t ambém 63 vou, por que a mãe me aut or i zou e t enho di nhei r o par a o bi l het e.

- Pr est a at enção e sê uma boa meni na - di sse Meg, acar i c i ando- a. - A mãe não quer que vás hoj e, por que ai nda não t ens os ol hos bons par a supor t ar es uma peça. Par a a semana, j á podes i r com Hanna e Bet h.

- Pr ef i r o i r com vocês e com o Laur i e. Dei xem- me i r , por f avor ! Est ou aqui f echada há t ant o t empo por causa des t a const i pação, que pr eci so de me di st r ai r .

- E se nós a l evássemos? Acho que a mãe não se vai i mpor t ar , se a abaf ar mos bem. . . - começou Meg a di zer .

- Se el a f or , não vou eu. Ser i a má educação, por que o Laur i e só nos convi dou a nós.

O t om com que Jo f al ou i r r i t ou Ammy, que começou a cal çar os sapat os, di zendo com i mper t i nênci a:

- Poi s, vou mesmo! Meg di sse que eu posso i r e Laur i e não se vai i mpor t ar , v i st o que eu pago a mi nha ent r ada. - Já t emos os l ugar es mar cados e não vai s f i car soz i nha num l ugar qual quer . Laur i e t i nha de t e dar o seu l ugar e i sso i a est r agar - nos a f est a. Por t ant o, dei xa- t e f i car qui et i nha.

Sent ada no chão, com um sapat o j á cal çado, Amy começou a chor ar . Meg t ent ava convencê- l a quando ouvi r am a voz de Laur i e, e as duas r apar i gas apr essar am- se a descer , dei xando Amy

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i nconsol ável . No moment o em que i am a sai r , Amy, debr uçada no cor r i mão da escada, gr i t ou:

- Hás- de ar r epender - t e, Jo, podes t er a cer t eza! - Or a! Tol i ces ! - r epl i cou Jo, bat endo com a por t a.

Os Set e Cast el os er a um espect ácul o mar avi l hoso. Mas, não obst ant e os di abi nhos ver mel hos mui t o cómi cos, as f adas des l umbr ant es e os pr í nci pes e as pr i ncesas, o pr azer de Jo não er a compl et o. O cabel o l our o da r ai nha das f adas que apar eci a na peça l embr ava- l he Amy e, dur ant e os i nt er val os , não podi a dei xar de pôr - se a i magi nar o que i r i a a Ammy f azer 64 que el a t i vesse de ar r epender - se, do que acont ecer a. Er a f r equent e zangar em- se por ser em ambas i mpet uosas, depoi s enver gonhavam- se. Apesar de ser mai s vel ha, Jo t i nha di f i cul dade em domi nar o seu t emper ament o f ogoso : as zangas não l he dur avam mui t o t empo. Conf essava a f al t a, ar r ependendo- se si ncer ament e, e er a com boa vont ade que pr ocur ava cor r i gi r - se. Quando r egr essar am a casa, Amy est ava a l er e, como quer i a most r ar - se of endi da, não l evant ou os ol hos do l i vr o nem l hes f ez qual quer per gunt a. Enquant o t i r ava o chapéu, Jo ol hou com at enção par a a cómoda, por que, da úl t i ma vez que se t i nham zangado, Amy vi ngar a- se vol t ando a gavet a de Jo de per nas par a o ar , no soal ho. Dest a vez est ava t udo no seu l ugar e Jo i magi nou que Amy esquecer a o i nci dent e. Mas enganava- se, por que, no di a segui nt e, f ez uma descober t a que pr ovocou uma ver dadei r a t empest ade. À t ar di nha, Meg e Amy est avam sent adas uma ao pé da out r a quando Jo ent r ou na sal a como um f ur acão, excl amando mui t o exci t ada: - Al guma de vocês t em o meu l i vr o de cont os? Sur pr eendi das, Meg e Bet h r esponder am l ogo que não, mas Ammy, que est ava a at i çar o l ume, não di sse nada. Jo, por ém, r epar ando que est a f i car a t oda ver mel ha, l ançou- se sobr e el a, gr i t ando: - Fost e t u ! - Não f ui nada! - Mas sabes onde es t á. - Não sei ! - Est ás a ment i r ! - exc l amou Jo t ão i ndi gnada que met i a medo. E agar r ou Amy pel os ombr os. - Se não me di zes j á onde el e est á, vai s ver . . . - Nunca mai s vol t as a ver o t eu l i vr o, i di ot a! - gr i t ou Amy, exci t ada por sua vez. - Por quê? 65 - Por que o quei mei .

- O quê?. . . O meu l i v r o. . . que er a a mi nha pai xão e que

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eu t enci onava acabar de escr ever ant es do r egr esso dopai ? Jo est ava pál i da, mas os ol hos br i l havam- l he

assust ador ament e, enquant o aper t ava os ombr os da i r mã. - Si m, é ver dade, quei mei - o. Eu di sse- t e que t e hav i as de

ar r epender por t er es si do t ão má. Amy não pôde cont i nuar , por que a cól er a de Jo

emudeceu- a. Sacudi ndo f ur i osament e a i r mã, Jo gr i t ava num ar r ebat ament o de dor e f úr i a: - És uma mal vada. Não vou ser capaz de escr evê- l o ou t r a vez e não t e per doar ei nunca.

Meg cor r eu em auxí l i o de Amy e Bet h t ent ou acal mar Jo, mas est a es t ava t ão exci t ada que, depoi s de dar uma bof et ada em Amy, sai u a cor r er e f oi r ef ugi ar - se no sót ão, onde expandi u a sua i r a soz i nha.

Quando cont ar am à senhor a Mar ch o que acont ecer a, es t a f ez compr eender a Amy o pr ej uí zo que t i nha causado à i r mã. Aquel e l i v r o er a o or gúl ho de Jo e t odos o consi der avam como uma obr a l i t er ár i a mui t o pr omet edor a. Er a compost o, apenas, por mei a- dúz i a de cont os de f adas, mas Jo t i nha- os escr i t o com mui t a pac i ênci a, na esper ança de que r esul t asse uma obr a di gna de ser i mpr essa.

O di a segui nt e amanheceu mui t o f r i o e t udo cor r i a mal a Jo. O bol o de maçã cai u- l he em c i ma da l ama; a t i a Mar ch t eve um at aque de ner vos; e, quando vol t ou par a casa, encont r ou Meg pensat i va e Bet h t r i st e.

Que abor r eci do que est á aqui dent r o! " , pensou Jo. Vou pedi r a Laur i e que vá pat i nar comi go. Tenho a cer t eza de que a sua companhi a vai pôr - me boa. "

Foi o que f ez. Quando Amy ouvi u o bar ul ho dos pat i ns que Jo l evava na mão, exc l amou:

- Vai pat i nar e não me di z nada! E t i nha pr omet i do que, 65 dest a vez, eu i r i a com el a, por que o gel o do I nver no não t ar da a desapar ecer . . " - Não a censur es, por que f ost e mui t o má e é- l he di f í c i l per doar que l he t enhas dest r uí do o seu pr ec i oso l i vr o - di sse Meg. - No t eu l ugar , eu i r i a at r ás del es e, quando el a est i vesse bem- di spost a por est ar com Laur i e, apr ox i mava- me del a, pedi a- l he per dão e dava- l he um bei j o. . . Hás- de ver como f azem as pazes. - Vou t ent ar - r espondeu Amy. E, pr epar ando- se num i nst ant e, cor r eu at r ás de Jo e de Laur i e que, naquel e moment o, t r anspunham a col i na. O r i o er a al i per t o mas, ant es de Amy chegar j unt o del es, j á est avam ambos pr ont os par a pat i nar . Jo, vendo- a apr oxi mar - se, vol t ou- l he as cost as e Laur i e não a vi u, poi s es t avam pat i nando cui dadosament e ao l ongo da mar gem, t act eando o gel o.

- Vou at é à pr i mei r a cur va do r i o par a ver se est á em

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Condi ções, ant es de começar mos a pat i nar - ouvi u- o Amy di zer no moment o em que par t i a, f azendo l embr ar um j ovem r usso com o seu casaco e gor r o de pel es . Jo ouvi u a i r mã chegar of egant e, por t er cor r i do t ant o. Bat i a com os pés no chão e sopr ava nos dedos par a os aquecer , enquant o t ent ava cal çar os pat i ns, mas nunca se vol t ou. - Mant ém- t e sempr e j unt o da mar gem. O cent r o não est á segur o - avi sou- a Laur i e, quando chegou. Jo ouvi u- o, mas Amy não, por que cont i nuava a f azer es f or ços par a cal çar os pat i ns . Jo dei t ou- l he uma ol hadel a por ci ma do ombr o, e o di abi nho que t i nha l á dent r o segr edou- l he: Não quei r as saber se el a ouv i u ou não. Que se ar r anj e! Laur i e cont i nuou a pat i nar e, dent r o em pouco, desapar eci a na cur va do r i o. Jo i a at r ás del e e Amy, at r asada, di r i gi a- se par a o cent r o, onde o gel o er a mai s l i so mas menos sól i do. Dur ant e al guns segundos, Jo est acou com uma est r anha sensação no pei t o; mas depoi s deci di u cont i nuar . Por ém al guma 67 coi sa a f ez ol har par a t r ás, a t empo de ver Amy l evant ar os br aços e desapar ecer na água com um bar ul ho de gel o par t i do, l ançando um gr i t o que encheu Jo de t er r or .

Qui s chamar Laur i e, mas a voz f i cou- l he pr esa na gar gant a. Qui s cor r er mas as per nas não obedeci am. Dur ant e al guns i nst ant es f i cou par al i sada, chei a de t er r or , com os ol hos f i xos no capuz azul que f l ut uava na água. Subi t ament e Laur i e passou r ápi do j unt o del a e gr i t ou- l he:

- Dá- me uma var a! Depr essa! Nunca chegou a saber bem como t udo se passou, mas dur ant e

os mi nut os segui nt es f ez t udo o que pôde, segui ndo as or dens de Laur i e que, conser vando a ser eni dade, se es t endeu ao compr i do sobr e o gel o, segur ando Amy com os br aços at é que Jo consegui u ar r anj ar uma var a e, assi m, ambos consegui r am t i r ar da água a gar ot a, mai s assust ada do que magoada.

- Temos de l evá- l a par a casa depr essa. Envol ve- a nos nossos casacos, enquant o l he t i r o os pat i ns - di sse Laur i e.

E t ent ava desat ar as cor r ei as dos pat i ns, que nunca l he hav i am par eci do t ão compl i cadas.

Tr emendo de f r i o, chor ando e escor r endo água, Amy f oi l evada par a casa. Assi m que l á chegou, não t ar dou a ador mecer , enr ol ada em mant as di ant e do l ume. Jo, enquant o t eve que f azer , andou de um l ado par a o out r o mui t o pál i da, com o vest i do r asgado e as mãos f er i das pel o gel o, pel a var a e pel as f i vel as dos pat i ns, mas não pr onunci ou uma só pal avr a. Quando Amy ador meceu, a mãe, que est ava sent ada ao l ado da cama, chamou Jo par a l he l i gar as mãos f er i das.

- Tem a cer t eza de que não há per i go, mamã? - per gun t ou Jo, ol hando par a a cabel ei r a l our a que poder i a t er desapar eci do par a sempr e sob o gel o.

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- Cl ar o que não. Não est á f er i da e est ou convenc i da de que nem mesmo se vai const i par . Fi zes t e mui t o bem em abaf á- l a e t r azê- l a l ogo par a casa. 68 - Foi o Laur i e quem t r at ou de t udo. Eu dei xei - a com aquel e per i go. Se Amy t i vesse mor r i do, a cul pa ser i a mi nha. - e Jo dei xou- se escor r egar j unt o da cama, sol uçando e expr í mí ndo em l ágr i mas a gr at i dão que sent i a por haver escapado a t ão dol or osa expi ação. E, depoi s de expl i car o que acont ecer a, acr escent ou: - Foi t udo por cul pa do meu péssi mo car ác t er . Quando j ul go que j á consegui domi ná- l o, el e sur ge de novo, pi or do que ant es. Que hei - de f azer , mãe?excl amou desesper ada.

- Vi gi a- o com at enção e r eza, mi nha f i l ha. Nunca t e canses de r ecomeçar e não penses que vai ser i mpossí vel vencer os t eus def ei t os - di sse- l he a mãe, puxando- a par a si e bei j ando as suas f aces húmi das.

- É que a mãe não sabe, não pode cal cul ar como é hor r í vel ! Par ece que sou capaz de t udo quando est ou exal t ada; f i co de t al manei r a f or a de mi m que poder i a mesmo f azer mal

a uma pessoa e f i car cont ent e. Tenho medo de v i r um di a a f azer qual quer coi sa medonha, ar r ui nar a mi nha vi da e pr ovocar o ódi o de t odos. Oh, mãe! Aj ude- me, aj ude- me. Pouco depoi s, Amy mexeu- se e suspi r ou enquant o sonhava.

E desej ando começar i medi at ament e uma nova vi da, Jo ol hou- a com uma expr essão que nunca ni nguém l he t i nha vi st o.

- Dei xei que o sol se pusesse sobr e a mi nha i r a. Ont em não t e qui s per doar e hoj e, se não f osse o Laur i e, t i nha si do demasi ado t ar de. Como pude ser t ão má? - mur mur ou Jo e, debr uçando- se sobr e a i r mã, af agou- l he o cabel o.

Como se t i vesse ouvi do, Amy abr i u os ol hos e est endeu os br aços par a el a, com um sor r i so que penet r ou no í nt i mo de Jo. Nenhuma pr onunci ou qual quer pal avr a, mas abr açar am- se e, com um bei j o si ncer o, t udo f i cou per doado e esquec i do. 70

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�7��I7��J��������-,9�K��(8���$,�B,���� - A mel hor coi sa que podi a t er acont eci do f oi aquel as c r i anças apanhar em sar ampo nest a al t ur a - di z i a Meg num di a de Abr i l , enquant o ar r umava a sua mal a no quar t o, aj udada pel as i r mãs. - E a Ani t a Mof f at f oi mui t o amável por não se t er esquec i do da pr omessa que t e t i nha f ei t o. Vai s passar qui nze di as est upendos - coment ou Jo, enquant o dobr ava a r oupa. - Ai nda bem que est á um t empo t ão agr adável ! - acr escent ou Bet h, ar r umando f i t as par a o cabel o na sua mel hor cai xa, que empr est ar a a Meg. - Eu t ambém gost ava de i r di ver t i r - me e usar vest i dos boni t os - dec l ar ou Amy. - E eu gost ava mui t o que vi essem t odas, mas como não é possí vel , hei - de cont ar - vos t udo quando vol t ar - pr omet eu Meg, ol hando par a a sua bagagem t ão si mpl es, que t odas t i nham aj udado a ar r umar .

No di a segui nt e, Meg segui u de vi agem par a i r gozar duas semanas de di ver t i ment o e conhecer coi sas novas. For a di f í c i l convencer a senhor a Mar ch a dei xá- l a i r , por que r eceava que el a vi esse mai s t r i st e do que al egr e, mas Meg i nsi st i u t ant o que a mãe acabou por consent i r .

Os Mof f at er am r i cos e Meg sent i u- se um pouco i ni bi da a 71 pr i ncí pi o, naquel e ambi ent e l uxuoso, mas como, apesar da v i da super f i c i al que l evavam, er am pessoas boas e amávei s, em pouco t empo el a começou a sent i r - se à vont ade. Repar ou que não er am, t al vez, pessoas mui t o cul t as e que o l uxo não er a suf i c i ent e par a ocul t ar a sua vul gar i dade mas por out r o l ado, er a bem agr adável passear numa magní f i ca car r uagem, vest i r sempr e os mel hor es vest i dos que t i nha e não f azer mai s nada senão di ver t i r - se. Não t ar dou a i mi t ar os modos dos que a r odeavam, t omando ar es pr esumi dos, t or nando- se agr adável par a os r apazes, f r i sando o cabel o e f al ando de modas. Quant o mai s ol hava par a as coi sas boni t as que Ani t a possuí a, t ant o mai s se enchi a de i nvej a, desej ando t ambém ser r i ca. Quando pensava na sua casa, est a par eci a- l he t r i s t e e mi ser ável ; o seu t r abal ho mai s desagr adável do que nunca e achava que não f or a f avor eci da pel a sor t e.

Não t i nha mui t o t empo par a se l ament ar , por que est avam mui t o ocupadas em di ver t i r - se. I am f azer compr as, passeavam a caval o ou f az i am v i si t as. À noi t e, i am ao t eat r o, à óper a ou passavam o ser ão em casa, por que Ani t a t i nha mui t os ami gos.

Uma das suas i r mãs mai s vel has est ava noi va, o que par a Meg er a mui t o r omânt i co. Todas a acar i nhavam mui t o e Dai sy" , como

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l he chamavam, encont r ava- se no mel hor cami nho par a per der a cabeça.

Quando chegou a noi t e par a a qual es t ava mar cada uma f es t a em f amí l i a, Meg achou que o seu vest i do de mussel i na de l ã não er a apr opr i ado, vi s t o que as out r as r apar i gas i am de vest i dos l eves; de modo que se deci di u pel o vest i do de t ul e, que l he par eceu mai s vel ho e mai s gast o do que nunca ao l ado do vest i do novo e f r esco de Sal l i e. Deu- se cont a dos ol har es que as suas ami gas dei t avam ao vest i do e sent i u- se opr i mi da por que, apesar do seu f ei t i o t er no, er a mui t o or gul hosa. 72 Nenhuma das r apar i gas f ez qual quer obser vação, mas Sal l i e of er eceu- se par a a pent ear ; Ani t a par a f azer o l aço no cabel o e Bel l e, que er a a que t i nha noi vo, el ogi ou a br ancur a de sua pel e. Mas em t odas aquel as gent i l ezas, Meg v i u apenas compai xão pel a sua pobr eza, r azão pel a qual se sent i u mai s t r i st e e amar gur ada do que nunca e dei xou- se f i car cal ada, enquant o as out r as t agar el avam e r i am, andando de um l ado par a o out r o como bor bol et as. A amar gur a t i nha t omado cont a del a quase por compl et o, quando ent r ou uma cr i ada com uma cai xa de f l or es . Sem dar t empo a que a pequena di ssesse al guma coi sa, Ani t a pegou na cai xa, dest apou- a e, ao ver aquel as l i ndas r osas ent r e f et os, t odas davam gr i t i nhos de admi r ação. - Devem ser par a a Bel l e. O Jor ge manda- l he f l or es mui t as vezes, mas est as são des l umbr ant es - di sse Ani t a. - O r apaz que as t r ouxe di sse que er am par a a meni na Mar ch. E t ambém dei xou est a car t a - di sse ent ão a cr i ada, ent r egando- a a Meg. - Oh! São par a t i ?! De quem são?! Não sabí amos que t i nhas noi vo ! - excl amar am as ami gas, chei as de cur i osi dade. - A car t a é da mãe e as f l or es são de Laur i e - escl ar eceu Meg mui t o cont ent e por não a t er em esqueci do. - Ah, si m! - di sse Ani t a com um ol har t r oci st a. Ent r et ant o Meg guar dava o bi l het e no bol so, como uma espéci e de encant o cont r a a i nvej a, a vai dade e o f al so or gul ho. Sent i u- se out r a vez f el i z, separ ou al guns f et os e r osas par a s i e f ez r api dament e com o r est o bouquet s mui t o boni t os par a as suas ami gas por em ao pei t o, no cabel o ou no ci nt o. Aquel a noi t e f oi mui t o agr adável , por que dançou t ant o quant o podi a desej ar ; t odos se most r ar am mui t o agr adávei s com el a e r ecebeu vár i os cumpr i ment os. Teve de cant ar , poi s Ani t a i nsi st i u e al guém di sse que el a t i nha uma boni t a voz ; o comandant e Li ncol n per gunt ou quem er a aquel a r apar i gui nha de ol hos t ão l i ndos" e o senhor Mof f at di sse que gost ava de dançar com el a por que er a mui t o l eve e dançava sempr e a compasso" . Tudo se passou mui t o bem at é ao moment o em que, por pouca sor t e sua,

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ouv i u uma conver sa que a dei xou t r anst or nada. Tendo- se sent ado à por t a da est uf a, encober t a por

pl ant as, à esper a do seu par , que t i nha i do buscar - l he um gel ado, ouv i u uma voz que per gunt ava:

- E que i dade t em o r apaz? - Dezassei s ou dezasset e anos, segundo cr ei o - r espondeu

out r a voz. - Ser i a um ópt i mo par t i do par a qual quer das r apar i gas, não

l he par ece? Sal l i e di z que são mui t o ami gos e que o vel hot e é compl et ament e l ouco por el as .

- A senhor a Mar ch, sem dúvi da, t er á os seus pl anos e, como ai nda t em mui t o t empo, o j ogo dar á r esul t ado. Embor a se aper ceba que a pequena, por agor a, ai nda não pensa nel e - di sse a senhor a Mof f at .

- El a di sse que a car t a er a da mãe, par a di sf ar çar , mas quando v i u as f l or es sor r i u cont ent e. Coi t ada! Fi car i a mai s boni t a se es t i vesse mai s bem vest i da. Achas que se of ender i a se l he of er ecêssemos um vest i do par a a f est a?

- É or gul hosa, mas cr ei o que acei t ava, por que só t em est e vest i do de t ul e vel ho. Se est a noi t e o r ompesse, er a um bom mot i vo par a l he dar mos out r o.

- Ver emos. Vou convi dar o j ovem Laur ence par a l he ser agr adável e havemos de nos di ver t i r .

Naquel e moment o chegou o par de Meg, que vei o achá- l a mui t o ver mel ha e bast ant e agi t ada. O seu or gul ho val eu- l he par a di ssi mul ar o desgost o, a náusea e a i ndi gnação por aqui l o que acabava de escut ar , poi s apesar da sua i nocênci a t i nha compr eendi do o al cance dos mexer i cos das suas ami gas. 74 Tent ou esquecer t udo mas não esqueceu, at é que a i nvadi u uma enor me vont ade de vol t ar par a casa, cont ar o que acont ecer a e pedi r consel ho, mas, como i sso er a i mpossí vel , f ez t udo o que pôde par a si mul ar al egr i a e, como est ava mui t o exci t ada, não l he f oi mui t o di f í c i l . Quando a f est a acabou, sent i u um gr ande al í v i o e, uma vez na cama, deu cur so l i vr e ao desgost o e às l ágr i mas que l he cor r er am pel as f aces congest i onadas. Passou uma noi t e desassossegada e, ao acor dar , sent i u- se mui t o i nf el i z e of endi da com as suas ami gas. Ao mesmo t empo, t i nha ver gonha de s i mesma por não t er t i do a cor agem de f al ar com f r anqueza e escl ar ecer t udo. Naquel e di a, al guma coi sa no compor t ament o das ami gas l he desper t ou a at enção. Par eci am t r at á- l a mai s r espei t osament e, i nt er essar - se mai s pel o que di zi a e f i xá- l a com cur i osi dade. Embor a não compr eendendo o mot i vo, sent i u- se sur pr eendi da e l i sonj eada. Só compr eendeu a at i t ude del as quando Bel l e di sse com um cer t o ar sent i ment al :

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- Mandei um convi t e ao t eu ami go, o senhor Laur ence, par a a f es t a de qui nt a- f ei r a. É uma at enção que t e devemos e, al ém di sso, vamos gost ar mui t o de o conhecer .

Meg cor ou, mas qui s ar r el i á- l as, di zendo mui t o sér i a: - Soi s mui t o s i mpát i cas, mas. . . não acr edi t o que venha. - Por que não? - Tem mui t a i dade par a est as coi sas. . . - O que é que est ás a di zer ? Quant os anos t em? - Per t o de set ent a. - Que gr aci nha! . . . Es t amos a f al ar do j ovem Laur ence. - Ah! O Laur i e é ai nda um mi údo. . . - e Meg pôs- se a r i r ,

di ver t i da com a est r anha t r oca de ol har es ent r e as i r mãs, quando a ouvi r am f al ar assi m do supost o noi vo.

Na qui nt a- f ei r a, à t ar de, Bel l e f echou- se no quar t o de Meg, com a cr i ada, e as duas t r ansf or mar am a j ovem numa 75 encant ador a dama. Fr i sar am- l he o cabel o, puser am- l he pó- de- ar r oz nos br aços e no pescoço e apl i car am- l he um pouco de cor al i na nos l ábi os. Met er am- na dent r o de um vest i do aper t ado que quase l he cust ava a r espi r ar e com um decot e t ão gr ande que Meg at é cor ou quando se vi u ao espel ho. Puser am- l he um ader eço de f i l i gr ana de pr at a, acr escent ar am ai nda um r amal het e de r osas- chá ao pei t o e um f ol hi nho de seda, o que l he t apou um pouco o gr ande decot e, compl et ando o ar r anj o com um l enço de r enda e um l eque de penas. Quando r eceber am or dem da senhor a Mof f at par a descer ,

Meg di sse a Sal l i e: - Tenho medo. . . Si nt o- me t ão esqui si t a e const r angi da como

se est i vesse semi nua. - Nem par eces t u, mas est ás mui t o boni t a. A Bel l e t em mui t o

bom gost o. Cui dado, não t r opeces - r espondeu Sal l i e, pr ocur ando não sent i r i nvej a por Meg es t ar mai s boni t a

do que el a. Pensando na r ecomendação da ami ga, Meg desceu as escadas com

cui dado e ent r ou maj es t osament e no sal ão onde, com os Mof f at , est avam j á al guns convi dados. Pouco depoi s

descobr i u que, mer cê do l uxuoso vest i do que enver gava, desper t ava a at enção de t odos. Al guns j ovens gal ant es que, na r euni ão ant er i or , se t i nham l i mi t ado a ol há- l a com al guma i ndi f er ença, t or nar am- se r epent i nament e mui t o at enci osos, pedi ndo par a l he ser em apr esent ados e di r i gi ndo- l he pal avr as amávei s. At é al gumas senhor as i dosas que, sent adas um pouco à par t e, se ent r et i nham a obser var t udo e t odos, se i nt er essar am por el a. Meg ouvi u a senhor a Mof f at r esponder a uma del as:

- É Mar gar i da Mar ch. . . Per t ence a uma das nossas mel hor es f amí l i as , mas t i ver am r evezes da f or t una, compr eende? É ami ga dos Laur ence. . . O meu Ned est á mui t o i nt er essado nel a. 76

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As pal avr as que acabava de escut ar soar am- l he mal . No ent ant o, r esol veu supor - se el a pr ópr i a a r epr esent ar o papel de senhor a el egant e, e f ê- l o mui t o bem, não obst ant e o vest i do mui t o j us t o l he causar uma dor nas cost as , a cauda est ar sempr e a met er - se- l he debai xo dos pés e o medo const ant e de que os br i ncos l he caí ssem das or el has e se par t i ssem. Est ava a abanar - se com o l eque e a r i r - se com as br i ncadei r as de um j ovem que f az i a t odos os seus esf or ços par a ser amável , quando, de r epent e, dei xou de r i r e o seu r os t o t omou uma expr essão embar açada, por que, na sua f r ent e, v i r a Laur i e. Que par vos, met endo- me est as i dei as na cabeça! Não vou f azer nenhum caso do que di zem" , pensou Meg, enquant o est endi a a mão ao seu ami go, pr ocur ando par ecer nat ur al . - Est ou mui t o cont ent e por t er es vi ndo, Laur i e - di sse el a, com um ar de pessoa cr esci da. - A Jo qui s que eu v i esse par a depoi s l he cont ar como est avas - r espondeu el e, sor r i ndo por not ar - l he o t om af ec t ado. - E que l he vai s di zer ?

- Que quase não t e conheci e que par eces t ão adul t a que at é me assust as.

- És t ol o! As mi nhas ami gas di ver t i r am- se a vest i r - me ass i m e eu at é gost ei . Que car a f ar i a a Jo se me vi sse! Não é? - i nqui r i u Meg, desej ando que el e l he di ssesse se est ava ou não f avor eci da.

- Er a o que eu est ava a pensar - r et or qui u el e com um ar sér i o. - Não gost as de me ver assi m? - Não! - r espondeu o r apaz com t oda a f r anqueza. - Por quê? - per gunt ou el a com al guma ansi edade.

