monografia - um estudo das representações de akhenaton no brasil

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  • 7/26/2019 Monografia - Um Estudo Das Representaes de Akhenaton No Brasil

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINACENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE HISTRIA

    RAISA B.W.SAGREDO

    ENTRE A EGIPTOMANIA E A EGIPTOLOGIA:UM ESTUDO DAS REPRESENTAES DO FARA

    AKHENATON NO BRASIL

    Trabalho de Concluso de

    Curso apresentado ao curso deLicenciatura e Bacharelado emHistria da UniversidadeFederal de SantaCatarina.Orientadora: Dra.Renata Palandri S. Sell

    FLORIANPOLIS, 2013.

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo imensamente s minhas amigas da graduao e docorao, e em especial a meus pais Guadalupe Barbosa e AlbertoSagredo, por desde minha infncia respeitarem e estimularem minha

    paixo pelo Egito antigo.

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    Meus cabelos so os cabelos de Nut.Minha face a face do Disco Solar. Meusolhos so os olhos de Hthor. Meus ouvidosso os ouvidos de Apuat (...). Meus ps soos ps de Ptah. No h membro em meucorpo que no seja o membro de algum deus(...).

    Livro do Vir Luz, Papiro de Ani,Museu Britnico

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    RESUMO

    Esta pesquisa se propem a identificar e analisar algumasrepresentaes do fara Amenothep IV, mais conhecido na Histriacomo Akhenaton, mostrando como possvel encontrar o mesmohomem cuja trajetria rodeada de mistrios e polmica, servindo adiferentes discursos. Tendo em vista que o material acerca dasrepresentaes de Akhenaton muito abundante e diversificado, optou-se por um recorte que abrangesse um tempo atual, cujos discursos dasfontes fossem de naturezas distintas, pelo menos em teoria. Partindo doconceito de Egiptomania proposto pela egiptloga brasileira MargaretBakos, como re-interpretao e re-uso de aspectos da cultura do antigo

    Egito, dialogando com o conceito de Egiptologia, a cincia encarregadade estudar o Egito dos faras. Logo, busca-se nas representaes deAkhenaton, entender como se constri essa relao, respondendo questo: estariam distantes, na prtica, os discursos da egiptomania e daegiptologia?

    Palavras-chave: Akhenaton, Egito, representao, egiptomania,egiptologia, discurso.

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    ABSTRACT

    This research set out to identify and analyze some depictions ofthe pharaoh Amenothep IV , better known in history as Akhenaten ,showing how it is possible to find the same man whose trajectory issurrounded by mystery and controversy, serving different discourses .Considering that the material about the representations of Akhenaten isvery abundant and diverse , we chose a cut covering a current time,whose speeches were the sources of different natures , at least in theory.Based on the concept proposed by the Brazilian EgyptomaniaEgyptologist Margaret Bakos , as re - interpretation and re - use of

    aspects of the culture of ancient Egypt , dialoguing with the concept ofEgyptology , science charged with studying the Egypt of the pharaohs .Soon , we seek representations of Akhenaten , understand how to buildthis relationship , answering the question : would be far in practice ,speeches from Egyptomania and Egyptology ?

    Keywords : Akhenaten, Egypt, representation, Egyptomania,Egyptology, speech .

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    SUMRIO

    INTRODUO...............................................................................p. 15.

    AKHENATON, O FARA DO SOL, E SEU CONTEXTO: REINONOVO, XVIII DINASTIA..............................................................p. 20.EGIPTOMANIA, ESPIRITUALISMO E UM FARAILUMINADO...............................................................................p. 25.1.1. COMPREENDENDO A EGIPTOMANIA........................p. 25.1.2. SOBRE A OBRA................................................................p. 27.1.3. RELIGIO, DISCURSO E REPRESENTAO..............p. 34.JK E AKHENATON LADO A LADO: UMA INTRIGANTE TESEDE DOUTORADO........................................................................p. 40.

    3.1. IARA KERN: RESPIRANDO A NOVA ERA........................p. 40.3.2. RELAO ENTRE EGITO E BRASLIA: DESVENDANDO AREPRESENTAO DE AKHENATON EM JK............................p. 47.CONSIDERAES FINAIS..........................................................p. 54.BIBLIOGRAFIA.............................................................................p. 56.ANEXOS..........................................................................................p. 60.

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    INTRODUO

    O fara Amenothep IV1, ou Akhenaton, marcou os papiros daHistria, trazendo mudanas significativas no Egito Antigo, dentro docontexto denominado Reino Novo (1560-1070 A.E.C), em diversosmbitos: cultural, artstico, poltico e religioso. Estes dois ltimos,marcados por opinies controversas e fortemente contrrias. Afinal,quem foi esse homem? Essa pergunta no pretende nem pode serrespondida, pois o que temos so representaes que revelam mais, nasua construo e concepo, sobre o contexto atual do que sobre oAkhenaton que viveu no Egito antigo. Sendo assim, o foco da pesquisa compreender como se constroem, na atualidade brasileira, nos meios

    acadmicos e no acadmicos, as representaes acerca da imagem dofara Akhenaton e at que ponto os discursos da egiptomania e daegiptologia esto distantes e se diferenciam na prtica.

    As representaes deste fara so muito abrangentes epertencentes a diferentes mbitos e discursos- Ordem Rosa Cruz2,Teosofia3, entre outros. Eis uma questo que no cabe diretamente nesta

    pesquisa, mas que merecia ser analisada, afinal, por que a temtica dofara Akhenaton to apropriada? Talvez por envolver fragmentos dahistria egpcia repletas de fama e mistrio, inaugurando o inovador em

    um pensamento tradicional. Como se no bastasse ter feito mudanasto irreverentes durante sua reforma religiosa, Akhenaton era esposo de

    Nefertiti- a bela chegou, considerada uma das mulheres maisbelas daantiguidade hoje em funo de seu busto, no museu de Berlim; tambmfoi pai de Tutankamon, o fara menino, dono da mais famosa tumba,

    descoberta por Howard Carter em 1922 e considerada um das maiores

    1

    O novo nome de Amenfis IV, Akhenaten, significa: Viva R-Horakhti (umadas formas do princpio solar) que se regozija no horizonte brilhante em seunome de Luz que pertence a Aton. Acrescenta-se dois nomes, que completam a

    personalidade simblica do fara: Viva R aquele que pertence ao horizonte

    brilhante, que se regozija no horizonte brilhante em seu nome, ou seja, R queveio no disco (ou: na qualidade de Aton) e Belo de formas como R, o filho

    nico de R. JACQ, Christian.Akhenaton e Nefertiti: o casal solar.So Paulo:Editora Hemus,1978, pg. 28.2Ver mais no site brasileiro da Ordem Rosacruz www.amorc.org.br.3Ciro Flamarion nos fala um pouco sobre o Akhenaton de Madame Blavatsky

    em CARDOSO, Ciro Flamarion. O fara Akhenaton e nossos contemporneos.Disponvel emhttp://www.pucrs.br/ffch/historia/egiptomania/publicacoes/jornada.pdf.

    http://www.pucrs.br/ffch/historia/egiptomania/publicacoes/jornada.pdfhttp://www.pucrs.br/ffch/historia/egiptomania/publicacoes/jornada.pdf
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    descobertas arqueolgicas da Histria, passando a influenciar oimaginrio mundial sobre o Egito, de modo febril.4

    Logo, houve uma seleta escolha de fontes. Os critrios de seleoforam dois, buscando-se englobar universos que, algumas vezes,

    parecem no dialogar com relao produo de saberes. A escolha poruma fonte produzida fora do ambiente acadmico se deu justamenteneste sentido, pois em qualquer contexto se produzem representaes ediscursos que merecem a mesma ateno e seriedade que os discursosacadmicos. O segundo critrio foi a nacionalidade dessasrepresentaes; ambas so produes nacionais, ou seja, o Brasil, tolonge no tempo e no espao fsico do Egito, se apropriando e re-significando a figura do fara Akhenaton. Mais especificamente sobre as

    fontes, uma um romance espiritualista de Roger Bottini Paranhos, quepertence ao gnero do romance medinico, intitulado Akhenaton: aRevoluo Espiritual do Antigo Egito5, produzido fora do ambienteacadmico e, em contrapartida, a segunda fonte um livro publicado

    pela egiptloga Iara Kern, falecida professora da UnB-Universidade deBraslia- fruto de sua pesquisa de doutorado, publicada na obra DeAknaton a JK: das Pirmides a Braslia6.

    A 18 dinastia, a qual pertenceu Akhenaton, sem dvida adinastia egpcia mais visada para produzir materiais em geral e

    Akhenaton um dos faras mais famosos e controversos nos meios forada academia. Como afirma Ciro Flamarion Cardoso, uma

    documentao muito lacunar, coisa comum em Histria Antiga, costumafavorecer grande diversidade de interpretaes, sobretudo em setratando de uma figura como Akhenaton

    7. Sobre esse fara, caeminmeros esteretipos, rtulos que parecem mais refletir uma viso

    pessoal, imparcial e atual daqueles que escrevem sobre ele. Paraembasar teoricamente a pesquisa, necessrio ter claro algunsconceitos-chave, essenciais na prpria construo e uso dos conceitos deEgiptologia e Egiptomania nesta anlise, que sero detalhados nocaptulo III. Porm, alguns conceitos devem ser abordados naIntroduo deste trabalho.

    4BAKOS, Margaret M (Org.). Egiptomania: O Egito no Brasil.So Paulo:Paris Editorial, 2004, pg.11.5PARANHOS, Roger B.Akhenaton e a Revoluo espiritual do antigo Egito.4 ed. Limeira, SP: Editora do conhecimento, 2006.6KERN, Iara.De Aknaton a JK: das Pirmides a Braslia.2 Ed. (tese dedoutorado). Braslia, 1984.7CARDOSO, op. cit, pg 2.

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    Eis o caso do conceito de representao, fundamental nestadiscusso. Polissmico para a teoria da Histria e palavra-chave da

    pesquisa, representao o termo diferencial da Nova Histria Cultural,pressuposto terico utilizado no trabalho. Para alm de uma reflexoconceitual, o termo representao se trata de uma palavra de origemlatina, oriunda do vocbulo repraesentareque significa tornar presenteou apresentar de novo"

    8. Conceituando, as representaes podem serentendidas:

    como classificaes e divises que organizam aapreenso do mundo social como categorias de

    percepo do real. As representaes so variveissegundo as disposies dos grupos ou classessociais; aspiram universalidade, mas so sempredeterminadas pelos interesses dos grupos que asforjam.O poder e a dominao esto sempre

    presentes. As representaes no so discursosneutros: produzem estratgias e prticas tendentesa impor uma autoridade, uma deferncia, e mesmoa legitimar escolhas.9

    A questo da leigtimidade se faz muito evidente quando tratamosdestas representaes de Akhenaton, tanto da tese de Iara Kern como de

    Roger Bottini Paranhos. So legitimaes diferentes que ambos parecemtrazer; na primeira, uma legitimao poltica, e na segunda umalegitimao religiosa, como veremos mais adiante na anlise dasfontes.E a legitimao nos faz lembrar o quanto a histria, mesmo sendoantiga como a faranica, e parecendo to distante do nosso pas, dialogacom o presente e faz sentido para determinado grupo neste tempo, comoafirma o prprio Roger Chartier ao conceituar representaes comoesquemas intelectuais, que criam as figuras graas s quais o presente

    pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligvel e o espao serdecifrado.10Logo, as representaes de Akhenaton so ferramentas que

    8VIEIRA, Dominique.Acerca do conceito de representao. Revista de Teoriada Histria Ano 3, Nmero 6, dez/2011 Universidade Federal de Gois ISSN:2175-5892.9CARVALHO, Francismar de. O conceito de representaes coletivas segundoRoger Chartier. Dilogos, DHI/PPH/UEM, v. 9, n. 1, 2005. Disponvelemhttp://www.sc.senac.br/biblioteca/arquivosSGC/CHARTIER%20E%20BOR

    DIEU.pdf.10CHARTIER, Roger.A Histria Cultural: entre prticas e representaes.Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990, p. 17.

