montagem ucrônica leonardo souza 2014
DESCRIPTION
Este trabalho trata de formas de agenciamento entre Arte e Tecnologia.Partindo da pergunta de Pimentel (2011) sobre como a tecnologia digital podeampliar conhecimentos específicos do campo artístico, foi encontrado, no eixoconceitual de Couchot (1999), a proposta de que modelos artísticos e tecnológicossejam transcendidos. Impulsionada pela prática artística, a reflexão sobre a noçãode desterritorialização em Deleuze (2005) e em sua coautoria com Guattari (2008;2011) foi relacionada a uma forma de transcendência de modelos no processo decriação. Para a adequação do tratamento da desterritorialização enquanto forma detranscendência, são levantadas correlações entre modelo computacional e territórioartístico, agenciamento e autonomia tecnológica, buscando caracterizar o diálogo decriação com tecnologias propositoras de sentido na criação artística, chamadas aquide tecnologias rizomórficas.Com base em tais correlações, observou-se asdesterritorializações das noções de tempo, imagem, sujeito e obra audiovisualprovenientes do agenciamento com tecnologia rizomórfica. Com isso, foi possíveldemonstrar que na noção de tempo residia o ponto de articulação das noções deimagem, sujeito e obra, gerando implicações, com sua desterritorialização, naampliação da noção de montagem e composição em Arte, possibilitando, assim, aconstrução da noção de montagem ucrônica.TRANSCRIPT
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Leonardo da Silva Souza
Montagem Ucrnica:
Uma abordagem para o agenciamento entre Arte e Tecnologia nas artes audiovisuais
Universidade Federal de Minas Gerais
Escola de Belas Artes
Mestrado em Artes
2014
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Leonardo da Silva Souza
Montagem Ucrnica:
Uma abordagem para o agenciamento entre Arte e Tecnologia nas artes audiovisuais
Dissertao apresentada ao Programade Ps-Graduao em Artes da Escolade Belas Artes da Universidade Federalde Minas Gerais como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre emArtes.
rea de Concentrao: Arte e Tecnologia da Imagem.
Orientadora
Prof. Dr. Lucia Gouva Pimentel
Belo Horizonte
Escola de Belas Artes/UFMG
2014
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FOLHA DE APROVAO
folha de aprovao
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AGRADECIMENTOS
Agradeo enormemente equipe da Associao Imagem Comunitria e OI
KABUM!, a orientao de Lucia Pimentel, aos professores Carlos Falci e Eduardo de
Jesus pelas enormes contribuies, aos meus pais e familiares pelo incentivo e por
toda ajuda, ao Maurcio, quem contribuiu para que tudo isso tivesse incio e
Donizete pela inspirao.
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Resumo: Este trabalho trata de formas de agenciamento entre Arte e Tecnologia.Partindo da pergunta de Pimentel (2011) sobre como a tecnologia digital podeampliar conhecimentos especficos do campo artstico, foi encontrado, no eixoconceitual de Couchot (1999), a proposta de que modelos artsticos e tecnolgicossejam transcendidos. Impulsionada pela prtica artstica, a reflexo sobre a noode desterritorializao em Deleuze (2005) e em sua coautoria com Guattari (2008;2011) foi relacionada a uma forma de transcendncia de modelos no processo decriao. Para a adequao do tratamento da desterritorializao enquanto forma detranscendncia, so levantadas correlaes entre modelo computacional e territrioartstico, agenciamento e autonomia tecnolgica, buscando caracterizar o dilogo decriao com tecnologias propositoras de sentido na criao artstica, chamadas aquide tecnologias rizomrficas.Com base em tais correlaes, observou-se asdesterritorializaes das noes de tempo, imagem, sujeito e obra audiovisualprovenientes do agenciamento com tecnologia rizomrfica. Com isso, foi possveldemonstrar que na noo de tempo residia o ponto de articulao das noes deimagem, sujeito e obra, gerando implicaes, com sua desterritorializao, naampliao da noo de montagem e composio em Arte, possibilitando, assim, aconstruo da noo de montagem ucrnica.
Palavras-chave: Montagem ucrnica, audiovisual, desterritorializao, mediaotcnica.
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Abstract: This work adresses the way of agency between Art and technology. Fromthe question of Pimentel (2011) on how digital technology can widen specificknowledge of the artistic field, this work found in the conceptual axis of Couchot(1999) the proposal that, for the purposes of that question, artistic and technologicalmodels should be transcended. Driven by artistic practice, the presented workproposes that in Deleuze (2005) and Guattari (2008; 2011) the notion ofdeterritorialization should be dealt as a form of transcendence of models. To ensureadequate treatment of deterritorialization as a form of transcendence, correlationsbetween computational model and artistic territory, agency and technologicalautonomy are described, characterizing the creation dialog with technologies thatpropose sense in artistic creation, called here rizomorfic technologies. Based onthese correlations, the deterritorializations of time, image, subject and audiovisualwork from the agency with rizomrfica technology have been observed. Thus, it waspossible to demonstrate that the notion of time stands for the articulating point ofimage, subject and artwork notions widening, through its deterritorialization, thenotions of mountage and composition in audiovisual art, thus, enabling theconstruction of the notion called uchronic montage.
Keywords: Uchronic montage, audiovisual, deterritorialization, technical mediation.
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LISTA DE FIGURASFigura 1 Esboo dos mltiplos fluxos temporais gerados ao final do processo.................................16Figura 2 Pinturas tomadas como referncia para a concepo do modelo de pintura......................18Figura 3 Exploraes dos agentes autnomos em um mapa de caminhamentos de trao simples..20Figura 4 Parametrizao computacional das pinceladas de Van Gogh.............................................21Figura 5 Detalhe do volume de tinta na pintura de Van Gogh e da simulao de volume de tinta.. . .22Figura 6 Estudos de cor para a pintura baseada em Van Gogh........................................................22Figura 7 Comparativo entre esboo e pintura com a incorporao de arestas acentuadas..............23Figura 8 Extrapolao, por parte dos agentes autnomos, dos modelos criados..............................25Figura 9 Esboo com arestas acentuadas a partir da personagem principal....................................26Figura 10 Comparao entre os esboos de Van Gogh e os modelados computacionalmente........26Figura 12 Imagem proveniente do ltimo modelo desenvolvido na pesquisa....................................28Figura 13 Um mesmo frame do animtico associado a falas diferentes............................................30Figura 14 Esboo de uma formiga e de um pssaro.........................................................................31Figura 15 Imagem fonte j com caractersticas da pintura que ser realizada posteriormente.........34Figura 16 Timeline e playlists nos softwares testados.......................................................................35Figura 17 Timeline de mltiplos fluxos temporais no software Adobe Encore CS6...........................36Figura 18 Ilustrao da noo de linha do tempo..............................................................................37Figura 19 Fase final da timeline vista de perto..................................................................................37Figura 20 Sequncia de montagem em um software de edio de vdeo.........................................38Figura 21 - Linha de escape em uma timeline vista de perto...............................................................38Figura 22 Linha espessa que forma o emaranhado temporal ou uma raiz com suas ramificaes...39Figura 23 Trs modelos de fluxos temporais para montagem...........................................................40Figura 24 Tela do software desenvolvido, rastro espesso com diversas propagaes temporais.....41Figura 25 Incio de um fluxo de montagem........................................................................................42Figura 26 Segunda parte de um primeiro fluxo de montagem autnoma..........................................43Figura 27 Emaranhado formado pelo fluxo dos agentes autnomos.................................................44Figura 28 Na continuidade da montagem, os agentes autnomos geraram esse emaranhado........44Figura 29 Imagem final de um dos fluxos de montagem...................................................................45Figura 30 Fluxo final de montagem...................................................................................................45Figura 31 Incio de um segundo fluxo montado autonomamente pelo software desenvolvido..........46Figura 32 Repetio do fluxo inicial de montagem............................................................................47Figura 33 Deciso de montagem alternativa.....................................................................................47Figura 34 Forma proveniente de uma deciso autnoma de montagem que gerou uma elipse.......48Figura 35 Continuidade do fluxo anterior...........................................................................................48Figura 36 Frame extrado de uma etapa intermediria do fluxo apresentado...................................49Figura 37 ltima parte do fluxo apresentado.....................................................................................49Figura 38 Retomada do fluxo final de montagem..............................................................................50Figura 39 - Modelo dos mltiplos fluxos temporais para a montagem autnoma exibida anteriormente............................................................................................................................................................... 51Figura 40 Correlao entre a interface de montagem e a notao tcnica de montagem.................56Figura 41 - Mltiplos fluxos temporais para os fragmentos do Experimento Woyzeck.........................57Figura 42 Montagem de mltiplas sadas proveniente de uma mesma cena inicial..........................57Figura 43 Montagem de mltiplas entradas de fluxos temporais.......................................................58Figura 44 Montagem de fluxo alternativo na montagem de multiplicidades......................................58Figura 45 Montagem de vrios incios na montagem de multiplicidades...........................................59Figura 46 Montagem de vrios fins na montagem de multiplicidades...............................................59Figura 47 Montagem de loop na montagem de multiplicidades.........................................................60Figura 48 Pssaro voando no plano onrico, momento inicial da montagem.....................................62Figura 49 Personagem principal em seu plano onrico ao final do momento introdutrio..................63Figura 50 Devaneio, do ponto de vista subjetivo, de uma formiga andando no plano onrico...........63Figura 51 Ponto de vista da formiga que encontra um enorme co..................................................64Figura 52 Personagem principal em seu plano onrico......................................................................64Figura 53 Expresso corporal da personagem principal....................................................................65Figura 54 Pssaro prestes a levantar voo rumo paisagem.............................................................65Figura 55 Formiga andando rumo parede......................................................................................66Figura 56 Formiga e pssaro presos no devaneio onrico.................................................................66Figura 57 Modelagem temporal da montagem de multiplicidades para O Suicidado da Sociedade. 69
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Figura 58 Noo de sucesso na sua perspectiva tradicional.........................................................107Figura 59 Mltiplas possibilidades de instantes para um mesmo momento do agora.....................108Figura 60 Outro exemplo de sucesso com vrios agora para um mesmo antes e depois.............109Figura 61 Sentido assncrono pelo transtorno temporal..................................................................110
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SUMRIO
INTRODUO.................................................................................................................9
CAPTULO 1: DILOGOS ENTRE ARTE E TECNOLOGIA NO PROCESSO DE CRIAO DE O SUICIDADO DA SOCIEDADE............................................................................................14
1.1 Concepo preliminar da obra O Suicidado da Sociedade...................................14 1.2 A pintura em movimento no processo de criao com agentes autnomos.......17 1.3 Relaes de montagem entre imagens e sons nesse processo artstico............28
1.3.1 Experimento sonoro com animtico................................................................29 1.3.2 Material bruto para uma experincia de montagem audiovisual...................30
1.4 Experimento tecnoesttico para a concepo da montagem de multiplicidades351.4.1 A implementao computacional da montagem realizada autonomamente por computador..........................................................................................................51
1.4.2 Experimento Woyzeck.......................................................................................56 1.5 A montagem de multiplicidades em O Suicidado da Sociedade...........................61
CAPTULO 2: DESTERRITORIALIZAES DE ARTE E TECNOLOGIA NO PROCESSO DE CRIAO DE O SUICIDADO DA SOCIEDADE.....................................................................70
2.1 Rizoma e tecnologias rizomrficas..........................................................................70 2.2 Modelos: tecnolgico e artstico..............................................................................74 2.3 Agenciamento e ao autnoma computacional....................................................86
CAPTULO 3: MONTAGEM UCRNICA.............................................................................94
3.1 Noes preliminares.................................................................................................94 3.1.1 Experincia com tempo.....................................................................................96 3.1.2 Composio e montagem no tempo..............................................................100
3.2 Da desterritorializao tecnolgica do tempo ampliao de noes em Arte 104
CONSIDERAES FINAIS.............................................................................................115
REFERNCIAS............................................................................................................121
APNDICE A APRESENTAO DO EXPERIMENTO WOYZECK........................................125
ANEXO A - DISCO DVD COM MATERIAL AUDIOVISUAL RELATIVO PESQUISA..................127
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9INTRODUO
Situado na reflexo acerca do dilogo entre tecnologias contemporneas e
prticas artsticas, este trabalho apresenta uma abordagem para a contribuio da
tecnologia digital no campo da Arte. Partindo da pergunta de Pimentel (2011) sobre
como a Tecnologia pode ampliar conhecimentos especficos do campo artstico, este
trabalho prope relacion-la proposta de Couchot (1999), que indica que para os
fins daquela pergunta, modelos artsticos e tecnolgicos sejam transcendidos.