Laur i e ol hou par a o decot e e par a o vest i do car r egado de ador nos, com uma expr essão que a f ez sent i r ai nda mai s enver gonhada. 77 - Não gost o de espal haf at os. Meg sent i u- se f er i da pel o f act o de um r apaz mai s novo do que el a l he f al ar assi m e af ast ou- se depoi s de di zer : - És um gr ossei r ão. Di r i gi u- se par a uma j anel a, por que se sent i u t ão suf ocada que pr eci sou de um pouco de ar . Enquant o al i est ava, passou o maj or Li ncol n. Pouco depoi s ouvi u- o di zer à mãe: - Quer i a most r ar - t e est a r apar i gui t a, mas est ão a est r agá- l a compl et ament e. Est a noi t e par ece uma boneca. Meg pensou t r i st ement e: Quem me der a que t i vesse post o o meu vest i do de t ul e. Agor a não est ar i a nest a af l i ção, a sent i r ver gonha de mi m mesma. " Est ava com a cabeça apoi ada na vi dr aça, mei o ocul t a pel as cor t i nas , quando al guém se apr oxi mou. Vol t ando- se vi u que er a Laur i e que se i ncl i nava par a

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el a, ar r ependi do, es t endendo- l he a mão: - Descul pa o que t e di sse, vamos dançar ! - Não. Ser i a mui t o desagr adável par a t i - r espondeu el a, esf or çando- se por se most r ar of endi da, mas sem o consegui r . - Pel o cont r ár i o, t er ei mui t o pr azer ni sso. Não gost o do vest i do, mas est ás. . . mar avi l hosa. Meg sor r i u, descont r ai ndo- se e, acei t ando, r espondeu: - Toma cui dado par a não t r opeçar es na cauda do vest i do. É mui t o i ncómoda. - Pr ende- a com um al f i net e à vol t a do pescoço e assi m t er á al guma ut i l i dade. Começar am a dançar , com l eveza e gr aci osi dade, como hav i am pr at i cado em casa. Faz i am um par i deal e er a um r eal o vê- l os vol t ear , mai s ami gos do que nunca, depoi s da pequena di scussão. - Laur i e, podi as f azer - me um f avor ? - pedi u el a, enquant o 78 el e a abanava com o l eque, no moment o em que par ar a, por l he t er f al t ado o f ôl ego. - Com cer t eza ! - Não di gas em casa que usei est e vest i do. A mi nha mãe t i nha um desgost o. - E por que é que o usast e? - Eu mesma l he di r ei por que o f i z , mas não di gas nada. - Est á bem. - di sse el e. - Vem aí Ned Muf f at . Que ser á que el e quer ? - Pr omet i que dançava t r ês vezes com el e. Deve ser por i sso. Que maçada! - di sse Meg com um ar t ão enf ast i ado que pr ovocou o r i so de Laur i e. Est e não vol t ou a f al ar com el a ant es da hor a do j ant ar , quando a vi u a beber champanhe com o di t o Ned e com o seu ami go Fi sher , os quai s se est avam a compor t ar como doi s est úpi dos, na opi ni ão de Laur i e, que se sent i a com a r esponsabi l i dade de vel ar por Meg. - Eu, se f osse a t i , não bebi a t ant o, Meg. Se cont i nuar es a beber , amanhã vai s t er uma t r emenda dor de cabeça. - A t ua mãe não apr ovar i a - sussur r ou, apr ox i mando- se del a enquant o Ned vol t ava a encher - l he a t aça e Fi sher apanhava o o l eque que t i nha caí do no chão. - Eu est a noi t e não sou a Meg; sou uma boneca que f az t oda a espéci e de t ol i ces. Amanhã ponho de par t e as mi nhas coi sas espal haf at osas, e vol t o a ser uma r apar i ga mui t o bem compor t ada! - r espondeu com um sor r i so. - Quem me der a que o amanhã f osse hoj e - mur mur ou Laur i e. Meg bai l ou, t agar el ou e cr i t i cou, como t odas as out r as r apar i gas. Depoi s da cei a r esol veu dançar , mas não f ez senão enganar - se, quase f azendo cai r o seu par com a l onga cauda do vest i do e br i ncando e f azendo bar ul ho a pont o de escandal i zar

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Laur i e. 79 Dur ant e t odo o di a segui nt e sent i u- se doent e e no sábado vol t ou par a casa cansada dos seus qui nze di as de di ver t i men t o e enf ast i ada com o ambi ent e de l uxo em que vi ver a dur ant e aquel e t empo.

- Que bom que é o sossego. . . ! Não t er de est ar const ant ement e a pensar em t odos os gest os ! A nossa casa é um l ugar mar avi l hoso, mesmo sem l uxos - di sse el a, no domi n go à t ar de, sent ada, na companhi a da mãe e de Jo.

- Si nt o- me cont ent e por f al ar es assi m, mi nha f i l ha, por que r eceei que a nossa casa t e par ecesse t r i st e e pobr e depoi s de t er es vi v i do est es di as na opul ênci a - r espondeu a mãe que, desde que a f i l ha r egr essar a, a v i nha obser vando com cer t a ansi edade.

- Tenho uma conf i ssão a f azer , mãezi nha. - Bem me quer i a par ecer . O que é que pr eci sas de conf essar ,

f i l ha? - Quer es que me vá embor a? - per gunt ou Jo. - Não. A t i di go sempr e t udo. Quer o que sai bam como me por t ei

mal em casa dos Mof f at . - Es t amos pr ont as a escut ar - t e - sor r i u a senhor a Mar ch,

embor a se sent i sse um pouco i nqui et a. - Eu di sse que as r apar i gas me vest i r am com um l i ndo vest i do,

mas não di sse que me puser am pó- de- ar r oz e bât on nos l ábi os e que me t r ansf or mar am num manequi m. O Laur i e f i cou enoj ado com t udo aqui l o. Eu j á sabi a que er a uma est upi dez, mas f i quei t ão envai dec i da e di sser am- me que f i cava t ão boni t a, que as dei xei r i r à mi nha cust a.

- Foi só i sso que f i zes t e? - per gunt ou Jo. - Não. Bebi champanhe. Fi z bar ul ho, pr ocur ei at r ai r a at enção

dos r apazes, por t ei - me de um modo censur ável - r espondeu Meg. - Tenho a i mpr essão de que há mai s al guma coi sa - di sse a

senhor a Mar ch, acar i c i ando o r ost o da f i l ha, que cor ou quando es t a r espondeu: 80 - Há, s i m. É uma t ol i ce, mas t enho de cont ar , por que m r eevol t a que as pessoas di gam est as coi sas de nós e do Laur i e. Cont ou ent ão o que ouvi r a na noi t e do bai l e, e Jo not ou que a mãe cont r aí a os l ábi os , of endi da por t er em met i do t ai s coi sas na cabeça de Meg.

- Nunca ouvi coi sa t ão absur da! - excl amou Jo, i ndi gnada. - Por que é que não l hes di ssest e l ogo o que t i nhas a di zer àquel as est úpi das?

- Não podi a di zer , por que ni nguém sabi a que eu as es t ava a escut ar . Não é cor r ect o, mas f i quei t ão i ncomodada que nem pensei ni sso.

- Quando encont r ar a Ani t a Mof f at , vai t er que me ouvi r .

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par eci a que, dur ant e aquel es qui nze di as, Meg se t i nha t or nado mui t o mai s adul t a, e que se af ast ava agor a par a mundo di f er ent e, onde não a poder i a acompanhar . - Mãezi nha, é ver dade que t ens pr oj ect os, como di sse a senhor a Mof f at ? - per gunt ou por f i m, um t ant o conf usa. - Cl ar o que t enho, quer i da, mui t os. . . Todas as mães os t êm. Mas cr ei o que os meus são di f er ent es dos dessa senhor a. Vou esc l ar ecer al gumas das t uas dúvi das, por que cr ei o que chegou o moment o de o f azer . Apesar de ser es mui t o mova, acho que me vai s ent ender , e os l ábi os de uma mãe são os mai s i ndi cados par a f al ar de cer t as coi sas. A t ua vez, t ambém vai chegar , de manei r a que escut em as duas os meus pr oj ect os , e, se f or em bons, aj udem- me a r eal i zá- l os. Jo sent ou- se num br aço da cadei r a, como quem vai t omar par t e num act o sol ene, e a senhor a Mar ch, pegando numa mão de cada f i l ha, di sse com o seu ar sér i o mas bem- humor ado: - Quer o que as mi nhas f i l has sej am boas, boni t as e di st i nt as, e que sej am amadas e r espei t adas. Que t enham uma 81 j uvent ude f el i z e se casem bem e de manei r a conveni ent e. Ser escol hi da e amada por um homem bom é o mel hor que pode acont ecer a uma mul her e desej o que as mi nhas f i l has t enham essa exper i ênci a. É nat ur al pensar ni sso, Meg, é j ust o esper ar que acont eça e é pr udent e que cada uma se pr epar e par a que, quando chegar o moment o, est ej a pr ont a par a assumi r as suas r esponsabi l i dades e ser f el i z. Mi nhas f i l has, t enho uma gr ande ambi ção a vosso r espei t o, mas não pr et endo que sej am pessoas i mpor t ant es nest e mundo ou que se casem com homens r i cos só por essa r azão, ou que venham a t er casas magní f i cas e l uxuosas que não sej am ver dadei r os l ar es, por l hes f al t ar o amor . O di nhei r o é út i l e at é nobr e quando devi dament e ut i l i zado, mas não quer o que o consi der em a úni ca coi sa i mpor t ant e. Pr ef er i r i a vê- l as esposas de homens pobr es, mas amadas e cons i der adas, do que r ai nhas, mas sem paz e sem r espei t o pr ópr i o.

- Bel l e di z que as r apar i gas pobr es não t êm qual quer pr obabi l i dade de casar se não se puser em em evi dênci a - suspi r ou Meg.

- Poi s ent ão é pr ef er í vel f i car mos sol t ei r as! - excl amou Jo, ener gi cament e.

- Di ssest e bem, Jo. É mel hor ser uma sol t ei r ona di gna do que uma esposa i nf el i z ou uma r apar i ga sem pr opósi t o, como aquel as que cor r em at r ás dos homens à pr ocur a de um mar i do - obser vou a mãe, par a l ogo depoi s acr escent ar : A pobr eza r ar as vezes assust a um amor s i ncer o. Al gumas das mai s consi der adas mul her es que eu conheço er am r apar i gas pobr es, mas t ão di gnas de ser amadas que esse mot i vo as não dei xou f i car sol t ei r as. Há uma coi sa que devem t er pr esent e: é que eu es t ou sempr e di spost a a ser vossa conf i dent e e o pai a ser o vosso mel hor ami go.

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As duas i r mãs ouvi r am com ent usi asmo as pal avr as da senhor a Mar ch e despedi r am- se, desej ando- l he uma boa noi t e. 82

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Com a Pr i maver a apar eceu uma nova sér i e de di ver t i ment os, e os di as, cada vez mai s compr i dos, of er eci am l ongas t ar des par a o t r abal ho e par a as di s t r acções de t oda a espéci e. O qui nt al t i nha de ser ar r anj ado, e, par a i sso, cada uma das i r mãs t omou à sua cont a um pequeno t al hão, par a t r at ar como mel hor l he apet ecesse. A Hanna cost umava di zer :

- Eu er a capaz de di zer a quem é que per t ence cada um dos j ar di nzi nhos, ai nda mesmo que el es es t i vessem l á par a a Chi na. E, de f act o, ass i m er a, por que os r ost os das r apar i gas er am t ão di f er ent es como os seus f ei t i os. Meg cul t i vava r osei r as e hi l i ot r ópi o, f l or de mur t a e uma l ar anj ei r a pequeni na. O cant ei r o de Jo nunca er a i gual duas est ações segui das, por que el a est ava sempr e a f azer exper i ênci as : est e ano f i zer a uma pl ant ação de gi r assói s.

Bet h t i nha no seu j ar di m f l or es per f umadas de espéci es f or a da moda, como er vi l has- de- chei r o, r eseda, del f í ni os, cr avei r os, amor es- per f ei t os, er va- ci dr ei r a e t ambém mer ugem, par a os passar i nhos, e poej os, par a os gat i nhos. Amy, no del a, t i nha um car amanchão - não mui t o espaçoso e com al guns i nsect os, mas mui t o boni t o à vi s t a - r evest i do de madr e- si l va e de nove- hor as, com os seus t ent ácul os col or i dos e as suas gr ac i osas campânul as, f or mando gr i nal das pendent es 83 que o cobr i am t odo; l í r i os br ancos de f ust e al t o, f et os del i qados e mui t as out r as pl ant as f or a do vul gar e de t ons r espl andecent es, t ant as quant as er a possí vel cr escer e f l or i r naquel e pequeno espaço.

A j ar di nagem, passei os a pé, passei os de bar co no r i o e col hei t a de f l or es no campo ocupavam as t ar des dos di as boni t os; par a as de chuva t i nham di ver t i ment os em casa - uns mai s ant i gos, out r os de nov i dade - t odos mai s ou menos or i gi nai s. Um desses ent r et eni ment os er a o C. P. , por que as soc i edades secr et as est avam ent ão na moda e er a consi der ado pr ópr i o f azer par t e de uma soc i edade desse géner o. Como t odas er am gr andes admi r ador as de Di ckens, passar am a chamar - se sóci as do Cl ube Pi cwi ck" . Apenas com pequenas i nt er r upções, mant i nham as suas act i v i dades hav i a um ano e f azi am as r euni ões t odos os sábados à t ar de nas gr andes águas- f ur t adas.

Tr ês cadei r as di spost as em f i l a di ant e de uma mesa, sobr e a qual havi a um candeei r o a pet r ól eo e quat r o i nsí gni as de cor br anca com as l et r as C. P. " em pont o gr ande, de cor es di f er ent es,

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em cada uma del as e um semanár i o chamado Ar qui vo Pi ckwi ck , par a o qual t odas escr evi am qual quer coi sa mas de que a Jo, que del i r ava com as penas de escr ever com a t i nt a, er a o edi t or . Às set e hor as da t ar de os quat r o membr os do c l ube subi am à sal a das sessões, col ocavam asi i nsí gni as em t or no da cabeça e t omavam os seus l ugar es com a mai or sol eni dade. Meg, como mai s vel ha, er a Samuel Pi ckwi ck , Jo, que t i nha t endênci as l i t er ár i as, er a August us Snodgr ass, Bet h, por que er a r edondi nha e r osada, Tr ay Tupman e Amy, que andava sempr e a quer er di zer aqui l o que não podi a, Nat hani el Wi nkl e. Pi ckwi ck, na pr esi dênci a, f azi a a l ei t ur a do per i ódi co, que er a pr eenchi do com nar r at i vas or i gi nai s, poesi a, not í c i as de i nt er esse l ocal , anúnci os cómi cos e uma secção de sugest ões, em que cada uma l embr ava 84 às out r as as suas f al t as e os seus def ei t os , mas sem magoar . Numa dessas sol eni dades o senhor Pi ckwi ck pôs uns ócul os sem vi dr o, bat eu com os nós dos dedos no t ampo da mesa, f ez hem, r epet i das vezes e, depoi s de t er f i xado com ener gi a os seus ol hos no senhor Snodgr ass, que es t ava empur r ando par a t r ás a sua cadei r a a f i m de consegui r uma at i t ude apr opr i ada, começou a l er uma sér i e de ar t i gos e hi s t ór i as escr i t as pel os quat r o membr os do cl ube: Casament o Mascar ado, Hi st ór i a de uma Abóbor a, Um Lament ável Aci dent e, ent r e out r os.

Quando o pr esi dent e acabou a l ei t ur a segui r am- se apl ausos ger ai s e, depoi s, o senhor Snodgr ass l evant ou- se par a mandar uma pr opost a par a a mesa.

- Senhor pr esi dent e e meus senhor es - , começou, assumi ndo uma at i t ude e um t om par l ament ar : - Desej o apr esent ar a pr opost a de admi ssão de um novo membr o; uma pessoa que é di gna de t al honr a e f i car á pr of undament e gr at a por mer ecê- l a. v i r á ani mar i mensament e o c l ube e aument ar o val or l i t er ár i o da nossa r evi s t a e cuj a boa di sposi ção e gent i l eza não t er á l i mi t es. Pr oponho que o senhor Teodor o Laur ence sej a admi t i do como membr o honor ár i o do Cl ube Pi ckwi ck. Or a vamos, admi t am- no!

A súbi t a mudança de t om no di scur so de Jo f ez r i r as r apar i gas, mas t odas mani f es t ar am uma cer t a i nqui et ação, e, quando Snodgr ass r et omou o seu l ugar , ni nguém pedi u a pal avr a.

- A pr opost a vai ser post a à vot ação - , di sse o pr es i dent e. - Quem apr ovar f aça o f avor de o mani f est ar di zendo: . Si m! "

Rui dosa r espost a af i r mat i va de Snodgr ass, segui da, com sur pr esa de t oda a gent e, pel a mui t o t í mi da de Bet h.

- Quem não apr ova di ga: Não! Meg e Amy não apr ovar am a pr opost a e o senhor Wi nkl e

l evant ou- se par a di zer com gr ande apur o de manei r as: 85 - Não quer emos r apazes ent r e nós; el es não sabem senão gr acej ar e gabar - se. I st o é um c l ube de senhor as e nós desej amos ser

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exc l usi vas e di gnas desse nome. - Recei o que el e se r i a da nossa r evi s t a e depoi s vá f azer

t r oça de nós - , obser vou o senhor Pi ckwi ck puxando pel a pequena madei xa de cabel os sobr e a t es t a, como cost umava f azer sempr e que est ava i ndeci so. Snodgr ass sal t ou da cadei r a e di sse com veemênci a: - Senhor pr es i dent e! Dou a mi nha pal avr a de honr a a vossa excel ênc i a que Laur i e nunca f ar á uma coi sa dessas: El e gost a de escr ever , dar á um cer t o t om à nossa col abor ação e evi t ar á que nos t or nemos sent i ment ai s, não est ão t odas a ver ? Aj uda- nos mui t o, enquant o nós de pouca val i a somos par a el e; por i sso a mi nha opi ni ão é que a coi sa mai s i nsi gni f i cant e que podemos f azer por el e é of er ecer - l he um l ugar ent r e nós e t or nar - l he esse l ugar agr adável , se el e o acei t ar .

Est a r ef er ênc i a habi l i dosa às vant agens concedi das l evou Tupman a pôr - se de pé, com a at i t ude de est ar compl et ament e dec i di do.

- Exact ament e, é o que devemos f azer , não obst ant e os nossos evi dent es r ecei os. Dec l ar o que el e pode ent r ar e o avô t ambém, se assi m o desej ar .

Est a expl osão i mpet uosa de Bet h el ec t r i zou o c l ube e Jo l evant ou- se par a l he i r dar um aper t o de mão de concor dânci a.

- Bem, agor a vamos a nova vot ação. Lembr em- se t odas de que se t r at a do nosso Laur i e e di gam: Si m! , - excl amou Snodgr ass chei a de ent us i asmo. Si m, , s i m, si m, r esponder am t r ês vozes ao mesmo t empo.

- Mui t o bem! E agor a, como não há nada como agar r ar a ocasi ão pel os cabel os" , no di zer mui t o apr opr i ado de 86 i nk l e, per mi t am- me que f aça a apr esent ação do novo sóci o do cl ube. - E, no mei o da const er nação da assi st ênc i a, Jo abr i u de r epent e a por t a do quar t o de ar r umações e exi bi u Laur i e, sent ado num saco de t r apos, t odo ver mel ho e a pi scar os ol hos no esf or ço de cont er o r i so. - Gr ande t r apacei r o! Gr ande t r ai dor ! Como pudest e f azer uma coi sa dest as, Jo? - gr i t ar am as t r ês r apar i gas, quando Snodgr ass avançou, t r i unf ant ement e, com o seu ami go e, of er ecendo- l he uma cadei r a e uma i nsí gni a, o i nst al ou, num ápi ce. - É espant oso o ci ni smo dest es doi s t r at ant es - pr i nc i pi ou a di zer o senhor Pi ckwi ck , t ent ando f r anzi r as sobr ancel has, com um ar ameaçador , mas consegui ndo apenas pr oduzi r um sor r i so amável . Mas o novo sóci o do c l ube não er a uma pessoa que se i nt i mi dasse e, er guendo- se da sua cadei r a, di r i gi u uma gr aci osa véni a à pr esi dênci a e pr of er i u as segui nt es pal avr as da manei r a mai s cat i vant e: - Senhor pr es i dent e e mi nhas senhor as. . . per dão ! . . . meus

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senhor es! Per mi t i - me que me apr esent e a mi m pr ópr i o como Sam Wel l er , ser vo mui t o humi l de dest e cl ube. - Mui t o bem ! Mui t o bem ! - exc l amou Jo bat endo com o cabo da vel ha br asei r a, que l he est ava a ser vi r de apoi o. - O meu f i el ami go e nobr e pr ot ec t or - , cont i nuou Laur i e, acompanhando as suas pal avr as com um gest o da mão apr opr i ado - , que, de uma f or ma t ão l i sonj ei r a, f ez a mi nha apr esent ação, não deve mer ecer qual quer censur a pel o est r at agema i r r egul ar a que r ecor r eu est a noi t e. Fui eu quem o pl aneou e el a só condescendeu depoi s de mui t o a enf adar . - Or a vamos, não quei r as f i car com t odas as cul pas! Sabes mui t o bem que eu pr opus o ar már i o - i nt er r ompeu Snodgr ass, que est ava di ver t i dí ss i ma com a br i ncadei r a. - Não f açam caso do que el a di z. Eu sou o mi ser ável que t udo f ez, senhor pr esi dent e - di sse o novo sóci o com uma 87 i nc l i nação de cabeça, à moda de Wel l er , par a Pi ckwi ck . Mas, sob mi nha pal avr a de honr a, nunca mai s pr oceder ei do mesmo modo, e, daqui par a o f ut ur o, dedi car - me- ei aos i nt e r esses dest e cl ube i mor t al .

- Apoi ado! Apoi ado! - gr i t ou Jo bat endo na t ampa da br asei r a. - Cont i nua, cont i nua - acr escent ar am Wi nkl e e Tupman,

ao mesmo t empo que o pr esi dent e bai xava a cabeça, com ar bondoso. - Desej o apenas di zer que, como i nsi gni f i cant e penhor da

mi nha gr at i dão pel a honr a que acaba de me ser conf er i da e com o f i m de pr omover r el ações ami st osas ent r e duas nações vi zi nhas, i ns t al ei uma cai xa de cor r ei o na sebe, j unt o à esqui na de bai xo, no qui nt al . É um bel o e espaçoso edi f í c i o com f echadur as nas por t as e t odas as comodi dades par a o ser vi ço do cor r ei o - e t ambém par a as pessoas do sexo f emi ni no, se me per mi t em a expr essão. É o vel ho pombal ; mas eu bar r ei - l he a por t a e abr i - l he o t el hado, de manei r a a poder guar dar t odas as coi sas e a poupar o nosso t empo pr eci oso. Car t as, manuscr i t os, l i vr os e embr ul hos podem l á ser

met i dos; e como cada nação v i zi nha t em a sua chave, ser á ext r aor di nar i ament e cómodo, segundo esper o. Per mi t am- me que f aça a ent r ega da chave que f i ca per t encendo ao cl ube e que r et ome o meu l ugar , com mui t os agr adeci ment os pel as vossas gent i l ezas.

Gr andes apl ausos acompanhar am o senhor Wel l er , ao deposi t ar uma pequena chave sobr e a mesa e ao sent ar - se em segui da. A br asei r a r et i ni u e agi t ou- se com f r enesi m e só al gum t empo depoi s a or dem pôde ser r es t abel eci da. Segui u- se uma pr ol ongada di scussão, em que t odos se mani f est ar am de manei r a sur pr eendent e, por que t odos pr ocur ar am i r at é aos l i mi t es das suas possi bi l i dades, de modo que a sessão se t or nou ext r aor di nar i ament e ani mada e não t er mi nou senão à 88 hor a, mui t o avançada, em que t odos se l evant ar am dando t r ês vi vas

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ao novo consóci o. Nunca houve ocasi ão de l ament ar a admi ssão de Sam Wel - por que nenhum cl ube poder i a t er um el ement o mai s dedi cado e mai s j ovi al do que el e. É i ndubi t ável que ani mou as r euni ões e deu um cer t o t om à r evi s t a, por que os seus di scur sos abal avam o audi t ór i o em convul sões de r i so e os seus ar t i gos er am excel ent es , v i st o que, sendo, i nvar i avel ment e, pat r i ót i cos, c l áss i cos, cómi cos ou dr amát i cos, nunca er am sent i ment ai s. Jo consi der ava- os di gnos de um Bancon, Mi l t on, um Shakespear e e passou a or i ent ar pel o novo model o as suas pr ópr i as obr as l i t er ár i as, e, na sua opi ni ão, com bel o r esul t ado. A cai xa do cor r ei o f oi uma pequena i ns t i t ui ção da mai or i mpor t ânci a e t eve um êxi t o f or mi dável . Passar am por el a quase t ant as coi sas or i gi nai s como as que t r ansi t am por uma cai xa de cor r ei o a val er . Tr agédi as e gr avat as, poesi as e conser vas, sement es par a a hor t a e j ar di m e ext ensas mi ssi vas , músi cas, bor r achas, convi t es, r epr i mendas e at é cachor r i nhos. O vel ho senhor Laur ence gost ou da br i ncadei r a e di ver t i a- se sozi nho, met endo l á encomendas est r anhas, car t as mi s t er i osas e t el egr amas engr açados, e o pr ópr i o j ar di nei r o, cat i vado pel os encant os de Hanna, chegou a mandar uma car t a de namor o ao cui dado de Jo. O que el es r i r am, quando o segr edo se t or nou conheci do, não l hes f ez sequer pr ever nem em sonhos as mensagens de amor que aquel a pequeni na cai xa de cor r ei o havi a de guar dar nos anos f ut ur os! 89

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XI

��O 3��)�QP���.��R��� - Pr i mei r o de Junho! Os Ki ng f or am ver anear e f i quei l i vr e. São t r ês meses de f ér i as! Agor a é que me vou di ver t i r ! exc l amou Meg, quando r egr essava a casa num di a mui t o f el i z. Encont r ou Jo est endi da num di vã esgot ada, e Bet h ocupada a descal çar as bot as , enquant o Amy pr epar ava uma l i monada par a t odas. - A t i a Mar ch f oi - se embor a hoj e e est ou mui t o cont ent e por i sso - di sse Jo - . Est ava com medo de que me convi dasse a i r com el a par a Pl umf i el d, que é um sí t i o t ão di ver t i do como um cemi t ér i o. Não poder i a di zer - l he que não e, enquant o f azí amos as mal as, assust ava- me de cada vez que el a começava a f al ar comi go. Ti nha pr essa de a ver pel as cost as e most r ei - me t ão amável e sol í c i t a que acabei por r ecear que el a pudesse concl ui r que não poder i a separ ar - se de mi m. Fi quei a t r emer at é el a ent r ar na car r uagem, mas ai nda apanhei mai s um sust o, por que quando est a se pôs em movi ment o, el a dei t ou a cabeça de f or a da por t i nhol a e começou a per gunt ar : Josef i na, não quer es?. . . " Não pude escut ar mai s. Dei t ei a cor r er e não me sent i a sal vo enquant o não dobr ei a esqui na. . . 91

- Que vai s f azer dur ant e as f ér i as? - per gunt ou Ammy, var i ando de assunt o.

- Vou l evant ar - me t ar de e não vou f azer coi sa nenhuma - r espondeu Meg. - Já t r abal hei bast ant e dur ant e t odo es t e

I nver no. - Não gost o de est ar sem f azer nada - decl ar ou Jo. Eu

vou apr ovei t ar as hor as par a l er , empol ei r ada na mi nha vel ha mac i ei r a, quando não es t i ver com o Laur i e.

- Sabes o que podemos f azer , Bet h? Não pensar mai s em est udar e br i ncar apenas - pr opôs Amy.

- Se a mãe dei xar . . . quer o apr ender novas canções e t enho que f azer ves t i dos par a as mi nhas bonecas. . .

- Podemos f azer t udo i st o, mãezi nha? - per gunt ou Meg, vol t ando- se par a el a, que se ocupava com a cost ur a.

- Podem exper i ment ar dur ant e uma semana , Jo, , par a ver se gost am. Par ece- me que, no f i m de uma semana, vão ver que mui t o br i nquedo e pouco t r abal ho é t ão desagr adável como mui t o t r abal ho e pouca di st r acção.

- Vai s ver que não! Eu acho que vai ser magní f i co! di sse Meg, por sua vez.

Br i ndar am com as l i monadas ao f el i z êxi t o da

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sua exper i ênci a e começar am a pô- l a em pr át i ca não f azendo nada dur ant e t odo o di a.

Nenhuma quer i a conf essar que j á est ava f ar t a, mas quando chegou a noi t e da sext a- f ei r a, t odas r econhecer am i nt er i or ment e que est avam cont ent es por f al t ar pouco par a t er mi nar a semana.