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    nos ajudam a compreender mais sobre o contexto e os sujeitos queproduzem essa representao do que sobre o prprio Akhenaton.

    importante ressaltar alguns pressupostos que Henri Lefebvre(2006) nos traz, sobre o conceito de representao, que podem ajudar naresposta problemtica e que sero retomados nas consideraes finais:1) emerge e se formula em condies histricas; 2) possui limites que

    devem ser circunscritos; 3)suscita novos conceitos; 4) condensa umagnese que implicitamente o acompanha requerendo assim, um trabalhode genealogia; 5) pretende ser verdadeira e atuante e 6) tem carterdinmico.

    11Por esta razo, o objetivo principal da pesquisa ser perceber, ao

    longo do trabalho, se o discurso da Egiptomania acaba interferindo ou

    no no discurso da Egiptologia, se essa construo se d de maneiraisolada ou numa forma de dilogo, numa via de mo-dupla, lembrandoque estes conceitos sero trabalhados nos captulos II e III. Nestecontexto, os casos das representaes brasileiras de Akhenaton setornam cruciais para se compreender a construo da relao entreEgiptomania-o estudo de representaes- e Egiptologia-o estudo doEgito no passado- respondendo questo: quo distante estariam, na

    prtica, os discursos da egiptomania e da egiptologia?O primeiro captulo, Akhenaton, o fara do sol e seu contexto:

    Reino Novo, XVIII dinastia, propem-se a contextualizar o Egito noperodo do Reino Novo, trazendo informaes sobre o reinado deAmenothep III, pai de Akhenaton, mostrando que j existiam tenses

    poltico-religiosas antes mesmo de Akhenaton assumir como fara.Explica os fatores que levaram a essa ruptura com os deuses do panteoegpcio, e como se deu o desfecho da chamada Revoluo Amarniana.

    O captulo II dedicado fonte medinica, intituladoEgiptomania, Espiritualismo e um fara "iluminado", dividido nossubcaptulos "compreendendo a egiptomania", "sobre a obra", e"discurso e representao". Este captulo pretende explorar o conceito deegiptomania versus egiptologia, alm de perceber o discurso religiosocristo como opressor do politesmo e a representao do faraAkhenaton como um homem virtuoso, de esprito evoludo, que tentaracom sua revoluo fazer com que o povo egpcio percebesse que omonotesmo seria melhor do que o politesmo para o prprio

    11LEFEBVRE, Henri. La presencia y la ausencia: contribuicin a la teoria delas representaciones. (Trad. Espanhola de scar Barahona e UxoaDoyhamboure). Mxico: Fondo de Cultura Econmica, 2006.

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    crescimento espiritual de todos os povos da terra- idia esta que reflete ahierarquia entre politesmo e monotesmo.

    O terceiro captulo, intitulado JK e Akhenaton lado a lado:uma intrigante tese de doutorado, o captulo mais surpreendente

    pois, alm de trazer mais informaes sobre a egiptologia e sobre ocontexto da autora- subcaptulo Iara Kern: respirando a Nova Era-mostra os principais paralelos descobertos por ela e o contexto histricodo prprio Juscelino Kubitschek, no subcaptulo Relao entre Egito eBraslia: desvendando a representao de Akhenaton em JK. Logo apsas consideraes finais, foram adicionados em anexo as ilustraes

    presentes na tese de Kern, muito curiosas.

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    CAPITULO I- AKHENATON, O FARA DO SOL, E SEUCONTEXTO: REINO NOVO, XVIII DINASTIA

    A histria da sociedade egpcia antiga dividida em diversosperodos e Reinos. O contexto em que viveu nosso fara em questo,Akhenaton, o Reino Novo, que vai de 1550 a 1070 a.C12, compreendoas dinastias XVIII a XX. De acordo com a hiptese mais provvel,Amenfis IV era filho de o fara Amenothep III e da rainha Tii.Baseando-se em datas no to seguras, as evidncias indicam queAkhenaton reinou de 1370 a 1352 A.E.C. e que sua revoluo durou

    aproximadamente treze anos.13O pai de Akhenaton iniciou seu reinado por volta de 1408 A.E.C.,

    onde o Egito, chamado pelos nativos como Duas Terras, vivia entoum momento de explendor e tranquilidade, militarmente eeconomicamente. O imprio egpcio se estendia das costas da Sria ato Oriente e da Nbia at a terceira catarata; reina um bom entendimentocom a Mitanni e a Babilnia.

    14Na poca, as artes como poesia earquitetura tem um florescimento fantstico- o Templo de Luxor, ofamoso Terceiro Pilar de Karnak, entre outros.

    Com a mudana de reinado dos hititas, a paz foi interrompida,dividindo os aliados dos egpcios; ao mesmo tempo em que Amenothep

    III no reagiu de forma energtica. Junto a este fator, a cidade egpcia deTebas- que tanto vai interferir na trajetria de Akhenaton, mais adiante-cresce em riqueza, administrando os tributos de guerra trazidos pelosantecessores de Amenothep III. Tebas no se contenta com orientar a

    vida espiritual do Egito, pois ela rege tambm sua vida econmica15. A

    nasce um problema, que j existia e vai tomando propores maiores,que se costuma atribuir ao reinado de Akhenaton, mas que j comeou ase manifestar no reinado de seu pai: a capital do Egito fica merc dedois poderes ao mesmo tempo, o do fara e o do sumo sacerdote deAmon16, deus de Tebas.

    12Cronologia mais usual, revisada por Ian Shaw, egiptlogo da Universidade deLiverpool. HOBSON, C. The world of the Pharaohs.Londres. Thames andHudson, 1987.13JACQ, op. cit, p. 24.14Ibdem, p. 37.15Ibdem, p. 39.16Deus obscuro da cidade de Tebas durante todo o Reino Antigo, chamado deo Oculto. Amon era a criao de circustncias polticas, adquirindo

    gradualmente novos aspectos conforme assimilava os papis mitolgicos aps o

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    Neste contexto, o Primeiro Profeta de Amon acaba se tornando afigura do imprio mais importante depois do prprio fara.17

    Por conseguinte, em certos perodos osfaras da XVIII dinastia lograram manter ossumos sacerdotes no mbito de suas funesreligiosas. Mas o equilbrio conseguido pelaenergia de certos monarcas no podia serdurvel. Graas a uma organizao notvel,os sacerdotes de Tebas conseguiram manter,com maior ou menor discrio, um Estadodentro do Estado.

    Esta expresso de um Estado dentro do Estado se refere sdivergncias religiosas deste perodo, pois Amenothep III era partidriode uma religio mais universalista, enquanto esta idia era inconcebvel

    para o clero de Tebas, onde uma religio sem Amon no panteo dosdeuses principais reduziria a influncia poltica deste grupo emasceno. E quando esta discusso j se fazia presente- no da formaintensa como aconteceu no reinado de Akhenaton- que Amenfis IVassume o trono das Duas Terras.

    Atualmente, aps anlises e estudos de diversos pormenores, osegiptlogos, como Christiane Desroches-Noblecourt, tm certeza de quehouve uma co-regncia e que pai e filho reinaram juntos.18Atravs defragmentos de textos, especula-se que Amenfis III deve ter morrido

    por volta do dcimo segundo ano do reiando de seu filho.19A coroao,que dava incio ao reinado de Amenfis IV, foi um ato excepcional, poisele escolhera a cidade de Hermontis para a cerimnia, e no a

    aniquilamento dos seus adoradores. Durante o Reino Mdio, Amon foirelacionado com o carneiro, animal frtil, quando passou a ser considerado umdeus criador. ONS, Veronica.Egipto.Editora Verbo: Lisboa/ So Paulo, 1982,

    p. 92-94.17Como exemplo, Christian Jacq traz o caso do reinado do fara Thutmsis I(1530-1520), onde parece que os sacerdotes de Amon se ocupamexclusivamente dos assuntos religiosos. Logo, na conjuntura social e

    econmica, esta funo foi se modificando. JACQ, op. cit, p. 40.18 Jacq nos traz algumas destas evidncias, como nas pesquisas de ChristianeDesroches-Noblecourt. Ibdem, p. 46.19Ibdem, p. 46.

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    tradicional Tebas. Alm disto, adotou na mesma o ttulo inusitado dePrimeiro Profeta de R- Harakhti.20

    O fato de Akhenaton mudar seu nome, mais tarde,de AmenothepIV21- pertencente dinastia dos Amenothep- para Akhenaton, muitosignificativo neste contexto, pois dentro da sociedade egpcia, osimbolismo do qual cada nome era imbudo se fazia crucial para a

    prrpia manuteno da ordem. Outro fato relevante foi que no ano 5 ou6 do seu reinado, Akhenaton- que ainda era Amenfis IV- decide

    proclamar sua festa-sed22, simbolizando sua intenso mgica deregenerao neste ritual. Deste modo, tudo indica que sua revoluoAmarniana j estava sendo preparada, simbolicamente.

    Inica-se assim a fase de adorao ao disco solar Aton,

    considerado um rei-deus e identificado ao prprio fara23

    , e estarepresentao divina diferente das que eram usadas at ento: Aton representado como um disco solar com raios, cujas extremidadesterminam em mos. A essa peculiaridade, agraga-se o fato das esttuasdo fara terem um carter assexuado e rosto caricaturesco, enigma queainda controverso no ramo da egiptologia, afinal, seria apenas uma

    particularidade do novo estilo de arte amarniana24, uma representao do

    20O nome completo adotado por ele- que ainda no fez a substituio do nomeAmenothep por Akhenaton- : Primeiro Profeta de R-Herakhti que se rejubilano horizonte em seu nome de Shou que Aton. Este nome complicadoconstitui o incio duma teologia que levar religio atoniana; R- Horakhticontribui para a criao permanente da vida e Shou pode ser interpretado aqui,como a luz solar vivificante e Aton aparece pela primeira vez como um podersinttico que engloba todas estas noes. Ibdem, p. 50.21Amenothep significa Amon est satisfeito. Ibdem, p. 28. 22Ritual mgico, espcie de regenerao ritual. A peculiaridade est no fato deAmenfis IV ter pouca idade e estar ainda no incio do reinado, e

    tradicionalmente esta cerimnia era celebrada depois de muitos anos no trono.Ibdem, p.51.23Ibdem, p. 53.24Arte Amarniana o novo estilo de arte egpcia, inaugurada por Akhenaton,que empregava curvas exageradas, volumes estranhos, figuras alongadas e, svezes, deformadas, mudando os padres estticos da poca, que eram baseado

    em uma srie de leis bastante rigorosas. Como exemplo, as esttuas sentadasdeviam ter as mos sobre os joelhos; os homens eram sempre pintados com a

    pele mais escura do que as mulheres, como afirma Gombrich. Com o adventodo estilo de arte Amarniana, cenas antes nunca reveladas, mostrando a

    intimidade da famlia real, e as prprias imagens do fara Akhenaton de formacaricaturada, abalaram a concepo de arte egpcia e a forma de representar ohomem e a natureza na poca. Ver Silva, Tatiana Rita da. Do Cnone

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    divino que contm a essncia faminina e a masculina25ou uma doenagentica26?