Assim, trata-se de verificar a transcendncia de modelos como forma de ampliao
de conhecimentos em Arte.
Impulsionada pela prtica artstica no campo das artes audiovisuais, a
reflexo apresentada prope que a noo de desterritorializao, em Deleuze e
Guattari (2008; 2011), seja tratada como uma forma de transcendncia de modelos
artsticos e tecnolgicos, para que se chegue ampliao das noes envolvidas.
Nesse sentido, o movimento de territorializao e desterritorializao, descrito por
Deleuze e Guattari, so formas de ampliao de sentido no pensamento nmade
desses autores e sero relacionados ao desenvolvimento do pensamento de
montagem e composio audiovisual.
Para adequar a desterritorializao como forma de transcendncia, so
levantadas correlaes entre modelo computacional e territrio artstico,
agenciamento e autonomia tecnolgica, buscando caracterizar o dilogo de criao
com tecnologias propositoras de sentido na criao artstica. Assim, dos elementos
que integram o pensamento nmade de Deleuze e Guattari (2008; 2011), dizem
respeito a este trabalho as noes de agenciamento, de rizoma e, sobretudo, a
noo de modelo artstico e tecnolgico.
Na investigao realizada para esta dissertao, foi desenvolvido um
software que implementa o rizoma enquanto uma rede de agentes computacionais
autnomos, os quais tomam decises de montagem. Tal software possibilitou a
prtica da modelagem do tempo a partir da qual a montagem autnoma se d. Esse
software impulsionou a reflexo sobre a influncia do tempo na composio e
montagem autonomamente realizadas por computador. Nesse contexto, chamou-se
de tecnologia rizomrfica a modelagem das possibilidades expressivas em
comportamentos computacionais. Tal tecnologia caracteriza-se como uma relao
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com o software, e no o software mesmo.
O processo de criao artstica do audiovisual O Suicidado da Sociedade
tratado como um ponto de partida, o qual prope observar a transcendncia do
modelo tradicional de tempo, relacionando-o s noes de montagem e composio.
A relao entre tempo, montagem e composio abordada, nas artes audiovisuais,
pela perspectiva de Jacques Aumont (2004) e em sua parceria com Michel Marie
(2003) e a relao com tecnologias pela perspectiva de Couchot (1999; 2003).
Nessa articulao entre o tempo, a montagem e a composio da imagem
computacional so solicitados estudos da relao entre a montagem no cinema e a
composio na pintura, formas expressivas envolvidas na criao da obra O
Suicidado da Sociedade. Entrelaando a composio da imagem digital e pictrica e
sua montagem no tempo, os conceitos abordados na relao cinema e pintura so
relacionados aos estudos de Andr Bazin (1999) e Jacques Aumont (2004). J o
tratamento do tempo, na sua perspectiva desterritorializada, transcendida e por isso
ampliada, uma noo de Deleuze (2005) e em sua parceria com Guattari (2008;
2011).
Mais especificamente, o presente trabalho trata da ampliao de noes de
montagem e composio nas artes audiovisuais provocadas pelo agenciamento
autnomo por agentes computacionais. Para esse propsito a seguinte pergunta
levantada: como o agenciamento faz com que Tecnologia e Arte sejam
transcendidas e, uma vez que o modelo de tempo transcendido pelo agenciamento
de tais domnios, quais suas implicaes nas noes de montagem e composio?
Para a ideia de uma montagem baseada na noo de tempo hbrido de Tecnologia e
Arte, ou de um tempo transcendido, deu-se o nome de montagem ucrnica. A
montagem ucrnica tem tanto possibilidades de montagem maqunica, quanto de
composio artstica, instalando, a partir da, a multiplicidade expressiva do/no e
sobre o tempo.
Considerando que essa discusso se d no terreno da expresso artstica,
sempre que for citado o termo possibilidades, ele corresponde s possibilidades
expressivas que provocam percepes diferenciadas.
Este trabalho composto por uma dissertao com uma introduo, trs
captulos subsequentes, consideraes finais, referncias, um apndice e em anexo
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um disco DVD contendo o software desenvolvido e o material audiovisual. As figuras
cuja autoria no estiver explicitada so de autoria de Leonardo Souza.
No Captulo 1 descrito o processo de criao artstica do audiovisual O
Suicidado da Sociedade, levantando elementos para a reflexo proposta. So
apresentados diversos experimentos tecnoestticos que foram realizados para que a
concepo de montagem ucrnica fosse desenvolvida. Primeiramente descrito
como a busca pela automatizao da animao levou autonomia da pintura
realizada por computador. Em seguida, no primeiro experimento, foi investigada a
relao entre imagem e som na montagem da pintura em movimento de um
documentrio animado. Ali demonstrada a relao com o som nas entrevistas
animadas e tambm descrito o percurso de apropriao sonora pela montagem.
Em um segundo experimento, investigada a relao entre o tempo, a montagem e
a composio da pintura em movimento. Nessa segunda proposta, desenvolve-se a
noo de uma montagem de mltiplos fluxos temporais, investigada atravs da
ampliao das noes de linha de tempo. No subcaptulo seguinte desecreve-se em
detalhes tcnicos a implementao computacional que possibilitou a modelagem do
tempo na montagem autonomamente realizada por computador. Em um terceiro
experimento, tratou-se de pesquisar a criao de sentido envolvida na remontagem
de um mesmo conjunto de imagens audiovisuais em ordens, ou fluxos temporais,
distintos. Este subcaptulo tem detalhamentos no apndice deste documento, onde o
a obra Woyzeck descrita com mais detalhes. Ao final, a montagem desenvolvida
para O Suicidado da Sociedade acumula caractersticas dos vrios experimentos de
composio e de montagem, exibindo elementos da desterritorializao da
tecnologia na criao artstica. Desde a concepo pictrica baseada em Van Gogh
executada pelo software, at as diversas associaes entre imagens e sons, O
Suicidado da Sociedade prope experienciar o domnio da cocriao artstico-
tecnolgica, atravs da composio e montagem autonomamente realizada por
computador.
No captulo 2 apresentada a correlao entre modelo e territrio,
agenciamento e autonomia tecnolgica, e so descritas as caractersticas da
desterritorializao. Para isso, partiu-se de noes de Gilles Deleuze (2005; 2008;
2011), Flix Guattari (2008; 2011), Jacques Aumont (2003; 2004) e Edmond Couchot
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(1999; 2003) relacionando-as s provocaes sobre as tenses nos territrios da
Arte e Tecnologia pontuadas por Philipe Quau (1999), Andr Parente (1999),
Rogrio Luz (1999) e Lucia Pimentel (2011; 2013). A modelagem em rizoma
tratada como a ao humana no dilogo com tecnologias rizomrficas. J o
agenciamento tratado como a ao coletiva entre homem e agentes autnomos
que desterritorializa montagem e composio. Com esses conceitos, a montagem e
composio autonomamente realizada por computador so apresentadas e
discutidas suas formas de correlacionar Tecnologia e Arte.
