motivo, razão, causa

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Motivo, Razão, Causa Esclarecimentos e modo de usar. Na reunião geral de nosso Pibid, do dia 26 de junho de 2014, na rodada de conversas sobre a visita ao Colégio de Aplicação da UFRGS, foi comentado que o trabalho do Pibid de lá usou a distinção entre motivo, razão e causa, a partir de um texto de Peter Geach. Para que o grupo entenda melhor o que está sendo feito lá, preparei um arquivo que reúne os materiais que tenho trabalhado sobre essa distinção que tem se provado de alguma utilidade em aulas de introdução a filosofia. Assim, vocês vão encontrar aqui nesse arquivo o texto de Peter Geach, “Argumentar e dar razões”, bem como minhas anotações e alguns exercícios que eu proponho para meus alunos, aqui na Filosofia, na Administração, na Psicologia. Usem da forma como julgarem melhor. Argumentar e dar razões Peter Geach A Filosofia, tal como é praticada hoje nas universidades britânicas (e em muitas outras) é uma disciplina altamente argumentativa. Os filósofos mais estudados não são sábios que surgem com dogmas indiscutidos, mas pensadores que argumentam a favor daquilo que pensam. Não estou dizendo que os filósofos devem ignorar os sábios; não se pode dizer antecipadamente o que virá a se revelar filosoficamente interessante e importante. Mas se estudamos os ditos de algum sábio, podemos encontrar dificuldade de aceitá-los; em particular, eles podem parecer mutuamente inconsistentes. O próprio sábio pode não estar interessado em envolver-se em discussões a propósito de nossas dificuldades, e pode estar certo em não querer fazê-lo; mas se persistirmos em levá-lo a sério, pelo menos seus discípulos devem estar preparados para ouvir nossas dificuldades e dar respostas argumentadas. Mesmo quem proclama ser um mensageiro portador de uma revelação divina não está dispensado de dar respostas fundamentadas a inquiridores sérios. Os cristãos, em particular, são exortados a estar 'sempre prontos a dar uma resposta a todos os que vos pedirem uma razão da esperança que está em vós, com brandura e reverência' (I Pedro 3.15). Embora seja razoável pedir razões, não é sempre razoável pedir razões. Uma discussão entre A e B será claramente frustrada se B persistir em perguntar por que razão deveria aceitar o que A disse por último. Novamente, não é razoável perguntar por que razão se deve observar a própria prática de pedir razões;

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Motivo, Razão, Causa

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Motivo, Razo, CausaEsclarecimentos e modo de usar. Na reunio geral de nosso Pibid, do dia 26 de junho de 2014, na rodada de conversas sobre a visita ao Colgio de Aplicao da UFRGS, foi comentado que o trabalho do Pibid de l usou a distino entre motivo, razo e causa, a partir de um texto de Peter Geach. Para que o grupo entenda melhor o que est sendo feito l, preparei um arquivo que rene os materiais que tenho trabalhado sobre essa distino que tem se provado de alguma utilidade em aulas de introduo a filosofia. Assim, vocs vo encontrar aqui nesse arquivo o texto de Peter Geach, Argumentar e dar razes, bem como minhas anotaes e alguns exerccios que eu proponho para meus alunos, aqui na Filosofia, na Administrao, na Psicologia. Usem da forma como julgarem melhor.Argumentar e dar razes

Peter Geach

A Filosofia, tal como praticada hoje nas universidades britnicas (e em muitas outras) uma disciplina altamente argumentativa. Os filsofos mais estudados no so sbios que surgem com dogmas indiscutidos, mas pensadores que argumentam a favor daquilo que pensam. No estou dizendo que os filsofos devem ignorar os sbios; no se pode dizer antecipadamente o que vir a se revelar filosoficamente interessante e importante. Mas se estudamos os ditos de algum sbio, podemos encontrar dificuldade de aceit-los; em particular, eles podem parecer mutuamente inconsistentes. O prprio sbio pode no estar interessado em envolver-se em discusses a propsito de nossas dificuldades, e pode estar certo em no querer faz-lo; mas se persistirmos em lev-lo a srio, pelo menos seus discpulos devem estar preparados para ouvir nossas dificuldades e dar respostas argumentadas. Mesmo quem proclama ser um mensageiro portador de uma revelao divina no est dispensado de dar respostas fundamentadas a inquiridores srios. Os cristos, em particular, so exortados a estar 'sempre prontos a dar uma resposta a todos os que vos pedirem uma razo da esperana que est em vs, com brandura e reverncia' (I Pedro 3.15).