Quer endo que a l i ção l hes f osse pr ovei t osa, a senhor a Mar ch, com o seu excel ent e bom humor , r esol veu compl et ar adequadament e aquel a pr ova dando a Hanna um di a i nt ei r o de f ol ga. Quando as r apar i gas se l evant ar am no sábado, não havi a l ume na coz i nha, nem pequeno- al moço, nem sequer vi r am a mãe em par t e al guma. 92 - Mas, que se passa aqui ? - gr i t ou Jo, ol hando em vol t a. Meg t i nha cor r i do pel a escada aci ma, mas a segui r vol t ou a descê- l a, di zendo t r anqui l a, mas bast ant e sur pr eendi da: - A mãe ai nda est á na cama. Di z que est á cansada e t i r a o di a t odo par a descansar e di st r ai r - se. Também di z que nos ar r anj emos como puder mos. É mui t o r ar o f azer i st o, mas t eve uma semana mui t o sobr ecar r egada. . . - Or a ai nda bem. Est ava desej osa de f azer qual quer coi sa! . . . , quer di zer , um novo di ver t i ment o - di sse Jo, sent i ndo, no f undo, um gr ande al í v i o por t er al guma coi sa com que di st r ai r o seu t édi o. No ent ant o, l ogo se der am cont a de que, como di z i a Hannah, cui dar da casa não er a br i ncadei r a. Encont r ar am suf i c i ent es pr ovi sões na despensa e, enquant o Amy e Bet h punham a mesa, Meg e Jo pr epar ar am o pequeno- al moço. - A mãe di sse que não nos pr eocupássemos com el a, mas vou l evar - l he qual quer coi sa - di sse Meg, que pr esi di a à mesa. Puser am vár i as coi sas numa bandej a, mas o chá est ava amar go, a omel et a quei mada e os bi scoi t os mal f ei t os . A senhor a Mar ch r i u- se quando f i cou só e, enquant o f azi a desapar ecer aquel as coi sas e comi a depoi s o que j á ant eci padament e havi a pr epar ado, pensou par a si : Coi t adi nhas! Est ão met i das em apur os, mas é par a o bem del as . " As r apar i gas quei xar am- se da i mpr ovi sada coz i nhei r a e ent ão Jo, que ai nda ent endi a menos de cozi nha do que Meg, of er eceu- se : - Eu t omar ei cont a da comi da, não t e pr eocupes. Tu f ar ás de senhor a; r eceber ás as v i s i t as e dar ás as or dens. Meg acei t ou a combi nação mui t o cont ent e e, di r i gi ndo- se par a a sal a, ar r umou- a r api dament e, at i r ando os papéi s par a debai xo do sof á e cor r endo as per s i anas par a não t er de l i mpar 93 o pó. Jo, ent r et ant o, quer endo f azer as pazes com Laur i e, com quem

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se t i nha desent endi do, f oi pôr um bi l het e na cai xa do cor r ei o a conv i dá- l o par a al moçar .

- Ant es de convi dar al guém, er a mel hor que pensasses o que vai s f azer par a o al moço - di sse Meg, quando t eve conheci ment o.

- Temos f i ambr e, car ne, bat at as, e vou ar r anj ar espar go e l agost a. Faço uma sal ada de al f ace e, par a sobr emesa, f aço gel ado com mor angos. Fi nal ment e, caf é, par a dar um t om el egant e, se é i sso que quer es.

- Faz o que t e par ecer e não se pr eocupem comi go r espondeu a senhor a Mar ch, quando f oi consul t ada. - Eu vou al moçar f or a, vou descansar um pouco, dedi car o di a a l er , escr ever e f azer al gumas vi si t as.

Tudo aqui l o par eci a t ão est r anho que Jo achou que est ava a acont ecer qual quer coi sa anor mal . Não a t er i a sur pr eendi do mai s um t er r amot o, um ecl i pse ou uma er upção vul câni ca! Par ece que es t á t udo f or a dos ei xos" , pensou enquant o

desci a as escadas. Oi ço Bet h a chor ar . Se t i ver si do i mpl i ca ção da Amy, dou- l he um saf anão. "

Mas, cor r endo par a a sal a, f oi encont r ar Bet h a sol uçar debr uçada sobr e o cadáver de Pi p, o canár i o, que j azi a com as pat i nhas es t i cadas, como se supl i casse a comi da por f al t a da qual mor r er a.

- Foi por mi nha cul pa. . . Esquec i - me de pôr - l he a comi da. . . e não t i nha nem um gr ãozi nho. . . Como é que f ui t ão má? - l ament ava Bet h, chor ando, enquant o t ent ava r eani mar o passar i nho.

- Met e- o dent r o do f or no que t al vez se r eani me - suger i u Amy, chei a de esper ança.

- Mor r eu de f ome e agor a não o vou assar . Vou f azer - l he uma mor t al ha par a o ent er r ar mos no j ar di m.

- Si m, es t a t ar de, e vamos t odas assi st i r . Não chor es 94 mai s, Bet h. Tenho t ant a pena! Est a manhã t udo cor r eu mal , Pi p f oi o pr i nci pal pr ej udi cado com a exper i ênci a. Põe- no dent r o da mi nha cai xa de domi nó e depoi s do al moço vamos f azer - l he um l i ndo ent er r o - di sse Jo, not ando que se sent i a el a pr ópr i a t ambém cul pada. E f oi par a a cozi nha, onde r ei nava gr ande desor dem. Pôs o avent al e começou a a t r abal har . O l ume t i nha- se apagado i f oi pr eci so vol t ar a acendê- l o. Resol veu i r ao mer cado enquant o a água aqueci a par a l avar os pr at os . Vol t ou mai s ani mada e segur a de t er f ei t o boas compr as, mas a ver dade é que compr ar a uma l agost a mui t o pequena, espar gos mui t o vel hos e mor angos mui t o áci dos. Quando j á t i nha post o a coz i nha em or dem, t r ouxer am- l he o r est o das coi sas par a pr epar ar a r ef ei ção.

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Depoi s de t er dado uma ol hada par a ver como est ava t udo e de consol ar Bet h, a senhor a Mar ch sai u. Quando v i r am a mãe desapar ecer à esqui na, sent i r am t odas um gr ande desâni mo, o qual se t r ansf or mou em desesper o quando chegou a meni na Cr oker , di zendo que f i cava par a al moçar . Er a uma sol t ei r ona mui t o mexer i quei r a. Não gost avam nada del a, mas t r at avam- na bem por ser vel ha, pobr e e t er poucas ami zades. Por i sso Meg mandou- a sent ar na mel hor cadei r a e t ent ou ent r et ê- l a enquant o el a f az i a per gunt as, censur ava t udo e cont ava mexer i cos de t odas as pessoas que conhec i a. Não é possí vel descr ever as di f i cul dades por que passou Jo par a consegui r f azer o al moço, que acabou por ser um ver dadei r o f r acasso, o que a f ez chegar à conc l usão de que, par a se ser uma boa cozi nhei r a, é pr eci so t er bast ant e mai s do que si mpl es ener gi a e deci são. Cozeu os espar gos dur ant e uma hor a, mas enquant o as cabeças se cozer am, os t al os cont i nuar am r i j os. Enquant o cui dava da sal ada, o pão que est ava no f or no quei mou- se. A l agost a não passava, par a el a, de um ver dadei r o mi st ér i o 95 ver mel ho. Apesar de t udo, à f or ça de mar t el ar , consegui u par t i r - l he a casca, mas a escassa quant i dade de l agost a que

f i cou desapar eceu compl et ament e no mei o da al f ace. Or a, se t i ver em mui t o apet i t e, que comam car ne e pão com

mant ei ga. Mas é um desesper o passar uma manhã t oda na cozi nha par a nada" , di sse par a si mesma, enquant o t ocava a campai nha a anunci ar que o al moço est ava pr ont o mei a hor a mai s t ar de do que er a cost ume.

Desani mada, di spôs- se a ass i st i r à r ef ei ção, da qual t omar am par t e Laur i e, acost umado a t emper os r equi nt ados, e a

meni na Cr oker , cuj a l í ngua i r i a t er mui t o de que f al ar . À medi da que os vár i os pr at os i am sendo pr ovados e post os de par t e, a sua vont ade er a esconder - se debai xo da mesa. Só r espi r ou um pouco quando se r epar t i r am os pr at os de vi dr o com a sobr emesa, que cons i st i a em mor angos com gel ado. -

A meni na Cr oker , que f oi a pr i mei r a a pr ovar , f ez uma gr ande car et a e apr essou- se a beber água. Jo, que não t i nha quer i do ser vi r - se por r ecear que não chegasse par a t odos,

vol t ou a ol har par a Laur i e, que comi a r esol ut ament e, embor a não pudesse evi t ar de f azer al gumas car et as. Amy depoi s

de met er uma col her ada na boca, engasgou- se, escondeu a car a no guar danapo e sai u apr essadament e da mesa. - O que é que se passa? - per gunt ou Jo, assust ada. - Pusest e sal em l ugar de açúcar e não se pode comer - r espondeu Meg com um gest o desol ado. Jo sol t ou um gemi do, f ez- se ver mel ha como um t omat e e

i a começar a chor ar quando o ol har se l he cr uzou com o de Laur i e, que não podi a cont er o r i so, apr eci ando o l ado cómi co

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da si t uação. Por f i m t odos se puser am a r i r e a r ef ei ção acabou por ser car ne, pão com mant ei ga, azei t onas e mui t o

di ver t i ment o! Depoi s do al moço f i zer am o ent er r o de Pi p. Ent r e f et os

96 no mei o das ár vor es do j ar di m, Laur i e pr epar ou- l he uma sepul t ur a, cober t a de musgo, onde ent er r ar am o pobr e canár i o. A sua ami gui nha chor ou mui t o por el e e col ocou sobr e a campa uma gr i nal da de vi ol et as .

Ter mi nada a cer i móni a, Bet h r ecol heu- se no seu quar t o por se sent i r mal - di spost a dev i do à emoção e t ambém por que

a l agost a não l he assent ar a bem no est ômago, mas não consegui u descansar conveni ent ement e, por que as camas est avam ai nda por f azer . Acabou por sent i r al gum al í v i o quando pôs t udo em or dem. Meg aj udou Jo a l evant ar a mesa e a

l avar a l ouça, o que as dei xou t ão cansadas que r esol ver am cont ent ar - se com chá e t or r adas par a o j ant ar . Laur i e l evou

Amy a dar um passei o na car r uagem por vê- l a mui t o t r i st e. Quando a senhor a Mar ch r egr essou, encont r ou as t r ês

r apar i gas a t r abal har como escr avas. Passou uma r ev i st a à cozi nha e f i cou com uma i dei a do êxi t o de uma par t e da exper i ênci a.

Quando as t r abal hador as se di spunham a descansar , chegar am vi s i t as e j á não puder am f azê- l o por que t i ver am de

at endê- l as; a segui r t i ver am de pr epar ar o chá, dar al gumas vol t as e f azer al guns t r abal hos de cost ur a ur gent es que t i nham dei xado par a o úl t i mo moment o. À hor a do cr epúscul o, cal mo e si l enci oso, r euni r am- se debai xo do al pendr e, onde est avam a desabr ochar as r osas de Junho e, al i sent adas, começar am t odas a quei xar - se das cansei r as e pr eocupações:

- Que hor r í vel di a! - pr i nci pi ou Jo, que cost umava sempr e começar t odas as conver sas.

- Par eceu- me mai s cur t o do que os out r os, mas f oi mui t o abor r eci do. . . - acr escent ou Meg. - Par eci a que não est ávamos na nossa casa - acr escent ou Amy. - Por que nos f al t avam a mãe e o Pi p - suspi r ou Bet h, ol hando par a a gai ol a vazi a com os ol hos r asos de l ágr i mas.

97 - A t ua mãe j á aqui est á, f i l ha. Se qui ser es, amanhã mesmo t er ás out r o canár i o. Di zendo est as pal avr as , a senhor a Mar ch f oi sent ar - se j unt o das f i l has, par ecendo t ambém el a não mui t o ani mada com

o seu di a de f er i ado. - Fi car am sat i sf ei t as com a exper i ênci a ou acham que é mel hor cont i nuar mai s uma semana? - per gunt ou, enquant o Bet h

se bai xava na f r ent e del a e as out r as se di spunham em seu r edor , como as f l or es que se vol t am par a o Sol . - Eu não - di sse Jo dec i di da.

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- Nem eu - r epet i r am as i r mãs em cor o. - Acham ent ão que é pr ef er í vel t er al gumas obr i gações a cumpr i r e vi ver um pouco par a os out r os? - Não f azer nada e sempr e a di ver t i r - se não me convence - decl ar ou Jo. - Es t ou cansada di sso e quer o começar j á a

t r abal har . - Poder i as apr ender a cozi nhar ; é uma coi sa mui t o út i l que t oda a mul her deve saber - di sse a senhor a Mar ch, r i ndo- se

i nt er i or ment e, pensando na comi da ser vi da por Jo, vi st o que t i nha encont r ado a meni na Cr oker que l he cont ar a t udo.

- Di ga l á, mamã: Dei xou- nos sozi nhas par a ver como nos ar r anj ar í amos? - i nt er r ogou Meg, expr i mi ndo as suspei t as que t i ver a dur ant e t odo o di a. - Si m. Quer i a que apr endessem que o bem- est ar de t odas

depende de que cada uma cumpr a as suas obr i gações. Enquant o Hanna e eu t r abal hávamos par a vocês, i a t udo bem, mas não se most r avam cont ent es, nem agr adeci das. Por i sso pensei que est a l i ção vos f ar i a ver o que acont ece

quando cada uma só pensa em si mesma. Não acham que é mui t o mel hor aj udar mo- nos umas às out r as, t er dever es a cumpr i r que, quando chega a hor a do r epouso, o t or nam

mai s agr adável , e supor t ar al guns i ncómodos par a que a casa se mant enha conf or t ável e at r aent e par a t odos?

98 - Si m, mamã - r esponder am as r apar i gas.

- Dei xem, ent ão que vos aconsel he a t omar de novo as vossas car gas, por que, embor a às vezes par eçam pesadas,

habi t uamo- nos a el as e t or nam- se mai s l eves à medi da que apr endemos a l evá- l as . O t r abal ho é saudável par a o cor po e par a o espí r i t o; l i vr a- nos do enf ado e de out r os mal es, t or nando- nos f or t es e i ndependent es, mui t o mai s do que a r i queza.

- Mãe, vai ver que vamos t r abal har mui t o - di sse Jo. - Nas f ér i as vou apr ender a cozi nhar e dar ei um gr ande j ant ar . - Eu vou f azer al guma r oupa par a o pai , apesar de não gost ar mui t o de cost ur a - af i r mou Meg. - Est udar ei t odos os di as as mi nhas l i ções e não vol t ar ei a per der t empo com bonecas - deci di u Bet h. Amy, a exempl o das i r mãs, f al ou com ent usi asmo: - Eu vou t er mai s cui dado com a mi nha manei r a de f al ar ! Ass i m a senhor a Mar ch sent i u que não havi a necessi dade de r epet i r a exper i ênci a.

99

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XI I

S�TUVT#W�XYT&W�Z/[�\YS:]^T _a`�Z/[U^Z Bet h er a a encar r egada da cai xa do cor r ei o. Como est ava quase sempr e em casa, podi a ocupar - se r egul ar ment e desse t r abal ho e gost ava mui t o de o abr i r t odos os di as e f azer a di s t r i bui ção das car t as. Um di a de Jul ho ent r ou com as mãos chei as e f oi di st r i bui ndo pel a casa pacot es e car t as como se f osse um car t ei r o. - Aqui t ens o t eu r amo de f l or es, mamã. O Laur i e nunca se esquece - di sse. - Par a a meni na Meg Mar ch, uma car t a e uma l uva. - Como? ! Dei xei l á um par e só vem uma l uva. . . Não dei xast e cai r no j ar di m? - Tenho a cer t eza de que não, por que só encont r ei uma dent r o da cai xa. A senhor a Mar ch ol hou par a Meg que est ava encant ador a no seu vest i do de per cal , com os car acói s agi t ados pel a br i sa. I gnor ando o que ocupava o espí r i t o da mãe, cant ava enquant o cost ur ava, ao mesmo t empo que ur di a f ant asi as j uvems. A mãe sor r i u e sent i u- se sat i sf ei t a. - Duas car t as par a a dout or a Jo, um l i vr o e o seu chapéu ant i go, enor me - di sse Bet h, r i ndo, quando ent r ou na sal a onde Jo se encont r ava a escr ever . - Mas que r apaz mal uco! No out r o di a di sse- l he que gost ava 101 que l ançassem a moda de chapéus com a aba mai or por que quando f az cal or quei ma- me a pel e do r ost o, e el e r espondeu- me: Por que t e pr eocupas com a moda? Pensa só na t ua comodi dade e usa um chapéu de aba gr ande. Como l he r espondi que usar i a um se o t i vesse, manda- me est e par a ver se o ponho. Poi s vou usá- l o par a nos di ver t i r mos e pr ovo que não l i go nenhuma i mpor t ânci a à moda.

Pendur ou l ogo o ant i quado chapéu no bust o de Pl at ão e pôs- se a l er as car t as.

Uma er a da pr ópr i a mãe. Jo sent i u- se emoci onada quando l eu:

Quer i da f i l ha: Escr evo- t e es t as l i nhas par a t e di zer como apr ec i o os

esf or ços que f azes par a domi nar o t eu géni o. Não di zes nada das t uas t ent at i vas, f r acassos e êxi t os , e t al vez penses que ni nguém r epar a, except o o Ami go cuj a aj uda sol i c i t as t odos os di as , a j ul gar pel a manei r a como est ão gast as as capas do t eu l i vr o- gui a. Mas eu t ambém obser vo e cr ei o que os t eus pr opós i t os são si ncer os, poi s j á começam a dar f r ut o. Fi l ha, per si st e com paci ênci a e

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cor agem, e acr edi t a que ni nguém t e compr eende nem si mpat i za t ant o cont i go como a t ua dedi cada

Mãe. - I st o f az- me t ant o bem. . . Val e mai s do que t odas as

r i quezas e t odos os l ouvor es dest e mundo. Oh, mãezi nha, é ver dade que me esf or ço mui t o, e vou cont i nuar sem desani mar , por que a t enho a si ! Apoi ando o r os t o nos br aços, Jo der r amou l ágr i mas de al egr i a sobr e o cont o que est ava a escr ever , poi s er a ver dade

que pensava que ni nguém dava pel o es f or ço que f az i a par a ser boa. A cer t eza que agor a t i nha er a espec i al ment e val i osa por não t er s i do esper ada e por vi r da pessoa cuj o el ogi o mai s apr eci ava. Sent i ndo- se mai s f or t e do que nunca, 102 pr endeu a car t a com al f i net es dent r o do seu vest i do, par a l he ser vi r de l embr ança, e abr i u a out r a car t a. Em l et r as gr andes e escr i t as à pr essa, encont r ou a segui nt e mensagem de Laur i e: Quer i da Jo: Uns r apazes e r apar i gas i ngl eses, os Vaughan, vêm vi s i t ar - me amanhã par a passar mos uns moment os agr adávei s. Se f i zer bom t empo, vou mont ar a mi nha t enda de campi smo em Long- eadow, par a i r mos de bar co al moçar , j ogar cr i quet e e or gani zar t oda a espéci e de di ver t i ment os. O Br ooke t ambém vai , vai mant er os r apazes na or dem, e a Kat e Vaughan ocupa- se das r apar i gas. Quer o que vocês venham t odas e não dei xem a Bet h em casa, por que ni nguém a i r á ar r el i ar . Eu t r at o da comi da e de t udo. Não dei xem de vi r . Est á bem? Fi car ei mui t o cont ent e. Com mui t a pr essa, sempr e t eu,

Laur i e - Podemos i r , não é, mamã? - per gunt ou Jo. - Como Aj uda t emos o Laur i e por que eu sei r emar , Meg ocupa- se do al moço e as pequenas de out r os por menor es. - Sabes al guma coi sa dos out r os? - per gunt ou Meg. - Só sei que são quat r o. A Kat e é mai or que t u. O Fr ed e o Fr ank, que são gémeos, t êm mai s ou menos a t ua i dade, e a Gr ace t em nove ou dez anos. O Laur i e conheceu- os no es t r angei r o e os r apazes são si mpát i cos. Mas pel a manei r a como f al a da Kat e, par ece- me que não gost a l á mui t o del a. - Ai nda bem que o meu vest i do de per cal f r ancês est á ar r anj ado! Fi ca- me mui t o bem - di sse Meg sat i sf ei t a. - Tens al guma coi sa capaz de vest i r , Jo? - O vest i do c i nzent o e ver mel ho, par a andar de bar co, est á mui t o bem. Como vou r emar bast ant e, não quer o l evar coi sas engomadas. Bet h, t u t ambém vens, não é ver dade? 103 - Se me gar ant em que nenhum r apaz vai f al ar comi go, - Nem um sequer ! - Gost o de f azer a vont ade ao Laur i e e não t enho medo do senhor Br ooke, que é mui t o bom, mas não quer o j ogar nem di zer

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nada, nem cant ar . No ent ant o aj udar ei em t udo que sej a possí vel . - Br avo, Bet h! Pr ocur as l ut ar cont r a a t ua t i mi dez e

acho mui t o bem. Não é f ác i l combat er os nossos def ei t os e é bom ouv i r mos pal avr as de âni mo. Obr i gada, mãezi nha - e Jo deu um bei j o na mãe, que a comoveu um pouco.

Na manhã segui nt e, houve uma gr ande ani mação. Cada uma f ez os seus pr ópr i os pr epar at i vos: Meg ar r anj ou uma gama a mai s de papel ot es na sua f r anj a; Jo espal hou cr eme em t oda a car a par a amaci ar a pel e; Bet h andou t odo o t empo com a sua boneca a f i m de compensar a pr óxi ma separ ação

e Amy col ocou uma mol a de r oupa a aper t ar o nar i z par a o t ent ar endi r ei t ar , o que f ez r i r as i r mãs. Bet h, que f oi a pr i mei r a a f i car pr ont a, f oi i nf or mando as demai s de t udo o que vi a pel a j anel a.

- Lá vai o homem com a t enda de campi smo! A cozi nhei r a es t á a pôr a comi da dent r o de uma cest a e de um ca baz. O Laur i e vai ves t i do à mar uj o. Chegou uma car r uagem chei a de gent e. . . Ah! Vêm t ambém a Sal l i e e o Ned Mof f at . . . Despachem- se que est ão a f i car mui t o at r asadas.

- Est ou bem assi m, Jo? - per gunt ou Meg, mui t o exal t ada. - Est ás l i ndí ssi ma. Vamos l á.

- Ó Jo! Vai s l evar esse chapéu t ão f ei o? - exc l amou Meg, vendo que el a aj us t ava na cabeça aquel e que Laur i ee l he t i nha mandado. - Cl ar o que vou! Não me i mpor t o de par ecer um espant al ho, se vou como gost o. E pôs- se a cami nho, segui da pel as i r mãs. Laur i e r ecebeu- as com mui t a cor di al i dade e apr esent ou- as aos seus ami gos. 104 Meg not ou com sat i sf ação que a meni na Kat e, embor a j á t i vesse mai s de vi nt e anos, i a vest i da com mui t a si mpl i c i dade. Jo per cebeu a r azão por que Laur i e não a apr eci ava mui t o. Achou que el a t i nha um cer t o ar af ect ado. Bet h achou que dev i a ser amável com um dos r apazes, que er a coxi nho e par eci a sossegado e débi l . E Amy descobr i u que Gr ace er a agr adável e f ez- se l ogo ami ga del a. Embar car am em doi s bot es. Jo pôs t odos a r i r quando di sse que, se caí sse al gum aguacei r o, o seu chapéu ser vi a par a abr i gar o gr upo t odo. No bot e onde i a Meg t ambém segui a o pr ecept or de Laur i e, o senhor Br ooke, um j ovem si sudo e cal ado, de ol hos cast anhos e voz agr adável . El a apr ec i ava o seu ar ser eno e consi der ava- o uma enci cl opédi a ambul ant e de conheci ment os mui t o út ei s . El e ol hava- a com i nsi st ênci a, o que el a não dei xou de not ar . O l ugar par a onde se di r i gi am não er a mui t o af as t ado, mas quando o segundo bot e chegou j á a t enda es t ava mont ada e o j ovem anf i t r i ão r ecebeu t odos com ent usi asmo.

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- Bem- v i ndos ao acampament o Laur ence. Br ook é o comandant e, eu sou o comi ssár i o, os out r os r apazes são of i c i ai s e as senhor as são a companhi a. Agor a vamos j ogar uma par t i da e depoi s vamos al moçar . Jo e Fr ed, um dos gémeos, t i ver am al gumas escar amuças, por que el e, a dado moment o do j ogo de cr í quet e, deu um pequeno t oque di ss i mul ado, com o pé, Jo vi u e di sse l ogo: - Você empur r ou a bol a. Agor a é a mi nha vez. - Não l he t oquei . Pal avr a! Tal vez t enha r ol ado um pouco, mas i sso é per mi t i do. Tenha a bondade de se af as t ar , que vou j ogar . - Na Amér i ca não f azemos bat ót a, mas se você qui ser pode f azê- l a - di sse Jo, ener vada. - Toda a gent e sabe que os Amer i canos são é mui t o despr eocupados. Lá vai di st o! - r espondeu Fr ed, com uma pancada que at i r ou par a l onge a bol a de Jo. 105 A pequena abr i u a boca par a di zer qual quer coi sa desagr adável , mas cont eve- se, enr ubescendo, enquant o Fr ed t endo f ei t o chegar a sua bol a at é à met a, se decl ar ava vencedor . El a f oi buscar a sua, mas demor ou a encont r á- l a ent r e os ar bust os. Quando vol t ou, est ava apar ent ement e cal ma e esper ou, paci ent e, pel a sua vez. Teve de dar vár i as pancadas par a chegar à posi ção que t i nha per di do, e quando consegui u, a out r a equi pa j á t i nha ganho, poi s a bol a de Kat e er a a penúl t i ma e j á es t ava mui t o per t o da met a.

- Que r ai va! Est amos per di dos! Adeus, Kat e. Jo t ens di r ei t o a uma pancada, de modo que est ás venci da - gr i t ou Fr ed, mui t o exal t ado, enquant o os out r os se apr oxi mavam par a ver o f i m do j ogo.

- Os Amer i canos, apesar de despr eocupados" , são gener osos com os seus adver sár i os - decl ar ou Jo, l ançando a Fr ed um ol har que o dei xou f ur i oso. - Sobr et udo quando os vencem - acr escent ou, enquant o, sem t ocar na bol a de Kat e, ganhava o j ogo com um gol pe de habi l i dade.

Laur i e at i r ou o chapéu ao ar de ent usi asmo, mas l ogo se l embr ou de que não devi a f est ej ar a der r ot a dos seus convi dados e cont eve- se quando j á i a a gr i t ar um hur r a" . Segr edou, ant es, par a a sua ami ga:

- Mui t o bem, Jo! Eu bem o vi f azer bat ot a. Não se pode di zer , mas gar ant o- t e que não r epet e a gr aci nha. Meg chamou- a à par t e, a pr et ext o de l he endi r ei t ar o cabel o, e di sse- l he: - O r apaz est ava mui t o i nsol ent e, mas gost ei de ver como soubest e domi nar - t e, Jo.

- Não me f aças el ogi os, que ai nda t enho vont ade de l he dar uma bof et ada. Fel i zment e, demor ei - me no mei o dos ar bust os at é consegui r domi nar a r ai va, par a não f al ar . Mas ai nda est ou f ur i osa e esper o que el e não se apr ox i me mui t o - r espondeu Jo, mor dendo

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os l ábi os. 106 - São hor as de al moçar - di sse o senhor Br ooke, ol hando par a o r el ógi o. - Comi ssár i o, quer acender o f ogo e t r azer a água, enquant o nós pomos a mesa? Quem é que sabe f azer um bom caf é? - A Jo! - excl amou Meg. E a al udi da, sat i sf ei t a com as l i ções de coz i nha que ul t i mament e r eceber a, f oi ocupar - se da caf et ei r a.

Est ender am- se r api dament e as mant as e t oal has na r el va e l ogo apar ecer am os vár i os pet i scos e bebi das. Jo anunci ou que o caf é est ava f ei t o e começar am a al moçar . Foi uma r ef ei ção al egr e, por que t udo er a sabor oso e t udo ser vi a de pr et ex t o par a r i sot a. Caí r am bol ot as no l ei t e e as f or mi gas par t i c i par am dos bol os sem ser em convi dadas! - Se pr eci sar es, t emos aqui sal - gr acej ou Laur i e, apr esent ando a Jo um pr at o de mor angos. - Obr i gado. Pr ef i r o as ar anhas - r espondeu el a t i r ando duas mui t o pequenas que acabavam de cai r em ci ma da nat a. - Como é que consegues l embr ar - t e daquel e desast r e numa r ef ei ção como a de hoj e? - acr escent ou el a r i ndo- se, enquant o os doi s comi am do mesmo pr at o, por que havi a pouca l oi ça.

- Di ver t i - me mui t o nesse di a. E no de hoj e não t enho nenhum mér i t o, por que f ost e t u, a Meg e o Br ooke que t r at ar am de t udo, pel o que vos est ou mui t o agr adec i do. Que Vamos f azer depoi s de comer ?

- Podí amos j ogar à ver dade, - i nsi nuou Sal l i e. - Como é esse j ogo? - Põem- se as mãos uma em ci ma da out r a, escol he- se um númer o

qual quer e t i r am- nas sucessi vament e; a pessoa que o f i zer na al t ur a daquel e númer o t em de r esponder com t oda a ver dade a qual quer per gunt a que os out r os l he f i zer em. mui t o engr açado !