Nesse captulo, constri-se, a partir de Deleuze e Guattari, uma forma de
interpretar a transcendncia de modelos artsticos e tecnolgicos para a ampliao
de conhecimentos em Arte. Como pressuposto dessa construo assumido o
movimento caracterstico do pensamento de Deleuze e Guattari (2008; 2011)
apresentado nos cinco volumes de Mil Plats. Esse movimento definido pela
noo de um pensamento nmade, o que vem caracterizar um constante
deslocamento para a criao de sentido. Esse pensamento nmade o impulso
para os deslocamentos propostos por Deleuze e Guattari no que eles chamaram de
misso construtivista na histria das contingncias. A misso construtivista apontada
para Mil Plats apresenta-se atravs do ato de se construir a multiplicidade como
base para um pensamento. Em uma interpretao dos autores, a multiplicidade tem
sido tomada apenas como uma mera caracterstica daquilo que tem vrias formas
de ser, mas ela poderia existir enquanto tal e por si mesma, na medida em que fosse
considerada como uma base para toda relao com o mundo. Isso se d quando a
multiplicidade compreendida no como adjetivo uma coisa mltipla mas
enquanto substantivo que, a partir de um deslocamento, se possa perceber a
multiplicidade em todas as coisas. Assim, a multiplicidade a base para o
tratamento da desterritorializao como forma de transcendncia.
Ainda no segundo captulo, so apresentados breves panoramas sobre a
influncia dos modelos de tempo na montagem e na composio hbrida entre
pintura e cinema, formas expressivas envolvidas em O Suicidado da Sociedade.
Tambm apresentada a ideia de um sujeito coletivo no agenciamento entre
Tecnologia e Arte, a qual sustentada pela noo de que, quando em contexto de
criao artstica com tecnologia computacional, as aes autnomas da tecnologia
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tm seus prprios objetivos e esses objetivos so compartilhados pelo homem.
Nesse coletivo de propsitos expressivos, surge um sujeito hbrido entre homem e
tcnica, o qual Couchot(2003) chama de sujeito-ns.
No Captulo 3 apresentada a ampliao da noo de montagem atravs da
desterritorializao da noo de tempo, definindo, assim, o conceito de montagem
ucrnica. Para delinear a montagem ucrnica, parte-se de definies preliminares do
modelo de tempo relativo composio e montagem audiovisual. Uma vez que
foram caracterizadas preliminarmente, prope-se observar as consequncias da
desterritorializao do tempo nas noes de montagem e composio. Com essas
consequncias descritas, define-se uma reviso da noo de montagem ampliando-
a pela noo de montagem ucrnica, a qual parte da noo desterritorializada de
tempo.
Nas consideraes finais so levantados os principais desdobramentos
provenientes desse processo de reflexo, apontando desdobramentos futuros. Nela,
o problema inicial pontuado por Pimentel (2011) sobre como a Tecnologia pode
ampliar conhecimentos especficos em Arte retomado, incorporando a proposta de
Couchot (2003), observando de que forma a transcendncia do modelo tradicional
de tempo gera ampliaes das noes de montagem e composio no domnio da
Arte.
Por fim so apresentadas as referncias que fundamentaram esse processo
de reflexo, incluindo, alm das obras citadas, notas de aula e publicaes
indiretamente relevantes para essa pesquisa. Tambm, no apndice A, descrito
com maiores detalhes as caractersticas da obra Woyzeck que motivaram a
realizao do Experimento Woyzeck apresentado ao longo do Captulo 1.
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CAPTULO 1: DILOGOS ENTRE ARTE E TECNOLOGIA NO PROCESSO DE CRIAO DE O SUICIDADO DA SOCIEDADE
1.1 Concepo preliminar da obra O Suicidado da Sociedade
Concebida inicialmente como um documentrio de animao, O Suicidado da
Sociedade1 uma obra audiovisual que apresenta uma relao entre o real, o
onrico e a fico a partir do registro documental de Donizete (1954 2005),
personagem que viveu condicionado situao de no diferenciar sonho de
realidade, se matando enquanto acordado, mas continuando vivo em seus sonhos.
Devido aproximao da histria de Van Gogh (1853 1890) com a vida da
personagem em questo, as obras desse pintor impressionista foram tomadas como
referncia visual para o documentrio. Os elementos que permitem tal aproximao
foram descritos primeiro por Antonin Artaud (1987) em seu livro intitulado Van Gogh,
O Suicidado da Sociedade. Preliminarmente, a aproximao entre sonho e
realidade, caracterstica da vida de Donizete, seria fabulada em documentrio,
animando a pintura impressionista de Van Gogh. A tcnica dessas pinturas
impressionistas referenciaria quelas nos autorretratos do pintor Vincent Van Gogh,
propondo dar movimento pintura do holands, fabulando, a partir de imagens
documentais, o universo onrico onde Donizete ainda vive. Esboado assim, o
documentrio de animao potencialmente provocaria a experincia no campo
hbrido de uma narrativa documental com imagens animadas. Mas essa concepo
preliminar chegou a duas tenses: uma a respeito da viabilidade da pintura da obra
e outra na qual se questionaria a possibilidade de tal obra vir a existir enquanto um
nico fluxo narrativo audiovisual.
O problema sobre a viabilidade de animar a pintura impressionista implicaria
em oito anos2 de pintura em rotoscopia3 para cada frame, considerando os mais de
10.800 frames que integraram o material bruto pr-selecionado4. A animao de tais
pinturas se tornaria ainda mais invivel se fosse levado em considerao que o autor1 Disponvel em https://sites.google.com/site/montagemaudiovisual/home/montagem-cronotopica2 Levando em considerao um dia de oito horas de trabalho e um ano de 252 dias teis com
somente um pintor em trabalho em um perodo de uma hora e meia por frame. Note que o tempomdio permite considerar que alguns frames demorariam mais e outros menos.
3 Rotoscopia uma tcnica de animao na qual a pintura e ou o desenho ocorrem sobre aimagem fotogrfica que constitui um frame da imagem em movimento.
4 Equivalente a 15 minutos em uma taxa de 12 frames por segundo
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de cada uma delas no era um desenhista ou pintor iniciado.
Diante do problema da pintura de milhares de frames, considerando uma
equipe de um nico homem no-pintor, fez-se necessrio um estudo sobre as
possibilidades de automatizao da pintura. Na busca pela automatizao
computacional da animao de pintura de milhares de frames, encontrou-se a
autonomia computacional de pintura que impulsionou o experimento com a imagem
digital, ampliando seu campo de possibilidades expressivas. Tal autonomia
possibilitou, entre homem e mquina, um dilogo na criao da pintura em
movimento, em que o papel humano foi a criao de um campo de possibilidades
pictricas modeladas computacionalmente e o papel do software, explorar essas
possibilidades, pintando autonomamente uma imagem. Embora o homem criasse o
campo de possibilidades a serem exploradas, nesse dilogo o software explorou
alternativas de pintura no previstas pelo homem em sua modelagem inicial. Essa
extrapolao impulsionou a ampliao do campo de possibilidades criado. Tal
ampliao correspondeu a uma espcie de traduo inversa, no a de transformar
aes de pintura em parmetros computacionais, mas a de traduzir possibilidades
computacionais que viessem a criar sentido na pintura em movimento.
A segunda tenso indicada levou a concepo inicial de O Suicidado da
Sociedade ao seu limite. Referenciando os mltiplos fluxos de existncia da vida da
personagem, a obra deveria se apresentar em mltiplos fluxos narrativos. Tal
requisito no era atendido totalmente pelos recursos disponveis dos softwares
existentes para montagem audiovisual. O personagem Donizete transitava por dois
mundos, um onrico e outro no qual ele era um paciente psiquitrico, vtima da
degradao de manicmios no estado de Minas Gerais. Nesse trnsito, as
implicaes entre passado, presente e futuro no seguiam uma sequncia de
causalidade, apresentando-se como um transtorno temporal, o que possibilita
acessos ao futuro, presentificaes do passado e reordenaes entre presente,
passado e futuro. No caso da montagem, pretendeu-se que, a cada vez que ela
fosse experienciada, pudesse provocar, com algum grau de autonomia, experincias
diferenciadas com a percepo de antes, agora e depois. Foi realizado um esboo
(Figura 1), inspirado nos diversos fluxos existenciais do personagem de O Suicidado
da Sociedade, que ilustra um mapeamento dessas mltiplas conexes em mltiplos
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fluxos de montagem. Tais fluxos sero apresentados nos subcaptulos seguintes
como resultantes do dilogo com a autonomia computacional na proposio de
sentido artstico.
Figura 1 Esboo dos mltiplos fluxos temporais gerados ao final do processo.
Ao final do processo de criao com agentes computacionais autnomos, foidesenvolvida uma tecnologia capaz de montar audiovisual em mltiplosfluxos temporais. Essa figura apresenta um esboo dos cruzamentos entrediversos fluxos narrativos que formam um loop entre o sonho e a realidadena vida da personagem da obra referenciada.
Com esse paralelo entre fluxo existencial e fluxo narrativo, esperou-se que a
montagem pudesse relacionar no uma imagem a um som, mas, principalmente na
conduo de rupturas no fluxo temporal de imagens e sons, mltiplas associaes
entre esses dois. Ambas as tenses, aquela sobre a viabilidade da pintura e essa
ltima sobre a montagem da obra, levaram o processo artstico para diversas
experimentaes que redefiniram sua concepo inicial.
Provocados pela autonomia computacional no experimento sobre pintura
autnoma, novos experimentos propuseram uma relao semelhante, no s para a
composio de pintura digital no espao da imagem, mas tambm para a montagem
temporal das pinturas em movimento. Diferente do campo de possibilidades
pictricas requerido na pintura autnoma, a modelagem na montagem autnoma
temporal especificou multiplicidades de associaes entre imagens e sons, por meio
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dos diversos fluxos temporais que os relacionam. Agentes autnomos
computacionais decidiram, dentre associaes possveis especificadas pelo homem,
a explorao de associaes no previstas. Tais decises geraram tambm o efeito
de traduo inversa, em que aes de montagem audiovisual realizadas
autonomamente pelo software e no previstas pelo homem, provocaram novas
ideias sobre a montagem da obra em questo.
Para atender s demandas desse processo criativo impulsionado pela
autonomia computacional, foi desenvolvido um software que prope, da mesma
forma que a pintura em movimento citada, a autonomia computacional para a
montagem audiovisual. E, assim como na pintura das imagens, ocorreram
contribuies s noes de montagem no dilogo de criao com agentes
autnomos. O dilogo proposto, entre homem e agentes computacionais
autnomos, contribuiu no s para a ampliao de noes de pintura e tempo, mas,
sobretudo, para a ideia de que a tecnologia se tornou uma relao provocada pelo
software, e no o software em si.