Embora seja razovel pedir razes, no sempre razovel pedir razes. Uma discusso entre A e B ser claramente frustrada se B persistir em perguntar por que razo deveria aceitar o que A disse por ltimo. Novamente, no razovel perguntar por que razo se deve observar a prpria prtica de pedir razes; aqueles que pretendem rejeitar a prtica no devem perguntar aos outros por que (i. por que razo) se entregam a ela, pois do contrrio ficar claro que eles prprios no se abstm completamente da mesma.

Razes podem ser razes para a crena ou razes para a ao. O pensamento humano tanto terico quanto prtico: tanto o modo como so as coisas quanto o que devemos ns prprios fazer nos dizem respeito. Em ambos os domnios h problemas para serem resolvidos, consideraes que se opem, e decises ltimas; e em relao a ambos podemos ser censurados por hesitao, vacilao ou obstinao, ou ainda louvados pela sabedoria em chegar a decises ou a firmeza em aderir ao que foi decidido.

Aqui, contudo, uma dvida pode surgir: o fato de chegarmos a uma concluso terica, uma concluso sobre como as coisas so, realmente algo que dependa de uma deciso nossa? Sobre esta questo foram sustentados pontos de vista extremamente opostos; podemos tomar Descartes e Shelley como representantes tpicos das posies conflitantes. Descartes parece ter pensado que a crena era simples e diretamente uma questo de escolha: pelo menos por um momento, num tempo de tranquilidade, voc pode deixar de acreditar em cada uma das coisas em que acredita agora. Algumas pessoas parecem ter reivindicado o poder de adotar crenas: como a Rainha Branca que (na verdade, com a prtica) podia acreditar tantas quantas seis coisas impossveis antes do caf da manh. As palavras da Rainha so provavelmente uma aluso a um tipo de Oxford, W.G. ('Ideal') Ward, em certa poca membro de Balliol; era um truculento ultramontano em religio, a quem se atribui ter expressado o desejo de que um documento papal infalvel lhe chegasse todos os dias antes do caf da manh, junto com The Times, para ser acreditado. Em nossos dias, atribui-se similarmente a um oficial da cria romana ter dito que, se o Papa surgisse com um decreto aprovando a anticoncepo artificial, ele prprio passaria da sua presente certeza de que esta prtica errada para uma igual certeza de que ela no errada.

Esta espcie de comando sobre as nossas prprias crenas algo que poucos de ns podem pretender; Shelley sustentaria que algo que ningum pode verdadeiramente pretender. De acordo com Shelley, quando estamos considerando se algo verdadeiro, uma questo de sentimento espontneo se assentimos, dissentimos ou suspendemos o juzo; sentimentos no podem ser comandados, portanto tampouco o podem as crenas. Isto aparece em A necessidade do atesmo - um panfleto interessante, que eu lamento seja demasiado inacessvel para ser usado no trabalho do dia-a-dia dos departamentos de filosofia. A percepo de Shelley sobre as causas das crenas humanas se revelou muito deficiente: ele esperava que seu panfleto fizesse com que os doutores de Oxford deixassem de acreditar na existncia de Deus, mas em vez disso foi simplesmente mandado embora.

A verdade parece estar entre esses dois extremos. Crenas no podem ser imediatamente ligadas e desligadas vontade; mas elas esto at certo ponto sob nosso controle. Podemos formar hbitos de pensamento que modificaro nossas crenas, para o bem ou para o mal, e a formao de tais hbitos certamente voluntria. ainda mais claro que podemos escolher nos apegar a crenas ameaadas. Thomas Hardy tem um poema sobre um homem que consegue preservar sua crena de que uma lpide que traz o nome de sua amada realmente cobre seus restos mortais, embora pudesse facilmente confirmar a verdade de uma feia histria que ouviu - que a moa ali sepultada era de fato outra, e que sua prpria garota vivia como uma garonete bbada. Aqui, a resistncia modificao da crena nos pareceria digna de piedade ou desprezvel; mas podemos encarar diferentemente o heri do romance vitoriano que continua a acreditar na inocncia de sua amada, no se deixa impressionar pela arrasadora evidncia contra ela, e no final, quando ela triunfantemente justificada, pode dizer orgulhosamente 'Eu sempre acreditei que voc era inocente, mesmo quando eles provaram que voc era culpada'.