Vár i os se pr est ar am ao j ogo e o pr i mei r o a t er de r esponder f oi Laur i e. 107 - Quem são os t eus her ói s? - per gunt ou Jo.

- O meu avô e Napol eão. - Qual é a r apar i ga que t u achas mai s boni t a? - per gunt ou Sal l i e. - A Meg.

- De qual é que gost as mai s? - i nt er r ogou o Fr ed. - Da Jo, evi dent ement e. - Que per gunt as par vas que vocês f azem! - excl amou es t a,

enquant o t odos se r i am. Depoi s coube a vez de Jo. - Qual é o t eu mai or def ei t o? - per gunt ou Fr ed, par a l he pôr

à pr ova a qual i dade que el e pr ópr i o não t i nha. - O mau géni o.

- O que é que t u mai s desej as? - i nt er r ogou Laur i e.

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- Um par de at acador es par a as bot as - el uc i dou Jo. - Não. Tens que r esponder com a ver dade. - Ter t al ent o. Gost ar i as de poder ser - me agr adável ,

dando- mo, não é i sso? - sor r i u, vendo a expr essão decepci onada do j ovem.

- Quai s são as vi r t udes que mai s admi r as nos homens? per gunt ou Sal l i e. - O val or e a honr adez.

- Dest a vez sou eu - di sse Fr ed, t i r ando a sua sor t e. - Vamos f azê- l o pagar t udo o que f ez - di sse Laur i e a Jo,

em voz bai xa. E el a, concor dando, di spar ou l ogo:

- Fez ou não f ez bat ot a no j ogo? - É ver dade. . . f i z um pouco. - Acha que a I ngl at er r a é uma nação per f ei t a? - Sent i r i a ver gonha de mi m mesmo se não o achasse. - És um aut ênt i co John Bul l - coment ou Laur i e, enquant o Jo,

por gest os, dava a ent ender a Fr ed que es t avam f ei t as as pazes. - Agor a é a t ua vez, Sal l i e, e vou começar por t e i r r i t ar . Não achas que és um pouco coquet e? 108 - I sso é uma i mper t i nênci a! Cl ar o que não sou - r espondeu el a, com uma expr essão que denot ava o cont r ár i o. - Que é que det est as mai s? - per gunt ou Jo. - Dançar e l uvas f r ancesas. - Bem, est e j ogo est á a f i car um pouco chocho. Vamos ant es j ogar às pr endas" - pr opôs Jo. Enquant o os out r os j ogavam, Kat e pôs- se a f azer desenhos. Meg obser vava e o senhor Br ooke, sent ado no chão, t i nha na mão um l i vr o que, no ent ant o, não l i a. - Gost ava de desenhar t ão bem como você! - di sse Meg. - Por que não apr ende? Acho que t er i a j ei t o e gost o par a i sso. - Não t enho t empo. - A sua mãe pr ef er e, nat ur al ment e, que apr enda out r as coi sas. Ami nha t ambém pensava ass i m, mas most r ei - l he que t i nha t al ent o, r ecebendo umas l i ções sem el a saber .

- Eu não r ecebo l i ções, dou- as. Sou pr of essor a. - Ah, si m? - excl amou Kat e, como se est i vesse hor r or i zada,

o que f ez Meg ar r epender - se de t er s i do t ão si ncer a. - As r apar i gas amer i canas - di sse Br ooke pr ont ament e - gost am

t ant o da i ndependênc i a como os seus ant epassados e são admi r adas pel a sua capaci dade de se bast ar em a s i mesmas.

- Ah, poi s. Mui t o bem. Nós t ambém t emos meni nas mui t o r espei t ávei s empr egadas em boas casas, por ser em bem educadas e di s t i nt as - di sse Kat e num t om pr ot ect or que f ez Meg sent i r - se quase como se f i zesse um t r abal ho humi l hant e.

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Par a quebr ar o embar açoso s i l ênc i o que, por i nst ant es, se est abel eceu, o senhor Br ooke per gunt ou:

- Gost ou da l et r a da canção al emã, meni na Mar ch? - É mui t o boni t a e est ou ver dadei r ament e gr at a a quem

109 a t r aduzi u - r espondeu el a, j á com o sembl ant e mai s ani mado. - Não l ê o al emão? - per gunt ou Kat e, sur pr eendi da. - Não mui t o bem. O meu pai ensi nava- me, mas agor a, como est á

ausent e, não consi go adi ant ar mui t o sozi nha. - Apr ovei t e est e moment o par a exper i ment ar . Tem aqui Mar i a

St uar t de Schi l l er , e um pr of essor à sua di sposi ção - suger i u Br ooke, sor r i dent e, est endendo- l he o l i vr o.

- É mui t o di f í c i l e t enho um pouco de medo - r espondeu el a, agr adeci da, mas acanhada na pr esença daquel a meni na t ão cul t a.

- Vou l er - l he ent ão um bocado par a a est i mul ar - di sse Kat e. E l eu um f r agment o, mas sem l he dar qual quer expr essão:

Quando Meg começou a l er , f ê- l o devagar e t i mi dament e, mas l ogo que se i mpr essi onou com a emoção do t r echo, passou a l er como se est i vesse sozi nha, dando uma l eve acent uação t r ági ca às pal avr as da desgr açada r ai nha. Br ooke obser vava- a com at enção sem que el a o not asse.

- Bem, mui t o bem - apr ovou el e, quando a r apar i ga t er mi nou. - Tem uma boa pr onúnci a e, se pr at i car , pode vi r a l er mui t o

bem - condescendeu Kat e. Já t i nha guar dado o desenho e acr escent ou: - Vou ver o que a Gr ace est á a f azer .

E af ast ou- se, di zendo com os seus bot ões: Não vi m aqui par a ser vi r de dama de companhi a a uma pr of essor azi nha Por mai s boni t a que el a sej a. Que pessoas t ão ext r avagant es são est es amer i canos! Oxal á que não acabem por est r agar o Laur i e.

- Não me l embr ei de que os I ngl eses despr ezam as pr of essor as e não cost umam t r at á- l as como nós f azemos - , di sse Meg, ol hando um t ant o abor r eci da par a a j ovem que se af ast ava. 110 - Também os pr of essor es encont r am al i di f i cul dades; sei por exper i ênci a. Não exi st e, par a quem t r abal ha, nenhum out r o l ugar como a Amér i ca, meni na Meg. - Ent ão, es t ou mui t o cont ent e por vi ver aqui . Não gost o mui t o do meu t r abal ho, mas dá- me uma cer t a sat i s f ação e compr eendo que não devo quei xar - me. Só quer i a gost ar t ant o de ensi nar como o senhor . - Cr ei o que se o Laur i e f osse seu di sc í pul o, t ambém gost ar i a. - El e vai par a a Uni ver si dade, não é? - e, com a expr essão do ol har , er a como se acr escent asse: E o senhor , o que vai f azer ?" - Si m. Já est á na i dade e t em os conheci ment os necessár i os. Quant o a mi m, vou al i st ar - me no exér ci t o. - Mui t o me al egr a sabê- l o! Acho que t odo o homem novo t em o desej o de i r par a a guer r a, ai nda que i sso sej a di f í c i l par a as mães e as i r mãs que f i cam à esper a - di sse Meg t r i st ement e.

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- Não t enho mãe nem i r mãs, e poucas pessoas se i mpor t am que eu vi va ou que mor r a - r et or qui u Br ooke com amar gur a. - O Laur i e e o avô del e i mpor t am- se bast ant e e nós t ambém f i car í amos mui t o t r i st es se l he acont ecesse al gum mal . - Obr i gado. Consol a- me ouvi r essas pal avr as - começou el e a di zer , agor a mai s ani mado. Mas apar eceu subi t ament e Ned, mont ando um vel ho caval o, desej oso de exi bi r as suas habi l i dades di ant e das r apar i gas, i nt er r ompendo a t r anqui l i dade que se i nst al ar a. - Não gost as de mont ar a caval o? - i nqui r i u Gr ace a Amy. - Sou doi da por i sso. A mi nha i r mã Meg cost umava mont ar quando o nosso pai er a r i co, mas agor a o úni co caval o que t emos é a Mac i ei r a. 111 - E o que é a Maci ei r a" ? Uma bur r a? - Já t e di go. . . A Jo t ambém del i r a por andar a caval o, mas só t emos uma sel a de mont ar vel ha. Como t emos no j ar di m uma mac i ei r a com um r amo bai xo, a Jo pôs- se- l he em ci ma, at ou umas r édeas e quando nos apet ece caval gar , pômo- nos em ci ma da mac i ei r a. - Que engr açado! Eu t enho um pónei e vou quase t odos os di as com o Fr ed e a Kat e par a o par que. É mui t o agr adável por que ger al ment e encont r amos al i mui t os ami gos.

- Que bom que deve ser ! Esper o i r al guma vez ao est r angei r o. O meu l ugar pr ef er i do é Roma.

A t ar de t er mi nou com uma sessão de ci r co, i mpr ovi sada e mai s uma par t i da de cr í quet e. Ao pôr do Sol l evant ar am a t enda, r ecol her am as cest as e os ar os, as est acas e os maços do j ogo, car r egar am t udo nos bot es e r egr essar am a cant ar .

Ned f i xou Meg com um ol har t ão cur i oso que el a se desat ou a r i r , o que f ez i nt er r omper a canção.

- Como pode ser assi m t ão cr uel comi go? - sussur r ou el e, apr ovei t ando o r uí do que os out r os f az i am a t agar el ar .

- Est eve o di a i nt ei r o agar r ada àquel e i ngl ês t odo engomado e agor a t r oça de mi m.

- Não t i ve a i nt enção de o f azer , mas est ava t ão engr açado que me deu vont ade de r i r - r espondeu Meg, sem al udi r à pr i mei r a par t e da censur a, por que er a ver dade que pr ocur ar a evi t á- l o.

Ned, of endi do, vol t ou- se par a Sal l i e à pr ocur a de at enção, di zendo um pouco i r r i t ado:

- Aquel a r apar i ga não t em a menor i dei a do que é o f l i r t , não t e par ece? - Nem nada que se par eça, mas é encant ador a. No pr ado onde se havi am r euni do naquel a manhã, despedi r am- se 112 t odos mui t o demor adament e, j á que os Vaughan par t i am no di a segui nt e par a o Canadá.

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Quando as quat r o i r mãs se af ast ar am a cami nho de casa, Kat e segui u- as com o ol har , di zendo si ncer ament e:

- Apesar dos seus modos descont r aí dos, as r apar i gas amer i canas são mui t o agr adávei s, depoi s de as conhecer mos bem! 113

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XI I I

UVT&b/\cZY]/S2b9[0S�T&` Laur i e bal ouçava- se vol upt uosament e na sua r ede, numa t ar de quent e de Set embr o, dando t r at os à i magi nação par a adi vi nhar o que as suas vi zi nhas est ar i am a f azer naquel e moment o, mas com mui t a pr egui ça par a i r i ndagar . Es t ava sob a acção de um dos seus acessos de mau humor , por que aquel e di a t i nha decor r i do sem pr ovei t o al gum. O seu desej o er a começar a vi vê- l o out r a vez desde o pr i nc í pi o. O cal or t or nar a- o i ndol ent e, t i nha- se esqui vado ao est udo, esgot ar a a paci ênci a do senhor Br ooke, i ncomodar a o avô por t er passado met ade da t ar de ao pi ano, t i nha assust ado as c r i adas a pont o de el as quase saí r em f or a de si , dando a ent ender , mal dosament e, que o cão par eci a com t endênci as par a f i car danado, e, depoi s de al gumas pal avr as desagr adávei s ao encar r egado da cochei r a, a pr opósi t o de qual quer i magi nár i a f al t a de cui dado com o caval o, at i r ar a- se par a ci ma da r ede, par a al i esgot ar a sua i ndi gnação cont r a a es t upi dez do mundo em ger al , at é que a ser eni dade encant ador a do t empo o acal mou, não obst ant e os seus esf or ços em cont r ár i o. Com os ol hos f i xos na sombr a pr of unda e ver de da copa dos cast anhei r os que se er gui am sobr e el e, per di a- se no paí s dos sonhos e i magi nava- se bal ouçando sobr e as ondas do oceano numa vi agem à vol t a do mundo, quando o som de al gumas vozes o t r ouxer am par a t er r a num ápi ce. 115 Espr ei t ou at r avés das mal has da r ede e vi u as Mar ch saí r em de casa com o aspect o de quem par t e par a qual quer expedi ção. Que demóni o i r ão f azer agor a aquel as r apar i gas?" , pensou Laur i e abr i ndo os ol hos sonol ent os par a obser var bem o que se passava, por que not ar a nas suas vi zi nhas qual quer coi sa um t ant o ou quant o f or a do nor mal . Cobr i am- l hes

a cabeça gr andes chapéus de abas mui t o l ar gas, l evavam a t i r acol o, cada uma, a sua bol sa de t eci do cast anho e na mão uo

compr i do caj ado. Meg l evava consi go uma al mof ada, um l i v r o, Bet h um bal de e Amy uma past a. Passar am t r anqui l ament e at r avés do qui nt al , saí r am pel o por t ão das t r asei r as e começar am a t r epar a col i na ent r e a casa e a mar gem do r i o.

Mas que ci ni smo! " , di sse Laur i e com os seus bot ões. Vão f azer um pi queni que e não me convi dam! No bar co

não podem i r , por que não vi er am buscar a chave do cadeado. Mas t al vez se t enham esqueci do; vou l evar - l ha e ao mesmo t empo saber o que se passa. "

Er a possui dor de mei a- dúzi a de chapéus, mas l evou al gum t empo a encont r ar um; depoi s segui u- se uma ver dadei r a caça

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à chave, at é que, por f i m, a f oi descobr i r dent r o de uma das suas al gi bei r as, de manei r a que, quando deu um sal t o por ci ma

da sebe e cor r eu at r ás del as , j á as r apar i gas se encont r avam f or a do seu al cance.

Tomou o cami nho mai s cur t o que l evava ao bar r acão do bar co e esper ou al i que el as apar ecessem; como nenhuma se

apr oxi masse, subi u ao al t o da col i na par a obser var em vol t a. Par t e del a er a cober t a por um bosque de pi nhei r os, e do pont o mai s i nt er i or daquel e maci ço de ver dur a ouvi am- se

quai squer sons que er am pouco mai s ní t i dos do que o f r aco sussur r ar da r ama dos pi nhei r os ou o c r i cr i sonol ent o dos gr i l os. 116 Que l i ndí ssi ma pai sagem! , pensou Laur i e ao espr ei t ar at r avés da r amagem, j á bem acor dado e novament e bem- di spost o. Não há dúv i da nenhuma de que er a um l i ndo quadr o. As quat r o i r mãs est avam sent adas em gr upo num r ecant o abr i gado do sol , com a l uz e a sombr a a t r emul ar em em movi ment os f ugi t i vos sobr e el as ; a ar agem per f umada soer gui a- l hes os cabel os e i a r ef r escar as suas f aces af ogueadas pel o cal or , e os mi núscul os habi t ant es do ar vor edo cont i nuavam ocupados nos assunt os da sua vi da par t i cul ar , como se el as não f ossem ser es est r anhos, mas, pel o cont r ár i o, ami gos vel hos. Meg est ava sent ada sobr e a al mof ada que t r ouxer a e apl i cava na cost ur a as suas mãos del i cadas, f r esca e pur a como uma f l or no seu vest i do cor - de- r osa, no mei o da ver dur a. Bet h apanhava pequenas pi nhas que abundavam debai xo dos ar bust os, com as quai s sabi a f azer coi sas boni t as . Amy desenhava um gr upo de f et os e Jo f azi a mei a ao mesmo t empo que l i a em voz al t a. Vendo- as assi m, uma sombr a passou, f ugi t i va, pel o r ost o do r apaz, ao pensar que t i nha de se i r embor a, poi s não f or a conv i dado. Mas ao mesmo t empo cust ava- l he a t omar uma r esol ução, por que a casa est ava mui t o só e est a r euni ão t r anqui l a no mei o do ar vor edo er a uma at r acção i r r esi s t í vel par a o seu espí r i t o agi t ado. Dei xou- se f i car , t ão qui et o que um esqui l o, mui t o ocupado com a sua col hei t a de mant i ment os, desceu a cor r er pel o t r onco de um pi nhei r o ao seu l ado, depar ou com el e de r epent e e deu um sal t o par a t r ás , sol t ando um gr i t o de t al f or ma est r i dent e que Bet h ol hou par a aquel e l ado e descobr i u o r ost o di r i gi do par a el as por det r ás dos r amos das bét ul as e convi dou- o a apr oxi mar - se, com um sor r i so si mpát i co. - Dão l i cença, ou venho i ncomodar ? - per gunt ou, à medi da que avançava l ent ament e. Meg er gueu os sobr ol hos, mas Jo ol hou par a el a, f azendo uma car a de desaf i o, e di sse i medi at ament e: 117 - Anda, sem cer i móni a! Nós at é t e deví amos t er convi dado, mas pensámos que não t e i nt er essar i as por uma pequena br i ncadei r a de r apar i gas, como est a.

- Eu apr eci o sempr e mui t o as vossas br i ncadei r as, mas se a

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Meg não desej a que eu f i que, vou- me embor a i medi at ament e. - Não f aço qual quer obj ecção, se f i zer es qual quer coi sa de út i l . É cont r a o r egul ament o es t ar i nact i vo aqui - ,

r espondeu Meg com ar gr ave, mas ao mesmo t empo amável . - Agr adeço- l hes s i ncer ament e. Se me dei xar em f i car aqui um

bocadi nho que sej a f ar ei t udo o que qui ser em. Lá em bai xo es t á t r i st e como o deser t o do Sar a. Devo coser , l er ,

apanhar pi nhas, desenhar ou f azer t udo i sso ao mesmo t empo? Most r em- me o que t enho de sof r er ; est ou pr ont o - , e

Laur i e sent ou- se com uma expr essão submi ssa, del i c i osa par a quem o v i a. - Acaba de l er est a hi st ór i a enquant o eu t er mi no est e cal canhar - , di sse Jo ent r egando- l he o l i vr o.

- Est á bem - , r espondeu humi l de ao começar a l er , f azendo o mel hor que podi a par a pr ovar a sua gr at i dão pel o

f avor de t er s i do admi t i do no sei o da Soc i edade da Abel ha Labor i osa. A hi st ór i a não er a mui t o l onga, e, quando acabou de l er ,

avent ur ou- se a f azer al gumas per gunt as , como r ecompensa que j ul gava mer ecer .

- Podem- me di zer se est a i ns t i t ui ção al t ament e i nst r ut i va e encant ador a é de f undação r ecent e?! - Quer em- l he expl i car - per gunt ou Meg às i r mãs.

- El e vai - se r i r de nós - av i sou Amy. - Quem é que se i mpor t a com i sso? - di sse Jo.

- Desconf i o que vai gos t ar - , acr escent ou Bet h. - Ev i dent ement e! Dou- l hes a mi nha pal avr a de honr a que não me r i o. Cont e, Jo, não t enha medo. 118 - Ol ha que i dei a, t er medo de t i ! Or a mui t o bem, não sei se sabes que nós cost umamos br i ncar a j ogos que nós pr ópr i as i nvent amos, e t emo- l o f ei t o mui t o a sér i o dur ant e t odo o I nver no e Ver ão. - Si m, eu sei - , di sse Laur i e acenando com a cabeça com um ar de quem est á i nf or mado. - Quem t e di sse? - per gunt ou Jo. - Os espí r i t os ! - Não f or am os espí r i t os, f ui eu. Qui s di st r aí - l o uma noi t e em que vocês t i nham saí do e el e est ava um pouco t r i st onho. El e gost ou mui t o, por i sso não me r al hes, Jo - , acr escent ou Meg com mei gui ce. - És i ncapaz de guar dar um segr edo. - Cont i nuo - , di sse Laur i e ao ver Jo concent r ar t oda a at enção no seu t r abal ho, com um l i gei r o aspect o de abor r eci ment o. - O quê, el a não t e cont ou t udo sobr e est e nosso novo pr oj ect o? Mui t o bem: nós pr ocur amos não desper di çar as nossas f ér i as , i mpondo a cada uma uma t ar ef a, a que nos apl i camos com t oda a vont ade. As f ér i as est ão a acabar , as t ar ef as es t ão quase acabadas e nós sent i mo- nos i mensament e f el i zes por não t er mos andado à boa

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vi da. - Si m, concor do. - E Laur i e pensava, com pena, nos seus di as

de oci os i dade. - A nossa mãe gost a de nos ver ao ar l i vr e o mai s t empo

possí vel , de manei r a que t r azemos os nossos t r abal hos par a aqui e passamos um t empo del i c i oso. Par a ser mai s di ver t i do, t r azemos as nossas coi sas nesses sacos, pomos chapéus el hos na cabeça, empr egamos paus f er r ados par a t r epar à col i na e br i ncamos aos per egr i nos, como há mui t os anos cos t umávamos f azer . Demos a es t e mont e o nome de Mont a nha das Del í c i as , por que del a podemos espr ai ar os ol hos at é mui t o l onge e avi st ar os campos onde desej amos vi ver um di a, mai s t ar de. 119 Jo apont ou com o dedo e Laur i e, que est ava dei t ado no chão, sent ou- se par a ol har na di r ecção i ndi cada. At r avés de uma aber t a no ar vor edo podi a- se l ançar a vi st a par a al ém do

l ar go r i o azul , par a os pr ados que f i cavam na mar gem de l á mui t o l onge, at é aos ar r abal des da gr ande ci dade e à cadei a

ver de dos mont es que se er gui am at é encont r ar o céu. - Que bel o que i st o é! - di sse Laur i e em voz bai xa, na sua

pr ont a espont anei dade em ver e sent i r a bel eza em qual quer dos seus aspect os .

- É mui t as vezes assi m; e nós gost amos de cont empl ar o espect ácul o, por que nunca se r epet e i gual ment e, mas é sempr e mar avi l hoso - , obser vou Amy, desej ando poder pi nt á- l o num quadr o.

- Jo r ef er e- se ao campo onde quer í amos passar al gum t empo; o campo a val er , com por cos, gal i nhas e a cei f a do

f eno - acr escent ou Bet h, pensat i va. - Que engr açado ser i a se t odos os cast el os no ar que nós edi f i camos se t or nassem r eal i dade e se, r eal ment e, os pudéssemos habi t ar ! - obser vou Laur i e est endi do no chão e at i r ando pi nhas ao esqui l o que t i nha denunci ado a sua pr esença. - Tens de escol her o que mai s t e agr ada. O que é - per gunt ou Meg.

- Se eu t e di sser qual é o meu, di zes- me o t eu? - Di go, se t odas qui ser em f azer o mesmo. - Quer emos, si m; vamos, Laur i e, cont a! - Depoi s de t er v i aj ado e vi st o o mundo, t ant o quant o é meu desej o, gost ava de f i car na Al emanha e dedi car - me à

mús i ca. Quer i a ser um músi co f amoso e nunca t er pr eocupações de di nhei r o ou de negóci os , gozar , si mpl esment e, e f azer o que me apet ecesse. É est e o meu cast el o no ar pr edi l ec t o. E o t eu, Meg? Mar gar et par eci a achar um pouco di f í c i l descr ever o sonho que ar qui t ect ar a; agi t ou um pauzi nho em f r ent e do r os t o 120 como que a af ugent ar mosqui t os i magi nár i os, ao mesmo t empo que di z i a com voz l ent a:

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- Eu gost ava de t er uma casa boni t a, chei a de t udo o que há de mai s agr adável : boa mesa, boni t os ves t i dos , bel a mobí l i a, pessoas agr adávei s e di nhei r o aos mont es . Eu ser i a a dona dessa casa e gover ná- l a- i a como mai s me agr adasse, t er i a mui t os cr i ados e não havi a de t er necessi dade de f azer o t r abal ho mai s i ns i gni f i cant e. Como ser i a f el i z! Mas não v i ver i a oc i osa; f ar i a mui t o bem e es f or çar - me- i a por que t odos est i massem com t er nur a. - E não quer i as t er um senhor par a o t eu cast el o no ar ? - per gunt ou Laur i e com mal í c i a.

- Eu di sse pessoas agr adávei s, não ouv i st e? E Meg at ou cui dadosament e as f i t as dos sapat os, de modo a ni nguém l he poder ver o r ost o.

- Por que não di zes ant es que gost ar i as de t er um mar i do bom e i nt el i gent e e f i l hos? O t eu cast el o não ser i a per f ei t o sem el es - acr escent a Jo, que ai nda não t i nha f ant as i as apai xonadas e desdenhava de t udo o que f osse r omance, except o aquel e que se l ê nos l i vr os.

- Tu, no t eu, não quer er i as t er senão caval os, t i nt ei r os e novel as - , r espondeu Meg, mal - humor ada.

- E ent ão, por que não? Eu quer i a t er um est ábul o chei o de caval os ár abes de r aça, sal as chei as de l i v r os at é ao t ect o e escr ever com t i nt a de um t i nt ei r o mági co, de manei r a que as mi nhas obr as se t or nassem t ão f amosas como as músi cas de Laur i e. Eu quer o f azer qual quer coi sa espl êndi da ant es de dar ent r ada no meu cast el o, qual quer coi sa her ói ca ou mar avi l hosa, que o mundo nunca mai s esqueça depoi s da mi nha mor t e. Não sei bem o que ser á, mas est ou sempr e vi gi l ant e e conf i ada, e esper o um di a espant á- l os a t odos. Penso que hei - de vi r a escr ever l i vr os e conqui st ar f ama e r i queza. É i st o o que me agr ada, e, por t ant o, é est e o meu sonho! 121 - Poi s o meu é es t ar em casa, l onge do per i go, na companhi a do pai e da mãe, e aj udar a cui dar da f amí l i a - di sse Bet h mui t o sat i sf ei t a.

- Não desej as mai s nada do que i sso? - per gunt ou Laur i e. - Desde que t enha o meu pi ani nho, f i co compl et ament e

sat i sf ei t a. Só o que desej o é que vi vamos bem uns com os out r os, sempr e j unt os, e nada mai s. - Eu t enho i númer os desej os , mas o que me é mai s quer i do é

ser uma ar t i s t a, i r a Roma, pi nt ar l i ndos quadr os e ser a mel hor ar t i st a em t odo o mundo. Er a est a a aspi r ação de Amy. - Somos uma boa col ecção de ambi c i osos, não é ver dade? Cada

um de nós, com excepção de Bet h, o que quer é ser r i co, f amoso e opul ent o em t odos os aspect os. Gost ava

de saber se al gum de nós r eal i zar á um di a os seus desej os - obser vou Laur i e, a mast i gar uma pal hi nha.

- Eu j á t enho as chaves do meu cast el o no ar , mas o que

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r es t a ver é se poder ei abr i r - l he as por t as - , acr escent ou Jo com ar mi s t er i oso.

- Eu t enho a chave do meu, mas não me é per mi t i do ut i l i zá- l a. Mal di t a Uni ver si dade! - mur mur ou Laur i e com um

suspi r o de i mpaci ênci a. - A do meu est á aqui ! - E Amy agi t ava na mão o seu l ápi s de

desenho. - Poi s eu não t enho nenhuma - , di sse Meg com t r i s t eza. - Tens, s i m senhor a! - excl amou Laur i e.

- Onde? - Na t ua car a.

- Que di spar at e! Não ser ve par a nada. - Esper a e hás- de ver se el a não t e t r az qual quer coi sa

que val ha a pena - , r espondeu o r apaz sor r i ndo. Meg cor ou por det r ás do r ami t o de ár vor e que t i nha na mão, mas

não f ez qual quer per gunt a. 122 - Se vi ver mos t odos daqui a dez anos, havemos de nos r euni r par a ver quant os dent r e nós r eal i zar am os seus desej os ou se est ar emos mai s per t o dessa r eal i zação do que agor a! - obser vou Jo, que est ava sempr e pr ont a par a apr esent ar pr oj ect os. - Que hor r or ! Que i dade t er ei eu ent ão? Vi nt e e sei s anos! - excl amou Meg, que j á se consi der ava uma senhor a, com dezassei s anos apenas. - Esper o nessa al t ur a t er j á f ei t o qual quer coi sa de que me possa or gul har ; mas sou t ão pr egui çosa que r ecei o bem andar ai nda a apanhar moscas, Jo. - É pr eci so t er um obj ect i vo, como di z a mãe. El a t em a cer t eza absol ut a de que, desde que o t enhamos, o t r abal ho decor r er á espl endi dament e. - Ah! Si m? Poi s j ur o que me hei - de dei t ar ao t r abal ho l ogo que me sor r i a a opor t uni dade! - excl amou Laur i e, sent ando- se com súbi t a ener gi a. - Eu devi a cont ent ar - me em agr adar ao avô ; r eal ment e esf or ço- me por i sso, mas é r emar cont r a a mar é, e, sabem, por f i m t or na- se di f í c i l . El e quer que eu me dedi que ao comér ci o da Í ndi a, como el e, mas pr ef er i a ser f uzi l ado! Det es t o o chá, a seda, as especi ar i as e t oda a espéci e de dr ogas que os seus vel hos navi os t r anspor t am, e, se eu f osse dono del es, não me i mpor t ar i a que f ossem depr essa par a o f undo. Por out r o l ado, a i da par a a Uni ver si dade deve sat i s f azê- l o, por que, se eu l he dedi car quat r o anos, el e t em obr i gação de me di spensar dos negóci os ; mas el e não se comove e eu t enho dec i di dament e de f azer o mesmo que o avô f ez, a não ser que me l i ber t e e pr oceda como f or do meu agr ado, como o meu pai . Se ai nda houvesse al guém na f amí l i a que f i casse na companhi a do avô, f azi a- o j á amanhã.

