módulo v

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Módulo V Para Costa, Leitão, Santos, Pinto & Fino (2000) o grande desafio que se coloca à escola de hoje é o de encontrar formas de responder efetivamente às necessidades educativas de uma população escolar cada vez mais heterogénea, de construir uma escola que a todos aceite e trate de forma diferenciada. Por isso, cada vez mais se pretende que a escola promova uma educação inclusiva, reconhecendo o direito de todos os alunos de aprenderem juntos, independentemente das dificuldades e diferenças que apresentam. Estes autores apresentam vários motivos que fundamentam esta posição: em primeiro lugar, porque o contacto e o convívio, quer na sala de aula quer fora dela, entre alunos com dificuldade com e sem deficiências é um meio necessário para a normalização dos comportamentos, sendo uma forma dos alunos com deficiência desenvolverem relações sociais progressivamente mais autónomas e diversificadas, enquanto os alunos ditos “normais” poderão desenvolver uma maior capacidade, afetiva e cognitivamente construída, de aceitação da diferença. Em segundo lugar, porque os pares funcionam como um suporte social (círculo de amigos, apoio e partilha de atividades na escola, vizinhança...) e como um suporte de instrução (modelação, aprendizagem por imitação...), mecanismos extraordinariamente importantes no desenvolvimento das crianças e jovens com deficiência intelectual acentuada. Em terceiro lugar porque um sistema de educação especial segregado, paralelo ao sistema educativo geral, pressupõe que o desenvolvimento e a aprendizagem, apenas reside na intervenção e na competência de docentes e técnicos, desvalorizando completamente a importância e a força dos mecanismos interativos e comunicativos entre pares, esquecendo a importância do grupo como fator essencial na construção, normalização e regulação dos comportamentos e das aprendizagens. Por último, referem que a frequência de uma instituição de educação especial, por norma afastada da área de residência do aluno, implica um corte nas relações com os seus amigos e vizinhos. Para Costa (2006) os objetivos globais da educação pública são idênticos para todos alunos, independentemente do nível das suas capacidades intelectuais: espera-se que todos atinjam o máximo das suas potencialidades, que se tornem membros produtivos da sociedade, que promovam a sua cultura e os seus valores morais, que se tornam cidadãos responsáveis, etc.…Quando se trata de alunos com deficiência intelectual acentuada, estes objetivos traduzem-se em conseguir que possam vir a ter uma vida com qualidade, funcionando da forma mais autónoma e integrada que for possível.

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Módulo V

Para Costa, Leitão, Santos, Pinto & Fino (2000) o grande desafio que se coloca à

escola de hoje é o de encontrar formas de responder efetivamente às necessidades

educativas de uma população escolar cada vez mais heterogénea, de construir uma

escola que a todos aceite e trate de forma diferenciada. Por isso, cada vez mais se

pretende que a escola promova uma educação inclusiva, reconhecendo o direito de

todos os alunos de aprenderem juntos, independentemente das dificuldades e

diferenças que apresentam.

Estes autores apresentam vários motivos que fundamentam esta posição: em

primeiro lugar, porque o contacto e o convívio, quer na sala de aula quer fora dela,

entre alunos com dificuldade com e sem deficiências é um meio necessário para a

normalização dos comportamentos, sendo uma forma dos alunos com deficiência

desenvolverem relações sociais progressivamente mais autónomas e diversificadas,

enquanto os alunos ditos “normais” poderão desenvolver uma maior capacidade,

afetiva e cognitivamente construída, de aceitação da diferença. Em segundo lugar,

porque os pares funcionam como um suporte social (círculo de amigos, apoio e partilha

de atividades na escola, vizinhança...) e como um suporte de instrução (modelação,

aprendizagem por imitação...), mecanismos extraordinariamente importantes no

desenvolvimento das crianças e jovens com deficiência intelectual acentuada. Em

terceiro lugar porque um sistema de educação especial segregado, paralelo ao sistema

educativo geral, pressupõe que o desenvolvimento e a aprendizagem, apenas reside na

intervenção e na competência de docentes e técnicos, desvalorizando completamente a

importância e a força dos mecanismos interativos e comunicativos entre pares,

esquecendo a importância do grupo como fator essencial na construção, normalização e

regulação dos comportamentos e das aprendizagens. Por último, referem que a

frequência de uma instituição de educação especial, por norma afastada da área de

residência do aluno, implica um corte nas relações com os seus amigos e vizinhos.

Para Costa (2006) os objetivos globais da educação pública são idênticos para

todos alunos, independentemente do nível das suas capacidades intelectuais: espera-se

que todos atinjam o máximo das suas potencialidades, que se tornem membros

produtivos da sociedade, que promovam a sua cultura e os seus valores morais, que se

tornam cidadãos responsáveis, etc.…Quando se trata de alunos com deficiência

intelectual acentuada, estes objetivos traduzem-se em conseguir que possam vir a ter

uma vida com qualidade, funcionando da forma mais autónoma e integrada que for

possível.

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De facto todas estas reflexões de alguma forma têm vindo a abrir as portas da

escola, permitindo assim a entrada de alguns que ficariam de fora. É minha convicção

de que de que todos os seres humanos têm potencialidades e limitações, e que é da

competência do professor, desenvolver ao máximo e o mais eficazmente possível, na

criança ou no jovem, todas as suas competências e possibilidades de forma a minimizar

as suas limitações, para que a confiança em si mesmo e a sua autoestima o levem a

integrar-se plenamente na sociedade e a considerar-se um cidadão válido.

