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Modelo semi–empírico para avaliação do desempenho de motores Diesel consumindo gás natural Semi-empirical model to evaluate the performance of natural gas powered Diesel engines Modelo semi-empírico para evaluar el rendimiento de los motores Diesel movidos a gas natural Ricardo Hernandez Pereira Carlos Valois Maciel Braga Sergio Leal Braga Resumo Medidas do desempenho de quatro diferentes motores, todos operando no modo bicombustível Diesel/gás natural, foram realizadas em dinamômetro de bancada. Selecionaram-se os motores a ensaiar por suas características construtivas e operacio- nais, representativas das distintas aplicações dos motores Diesel (cilindrada, faixa de rotação, uso ou não da turbo-alimentação e arrefecimento do ar de combustão). Obtiveram-se pontos experimentais por amplas faixas dos parâmetros com influência sobre o desempenho de motores. Variou-se a razão de substituição de Diesel por gás natural, de modo a levantar as regiões por onde a operação bicombustível é possível. Embora o foco do trabalho esteja sobre o desempenho, também se tomaram dados relativos às emissões de poluentes particulados, tanto durante a operação Diesel original quanto para a de bicombustível. Os resultados indicam que, por grande parte dos campos de funcionamento dos motores ensaiados, apenas parte do gás efetivamente queima. Os dados experimentais foram empregados na proposta de correlações empíricas a serem utilizadas na estimativa do desempe- nho de motores, originalmente Diesel, quando operando no modo bicombustível. Tais correlações foram utilizadas na conversão à operação Diesel/gás natural de três diferentes grupos geradores de eletricidade (motores de 212, 535 e 1.570hp). palavras-chave: n motores n Diesel n gás natural n geração termelétrica n combustão Abstract The performance of four different engines were measured, all powered by the dual fuels diesel/natural gas and mounted on a dynamometer bench. The tested engines were selected for their construction and operational characteristics, representing diesel engines for different applications (capacity, speed range, with/without turbo charging and combustion air cooling). Exper- imental points were obtained for wide parameter ranges with influence on engine performance. The replacement rate of diesel with natural gas was varied to identify the mix where the dual fuel operation was possible. Although the study focus was on performance, data on particulate pollutant emissions were also recorded, not only during the original diesel operation but also for the dual fuels. The results indicate that, for most operational fields of the engines tested, only part of the gas actually burns. Boletim Técnico da Petrobras, Rio de Janeiro, v. 53, n. 1/3, p. 53-70, abr./ago./dez. 2010 n 53

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Modelo semi–empírico para avaliação do desempenho de motores Diesel consumindo gás natural Semi-empirical model to evaluate the performance of natural gas powered Diesel engines Modelo semi-empírico para evaluar el rendimiento de los motores Diesel movidos a gas natural

Ricardo Hernandez PereiraCarlos Valois Maciel BragaSergio Leal Braga

ResumoMedidas do desempenho de quatro diferentes motores, todos operando no modo bicombustível Diesel/gás natural, foram

realizadas em dinamômetro de bancada. Selecionaram-se os motores a ensaiar por suas características construtivas e operacio-nais, representativas das distintas aplicações dos motores Diesel (cilindrada, faixa de rotação, uso ou não da turbo-alimentação e arrefecimento do ar de combustão). Obtiveram-se pontos experimentais por amplas faixas dos parâmetros com influência sobre o desempenho de motores. Variou-se a razão de substituição de Diesel por gás natural, de modo a levantar as regiões por onde a operação bicombustível é possível. Embora o foco do trabalho esteja sobre o desempenho, também se tomaram dados relativos às emissões de poluentes particulados, tanto durante a operação Diesel original quanto para a de bicombustível. Os resultados indicam que, por grande parte dos campos de funcionamento dos motores ensaiados, apenas parte do gás efetivamente queima. Os dados experimentais foram empregados na proposta de correlações empíricas a serem utilizadas na estimativa do desempe-nho de motores, originalmente Diesel, quando operando no modo bicombustível. Tais correlações foram utilizadas na conversão à operação Diesel/gás natural de três diferentes grupos geradores de eletricidade (motores de 212, 535 e 1.570hp).

palavras-chave: n motores n Diesel n gás natural n geração termelétrica n combustão

AbstractThe performance of four different engines were measured, all powered by the dual fuels diesel/natural gas and mounted on

a dynamometer bench. The tested engines were selected for their construction and operational characteristics, representing diesel engines for different applications (capacity, speed range, with/without turbo charging and combustion air cooling). Exper- imental points were obtained for wide parameter ranges with influence on engine performance. The replacement rate of diesel with natural gas was varied to identify the mix where the dual fuel operation was possible. Although the study focus was on performance, data on particulate pollutant emissions were also recorded, not only during the original diesel operation but also for the dual fuels. The results indicate that, for most operational fields of the engines tested, only part of the gas actually burns.