    Mais controversa ainda a histria que envolve a rainhaNefertiti, sua esposa, que tanto fascina os olhares contemporneos pelasua beleza. No se sabe sua procedncia27, nem o porqu de ter sido aescolhida para, ainda criana, casar-se com Amenfis, que na pocacontava com 12 anos- pois protocolarmente, seu casamento devia tersido consumado com sua irm Sit-Amon.28Alm do mais, acredita-seque ela teve papel crucial na revoluo amarniana, no sendo apenasGr-sacerdotisa do culto de Aton. Como prova disso, temos umarepresentao dela, em uma cena rara, guardada aos personagensmasculinos, como descreve Jacq:

    Um bloco que veio da localidade de Helipolis econservado no Museu de Belas Artes de Bostonrevela um detalhe extraordinrio. Neste blocofigura um barco de Estado de Nefertiti, isto , umadessas grandes barcas utilizadas nos ritos reais. Arainha apresentada com uma coroa e vemo-la

    batendo com uma clava ritual um adversrioque ela empunha pelos cabelos antes de abat-

    Criao: A Simbologia usada na representao do Fara Akhenaton.Dissertao de Mestrado. So Paulo: Universidade Estadual Paulista, 2006, p.57. Mais sobre arte em GOMBRICH, E. H. A Histria da Arte. Trad. lvaroCabral. So Paulo: Editora LTC, 1999, p. 65.25O prprio egiptlogo Christian Jacq dessa opinio, alegando que as esttuasandrgenas no representariam a realidade fsica do fara, e sim seu aspectodivino, que por conter tanto a masculinidade como a feminilidade, funo destarepresentao. JACQ, op.cit, captulo I.26

    A doena gentica seria, segundo Cyril Aldred, a Sndrome de Frohlich, pois Os homens acometidos desta doena apresentam frequentemente umacorpulncia anloga quela de Akhenaton. As partes genitais permanecemdisfaradas e podem ser to envoltas de gordura a ponto de tornarem-seinvisveis. A adiposidade pode distribuir-se diferentemente de caso para caso,mas existe uma distribuio de gorduras que tipicamente feminina,

    principalmente nas regies do peito, , do abdmen, do pbis, dsa coxas e dasndegas. Ibdem, p. 20.27

    Ao interpretar seu nome, que significa a bela chegou,alguns egiptlogos

    acreditam que Nefertiti poderia ser a princesa Taduhepa, filha do rei Dushratta,

    do Mitanni, que aparece nas documentaes como entrando no Egito e depoisdesaparece dos registros. Ibdem, p. 66-67.28Ibdem, p. 67.

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    lo. Esta cena muito clssica na arte egpcia; mas,via de regra reservada estritamente ao rei enunca se ve a rainha nessa posturaespecificamente guerreira.

    Detive-me trazendo um pouco sobre a rainha Nefertiti porque, naminha concepo, Akhenaton no fez uma revoluo religiosa sozinho.E,como foi demonstrado anteriormente, ela teve um papel importantenas mudanas que aconteceram mais adiante.

    Uma transformao significativa para o Egito foi a mudana dacapital, com a construo, em um curto espao de tempo, de Akhetaton,fundada no sexto ano de seu reinado29, localizada geograficamente entrea cidade de Tebas e Mnfis.

    Para o rei, criar Amarna significava afirmar oesplendor dum deus que ainda no tinha sede,

    no dispunha dum lugar privilegiado sobre a terrado Egito. Amarna tornava-se, assim, a cidade deAton, da mesma forma que Mnfis, por exemplo,era a cidade do deus Pt. Para o Egito, um deus se,cidade de eleio constitua um poder irreal.30

    Este fator simblico inerente para no conceber a transfernciada capital do Egito e a construo deste novo centro urbano apenascomo fator de capricho do fara, pois preciso compreender a mudanada capital como uma necessidade simblica dentro do contexto e dasociedade egpcia ao se dar nfase a uma outra divindade.

    Por fim, o perodo mais conturbado do reinado de Akhenaton foio chamado perodo iconoclasta da Revoluo Amarniana, onde templosdos demais deuses foram fechados e imagens destrudas nesse contextode proibio de cultos a outras divindades em detrimento do deus Aton.Esse perodo da histria muito lacunar, no havendo um consenso decomo Akhenaton saiu do trono, nem de quem assumiu o poder aps ele.O casal solar desaparece dos registros egpcios, e o nome de Akhenaton

    passa a ser sistematicamente apagado de murais, pilares e demais obras,com a intenso de ser apagado da vida e da Histria egpcia.

    29Ibdem, p.83.30Ibdem, p. 91.

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    CAPTULO II- EGIPTOMANIA, ESPIRITUALISMO EUM FARA ILUMINADO

    2.1. COMPREENDENDO A EGIPTOMANIA

    Nos estudos sobre o Egito antigo, dois conceitos so essenciaispara a construo do conhecimento neste campo: egiptomania eegiptologia. Mais do que diferenci-los no sentido morfolgico, estesdois saberes se construram- ou pelo menos pareceram se construir- pormuito tempo, curiosamente, como reas isoladas, sem dilogo.Agregado a essa diferenciao, entra a hierarquia entre eles, onde a

    Egiptologia estaria, supostamente, num patamar de superioridade.O ramo da egiptomania se debrua sobre objetos de pesquisa queforam produzidos no naquele Egito da Antiguidade, mas depois dele ou

    por povos de fora do Egito, como os gregos por exemplo, produzindorepresentaes de outro contexto, que se apropriam de atributosegpcios. Como bem explica Bakos, egiptomania a reinterpretao e o

    re-uso de traos da cultura do antigo Egito, de uma forma que lheatribua novos significados31, sendo este,

    (...) um fenmeno que tem a caracterstica bsicade conjugar cincia e imaginao. Afinal, aegiptomania se desenvolveu da conjuno entre asde scobertas acadmicas, o saber popular e osrelatos de viajantes e escritores, tendo sealimentado continuamente do repertrio ilimitadode crenas e mitos universais.32

    interessante notar como a percepo dicotmica e hierarquizada

    da egiptomania versus egiptologia refletem o eterno dilema entre aobjetividade cientfica e a subjetividade.Tendo isto em vista, estapesquisa acaba por colaborar para desconstruir este tipo de abordagemhierarquizada, pelos motivos citados a seguir:

    Assim, a egiptologia, cincia que estuda as coisasegpcias, de forma cientfica, cartesiana, tornou-se, pelos seus princpios metodolgicosracionais e lgicos, mais valorizada que a

    31BAKOS, op.cit, p. 10.32Ibdem, p. 10.

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    egiptomania, que analisa prticas muito maisantigas, valorizando os aspectos emocionais dascriaes. que essa ltima no condiciona aapropriao de elementos do antigo Egito, ao

    conhecimento especfico e erudito de seusignificado original, poca de sua criao, mas sensibilidade daqueles que a utilizam, seja paraexpresso artstica, seja para a venda de algum um

    produto.33

    Em suma, o estudo de representaes do Antigo Egito se fazimportante para compreendermos os sujeitos que fazem a apropriao,sua biografia e seu contexto, o porqu de terem escolhido elementos

    egpcios, que tipo de discurso se pretende legitimar, como essasrepresentaes so recebidas/percebidas pelo pblico-alvo e qual oEgito que se busca resgatar, o Egito propriamente africano ou o Egitoeuropeizado.

    Vale ressaltar que os estudos na rea de representaes tanto doEgito como de outras sociedades antigas, cresce cada vez mais dentrodos espaos acadmicos.As pesquisas tem foco na anlise da utilizaoou apropriaoes de elementos do mundo antigo como uma forma delegitimidade social/cultural na conteporaneidade. O prprio projetoEgiptomania no Brasil. Sc. XIX e XX aprovado pelo CNPq em 2001,que deu origem a diversas pesquisas, como a da egiptloga Dra.Margaret Bakos34, assim como a criao da linha de pesquisa na UFF-Universidade Federal Fluminense- dentro do NEHMAAT35, chamadaUsos do Passado no Mundo Moderno e Contemporneo, soexemplos dessa crescente demanda.

    33BAKOS, M. M. O Egito antigo: na fronteira entre cincia e imaginao.Disponvel em www.pucrs.br/ffch/historia/egiptomania/publicacoes/egito2.pdf,p. 5.34Atualmente professora adjunto da Pontifcia Universidade Catlica do Rio

    Grande do Sul-PUC/RS.35NEHMAAT- Ncleo de Estudos em Histria Medieval, Antiga e ArqueologiaTransdisciplinar.

    http://www.pucrs.br/ffch/historia/egiptomania/publicacoes/egito2.pdfhttp://www.pucrs.br/ffch/historia/egiptomania/publicacoes/egito2.pdf
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    2.2. SOBRE A OBRA

    Primeiramente, cabe ressaltar aqui a justificativa do uso dessafonte.Akhenaton e a revoluo espiritual do Egito Antigo(2002) umromance muito difundido nos meios esotricos/espiritualistas, pois estna 3 edio, e pelo seu contedo e proposta, pode ser entendido comoum desdobramento das vertentes desencadeadas pelo MNA- Movimento

    New Age- ou Nova Era, como chamado no Brasil- que ser explicadono captulo III, pois a tese do respectivo captulo foi publicada namesma poca em que o movimento chegou ao pas. Essas vertentes

    brasileiras possuem algumas caractersticas marcantes, a saber:

    A identificao das vertentes no Brasilsintonizadas com a New Age global deve levar emconta sua nfase individualista e espiritualista, emreferncia a movimentos contraculturais. Essesfatores constituidores da New Age apontam, nocaso brasileiro, para uma interao com a cultura

    psicolgica e com a tradio esprito-medinica.36

    Tradio esprito-medinica refere-se aqui especificidadereligiosa brasileira que, pela sua configurao social e contexto histricoem que o Kardecismo37 entra no Brasil, acaba por gerar uma mudananeste Kardecismo francs. Como muitos estudiosos apontam, o que chamado de Espiritismo no Brasil atualmente uma religiosidade que sediferencia muito do Kardecismo, pois mesmo baseando-se nas obras deAllan Kardec- codificador da doutrina- agregou aspectos de religies

    36 DANDREA, Anthony. O self perfeito e a Nova Era: individualismo ereflexividade em religiosidades ps-tradicionais. Edies Loyola, p. 116.37 Kardecismo a doutrina sistematizada por Allan Kardec, sob os aspectoscientfico, filosfico e religioso, apresentando-se sob trs aspectos diferentes:o fato das manifestaes, os princpios de filosofia e de moral que delasdecorrem e a aplicao desses princpios. Livro dos Espritos. A partir de

    1854 at seu falecimento, em 1869, o trabalho de Kardec foi constitudo decinco obras bsicas: O Livro dos Espritos (1857), O Livro dos Mdiuns (1861),O Evangelho segundo o Espiritismo (1864), O Cu e o Inferno (1865) e AGnese (1868) . KARDEC, Allan. O Livro dod Mdiuns- ou Guia dos mdiunse dos evocadores. Rio de Janeiro: Federao Esprita Brasileira, 2009, p.635, p.647, p. 648.