Aps as ampliaes do experimento artstico, provocadas pelo dilogo com
agentes autnomos, a obra O Suicidado da Sociedade no se restringiu ao gnero
documentrio estabelecido inicialmente para uma exibio tradicional em sala de
cinema, mas foi ampliado para o domnio de uma obra hbrida de pintura e cinema,
humana e computacional e de uma concepo temporal mltipla sem incio nem fim.
1.2 A pintura em movimento no processo de criao com agentes autnomos
Em um primeiro momento do processo de pintura, foram estudadas
caractersticas relevantes das obras de Van Gogh. Tal estudo apropriou-se, j nas
prticas da pintura autonomamente realizada por computador, dos traos
caractersticos da obra de Van Gogh. Os diversos elementos da pintura do artista
holands foram trabalhados a partir dos estudos apresentados em Van Gogh at
Work (2013) e Van Gogh Studio Practice (2013). Durante os experimentos
realizados, os elementos foram trabalhados, em sua maioria, a partir da observao
de algumas obras de Van Gogh que se tornaram referncias fundamentais para o
desenvolvimento da pintura autnoma.
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Figura 2 Pinturas tomadas como referncia para a concepo do modelo de pintura.
Fonte: Van Gogh at Work (2013)
O processo de criao artstica tomou como referncia os seguintes desenhos
e pinturas5 de Van Gogh: Estatueta do emplastro de um cavalo de 1886 (Figura 7),
as pinturas Cabea de uma mulher de 18856 (Figura 2 direita e abaixo),
autorretrato com cachimbo e chapu de palha de 18877 (Figura 2 direita e acima),
5 h ttps://sites.google.com/site/montagemaudiovisual/home/montagem-cronotopica6 leo sobre tela 43 x 30 cm7 leo sobre tela 42 x 30 cm
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autorretrato com chapu de feltro de 18888 (Figura 2 esquerda e acima) e
autorretrato com cachimbo de 18869 (Figura 2 esquerda e abaixo).
Na busca por uma alternativa que permitisse, em tempo vivel, a pintura dos
milhares de frames baseada nas pinturas de Van Gogh, trabalhou-se com a
automatizao de pintura no terreno da imagem digital. Foram testados tanto
softwares mais conhecidos como Photoshop, In-Design e Corel Draw, como tambm
efeitos desenvolvidos para simular a pintura sobre um frame de vdeo. Mas todas
essas alternativas apresentaram o mesmo problema: se uma mesma imagem
passasse pelo processo de pintura automatizada duas ou trs vezes, isso resultaria
em uma pintura final idntica todas as vezes. Tal fato fez com que a pintura realizada
se assemelhasse a um efeito de pintura, deixando que caractersticas maqunicas e
algortmicas sobressassem visualmente s aes de pintura. Como alternativa a
esse problema, optou-se no por um software que automatizasse a pintura, mas por
um agente computacional com certo grau de autonomia para pintar uma mesma
imagem de vrias formas diferentes. Assim, na busca pela automatizao da
imagem, criou-se um experimento pela alternativa da autonomia tecnolgica.
A alternativa que mais provocou reflexes acerca da autonomia da pintura por
computador foi encontrada na relao proposta pelo software Studio Artist10. Este
software simula a pintura em movimento e pinta autonomamente e no
automaticamente11 os milhares de frames necessrios. Mas ele criou uma
exigncia, uma nova forma de lidar com software: para que ocorresse a pintura
autnoma seria necessrio que o homem criasse, antes, um modelo de pintura para
que o software buscasse ali possibilidades pictricas e as explorasse. O modelo que
estabelece computacionalmente o territrio pictrico um requisito, uma porta de
entrada para que seja estabelecido o dilogo entre homem e mquina. Por fim, no
decorrer da pesquisa sobre automatizao da pintura de vrios frames, encontrou-se
um agente que no s simula as matrias-primas do pintor, mas que tem graus de
8 leo sobre tela 44 x 37,5 cm9 leo sobre tela 46 x 30 cm10 Disponvel em http://synthetik.com/ 11 Segundo Nth (2001) embora etimologicamente o termo automtico signifique por conta prpria,
ele no abrange a noo de um si prprio. O termo autnomo, que remete aos autmatos,indica no s um si prprio por conta prpria, mas tambm diz respeito s capacidades deuma mquina para automaticamente influenciar um ambiente com autorreferncia e, sobretudo,propondo finalidades potencialmente poticas para suas aes, no lugar de simplesmenteexecut-las.
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autonomia na criao de uma forma de pintar.
Os modelos propostos no Studio Artist so o conjunto de trs elementos: as
possibilidades de aes de pintura, uma imagem fonte e um mapa de
caminhamentos possveis nessa imagem. As aes de pintura, por sua vez, so
compostas por parmetros que simulam tinta, pincel, ataque, velocidade, interao
com outras aes paralelas de pintura e com as superfcies de pintura. A imagem
fonte uma fotografia ou os frames de um vdeo a partir dos quais os agentes
autnomos pintam. O mapa de caminhamento so possibilidades de direes e de
traos de pinceladas em cada segmento da imagem (Figura 3).
Figura 3 Exploraes dos agentes autnomos em um mapa de caminhamentos de trao simples.
Cada figura foi sobreposta explorao anterior e cada uma delas foi marcada por uma cor distinta.Nenhum dos rastros foi previsto pelo modelo criado cuja modelagem no especificava umcaminhamento aleatrio. No entanto, medida que percorriam a forma que se repete nas imagens, ainterao dos vrios agentes autnomos deixava rastros singulares coloridos.
Essa interao entre os agentes atribui-lhes um comportamento nico a cada vez
que exploram o modelo criado e cuja simulao de pintura pode ser complexificada
quando se acrescenta parmetros de interao entre as tintas simuladas. Uma vez
que o modelo est definido pelo homem, o Studio Artist aciona agentes autnomos
que, de acordo com esse modelo, exploram caminhos, cores e tintas parametrizados
nas aes de pintura.
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Inicialmente, a criao do modelo de pintura para os autorretratos buscou
especificar as aes de pintura e os materiais de Van Gogh. As direes de
pincelada foram modeladas por meio da parametrizao do mapa de
caminhamentos referenciando a luz incidente no rosto da personagem (Figura 4).
Figura 4 Parametrizao computacional das pinceladas de Van Gogh.
Acima e esquerda tem-se o detalhe do autorretrato por Van Gogh, direita e acima exibida aprimeira tentativa de parametrizar o ato de pintura; j abaixo e esquerda exibido um trecho daimagem proveniente da modelagem final e, abaixo e direita, um modelo que deu incio aoexperimento sobre as cores do quadro do pintor holands.
Os instrumentos esptula e bambu caractersticas levantadas, segundo os
estudos do centro de pesquisa do museu Van Gogh12 foram parametrizados no
modelo de pintura, criando uma seleo das possibilidades visuais. Essa seleo
estabeleceu um campo de possibilidades para as pinceladas que, ao que tudo
indicou, mostrou-se coerente para um visual que remetesse pintura de Van Gogh.
A cada imagem pintada pelos agentes autnomos, uma pequena variao da
apropriao daqueles materiais surgia, nunca gerando uma imagem idntica
12 Catlogo da exposio visitada Van Gogh at work do museu Van Gogh em julho de 2013.
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anterior, ressaltando a autonomia computacional como propositora de sentido. Com
essa modelagem foram produzidas imagens singulares, autonomamente pintadas
por computador, que remetiam aos materiais e direes de pinceladas dos quadros
do pintor holands.
Figura 5 Detalhe do volume de tinta na pintura de Van Gogh e da simulao de volume de tinta.
A imagem esquerda uma foto aproximada de um volume de tinta semelhante aos que Van Goghutilizava. A imagem direita exibe uma simulao computacional de volumes de tinta. Fonte: VanGogh at Work ( esquerda) e Elaborada por Leo Souza ( direita).
Posteriormente buscou-se trabalhar com as cores e o volume de tinta
apresentados nas pinturas de referncia, a paleta de cores envelhecida (Figura 6
acima e direita), o estudo de contraste de cores (Figura 6 abaixo e esquerda)
Figura 6 Estudos de cor para a pintura baseada em Van Gogh.
Fonte: Leo Souza (acima e esquerda) e Van Gogh at Work (as demais).
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e o estudo de complementao de cores (Figura 6 abaixo e direita) de Van Gogh.
Para isso, paletas de cores foram extradas (Figura 6 acima e esquerda), por meio
do mesmo software, dos quadros de autorretrato do pintor e sintetizadas em
simulaes de volume de tinta (Figura 5 direita), para compreender qual
comportamento seria o mais coerente com a tinta a leo referenciada nas pinturas.
As imagens apresentadas se assemelham quanto interao entre tintas, quando
misturadas. Constatou-se, nos anos de pesquisa, a inviabilidade de remeter
precisamente aos materiais que Van Gogh utilizou devido, entre outras coisas, aos
processos de envelhecimento da tinta que se conhece nos quadros estudados.
Todavia, a simulao que se mostrou mais satisfatria assemelha-se visualmente s
demonstraes de tinta apresentadas no museu Van Gogh. Em seguida foram
testadas diversas possibilidades de combinao entre as simulaes de volume de
tinta, o que resultou em uma paleta especfica para a continuidade da obra. Essa
paleta ampliou o campo de possibilidades a serem exploradas pelas aes de
pintura dos agentes autnomos, todavia circunscritos ao modelo das possibilidades
de combinao, mas nunca determinados a um nico arranjo de cores. Com as
paletas de cores geradas e as combinaes singulares realizadas, pode-se dar
continuidade ao experimento, remetendo s cores do pintor impressionista.