Laur i e f al ava com exal t ação e par eci a pr ont o a r eal i zar a sua ameaça à pr i mei r a pr ovocação. No ent ant o, j á mai s cal mo,

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acr escent ou com ent usi asmo: 123 - Posso vol t ar aqui out r a vez?

- Podes, mas se t e por t ar es bem! - exc l amou Meg com um sor r i so.

- Pr omet o f azê- l o. - Ent ão, nesse caso, podes vi r . Vou ensi nar - t e a f azer mei a,

como é cost ume ent r e os Escoceses; há agor a uma gr ande pr ocur a de peúgas no mer cado - , acr escent ou Jo, agi t ando no ar a mei a que est ava a f azer .

Naquel a noi t e, enquant o Bet h t ocava par a o senhor Lau r ençe ouvi r , Laur i e, de pé, ao abr i go da sombr a de um cor t i nado, pr est ava t oda a at enção à músi ca, que, na sua si mpl i c i dade, t i nha sempr e o ef ei t o de acal mar o seu mau humor . Ao mesmo t empo, obser vava o avô, que est ava sent ado, com a cabeça gr i sal ha apoi ada em uma das mãos. E l embr ando- se da conver sa daquel a t ar de, o r apaz di sse par a si pr ópr i o, deci di do a sacr i f i car - se al egr ement e:

Vou dei xar que o meu cast el o no ar se desvaneça e f i car na companhi a do quer i do avô enquant o el e pr eci sar de mi m, por que, af i nal , eu sou t udo par a el e. 124

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XI V

�/�&I ���,���� Jo est ava ocupada, nas águas- f ur t adas, dur ant e aquel es di as de Out ubr o. Dur ant e duas ou t r ês hor as, o sol ent r ou pel a j anel a aber t a no al t o da casa, most r ando- a sent ada no vel ho sof á, a escr ever l abor i osament e, com os seus papéi s espal hados em f r ent e, sobr e uma mal a, enquant o o seu r at i nho f avor i t o passeava pel as vi gas do t ec t o na companhi a do pr i mei r o f i l hot e. Compl et ament e absor vi da no seu t r abal ho, Jo cont i nuou a escr ever at é encher a úl t i ma f ol ha, na qual subscr eveu o seu nome e, pousando a pena, excl amou: - Pr ont o! Fi z o mel hor que me f oi poss í vel . Se não est i ver bem, t er ei de esper ar at é ser capaz de escr ever al guma coi sa que t enha mai s val or .

Recost ou- se no sof á e l eu at ent ament e o manuscr i t o, emendando o que l he par eci a dever ser cor r i gi do; depoi s at ou- o com uma f i t a ver mel ha e f i cou a ol har par a el e com uma expr essão pensat i va que demonst r ava bem o gr ande empenho que t i nha post o naquel e t r abal ho. A escr i vani nha de Jo er a um vel ho f ogão de chapa de f er r o. Er a dent r o del e que guar dava os seus papéi s e al guns l i v r os, por causa do seu r at i nho" , o qual , dot ado de t endênci as l i t er ár i as, gost ava mui t o de espal har os l i vr os e devor ar as f ol has. Jo, depoi s , 125 t i r ou out r o manuscr i t o dest e cof r e, e, met endo- o na

al gi bei r a j unt o do pr i mei r o, desl i zou pel a escada abai xo, caut el osament e.

Pôs o chapéu e vest i u o casaco o mai s si l enci osament e que l he f oi possí vel e, di r i gi ndo- se a uma j anel a de sacada, nas t r asei r as, sal t ou par a c i ma do t el hado de um al pendr e de pouca al t ur a, dei xou- se escor r egar par a o chão cober t o de er va e segui u por um cami nho desvi ado par a al cançar a est r ada.

Al i , f i cou mai s t r anqui l a. Subi u par a uma car r uagem que i a a passar e di r i gi u- se par a a ci dade com um ar de gr ande

mi s t ér i o e mui t o al egr e i nt er i or ment e. Desceu da car r uagem e f oi a pé at é que chegou a um det er mi nado

númer o de uma r ua de mui t o t r ânsi t o. Descober t o com al guma di f i cul dade o l ugar desej ado, ent r ou pel a

por t a, ol hou par a a escada e, passados al guns segundos, sai u subi t ament e e começou a andar pel a r ua f or a com a mesma vel oci dade com que vi er a. Fez i s t o vár i as vezes, o que f ez r i r

um j ovem de ol hos escur os que a obser vava da j anel a de uma casa em f r ent e. À t er cei r a vez , Jo subi u f i nal ment e a

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escada, chei a de cor agem, como se f osse ar r ancar t odos os dent es ao consul t ór i o do dent i st a cuj a pl aca se vi a na por t a.

O j ovem a que at r ás nos r ef er i mos vest i u o sobr et udo, pôs o chapéu e desceu à r ua par a esper ar Jo, pensando:

É mesmo del a, vi r assi m sozi nha, mas se passar um mau bocado, vai pr eci sar de al guém que a acompanhe a casa. Dez mi nut os depoi s, Jo desceu a escada mui t o depr essa, com o r ost o mui t o ver mel ho e o ar de quem acaba de passar por uma dur a pr ova. Quando vi u o j ovem, most r ou descont ent ament o e passou por el e com um s i mpl es bai xar de cabeça. El e, por ém, f oi at r ás del a e per gunt ou- l he com mui t a sol i c i t ude :

- Passast e um mau bocado? - Nem por i sso.

126 - Não t e demor ast e mui t o.

- Não, gr aças a Deus! - Por que é que vi est e soz i nha? - Por que não quer i a que ni nguém soubesse. - És a pessoa mai s ext r aor di nár i a que eu conheço. Quant os

dent es t e ar r ancar am? Jo ol hou par a o seu ami go sem o compr eender . Depoi s começou

a r i r mui t o di ver t i da. - Há doi s que quer o que sai am, mas t enho que esper ar uma

semana. - De que é que t e est ás a r i r ? Est ás a t r amar al guma. . .

- E t u t ambém. O que er a aqui l o? - Per dão, mi nha senhor a, aqui l o é um gi nási o e eu est ava na

l i ção de Esgr i ma. - Fi co mui t o cont ent e com i sso. - Por quê?

- Por que assi m vai s poder ensi nar - me e, quando r epr esent ar mos o Haml et , podes f azer o papel de Laer t es e a cena do duel o vai sai r uma mar avi l ha. Laur i e deu uma gar gal hada.

- Dou- t e l i ções de esgr i ma quer r epr esent emos o Haml et quer não. É mui t o di ver t i do, embor a não cr ei a que sej a por i sso que di ssest e de uma f or ma t ão dec i di da: Fi co mui t o

cont ent e com i sso. - Não. Di sse- o por que não gost o que f r equent es essas sal as,

por que não t ens esse cost ume, poi s não? - Só al gumas vezes.

- Pr ef er i a que não f osses l á nunca. - Não t em nada de mal Jo. Tenho bi l har em casa mas j ogar sozi nho não é mui t o di ver t i do, e por i sso às vezes j ogo com o Mof f at e com out r os. 128 - Tenho pena, por que assi m vai s gost ando cada vez mai s, mal bar at as

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t empo e di nhei r o e vai s acabar por t e par ecer com esses r apazes i nsupor t ávei s . Sempr e esper ei que f osses uma pessoa decent e e um mot i vo de or gul ho par a os t eus ami gos - di sse Jo, abanando a cabeça, pesar osament e. Laur i e cont i nuou a cami nhar em si l ênci o dur ant e al guns mi nut os, enquant o Jo ol hava par a el e, j á ar r ependi da das pal avr as que pr onunci ar a, poi s o ol har do seu ami go r evel ava cont r ar i edade, embor a os l ábi os cont i nuassem a sor r i r . - Est ás di spost a a f azer - me um ser mão at é chegar mos a casa? - per gunt ou el e. - Cl ar o que não. Por que per gunt as i sso? - Por que se é essa a t ua i nt enção, vou de car r uagem; caso cont r ár i o gost ar i a de i r cont i go par a t e di zer uma coi sa mui t o i nt er essant e. - Pr ont o. Não pr ego mai s ser mões e est ou ansi osa por saber a novi dade. - Vou di zer - t e o que é. Mas t r at a- se de um segr edo, e se eu t e cont o o meu, t u t ambém t ens de me cont ar o t eu. - Mas eu não t enho segr edos. . . - começou Jo a di zer . Mas cal ou- se ao l embr ar - se de que r eal ment e os t i nha. - Sabes mui t o bem que t ens. E, ou me cont as t udo ou eu não t e di go nada - di sse Laur i e. - O t eu segr edo t em al gum i nt er esse? - Ol á se t em! Ref er e- se a pessoas que t u conheces mui t o bem e é mui t o di ver t i do. Há j á al gum t empo que ando com vont ade de t o cont ar . - E t u não cont as nada em casa do que eu t e di sser ? - Nem uma pal avr a! - Nem vai s f azer t r oça de mi m quando est i ver mos sozi nhos? - Eu nunca f aço t r oça de ni nguém. - Lá i sso f azes, pr i nci pal ment e quando quer es que as pessoas 129 t e cont em al guma coi sa. Não sei como é, mas consegues sempr e o que quer es com as t uas l i sonj as.

- Obr i gado. Mas venha de l á o segr edo. - Poi s bem. Fui ent r egar duas novel as na r edacção de

um j or nal e o di r ect or vai l ê- l as e dá- me a r espost a par a a semana. - Vi va a Jo Mar ch! Vi va a f amosa escr i t or a - excl amou

Laur i e, at i r ando o chapéu ao ar e vol t ando a apanhá- l o, f azendo a del í c i a de doi s pat os, quat r o gat os , c i nco gal i nhas e mei a- dúz i a de cr i anças, poi s j á se encont r avam f or a do cent r o da ci dade.

- Est á cal ado! Se cal har f i ca t udo em nada; mas não podi a sossegar se não t ent asse. Por i sso deci di não cont ar a ni nguém, por que não quer o que ni nguém l á em casa f i que desapont ado.

- Ni nguém vai f i car desapont ado. As t uas hi st ór i as são como obr as de Shakespear e, compar adas com as coi sas sem cont eúdo que

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se publ i cam hoj e. Vamos t er o gr ande pr azer de as ver em l et r a de i mpr ensa! E que or gul ho vamos sent i r por ser a nossa aut or a!

Os ol hos de Jo br i l havam, poi s é sempr e agr adável que al guém t enha conf i ança nas nossas capac i dades e o el ogi o f ei t o por um ami go dá- nos mui t o mai s pr azer do que uma dúzi a de cr í t i cas pos i t i vas nos j or nai s.

- Bem. E agor a qual é o t eu segr edo? Se não mo cont ar es, não t or no a conf i ar em t i , Laur i e - di sse el a, t ent ando abaf ar as esper anças que as pal avr as del e havi am desper t ado dent r o de s i .

- Se cal har , vou met er - me em sar i l hos por t o cont ar , mas como não pr omet i a ni nguém não f al ar ni st o, el e aí vai . Quando sei al guma coi sa, não descanso enquant o não t a cont o. Eu sei onde est á a l uva que a Meg per deu.

- O quê? É só i sso? - mur mur ou Jo desi l udi da. - É. E vai s f i car mui t o admi r ada quando souber es onde el a est á. 130 - Ent ão di z l á. Laur i e i ncl i nou- se e mur mur ou al gumas pal avr as ao ouv i do de Jo, as quai s causar am nel a uma al t er ação not ável . Par ou e f i cou a ol har par a el e com espant o e cur i osi dade. De r epent e cont i nuou a andar e, ao f i m de al gum t empo, per gunt ou br uscament e : - Como é que sabes? - Eu vi - a. - Onde? - No bol so del e. - Anda com el a desde o di a do passei o? - Anda. Não é t ão r omânt i co? - Acho hor r í vel . - Não t e agr ada? - É evi dent e que não. É uma coi sa r i dí cul a e não pode ser per mi t i da. O que vai di zer a Meg? - Ni nguém l ho vai cont ar . Nem a el a nem a ni nguém. - Eu não pr omet i nada. - Jul guei que i sso est ava subent endi do. Por i sso conf i ei em t i . - Est á bem. Por agor a não di go. Mas est ou cont r ar i ada e pr ef er i a que não me t i vesses di t o nada.

- Jul guei que i as gost ar . - Que apar ecesse al guém que qui sesse l evar a Meg? Não, obr i gada.

- Já não vai s pensar o mesmo quando apar ecer al guém que t e quei r a l evar a t i .

- Gost ava de ver quem se at r ever i a a f azê- l o! - Também eu! - r i u Laur i e. - Par ece- me que os segr edos não são coi sas par a mi mdi sse Jo,

um pouco desconsol ada. - Vamos descer es t a l adei r a a cor r er e vai s ver que f i cas

mai s cont ent e - pr opôs Laur i e. 131

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Não se vi a ni nguém, a est r ada desci a convi dat i vament e e el a, sem poder r esi st i r à t ent ação, dei t ou a cor r er dei xando

par a t r ás o chapéu, a t r avessa do cabel o e espal hando ganchos pel o cami nho. Laur i e f oi o pr i mei r o a chegar à met a e

f i cou cont ent e por ver i f i car que Jo vi nha com os ol hos br i l hant es e as f aces ver mel has e sem quai squer vest í gi os de

descont ent ament o. Dur ant e al guns di as Jo por t ou- se de uma f or ma t ão esqui si t a

que as i r mãs a es t r anhar am. Di r i gi a- se r api dament e par a a por t a quando chegava o car t ei r o; mal cumpr i ment ava o senhor Br ooke quando se encont r ava com el e; f i t ava Meg dur ant e mui t o t empo com uma expr essão pensat i va e, de vez

em quando, sacudi a- a bei j ando- a l ogo de segui da de um modo est r anho. Laur i e e el a f azi am f r equent ement e si nai zi nhos

um par a o out r o, di zendo umas pal avr as que só el es ent endi am, o que l evava as out r as pessoas a pensar que el es t i nham per di do o j uí zo.

Cer ca de qui nze di as depoi s de Jo t er i do à ci dade, Meg, que est ava a cost ur ar j unt o da j anel a, f i cou escandal i zada quando vi u Laur i e cor r er at r ás de Jo pel o j ar di m e apanhá- l a

f i nal ment e j unt o do car amanchão de Amy. O que se passou a segui r não pôde Meg obser var , mas ouvi u gar gal hadas, vozes e o r uí do de f ol has de j or nal a ser em vi r adas.

- Não sei o que havemos de f azer a est a r apar i ga - suspi r ou Meg. - Não consi go que se compor t e com modos senhor i s.

- Por mi m desej o que nunca o f aça, por que t al como é par ece- me mui t o mai s engr açada e si mpát i ca - r espondeu Bet h, di ssi mul ando a sua t r i st eza por ver i f i car que Jo t i nha

segr edos com out r as pessoas e não com el a. - A mi m f az- me pena, mas não acr edi t o que sej a possí vel cor r i gi - l a - f oi a opi ni ão de Amy. Pouco depoi s, Jo ent r ou subi t ament e na sal a e, sent ando- se no

sof á, f i ngi u que es t ava a l er o j or nal . 132 - Tens aí al guma coi sa i nt er essant e? - per gunt ou Meg. - Um cont o, mas não me par ece val er gr ande coi sa - di sse el a. - Lê- o em voz al t a par a nos di st r ai r mos t odas - pedi u Bet h. - Que t í t ul o t em? - per gunt ou Bet h, est r anhando que Jo cont i nuasse a esconder a car a por det r ás do j or nal . - Os pi nt or es r i vai s. - Deve ser i nt er essant e. Lê l á - di sse Meg. Depoi s de ac l ar ar a voz e de ganhar cor agem, Jo começou a l er . As r apar i gas escut avam com i nt er esse, poi s o cont o er a r omânt i co, dr amát i co, e quase t odas as per sonagens acabar am por mor r er . - Gost o dessa par t e em que se al ude a esse magní f i co quadr o - dec l ar ou Amy. - Eu pr ef i r o o ent r echo amor oso. Vi ol a e Ângel o são doi s dos nossos

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nomes pr ef er i dos. Não acham uma coi nci dênci a i nt er essant e? - di sse Meg enxugando os ol hos, por que se t i nha emoci onado. - Quem é que o escr eveu? - per gunt ou Bet h, que t eve uma suspei t a ao obser var a expr essão de Jo, que agor a es t ava a descober t o. Est a l evant ou- se de um sal t o, af ast ou o j or nal par a o l ado e, most r ando um r os t o mui t o r ubor i zado, decl ar ou em voz al t a com um mi s t o de sol eni dade e exci t ação:

- A vossa i r mã! - Tu? - excl amou Meg, dei xando cai r a cost ur a. - Est á mui t o bem escr i t o - di sse Amy com t oda a ser i edade. - Já cal cul ava que er a t eu. Est ou t ão or gul hosa de t i !

e Bet h cor r eu a abr açá- l a. Fi car am t odas mui t o al egr es e ent usi asmadas. Meg não f oi

capaz de acr edi t ar senão quando v i u o nome de Josef i na 133 Mar ch" i mpr esso no papel . Amy f ez a cr í t i ca do cont o. Bet h f i cou t ão exci t ada que começou às vol t as na sal a, enquant o cant ar ol ava. Hanna ent r ou, excl amando: Quase nem posso acr edi t ar ! " A senhor a Mar ch, quando soube, f i cou mui t o sa t i s f ei t a e Jo, r i ndo e chor ando ao mesmo t empo, di sse que, com t ant os el ogi os, i a acabar por f i car vai dosa como um pavão.

Ent r et ant o, o j or nal i a passando de mão em mão. - Quando é que o escr evest e? Quant o t e pagar am? Que di r á o

pai quando souber ? Laur i e vai f ar t ar - se de r i r ! - gr i t avam t odas ao mesmo t empo em t or no de Jo, por que sendo si mpl es e af ect i vas davam i mpor t ânci a a qual quer acont ec i ment o agr adável , por mai s í nf i mo que f osse.

- Se se cal ar em dur ant e um bocado, eu cont o como t udo se passou - di sse Jo. E, depoi s de t er expl i cado t udo, acr escent ou: - Quando f ui buscar a r espost a do edi t or , el e di sse que gost ava dos cont os, mas que não pagava aos pr i nci pi ant es, l i mi t ando- se a publ i car as obr as e anunci á- l as no seu j or nal , o que, segundo el e, é um bom i ní ci o. Di sse t ambém que, quando as hi st ór i as são mel hor es , qual quer j or nal as acei t a e paga por el as . Dei xei l á os meus doi s t r abal hos e hoj e publ i car am est e. Laur i e vi u- o e i ns i st i u em l ê- l o. Di z que vai consegui r que me paguem o pr óxi mo. Por i sso est ou mui t o cont ent e, poi s no f ut ur o posso ganhar a mi nha vi da e aj udar as mi nhas i r mãs.

Nest a al t ur a Jo per deu a r espi r ação e, escondendo a cabeça no j or nal , der r amou al gumas l ágr i mas de emoção. Por que ser i ndependent e e consegui r a apr ovação das pessoas que mai s amava er am os ansei os mai s pr of undos do seu cor ação. E aqui l o que consegui r a dest a vez par eci a- l he j á o pr i mei r o passo par a aquel e f el i z obj ect i vo. 134

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XV

_YW \dZD]cZfeY`8T&W)T - Novembr o é o mês mai s desagr adável do ano - di sse Meg, que est ava de pé, j unt o da j anel a, numa t ar de ci nzent a, ol hando par a o j ar di m. Foi i nt er r ompi da pel o som da campai nha da por t a. Pouco depoi s ent r ava Hanna com um papel na mão. - uma dessas coi sas a que chamam t el egr ama, mi nha senhor a - di sse el a, ao mesmo t empo que o dava à senhor a Mar ch com uns modos que par eci a que t i nha na mão uma bomba pr ont a a expl odi r . El a pegou nel e r api dament e e, ao l er o seu cont eúdo, dei xou- se cai r sobr e a cadei r a, t ão pál i da como se aquel e pedaço de papel f osse uma bal a que l he t i vesse t r espassado o cor ação. Laur i e cor r eu a buscar água, enquant o Meg e Hanna a ampar avam e Jo, t r emendo, l i a em voz al t a:

Senhor a Mar ch: O seu mar i do est á mui t o doent e. Venha i medi at ament e S. Hal e. Hospi t al Bl ank. Washi ngt on. Que si l ênci o se i nst al ou na sal a, enquant o t odos ouvi am a

l ei t ur a sem ousar em r espi r ar ! Par eci a que o di a escur ecer a 135 de r epent e e que, naquel e i nst ant e, t odo o mundo se t or na di f er ent e, enquant o as quat r o j ovens r odeavam a mãe, como se a f el i c i dade e o apoi o das suas exi st ênci as est i vessem pr est es a ser - l hes ar r ebat ados num moment o.

A senhor a Mar ch r ecuper ou i medi at ament e o domí ni o pr ópr i o, l eu de novo o t el egr ama e abr i u os br aços par a as f i l has, di zendo- l hes num t om que el as nunca mai s puder am esquecer : - Vou- me embor a i medi at ament e, sem saber se j á é demasi ado t ar de. Aj udem- me a supor t ar es t e gol pe, mi nhas f i l has! Dur ant e al guns i nst ant es , apenas se ouv i r am sol uços naquel a sal a, mi s t ur ados com f r ases de conf or t o e af ect uosas pr omessas de aj uda, com as quai s pr ocur avam encor aj ar - se umas às out r as . A boa Hanna f oi a pr i mei r a a compr eender que er a pr eci so agi r . - Deus pr ot ej a o senhor Mar ch. Não quer o per der mai s t empo em l ament ações. Vou apr ovei t á- l o a pr epar ar as coi sas, mi nha senhor a. Tens r azão. Não é a hor a de chor ar . Tenham cal ma, mi nhas f i l has, e dei xem- me r ef l ec t i r . As pobr es meni nas t ent ar am acal mar - se, enquant o a mãe, embor a mui t o pál i da, mas mai s ser ena, começava a t omar as r esol uções necessár i as.

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- Onde est á o Laur i e? - per gunt ou el a, depoi s de deci di r o que hav i a de f azer em pr i mei r o l ugar .

- Est ou aqui , desej ando poder ser - l he út i l nal guma coi sa - r espondeu o r apaz, cor r endo da sal a ao l ado, par a onde se r et i r ar a del i cadament e. - Faz- me o f avor de env i ar um t el egr ama di zendo que i r ei i medi at ament e. . . Tomar ei o pr i mei r o comboi o, que sai de manhã cedo. 136 - Que mai s quer que eu f aça?

- Que vás l evar uma car t a a casa da t i a Mar ch. Jo, dá- me a pena e o papel .

Jo obedeceu. Est ava pr eocupada, por que sabi a que a mãe pr eci sava de di nhei r o par a a vi agem e que t er i a de pedi - l o empr est ado. Sent i a- se capaz de qual quer sacr i f í c i o par a aument ar , mesmo que f osse pouco, a quant i a necessár i a.

- Vai , meu f i l ho, mas não cor r as demai s por que não é pr eci so. Cl ar o que est a úl t i ma adver t ênci a não f oi t i da em cont a

por que, mi nut os depoi s, o r apaz gal opava no seu mel hor caval o como se se t r at asse de sal var a pr ópr i a vi da.

- Jo, vai buscar as coi sas que escr evi nest e papel . Tenho de i r pr epar ada par a ser vi r de enf er mei r a e os hospi t ai s nem sempr e est ão bem f or neci dos. Bet h, vai pedi r ao senhor Laur ence duas gar r af as de vi nho vel ho. Como é par a o pai , não t enho ver gonha de pedi r , poi s quer o o mel hor par a el e. Amy, di z a Hanna que t i r e par a bai xo a mal a pr et a e t u, Meg, aj uda- me a pr ocur ar as coi sas, por que t enho a cabeça conf usa.

O senhor Laur ence, mui t o sol i c i t ament e, vol t ou com Bet h, t r azendo com el e t oda a espéci e de coi sas de que se l embr ou e que poder i am f azer f al t a ao doent e, j unt ament e com a pr omessa de que ol har i a pel as meni nas dur ant e a ausênc i a da mãe, o que a t r anqui l i zou bast ant e. Quer i a t ambém acompanhá- l a, mas a senhor a Mar ch não per mi t i u que o anc i ão empr eendesse aquel a f at i gant e vi agem. De r epent e, f r anz i u as sobr ancel has, começou a esf r egar as mãos e r et i r ou- se br uscament e, di zendo que vol t ava num moment o. Ni nguém t eve t empo de pensar mai s nesse i nc i dent e, at é que Meg, ao at r avessar o vest í bul o, se encont r ou na f r ent e do senhor Br ooke. - Lament o mui t o o que acaba de acont ecer , meni na Meg 138 - di sse com um t om de voz af ável e cal mo que t eve o condão de al i v i ar o cor ação pesado da r apar i ga. - Vi m of er ecer - me par a acompanhar a sua mãe. O senhor Laur ence encar r egou- me de uns af azer es em Washi ngt on e t er ei mui t o gost o em poder ser - l he út i l .

Meg est endeu- l he a mão com uma t al expr essão de r econhec i ment o que el e t er - se- i a sent i do mai s do que compensado

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por qual quer sacr i f í c i o, ai nda que f osse mai or . - Como são t odos t ão bondosos! Par a nós ser á um gr ande

conf or t o saber que al guém cui da del a. - Meg f al ava com ent usi asmo, esquecendo- se de si mesma. Depoi s l evou- o at é à sal a e di sse- l he que i a chamar a mãe.

Laur i e vol t ou com uma car t a da t i a Mar ch, na qual v i nha a quant i a desej ada e umas l i nhas em que r epet i a o que t ant as vezes di sser a: que achava r i dí cul o o f ac t o de o i r mão t er i do par a a guer r a, que sempr e pensar a que nada de bom poder i a r esul t ar di sso e que esper ava que, par a a pr óxi ma vez, escut assem os seus consel hos.

A senhor a Mar ch at i r ou com a car t a par a o l ume, pôs o di nhei r o no bol so e cont i nuou os pr epar at i vos com os l ábi os cont r aí dos numa expr essão que Jo t er i a l ogo compr eendi do se al i est i vesse.

A t ar de f oi passando, t odos os r ecados f or am f ei t os, Meg e a mãe est avam a ul t i mar al gumas cost ur as necessár i as, enquant o Bet h e Amy punham a mesa par a o chá e Hanna acabava de passar a f er r o, mas Jo não havi a mei o de vol t ar .