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    afro-brasileiras e outras caractersticas, como o foco na questo dacaridade, que no se manifestam nesta religio na Frana.

    Sobre a obra, insere-se no gnero da literatura medinica, queconsiste em uma produo escrita atravs do mdium38. Cabeigualmente ressaltar o que se entende por religies medinicas:

    Religies medinicas representam um conjunto deelementos relevantes para a compreenso deaspectos da realidade brasileira e designam umtrao marcante, e talvez basilar, de nossa cultura:a crana generalizada em espritos e na

    possibilidade de manifestao e contato diretocom eles (entidades,orixs, Esprito Santo,

    demnios anjos, etc).39

    Este conceito importante pois, segundo nos informado, a obrade Paranhos teria sido orientada pelos espritos Hermes e Radams- esteltimo, o personagem principal que narra a histria em primeira pessoa,sendo o centro do romance sua trajetria de vida, quando acaba porfazer amizade com o fara Akhenaton na poca em que a RevoluoAmarniana comeava a ser planejada.

    Diferente da psicografia onde, segundo as crenas uma entidadeescreve pelo mdium- a pessoa que recebe o esprito e psicografa amensagem- esta modalidade em voga no momento, chamada orientaoou inspirao acontece quando o mdium- neste caso, o escritor RogerParanhos- recebe inspiraes que o incitam a escrever. Como afirma o

    prprio Livro dos Mdiuns, quando se recebe, pelo pensamento, tantono seu estado normal como no de xtase, comunicaes estranhas ssuas idias preconcebidas

    40. Vale ressaltar que este tipo de narrao utilizada na Histria como fonte, sendo o foco da anlise a perspectiva

    do discurso e do contexto, sem emitir julgamento, por parte dohistoriador, se h ou no verdade no discurso.O autor do livro, Roger Bottini Paranhos, formado em

    Administrao e ps-graduado em Sistemas de Informao, dedicando-

    38 Pessoa que pode servir de intermediria entre os Espritos e os homens.KARDEC, op. cit, p. 623.39DANDREA, op. cit, p. 131.40KARDEC, Allan. O livro dos mdiuns.Rio de Janeiro: Federao EspritaBrasileira, 2009, p. 282-283.

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    se ao Universalismo Crstico41, como ele mesmo afirma, como

    segunda atividade. A Editora do Conhecimento, publicadora da obra,cujo slogan ajudando a humanidade a encontrar a verdade, especializada na edio de livros de contedo espiritualista, sendo estavertente espiritualista renegada da esfera do espiritismo brasileiro, pelomotivo de no se enquadrar dentro das regras do Espiritismo daFederao Esprita Brasileira. Sobre esta vertente, generalizada aquicomo espiritualista, cabe explicar porque no a enquadramos dentro dotermo religio:

    No se trata de nova religio, segundo Magnani,mas do advento de uma espiritualidade vinculada

    a estilos de vida emergentes (padres de consumo,discurso e comportamento) resultantes de escolhasde ordem esttica, teraputica, especulativa eespiritual. O espiritual , assim, componente deum processo de autoquestionamento que sediferencia da obrigao religiosa.42

    A editora da obra em questo engloba diferentes segmentosespiritualistas, propondo-se a divulgar diversos caminhos doconhecimento43 espiritual, publicando livros da vertente ramatisiana44,

    41 O Universalismo Crstico se prope a promover uma viso espiritualelstica que atenda aos anseios de todos os grupos sociais e religiosos, com oobjetivo de despertar um verdadeiro sentimento de Espiritualidade nahumanidade, incluindo, inclusive, aqueles que se intitulam ateus e agnsticos

    por no aceitarem os modelos obsoletos do passado. Nega-se que seja ummovimento, preferindo ser reconhecida como uma ao individual consciente,

    tolerante e paciente, que se sustenta no dilogo aberto entre todas as religies,para ser o primeiro passo de unificao verdadeira dos princpios espirituaistrazidos Terra pelos grandes avatares de nossa histria. Disponvel em

    www.universalismocristico.com.br/apresentacao/preceitos-do-uc. Acessado em11 de Novembro de 2013.42DANDREA, op. cit, p. 117.43www.edconhecimento.com.br.44 Ramo espiritualista que segue os ensinos do esprito-guia do mdiumHerclio Mes, chamado Ramats, seus seguidores afirmam que Jesus era na

    verdade um anjo que servia de mdium a um esprito chamado Cristo

    Planetrio. So tambm vegetarianos e tm ligaes com o gnosticismo e oesoterismo. Tambm procura a doutrina passar um universalismo ocidental eoriental, propondo-se a ser um espiritualismo destitudo de rugas sectrias.

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    ttulos que tratam de ufologia, umbanda, sincretismo religioso eromances histricos psicografados por mdiuns independentes, tocriticados pela FEB- Federao Esprita Brasileira por abordar temasexcludos na esfera do espiritismo oficial da FEB . Vale lembrar que o

    espiritismo

    apresenta um desenvolvimento singular ao sertransferido para solo brasileiro, ainda na dcadade 1870, onde etabeleceu rpido contato comoutras tradies culturais (africanas, indgenas eluso-brasileiras), numa realidade scio-econmica

    bem distinta daquela que a engedrou. 45

    Essa nova realidade deu abertura a sincretismos religiosos epercepes diferentes e inditas do sagrado, mesclando o Kardecismofrancs a novas apropriaes. O livro Akhenaton- a RevoluoEspiritual do Antigo Egito, exemplo do crescimento e expanso dessasvertentes, o 1 volume de uma triologia, cujos outros volumes sorespectivamente Moiss- o libertador de Israel (2004) e Moiss- embusca da terra prometida (2005).

    Faz-se importante, para situar o leitor na prxima etapa de anlise

    da fonte, situar brevemente a histria narrada.O livro comea com uma breve explicao do esprito Hermessobre a Atlntida, que entra na histria por ser um lugar onde o faraAkhenaton, em um passado remoto, teria passado e vivido na pele deum dos grandes sacerdotes do Templo do Sol, afirmando que Akhenaton

    preparou a chegada do Divino messias, que viria transformar

    definitivamente o cenrio espiritual da Terra46. O captulo 1 se dedica a

    traar um histrico do Egito antigo nas palavras de Hermes, que seguenarrando os demais captulos igualmente em primeira pessoa, na sua

    outra vida como um jovem egpcio, odiado pelos irmos- de me

    Para seus discpulos e admiradores, Ramats coordena a Fraternidade da Cruz

    e do Tringulo, equipe extrafsica de espritos oriundos do cristianismo e de

    tradies religiosas do Oriente, comprometida em difundir sntese doconhecimento contido nas doutrinas religiosas e espiritualistas ocidentais eorientais, a fim de promover a integrao da humanidade em torno de valoresticos e cosmoticos em comum e a expanso dos horizontes conscienciais

    planetrios. Disponvel em www.espiritualismo.info. Acessado em 10 de

    Novembro de 2013.45DANDREA, op. cit, p.127-128.46PARANHOS, op.cit, p.11.

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    diferente- e pelo pai, que trabalhava como lavrador com a famlia. Estejovem, chamado Radams,estudava os hierglifos toda noite com umsbio senhor, pois almejava ser um dia um sacerdote de Tebas, suacidade. Sua vida muda de rumo quando recebe em casa a visita de umhomem chamado Ramsis, sumo sacerdote do Templo de Osris, que oconvida a servir no Templo, onde passa um bom tempo estudando naCasa da Vida, poca em que acaba conhecendo Isetnefret, filha do sumosacerdote Ramsis e ficam noivos.

    Por influncia do Templo de Osris e de seu destaque comomdico na Casa da Vida, Radams recebe um convite para participar deum jantar na casa real, com o fara Amenothep III e sua esposa Tii- paisde Akhenaton- e se intera do assunto discutido: o problema do

    crescimento do grupo sacerdotal de Amon, os cabeas raspadas, vindo aconhecer os filhos do fara, Tutmsis- o preferido- e Amenothep IV-desajeitado, magro e com feies estranhas, tratado como fraco edoente, mas percebido por Radams como uma criana iluminada,espirituosa e muito inteligente.

    Com a morte do filho Tutmsis, o fara Amenothep III pioraraseu estado de sade, e convencido pela esposa Tii, nomeia AmenothepIV, agora com 15 anos, como co-regente, em nome de Aton. Nacerimnia, a situao poltica j estava tensa, na presena do povo e dos

    sacerdotes de Amon, em meio a vaias e proclamaes. quando revelado atraves de mensagens espirituais a Radams que ele, assimcomo o sogro e a esposa, teriam papel fundamental na revoluoespiritual que ocorreria no Egito. Continuam a viver a rotina, e nostrabalhos assistenciais de medicina, atendendo o povo, sogro e genro

    proclamavam sua f no deus Aton, conseguindo desta forma algunsadeptos.

    Enquanto isso, na corte, a jovem Nefertiti, filha do vizir Aye,casa-se com Amenothep IV, no s para ligar o querido vizir ainda mais famlia, mas segundo os planos informados pela espiritualidade aRamsis, ela tambm teria papel importante na revoluo, que comeacom o fechamento dos templos dos deuses, causando indignao ediviso do povo entre Aton e Amon, e estes ltimos seguidores odiavamo fara por terem perdido prestgio e terras- que o fara havia retiradodas mos dos sacerdotes de Amon e dado aos pobres.

    Foi no casamento entre Amenothep IV e Nefertiti que houve amudana de nome para Akhenaton, juntamente com a apresentao do

    templo em Karnak e obras artsticas que impactaram o povo: seusretratos caricaturados e tambm uma esttua do sacerdote de cabearaspada Ptahmsis caricaturada, enraivecendo os sacerdotes de Amon na

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    cerimnia, explodindo ento um tumulto que terminou em sangue emortes, mesmo com a segurana do general Horemheb.

    Logo aps o tumulto, comunicado populao que todos quequiserem poderiam ir para uma nova capital junto com o fara,alojando-se em barracas no meio do deserto enquanto as habitaes noficassem prontas. Aye pediu para ficar na antiga capital resolvendoassuntos burocrticos, assim como Horemheb, que pretendia ter carta-

    branca nos assuntos militares. Na mesma poca, Nefertiti e a esposa deRadams, Isetnefret, esto grvidas e tm uma forte amizade, ambas

    participando da vida poltica do Egito. Akhenaton adoece, e suspeita-seque seja uma doena mgica, e mais tarde Radams e seu amigo deinfncia Sen-Nefer descobrem que era de fato uma doena mgica

    procovada pelos sacerdotes de Amon, que faziam magia dentro dotemplo, em uma esttua de Akhenaton, para prejudic-lo e mat-lo.Com a visita de um sbio amigo, Radams informado da

    situao poltica em Tebas, das conspiraes e da traio do vizir Aye. Eenquanto tramam para derrubar Akhenaton do trono, o fara se ocupaem viagens de peregrinao, perodo este em que Nefertiti tornou-seSemenkhkare, reinando por trs anos e cuidando das questesadministrativas, ao mesmo tempo em que epidemias assolavam o Egitoe o prprio filho do casal real, Tutankhaton, adoece e quase morre.