Figura 7 Comparativo entre esboo e pintura com a incorporao de arestas acentuadas
Esboo de um cavalo e pintura de Van Gogh, ambos tm como modelo uma estatueta de pedra. Aimagem esquerda resultante da modelagem computacional das arestas acentuadas. Fonte:Elaborada por Leo Souza ( esquerda) e Van Gogh at Work ( direita)
Surgiu, ento, a necessidade de modelar as aes de desenho de esboo
para a compreenso de dois problemas: como os traos de borda emergem nas
pinturas e como as formas humanas so abstradas em linhas. Nessa etapa
pesquisou-se sobre a utilizao de um modelo ptreo, de arestas acentuadas, nos
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desenhos de esboo de Van Gogh e sobre sua influncia de desenhos estriados em
cartes-postais japoneses.
Nesse processo de criao, as arestas acentuadas foram incorporadas a um
modelo criado para desenho de borda, porm constatou-se que mais potente
produzir abstrao por meio de arestas acentuadas quando a imagem-fonte, anterior
ao processo de pintura com agentes autnomos, j as traz em evidncia. Com isso,
a incorporao das arestas acentuadas se deu tanto pela parametrizao do modelo
criado para abstrao em linhas quanto pela apropriao, na filmagem, de
processos de iluminao que evidenciam as arestas do que filmado.
A traduo das formas expressivas de Van Gogh em modelagem
computacional se deu nas tentativas de parametrizar, atravs das possibilidades de
modelagem de Studio Artist, os comportamentos relacionados s aes de pintura
indicadas na obra Van Gogh at work (2013). Para isso foram testadas vrios
rearranjos das aes autnomas de pintura, combinaes de paletas de cores e
simulaes de tintas, alm de maior ou menor grau de abstrao da forma humana,
isso buscando um visual coerente com os estudos realizados pelo Museu Van Gogh
sobre os quadros desse pintor. Contudo, nem sempre foi possvel encontrar uma
correspondncia direta entre os parmetros da pintura digital e as caractersticas
das pinturas, mas, indiretamente, tais correspondncias emergiram do dilogo de
criao com a tecnologia.
O reconhecimento da autonomia na proposio de sentido artstico pela
tecnologia de Studio Artist ocorreu quando os agentes autnomos, ao desenharem e
pintarem, exploraram possibilidades do modelo criado pelo homem que no foram
previstas, mas que indicavam formas mais coerentes de lidar com a modelagem das
aes de pintura propostas para Van Gogh (Figura 8). Como exemplo, os agentes
autnomos pintaram uma imagem em que a combinao de desenho de borda e
cores era mais adequada que aquela esperada, sugerindo a ampliao do modelo
criado pelo homem para um campo de possibilidades mais amplo. Todavia, para que
sugestes como essa no perdessem sua potncia no dilogo de criao, fez-se
necessrio um ato de interpretao constante da autonomia computacional.
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Figura 8 Extrapolao, por parte dos agentes autnomos, dos modelos criados.
As quatro imagens acima apresentam momentos da explorao dos agentes autnomos para que sepossa chegar a um esboo. Caractersticas encontradas nas imagens intermedirias soincorporadas ao modelo, tornando as imagens finais, no s resultantes do modelo criado porhumano, mas tambm da contribuio do processo autnomo de pintura.
Esse ato de interpretao deslocou as expectativas preliminares, que antes se
dirigiam somente para a imagem resultante do processo autnomo, para voltar-se
para a criao de modelos a partir da observao da pintura realizada pelos agentes
autnomos. Com isso os modelos criados deixaram de ter origem somente na
pintura de Van Gogh e passaram a referenciar o prprio processo de pintura
autnoma (Figura 9 e 10). Assim, o dilogo de criao com a tecnologia ganhou
forma pelo movimento de observao do processo autnomo de pintura com o
objetivo da reinveno de modelos.
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Figura 9 Esboo com arestas acentuadas a partir da personagem principal.
Um problema de viabilidade tcnica gerou contribuies estticas para a obra
final. Com o passar de trs anos de trabalho no processo de criao de O Suicidado
da Sociedade, notou-se que a relao de trabalho criativo proposta pelo software
Studio Artist no s viabilizou a pintura em movimento da obra, mas tambm trouxe
novas caractersticas visuais e conceituais. As caractersticas visuais correspondem
a cada contribuio dos agentes autnomos no tensionamento dos modelos criados
Figura 10 Comparao entre os esboos de Van Gogh e os modelados computacionalmente
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Figura 11 Imagens criadas pela pintura dos agentes autnomos a partir de quatro modelos distintos
Fonte: Elaborada por Leo Souza (esquerda) e Van Gogh at Work (direita).
e as conceituais dizem respeito relao que surgiu com o dilogo proposto entre
homem e mquina na criao atravs desse software: um dilogo entre a traduo
de aes de pintura em um modelo computacional e, inversamente, devido
autonomia na proposio de sentido, de aes computacionais em imagens prenhes
de sentido. O tempo que antes deveria ser poupado o de pintura de cada frame
tornou-se tambm um tempo de criao de imagens com nfase em um constante
movimento de traduo, criao e desconstruo de modelos pictricos provocados
por aes computacionais.
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Figura 12 Imagem proveniente do ltimo modelo desenvolvido na pesquisa.
1.3 Relaes de montagem entre imagens e sons nesse processo artstico
Uma vez que se tornou disponvel a pintura em movimento baseada na
tcnica de Van Gogh, pretendeu-se realizar experimentaes de montagem entre os
udios das entrevistas e as imagens correspondentes j pintadas. Tais
experimentaes foram potencializadas pelo reflexo de um processo artstico em
que a pintura fora desempenhada por agentes computacionais com um convincente
grau de autonomia na proposio de sentido. O territrio sonoro da concepo
anterior s reflexes causadas pela pintura autnoma coincidia com concepes
mais tradicionais para a montagem de som: uma pista de udio que dialogasse
potencializando a montagem das imagens. Mas, assim como a questo inicial para a
pintura em movimento fora deslocada desde a viabilidade gerada pela
automatizao computacional para um novo tipo de relao com tais sujeitos
tcnicos capazes de proposio de sentido, agora a questo de sada j se baseava
em tal premissa para propor um tipo de montagem sonora na qual a prpria
montagem atuaria com autonomia. Pretendeu-se, com os experimentos
apresentados a seguir, a ampliao do territrio da montagem sonora na obra em
questo, desconstruindo associaes tradicionais entre imagem e som.
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1.3.1 Experimento sonoro com animtico
No primeiro experimento, buscou-se explorar relaes entre os udios da
entrevista e animaes das expresses corporais da personagem. O animtico,
como um estudo para a animao, uma montagem de frames que indica os
enquadramentos, as expresses das personagens, seus movimentos e os udios
desses momentos. Foram utilizados como material bruto os esboos produzidos
pelos agentes computacionais sobre um dos modelos em Van Gogh. As falas foram
tomadas a partir do udio guia da conversa com Donizete e os demais sons foram
provenientes dos udios de rudos do ambiente da entrevista e de uma edio a
partir do banco de dados de sons da British Broadcasting Corporation BBC13. A
realizao do animtico teve dois princpios:
1. Associar fala s expresses corporais da personagem, ora reforando essa
fala, ora ampliando seu sentido;
2. Fazer com que o udio desempenhasse uma funo de dupla ambientao
para remeter ora a um lugar concreto, ora a um onrico.
A dificuldade em estabelecer o momento exato do corte entre as imagens e as
falas constituiu um problema encontrado nessa montagem. Como o udio guia era
uma fala, muitas vezes a transio de imagens funcionava tanto no momento em
que uma palavra era dita, quanto antes de seu pronunciamento. Aps alguns
exerccios de montagem, esse problema se configurou como uma potncia para a
edio, abrindo, na relao imagem-som, vrias possibilidades de criao de sentido
por meio da assincronia.
Essa assincronia possibilitou uma importante descoberta para o processo
criativo que emergiu do experimento de uma mesma imagem em associao com
udios de falas no provenientes do momento daquelas imagens (Figura 13). Com
isso o experimento teve duas verses finais e, em cada uma delas, uma mesma
expresso corporal pode ser recombinada com dezenas de outras falas. Concluiu-se
que ocorre sinergia entre palavra e imagem quando a fala corresponde a uma
expresso corporal, mas podendo ser associada a vrias outras.
13 Disponvel em http://www.sound-ideas.com/bbc.html
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Figura 13 Um mesmo frame do animtico associado a falas diferentes.
Constatou-se que essas mltiplas combinaes entre imagem e som foram
extremamente importantes para a expresso da multiplicidade de sentidos na
relao com as diversas vidas da personagem principal. Uma obra com tal
caracterstica poderia evocar os mltiplos fluxos de existncia da personagem
principal desde sua forma audiovisual. Entretanto, na direo de uma montagem de
mltiplas associaes entre imagens e udios, ainda seria preciso desenvolver
algumas experimentaes com o objetivo de compreender melhor como a
multiplicidade envolvida poderia ganhar forma na montagem audiovisual.
Sups-se que os agentes autnomos apresentados no subcaptulo anterior
poderiam contribuir com a especificidade da montagem de multiplicidades. Tais
agentes criaram, a cada imagem, a composio de uma pintura diferente o que
possibilitou supor que poderiam tambm montar audiovisual autonomamente e de
forma singular. A seguir sero feitas consideraes para uma abordagem sobre
como a autonomia tecnolgica poderia contribuir com a montagem de mltiplas
associaes entre imagens e sons.
1.3.2 Material bruto para uma experincia de montagem audiovisual
O caso apresentado uma possibilidade dentre as vrias exploraes
possveis no domnio da montagem da pintura em movimento, e aponta algumas
relaes relevantes para a reflexo sobre a obra, sendo elas:
1. Associaes entre o tempo e espao em uma forma expressiva hbrida de
imagem em movimento, pintura e imagem computacional.
2. O processo da pintura autonomamente realizada por computador como
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uma forma de composio audiovisual.
3. A imagem videogrfica como material bruto para a pintura autonomamente
realizada por computador.
A experincia de montagem foi feita com todo o material produzido at ento,
ou seja, pretendeu-se um ensaio de montagem com a pintura em movimento.