- Começar am a f i car pr eocupadas e Laur i e sai u a pr ocur á- l a, poi s nunca se sabi a o que podi a passar - l he pel a cabeça. Não a encont r ou, mas pouco depoi s el a ent r ou em casa com uma expr essão est r anha, mei o di ver t i da, mei o r eceosa, de pr azer e pesar mi s t ur ados, que dei xou a f ami l i a i nt r i gada, não só por i sso mas t ambém pel o maço de not as que pôs di ant e da mãe, di zendo com a voz um t ant o est r angul ada: 139 - I st o é par a poder t r at ar mel hor do pai e t r azê- l o par a casa. - Mas, f i l hi nha, onde f os t e buscar est e di nhei r o? Vi nt e e ci nco dól ar es? Penso que não t enhas comet i do nenhuma l oucur a. - Não. Ganhei est e di nhei r o honest ament e, vendendo o que me per t enci a. E, di zendo est as pal avr as, t i r ou o chapéu. Ouvi u- se um gr i t o ger al por que o seu abundant e cabel o est ava cor t ado mui t o cur t o. - O t eu cabel o! O t eu l i ndo cabel o! Mas, Jo, por que f i zes t e uma coi sa dest as? Toda a t ua bel eza! Não havi a necessi dade, mi nha f i l ha. . . Nem par eces a mi nha Jo, embor a por esse f act o t e ame mai s do que nunca. Enquant o t odas f azi am coment ár i os e Bet h acar i c i ava com mei gui ce a cabeça da i r mã, est a, com um ar despr eocupado que não enganou ni nguém, di sse, passando a mão pel o cabel o cur t o, como se l he desse pr azer f azê- l o: - Não se t r at a de nenhuma cal ami dade naci onal , por i sso não t enhas pena, Bet h. Est ava a f i car vai dosa de mai s por causa do cabel o. I st o vai di mi nui r essa vai dade. De r est o, o meu cér ebr o ganhar á com i sso, poi s f i ca com peso a menos em ci ma. Si nt o a cabeça l eve e f r esca e o cabel ei r ei r o di sse que dent r o em pouco t empo t er ei umas madei xas encar acol adas como as dos r apazes, que me f i car ão

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mui t o bem e ser ão mai s f ácei s de pent ear . Por i sso, mamã, acei t a o di nhei r o e vamos t omar o chá. - Obr i gada, quer i da - di sse a mãe, mas al guma coi sa na expr essão do seu r ost o l evou as r apar i gas a mudar em de conver sa; e começar am a di zer mui t o depr essa que Br ooke er a mui t o at enci oso, que no di a segui nt e o t empo devi a est ar bom e que ser i a mui t o agr adável quando o pai vol t asse par a casa a conval escer . 140 Ni nguém t i nha vont ade de se dei t ar . Por ém, às dez hor as , t endo a senhor a Mar ch acabado de f azer t odos os pr epar at i vos, di sse: - Venham, meni nas! Bet h sent ou- se ao pi ano e t ocou o hi no pr edi l ect o do pai , que t odas se puser am a cant ar com a mai or cor agem. Mas, agor a uma, depoi s out r a, t odas começar am a chor ar at é que f i cou apenas Bet h a cant ar , por que a músi ca a conf or t ava sempr e. - Agor a vamos dor mi r e não conver sem, poi s amanhã vamos t er de nos l evant ar mui t o cedo e pr eci samos de t odo o descanso possí vel . Boa noi t e, quer i das - di sse a senhor a Mar ch. Todas l he f or am dar um bei j o em s i l ênc i o e dei t ar am- se mui t o sossegadas, como se o quer i do enf er mo j á es t i vesse no quar t o ao l ado. 141

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XVI

,����D3��,K��,9�)� Mal começou a amanhecer aquel e di a f r i o e c i nzent o, as quat r o i r mãs acender am os candeei r os e l er am os seus l i vr os- gui as com r edobr ada at enção. Aquel a l ei t ur a dava- l hes aj uda e conf or t o ; e, enquant o se vest i am, r esol ver am f azer umas despedi das al egr es e chei as de esper ança, par a que a mãe não i ni c i asse a sua vi agem per t ur bada pel as l ágr i mas e t r i st eza das f i l has.

Quando descer am t udo l hes par eci a esqui si t o; l á f or a a escur i dão e o si l ênci o, dent r o de casa uma gr ande agi t ação. O pequeno- al moço a uma hor a t ão mat ut i na par eci a mui t o est r anho e o r ost o f ami l i ar de Hanna, no seu t r abal ho apr essado na cozi nha, ai nda com a t ouca de noi t e, t i nha um asp ect o bi zar r o. A mal a de vi agem est ava pr ont a na ent r ada da casa, o casaco e o chapéu da mãe sobr e o sof á e el a pr ópr i a es t ava sent ada à mesa, f azendo esf or ços par a comer , mas t ão pál i da e cansada que as f i l has t i ver am di f i cul dade em mant er um ambi ent e al egr e.

Meg não pôde evi t ar que os ol hos se l he enchessem de l ágr i mas. Jo vi u- se obr i gada a esconder o r ost o mai s de uma vez e os das mai s novas apr esent avam uma expr essão gr ave e comovi da como se o pesar f osse uma sensação nova par a el as. Não f al ar am mui t o, por ém ao apr oxi mar - se a hor a da 143 par t i da, e enquant o esper avam pel a car r uagem, a senhor a Mar ch di sse- l hes, ao mesmo t empo que cada uma del as pr ocur ava aj udá- l a em al gum por menor :

- Fi l hi nhas, dei xo- vos ao cui dado de Hanna e sob a pr ot ecção do senhor Laur ence. Não est ou i nqui et a por vossa causa mas, apesar di sso, si nt o- me um pouco pr eocupada, pensando se ser ei s capazes de supor t ar est e moment o di f í c i l . Enquant o eu est i ver ausent e, não vos af l i j ai s nem pensei s que a oci osi dade vos aj udar á a passar mel hor est e t empo. Cont i nuai a f azer os vossos t r abal hos habi t uai s , poi s o t r abal ho é um gr ande conf or t o par a os desgost os. Conf i ai na cer t eza de que, mesmo que acont ecesse o pi or , nunca f i car í ei s sem o auxi l i o do vosso Pai do Céu.

O moment o da chegada da car r uagem f oi di f í c i l , mas as meni nas supor t ar am- no com cor agem. Não chor ar am, mas os seus cor ações sent i am- se opr i mi dos ao mandar em saudades par a o pai , pensando que t al vez el e nunca as r ecebesse. Bei j ar am a mãe com t r anqui l i dade e f i zer am o possí vel por se despedi r del a al egr ement e quando a car r uagem começou a andar .

Laur i e e o avô t ambém est avam pr esent es naquel a despedi da

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e o senhor Br ooke most r ava- se t ão af ável e ani moso ao par t i r com a senhor a Mar ch, que as r apar i gas puser am- l he o nome de Senhor Conf or t o.

- Adeus, mi nhas f i l has. Deus vos guar de e vos pr ot ej a - mur mur ou a mãe, bei j ando- as pel a úl t i ma vez.

Ent r et ant o o Sol j á t i nha nasci do e, quando a vi aj ant e ol hou par a t r ás, not ou que el e br i l hava sobr e o

gr upo que f i car a à por t a da sua casa e achou que esse f ac t o er a um bom pr essági o. As meni nas t ambém r epar ar am ni sso e agi t ar am os l enços a despedi r em- se. At r ás del as, como que a pr ot egê- l as , est avam o senhor Laur ence, a f i el Hanna e Laur i e. - Como t odos são t ão bons par a nós - di sse a senhor a 144 Mar ch, vol t ando- se par a o seu companhei r o, sent i ndo que t odas as at enções de que er a obj ect o er am um gr ande conf or t o naquel e moment o dol or oso. - Nem podi a ser de out r a f or ma - di sse Br ooke com um r i so t ão espont âneo que a senhor a Mar ch se sent i u cont agi ada e sor r i u t ambém. E assi m a vi agem começou da mel hor manei r a.

- Si nt o- me como se t i vesse havi do um t er r amot o - di sse Jo al gum t empo depoi s, quando os v i z i nhos se r et i r ar am par a t omar o pequeno- al moço.

- E eu t enho a i mpr essão de que se f oi embor a met ade da f ami l i a - di sse Meg t r i st ement e.

Bet h t ambém qui s di zer qual quer coi sa, mas só f oi capaz de apont ar par a um mont e de mei as que a mãe t i nha passaj ado par a el as. Aquel e cui dado mat er no f oi a got a que f ez t r ansbor dar a t aça e puser am- se t odas a chor ar .

Hanna dei xou que passasse aquel a onda de t r i st eza e depoi s apar eceu j unt o del as , mui t o ani mosa, t r azendo a caf et ei r a na mão.

- Agor a, meni nas, l embr em- se do que a vossa mãe vos r ecomendou. Venham t omar uma chávena de caf é e a segui r comecem a t r abal har , par a se di st r aí r em do vosso desgost o. O caf é chei r ava del i c i osament e e as meni nas deci di r am t r ocar os l enços pel os guar danapos, enquant o se sent avam em vol t a da mesa. E daí a pouco est avam mai s ani madas.

- Conf i ança e act i v i dade, deve ser est e o nosso l ema. Eu penso i r a casa da t i a Mar ch como de cost ume. Já est ou à esper a do ser mão que el a me vai f azer ! - di sse Jo, que começava a r ecuper ar o seu bom humor .

- E eu vou par a casa dos Ki ng, embor a pr ef er i sse f i car a aj udar em casa - acr escent ou Meg.

- Não vai ser pr ec i so. Bet h e eu f ar emos t udo - decl ar ou Amy com ar de pessoa cr esci da. 145 - A Hanna di z- nos o que é pr ec i so f azer e, quando vocês vol t ar em, vão encont r ar t udo em or dem - acr escent ou

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Bet h. - Eu acho que a i nqui et ação é um sent i ment o i mpor t ant e -

di sse Amy. As i r mãs não puder am dei xar de r i r dest a saí da. Mas à vi s t a

das l anchei r as que l evavam de manhã, Jo f i cou de novo pensat i va e, quando sai u com Meg, cada qual par a o seu t r abal ho, vol ver am os ol hos t r i st es par a a j anel a onde

er a cost ume ver em o r os t o da mãe. Mas Bet h l embr ar a- se e est ava l á a sor r i r e a acenar com a mão. - É mesmo coi sa da mi nha Bet h - di sse Jo cor r espondendo ao

aceno. - At é l ogo, Meg! E não f i ques i nqui et a a pensar no pai - acr escent ou quando se separ ar am. - Vou f azer o possí vel . Sabes? Fi ca- t e mui t o bem o cabel o

ass i m. Fi cas com um ar ar r apazado. . . - Esse é o meu úni co conf or t o - r espondeu el a, acenando à manei r a de Laur i e, e af ast ou- se com a sensação de ser uma ovel ha t osqui ada no I nver no. As not í c i as que r eceber am do pai dei xar am- nas mui t o conf or t adas, vi st o que, apesar do seu es t ado ser ai nda gr ave, a pr esença da esposa f ez- l he mui t o bem. Br ooke mandava not í ci as t odos os di as e Meg, como chef e da f ami l i a, i nsi st i a em ser el a a l ê- l as. À medi da que a semana avançava, essas not í ci as er am mai s ani mador as.

El as, por seu l ado, t ambém escr ev i am t odos os di as, r espondendo às car t as que r ecebi am. 146

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XVI I

��" �)��I���<8=�� Dur ant e uma semana, as quat r o r apar i gas conser var am uma di sposi ção de espí r i t o ver dadei r ament e angel i cal , mas quando a t ensão pr ovocada pel o es t ado de saúde do pai começou a ser menor , os seus esf or ços af r ouxar am e vi er am à super f í c i e as suas nat ur ai s manei r as de ser . Jo const i pou- se por não t apar , com o devi do cui dado, a cabeça r apada e a t i a Mar ch or denou- l he que f i casse em casa por que não gost ava de ouvi r l er pessoas que est i vessem r oucas. Jo f i cou encant ada e, com um br açado de l i vr os, f oi r ecost ar - se no sof á do sót ão, a f i m de cur ar a const i pação a l er . Amy t r ocou os seus af azer es pel as model ações em ar gi l a. Meg t ambém se esqueceu dos seus t r abal hos de cost ur a e passava mui t os moment os escr evendo par a a mãe ou l endo as car t as que vi nham de Washi ngt on. Bet h er a a mai s per sever ant e e, quando as saudades aper t avam, di r i gi a- se par a um cer t o ar már i o, escondi a a cabeça numa bat a vel ha e r ezava. Passado pouco t empo est ava mel hor , f i cava mai s mei ga que nunca e er a nel a que as i r mãs encont r avam conf or t o e pr est at i v i dade.

- Meg, devi as i r ver os Hummel . A mãe di sse que os não esquecêssemos - l embr ou Bet h dez di as depoi s da par t i da da senhor a Mar ch. 147 - Est ou mui t o cansada es t a t ar de.

- E t u, Jo, não podes i r ? - I a pi or ar da const i pação. . . - Jul guei que est avas quase cur ada.

- O suf i c i ent e par a sai r com o Laur i e, mas não o bast ant e par a vi s i t ar os Hummel - r i u el a um pouco enver gonhada da sua i ncoer ênci a.

- Por que não vai s t u? - per gunt ou Meg. - Tenho l á i do t odos os di as, mas o bebé es t á doent e e eu

não sei o que f azer . Cada vez o vej o pi or e acho que t u e Hanna dev i am i r vê- l o.

Bet h di zi a i st o t ão sér i a que Meg pr omet eu i r na manhã segui nt e.

- Pede a Hanna que t e dê al guma comi da par a l hes l evar es, Bet h. O ar há- de f azer - t e bem - di sse Jo, acr escent ando como descul pa. - Eu i a, mas est ou com mui t a vont ade de acabar o cont o que ando a escr ever .

- Dói - me a cabeça e si nt o- me t ão cansada, que pensei que al guma de vocês poder i a i r em meu l ugar - mur mur ou Bet h.

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- A Amy est á quase a chegar e pode i r na t ua vez - di sse Meg. Bet h est endeu- se no sof á e as i r mãs vol t ar am par a as

suas ocupações esquecendo os Hummel . Passou uma hor a e, vendo que Amy não vol t ava, Bet h pôs o capuz, encheu o cest o com vár i as coi sas par a as cr i anças e sai u, sent i ndo a cabeça pesada e uma expr essão de desgost o nos seus ol hos paci ent es. Vol t ou t ar de e ni nguém a vi u subi r ao quar t o da mãe e f echar - se l á dent r o. Foi só mai s t ar de que Jo f oi l á pr ocur ar qual quer coi sa e a encont r ou com um f r asco de cânf or a na mão.

- Oh! O que é que t ens? - excl amou el a. Bet h est endeu r api dament e o br aço, quer endo evi t ar que

el a se apr oxi masse, e per gunt ou: 148 - Tu j á t i vest e escar l at i na, não f oi ? - Há mui t os anos, quando a Meg t ambém t eve. - Ai , Jo! O meni no mor r eu! - Que meni no? - O da senhor a Hummel . . . Ant es de el a chegar . . . Nos meus br aços. . . - sol uçava Bet h. - Que t er r í vel que deve t er s i do par a t i , coi t adi nha! Eu é que dev i a t er i do - di sse Jo aconchegando a i r mã nos br aços e sent ando- se com el a na pol t r ona da mãe, chei a de r emor sos. - Não f oi t er r í vel . Foi t r i s t e. A mãe t i nha i do à pr ocur a de um médi co por que o meni no es t ava pi or e eu peguei nel e ao col o par a que a Lot t i e descansasse. Par eci a que est ava a dor mi r , mas de r epent e gemeu, deu um est r emeção e f i cou i móvel . . . - Não chor es, quer i da. E que f i zes t e quando vi st e que el e est ava mor t o?

- Fi quei com el e nos br aços at é chegar a senhor a com o médi co: É escar l at i na, di sse el e mui t o abor r eci do. Devi a t er - me avi sado há mai s t empo. " El a expl i cou- l he que er a mui t o pobr e e que t i nha t ent ado cur á- l o pel os seus pr ópr i os mei os e pedi u- l he que vi sse os out r os, embor a não t i vesse possi bi l i dade de l he pagar . El e t or nou- se mai s amável , mas t odos se puser am a chor ar , i nc l usi ve eu, at é que o médi co, vol t ando- se par a mi m, di sse- me que vi esse par a casa t omar bel adona, por que se não f i zesse i sso, f i car i a cont agi ada.

- Não vai s apanhar a escar l at i na! - excl amou Jo, aper t ando- a nos br aços, mui t o assust ada. - Se i sso acont ecesse, nunca me per doar i a.

- Não deve ser nada, não t e assust es. Tenho est ado a l er o gui a médi co da mãe e vi que a doença começa com dor es de cabeça e de gar gant a e umas sensações est r anhas, como eu si nt o. Mas j á t omei bel adona e est ou a sent i r - me mel hor . 149 - Ai , se a mãe es t i vesse em casa. . . Tens es t ado t odos os di as com esse bebé e com os i r mãos del e, que pel os vi st os t ambém vão apanhar

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a escar l at i na, por i sso r ecei o que não passes sem t e cont agi ar t ambém. Vou chamar a Hanna. El a ent ende dest as coi sas .

- Não dei xes que a Amy se apr oxi me. El a ai nda não a t eve e i r i a apanhá- l a. Tu e a Meg j á não a podem apanhar ?

- Jul go que não e pouco me i mpor t o com i sso. Ser i a bem f ei t o par a eu não ser egoí st a. Dei xei - t e i r al i soz i nha, só par a f i car em casa a escr ever babosei r as. . .

Hanna t omou l ogo a di r ecção dos acont eci ment os , di zendo a Jo que não havi a mot i vo par a el a se pr eocupar , poi s t oda a gent e apanhava aquel a doença mas ni nguém mor r i a se f osse bem t r at ado. E Jo, quando f oi chamar Meg, sent i a- se mui t o al i v i ada.

- Agor a vou di zer o que t emos de f azer - di sse Hanna, depoi s de exami nar Bet h e de l he t er f ei t o al gumas per gunt as. - Vamos chamar o dout or Bangs par a f i car mos descansadas. Depoi s mandamos a Amy par a casa da senhor a Mar ch par a evi t ar o cont ági o e uma das out r as meni nas pode f i car em casa par a cui dar de Bet h.

- Fi co eu que sou a mai s vel ha - começou Meg a di zer . - Não. Fi co eu que t enho a cul pa de el a t er adoeci do. Pr omet i à mãe que t omar i a cont a daquel as cr i anças e não o f i z - i nt er r ompeu Jo com deci são.

- Bet h, quem quer es que f i que? - Gost ar i a que f i casse a Jo.

- Eu vou di zer à Amy que t em de se i r embor a - di sse Meg, sent i ndo- se um pouco of endi da, mas ao mesmo t empo al i v i ada, vi s t o que não gost ava de t omar cont a de doent es.

Amy di sse que não i r i a par a casa da t i a Mar ch, dec l ar ando que pr ef er i a t er a escar l at i na, e f oi em vão que Meg t ent ou convencê- l a. Mas quando vei o Laur i e e a encont r ou a chor ar , pôs- se a andar no quar t o de um l ado par a o out r o com as sobr ancel has f r anz i das e di zendo: - Vamos, sê r azoável e f az o que t e di zem. Escut a o meu pl ano. Vai s par a casa da t i a Mar ch e eu i r ei l á t odos os di as par a t e l evar a passear de car r uagem ou a pé e vai ser mui t o agr adável . Não achas que ser á mel hor i sso do que f i car es aqui ? - Não gost o que me mandem par a l á como se f osse um est or vo. - Mas se o f azem, é par a o t eu bem! Ser á que quer es f i car doent e? - Cl ar o que não, mas não sei se é possí vel evi t á- l o por que t enho andado mui t o com a Bet h.

- Mai s uma r azão par a que t e vás embor a. Tal vez uma mudança de ar es e al guns cui dados ev i t em que adoeças ou pel o menos t er ás a f ebr e de um modo beni gno. Aconsel ho- t e a i r es quant o ant es, poi s a escar l at i na não é par a br i ncadei r as, pequena.

- Mas a t i a Mar ch é mui t o enf adonha e est á sempr e a r abuj ar . - Não t e vai s abor r ecer , por que eu vou- t e buscar par a

passear . A vel hot a gost a de mi m e vou consegui r que el a nos dei xe f azer o que qui ser mos.

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- Vai s l á t odos os di as? - Não f al t ar ei um sequer . - E t r azes- me par a casa quando a Bet h est i ver boa? - I medi at ament e. Meg e Jo f or am chamadas par a t est emunhar o mi l agr e que o

r apaz t i nha consegui do e Amy, sent i ndo que er a uma pessoa mui t o abnegada, pr omet eu i r - se embor a se o médi co conf i r masse a doença de Bet h.

- Como est á a doent i nha? - per gunt ou Laur i e. - Est á dei t ada na cama da mãe e di z que se sent e mel hor .

151 A mor t e do pequeno dei xou- a mui t o i mpr essi onada, por i sso o mal del a pode ser só i sso, al ém de uma const i pação. Mas mesmo ass i m est ou i nqui et a - r espondeu Meg.

- Como a vi da é dur a! - di sse Jo, ar r epel ando o cabel o. Saí mos de um desgost o par a cai r mos nout r o. Quando a mãe não es t á, par ece que t udo cor r e mal . Si nt o- me per di da.

- Sossega, não é caso par a est ar es nesse es t ado. Pár a de ar r epel ar o cabel o e di z- me se devo t el egr af ar à vossa mãe ou aj udar - vos nout r a coi sa qual quer - di sse Laur i e.

- I sso é o que mai s me af l i ge - r espondeu Meg. - Eu acho que ser i a mel hor avi sar mos a mãe, mas a Hanna di z que el a agor a não pode dei xar o pai e que i a assust ar - se sem necess i dade. Acha que Bet h não vai est ar mui t o t empo doent e e a mãe di sse par a l he obedecer mos. Mas eu est ou sem saber o que f azer .

- Não sei o que di zer . . . Tal vez f osse mel hor pedi r consel ho ao meu avô, depoi s de o médi co vi r .

- I sso mesmo. Jo, vai chamar o médi co i medi at ament e - or denou Meg. - Não podemos dec i di r nada ant es de el e t er v i s t o a Bet h. - Vou eu, Jo. Nest es moment os , sou eu o moço de r ecados - , di sse Laur i e pegando no chapéu. - Se cal har , t ens out r as coi sas par a f azer . . . - começou Meg a di zer .

- Não. Hoj e j á acabei de est udar as l i ções. - Est udas dur ant e as f ér i as? - per gunt ou Jo.

- Est udo. Si go o exempl o das mi nhas vi zi nhas - di sse o r apaz, sai ndo da sal a. - Deposi t o gr andes esper anças no meu r apaz - mur mur ou Jo, ao vê- l o sal t ar a sebe. - Par a r apaz, não se conduz nada mal - di sse Meg de um modo um t ant o ou quant o di spl i cent e. Depoi s de o médi co obser var Bet h, decl ar ou que el a t i nha 152 si nt omas de escar l at i na, mas que j ul gava que er a uma f or ma beni gna da doença, embor a se t enha pr eocupado um pouco quando l he cont ar am o que se passar a em casa dos Hummel . Or denou que af ast assem Amy

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e passou umas r ecei t as. Pouco depoi s, Amy saí a de casa com Jo e Laur i e. A t i a Mar ch r ecebeu- os com o seu mau humor habi t ual . - O que é que vocês quer em agor a? - per gunt ou, ol hando por ci ma dos ócul os, enquant o o papagai o, empol ei r ado nas cost as da cadei r a, br adava: - Vai - t e embor a! Não quer emos cá r apazes! Laur i e r et i r ou- se par a o vão da j anel a e Jo cont ou à t i a o que suceder a. - Não me admi r a que i s t o t enha acont eci do. Não devi am dei xar - vos andar por casa dessa gent i nha. . . Amy pode f i car e ser út i l em al guma coi sa, se não adoecer , o que eu duvi do. . . Tem mui t o mau aspect o. . . Não chor es , pequena. Abor r ecem- me as chor ami ngui ces. Amy t i nha i mensa vont ade de chor ar , mas Laur i e puxou mal i c i osament e pel a cauda do papagai o, que começou a gr i t ar : Or a a mi nha vi da! " de um modo t ão di ver t i do que Amy, em vez de chor ar , começou a r i r . - Que not í c i as t êm da vossa mãe? - per gunt ou a t i a, com asper eza. - Tem mandado di zer que o papá est á mui t o mel hor - r espondeu Jo. - Não cr ei o que sej am mel hor as dur adour as, por que o meu i r mão não é mui t o f or t e - , f oi a consol ador a r espost a. - Ha! Ha! Não t e r al es. Toma r apé - gr asnou o papagai o agar r ando- se à t ouca da t i a Mar ch, v i st o que Laur i e est ava a aci r r á- l o. - Cal a- t e, bi cho mal cr i ado. . . E t u, Jo, f azi as bem se t e f osses embor a i medi at ament e. Não é decent e andar es por aí a est as hor as com um r apaz. 153

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XVI I I

,��R���:,����Lg$.&���;� Bet h t eve escar l at i na e só o médi co e Hanna souber am da gr avi dade da si t uação. Meg f i cou em casa par a não cont agi ar os Ki ng e sent i a- se um pouco i nqui et a quando escr evi a par a Washi ngt on e não cont ava nada do que se passava, mas Hanna não quer i a que a senhor a Mar ch, l á l onge, se angust i asse. Jo per maneceu di a e noi t e j unt o à cabecei r a de Bet h, a qual supor t ou o seu sof r i ment o o mel hor que l he f oi possí vel : chegou mesmo a não r econhecer as pessoas e chamava pel a mãe i nsi st ent ement e. Jo f i cou assust ada e Meg f al ou com Hanna na hi pót ese de mandar di zer al guma coi sa à mãe. Mas est a, na úl t i ma car t a que escr ever a, di z i a que o pai t i ver a uma r ecaí da e que ai nda f al t ava bast ant e t empo par a poder em pensar em vol t ar par a casa. Que di f í cei s f or am aquel es di as! Que t r i st eza pai r ava sobr e aquel a casa e como est avam opr i mi dos os cor ações das r apar i gas, vendo que a sombr a da mor t e ameaçava o seu l ar ! Quando, no pr i mei r o di a de Dezembr o, em que a neve caí a abundant ement e e o vent o ui vava com f ur or , o médi co obser vou Bet h com mai s at enção que nunca, di sse depoi s, a Hanna, em voz bai xa: 155 - Se a senhor a Mar ch pudesse dei xar o mar i do ser i a mel hor avi sá- l a.

Hanna acenou af i r mat i vament e com a cabeça, i ncapaz de pr onunci ar qual quer pal avr a, poi s os l ábi os t r emi am- l he: Meg dei xou- se cai r par a ci ma de uma cadei r a quando ouvi u aquel as pal avr as e Jo, depoi s de per manecer i móvel dur ant e uns moment os em que a cor l he desapar eceu do r ost o, cor r eu a r edi gi r um t el egr ama e, enf i ando um casaco, sai u com a mai or r api dez possí vel . Vol t ou dal i a pouco, no mesmo moment o em que Laur i e ent r ava com uma car t a na qual se di zi a que o senhor Mar ch est ava de novo a r ecuper ar . Repar ando que, apesar das not í ci as, o r os t o de Jo conser vava uma expr essão de angúst i a, Laur i e per gunt ou pr eocupado: - O que se passa? Bet h est á pi or ? - Est á. Fui mandar um t el egr ama par a a mãe. - Foi i dei a t ua? - Não. Foi o médi co que mandou. - Ent ão el a est á assi m t ão mal ? - mur mur ou el e al ar mado. - Est á. Nem sequer nos conhece. É um moment o mui t o di f í c i l e não t emos ni nguém que nos aj ude a supor t á- l o. A mãe e o pai es t ão ausent es e Deus par ece- me t ão l onge que não sou capaz de O encont r ar . As l ágr i mas i mpedi am- na de ver e est endeu a mão como se, nas t r evas

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que subi t ament e a havi am envol vi do, pr ocur asse uma aj uda. Laur i e pegou- l he na mão e di sse, com um nó na gar gant a: - Eu est ou aqui . Apoi a- t e em mi m, quer i da Jo. Ouv i ndo est as pal avr as, Jo di r i gi u- se pr eci pi t adament e par a a coz i nha e Laur i e f oi par a casa, j ul gando que t i nha cumpr i do o seu dever . - Est e r apaz é um i nt r omet i do. Per doo- l he por que o f az por bem, mas desej o que a senhor a chegue o mai s depr essa 156 possí vel - r espondeu Hanna, quando Jo l he di sse o que se passar a. Meg f i cou mui t o cont ent e quando Jo l he di sse que a mãe i a vol t ar e Jo f oi pôr em or dem o quar t o da enf er ma, enquant o Hanna pr epar ava past éi s de car ne. Par eci a que uma l uf ada de ar f r esco per passava pel a casa e al go i nvi sí vel , mas mai s r adi ant e do que o Sol , i nvadi a a s i l enc i osa habi t ação. Cada vez que as duas i r mãs passavam uma pel a out r a, um sor r i so i l umi nava os seus r ost os pál i dos e abr açavam- se, mur mur ando bai xi nho : - A mãe est á a chegar . . . Sent i am- se t odas mai s al i v i adas, except o Bet h, que cont i nuava i nconsci ent e. Fazi a mui t a t r i st eza ol har par a el a, habi t ual ment e t ão r osada, e t ão pál i da agor a. As mãos est avam sem f or ça e mui t o magr as; os l ábi os , out r or a sor r i dent es, per maneci am mudos, e o cabel o, que el a usava sempr e mui t o bem pent eado, espal hava- se agor a desor denadament e sobr e a al mof ada. E assi m est eve dur ant e t odo o di a, abr i ndo a boca apenas par a mur mur ar : Água. . . , com os l ábi os t ão secos que mal podi am pr onunci ar aquel a pal avr a. As hor as passar am l ent ament e at é que anoi t eceu. O médi co di sser a que se dev i a obser var uma al t er ação na doent e por vol t a da mei a- noi t e. Tant o podi a ser par a pi or como par a mel hor . El e vol t ar i a ass i m que pudesse.