    Neste clima tenso, de doenas e instabilidade com os hititas,Nefertiti, que regia o reino como Semenkhkare, morre envenenada pelosinimigos, deixando todos temerosos e Akhenaton louco, que passa a

    permitir a Horemheb atacar os hititas, decidindo tambm destruir todasas imagens de Amon, e apagar seu nome dos templos, iniciando-se um

    perodo de guerra civil. Akhenaton envenenado por Aye e Ptahmsis,em uma reunio em que pedia paz enquanto estourava a guerra civil forado palcio. Morto o fara odiado, cuja mmia foi violada e jogada no

    Nilo, Radams, sua esposa e o sogro Ramsis foram perseguidos pelosseguidores de Amon, sendo Radams incubido de fugir da cidade deAkhetaton para Tebas com as crianas do casal real, Tutankhaton e suairm Ankhesepaaton, que mais tarde, nesta mesma cidade so coroadoscomo o novo casal real sob a tutela de Aye, sendo jovens fantoches dasartimanhas do vizir.

    A histria tem um final trgico: o sogro e a esposa de Radamsso condenados morte por traio e so murados vivos. Tutankhaton esua esposa-irm sofrem um tratamento de choque com os partidrios de

    Amon, o que leva o pequeno Tut a mudar seu nome para Tutankamon, eRadams, desolado com o rumo do Egito sem Akhenaton, com ofracasso da Revoluo que ele tanto acreditava, e com a morte trgica e

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    injusta de seu sogro e da esposa amada, se suicida jogando-se de umprecipcio. Por este suicdio- ato condenado tanto no UniversalismoCrstico como em outras doutrinas espiritualistas- acaba nascendo na sua

    prxima vida (o segundo volume) com problemas de sade relacionadoscom o tipo de morte que teve.

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    2.3. RELIGIO, DISCURSO E REPRESENTAO

    Antes de analisar-mos o contedo da obra, vamos deter-mos nasua capa e em seu tutlo, por considerar, como afirma Peter Burke, queas imagens tm o seu lugar ao lado de textos literrios e testemunhos

    orais47. Logo, imagens podem ser uma fonte histrica e uma evidncia

    enriquecedora, trazendo respostas e questionamentos novos para ohistoriador, alm de trazerem os mtodos de anlise da iconografia48eiconologia49, criticados por Burke, mas no descartados. Segundo ele,

    Pode-se dizer que os historiadores precisam daiconografia, porm, devem ir alm dela.

    necessrio que eles pratiquem a iconologia deuma forma mais sistemtica, o que pode incluir ouso da psicanlise, do estruturalismo e,especialmente, da teoria da recepo.50

    Essas incluses se fazem necessrias porque so muitas ascrticas a esses mtodos de anlise iconolgica e iconogrfica, como ocaso da ltima, criticada por ser intuitiva em demasia, muitoespeculativa, bem como pela falta de dimenso social.51 A anlise da

    capa do livro ser breve em funo do recorte temtico do trabalho,porm a anlise considerada importante por se tratar da capa de umlivro, o primeiro contato que o leitor pblico-alvo tem com a obra se datravs dessa capa.

    Na imagem, apresenta-se um desenho do casal solar, ondeNefertiti representada como uma mulher branca e de traoseuropeizados, e Akhenaton mesmo tendo uma cor mais morena,igualmente representado com traos europeus- o que no condiz nemum pouco com as imagens e esttuas do casal, e indo de encontro

    questo da africanidade do Egito antigo52

    . Alm disto, outros elementos

    47BURKE, Peter. Testemunha ocular: histria e imagem. Bauru, SP: EDUSC,2004, p.11.48Iconografia a anlise do ponto de vista de ler a obra imagtica. Ibdem, p.44.49 Iconologia caracteriza-se por voltar-se para o significado intrnseco eindispensvel para os historiadores culturais. Ibdem, p. 44-45.50Ibdem, p. 52.51Ibdem, p. 50.52 Ver mais sobre a africanidade do Egito, em voga na historiografia atual em:FAGE, D. Histria da frica. Lisboa: edies 70, 1997; e no blogwww.afrologia.blogspot.com.br.

    http://www.afrologia.blogspot.com.br/http://www.afrologia.blogspot.com.br/
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    como um sol ao estilo grego atrs do fara, um rosto de traos tambmeuropeus em uma das colunas da paisagem e smbolos como a cruzAnkh53 como colar e uma pedra parecida com esmeralda na testa deAkhenaton, formam no conjunto uma imagem muito surreal eanacrnica.

    Figura 1- Ilustrao da capa do livro Akhenaton- a Revoluo Espiritualdo Antigo Egito

    Fonte: PARANHOS, Roger B. Akhenaton- a Revoluo Espiritual doAntigo Egito. 4 ed. Limeira, SP: Editora do conhecimento, 2006.

    O ttulo do livro por si transmite muito da concepo do autor, aonomear a Revoluo Amarniana como Revoluo Espiritual. Ele

    passa a dar nfase ao lado religioso e negligencia totalmente os aspectospolticos e sociais que culminaram na revoluo, que como vimosanteriormente no captulo I, j estavam aflorando no reinado anterior de

    53 A crus Ankh, amuleto e smbolo da vida, s foi utilizado como colar no

    perodo mais remoto da histria do Egito, e no no Reino Novo. BUDGE,Budge. A magia egpcia: pedras, amuletos, frmulas, nomes e cerimniasmgicas.Editora Madras.

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    Amenothep III. Este romance medinico no a primeira fico que seapropria da figura de Akhenaton como um esprito iluminado e sbio;Ciro Flamarion nos traz exemplos ao analisar os romancesA wife out ofEgypt (Uma esposa oriunda do Egito), publicado em 1913, e There wasa king in Egypt (Houve um rei no Egito), publicado em 1918, ambos daescritora Norma Lorimer54, em que Akhenaton tambm representadodessa maneira, manifestando-se inclusive no contexto da PrimeiraGuerra Mundial e influenciando os personagens que viviam nessapoca.

    Temos esse mesmo tipo de atitude no personagem Akhenaton deParanhos, por exemplo, no trecho em que Radams foge com as crianasTutankhaton e Ankhesepaaton, para escond-las na necrpole de

    Akhetaton enquanto a cidade saqueada e seus habitantes mortos pelastropas do vizir Aye. Escondidos na necrpole, eles testemunharam sescondidas a violao da sepultura de Akhenaton e Nefertiti, e logo apster trazido a mmia, desfigurada e molhada do fara para a tumbanovamente- pois os saqueadores haviam jogado a mmia no Rio Nilo-Radams recoloca a mmia dentro do sarcfago,

    (...) antes de recolocar a tampa, fiquei algunsinstantes olhando para o corpo mumificado.

    Intuitivamente eu percebi aquela tnue luzdourada que sempre envolvia Akhenaton duranteseus discursos comoventes, onde ele pregava seuamor ao deus Aton e aos homens(...) segurei firmea mo da mmia (...) disse-lhe:-Onde est o teu deus Aton, meu fara? Onde esteste deus que te abandona (...)?(...) Eu estava saindo pela entrada da tumbaquando ouvi (...)- No desacredites de Aton, Radams! Devemosconfiar em Deus mesmo no compreendendo seusdesgnios (...).

    Eu me virei para trs e vi Akhenaton,de p, belo e sereno, vestindo uma tnicacelestial branca e envolvido por maravilhosa luzdourada. (...)55

    54CARDOSO, op. cit.55PARANHOS, op. cit, p. 277-278.

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    Akhenaton aqui representado de um modo angelical, dentro doarqutipo de esprito iluminado que se apresenta em diversosromances medinicos, sendo um personagem que supera a morte fsica emanifesta-se interferindo no mundo dos vivos- neste caso, acalmandoRadams.

    O livro de Roger Paranhos um exemplo brasileiro deste tipo derepresentao, que projeta valores cristos espiritualistas da atualidadenum contexto especificamente egpcio, o da segunda metade do sculoXIV a.C., que nada tinha de hebraico, cristo ou muulmano

    56. aatualidade retomando o contexto da Nova Era, palavra to repetida aolongo da narrativa, que atua como fio condutor, pois como a prrpiacontra-capa afirma,

    (...) esta no uma fico, mas sim a programaoque a Alta Espiritualidade planejou paraconcretizar-se no palco terreno e que promoveriao grande avano da humanidade encarnada nossculos futuros, caso a ao perversa de espritosenegrecidos pela ignorncia e pelo dio notivessem colaborado para a derrocada do Grande

    Projeto Monotesta no Antigo Egito.57

    Esta dicotomia que percebemos entre monotesmo e politesmo mais complexa do que se pensa a primeira vista, pois no so conceitosestanque, sendo relativos- um cristo, no olhar de um muulmano, podeser politesta por acreditar na Trindade, por exemplo, e alm dissoexistem outras categorias entre estes dois conceitos. No caso do Egitoantigo, existiu tanto a monolatria (concentrao de um fiel ou de umatendncia religiosa num nico deus, sem negar que existam outros)

    quanto o henotesmo (assimilao ou sntese de diversos deuses emfavor de um deles)58.No romance, o politesmo simplificado e inferiorizado,

    encarado como atraso da sociedade egpcia e do restante da humanidade,retomando inclusive o teor do Antigo Testamento bblico, quandoAkhenaton afirma Todos os deuses do Egito no expressam mais a

    56CARDOSO, op.cit, p. 2.57PARANHOS, op. cit, contra-capa.58CARDOSO, op. cit, p. 3-4.

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    verdade da Terra do Poente. Chega de idolatrias! O verdadeiro Deus nopossui forma, pois ele onipresente, vive em tudo e em todos ns

    59.A relao no s com a Bblia, mas com o Cristianismo-

    lembrando que Akhenaton viveu no sculo XIV A.E.C- no livro muitoforte, dialogando com a idia de Universalismo Crstico, como no

    trecho a seguir:

    (...) Em meio a uma era primitiva dedesenvolvimento, Akhenaton antecipava asmensagens de amor e paz do Grande MestreJesus. (...) Foi, certamente, um dos primeiros e

    principais representantes do Cristo na histriaconhecida pela humanidade terrena aps o ltimo

    ciclo evolutivo planetrio ocorrido na Atlntida.60

    A partir do trecho, percebe-se como a representao deAkhenaton, apropriou-se do embate do mesmo contra o politesmo,servindo, este fato, de apoio ao discurso do Universalismo. Mesmo semnegar outras vertentes e reconhecendo personagens de outras religiescomo Buda e Krishna como avatares, por exemplo, a idia crist

    prevalece, bem como seus ideais- e a insere-se o monotesmo.Justamente nesta questo reside a construo da suposta contribuio deAkhenaton e construo de sua representao proto-crstica.

    interessante ressaltar que o Universalismo Crstico, que pregae v os ensinamentos de Cristo e de outros personagens chamadosavatares em diversas religies orientais e ocidentais, est em voga no

    momento, mas definitivamente recusada pelo Espiritismo brasileiro(da FEB). H, no campo das religies medinicas do Brasil, uma disputade poder que vem se tornando cada vez mais paritria. Pesquisasmostram-nos que mesmo no se declarando como professador da

    religiosidade espiritualista- ou at mesmo esprita- o nmero deconsumidores de livros espiritualistas e de centros dessa natureza vmaumentando consideravelmente no pas todo nos ltimos anos- o livroem questo j est na sua 4 edio. No cenrio contemporneo,

    o crescimento do espiritismo acompanhado pelasua significativa fragmentao (...) proliferaode grupos sincrtico- esoteristas (como o Vale doAmanhecer, a Umbanda Esotrica), pelo

    59PARANHOS, op. cit, p. 140.60Ibdem, p. 168.