Entretanto, no momento dessa experincia, as expectativas de montagem para a
obra no seriam atingidas, principalmente porque tais expectativas sobre uma
montagem de mltiplas associaes ainda precisariam estar melhor compreendidas
no ponto em que o processo se encontrava.
O material bruto desse experimento de montagem constitudo por pinturas
animadas a partir das entrevistas da personagem principal acerca de sua condio
de no diferenciar os sonhos da realidade. Outras pinturas animadas foram
utilizadas como material bruto para a montagem como, por exemplo, a tomada de
uma formiga em deslocamento (Figura 14). Um vdeo de um pssaro parado diante
de uma parede de vidro por onde sobe uma pequena formiga o nico material
bruto no pintado utilizado. O material bruto sonoro so pistas de som com trechos
da trilha sonora do filme Waking Life (2001) e diversas falas da personagem
principal, durante a entrevista, sobre suas imagens onricas.
Figura 14 Esboo de uma formiga e de um pssaro.
Levantou-se a hiptese dramatrgica de que, com uma mesma pintura
animada, poder-se-ia criar sentido por sua associao com diferentes sons em uma
mesma obra. Tal associao foi realizada de forma a apontar direes para mltiplas
montagens da pintura em movimento, editando diversas pistas sonoras para uma
mesma animao, criando, no entanto, mltiplos sentidos mediante uma nica
imagem e vrios sons.
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Com os materiais brutos descritos e as relaes propostas para a
investigao, tal experimento foi conduzido em duas etapas. Na primeira etapa, foi
feita a edio dos vrios fluxos temporais provenientes das associaes entre as
animaes escolhidas e das diversas pistas sonoras a serem criadas. Nessa etapa
surgiu uma demanda de criao de sentido para as diversas associaes possveis
entre pintura em movimento e som. Na segunda etapa, foi realizada a composio
de uma montagem rtmica (EISENSTEIN, 2002) a partir da pintura em movimento do
pssaro voando e dos diversos trechos de trilha sonora. Tambm foi realizada a
montagem das falas no fluxo narrativo, criando relaes com as imagens do pssaro
e da formiga buscando uma montagem harmnica (EISENSTEIN, 2002). Por ltimo,
foi realizada a finalizao da edio que, ao valorizar cada instante do corte, mtrica
narrativa e o fluxo geral, estabelece a composio de um todo para cada uma das
pistas sonoras.
Na segunda etapa, as vrias narrativas ganharam uma forma inicial. A relao
entre a tentativa do voo do pssaro conferiu mais sentido condio da personagem
principal de transpor o sonho, ou a realidade, criando assim uma analogia (MARTIN,
2003) com o pssaro preso tentando alcanar uma iluso: o mundo alm de uma
priso invisvel. Essa analogia ganhou ento uma forma sonora: medida que o
pssaro tenta transpor a barreira da priso invisvel, a altura das notas musicais
volta a um registro mais grave. Essa etapa foi desenvolvida na busca por uma
montagem rtmica (EISENSTEIN, 2002), mas tem-se que, devido s relaes
sonoras encontradas, ela criou um material rico para estabelecer vrias relaes de
tenso com os diversos elementos da pintura em movimento, e no s com a
diegese do plano. Isso indicou a possibilidade expressiva de contar com mais de um
tipo de montagem como Eisenstein (2002) descreve dependendo da faixa sonora
escolhida a cada edio. Com essas vrias montagens possveis esboou-se uma
montagem que pudesse abrang-las a partir de mltiplas associaes entre as
imagens e os sons.
Conduzida pelo resultado da segunda etapa, a edio das falas se
transformou em um processo de seleo (MURCH, 2004) para a composio das
possibilidades de montagem. Essa seleo restringiu a fala da personagem, cuja
durao no material bruto era maior que todo o experimento realizado, a somente o
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relato de sua condio de viver entre sonho e realidade e a uma breve narrativa
onrica sobre as formigas chiadeiras.
Foram encontradas vrias solues no desenvolvimento dessa montagem. Na
sincronizao da fala da personagem com a pintura em movimento da mesma, um
problema comum se referiu ao nmero de quadros por segundo que deveria ser
utilizado. Por um lado, um nmero elevado, prximo de 24 frames por segundo,
levaria a um excesso de flicker e, por outro lado, um nmero reduzido, prximo de
quatro frames por segundo, levaria assincronia total em relao ao som da fala. A
opo adotada foi a de desenvolver um processo de reduo e em seguida de
expanso, comeando por selecionar oito frames de cada segundo de entrevista
para a pintura em movimento, representativos das articulaes da fala, para em
seguida duplicar sua durao, e gerar uma animao com taxa de aproximadamente
15 frames por segundo. Tais solues extrapolaram o domnio tcnico da edio de
imagens videogrficas e chegaram a contribuir com a prpria noo de tempo que
se desenvolveria futuramente.
O processo de seleo e expanso do tempo foi fundamental para a
montagem com a pintura em movimento. Onde ocorre a pintura em movimento
constatou-se uma estreita relao entre espao e tempo na composio do espao
da imagem e a montagem desta no tempo. Ao desenvolver a pintura em movimento
no audiovisual, tornaram-se necessrias aes no domnio do tempo que
repercutiram no domnio do espao. Tais repercusses, como o flicker das formas
imagticas em curta expanso temporal, apontam para um entrelaamento de
caractersticas espaciais e temporais na pintura em movimento. Outra caracterstica
importante em relao ao tempo foi notada com o fato de a seleo dos oito frames
mais significativos criarem uma noo de continuidade na expresso corporal da
personagem, o que no ocorreu no momento da filmagem. Essa operao temporal
criou, ento, uma realidade prpria da continuidade espacial pela ruptura temporal, e
ressaltou as consequncias de aes temporais no domnio espacial da imagem.
Foi encontrada outra soluo de montagem, j no processo de filmagem, para
a pintura em movimento. O processo da pintura autonomamente realizada por
computador cria uma exigncia sobre o material bruto: que o modelo de pintura
esteja presente desde a imagem filmada (Figura 15), exigindo que esta gerasse
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formas e cores potentes para sua modelagem pictrica e posterior traduo
computacional.
Figura 15 Imagem fonte j com caractersticas da pintura que ser realizada posteriormente.
A imagem esquerda uma imagem-fonte j adquirida com caractersticas de cor e contraste queforam exploradas na pintura autonomamente realizada por computador. Sua transformao empintura foi proveniente de um modelo que assumia as cores da imagem-fonte para, por meio dasimulao de tinta a leo, criar a imagem pintada.
Ao filmar qualquer material para esse ensaio audiovisual, tornou-se necessrio
pens-lo no como material fotogrfico, imagem-fim, mas sim como uma imagem-
meio (DELEUZE, 2005) para algo que ela ainda viria a ser na animao da pintura
em movimento. Nesse sentido, as imagens possveis, que passariam pela
modelagem da pintura em movimento, j tinham sido produzidas com parmetros de
luz e cor relacionados s imagens de Van Gogh. Esse processo marcou a ampliao
da imagem videogrfica pela traduo de elementos pictricos em fotogrficos.
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1.4 Experimento tecnoesttico para a concepo da montagem de multiplicidades
Com a demanda de um tipo de montagem que pudesse tornar evidente a
multiplicidade das relaes entre imagens e sons, tornou-se necessrio o
desenvolvimento de um software que oferecesse uma relao diferenciada ao
processo de montagem. Nesse tipo de montagem, a relao entre imagem e som
no seria da ordem de uma nica associao, como uma imagem para um som,
mas, sim, uma imagem para muitos sons, sendo que a cada experincia com a obra
ocorreria uma associao diferenciada entre imagens e sons. Uma montagem com
tais caractersticas de mltiplas associaes temporais pouco comum nos
softwares de edio de vdeo digital. J em softwares de montagem assncrona,
como aqueles voltados para a prtica de VJ14, a montagem se aproxima da relao
entre imagem e som esperada, embora no atenda aos requisitos de uma
multiplicidade de associaes. A noo de multiplicidades de associaes ficou mais
clara medida que se percebeu uma tnue relao entre linha e tempo.
Figura 16 Timeline e playlists nos softwares testados.
14 VJ a sigla atribuda aos Visual Jockey ou DJ, Disc Jockey, visuais; pessoas que montam e/oueditam, em tempo de apresentao, msicas e imagens em movimento.
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Em todos os softwares testados15 (Figura 16), tenham sido de montagem de
vdeo, ou os de edio assncrona, as noes de timeline e playlist estavam
presentes. A ideia de uma linha do tempo descende da noo de sequncia de
fotogramas presente no cinema, j a playlist uma lista ordenada de itens
audiovisuais, que, inclusive constitui-se como uma linha de tempo, uma vez que
cada item da lista organizado em somente um fluxo temporal. Nenhum dos
softwares experimentados orientou-se pela ideia de montagem de mltiplos fluxos
temporais, mostraram-se muito mais voltados para uma prtica de livre associao
entre imagem e som em uma nica timeline ou, na melhor das hipteses, em vrias
timelines no conectadas no tempo.
Figura 17 Timeline de mltiplos fluxos temporais no software Adobe Encore CS6.
J em softwares de criao de DVD (Figura 17) possvel associar imagens e
sons em mltiplos fluxos temporais como realizado na obra Golpes de Fernando
Rabelo e Aline X (2006). Nesses casos um diagrama de fluxos apresenta a
multiplicidade temporal, mas tal associao est restrita escolha do espectador por
uma tecla no controle remoto do aparelho de DVD, por uma timeline previamente
criada. A criao de mltiplos fluxos em DVD no atendeu demanda expressiva de
montagem para O Suicidado da Sociedade, pois as associaes entre imagens e
sons e entre estes e o tempo no deveriam ser uma escolha do espectador, mas,
sim, de um agente autnomo que monta, selecionando dentre diversas associaes
de imagens e sons, de forma a provocar sentidos diversos.
A partir desse entendimento da demanda expressiva, elaborou-se um
15 Foram experimentados VPT 7, Resolume 4, MX Wendler e Adobe Premiere CS 6.
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experimento de montagem que testou a ideia de mltiplos fluxos temporais como
uma forma de multiplicidades de associaes. O experimento teve um material bruto
prprio que sintetizou as ideias que tal noo sustenta, vinculando-se, mas
buscando desconstruir, a noo de linha do tempo.