Hanna, compl et ament e esgot ada, r ecost ou- se no sof á col ocado j unt o da cama e ador meceu. O senhor Laur ence passeava na sal a de um l ado par a o out r o, di zendo par a si mesmo que pr ef er i a encont r ar - se di ant e de uma f i l a de canhões i ni mi gos do que di ant e do r os t o da senhor a Mar ch, no moment o em que el a chegasse. Laur i e, dei t ado sobr e o t apet e, f i ngi a dor mi r , mas mant i nha o ol har f i xo no l ume, com aquel a expr essão pensat i va que t ant o embel ezava os seus ol hos pr et os. 157 As r apar i gas nunca mai s se esquecer am daquel a noi t e, na qual exper i ment ar am o que é sent i r - se i mpot ent e per ant e det er mi nadas si t uações da vi da. Passava das dez quando Jo, que est ava per t o da j anel a, ouvi u um pequeno r umor j unt o da cama e, ao vol t ar - se, v i u Meg j unt o de Bet h, com a car a t apada com as mãos. Sur pr eendi da e angust i ada, pensou: Bet h mor r eu e Meg não t em cor agem de mo di zer . " Apr oxi mou- se r api dament e do l ei t o e par eceu- l he not ar uma gr ande

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mudança no r ost o de Bet h. O r ubor da f ebr e e a expr essão de sof r i ment o t i nham desapar ec i do e o r ost o da enf er ma est ava t ão pál i do e com uma expr esão t ão ser ena que Jo nem sent i u vont ade de chor ar .

Cur vando- se sobr e a sua i r mã est r emeci da, bei j ou- l he a t es t a com t odo o amor , mur mur ando suavement e: - Adeus, quer i da Bet h, adeus. . .

Hanna desper t ou naquel e moment o, pr eci pi t ou- se par a j unt o da cama e, depoi s de ol har par a Bet h e de l he apal par as mãos, apr oxi mou o ouvi do dos l ábi os da doent e e dei xou- se cai r sobr e uma cadei r a, mur mur ando quase sem voz: - A f ebr e desceu e est á a dor mi r . . . Tem a pel e húmi da e r espi r a com f aci l i dade. Louvado sej a Deus! As r apar i gas não consegui am acr edi t ar que t al coi sa f osse ver dade, mas o médi co, que chegar a ent r et ant o, conf i r mou o que Hanna di sser a. Er a um homem vul gar mas, naquel e moment o, par eceu- l hes um ser ext r aor di nár i o, pr i nci pal ment e quando, ol hando par a el as com ar pat er nal , l hes di sse: - Si m, pequenas, cr ei o que, por agor a, o pi or j á passou. Dei xem t udo em si l ênci o par a que el a possa dor mi r e, quando acor dar , dêem- l he. . . Nenhuma das duas ouvi u o que havi am de l he dar por que, cor r endo par a o hal l que est ava às escur as, abr açar am- se sem ser em capazes de pr onunci ar uma pal avr a, t ão emoci onadas 158 est avam. Quando vol t ar am, encont r ar am Bet h a dor mi r na sua pos i ção habi t ual quando es t ava de saúde, com o r ost o apoi ado na mão, r espi r ando t r anqui l ament e, sem a i mpr ess i onant e pal i dez dos úl t i mos di as. - Se a mãe chegasse agor a! - suspi r ou Jo, j á de madr ugada. - Ol ha. . . - di sse Meg, apont ando par a uma r osa que est ava a começar a abr i r . - Cheguei a pensar pô- l a ent r e as mãos de Bet h se. . . se el a se separ asse de nós. Agor a vou pô- l a no seu copo par a que, quando acor dar , as pr i mei r as coi sas que vej a sej am a r osa e o r ost o da mãe. Nunca o nascer do Sol par ecer a t ão bel o nem o di a t ão mar avi l hoso a Jo e a Meg, do que quando chegar am à j anel a, de manhã mui t o cedo, depoi s daquel a noi t e t ão l onga. - A t er r a par ece um paí s encant ado - di sse Meg sor r i dent e, enquant o se del i c i ava com a l uz do di a.

- Escut a! - gr i t ou Jo, pondo- se de pé br uscament e. Ouv i u- se o r uí do de uma campai nha. Depoi s o gr i t o de Hanna.

E f i nal ment e a voz de Laur i e, exc l amando ent usi asmado : - Meni nas! A vossa mãe chegou!

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XI X

�h�%���i�D���j���k�9�J,��l���1? Enquant o se passavam est as coi sas em casa, Amy v i vi a moment os di f í cei s em casa da t i a Mar ch. Todas as manhãs t i nha de l avar as chávenas, pol i r as col her es do f aquei r o mai s ant i go, l i mpar mui t o bem o pesado bul e de pr at a e l avar os copos at é que t udo f i casse a br i l har . Depoi s t i nha de l i mpar o pó da sal a; aos ol hos da t i a Mar ch não escapava a mai s pequena mancha. A segui r dava de comer ao papagai o, pent eava o cachor r o e subi a e desci a a escada vár i as vezes par a i r buscar uma quant i dade de coi sas, por que a t i a, como er a coxa, quase nunca abandonava a sua pol t r ona. O que val i a er a que Laur i e i a vi s i t á- l a t odos os di as e ar r anj ava sempr e manei r a de convencer a t i a Mar ch a dei xar Amy sai r . Ent ão passeavam e t i nham moment os mui t o di ver t i dos. Mas depoi s do al moço, Amy t i nha de l er em voz al t a par a a t i a e depoi s dei xar - se f i car mui t o qui et a enquant o a vel hot a dor mi a a sest a. A segui r er a pr eci so engomar a r oupa. Mas o que mai s l he cust ava a passar er am as hor as do anoi t ecer , v i st o que a t i a Mar ch punha- se a cont ar coi sas da sua j uvent ude, que a abor r ec i am i menso.

O papagai o t ambém cont r i buí a par a l he t or nar a v i da i mpossí vel . Quando se apr oxi mava el e puxava- l he o cabel o; 161 ent or nava as sopas de l ei t e l ogo que el a acabava de l he l i mpar o pol ei r o; f azi a l adr ar o cão, dando- l he bi cadas enquant o a dona dor mi a; di z i a nomes f ei os quando havi a vi s i t as. Ti nha o compor t ament o de um pássar o i nsupor t ável .

A úni ca pessoa com quem Amy si mpat i zava er a Est er , uma r apar i ga f r ancesa que est ava ao ser vi ço da t i a Mar ch havi a j á mui t os anos. Est er most r ava a Amy as l i ndas coi sas ant i gas que est avam guar dadas nos ar már i os e cómodas. Aqui l o de que Amy mai s gost ava er a de um t oucador com gavet as bi zar r as, no qual est avam guar dadas mui t as coi sas bel as, em especi al j ói as que havi am ador nado a t i a Mar ch quar ent a anos ant es, quando el a er a uma f or mosa r apar i ga. Al i es t ava o j ogo de gr i nal das, que a t i a usar a no di a da sua apr esent ação na soci edade, as pér ol as que o pai l he of er ecer a no di a do seu casament o, os br i l hant es of er eci dos pel o noi vo, as pul sei r as de cr i ança que havi am per t enci do à f i l hi nha, um gr ande r el ógi o que per t encer a ao mar i do e, num cof r e à par t e, a al i ança de casament o, que j á não ser v i a no dedo demasi ado gor do da t i a Mar ch. - Que j ói a é que a meni na escol her i a, se pudesse?per gunt ou Est er uma vez.

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- Se o ader eço de br i l hant es t i vesse col ar , pr ef er i a esse. Mas como não t em, escol her i a est a. . . - r espondeu Amy, ol hando encant ada par a um col ar de cont as de ébano e our o, do qual pendi a uma cr uz .

- As meni nas ai nda são mui t o novas par a usar em j ói as. Mas a senhor a di sse que a pr i mei r a que se casar vai r eceber de pr esent e as pér ol as. E t enho a i mpr essão de que o anel de t ur quesa vai ser seu quando se f or embor a, por que a senhor a est á mui t o cont ent e com as suas boni t as manei r as . - Pal avr a? Par a t er est e anel , hei - de ser mansi nha como um cor dei r o. Apesar de t udo, gost o da t i a Mar ch. Com ef ei t o Amy, a par t i r desse di a, passou a ser um model o 162 de obedi ênci a e a t i a at é se admi r ou dos vi sí vei s pr ogr essos da sobr i nha. Nos seus moment os l i vr es, Amy dec i di u f azer o seu pr ópr i o t es t ament o, t al como a t i a Mar ch f i zer a o del a, e r edi gi u o mel hor que pôde esse document o, aj udada por Est er . Depoi s de es t a boa mul her o t er assi nado, sent i u- se mui t o al i v i ada. Guar dou ent ão o t est ament o par a o most r ar a Laur i e e l he pedi r que o assi nasse como segunda t est emunha. Chuvi scava naquel e di a, por i sso Amy subi u a um dos quar t os do andar super i or , l evando o papagai o par a l he f azer companhi a. Hav i a al i um gr ande ar már i o chei o de r oupas ant i gas e Amy gost ava de vest i r aquel es vest i dos de br ocado, ver - se ao espel ho e f azer véni as como se es t i vesse em al guma cor t e. Tão di st r aí da est ava com aquel a ocupação que não ouvi u Laur i e t ocar à campai nha, nem o v i u subi r a escada e est acar di ant e da por t a ent r eaber t a, cont empl ando- a a passear de um l ado par a o out r o, com um vest i do de br ocado azul , abanando- se com um l eque, a cabeça mui t o l evant ada e um t ur bant e em vol t a dos cabel os. Ti nha cal çado sapat os de sal t o al t o e movi a- se dando pass i nhos mi udi nhos. Conf or me Laur i e cont ou depoi s a Jo, er a mui t o di ver t i do vê- l a andar daquel a f or ma, l evando at r ás o papagai o que a i mi t ava o mel hor que podi a, par ando às vezes par a r i r e excl amar :

- Não es t amos t ão el egant es? Vai - t e embor a, espant al ho! Dá- me um bei j o, quer i da.

Cont endo a sua enor me vont ade de r i r , Laur i e bat eu l evement e à por t a e Amy f oi l ogo r ecebê- l o mui t o amavel ment e.

- Sent a- t e enquant o eu t i r o i st o, poi s quer o f al ar - t e de uma coi sa mui t o i mpor t ant e - di sse el a depoi s de l he most r ar os seus enf ei t es e de mandar o papagai o par a um cant o. Est e pássar o é f or mi dável . Ont em, enquant o a t i a dor mi a a sest a e eu est ava mai s cal adi nha do que um r at o, começou aos gr i t os e aos pul os em ci ma do pol ei r o. Est ava per t o uma 163 ar anha mui t o gr ande que eu qui s l ogo mat ar , mas el a f ugi u e

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met eu- se debai xo da est ant e dos l i vr os . Ent ão el e cor r eu par a l á e, com um pi scar de ol hos di sse: Anda daí , quer i da. Vamos dar um passei o. Não pude cont er o r i so, o bi cho r i u às gar gal hadas e acor dou a t i a, que acabou por r al har com os doi s . - E a ar anha acei t ou o convi t e? - Si m, el a sai u l á de bai xo, mas o papagai o, mui t o assust ado, sal t ou par a a cadei r a da t i a, gr i t ando: Apanha- a, apanha- a! " , enquant o eu i a at r ás del a. - É ment i r a, Laur i e - gr i t ou o papagai o debi cando na pont a dos sapat os do r apaz. - Tor ci a- t e o pescoço, se f osses meu, vel ho car r asco! excl amou Laur i e, ameaçando o pássar o. - Bem, j á est ou pr ont a - di sse Amy, f echando o ar már i o e t i r ando um papel do bol so. - Quer o que l ei as i st o e me di gas se es t á bem escr i t o. Achei que devi a f azê- l o por que a vi da é uma coi sa i ncer t a e não quer o que, depoi s da mi nha mor t e, al guém f i que r essent i do comi go.

I st o é o meu t est ament o Eu, Amy Cur t i s Mar ch, est ando na per f ei t a posse das mi nhas

f acul dades, l ego os meus bens t er r enos às segui nt es pessoas: A meu pai , os meus mel hor es quadr os, desenhos e obr as de ar t e, i nc l ui ndo as mol dur as. Al ém di sso, t ambém l he dei xo os meus cem dól ar es, par a que f aça com el es o que mel hor l he par ecer . A mi nha mãe, as mi nhas r oupas, except o o bi be azul com al gi bei r as, o meu r et r at o e a mi nha medal ha, t udo com mui t o amor . À mi nha quer i da i r mã Meg, o meu anel de t ur queza ( se mo der em) , a mi nha cai xi nha ver de com o desenho das pombas, o meu bocado de r enda f ei t a à mão e o r et r at o que f i z del a. Tudo em r ecor dação da sua meni na. 164 A Jo, a mi nha pr egadei r a, o meu t i nt ei r o de br onze ( el a per deu- l he a t ampa) e t ambém o meu boni t o coel ho de gesso, poi s est ou mui t o ar r ependi da de l he t er quei mado o manuscr i t o. A Bet h ( se me sobr evi ver ) , dou- l he as mi nhas bonecas, a mi nha escr i vani nha, o l eque, as gol as de l i nho e os meus sapat os, se el a f i car magr i nha e se os puder cal çar quando f i car boa.

Ao meu ami go e vi z i nho Teodor o Laur ence dei xo o meu papel de desenho, a mi nha past a e o model o de caval o em gesso, apesar de el e t er di t o que não t em pescoço. E, r econheci da pel o conf or t o que me deu nas hor as t r i s t es, a mi nha obr a de ar t e Que mai s l he agr adar . Not r e- Dame" é a mel hor .

Ao nosso vener ando benf ei t or senhor Laur ence, dei xo a mi nha cai xa ver mel ha que t em um espel ho na t ampa, que poder á ser vi r - l he par a guar dar as suas penas e Que l he r ecor dar á a meni na f al eci da, que mui t o l he agr adece t odas as at enções que t em t i do par a connosco, em espec i al par a Bet h.

Desej o Que a mi nha Ki t t y Br yant r eceba o meu bi be azul e o

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meu anel de our o. A Hanna dou a cai xa de papel ão Que el a gost ava de t er e o

t apet e de t r apos par a que se l embr e de mi m ao ol har par a el e. E agor a, depoi s de di s t r i bui r os meus bens mai s val i osos,

esper o Que f i quem cont ent es e que não me cr i t i quem. Per doo a t odos e esper o que nos encont r emos quando soar a t r ombet a da r essur r ei ção. Amén.

Est e é o meu t es t ament o, que assi no, e no Qual ponho o meu si net e hoj e, 20 de Novembr o. Anno Domi no, 1861.

Amy Cur t i s Mar ch Test emunhas: Est er l al nor e Teodor o Laur ence.

Laur i e escr eveu o seu nome a l ápi s , mas Amy di sse- l he que t i nha de o escr ever a t i nt a por c i ma e sel á- l o devi dament e.

- Mas que i dei a f oi est a? Al guém t e di sse que Bet h f ez a 165 mesma coi sa? - per gunt ou Laur i e mui t o a sér i o, enquant o Amy l he punha di ant e uma vel a, t i nt ei r o e l acr e.

El a expl i cou- l he as suas r azões e per gunt ou a segui r : - Que f oi que di ssest e de Bet h? - Lament o t er f al ado, mas j á que comecei , acabo. Um di a sent i u- se t ão mal que di sse que gost ava de dei xar o seu pi ano a Meg, os gat os a t i e as suas vel has bonecas a Jo, que as i a quer er por ser em del a. Par a as out r as pessoas, como não t i nha mai s nada, dei xava car acói s do cabel o e mui t o amor ao avô. Mas não pensou em escr ever o t est ament o. Enquant o f al avam, Laur i e ass i nava e sel ava o document o, e não er gueu os ol hos senão quando vi u cai r uma l ágr i ma sobr e o papel . Repar ou que o r os t o de Amy expr i mi a um gr ande pesar , mas el a apenas di sse: - É cost ume acr escent ar al gum Post Scr i pt um" nos t est ament os?

- É. Chama- se codi ci l o" . - Ent ão põe um no meu. Que desej o que sej am cor t ados t odos os meus car acói s par a ser em di s t r i buí dos pel os meus ami gos. Não me l embr ei de f azer i sso, mas agor a quer o que se f aça, embor a f i que mui t o f ei a.

Laur i e acr escent ou essas pal avr as no document o, sor r i ndo ao pensar no gr ande sacr i f í c i o de Amy. Depoi s t ent ou di s t r aí - l a dur ant e um bocado, o que consegui u, mas, quando est ava par a se i r embor a, Amy per gunt ou- l he, com um t r emor na voz.

- A Bet h cor r e r eal ment e per i go? - Recei o bem que si m, mas t emos de conf i ar que t udo vai acabar

bem; por i sso não chor es, quer i da. - E Laur i e deu- l he um abr aço f r at er nal .

Depoi s de el e t er par t i do, Amy, com l ágr i mas nos ol hos, r ezou por Bet h e pensou que um mi l hão de anéi s com t ur quesas não ser i a capaz de a consol ar da per da da sua i r mã. 166

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XX

.������+�$,BP���.��m�K� Não há pal avr as capazes de descr ever o encont r o ent r e a mãe e as f i l has, poi s t ai s moment os, de t ão i nt ensament e v i v i dos, não podem ser descr i t os. Assi m, dei xar emos que o l ei t or i magi ne a cena, l i mi t ando- nos a af i r mar que a casa se encheu de f el i c i dade e que o desej o de Meg se cumpr i u, poi s que Bet h, ao acor dar de um sono r epar ador , as pr i mei r as coi sas que v i u f or am a r osa e o r os t o da mãe. Est ava t ão débi l que não f i cou sur pr esa, l i mi t ando- se a aconchegar - se, sor r i ndo, nos amor osos br aços que a est r ei t avam t er nament e, sent i ndo- se mui t o f el i z por que o seu desej o mai s ar dent e se havi a r eal i zado. Depoi s ador meceu de novo e as r apar i gas r odear am a mãe par a a ser vi r , enquant o est a conser vava na sua a mãozi t a da f i l ha ador meci da.

Hanna t i nha pr epar ado um excel ent e pequeno- al moço par a a vi aj ant e. Meg e Jo ser vi r am a mãe com gr ande desvel o, enquant o el a l hes cont ava em voz bai xa acer ca do est ado do pai , da pr omessa que o senhor Br ooke f i zer a de ol har por el e, da demor a que o mau t empo t i nha causado na vi agem e do al í v i o que sent i u quando v i u o r ost o de Laur i e l ogo que chegar a à est ação.

Que di a t ão est r anho e ao mesmo t empo t ão agr adável f oi 167 aquel e! Todas ador mecer am f at i gadas de t ant as hor as de vi gi l i a e sobr e a casa pai r ou um si l ênci o absol ut o. Laur i e, ent r et ant o, f or a vi s i t ar Amy par a a sossegar e f ez- l he um r el at o t ão comovent e dos acont eci ment os que at é a t i a Mar ch se sent i u comovi da e não di sse uma úni ca vez: Eu bem vos t i nha di t o, como er a seu cost ume. Quant o a Amy, por t ou- se mui t o bem, dando a i mpr essão de que as suas medi t ações es t avam a pr oduz i r f r ut o, poi s enxugou as l ágr i mas r api dament e e cont eve a i mpaci ênci a de que f or a t omada.

A t i a Mar ch concor dou com Laur i e, que el a est ava a por t ar - se como uma meni na mui t o cor aj osa. At é o papagai o par eceu sat i sf ei t o, poi s chamou- l he boa pequena, e conv i dou- a a sent ar - se no sof á quando el a deci di u escr ever umas pal avr i nhas par a mandar à mãe. Demor ou mui t o a f azê- l o e, quando vol t ou a apar ecer na sal a, encont r ou Laur i e ador meci do por causa do cansaço, e at é a t i a Mar ch, que t i nha cor r i do as cor t i nas , est ava sent ada sem f azer nada, numa at i t ude de benevol ênci a pouco habi t ual nel a.

Ao f i m de al gum t empo de si l ênci o, começar am a achar que el e, se cal har , só i a acor dar à noi t e. E r eal ment e assi m dever i a t er acont eci do se não t i vesse acor dado r epent i nament e com o gr i t o de

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al egr i a de Amy quando v i u a mãe. Dev i a haver naquel a manhã mui t as meni nas f el i zes na ci dade, mas com cer t eza nenhuma t ant o como Amy enquant o, sent ada nos j oel hos da mãe, l he cont ava as pr ovações por que passar a, as quai s f or am bem compensadas pel as t er nas car í ci as e sor r i sos de conf or t o que r ecebeu. Amy est ava t ão sér i a e as suas pal avr as t i nham um t al cunho de si ncer i dade que a mãe par ou de sor r i r e di spôs- se a escut ar com t oda a at enção o que a f i l ha t i nha par a l he di zer . - Dur ant e est es di as, t enho t i do t empo par a pensar nos 168 meus i númer os def ei t os e compr eendi que o pi or de t odos é o egoí smo e t enci ono cur ar - me del e por t odos os mei os ao meu al cance. Bet h não é egoí st a e por i sso t oda a gent e gost a t ant o del a e t odos t êm t ant a pena quando pensam que podem per dê- l a. Se f osse eu quem est i vesse doent e, as pessoas não o l ament ar i am t ant o, por que não o mer eço. Mesmo assi m, gost ar i a de ser t ão amada como Bet h e que as mi nhas ami gas sent i ssem a mi nha ausênci a quando eu f al t asse. Por i sso, vou t ent ar par ecer - me com Bet h o mel hor que me f or possí vel . E como sei que sou pouco per sever ant e, acho que, se pudesse t er sempr e di ant e dos ol hos al guma coi sa que me r ecor dasse as mi nhas boas i nt enções, sempr e havi a de consegui - l o mel hor . Por i sso gost ava de t r azer sempr e est e anel no dedo. Que acha? - Acho bem, embor a me par eça que vai s consegui r al cançar os t eus pr opósi t os mai s pel o t eu desej o do que pel o anel que t enhas no dedo. E o si ncer o desej o que t ens de ser boa si gni f i ca mei a bat al ha ganha. Agor a vol t o par a j unt o de Bet h. Cont i nua com âni mo, mi nha f i l ha, poi s em br eve vai s vol t ar par a casa.

Naquel a mesma t ar de, quando Meg escr evi a par a o pai a f i m de l he comuni car que a mãe chegar a bem, Jo subi u at é ao quar t o de Bet h e, ao ver a mãe sent ada no seu l ugar habi t ual , f i cou um moment o par ada, f i ngi ndo que est ava a al i sar o cabel o. A sua at i t ude, por ém, er a de al guém que est á i nqui et o e i ndeci so.

- O que t ens, quer i da? - per gunt ou a senhor a Mar ch. - Gost ava de l he cont ar uma coi sa, mãe. - Tr at a- se de Meg? - Como adi vi nhou? Si m, t em a ver com el a. Tem pouca

i mpor t ânci a, mas abor r ece- me. - Bet h est á a dor mi r . Fal a em voz bai xa, mas cont a- me t udo.

Esper o que o Ned Mof f at não t enha es t ado aqui na mi nha ausênci a. 169 - Nada di sso. E se ousar f azê- l o, dou- l he com a por t a na car a! - r epl i cou Jo, sent ando- se no chão aos pés da mãe. No Ver ão passado, Meg esqueceu- se de um par de l uvas em casa dos Laur ence e só f oi devol vi da uma pel a nossa cai xa do cor r ei o. Tí nhamos esqueci do compl et ament e o f act o, at é que um di a Laur i e me di sse que quem t i nha a out r a er a o senhor Br ooke. Par ece que a t i nha escondi da num bol so do casaco. Um di a, a l uva cai u- l he e Laur i e

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t r oçou do caso. Ent ão o senhor Br ooke conf essou- l he que gost ava de Meg, mas que não se at r evi a a di zer - l he nada, por que el a er a mui t o nova e por que el e não t i nha uma boa s i t uação par a l he of er ecer . Não é uma coi sa t er r í vel ? - Achas que a Meg gost a del e? - per gunt ou ansi osament e a senhor a Mar ch. - Como é que eu hei - de saber ? Não ent endo nada de amor e de par voí ces do géner o - r espondeu Jo com uma si ngul ar mi s t ur a de i nt er esse e di spl i cênci a. - Nas novel as, as r apar i gas most r am que est ão apai xonadas, f i cando mui t o cor adas, desmai ando e emagr ecendo; em r esumo, por t ando- se como umas par vas. Mas não vej o nada di sso na Meg. Come e dor me nor mal ment e, não ev i t a o meu ol har quando l he f al o desse homem e só f i ca ver mel ha quando Laur i e se põe a di zer gr aças sobr e namor ados. Já l ho pr oi bi , mas el e não f ez caso.

- Ent ão, achas que Meg não est á i nt er essada pel o John? - Por quem? - Pel o senhor Br ooke. Comecei a t r at á- l o assi m no hospi t al ,

por que el e gost a mai s. - Est amos bem ar r anj ados! Como se t em conduzi do mui t o bem

em r el ação ao pai , a mãe vai f i car do l ado del e e, em vez de o mandar passear , vai dar o seu consent i ment o par a que a Meg se case com el e se qui ser . Vej am só aquel a ast úci a, t odo at enções par a o pai e aj udando- a a si , par a obt er a vossa apr ovação ! 170 - Não sej as assi m, f i l ha. Vou cont ar - t e o que acont eceu. Como sabes, o John acompanhou- me a pedi do do senhor Laur ence e f oi t ão sol í c i t o com o t eu pobr e pai que não podí amos ev i t ar f i car mui t o ami gos del e. Foi mui t o s i ncer o e honest o ao f al ar de Meg, poi s conf essou que gost ava del a, mas que, ant es de pedi r a sua mão, gost ar i a de consegui r uma si t uação mai s est ável . Só nos pedi u o nosso consent i ment o par a a amar , t r abal har por el a e t ent ar consegui r que el a gost asse del e. Não podí amos r ecusar - nos a ouv i - l o, sendo el e um j ovem t ão educado, mas não consent i r emos que Meg se compr omet a agor a, poi s é ai nda mui t o nova.

- Evi dent ement e que não. Ser i a uma est upi dez. Eu bem desconf i ava que se est ava a passar al guma coi sa. O meu cor ação bem mo di zi a, mas af i nal é pi or do que eu supunha. Quem me der a que pudesse eu mesma casar - me com Meg, par a que el a f i casse em casa!

Aquel a i dei a di spar at ada f ez sor r i r a senhor a Mar ch. Mas f i cou l ogo sér i a, di zendo:

- Conf i ei em t i , Jo, mas não quer o que di gas nada a Meg por enquant o. Quando John vol t ar e es t i ver em out r a vez j unt os, poder ei ver i f i car quai s são os sent i ment os de Meg em r el ação a el e.

- Meg há- de l er os del e naquel es ol hos que el a di z ser em t ão

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boni t os e não haver á r emédi o. Tem um cor ação br ando que se der r et e como a mant ei ga se al guém ol ha par a el a com um ar r omânt i co. Li a com mai s at enção os bi l het es que el e mandava do que as car t as da mãe mas, se eu di zi a al guma coi sa, dava- me bel i scões. Est á sempr e a di zer que gost a de ol hos escur os. Di sse t ambém que o nome John não er a nada f ei o. Pr ont o! Est á apai xonada por el e e acabar am- se a paz e a al egr i a nest a casa. At é par ece que j á est ou a ver . Vão andar os doi s a namor ar pel os cant os e nós a t er mos de nos af ast ar del es par a não ser mos i ndi scr et as . Meg vai ser mui t o 171 f el i z e j á não pr eci sar á de mi m. Br ooke consegui r á pr osper ar de al guma f or ma, vai l evá- l a com el e e dei xar á um enor me vazi o nest a casa. O meu cor ação vai t er um desgost o enor me e t udo f i car á hor r i vel ment e i nsupor t ável . Meu Deus! Por que é que est as coi sas t êm de acont ecer ?

Como ouv i u a mãe a suspi r ar , acr escent ou: - À mãe, t ambém não l he agr ada es t a per spect i va, poi s não?

Não vamos f azer caso do assunt o, não di zemos nada à Meg e cont i nuamos t ão uni das como at é aqui .

- Fi z mal em suspi r ar , Jo. É nat ur al que, mai s cedo ou mai s t ar de, t odas vocês t enham o vosso pr ópr i o l ar , mas eu gost ar i a de vos t er j unt o de mi m t ant o t empo quant o f osse possí vel , e t enho uma cer t a pena de que o caso de Meg par eça vi r a r esol ver - se t ão cedo, poi s só t em dezasset e anos. O vosso pai e eu es t amos de acor do em que el a não dever á casar - se ant es de f azer vi nt e anos; se gost am ver dadei r ament e um do out r o, saber ão esper ar e, com i sso, apenas demonst r ar ão que o seu amor é ver dadei r o. Quer i da f i l ha! Esper o que sej a mui t o f el i z. - Não gost ava mai s que el a se casasse com um homem r i co? - O di nhei r o f az f al t a e desej o que nunca t enhai s de sof r er mui t o por não t er des o suf i c i ent e, mas t ambém não quer i a que cor r êssei s o r i sco de vos desencami nhar des por causa de o t er em abundânci a.