Aqui, natural trazer baila a distino trplice: motivos para a crena, razes para a crena, causas da crena. Por convenincia, estou restringindo 'razes para a crena', no presente contexto, a significar: razes enunciveis, da verdade das quais seguir-se-ia, com certeza ou com probabilidade, que a crena verdadeira. Nossos dois enamorados tinham, cada um, um forte motivo para ater-se crena na inocncia de sua amada: a crena contrria, se aceita, traria ao amante muita infelicidade. Mas este motivo no fornece nenhuma razo para a crena. Da mesma forma, um universitrio exilado de Ghana na poca do 'redentor' Nkrumah teria um forte motivo para converter-se crena na filosofia do Conscientismo de Nkrumah: um motivo para verdadeira crena, no apenas para sua profisso, porque uma profisso de f no sincera, se detectada, poderia tornar muito perigosa a volta do exlio; mas aqui tambm o motivo para crer no fornece nenhuma razo para a crena.

Todo o tipo de coisas podem causar as crenas: uma crena de que os cachorros pretos so especialmente perigosos pode ser rastreada at um esquecido medo de infncia, ou a crena de que um homem seu inimigo mortal pode ser devida a uma doena cerebral. Claramente, no temos aqui nem um motivo nem uma razo para crer.

s vezes uma crena adotada por motivos que no fornecem razes, ou surge por alguma causa psicolgica ou fisiolgica independentemente de quaisquer razes, mas o crente posteriormente fantasia razes em apoio da crena. Este processo chamado racionalizao. Contudo, uma apreenso de razes que, se verdadeiras, fariam com que a coisa em que se acredita fosse certa, ou pelo menos provvel, s vezes realmente produz uma crena; nem todo arrazoado racionalizao. Alguns pensadores sustentaram, ou pelo menos foram acusados de sustentar, que toda apresentao de razes a favor das prprias crenas de algum racionalizao: as razes apresentadas nunca determinaram a crena a que se chegou, mas foram fantasiadas depois do fato. Se algum realmente sustenta esse ponto de vista, tolo de sua parte alegar quaisquer razes ou evidncias a favor de sua posio; pois se ele estiver certo o assentimento ou dissentimento das outras pessoas se daria independentemente da considerao de quaisquer razes alegadas por ele. Este livro est escrito com a convico oposta, de que a considerao de razes para pensar que algo verdadeiro s vezes resulta na crena apropriada; se algum no partilha desta convico, dificilmente poder pedir que sejam dadas razes pelas quais deveria adot-la.

TPICOS PARA DISCUSSO

A partir do texto acima discuta as seguintes questes:

1. Voc consegue imaginar situaes nas quais irrazovel perguntar por uma razo?

2.Uma boa razo deve ser uma razo que voc possa, se necessrio, colocar em palavras? Por exemplo: voc tem uma boa razo, e pode express-la em palavras, para crer que seus pais so X e Y, ou para acreditar que nunca esteve na lua?

3. Como a honesta apresentao de razes difere da racionalizao?

4. Acreditar algo que depende da nossa vontade? Explique.

5. Como voc caracteriza crena?

6. Como voc entende a diferena entre acreditar e saber? Existe essa diferena? Se sim, em que ela consiste? Quais os critrios de cada uma?

7. Como voc compreende a relao entre crena e verdade.

2. Uma visita ao dicionrio:

Porque: conj (por+que) 1 Em razo de, pelo motivo de, visto que. 2 A fim de que, para que. (Dicionrio Michaelis)

Conj. Designa causa; em razo de que; pelo motivo de; porquanto. Eu canto porque o instante existe e a minha vida est completa. (Ceclia Meireles) (Aurlio)

Porqu: sm (de porque) Causa, motivo, razo: No sabemos o porqu desta recusa.Por que: (prep.)

a) usa-se nas frases interrogativas: Por que voc no vai?;

b) usa-se quando for substituvel por pelo qual, por qual: O caminho por que devo passar = pelo qual devo passar; o avio por que fui ao Rio = pelo qual fui ao Rio. Por qu: quando no fim do perodo interrogativo: Voc no vai, por qu? Por querer: por gosto, a seu querer.