A linha do tempo pode ser apresentada da seguinte forma: considerando uma
linha reta horizontal, proveniente de um feixe de partculas, suponha que ela est
sendo desenhada da esquerda para a direita. A cada momento desse desenho,
novas partculas so integradas a essa linha no sentido horizontal, direita (Figura
18).
Figura 18 Ilustrao da noo de linha do tempo.
No entanto, a linha vista de uma distncia na qual mal se podem perceber suas
partculas que, em sua sucesso, formam a ideia de que a linha est em
continuidade (Figura 19). Nessa linha o que foi desenhado primeiro esquerda
indica um tempo passado, e o que est sendo desenhado a cada instante direita
- o tempo presente em constante passagem.
Figura 19 Fase final da timeline vista de perto.
Considerando que cada partcula representa um frame de vdeo, um fotograma ou
um udio, ter-se-, assim uma ilustrao da linha do tempo nos softwares de
montagem audiovisual at o momento (Figura 20). Alguns softwares experimentam
modificaes na concepo de timeline, todavia, a caracterstica de sequncia nica
de imagens permanece sob a abordagem de linha do tempo.
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Figura 20 Sequncia de montagem em um software de edio de vdeo.
Ao observar cada elemento posto em sequncia em uma linha do tempo, diversas
associaes entre eles e os demais podem surgir. Entretanto, associaes entre
elementos fora da linha do tempo romperiam com a continuidade imposta pela
noo de timeline. Essas associaes para-alm-da-linha criam uma fora de
escape; indicam uma nova forma que instabiliza a retido na continuidade da linha
temporal (Figura 21).
Figura 21 - Linha de escape em uma timeline vista de perto.
A instabilidade na continuidade da linha pode ser visualizada em uma perspectiva mais aproximada.Pode-se notar a fuga da trajetria retilnea, mas uma volta a essa trajetria.
Uma primeira questo a ser sustentada pelo conceito de mltiplos fluxos
temporais : a partir das premissas de linha de tempo, que consequncias temporais
poderiam ocorrer se, simplesmente, a linha se libertasse da retido?
Cinematograficamente esse evento corresponderia a dois filmes possveis com um
mesmo material bruto, a depender do fluxo temporal que fosse exibido ao
espectador. Considerando que essa linha assuma uma forma mais orgnica ou
fragmentada, como uma raiz (Figura 22), nela vo surgindo ramificaes com uma
trajetria prpria, interceptando vrias outras ramificaes. Muitas vezes, essas
interceptaes ocorrem em um mesmo ponto, fazendo surgir uma profuso de
outras ramificaes. Nessa ltima concepo, o tempo no flui
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Figura 22 Linha espessa que forma o emaranhado temporal ou uma raiz com suas ramificaes
do passado para o presente, pois no se sabe onde comea nem termina a raiz e,
por isso, no h nem mesmo presente ou passado, mas h temporalidades, diversos
fluxos temporais emaranhados. nesse emaranhado de temporalidades que se
sustenta o conceito de montagem de mltiplos fluxos temporais ou montagem de
multiplicidades em O Suicidado da Sociedade.
Dentro dessa concepo de tempo, para que algo seja considerado passado
ou presente, necessrio haver escolha de trajetria, pois estes momentos no
existem a priori. Esse grau de escolha diferencia a montagem de mltiplos fluxos
temporais daquela linha do tempo to comum em softwares de montagem
audiovisual. Portanto, em uma forma temporal, na montagem audiovisual onde as
associaes escapam justaposio direta entre o que vem antes e o que vem
depois, a noo de linha cede lugar a outras formas no-lineares como o
emaranhado temporal.
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Figura 23 Trs modelos de fluxos temporais para montagem.
Essa imagem apresenta um fluxo linear e duas alternativas a ele: fluxos paralelos simultneos e umfluxo com vrios incios e vrios finais.
No experimento realizado, sups-se que os agentes autnomos poderiam
escolher percursos dentro das possibilidades do emaranhado temporal. Surgiu ento
a necessidade de se apropriar da autonomia computacional, como proposta na
pintura em movimento, e transp-la para a ideia de uma montagem que,
autonomamente realizada por computador, explorasse um emaranhado de
temporalidades criado por humanos, decidindo o que o antes e o depois. Esse
emaranhado de temporalidades corresponderia modelagem do tempo e
constituiria o comeo do dilogo entre homem e computador enquanto uma
tecnologia a ser desenvolvida.
Partindo da noo de espessura temporal (Figura 24), e no da noo de
linha, foi desenvolvida uma abordagem para lidar com a montagem audiovisual em
vrios processos de criao audiovisual. Essa abordagem pode ser ampliada para
outras obras audiovisuais a partir do software criado, possibilitando o
reaproveitamento dos agentes autnomos programados. Em outros processos de
criao audiovisual, a apropriao dos agentes autnomos se dar a partir da
modelagem do tempo de acordo com as demandas expressivas no contexto desses
processos.
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Figura 24 Tela do software desenvolvido, rastro espesso com diversas propagaes temporais.
A imagem acima apresenta, na tela do software desenvolvido, uma linha espessa. Essa linha sepropaga em diversas direes, pois em cada uma dessas direes uma temporalidade distinta estassociada a cada trao que se propaga.
A abordagem desenvolvida demandou a criao de um software16 a partir da
tecnologia dos agentes autnomos. Esses agentes autnomos foram desenvolvidos
a partir da noo de autmato finito. Um autmato finito um algoritimo para tomada
de decises baseado em estados. Um estado um conjunto de caractersticas que
especificam possibilidades de ser de uma entidade modelada computacionalmente.
No caso, a entidade modelada a multiplicidade da montagem, isto , cada
transio uma possibilidade de deciso e cada conjunto de sons para uma imagem
audiovisual constitui um estado. As decises do autmato de montagem foram
baseadas no emaranhado de fluxos temporais entre imagens e sons. Na tecnologia
desenvolvida, as imagens audiovisuais so tratadas como o conjunto de trs
elementos: uma imagem em movimento; um conjunto de sons que podem ser
relacionados a essa imagem e os fluxos temporais que a associa a outras imagens
audiovisuais. Com esses agentes, em conjunto com a pintura realizada
autonomamente por computador, foi experimentada a montagem de uma linha que
apresenta diversos fluxos temporais. Esses fluxos, por sua vez, correspondem s
possibilidades de explorao dos agentes autnomos em um modelo ou mapa
16 Uma primeira verso foi desenvolvida pelo autor da presente pesquisa em 2006 no Departamentode Cincia da Computao da Universidade Federal de Minas Gerais. Ver Souza, 2013 esubcaptulo 1.4.1.
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temporal criado por humano. Dessa forma, a autonomia do software teve papel
fundamental para o desenvolvimento de uma abordagem sobre a criao conjunta
com computador.
No experimento apresentado, a pintura em movimento foi criada previamente
para que os diversos estgios do rastro fossem associados uns aos outros, com o
objetivo de ressaltar as multiplicidades de montagem. No momento inicial do
experimento, exibida a superfcie sobre a qual se d o emaranhado temporal
(Figura 25). Ao final dos diversos fluxos, que nessa superfcie podem surgir, toda a
imagem ser sobreposta em um ltimo fluxo que recria essa primeira superfcie de
pintura. Ocorre ento a montagem de uma infinita sobreposio imagtica e
temporal.
Figura 25 Incio de um fluxo de montagem.
A imagem acima apresenta uma superfcie com rastros de uma pintura anterior. Tais rastros soremanescentes de execues passadas da montagem que ser apresentada a seguir. Todo o fluxoque ser apresentado, inicia e termina nessa superfcie instalando a noo de um loop, porm comsobreposies infinitas, uma vez que sempre pintado sobre essa mesma imagem.
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Figura 26 Segunda parte de um primeiro fluxo de montagem autnoma.
A curva apresentada na imagem acima o segundo momento do fluxo de montagem. Essa curva uma trajetria inicial do rastro que d origem aos vrios outros que surgiro.
As duas primeiras imagens apresentadas (Figuras 25 e 26) se repetem em todos os
fluxos de montagem. A cada cruzamento da linha consigo mesma, a cada
ramificao que escapa linha principal, ou a cada mudana de enquadramento,
uma nova deciso de montagem, por parte dos agentes autnomos, pode ocorrer no
experimento. Enquanto a explorao de uma temporalidade continua na ponta da
linha, ocorrem propagaes nas demais ramificaes da linha. Em cada uma dessas
propagaes h um agora e um antes em contnua propagao. Tais propagaes
criam linhas de fuga em relao direo atual da linha.
Embora as imagens apresentadas sejam apenas um frame do audiovisual
que est em um constante fluxo, no experimento realizado a propagao da linha
no s deixa um rastro, mas o rastro em si j possui diversas temporalidades
distintas. Durante a visualizao dessas temporalidades, novas ideias de montagem
foram sendo sugeridas pelo surgimento de rastros no previstos. A continuidade
apresentada pela sequncia de imagens das figuras 27, 28 e 29 demonstra um fluxo
de montagem cuja sugesto de quebra neste fluxo ocorreu por uma ao de pintura
(Figura 30).
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Figura 27 Emaranhado formado pelo fluxo dos agentes autnomos.
A imagem acima apresenta uma primeira mudana de trajetria da linha, que se deu por umaescolha de montagem dos agentes autnomos a partir de uma das ramificaes que delapropagam.
Figura 28 Na continuidade da montagem, os agentes autnomos geraram esse emaranhado.
A imagem acima apresenta uma imagem intermediria das trajetrias da linha em processo demontagem.
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Figura 29 Imagem final de um dos fluxos de montagem.
Na continuidade da montagem, o emaranhado finalizou-se como exibido nesta figura.
Figura 30 Fluxo final de montagem.
A imagem acima apresenta um estgio do fluxo final de montagem que sobrepe as imagens finaisdos fluxos de montagem autnoma. Esse fluxo se repete ao final de qualquer montagem realizada.