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The experimental data were used in the proposed empirical correlations to estimate the originally Diesel engine performances, when operating in a dual fuel mode. Those correlations were used to convert the Diesel/natural gas operation of three different groups of electricity generators (engines with 212, 535 and 1,570hp).

keywords: n engines n Diesel n natural gas n thermal power n combustion

ResumenEl rendimiento de cuatro motores diferentes fueron medidos, todos ellos movidos por combustible doble de diesel/gas natural

y montados sobre un banco dinamométrico. Los motores probados fueron seleccionados por sus características de construcción y funcionamiento, en representación de motores diesel destinados a diferentes aplicaciones (capacidad, rango de velocidad, con/sin carga turbo y refrigeración del aire de combustión). Puntos experimentales se obtuvieron para los rangos anchos de parámetros con influencia en el rendimiento del motor. La tasa de sustitución del diesel por el gas natural se varió para identificar la mezcla cuando la operación dual del combustible era posible. Aunque el foco del estudio es el rendimiento, los datos sobre las emisiones de partículas contaminantes también se registraron, no sólo durante la operación de diesel original, pero también para el combustible doble. Los resultados indican que, para la mayoría de los ámbitos de funcionamiento de los motores de prueba, realmente sólo una parte del gas se quemó. Los datos experimentales se utilizaron en las correlaciones empíricas propuestas para estimar el rendimiento del motor originalmente diesel, al funcionar en modo del combustible dual. Esas correlaciones fueren utilizadas para convertir la operación para diesel/gas natural, de tres grupos diferentes de generadores de electricidad (motores con 212, 535 y 1.570 caballos de fuerza).

palabras-clave: n motores n Diesel n gas natural n energía térmica n combustión

IntroduçãoAté a década de 1970, o baixo preço do petróleo possibili-

tava o crescimento desenfreado de seu consumo. John Ken-neth Galbraith, economista norte-americano recentemente falecido, considerava esta uma das características do que denominava a “sociedade da abundância”. A partir de 1973, conflitos no Oriente Médio fomentaram uma profunda altera-ção deste quadro. No Brasil, país com sistema de transpor-tes basicamente rodoviário, tais crises tiveram efeitos dano-sos. O país, naquela época, produzia apenas cerca de 20% de seu consumo total de petróleo. Da abrupta escalada de preços do mineral e seus derivados resultaram desequilíbrios em nossa balança de pagamentos externos, levando o país à moratória. Esforços inadiáveis, tanto na reorientação do perfil energético brasileiro, quanto no incremento da eficiência dos equipamentos que demandam os combustíveis tradicionais, foram iniciados. Cabe ressaltar que, embora hoje se esteja comemorando a autossuficiência brasileira em petróleo, nos-

sa desproporcional demanda por alguns dos derivados força a importação de significativos volumes destes energéticos. É o caso do óleo Diesel e do gás liquefeito de petróleo, GLP.

Dentre as ações tomadas para a redução de nossa depen-dência dos derivados de petróleo, destacam-se as de fomen-to ao uso de energéticos alternativos e renováveis. O Progra-ma Nacional do Álcool (PROÁLCOOL), iniciado em meados da década de 70, viabilizou a substituição da gasolina pelo com-bustível renovável junto aos veículos com motorização do ciclo Otto. A sazonalidade das safras de cana e oscilações do preço do açúcar no mercado internacional, fatores que têm impacto sobre a produção e preço do energético renovável, foram, no passado, responsáveis pelo quase abandono do uso do etanol em veículos leves. O álcool etílico hidratado teve sua vida re-novada quando, a partir de 2003, por iniciativa das montado-ras, começaram a comercializar veículos capazes de operar, in-distintamente, com o combustível renovável, gasolina “C” ou a mistura de ambos em qualquer proporção.