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    surgimento de grupos paracientficos (como aprojeciologia), bem como por centros que sedistanciam das orientaes doutrinrias da FEB.61

    Isto leva, na atualidade, a um complexo cenrio de religiesmedinicas no pas. Dentre vertentes novas e sincrticas, a idia deUniversalismo Crstico est em fase de crescimento, carecendo de

    pesquisas sobre assunto.

    61DANDREA, op. cit, p. 136.

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    CAPTULO III- JK E AKHENATON LADO A LADO:UMA TESE DE DOUTORADO

    3.1. A EGIPTLOGA RESPIRANDO A NOVA ERA

    Ao determo-nos sobre uma tese de doutorado, cabe explicar umpouco mais sobre o ramo da egiptologia. Seu estudo possui um cartercientfico/cartesiano sobre o Egito Antigo do passado, na conjunturahistrica da Antiguidade. Este tipo de cincia se tornou mais paupvele enriquecedora a partir do momento em que o francs Jean FranoisChampollion conseguiu iniciar os estudos da escrita egpcia- os beloshierglifos- a partir da famosa Pedra de Roseta.62

    Historicamente, esses estudos se modificaram, agregando novastcnicas, que passaram a acompanhar as crescentes inovaestecnolgicas; logo, os estudos egiptolgicos atualmente envolvem,alm da arqueologia de campo- tumbas, templos, stios arqueolgicos-

    pesquisas que utilizam tecnologia de ponta- como testes de DNA parasaber sobre parentesco, tomografias computadorizadas de mmiascomo a to famosa para se descobrir o motivo da morte do jovem faraTutankhamon (filho do Akhenaton tratado aqui), anlises em 3D,reconstituio de rostos a partir de ossadas, entre outros.

    Partindo destes pressupostos cientficos (ou no), encontramos afalecida professora de Antropologia da UnB- Universidade de Braslia-Iara Kern, graduada nos Estados Unidos com especializao emegiptologia. Ao buscar informaes sobre sua trajetria, encontramosseu nome como uma figura importante nos meios esotricos e atmesmo ufolgicos, como uma das palestrantes de destaque no eventoufolgico chamado 1 Congresso Internacional de ConscinciaCsmica63, ocorrido de 7 a 10 de Julho de 1995, em cuja confernciaKern pareceu chamar muito a ateno, segundo dados de umaentrevista com ela Equipe Wolff da AFI- Associao Friburguense de

    62Ao comparar os cartuchos com os nomes Clepatra e Ptolomeu, o historiadorChamapolion conseguiu traduzir, como mtodo da comparao, e l-los emhierglifo, demtico e grego. BAKOS, M. M. O que so hieroglifos. Coleo

    Primeiros Passos. So Paulo: Editora Brasiliense, 1996.63Revista UFO. Edio 38, Centro Brasileiro de Pesquisas de Discos Voadores:Maio de 1995. Disponvel emwww.ufo.com.br/edicoes/ufo/ver/38/4.

    http://www.ufo.com.br/edicoes/ufo/ver/38/4http://www.ufo.com.br/edicoes/ufo/ver/38/4
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    Imprensa- "eletrizou a platia com o tema: Comparao entre os seresextraterrestres, os egpcios e a cidade de Braslia"64.

    Vale ressaltar que em funo de suas pesquisas terem sido feitasantes da poca da digitalizao de currculos, teses e dissertaes, nofoi possvel fazer um mapeamento de toda a trajetria acadmica da

    professora Kern, bem como de seu currculo, nem de dados sobre suadissertao, como bibliografia utilizada, orientao e bancaexaminadora. Todas as cinco edies publicadas em forma de livro dateseDe Akhenaton a JK: das Pirmides a Braslia constam no acervoda Biblioteca da UnB65 atualmente, bem como o livro em ingls Thesecret Braslia66 e o documentrio67 produzido por ela e ErnaniFilgueiras Pimentel.

    Ao analisar esta segunda fonte escolhida,De Aknaton a JK, dasPirmides a Braslia, notamos primeiramente que, j no ttulo, a tese daegiptloga Iara Kern busca traar um forte paralelo entre o fara da 18dinastia e o ex-presidente do Brasil Juscelino Kubitschek, colocando-oao lado, na prpria capa, de uma esttua de um fara- provavelmenteAkhenaton; e pelo prprio ttulo do livro. A capa chama a ateno pelamensagem que passa, anacrnica e emblemtica: JK a conversar comuma esttua egpcia, com a mo direita sobre o joelho da esttua,simbolizando um lao e uma intimidade com este personagem. A

    ilustrao da capa, assim como as demais oito ilustraes anexadas dissertao, tem o intuito de concretizar as concepes da pesquisa,ilustrando as afirmaes feitas ao longo da obra, e foram encomendadas

    por Kern ao artista plstico Byron de Quevedo68 e estas telas

    64

    AFI- Associao Friburguense de Imprensa, localizada em Nova Friburgo,Rio de Janeiro, fundada em 1957. Entrevista postada em 29 de Janeiro de 2013no blog da AFI, realizada pela equipe de Ana Maria Wolff. Disponvel emwww.associacaofriburguensedeimprensa.blogspot.com.br/2013/01/brasilia-uma-fantastica-concepcao-de-3.html.65www.consulta.bce.unb.br.Acessado em 10 de Outubro de 2013.66 KERN, Iara; PIMENTEL, Ernani Filgueiras. Secret brasilia(the).Brasilia:Porfiro, 2001.67 KERN, Iara, PIMENTEL, Hernani F.Braslia Secreta:enigma do AntigoEgito. Brasilia: Editora Prtico, [2000?], colorido, VHS.68 Formado em Artes Plsticas em Middlesex Country College Edson, NewJersey, E.UA e formado em Jornalismo pela CEUB- Braslia. KERN, 1991, op.cit, p. 87.

    http://associacaofriburguensedeimprensa.blogspot.com.br/2013/01/brasilia-uma-fantastica-concepcao-de-3.htmlhttp://associacaofriburguensedeimprensa.blogspot.com.br/2013/01/brasilia-uma-fantastica-concepcao-de-3.htmlhttp://consulta.bce.unb.br/http://consulta.bce.unb.br/http://associacaofriburguensedeimprensa.blogspot.com.br/2013/01/brasilia-uma-fantastica-concepcao-de-3.htmlhttp://associacaofriburguensedeimprensa.blogspot.com.br/2013/01/brasilia-uma-fantastica-concepcao-de-3.html
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    comparativas da tese foram inclusive expostas com as telas de Portinari,em 1984.69Em entrevista, Byron explica:

    Nas dez telas pintadas por mim, procurei darbeleza e poesia s chamadas coincidncias entreos prdios e palcios brasilienses e as runasegpcias. E foi fazendo o trabalho que fuiverificando que de fato havia grande semelhanaentre as duas arquiteturas. Quanto s questesmsticas sobre o tema, elas so melhoresexplicadas pela criadora da tese.70

    As telas de Byron, em anexo, representam essa atmosfera mstica

    que Kern utiliza ao longo da tese. Tais imagens transbordamanacronismos, representando a pirmide de Kops ao lado do Teatro

    Nacional de Braslia; embarcaes egpcias ao lado de uma lanchamoderna e de um barco ao estilo windsurf, no Lago Parano; acomparao entre o pssaro bis e o plano piloto da cidade; a pirmidede degraus de Saquara ao lado da pirmide de degraus da CEB-Companhia Energtica de Braslia, entre outros.

    69As dez telas que compem a coleao Braslia Mstica, de Byron de Quevedo,entre 16 e 22 de Novembro do ano de 1984 foram expostas na Exposio doBanco Central. Idem, p. 87.70FREIRE, Janana M. Jnior, Dante F. Um estudo sobre a identidade mstica

    de Braslia DF. Revista Geogrfica de Amrica Central,Nmero Especial.EGAL, 2011: Costa Rica, II Semestre 2011, p. 13.

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    Imagem 2- Ilustrao da capa do livroDe Aknaton a JK: das Pirmidesa Braslia.

    Fonte: KERN, Iara.De Aknaton a JK: das Pirmides a Braslia.2 Ed.(tese de doutorado). Braslia, 1984.

    Para entender-mos a tese de Iara Kern, preciso compreender ocontexto no qual estava inserida, e provavelmente ativa no sentido deexperimentar e vivenciar esse contexto. Sua tese, publicada em 1984,tambm se relaciona com o desenvolvimento do MNA- Movimento

    New Age, cujo marco , segundo Anthony Dandrea, o ano de 1986 no

    Brasil71. Mas para compreender este movimento, necessrio retornarao contexto que lhe deu origem, o da Contracultura. Contestando os

    padres da poca, a Contraculturacomea nos anos 50 com o movimento beatnik,

    seus poetas e mochileiros (...) e se estende em

    71DANDREA, op. cit, p. 11.

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    vrias frentes na dcada de 60 (...) umaperspectiva mais individualizada descobre noconsumo de drogas uma via de liberao e volta-se para a experimentao de novas substancias

    psicoativas (...) essa corrente contestatria atingeo comportamento sexual e a organizao da vidafamiliar (...) os valores espirituais, evidentemente,no ficariam de fora.72

    Deste modo, revoltaram-se contra a cultura crist dos EstadosUnidos, bebendo da fonte de filosofias e religies orientais. Destaca-se ofato deste processo de renovao espiritual e busca de caminhosmsticos no ser somente um desdobramento do movimento da

    Contracultura, tendo contribuies para isso do transcedentalismo norte-americano do sculo XIX, bem como corrente esotricas e ocultistaseuropias73. Deste modo, surge o Movimento Nova Era, consolidando-se no incio dos anos 70, deixando de ser vista como excentricidade doshippies e passando a incorporar outras tendncias, como do campocientfico, tornando-se tambm um campo de negcios na dcada de80.74

    Como foi dito anteriormente no captulo II, este movimento, aoser introduzido no panorama brasileiro, sofreu mudanas, adequando-se realidade scio-cultural. O New Age (global) entra no Brasil etransforma-se na Nova Era (local), caracterizada por marcar pressesindividualizantes e reflexivistas da cultura contempornea para dentrodo campo religioso

    75.A estrutura da obra se d nestes termos: anlise das coincidncias

    e simbologias arquitetnicas, um breve histrico de Akhenaton, o Hinoao Sol, o presidente Kubitschek e a construo de Braslia e demaisreflexes. Primeiro, ela mostra as semelhanas que encontrou entre o

    Egito antigo e Braslia, dando como exemplo o lago e prdios pblicos,misturando Kabalah hebraica e numerologia do Tart Egpcio,caracterizando-se como uma tpica New Ager, a saber:

    New agers incorporam e hibridizam novos eantigos conhecimentos, para satisfazer demandas

    72MAGNANI, Jos G. C. O Brasil da Nova Era. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,2000, p.11, 12.73Ibdem, p. 12.74Ibdem, p. 15.75Ibdem, p. 23.