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A ao de pintura que finalizou essa montagem (Figura 30) sugeriu que sua
repetio ocorresse na finalizao de outros fluxos de montagem, fazendo com que
todos reiniciassem em uma mesma imagem (Figura 31). Assim, foi modelado que,
na finalizao de qualquer montagem, houvesse um retorno imagem inicial para
que o experimento pudesse sempre recomear.
Dentre vrias outras possibilidades de montagem, o fluxo apresentado entre
as figuras 31 e 38 constitui uma singular possibilidade. Nesse caso, aps iniciar da
mesma forma que anteriormente, a primeira ao de montagem que mudar a linha
ocorre na mudana de enquadramento (Figura 33). Tal mudana reconfigura o
espao de visualizao do experimento para uma viso mais aproximada da
trajetria da linha. Mas, quando isso acontece, surgem vrias outras possibilidades
de montagem na relao entre espao e tempo, uma vez que, quando se retorna
daquela viso aproximada, uma elipse de tempo pode ter acontecido e todo o
espao pode ter sido modificado. Diversos outros fluxos de montagem foram
sugeridos pela mudana de espao aps a elipse temporal, o que complexificou o
modelo temporal at o emaranhado (Figura 39).
Figura 31 Incio de um segundo fluxo montado autonomamente pelo software desenvolvido.
Essa imagem resultante do fluxo final de montagem que a gera em semelhana quela apresentadana Figura 25.
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Figura 32 Repetio do fluxo inicial de montagem.
Repete-se a forma inicial para que, dela em diante, recomece a montagem autnoma.
Figura 33 Deciso de montagem alternativa.
Uma escolha autnoma de montagem optou por um close do rastro desenhado.
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Figura 34 Forma proveniente de uma deciso autnoma de montagem que gerou uma elipse.
No momento de retorno do close (Figura 34), uma passagem de tempo ocorre e gera um salto nofluxo temporal desenhado. Esse salto criou uma nova trajetria provocada pela deciso de montagemdos agentes autnomos.
Figura 35 Continuidade do fluxo anterior.
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Figura 36 Frame extrado de uma etapa intermediria do fluxo apresentado.
Figura 37 ltima parte do fluxo apresentado.
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Figura 38 Retomada do fluxo final de montagem.
Frame extrado da etapa final de um fluxo de montagem que se iniciou nas figuras anteriores. O rastrobranco que se forma tomar toda a imagem at que a imagem na Figura 25 se forme sobre a imagemapresentada nesta figura e uma nova montagem possa se iniciar a partir dali.
Gerando, a cada vez, um percurso diferenciado para a linha, o processo
apresentado continua indefinidamente de acordo com o modelo temporal criado.
Nesse modelo, a multiplicidade temporal est apresentada na forma de um diagrama
de fluxos (Figura 39) e a deciso dos agentes autnomos baseada nas transies
possveis indicadas pelas setas direcionadas para uma imagem audiovisual.
Durante a criao do mapa de fluxos temporais, surgiram sentidos no
previstos. Quando uma imagem associada a um conjunto de sons possveis, e a
vrias outras imagens pelos mltiplos fluxos, no se sabe exatamente o que vai
acontecer no momento em que um agente autnomo decidir por um som e uma
determinada imagem associada. Cada imagem audiovisual ganha sentido na
associao com as demais o que, na montagem de multiplicidades, potencializado
ao extremo. O experimento apresentou sentidos provocados pelos agentes
autnomos, principalmente quando uma imagem se repetia no fluxo de montagem,
mas o udio associado era diferente, ou mesmo quando, apesar de ela se repetir,
logo era associada a uma nova imagem que mudava seu sentido. Essas
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transformaes de sentido so as aes fundamentais da explorao do modelo por
parte dos agentes autnomos, no se tratando de uma mera escolha aleatria, mas
de decises que criam sentido pela explorao de possibilidades no visitadas
anteriormente. Para que essa explorao ocorra, os agentes autnomos realizam
um tipo especfico de reordenao da experincia com o tempo, a qual torna
presente uma possibilidade futura: a previso. Tais agentes preveem combinaes
singulares ou eventuais provenientes da modelagem humana e exploram os
entrelaamentos possveis que levam a elas. Isso gera a visualizao de montagens
remotas, mais raras ou incomuns na modelagem humana.
Figura 39 - Modelo dos mltiplos fluxos temporais para a montagem autnoma exibida anteriormente.
A imagem acima apresenta o emaranhado de fluxos temporais para o processo anteriormentedescrito. As caixas em azul so pontos iniciais e as demais constituem opes de montagem sempreque ligadas direcionalmente por um fluxo.
1.4.1 A implementao computacional da montagem realizada autonomamentepor computador
Desde quando o primeiro prottipo do software foi desenvolvido em 2006 at
o presente momento Abril de 2014 , observa-se que o audiovisual montado sob
uma nica linha de tempo, sendo que na visualizao do vdeo finalizado a
possibilidade de encadeamento temporal e associao de audiovisual restrita a um
nico fluxo no tempo ou uma nica sobreposio. No escopo deste apndice
apresentado como a modelagem computacional do tempo atravs de um grafo de
eventos possibilita a montagem e edio em cinema digital de forma que, a cada vez
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que o filme for exibido, ocorrer uma montagem distinta.
Nesse sentido, a noo de montagem realizada autonomamente por
computador tambm apresentada como uma aplicao para a modelagem
computacional do tempo de forma que uma visualizao do filme final fornecida
pelo caminhamento em um grafo de eventos por parte de agentes autnomos. Tais
agentes buscam parmetros para tomarem decises de montagem nas transies
entre os eventos descritos no grafo.
Tecnicamente, considera-se a montagem de um filme em vdeo digital como
uma sequncia de cenas que pode ser organizada no tempo. Mas, que outras
sequncias so possveis com essas mesmas cenas de forma a criarem outros
significados? Que cenas so aquelas que criam histrias para qualquer ou
algumas sequncias? Que tipos de montagem so possveis para um dado
conjunto de cenas?
Com o software desenvolvido, pretendeu-se potencializar o processo de
montagem de cenas de um vdeo a partir da dinmica oferecida pelo rearranjo das
sequncias possveis que essas cenas poderiam vir a constituir atravs de um grafo
direcionado. Esse grafo permite gerar vdeos digitais enquanto uma montagem
dinmica de cenas, sendo modificada num dado momento de exibio do vdeo e
gerada a partir de algum caminhamento nesse grafo.
Pretende-se com isso, que esse software seja uma ferramenta para uma
forma diferenciada de pensar, e portanto, de criar em todo o processo de montagem,
filmagem e roteirizao de um vdeo.
Nesse escopo, a modelagem computacional do tempo tratada enquanto um
conjunto de eventos conectados no linearmente. A modelagem computacional de
cada evento descrita pelo estado de um grafo, o qual pode assumir caractersticas
de dados digitais que possuem dimenso temporal como, por exemplo, um vdeo, ou
um som.
Nesse grafo que modela as conexes entre os eventos, h um ou mais
pontos iniciais e/ou finais, fazendo com que a linha tradicional de tempo na edio
audiovisual d lugar a um emaranhado de montagem, espesso de transies
possveis entre os vdeos.
Sob a perspectiva da Programao Orientada a Objetos, a implementao se
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deu a partir da modelagem de um objeto estado de grafo constitudo pelas variveis
conjunto de transies. Um objeto que herda essas caractersticas a imagem
audiovisual foi implementado agregando a propriedade material audiovisual, cuja
funo era apontar para um dado digital com dimenso temporal que pudesse ser
montado. O objeto grafo foi implementado a partir das propriedades estado atual,
prximo estado, transies possveis e uma estrutura de dados conjunto de estados.
Descendendo das caractersticas do grafo, o rizoma foi implementado enquanto um
grafo de imagens audiovisuais, constitudo pela multiplicidade de transies entre
elas, mas que poderia a qualquer momento ser modificado pelos agentes
autnomos.
O ato de montagem se d quando, a partir de um dado estado desse grafo,
uma das transies possveis escolhida, gerando a atualizao da imagem
audiovisual em exibio. Esse caminhamento no grafo foi implementado de duas
formas. Na primeira ele foi proveniente de um sorteio das possibilidades de conexo
entre as imagens audiovisuais, excluindo sempre uma transio j sorteada
anteriormente. Na segunda ainda em desenvolvimento agentes autnomos que
leem parmetros das imagens como, iluminao, movimentao de cmera e de
personagens, posicionamento de cena e frequncia de cortes, podem decidir as
regras de montagem em dilogo com as transies possveis especificadas pelo
usurio anteriormente.
Tais agentes autnomos so implementados como uma mquina de estados
onde cada estado especifica um conjunto de parmetros lidos no grafo de
montagem, seja das imagens ou das transies entre elas, processado por um
conjunto de regras de deciso. medida que tais regras so usadas, elas se
atualizam. Na implementao atual essa atualizao se d pela poltica da
distribuio, optando por utilizar regras menos usadas. Futuramente espera-se
implementar outras polticas de atualizao como, por exemplo, a composio,
decomposio e recomposio de regras de montagem, quebrando cada regra de
montagem em uma regra menor, possibilitando agreg-la a outras de acordo com as
imagens no grafo ou com os tipos de transies especificados pelo usurio.
O algoritmo de montagem autnoma requereu uma implementao baseada
em timer. Devido caracterstica temporal das imagens audiovisuais ligadas a um
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estado e s transies do grafo, foi necessrio um algoritmo que carregava um
buffer da prxima imagem audiovisual a ser exibida antes mesmo de a imagem atual
terminar. Isso se deve ao fato de, nesta implementao, a montagem autnoma ser
baseada em corte seco, fazendo com que no seja visualmente perceptvel as
decises de montagem entre as imagens. Sempre que uma imagem audiovisual
escolhida na montagem autnoma, o seguinte algoritmo utilizado:
1. A cada 100 milissegundos 1. Se falta 0.5 segundos para o trmino
da atual imagem audiovisual 1. Ento inicie o processo de escolha da