Repare que os dicionrios registram o que podemos chamar de uma ambiguidade de sentidos em porque j desde o nvel morfolgico. As diferentes formas de escrever (porque, porqu, por que, por qu) mostram que a expresso pode ser uma conjuno, um substantivo ou uma preposio. E a isso somam-se trs significados diferentes que a expresso pode ter, como causa, como motivo, como razo. Esses trs significados possveis podem ser trocadas entre si sem problemas ou existem diferenas interessantes entre eles?

3. Uma atividade:

Em cada uma das frases abaixo, procure identificar Motivo, Razo ou Causa.

1. O porqu dele ter comprado o carro Y que achou que esse modelo Y impressionaria mais a nova namorada.2. O porqu dele comprado o carro Z que esta era a condio para ganhar o emprego.

3. Ele comprou o modelo X de carro porqu foi o que apresentou melhor consumo.Voc consegue notar as diferenas de sentido de porqu em cada uma das frases?

Veja este outro conjunto de exemplos de respostas diferentes para a mesma pergunta, por que voc acredita em Deus?.

4. Nasci em uma famlia de crena testa e nunca questionei isso.

5. Estou ficando velho e depois de pensar muito acho que a crena em um Deus me d um bom conforto espiritual.

6. Fiz um curso de Teologia, examinei as provas da existncia de Deus e concordo com elas.

Nessas respostas suprimi a expresso porqu mas ela est pressuposta em todas elas. Cada uma delas apresenta uma certa diferena em relao s demais.

Mais um conjunto de exemplos. Joo casou com Mary e voc quer saber por que.

7. Joo quer um green card e Mary aceitou ajud-lo.

8. Eles esto apaixonados, etc.

9. Joo quer dar o golpe do ba na herana de Mary.

Mais um conjunto de exemplos: Joo escolheu estudar Administrao e voc quer saber por que. As respostas que voc ouve so:

10. Joo pertence a uma famlia tradicional de administradores de empresa.

11. O pai de Joo queria que ele estudasse veterinria e Joo decidiu contrari-lo.

12. Joo fez um teste vocacional e no resultado a carreira mais adequada ao seu perfil profissional foi Administrao.

E um ultimo grupo; seu amigo quer saber por que voc come brcolis todos os dias:

13. Odeio brcolis, mas meu mdico disse que era o melhor remdio para a rara doena que tenho.

14. Minha paquera valoriza muito pessoas que comem esses vegetais e estou disposto a tudo para conquist-la.

15. Fui criado comendo brcolis e adquiri uma compulso.

E para terminar com esses exemplos: o sujeito era dado bebida diariamente e subitamente deixa de beber. Voc quer saber por que. Ele responde:

16. Eu estava sendo um pssimo exemplo para meus filhos.

17. Tive uma rara doena que provoca averso ao lcool.

18. Meu desempenho no trabalho estava sendo afetado e no quero perder meu emprego por causa disso.

4. A discusso dessas distines precisa de suporte terico. Um dos mais importantes pode ser encontrado na definio clssica de crena que est na Crtica da Razo Pura. Ali ele diz que crer ou acreditar considerar-algo-verdadeiro Trata-se, diz ele, de um evento em nosso entendimento que, embora podendo repousar sobre fundamentos objetivos, tambm exige causas subjetivas na mente daquele que julga. Kant sugere que existem trs graus de crenas:

a) a opinio, que consiste em considerar-algo-verdadeiro que, no entanto, temos conscincia que as nossas razes para isso so, tanto subjetiva quanto objetivamente insuficientes;

b) a crena propriamente dita, que ocorre quando consideramos algo verdadeiro apenas baseado em razes subjetivamente suficientes;

c) o saber ou conhecimento, quando consideramos algo verdadeiro, e temos razes tanto subjetiva quanto objetivamente suficientes.

Como definio geral, portanto, dizemos que crer considerar uma afirmao como verdadeira. Como definio geral, podemos dizer ter um conhecimento

a) ter uma crena; b) que a crena seja verdadeira; c) que possamos justificar a verdade dessa crena.