- Compr eendo, mãe, e est ou de acor do consi go. Mas f i quei um pouco desapont ada com Meg por que eu pensava que el a se casar i a um di a com o Laur i e, par a poder vi ver l uxuosament e. Não er a t ão boni t o? - Bem sabes que el e é mai s novo. . . - I sso não t em i mpor t ânci a! É mui t o al t o e i nt el i gent e par a a sua i dade e, quando quer , compor t a- se como um homem. Por out r o l ado, é r i co, al t r uí st a e nobr e, e gost a 172 de nós t odas. É uma pena que o meu pr oj ec t o não vá por di ant e. - Recei o que não sej a o homem i ndi cado par a Meg. É ai nda um pouco cat avent o par a que possa conf i ar nel e no que di z r espei t o a sent i ment os sér i os. Não f aças pl anos, Jo. Dei xa que o t empo e os sent i ment os de cada um apr oxi mem as pessoas. Nest es assunt os , ni nguém se deve met er . É mel hor não met er mos os nossos

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pr ópr i os pr oj et os naqui l o a que t u chamas par voí ces r omânt i cas" que podem at é af as t ar - nos das ami zades saudávei s . - Não vou f azer i sso, mas não me agr ada que as coi sas t omem cami nhos di f er ent es quando um puxão daqui , um empur r ão dal i , por i a t udo nos seus devi dos l ugar es . Se pondo um peso na cabeça pudéssemos par ar de cr escer . . . Mas não é possí vel . Os bot ões t êm que t r ansf or mar - se em r osas e os gat i nhos em gat os gr andes!

- O que est ás t u a di zer de r osas e de gat os? - per gunt ou Meg quando ent r ou no quar t o, segur ando na mão uma car t a que acabar a de escr ever .

- Nada! São coi sas mi nhas. Vou par a a cama. Vamos, Meg - di sse Jo que, como er a mui t o al t a, par ec i a desdobr ar - se quando se punha de pé se, por acaso, es t ava sent ada no chão.

Depoi s de l er a car t a, a senhor a Mar ch di sse, devol vendo- a a Meg:

- Est á mui t o bem escr i t a. Por f avor não t e esqueças de mandar cumpr i ment os ao John.

- Tr at a- o por John? - per gunt ou Meg, sor r i ndo e ol hando par a a mãe com uma expr essão i nocent e.

- Tr at o. El e t em- se compor t ado como um ver dadei r o f i l ho e nós apr eci amo- l o bast ant e - r espondeu el a ol hando penet r ant ement e par a Meg.

- Fi co mui t o cont ent e, por que el e não t em f amí l i a e sent e- se mui t o só. . . Boas noi t es, quer i da mãezi nha. Que bom est ar aqui ! - r espondeu Meg com t oda a t r anqui l i dade. 173

A mãe deu- l he um bei j o r epassado de t er nur a e, vendo- a sai r do quar t o, di sse, ao mesmo t empo cont ent e e pesar osa:

- El a ai nda não ama o John, mas não f al t ar á mui t o. . . 174

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XXI

�/���)��$�1�G���n�����-35�������,���n@A�o���C�%���( p�� No di a segui nt e, o r os t o de Jo apr esent ava uma expr essão cur i osa. O segr edo pesava- l he e er a- l he di f í c i l não t er aquel e ar de mi s t ér i o. Meg r epar ou mas não per gunt ou nada, poi s j á conhec i a Jo mui t o bem e sabi a que a mel hor manei r a de saber as coi sas er a pr eci sament e não per gunt ar nada. Por i sso f i cou admi r adí ssi ma de ver que o mi st ér i o cont i nuava e não gost ou de um cer t o ar pr ot ect or da par t e da i r mã ao qual el a opôs uma at i t ude de r eser va, ao mesmo t empo que passou a dedi car - se mai s à mãe. A senhor a Mar ch subst i t uí r a Jo no t r abal ho de enf er mei r a, di zendo que a f i l ha pr eci sava de di st r ai r - se e passear , poi s t i nha est ado mui t o t empo f echada em casa. I st o dei xou Jo ent r egue a si mesma. Sem Amy em casa, Laur i e er a agor a o seu úni co r ecur so. Di st r aí a- se mui t o na companhi a del e, mas o r apaz not ou al go de est r anho na sua ami ga e Jo bem sabi a que el e havi a de at or ment á- l a t ant o que el a acabar i a por cont ar o seu segr edo.

Ef ect i vament e, Laur i e empr egou t odos os mei os ao seu al cance e acabou por per ceber que o segr edo se r el aci onava com Meg e o senhor Br ooke. I ndi gnado com o t ut or por est e não o t er f ei t o seu conf i dent e, começou a pr epar ar uma pequena vi ngança.

Ent r et ant o, Meg par eci a não se i nt er essar por t al assunt o 175 e ocupava- se com os pr epar at i vos par a o r egr esso do pai . De r epent e, por ém, mudou de at i t ude. Quando f al avam com el a, est r emec i a, r ubor i zava- se e f i cava ent r egue aos seus pensament os enquant o t r abal hava.

- Meg pr essent e o amor e apr esent a os si nt omas habi t uai s. Que havemos de f azer , mãe? - Nada. Apenas esper ar - r espondeu a senhor a Mar ch. No di a segui nt e, quando di st r i buí a a cor r espondênci a do pequeno post o de cor r ei o, Jo di sse: - Há uma car t a par a t i , Meg. E es t á l acr ada. Que est r anho! Laur i e nunca l acr a as car t as que me escr eve.

Depoi s de l er a car t a, Meg apar eceu a chor ar di ant e da mãe e de Jo. - Como pudest e f azer - me uma coi sa dest as, Jo? Escr evest e est a car t a e o mar ot o do Laur i e col abor ou cont i go. O senhor Br ooke nunca se at r ever i a a escr ever coi sa semel hant e.

Jo mal pôde escut ar as úl t i mas pal avr as , poi s t ant o el a como a mãe j á est avam a l er a car t a escr i t a com uma l et r a es t r anha, cuj o aut or , assi nando John, di zi a a Meg que a amava l oucament e e que sabi a que el a cor r espondi a a esse amor , mas pedi a- l he que

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f osse el a mesma a di zê- l o na vol t a do cor r ei o. - Oh! Que gr ande pat i f e que é o Laur i e! - di sse Jo. Foi est a a sua vi ngança por eu não t er quer i do cont ar - l he o segr edo que pr omet er a à mãe guar dar . Hei - de dar - l he uma descompost ur a e vou obr i gá- l o a pedi r - t e per dão, Meg. - Mas. . est a car t a par ece- se com a out r a que r ecebi e à qual j á r espondi . . . Meu Deus! O que é que eu f ui f azer ?excl amou Meg. - Out r a car t a. . . i gual a est a? E r espondest e? - per gunt ou a senhor a Mar ch. - Respondi . . . Não qui s di zer - l he nada, mãe. Quer i a t er 176 um segr edo só par a mi m. Respondi que er a mui t o nova par a t omar qual quer r esol ução, que não quer i a t er segr edos par a vocês e que ant es t er i a de f al ar com o pai , mas que dur ant e mui t o t empo não poder i a ser mai s do que sua ami ga. E ent ão el e r espondeu- me di zendo que nunca me t i nha escr i t o nenhuma car t a f al ando de amor e que l ament ava que a l adi na da mi nha i r mã Jo t i vesse t omado t al l i ber dade com os nossos nomes. A car t a er a mui t o amável e honest a, mas i magi nem como i st o é t er r í vel par a mi m! Ent ão Jo deci di u i r i medi at ament e buscar Laur i e, chamando- l he nomes, mas det eve- se subi t ament e, agar r ou as duas f ol has de papel e, exami nando- as de per t o, di sse sem hesi t ações: - Não acr edi t o que Br ooke t enha vi s t o qual quer dest as car t as. O Laur i e escr eveu ambas e guar dou a t ua par a se di ver t i r à mi nha cust a, por eu não t er quer i do cont ar - l he o segr edo. Jo sai u e a senhor a Mar ch di sse a Meg, com mui t a mei gui ce, quai s er am os sent i ment os do senhor Br ooke a seu r espei t o. - Agor a, quer i da f i l ha, di z- me quai s são os t eus sent i ment os a r espei t o del e. Gost as del e o suf i c i ent e par a esper ar que t e possa of er ecer um l ar , ou pr ef er es f i car l i v r e por enquant o? - Tão cedo não quer o pensar em noi vados. Se o John r eal ment e não souber dest es di spar at es, não l he di ga nada e obr i gue a Jo e o Laur i e a r ef r ear em a l í ngua. Não gost o de ser i l udi da nem que f açam pouco de mi m. É uma ver gonha! Jo e Laur i e ent r ar am no quar t o e el e apr esent ou as suas descul pas a Meg. Est a per doou- l he e f i zer am as pazes. Apesar di sso, Meg cont i nuou a r ecor dar aquel e i nci dent e dur ant e mui t o t empo e, embor a não al udi sse a uma cer t a pessoa, pensava mui t o nel a. 177 As semanas segui nt es f or am mui t o agr adávei s . Os doi s enf er mos cont i nuar am a mel hor ar e o senhor Mar ch f al ou em vol t ar par a casa no pr i nc í pi o do ano.

Os di as que pr eceder am o Nat al f or am mui t o amenos e o pr ópr i o di a de Nat al f oi espl endor oso. Todos est avam cont ent es por que, dur ant e a manhã, t i nham r ecebi do uma car t a do senhor Mar ch, e Bet h, por seu l ado, j á r ecuper ar a bast ant e

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Mas est a f el i c i dade at i ngi u o cl í max quando Laur i e ent r ou e, num t om de voz es t r anho que não consegui a ocul t ar a sua emoção e al egr i a, excl amou: - Out r o pr esent e de Nat al par a a f ami l i a Mar ch! Mal acabar a de pr onunci ar es t as pal avr as, af as t ou- se par a o l ado e, no seu l ugar , apar eceu um homem al t o, embuçado at é aos ol hos, apoi ando- se no br aço de out r o homem, t ambém al t o, o qual t ent ava di zer al guma coi sa, por ém sem o consegui r . A exci t ação f oi ger al e, dur ant e al guns moment os, t odos par eci am t er enl ouquec i do. O senhor Mar ch quase desapar eceu r odeado por quat r o par es de br aços que o envol ver am com t er nur a. Jo per deu a ser eni dade e quase desmai ou, t endo que ser assi st i da por Laur i e. Osenhor Br ooke bei j ou Meg por di s t r acção, segundo di sse, e Amy, que quer i a conser var a sua compost ur a, t r opeçou num t ambor et e e, sem se l evant ar do chão, abr açou e bei j ou ent r e l ágr i mas as bot as do pai . A senhor a Mar ch f oi a pr i mei r a a r ecuper ar a ser eni dade, di zendo: - Fal em mai s bai xo ! . . . É pr eci so t er cui dado com a Bet h. O senhor Mar ch expl i cou que t i nha quer i do f azer - l hes uma sur pr esa. Por i sso, apr ovei t ando aquel es di as cal mos, o médi co der a- l he l i cença par a vol t ar par a casa. Ref er i u- se depoi s à dedi cação de Br ooke, af i r mando que er a um j ovem de sent i ment os nobr es e di gno de est i ma. 178 Nunca a r ef ei ção de Nat al f oi t ão agr adável como a daquel e di a. Tudo cor r eu mui t o bem e t odos se sent i r am ver dadei r ament e abençoados. E, j unt ando- se à al egr i a dos Mar ch, est i ver am pr esent es o senhor Laur ence, Laur i e e o senhor Br ooke. 179

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XXI I

�q���R�J���� .+'r ���L���is&�>���2�F�%�&�K<D=)� No di a segui nt e, t ant o a mãe como as f i l has dedi car am- se apenas a at ender o senhor Mar ch e nada par eci a f al t ar par a que a f el i c i dade naquel e l ar f osse compl et a. Mas, na r eal i dade, f al t ava al guma coi sa e o senhor e a senhor a Mar ch ol havam- se de vez em quando com uma expr essão i nqui et a, depoi s de obser var em Meg. Est ava mui t o cal ada e di st r aí da. Est r emec i a quando a campai nha t ocava e cor ava quando se pr onunc i ava o nome de John. Amy admi r ava- se, poi s, est ando j á o pai em casa, par eci a que t odos est avam à esper a de al guma coi sa, e Bet h per gunt ava i nocent e por que r azão os vi z i nhos não os vi s i t avam com a mesma assi dui dade. Laur i e, vendo Meg à j anel a, cai u t eat r al ment e de j oel hos na neve, bat endo no pei t o e j unt ando as mãos num gest o de quem supl i ca al guma coi sa. Quando Meg l he di sse que não se ar masse em pal haço e que se f osse embor a, começou a t or cer o l enço, f i ngi ndo que est ava ensopado em l ágr i mas, e vol t ou a esqui na da casa cambal eando, como se es t i vesse no auge do desesper o. - O que quer er á aquel e t ont o di zer ? - r i u Meg, f i ngi ndo não compr eender . - Est á a most r ar - t e como se vai por t ar o t eu John, quando menos se esper ar - di sse Jo com i r oni a. 181 - Não di gas o meu John. Não é cor r ect o nem é ver dade. Não me abor r eças mai s com i sso, Jo. Já t e di sse que apenas ser emos ami gos como dant es. - Nunca mai s pode ser como ant es. Par eces out r a, Meg, e t enho a i mpr essão de que est ás mui t o l onge de mi m. Supor t ar ei t udo com a cor agem de um homem, mas o que t ens a f azer , é mel hor que o f aças depr essa. Det est o esper ar .

- Não posso f azer nada se el e não me f al ar no assunt o, e cl ar o que não o f ar á, por que o pai j á l he di sse que eu sou mui t o nova.

- Se el e t e di ssesse al guma coi sa, nem sabi as como havi as de r esponder . Acabar i as por dei xar - t e convencer , em vez de o despedi r es com um r ot undo não" .

- Não sou assi m t ão f r aca como j ul gas, e at é j á pensei no que l he di r i a, por que não quer o que me apanhe despr eveni da. - Poder ei , por acaso, saber o que l he r esponder i as. per gunt ou Jo, um pouco menos agr essi va.

- Cl ar o! Já t ens dezassei s anos e podes ser mi nha conf i dent e. Tal vez um di a a mi nha exper i ênci a t e sej a út i l numa ocasi ão semel hant e.

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- Não me par ece. É di ver t i do ver as out r as pessoas a namor ar , mas eu, se o f i zesse, achava que não t i nha mi ol o.

- Pensar i as de f or ma di f er ent e se qui sesses mui t o a al guém que t ambém gost asse de t i .

- Est á bem - i nt er r ompeu Jo. - Di z - me l á qual é o di scur so que t ens pr epar ado par a esse homem.

- Se el e me di sser al guma coi sa, r esponder - l he- ei com dec i são e ser eni dade: Mui t o obr i gada, senhor Br ooke, o senhor é mui t o amável , mas penso, como o meu pai , que sou ai nda mui t o nova par a me compr omet er . Assi m, t enha a bondade de não me f al ar mai s nest e assunt o e cont i nuemos a ser ami gos como dant es. 182 - Na mi nha opi ni ão, é uma r espost a mui t o r í gi da. Acho que não er as capaz de l he f azer esse di scur so e, mesmo que o f i zesses, el e não i r i a conf or mar - se f aci l ment e. Se i ns i st i sse e t e supl i casse, como f azem as per sonagens das novel as , acabar i as por ceder par a não o f azer es sof r er . - Nem penses uma coi sa dessas. Já t e di sse que, se me f al ar em al guma coi sa, r espondo- l he ass i m, e l ogo que acabar , sai o da sal a com t oda a di gni dade.

Di zendo est as pal avr as, Meg l evant ou- se da cadei r a, di spost a a r epr esent ar a cena. Mas o r uí do de passos f ê- l a sent ar - se out r a vez e começar a coser com gr ande af i nco, como se a sua sobr ev i vênc i a dependesse daquel e t r abal ho. Jo cont eve um acesso de r i so, vendo aquel a r ápi da t r ansf or mação, e, quando ouv i u um t í mi do bat er na por t a, f oi abr i r com car a de poucos ami gos.

- Boa t ar de. Vi nha buscar o meu chapéu- de- chuva. . . ou mel hor , per gunt ar como est á o seu pai - di sse John, desconcer t ado com a expr essão das duas r apar i gas.

- Est á no bengal ei r o. Vou buscá- l o e di zer - l he que o senhor est á aqui . - E depoi s de mi st ur ar o pai com o guar da- chuva, Jo sai u da sal a par a dar opor t uni dade a Meg de f azer o seu di scur so.

Por ém, l ogo que Jo sai u, Meg l evant ou- se e apr oxi mou- se da por t a, mur mur ando :

- A mãe vai t er mui t o pr azer de o ver . Tenha a bondade de se sent ar enquant o eu vou av i sá- l a.

- Não se vá embor a, Mar gar et . Tem medo de mi m? - Como posso t er medo de s i , depoi s de t er s i do t ão bom par a

o pai ? O que eu gost ava er a de saber agr adecer - l he r espondeu Meg, f i cando mui t o cor ada.

- Quer que l he di ga como poder i a f azê- l o? - per gunt ou el e, segur ando a pequena mão de Meg ent r e as suas.

- Não! Por f avor . . . Pr ef i r o que não. . . - r espondeu 183 el a, pr ocur ando r et i r ar a mão e, apesar do que di sser a a Jo, most r ando- se assust ada. - Não quer o abor r ecê- l a. Desej o apenas saber se me ama um pouco.

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Eu gost o t ant o de si , Mar gar et ! - excl amou o j ovem com t er nur a. Er a est e o moment o pr opí c i o par a Meg pr onunci ar as pal avr as que t i nha pr epar ado. Mas não o f ez. Esquecendo- as por compl et o, cur vou a cabeça e di sse, em voz t ão bai xa que John t eve t ambém de cur var a sua par a ouvi r a t ol a r espost a:

- Não sei . Br ooke deve t er gost ado, poi s sor r i u sat i sf ei t o e, aper t ando com gr at i dão as mãos de Meg, di sse com o seu t om mai s per suasi vo : - Não quer t ent ar saber ao cer t o? Eu gost ar i a mui t o de saber . Não consi go f azer o meu t r abal ho com ent usi asmo sem saber se t er ei a r ecompensa. - Mas eu ai nda sou mui t o nova - bal buc i ou Meg, admi r ada de se sent i r t ão emoci onada, mas ao mesmo t empo gost ando de se sent i r ass i m. - Eu esper ar ei , e ent r et ant o a Meg podi a i r apr endendo a gost ar um pouco de mi m. Acha que ser i a uma l i ção mui t o di f í c i l ?

- Não, se eu est i vesse di spost a a apr ender . . . mas. . . - Faça f avor , Meg, deci da- se a est udá- l a. Eu gost o de ens i nar e i st o é mai s f áci l do que apr ender al emão.

- Não es t ou di spost a. Peço- l he que se r et i r e e me dei xe. - É mesmo essa a sua r espost a? - per gunt ou o j ovem, ansi osament e. - É. Não quer o pr eocupar - me ai nda com essas coi sas. O pai acha que é mui t o cedo. - Não poder ei t er esper anças de que mudem de opi ni ão? Eu esper ar ei sem di zer nada, dar - l he- ei mai s t empo par a r ef l ect i r . Não br i nque comi go, Mar gar et . Não esper ava i sso de si . 184 - Não esper e nem pense mai s em mi m. É pr ef er í vel que me esqueça - r espondeu Meg, achando ext r emament e agr adável pôr à pr ova a pac i ênci a de John e o poder que exer ci a sobr e el e. Br ooke t i nha empal i deci do e est ava mui t o sér i o. Ti nha um aspect o que f ez l embr ar a Meg os her ói s de novel as que el a admi r ava, mas não deu punhadas no pei t o nem começou a passear de um l ado par a o out r o agi t adament e. Li mi t ou- se a ol há- l a com uma expr essão t ão t er na e t ão t r i st e que el a est ava quase a ent er necer - se e a mudar de pr opósi t os . Nunca se saber á o que t er i a acont eci do se não apar ecesse a t i a Mar ch naquel e pr eci so moment o. Est a não t i nha consegui do r esi st i r ao desej o de ver o seu sobr i nho, poi s souber a por Laur i e que el e t i nha r egr essado e qui s i medi at ament e vê- l o. Quase t oda a f amí l i a se encont r ava na out r a ext r emi dade da casa, por i sso a t i a Mar ch ent r ou t r anqui l ament e, na i nt enção de l he f azer uma sur pr esa. Mal t i nha t r anspost o o umbr al da por t a, depar ou com o casal i nho. Meg sobr essal t ou- se como se t i vesse vi s t o um f ant asma e o senhor Br ooke desapar eceu pel a por t a do escr i t ór i o. - O que si gni f i ca i st o? - excl amou a t i a, bat endo no chão com a

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bengal a. - É um ami go do pai . Est ou mui t o admi r ada. . . de a ver . . . aqui - bal buc i ou Meg, j á convenci da de que i a ouvi r um ser mão. - Evi dent ement e. Mas o que t e est ava a di zer esse ami go do t eu pai par a est ar es ver mel ha que nem uma papoi l a? Est ás a esconder - me al guma coi sa e eu quer o saber do que se t r at a.

- O senhor Br ooke. . . vei o buscar o guar da- chuva que cá dei xou por esqueci ment o - começou Meg a di zer , desej ando que, naquel e moment o, t ant o o senhor Br ooke como o chapéu- de- chuva est i vessem a l éguas dal i . 185 - Quer es di zer que é o pr of essor daquel e r apaz? Ah! Já compr eendi t udo. Por aqui l o que Jo escr eveu em cer t a ocas i ão ao pai , depr eendi cá umas coi sas e obr i guei - a a cont ar - me t udo. Suponho que não l he dest e uma r espost a af i r mat i va! - excl amou a t i a Mar ch escandal i zada.

- Não f al e t ão al t o, que podem ouvi r - nos. Não quer ver a mãe?

- Ai nda não. Tenho umas coi sas par a t e di zer e vou di zê- l as sem esper ar mai s t empo. Tens a i nt enção de t e casar com esse Br ooke? Nesse caso não r eceber ás um cent avo meu. Pensa ni st o e sê uma r apar i ga sensat a. - Eu caso com quem qui ser , t i a, e pode dei xar o seu di nhei r o a quem l he apet ecer - r espondeu Meg com um ar de desaf i o.

- Boni t a r espost a! É assi m que f azes caso dos meus consel hos? Hás- de l ament á- l o quando souber es o que é o amor e uma cabana, e t e convencer es de que f i zest e uma gr ande asnei r a.

- Não ser á mai or do que aquel a que f i zer am cer t as pessoas que mor am em casas r i cas.

A t i a Mar ch pôs os ócul os e mi r ou a r apar i ga, poi s não est ava habi t uada àquel es modos t ão deci di dos. Meg t ambém não se est ava a conhecer , mas sent i a- se cont ent e por def ender John e o seu di r ei t o de o amar . Per cebendo que i a por mau cami nho, a t i a Mar ch mudou de t áct i ca e começou a di zer com a mai or suav i dade possí vel :

- Sê r azoável , mi nha f i l ha, e segue o meu consel ho, que é o mai s bem i nt enci onado possí vel . Tens o dever de casar bem e aj udar a t ua f amí l i a. Deves convencer - t e de que pr eci sas de casar com um homem r i co.

- Não podi a f azer casament o mel hor , mesmo que est i vesse à esper a i ndef i ni dament e! John é bom e sensat o. É i nt el i gent e, quer subi r na vi da e es t ou convenci da de que o vai 186 consegui r . Toda a gent e o apr eci a e t em mui t o r espei t o por el e e eu si nt o- me or gul hosa de el e gost ar de mi m apesar de eu ser pobr e, mui t o nova e às vezes t ão pat et a! - di sse Meg, a quem o ar dor que puser a na r espost a f azi a ai nda mai s bel a. - El e sabe que t u t ens par ent es r i cos? Desconf i o bem que é aí que

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r es i de o segr edo do seu amor por t i . . . - Ti a, como se at r eve a i ns i nuar uma coi sa dessas? - gr i t ou Meg, esquecendo- se de t udo o mai s, per ant e a i nj us t i ça que acabava de ouv i r . - O meu John não se casar i a por i nt er esse e eu t ambém não. Est amos deci di dos a t r abal har , não nos i mpor t amos de esper ar e eu não t enho medo da pobr eza, por que com el a t enho si do f el i z at é hoj e e t enho a cer t eza de que com el e cont i nuar ei a sê- l o por que gost a de mi m e. . . Ao chegar a es t e pont o, Meg par ou, l embr ando- se de que sem dúvi da el e est ar i a a ouvi r . E a t i a di sse cont r ar i ada: - Nesse caso, l avo daí as mi nhas mãos. Desenganast e- me e nem sequer me s i nt o com cor agem de i r ver o t eu pai . Não esper es nada de mi m quando t e casar es. Esses ami gos do Br ooke que t e aj udem. Par a mi m, mor r est e. E sai u f ur i osa, at i r ando com a por t a. Quando f i cou sozi nha, a pobr e Meg não sabi a se havi a de r i r ou de chor ar , mas ant es de t er t empo par a se deci di r , John est ava j unt o del a, di zendo: - Não pude dei xar de ouvi r as suas pal avr as, Mar gar et . Es t ou- l he mui t o gr at o por me t er def endi do e t ambém agr adeço à t i a Mar ch por que f oi a sua i nt er venção que me vei o pr ovar que a Meg gost a um pouco de mi m. - Só o per cebi quando el a o i nsul t ou. - Ent ão não pr ec i so de me i r embor a, como me di sse. Posso f i car e esper ar ser f el i z, não é ver dade, meu amor ? - Si m, John - r espondeu el a. E escondeu o r ost o no casaco do senhor Br ooke. 188 Quando Jo desceu pouco depoi s, convenc i da de que Meg o hav i a despedi do, f i cou pet r i f i cada, encost ada à ombr ei r a da por t a. John est ava sent ado no sof á e a sua i r mã Meg sent ada sobr e os j oel hos del e, com uma expr essão submi ssa. Jo sol t ou uma excl amação e, ouv i ndo- a, os namor ados vol t ar am a cabeça. Meg pôs- se de pé i medi at ament e, conf usa e f el i z ao mesmo t empo, e John r i u, dando um bei j o na r ecém- chegada e di zendo:

- Mana Jo, f el i c i t e- nos. I st o er a demai s par a Jo que, sem pr onunci ar uma pal avr a e f azendo com as mãos um gest o de i ndi gnação, sai u da sal a. Subi ndo r api dament e ao andar super i or , ent r ou no quar t o onde est avam os conval escent es e excl amou com um ar dr amát i co : - Vão depr essa l á abai xo! Br ooke est á a por t ar - se abomi navel ment e e Meg par ece que gost a. Os pai s descer am i medi at ament e. E a campai nha par a o j ant ar soou ant es que Br ooke t i vesse t i do t empo de descr ever o par aí so que se pr opunha pr epar ar par a Meg. Ni nguém comeu mui t o, mas t odos se most r avam mui t o f el i zes e a veI ha casa par eci a i l umi nar - se com a pr i mei r a hi st ór i a de amor das r apar i gas. Quando Laur i e chegou, ent r egou um r amo de f l or es à senhor a Br ooke,

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mui t o convenci do de que desempenhar a uma par t e i mpor t ant e naquel e desenl ace. - Eu sabi a que Br ooke hav i a de consegui r o que quer i a, poi s quando se met e nal gum empr eendi ment o, vai at é ao f i m, apesar de t odos os obst ácul os - di sse el e, depoi s de ent r egar a sua of er t a e apr esent ar as suas f el i c i t ações. Um pouco mai s t ar de, depoi s de o avô t ambém t er chegado, Laur i e, vendo que Jo est ava t r i st e, per gunt ou- l he em par t i cul ar : - Que se passa? Não me par eces mui t o al egr e. 189 - É mui t o dur o par a mi m t er de r enunci ar a Meg. - Não r enunci as a Meg. Apenas a r epar t es com out r a pessoa - di sse o r apaz, par a a consol ar . - Al ém di sso, t ens- me a mi m. Não val ho gr ande coi sa, mas dou- t e a mi nha pal avr a de que t e ser ei f i el t oda a v i da. - Obr i gada. Hás- de ser sempr e um gr ande conf or t o par a mi m, Laur i e. Di zendo i st o, Jo ol hava em vol t a da sal a onde es t avam, sent i ndo, apesar de t udo, um cer t o pr azer no espect ácul o que os seus ol hos cont empl avam: os pai s r ecor davam a sua pr ópr i a exper i ênci a de há vi nt e anos at r ás; Amy pr ocur ava desenhar os noi vos, os quai s t i nham uma expr essão t al nos r ost os que a ar t i st a não consegui a passar par a o papel ; Bet h, est endi da no sof á, t agar el ava al egr ement e com o seu vel ho ami go que est r ei t ava a sua pequeni na mão, como se daquel e cont act o l he advi esse paz.

Jo ocupava o seu assent o f avor i t o, com uma expr essão gr ave e t r anqui l a, e Laur i e, apoi ado nas cost as da cadei r a, com o quei xo ao mesmo ní vel do cabel o encar acol ado da r apar i ga, sor r i a com a sua expr essão mai s ami st osa e f azi a si nai s com a cabeça par a o espel ho que est ava em f r ent e del es e os r ef l ect i a. 190

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