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Entre as iniciativas para o fomento do uso de energéticos alternativos foi criado, em meados da década de 1980, o Pla-no Nacional de Gás Natural para Uso no Transporte (PLAN-GÁS). Este focava na substituição do óleo Diesel pelo gás na-tural. A inexistência de redes de distribuição de gás natural encanado talvez tenha sido o fator que, no passado, mais te-nha contribuído para o pequeno avanço do PLANGÁS. A atual oferta de gás natural renova as pressões para a substituição do Diesel pelo energético alternativo. É importante ressaltar que a realidade de hoje é distinta daquela de duas décadas atrás. Conta-se com uma já expressiva, e em rápida expan-são, rede de distribuição de gás canalizado.

Em dezembro de 2003 foi instituído o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB). Este fomenta a subs-tituição do Diesel mineral pelo renovável biodiesel, produzido a partir de óleos vegetais. Em janeiro de 2005 foi estabelecida a obrigatoriedade da adição de um percentual mínimo de biodie-sel ao Diesel mineral comercializado em qualquer parte do ter-ritório nacional. Esse percentual obrigatório será de 5% após 2013, havendo um patamar intermediário, também compulsó-rio, de 2% já a partir de 2008. Acredita-se que esta iniciativa é válida e que, em alguns pólos regionais, possa constituir ati-vidade de relevante cunho social. A produção do óleo vegetal necessário à produção do biodiesel é uma atividade que exi-ge mão de obra intensiva e que, certamente, será responsável pela criação de relevante número de novos postos de traba-lho. Muito recentemente foi anunciada pela Petrobras a pos-sibilidade da transformação de óleos vegetais em combustível já junto ao processo de produção do Diesel mineral. Biomassa é agregada, como matéria prima, ao mineral em seu processa-mento. O energético está sendo chamado de “H-Bio” e, anun-cia-se, que cerca de 10% de seu volume seja de origem vege-tal. Aparentemente, tal processamento conjunto de produtos de origem mineral e vegetal facilita a produção de um energé-tico com baixos níveis de enxofre.

Em contraponto com a situação do Diesel, a produção na-cional de gasolina supera a demanda do país. Hoje, se exportam volumes significativos do derivado, especialmente para os Esta-dos Unidos e África. Conversões de veículos do ciclo Otto para o gás natural, a adição de etanol ao derivado disponibilizado ao consumidor ou mesmo o simples uso do energético renovável em carros de passeio promovem um ainda maior excedente de gasolina. Esta situação não deixa de ser interessante, tanto do

ponto de vista econômico como ambiental. Exportam-se exce-dentes do derivado, valorizado no mercado internacional, e se consomem aqui energéticos alternativos e renováveis que, sabi-damente, têm menor preço e impacto sobre o meio ambiente e saúde das populações. Dificilmente se pode imaginar a adoção de políticas que venham a fomentar, no curto prazo, alterações significativas na matriz energética mundial. Ao que tudo indica, a tendência pela adoção de biocombustíveis, em substituição aos derivados de petróleo, se manterá ao longo das próximas dé-cadas. Sua oferta e uso provavelmente crescerão gradualmen-te ao longo dos anos deslocando, paulatinamente, os derivados. Uma farta e simultânea oferta de energéticos concorrentes (re-novável e mineral), descasada da demanda do uso final comum, pode comprometer a remuneração do investimento feito na pro-dução de ambos. Aparentemente, o etanol brasileiro entrará, no curto prazo, no mercado americano como aditivo antidetonante da gasolina. Substituirá o MTBE, composto sintético, canceríge-no e fortemente poluente, usado hoje nos Estados Unidos para esta finalidade. Não se deve imaginar que a adoção de energé-ticos renováveis ou alternativos, em substituição aos derivados, reduzirá a exploração e busca por novas reservas de petróleo. O mineral continuará sendo empregado como insumo petroquími-co, uso mais nobre do que como combustível.

Descobertas recentes de gás natural no litoral do sudes-te brasileiro (Espírito Santo e bacias de Campos e Santos) in-crementam, de forma significativa, as reservas deste combus-tível no país. Estima-se que apenas as reservas do campo de Santos, região que vai do litoral de Santa Catarina, altura de Florianópolis, até Arraial do Cabo, em águas Fluminenses, de-vam superar os 400 bilhões de metros cúbicos. Projeta-se até 2010 um aumento anual de consumo de gás no Brasil, acima dos 10%. Calcula-se que durante este mesmo período a produ-ção da Bacia de Santos alcance os 30 milhões de metros cúbi-cos diários. O bloco BS-500, concessão exploratória localizada na altura do município do Rio de Janeiro, será responsável por dois terços da produção de gás na Bacia de Santos.