5. As crenas podem ser motivadas, causadas, racionais:

Pense em coisas como simples como melancia com uva faz mal, Melhoral melhor e no faz mal, Deus existe, cachorros pretos so perigosos ou apenas A chave da casa est na gaveta. A pergunta por que uma pessoa acredita em uma afirmao qualquer ou faz uma ao qualquer pode ser encarada a partir de trs enfoques:

a) considere os antecedentes que colocaram a pessoa na situao de aprender ou aceitar a crena em questo. Nesse caso estamos nos referindo gnese, origem da crena que a pessoa tem, ao modo como a crena foi adquirida, por exemplo, desde a sua infncia. Poderemos mencionar circunstncias, fatos sociais, culturais, psicolgicos, relativos pessoa. Esse tipo de resposta do por que nos remete a um pedao de biografia e, atravs dela, a um fragmento de histria. com naturalidade que diremos: Ele acredita nisso por causa da educao que teve desde nen.

b) considere os motivos que levam a pessoa a ter essa crena ou a fazer essa ao. Nesse caso procuramos explicar a funo que tem a aceitao dessa crena na realizao dos desejos, das intenes e das necessidades de uma pessoa. Se a primeira resposta descrevia a origem da crena, esta segunda se refere aos supostos e s conseqncias psicolgicas de uma dada crena; esse tipo de resposta do por que mencionar fatos acerca da personalidade da pessoa: ele no suporta crticas, um Mrio-vai-com-os-outros; A resposta remete para a psicologia. com naturalidade que diremos: Ele acredita nisso porque lhe convm... Pense, como exemplo para esse caso, nos estudos de Psicologia Social de Leon Festinger, no seu conceito de dissonncia cognitiva, por exemplo. A teoria psicolgica da dissonncia cognitiva de Leon Festinger diz que tendemos a suprimir as evidncias desfavorveis s nossas crenas e decises. De acordo com essa teoria, as pessoas que fizeram uma aquisio ou se propuseram alguma coisa se esforaro consideravelmente, em nome da prpria paz de esprito e da consistncia cognitiva, para suprimir evidncias e informaes que tendem a mostrar que cometeram um erro e que se decepcionaro. Isso pode ser entendido melhor luz dessa idia de crenas que so motivadas.

c) considere as razes que a pessoa d ou tem para acreditar em algo. Nesse caso respondemos chamando a ateno para a justificao que a pessoa d para suas crenas. Uma justificao pode ser comparada a um clculo que nos permite chegar a um certo resultado. Aqui no mencionamos fatos da histria ou da psicologia da pessoa, mas sim as relaes entre a crena dela e outras crenas e operaes de conhecimento. No fazemos referncia origem e nem s convenincias da crena, seno que certas operaes que a pessoa tem que fazer para poder dizer que chegou at aquela crena de forma impessoal, pblica, intersubjetiva, comprovvel: operaes de inferncia, argumentao, exame detalhado de algo, estudo de uma teoria, etc. Aqui a resposta nos leva para a lgica e para a teoria do conhecimento ou epistemologia.

5. Uma passagem de Arthur Danto sobre crena.

Uma crena no um mero estado da mente ou da alma, uma marca inerte. Quando um homem acredita em algo, ele est disposto, geralmente, a agir de uma certa forma, ou em certas formas. Se acredito que minha filha est em perigo, no se trata de uma questo de dar uma resposta afirmativa para a pergunta sobre se eu acredito que minha filha est em perigo. Toda minha maneira de agir est implicada, e todas as minhas crenas fatuais relevantes so ativadas. Se eu sei que ela no corre perigo, mas mesmo assim me comporto como se estivesse, minhas aes esto em descompasso com os fatos. Isso, porm, para comear, desmorona (defeats) todo o propsito de ter crenas. Uma crena to boa ou to ruim quanto outra se no vamos nos importar se ela se ajusta aos fatos como os conhecemos. Nesse caso no vamos mais considerar a verdade ou a falsidade como relevantes para nossas crenas. Mais uma vez, porm, no fica claro o significado de ter uma crena se consideramos que sua verdade ou falsidade no so relevantes.6. Podemos controlar as nossas crenas?