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    existenciais e materiais e gerar novos sentidos devida, Diversos fatores motivam tal atitude: altaescolaridade, ceticismo, curiosidade (...) Essascombinaes ocorrem de forma intensa e

    contnua, estabelecendo potencialmente, assim,um processo de reviso permanente de prticas ecrenas.76

    As chamadas por ela de coincidncias so tantas e de naturezas

    to diferentes- englobando um discurso esotrico77e ocultista- que nocabem nesta discusso das representaes de Akhenaton que ficaromais na esfera do social, cultural e poltico.78No entanto, interessantemencionar os exemplos que, para Iara Kern, seriam evidncias de que o

    Egito estaria implantado em Braslia: relao entre o Lago Parano e oRio Nilo, bem como suas aves aquticas79; pirmide de degraus egpciae paralelo com a pirmide de degraus da CEB- Companhia deEletricidade de Braslia80; o Memorial JK revestido de mrmore,mesmo material de que eram revestidas as pirmides egpcias81; a IgrejaCatlica de Santa Cruz igual a uma Tumba Faranica

    82; a OrdemRosa Cruz e o edifcio do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq)seriam semelhantes ao Ramsium de Ramss II83; a fisionomia doshabitantes de Braslia seria semelhante a dos antigos egpcios84; alm desemelhanas entre JK e Akhenaton, como a afirmao de que ambos

    76Ibdem, p. 23.77 Como Magnani, compreendo por esotrico toda vasta gama de prticasalternativas que esto relacionadas amplamente ao movimento New Age, queincorpora vertentes esoteristas, alternativistas, paracientficas, orientalistas.

    Ibdem, p. 121.78Como na discusso trazida por Koselleck, futuro e passado so objeto deestudo da Histria como cincia, sendo que este conhecimento do passadohistrico sempre revisto e modificado pela percepo dos agentes histricosdo presente. KOSELLECK, Reinhart.Futuro passado:contribuio semntica dos tempos histricos.Rio de Janeiro (RJ): Pontifcia UniversidadeCatlica do Rio de Janeiro, 2006.79KERN, op. cit, p. 26.80Ibdem, p. 30.81Ibdem, p. 37.82Ibdem, p. 37.83Ibdem, p. 37.84Bdem, p. 39.

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    viveram somente 16 anos aps a inaugurao de suas cidades e ambos

    tiveram morte violenta85.

    No captulo o fara Aknaton, Kern resume a trajetria de vidadele- a mudana de nome, durao de seu reinado e sua luta speracontra os sacerdotes de Amon, detacando o novo culto a Aton e aconstruo de uma nova capital no Mdio Egito

    86. Logo aps citar oHino ao Sol, Kern afirma que seu autor foi Akhenaton e que ele muitotem a ver com a nova capital brasileira.

    87 Nota-se que houve anecessidade, para sua tese, de se apropriar de Akhenaton, e entrando emdetalhes, de um Akhenaton que ela escolheu como representao.

    Seu estudo de modo algum se propem a fazer uma anlise dasconstrues arquitetnicas de Braslia com inspirao no Egito Antigo:

    estilo, uso do formato triangular e piramidal, sua relao com a cabala ecom o tar egpcio, como idia de representaes do Egito antigo. Kernno quer fazer uma anlise pela via da Egiptomania, ela tem anecessidade e a preocupao de relacionar o ex-presidente a Akhenaton,de modo implcito em alguns trechos, fazer com que tenham umarelao direta- deveras exagerada.

    85Ibdem, p. 39.86KERN, op. cit, p. 49.87Ibdem, p. 56.

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    3.2. RELAO ENTRE EGITO E BRASLIA: DESVENDANDO AREPRESENTAO DE AKHENATON EM JK

    Esta relao direta entre Akhenaton e JK foi o que tentou serdemonstrado no captulo seguinte da tese, Juscelino Kubitcheck de

    Oliveira e a construo de Braslia, pois embasada no livro escrito porJK intituladoMeu caminho para Braslia88, afirma que o conhecimentoque o presidente possua do Antigo Egito, especialmente da poca dofara Aknaton era to grande e notria,

    89. Para afirmar esta relao,traz trechos do livro em que JK escreveu no s sobre o Egito, masespecificamente sobre o fara:

    Recordei a beleza, aureolada pelo infortnio, darainha Nefertiti e o visionarismo do seu maridoAmenfis IV ou Akhenaton- o Fara Herege.Apesar da minha formao religiosa, no escapeiao fascnio daquela estranha personalidade, mistode sonho e audcia, cuja obra de reformadorconstituiu, durante algum tempo, uma das

    preocupaes do meu esprito.90

    Mas audcia no , para Kern, a nica caracterstica que seriacomum aos dois homens: JK era maravilhado pela histria deAkhenaton, como no trecho a seguir:

    Levado pela admirao que tinha por esseautocrata visionrio, cuja existncia quaselendria eu surpreendera atravs das minhasleituras em Diamantina, aproveitei minha estadano Egito para fazer uma excurso at o local, ondeexistira Tell El-Amarna (...) Hoje, tanto tempo

    decorrido, pergunto-me, s vezes, se essaadmirao por Akhenaton, surgida na mocidade,no constituiu a chama, distante e de certo modoromntica, que ascendeu e alimentou meu ideal,realizado na maturidade, de construir, no

    88 OLIVEIRA, Juscelino K. De. Meu caminho para Braslia. Volume 1: A

    experincia da humildade. Rio de Janeiro, Bloch Editores, 1974.89KERN, op. cit, p. 59.90Ibidem, p. 60.

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    Planalto Central, Braslia- a nova Capital doBrasil.91

    Ou seja, ao construir Braslia (anos aps sua viagem ao Egito) JKtinha conscincia da influncia que seu contato com o Egito teve paraconceber seu projeto. Ele afirma que construiu a cidade para as futurasgeraes, como mostrado no trecho a seguir:

    Lembro-me agora, do que me disse, um dia, aprincesa Marina da Grcia, duquesa de Kent,quando a levei para conhecer Braslia. Ao ver acidade, que naquela poca- meados de 1958- eraapenas um gigantesco canteiro de obras,comentou extasiada: O senhor constri,Presidente, como os faras do Antigo Egito ofaziam. Sorri, mas corrigi a observao: Quanto

    monumentalidade, possvel que sim, Alteza,mas quanto aos objetivos, seguimos caminhosdiametralmente opostos. Os faras construam

    para os mortos, e eu construo para as geraes dofuturo.

    92

    O final deste trecho escolhido por Kern ilustra bem o contexto deJK, bem como seus objetivos como presidente eleito: acelerar odesenvolvimento econmico do pas, prometendo fazer em 5 anos o quedemoraria 50 anos, e integrar a nacionalidade com a contruo deBraslia e de estradas desde a Amaznia, das chapadas do Oeste e dolitoral convergirem at a nova capital.93 Como no exemplo acima, odiscurso de JK sobre a integrao nacional retomado pela egiptloga,

    pois para o presidente esta questo perpassava pelo nacional-desenvolvimentismo, consolidando-se como sua marca e seu projeto

    poltico-social.Sua campanha presidencial fora diferente dos precedentes Dutra e

    Vargas, com o slogan 50 anos em 5 e com a idia de colocar o Brasil

    no patamar dos chamados pases desenvolvidos. O programa de

    91Ibdem, p. 60.92Ibdem, p. 61.93MOREIRA, Vnia M. L. Os anos JK: industrializao e modelo oligrquicode desenvolvimento rural, p.157-158. In: FERREIRA, Jorge; ALMEIDA,

    Lucilia de (org). O Brasil Republicano- o tempo da experincia democrtica:da democratizao de 1945 ao golpe militar de 1964. 2 ed- Rio de Janeiro:Civilizao Brasileira, 2008.

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    governo contava com o Plano de Metas, um documentoessencialmenteeconmico

    94 segundo Vnia Moreira, que a princpio incorporou aconstruo de Braslia, para mais adiante acabar transformando-a emuma das prioridades de JK. Ele situava Braslia, alis, em lugar de

    destaque, considerando-a a grande meta de integrao nacional ou,ainda, a meta-sntese de sua administrao.95Como um todo, o Planode Metas pretendia aprofundar o processo de industrializao,incentivando investimentos com capital nacional e estrangeiro, bemcomo investimentos estatais na infra-estrutura do pas. Pode-se dizer quereferindo-se a questo energtica, transpote, infra-esturtura,

    pavimentao asfltica, entre outros, o plano teve sucesso, contextolembrado por muitos como os anos dourados

    96, repletos de esperanas

    no futuro. interessante perceber o quanto este discurso poltico estatrelado ao discurso mstico de Kern, partidria- ao que tudo indica- da

    postura de JK, dentro do contexto em que escreveu a obra, 1984.97Comafirmaes como a f, a certeza e a confiana na finalidade de sua obra,o levaram a construir a cidade do terceiro Milnio- Braslia98, aegiptloga desconsidera o contexto poltico do Brasil na poca, assimcomo que tipo de nacionalismo e desenvolvimentismo era esse proposto

    pelo presidente. Desde os anos 1930, o pas contri uma ordem burguesa

    e um Estado nacional, no rompendo com o latifndio, podendo-seafirmar que o perodo JK foi, de fato, um momento de ampla expanso

    da grande propiedade capitalista da terra99, e que a internacionalizao

    do capitalismo brasileiro fortaleceu a burguesia industrial, social epoliticamente, alm de complexar a burocracia estatal.100

    Ao trazer a imagem de um Juscelino idealizado, vangloriandoseus feitos- desde a criao do concurso para o Plano Piloto at a

    94Ibdem, p. 159.95Ibdem, p. 159.96 A expresso anos dourados refere-se aqui ao tempo da Bossa Nova, doCinema Novo, da vitria do Brasil na Copa Jules Rimet de Futebol e osentimento de nacionalismo que contagiava a populao brasileira nestecontexto. ALMEIDA, Lcio F. R de. A iluso do desenvolvimento:nacionalismo e dominao burguesa no anos JK. Florianpolis: Ed. Da UFSC,2006.97O exemplar que utilizo de 1991, 3 edio.98Kern, op. cit, p. 62.99ALMEIDA, op. cit, p. 10.100Ibdem, p. 10.