Hoje (2006) são diariamente consumidos no país cerca de 50 milhões de metros cúbicos de gás natural. Metade des-ta demanda é suprida pela produção nacional. Os demais 25 milhões de metros cúbicos diários são comprados da Bolívia e transportados até o mercado brasileiro pelo Gasoduto Bolí-via Brasil (GASBOL). Este tem capacidade para transporte di-ário máximo de 30 milhões de metros cúbicos. Durante sua

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construção previu-se um possível aumento de sua capacidade de transporte. Estima-se que até 2010 o gás de produção na-cional atenderá 70% de nossa demanda pelo energético. Em sendo o custo do gás natural compatível com o do óleo com-bustível, o fomento de seu uso se justifica na medida em que substitui energéticos mais valorizados e de fácil comercializa-ção no mercado internacional. Não se pode deixar de citar o recentemente anunciado projeto de integração energética da América do Sul, hoje em formatação. Planeja-se a construção de um novo gasoduto que interligaria as malhas de dutos ins-taladas no continente. Tanto o traçado do novo gasoduto como sua capacidade de transporte ainda não estão definidos. Por outro lado, também há fortes indícios da inviabilidade de tal projeto, por várias razões: econômica, ambiental e, ainda, as associadas à instabilidade política dos países da América do Sul. Movimentos populistas em nossos vizinhos, ao levantar incertezas com relação ao preço e fornecimento do energético alternativo, têm a tendência de inibir tal integração energética.

O interesse pelo uso de energéticos alternativos e renová-veis em motores varia conforme sua disponibilidade e custo, em relação ao dos combustíveis tradicionais. É exatamente o que ocorre hoje no Brasil com a crescente oferta de gás natural. O metro cúbico do combustível adquirido diretamente das distri-buidoras de gás natural, quando tarifado para uso veicular ou ge-ração de energia elétrica custa, por unidade de energia libera-da na queima, cerca da metade do valor praticado para o Diesel.

No Norte do Brasil também são consumidos volumes sig-nificativos de Diesel. Na região, o derivado se destina tanto à geração termelétrica quanto ao setor de transportes, realizado fundamentalmente por via fluvial. Caso o gás natural de Urucu, segunda maior reserva nacional do energético, deslocasse par-te do Diesel demandado na região, a logística de suprimento e distribuição do derivado líquido, pelo Norte, seria amenizada.

Diversos combustíveis alternativos ou renováveis têm sido propostos para a substituição parcial ou integral do Diesel em motores. Acredita-se que, dentre as muitas aplicações dos mo-tores Diesel, estes encontrem aquelas em que melhor se adap-tem, naturalmente. Parece razoável admitir que o uso do gás na-tural, em motores convertidos para a operação Diesel/gás, seria mais racional quando destinado para a geração de energia elétri-ca. Motores estacionários não requerem, como na aplicação vei-cular, cilindros de armazenamento de gás comprimido. O volume

de gás, mesmo quando demandando por uma pequena usina termelétrica (300 – 600kW), já justifica a construção de um ra-mal na rede de distribuição de gás para seu atendimento. Acre-dita-se que, pela fácil logística de distribuição e abastecimento de combustíveis líquidos, seja conveniente investir esforços no desenvolvimento de energéticos alternativos ou renováveis líqui-dos para uso nos motores de uso automotivo. Tecnologias que permitam aos usuários finais alternar entre o uso de energéti-cos tradicionais e os renováveis ou alternativos devem, sempre que possível, ser consideradas. Em períodos de modificação da matriz energética, a flexibilidade operacional garante sua intro-dução gradual com o mínimo de impacto sobre os consumido-res finais, enquanto a cadeia de produção e abastecimento dos novos energéticos amadurece. O gás natural, mesmo não pos-suindo apelo ambiental forte como o do etanol ou Biodiesel, não deve ser deixado de lado. É um recurso natural, de baixo custo, e com oferta crescente no país. Pode contribuir para a redução de nossa dependência do derivado importado ou, em um cenário otimista, até mesmo possibilitar excedentes do Diesel produzi-do em nossas refinarias. Deve-se frisar, mais uma vez, que este energético é comercializado no mercado internacional a preço bastante superior ao praticado no Brasil para o gás.