A verdade sobre esse tpico controlamos nossas crenas? - parece estar entre esses dois extremos: nossas crenas no podem ser ligadas e desligadas vontade; mas elas esto at certo ponto sob nosso controle. Podemos formar hbitos de pensamento que modificaro nossas crenas, para o bem ou para o mal, e a formao de tais hbitos certamente voluntria. ainda mais claro que podemos nos apegar a crenas ameaadas; isso pode ser conveniente para ns, para a preservao de nossa auto-imagem, por exemplo. Mas essa atitude, pelo fato de exigir de ns um certo desconhecimento ou alheamento da realidade objetiva, pode nos custar caro.

Podemos falar, para melhor entender esse tpico sobre as caractersticas de nossas crenas, em uma distino trplice: motivos para a crena (no mbito da psicologia), razes para a crena (no mbito de explicaes objetivas), causas da crena (no mbito da histria, antecedentes e relaes causais). Estamos restringindo 'razes para a crena', no presente contexto, ao seguinte significado: razes enunciveis, da verdade das quais seguir-se-ia, com certeza ou com probabilidade, que a crena verdadeira. Motivos, por outro lado, no nos fornecem razes para a crena. Um torcedor do Grmio que, por fora maior, senta na torcida do Inter durante um Grenal de final de campeonato, ter bons motivos para comemorar o gol de seu time. Mas possvel que no faa isso, por uma boa razo.

Todo o tipo de coisas pode causar as crenas: uma crena de que os cachorros pretos so especialmente perigosos pode ser rastreada at um esquecido medo de infncia, ou a crena de que um homem seu inimigo mortal pode ser devida a uma doena cerebral. Claramente, no temos aqui nem um motivo nem uma razo para crer.

s vezes uma crena adotada por motivos que no fornecem razes, ou surge por alguma causa psicolgica ou fisiolgica independentemente de quaisquer razes, mas o crente posteriormente fantasia razes em apoio da crena. Este processo chamado racionalizao.

H um ponto que precisa ficar bem enfatizado. Vou aqui retomar o texto estudado de Artur Danto. As nossas crenas no so meros estado da nossa mente. Quando acreditamos em algo estamos, de modo geral, dispostos a agir de forma coerente com essas crenas. Se acredito que minha filha est em perigo, vou tomar as providncias adequadas. Se eu ficar indiferente ao riscos que ela corre, bom ter uma boa explicao para isso: motivo, razo ou causa? Se eu sei que ela no corre perigo, mas mesmo assim me comporto como se estivesse, minhas aes esto em descompasso com os fatos. Qual a finalidade de se ter crenas? Mas veja: seria possvel viver sem ter crenas?

Controlamos as nossas crenas? Podemos acreditar apenas naquilo que nos convm? Uma crena ser to boa ou to ruim quanto outra se no nos importamos se ela se ajusta aos fatos como os conhecemos. Nesse caso no vamos mais considerar a verdade ou a falsidade como relevantes para nossas crenas. Mas nesse caso no fica claro o significado de uma pessoa ter uma crena, se ela consideramos que sua verdade ou falsidade no importa.

Primeiro exerccio: Um lobo viu um cordeiro bebendo gua no rio e quis devor-lo. Para isso, ofereceu ao cordeiro um/a ................ . Assim, colocou-se mais acima, no riacho, e depois acusou-o de sujar a gua e no permitir-lhe beber. O cordeiro disse que bebia com muito cuidado, e, alm disso, no possvel do lado de baixo sujar a gua do lado de cima. O lobo, falhando na acusao, disse: "Mas no ano passado voc injuriou meu pai". O cordeiro disse que nessa poca nem tinha nascido. O lobo retrucou: "Voc tem ................... de mais, mas no te comerei de menos". Preencha as lacunas e justifique.Segundo exerccio de imaginao: Trs pessoas torcem pelo Inter, mesmo depois de uma derrota de 5 a Zero. Uma por motivos, outra por razes, outra por causas. Explique a diferena.

Terceiro exerccio de imaginao: Trs casais se casam: um por motivos, outro por causas, outro por razes. Explique a diferena.

Quarto exerccio de imaginao: Trs vendedores de balco destacam-se em sua atividade, por bem tratarem os clientes. Um, por motivos, outro por causa, outro por razes. Explique a diferena.