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    construo rpida da nova capital em trs anos e dez meses101, Kerndeixa de lado qualquer esboo de crtica na esfera poltica, mesmo o

    presidente esndo uma figura emblemtica na histria do Brasil,nohavendo um consenso sobre seu mandato, pois

    O nacionalismo, em quaisquer das suas fases, foium instrumento adequado para a classe dominanteencontrar alguma unidade (...) Mas sob o governode JK serviu de invlucro para um esforo dehegemonia burguesa, associando o discursonacionalista-populista com o da democracia eainda com a racionalidade tcnica.102

    Kern exalta o presidente Juscelino- em funo do discurso danova capital do terceiro Milnio, olvidando-se das tantas crticas que, napoca do mandato (1956-1961)103, caam sobre ele, principalmente comrelao ao salrio mnimo e construo da nova capital.104

    Apesar da ressalva, Kern insiste em afirmar que JK nos deixounas obras um sentimento mstico que envolve a cidade

    105. Valeressaltar que este sentimento mstico interpretado por Kern como

    uma mescla de diversos elementos de natureza fantstica- como o mitode Dom Bosco106 e suas vises sobre o Planalto Central- que almejamlegitimar Braslia como uma cidade diferente das demais.

    101KERN, op. cit, p. 64.102ALMEIDA, op. cit, p. 11.103MOREIRA, op. cit, p.158.104JK afirmava que as comisses peritrias, encarregadas de estudar o assunto

    salarial, no fariam aumentos em funo de que se houvesse um aumentosalarial para os trabalhadores, consequentemente o custo de vida aumentaria.Outro assunto de crticas era a construo de Braslia, que para muitos era umaopo catasfrfica, por trazer enormes gastos aos cofres pblicos. De fato, no

    fim do mandato j se sentiu uma crescente inflao no pas, que se agravou maisadiante. Ver AlLMEIDA, op. cit, p. 247-248.105Ibdem, p. 61.106Em 1883, um padre catlico italiano, Dom Joo Bosco, da ordem de SoFrancisco de Sales, a sonhou. Ele, que jamais estivera no Brasil, nela anteviu asede de uma nova era, de equilbrio, progresso e espiritualidade. Registrou a

    profeciacom as mincias de sua localizao geogrfica - num dirio, que, aose tornar pblico aps sua morte, provocou reaes de surpresa e entusiasmo noBrasil, j no incio do sculo XX. FREIRE, op. cit, p. 2.

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    Braslia foi construda no sculo XX, como agrande programao de construir a capital doterceiro Milnio, para receber no seu mago, todaessa estrutura Mstica, que se observa por toda

    parte. Ora na sua arquitetura, ora na simbologia,ora no seu prprio povo.107

    Este tipo de viso quase mitolgica de Braslia, apresentada porKern, uma idia antiga e reapropriada em diversos casos e contextos,

    principalmente com fins tursticos.

    O turismo mstico um segmento de reconhecidopotencial em Braslia. O Vale do Amanhecer, o

    Templo da LBV, a Cidade da Paz, a CidadeEcltica, o sonho proftico de Dom Bosco, osinmeros templos religiosos, os monumentos emforma de pirmides e as incrveis semelhanascom o Egito Antigo so elementos que integram oroteiro mgico da cidade. O misticismo de AltoParaso, no Estado de Gois, a 284 km de Braslia,contribui significativamente para aumentar ofascnio daqueles que se interessam pelosmistrios do Planalto Central.108

    Deste modo, percebe-se como a tese de Kern ajuda a alimentartodo um imaginrio que j existia, legitimando o turismo mstico deBraslia como grande centro ecumnico109 e como lugar nascido domisticismo.

    Percebe-se a presena de dois mitos que constituem a cidade: oprimeiro se refere cidade moderna e planejada e o segundo terraprometida, idealizada como o bero da nova civilizao

    110. So vrias

    as vertentes que enxergam Braslia como uma cidade mstica esobrenatural, relacionada profecias, como a de Dom Bosco, e Nova

    107KERN, op. cit, p. 66.108GAMA, James. Braslia, a terra prometida: turismo mstico e religioso nacapital do pas. Monografia em Gesto e Marketing do Turismo, Universidadede Braslia-UnB, 2004, p. 25.109Estima-se que existam mais de 2.600 templos de diversas seitas e religiesno Distrito Federal. GAMA, Ibdem, p. 1.110FREIRE, op. cit, p. 14.

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    Era. A sociedade Eubitica111 tambm trouxe algumas profecias.Tratou de temas como a potencialidade evolutiva da Amrica do sul, emque o Brasil, como rea central do territrio, seria o Ponto de origem, o

    bero de uma nova civilizao 112.

    Entrando em assuntos metafsicos, Kern nos traz especulaesdelicadas. Em nenhum momento ela usa, de seu prprio punho, a

    palavra reencarnao. Porm, esta questo entra indiretamente na sua

    tese, pois os mistrios elucidam-se ainda mais quando recorremos sexplicaes fornecidas pela Sociedade Brasileira de Eubiose, sediada emBraslia, ao que explica:

    As cenas do filme de Pedro Torre- De Aknaton a

    JK- mostram uma sequncia de fotogramascomparativos em que se pode ver umasurpreendente semelhana fsica entre os doisfaras (referindo-se a Akhenaton e a JK).Ambos vem a morrer 16 anos aps a inauguraodas novas capitais e em circunstncias trgicas.113

    Logo, o perfil de Akhenaton se projeta em JK, em suas obras, suasuposta personalidade inovadora, ousada e visionria. O Akhenatonrepresentado aqui, atravs de JK, um homem que via alm de seutempo, sendo mal entendido por vrios contemporneos seus, que secolocam contra seu projeto revolucionrio. A reforma religiosaempregada por Akhenaton e a mudana da antiga capital Tebas paraAkhetaton est, para a egiptloga, em relao direta com a mudana dacapital do Brasil para o vazio demogrfico do Planalto Central. Inclusivea rapidez com que estes dois projetos foram concludos tambm comparada.

    Atravs de sua obra, que usa Akhenaton construdo com bases em

    documentos histricos como o hino a Aton e outros dados da egiptologiaretirados de pesquisas com muita credibilidade por estudiosos comoCyryl Aldred e Christian Jacq com relao Revoluo de Amarna, aegiptloga agrega a este perfil valores que no constam nestes estudos,

    pois esto fora do alcance do historiador.

    111A sociedade brasileira de eubiose, cujo slogan spes messis in semine (aesperana da colheita reside na semente), trabalha com estudos de religiescomparadas, preocupados com a chamada elevao da conscincia humana.

    Ver mais no site www.eubiose.org.br.112FREIRE, op, cit, p. 6.113KERN, op.cit, p.72.

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    A representao de Akhenaton construda junto representaode JK, e vice-versa, e estas representaes se constrem em simbiose,numa via de mo-dupla. A poltica, os interesses, e o contexto histricoem que estes dois personagens estavam inseridos fogem da tese, paradar lugar a um discurso de homens visionrios que pensavam em um

    bem comum, fruto do imaginrio de Iara Kern, influenciada pelo seucontexto.

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    CONSIDERAES FINAIS

    Aps a anlise das respectivas fontes, retomaremos ospressupostos de representao de Henri Lefebvre. As duasrepresentaes se formulam em condies histricas distantes, pormno to diferentes, pois ambas esto inseridas no movimento Nova Era,uma pelo contexto da autora- que publica a tese em 1984, e por sua

    participao em eventos ufolgicos- e a outra ( do ano de 2000) peloobjetivo da obra e da Editora do Conhecimento- o chamadoesclarecimento espiritual.

    Sobre a evocao de novos conceitos, penso que o conceito deegiptomania recente, bem como seus estudos, estando atrelados, como

    neste caso, a um contexto poltico, o que torna a representao muitomais intrigante e complexa, enriquecendo seu estudo. A representaono se desliga totalmente do seu significado original, por isso foi feitouma espcie de trabalho de genealogia, como diz Lefebvre, ao tentar

    buscar o personagem Akhenaton histrico, sem anacronismos e dentrodo seu prprio contexto.

    Por fim, Lefebvre afirma que as representaes pretendem serverdadeiras e atuantes, e isso verificvel nos respectivos discursos datese e do romance. A tese da egiptloga que respira a Nova Era, utiliza a

    representao de Akhenaton em JK, aproximando os dois homens paralegitimar a cidade de Braslia como uma capital da Novo Milnio,inspirada na sabedoria egpcia em todos os detalhes de seu planejamentoe construo, fornecendo provas materiais para isso, como a arquiteturacomparada- sua maneira. O discurso de cunho espiritual do romance deParanhos igualmente tenta ser verdadeiro, ao afirmar que esta no uma fico, mas sim a programao que a Alta Espiritualidade

    planejou114

    , justificando tambm que Jesus deveria ter nascido em

    solo egpcio e pregado suas verdades imorredouras s margens dosagrado Nilo em meio mais desenvolvida e espiritualizada dascivilizaes da Idade Antiga.

    O carter dinmico se percebe nas duas fontes, quandoentendidas dentro do contexto de cada uma, pois ambas refletemmomentos espiritualistas em seus respectivos discursos, um delegitimao da cidade e o outro na idia do Universalismo Crstico. Istoconfirma a concepo de que as representaes de fato falam mais sobreo contexto do presente- momento da apropriao- do que do objeto

    apropriado.114PARANHOS, op. cit, contra-capa.

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    Percebemos que esse New Age global, religio invisvel ps-tradicional, sem igrejas, sem doutrinas oficiais ou sacerdotes115 encontrado nos meios mais inesperados, at mesmo como fio condutorde uma tese, como o caso de Iara Kern. Isto demonstra que estemovimento passa muito alm apenas da esfera do espiritual, pois Kerntenta concretizar suas relaes entre Egito e Braslia.

    As duas representaes brasileiras de Akhenaton foramconstrudas em processos culturais e sociais especficos, sendo que osocioeconmico e o cultural entrecruzam-se no plano das subjetividades,com formas emergentes de vivenciar-se e significar o transcendente116.O fato deste transcendente estar presente na tese de Iara Kern no deuma forma distanciada de anlise, lana a pergunta: existiria ento uma

    fronteira clara entre egiptologia e egiptomania, e qual seria? Aseparao existe e estes dois saberes sustentam-se por discursosdiferentes. Estariam distantes, na prtica, os discursos da egiptomania eda egiptologia?

    A tese de Iara Kern um exemplo brasileiro, gritante eexagerado, que demonstra muito bem como a cincia da egiptologia noest e nunca foi imune egiptomania. Da mesma forma, as lacunas dahistria que a egiptologia no preencheu sero motivo de especulao narea da egiptomania, bem como as partes j preenchidas, que so

    resignificadas nessas novas representaes, como o caso da questo domonotesmo.

    Esta anlise, ao comparar as duas fontes- uma como representanteda egiptologia e outra como representante da egiptomania- demonstraque ambas fazem trocas e dialogam, algumas vezes mais, outras menos-no caso de Kern, o dilogo com a egiptomania foi espantosamentegrande e perceptvel, mas h casos em que a egiptologia lana mo daegiptomania de um modo to discreto e racional, que parece seregiptologia pura. Por este motivo, o estudo das representaes deAkhenaton trouxe uma interessante resposta problemtica,demonstrando que mesmo constituindo-se por discursos diferentes ehierarquizados, egiptomania e egiptologia, na prtica, se aproximam,dialogam e se misturam, pois estes dois saberes so, antes de tudo,representaes.

    115DANDREA, op. cit, p. 209.116Ibdem, p. 136.

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    BIBLIOGRAFIA ESPECFICA

    BAKOS, Margaret M. O Egito antigo: na fronteira entre cincia eimaginao. Disponvel emhttp://www.pucrs.br/ffch/historia/egiptomania/publicacoes/egito2.pdf. --