Consequentemente, o que eu pretendo para os meus alunos com dificuldades

intelectuais é que vivam num ambiente familiar (não numa instituição), que

frequentem a escola da sua comunidade, com os seus irmãos e vizinhos, que convivam

com pessoas sem deficiência, que possam usufruir dos recursos da comunidade, que

tomem decisões sobre a sua vida e, quando adultos, que trabalhem em serviços da

comunidade e sejam pagos pelo seu trabalho. Todavia, para estes alunos torna-se

necessário realizar adequações curriculares intensas, tomando-se a opção de

implementar um currículo funcional, que pretende contribuir para que as crianças e

jovens com deficiência intelectual acentuada tenham, durante a idade escolar e ao

longo dos anos, uma vida de qualidade, ou seja uma vida com a máxima autonomia e a

máxima inserção social e profissional que for possível.

O currículo funcional é caracterizado por ser individualizado, ou seja, o desenho

curricular de cada currículo deve estar de acordo com as capacidades e o contexto

familiar do aluno; estar adequado à sua idade cronológica, procurando-se que o aluno

faça parte do seu grupo de idades; abranger atividades funcionais, ou seja, atividades

que são úteis e que contribuem para a autoestima do aluno; incluir atividades não

funcionais como por exemplo as artísticas; estabelecer a aquisição de competências que

possam ser utilizadas não só na escola, mas também fora do ambiente escolar e que se

desenvolvam em diferentes espaços da escola e na comunidade.

Passo a descrever alguma da minha experiência como responsável pela

implementação de dois currículos funcionais. A Sara frequenta o 6º Ano, tem 12 anos,

enquanto o Marcelo está no 8º Ano, com 14 anos, ambos não leitores. Os seus

currículos possuem áreas como o Português e a Matemática Funcional, TIC, Atividades

da Vida Diária, entre outras. Nestas eles aprendem a “ler” a Agenda Cultural, a

“escrever” um recado, a manusear o dinheiro, a comunicar através do Messenger, a

gerir uma caixa de correio eletrónico, a tratar do seu vestuário e, até, a tratar de uma

pequena horta. Ainda vão adquirindo outras competências como a deslocar-se em

transporte público e a pé, a realizar as suas refeições no refeitório, a responsabilizar-se

pela marcação das respetivas senhas, a utilizar os serviços da biblioteca escolar e

municipal. Também têm disciplinas que frequentam com os seus grupos/turmas como

Page 3: Módulo v

a Educação Física, a Educação para a Cidadania, a Educação Visual e a Educação

Tecnológica.

Para Costa (2006) é importante que alunos com mais de 11/12 anos, com este

tipo de dificuldades, continuem a ter oportunidade de participar em grupos de trabalho

com os colegas da turma; que tenham acesso a tarefas/atividades escolares que

conseguem realizar; que ouçam a música que ouvem todos os outros, da mesma faixa

etária; que utilizem o telemóvel ou a máquina de calcular; que utilizem a cantina da

escola e os espaços e serviços existentes na comunidade, frequentados pelas crianças da

mesma idade. Ao realizarem estas atividades que são próprias da sua idade (mesmo

que de forma parcial ou com ajudas diversas) promovem a sua autonomia e inserção

social e preparam a sua futura transição para uma vida ativa.

É preciso perceber as necessidades doas aluno nos diversos contextos em que se

insere, e a partir daí programar a intervenção a realizar, construindo um percurso

adaptado, mas ouvindo-o e negociando as decisões. Assim, o seu currículo conta com

tempos de permanência na sala de aula e tempos em que tal não acontece, tempos esses

que, a partir dos 12/13 anos,serão progressivamente mais prolongados. Daí que, estes

alunos devem poder ter algumas experiências em espaços de tipo laboral, pois devido à

dificuldade de generalização e de transferência com que se deparam, a sua

aprendizagem deve ter lugar nos espaços em que normalmente tais atividades se

realizem e ter em atenção as expectativas quer da família quer do aluno, procurando

aproximar-se tanto quanto for possível delas. Por exemplo, o Marcelo já iniciou um

Programa de Transição Individual, no armazém do Lar Jacinto Faleiro, onde

desenvolve atividades como arrumar os produtos que chegam, limpar, varrer, ajudar a

transportar produtos…

Mas Costa (2006) alerta para o facto da utilização desta perspetiva educativa

funcional implicar que a escola garanta condições para que tal seja realizado com êxito,

e que essas condições passam, essencialmente, pela atitude dos adultos que têm

funções na escola (professores, diretores, auxiliares, técnicos), caracterizada pela

compreensão das vantagens da integração destes alunos (vantagens não só para eles,

mas para toda a população escolar) e pela vontade de ultrapassar as dificuldades que se

levantem, procurando as respostas mais adequadas para cada caso, em cada momento.

Para além disso, é essencial que a escola disponha de autonomia e de flexibilidade no

seu funcionamento, de modo a poder ajustar-se aos condicionalismos de que se reveste

cada aluno, nas diferentes fases da sua vida.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- Costa, A. M., Leitão, F. R., Santos, J., Pinto, J. V. & Fino, N. D. (2000). Currículos funcionais: Manual para formação de docentes. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional/ Ministério da Educação. Consultado em 23 de Fevereiro de 2010 através de http://malhatlantica.pt/ecae-cm/Inclusao.htm - Costa, A. M. (2006). Currículo funcional no contexto da educação inclusiva. Consultado em 24 de Fevereiro de 2010 através de http://redeinclusao.web.ua.pt/files/fl_46.pdf