O consumo do gás natural em motores

Existem, no mercado internacional, motores do ciclo Otto de-dicados ao consumo do gás natural. Assim como no caso dos de Diesel, estão disponíveis em uma larga faixa de potência e foram desenvolvidos para diferentes aplicações (como no caso dos para geração de energia elétrica e os veiculares). Suas emissões de po-luentes são compatíveis com as exigências das legislações inter-nacionais. Apresentam, por limitação operacional (taxa de com-pressão), consumo específico de combustível superior ao dos motores Diesel. É provável que, em um futuro próximo, e nas loca-lidades onde o gás esteja disponível, sejam empregados nas apli-cações atendidas pelos tradicionais motores Diesel.

É razoável admitir-se o uso de motores Otto em veícu-los e geradores novos. Caso se pense no aproveitamento de curto prazo do gás natural, devem-se fomentar as conver-sões dos veículos e grupos geradores Diesel, hoje em cam-po. Dentre as tecnologias disponíveis para a substituição de curto prazo do Diesel pelo gás natural, existem:

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1) adaptações de motores, originalmente Diesel, para operação no ciclo Otto com gás (“Ottorização”) e;

2) conversões de motores Diesel para o modo bicombus-tível Diesel/gás natural.

Nos próximos anos, microturbinas a gás e células de com-bustível (a hidrogênio ou com reforma do gás natural), que também podem ter algumas aplicações, não deverão casar maturidade tecnológica e competitividade econômica sufi-ciente, a ponto de ameaçar os motores de combustão interna.

Na dita “Ottorização”, grandes modificações dos motores, originalmente Diesel, são necessárias. Todo o sistema de inje-ção de óleo Diesel é retirado e, em seu lugar, instalam-se sis-temas de carburação do gás ao ar de combustão e sistema elétrico com velas para a ignição, que passa a ser feita por centelha. Também são necessárias modificações nos cabeço-tes dos motores para a adequação de sua taxa de compres-são (motores do ciclo Otto trabalham com taxas de compres-são inferiores a dos motores Diesel). Conversões de veículos acabam por também exigir ajustes no sistema de transmissão. Não são raras perdas de desempenho em um motor “Ottori-zado”. Diferente de um motor originalmente desenvolvido para o funcionamento no ciclo Otto, motores “Ottorizados” podem vir a apresentar emissões de poluentes incompatíveis com as atuais legislações ambientais. Uma vez “Ottorizado” um veícu-lo ou grupo gerador passa a poder operar apenas em regiões já abastecidas pela rede de distribuição de gás. O repasse ou revenda destes motores para uma região que não conte com o gás exigiria a reconversão para a configuração original Die-sel. Embora apresente diversos inconvenientes, conhece-se o uso da tecnologia na Argentina. Este país, diferente do Brasil, já conta com extensa rede de distribuição de gás encanado. A necessidade da reconversão, nesta realidade, apresenta-se improvável. Restrições da legislação argentina quanto às emis-sões de poluentes não são tão severas quanto às brasileiras.

A operação bicombustível Diesel/gás envolve a carburação do energético alternativo ao ar de admissão de um motor Die-sel. Fora a adição do sistema de mistura do gás natural ao ar, ne-nhuma outra modificação de vulto é necessária, no motor. O sis-tema de injeção do Diesel permanece inalterado e é necessário para inflamar a mistura ar/gás. Para uma dada potência de eixo, reduz-se o débito de Diesel pela injeção de gás. O combustível alternativo desloca, então, parte do Diesel originalmente deman-

dado. Durante a operação Diesel/gás natural, um motor conso-me, simultaneamente, ambos os combustíveis. A qualquer mo-mento, inclusive com o motor em funcionamento e sob carga, pode-se alternar entre a operação original Diesel e a Diesel/gás. Este fato permite que veículos convertidos para o modo Diesel/gás possam trafegar por regiões que ainda não dispõem de gás natural, simplesmente consumindo óleo Diesel. Ocorrendo a ex-pansão da rede de gás natural encanado através do país, uma empresa transportadora poderia, por exemplo, progressivamen-te ampliar a área na qual seus veículos consomem gás.

Existem, na literatura, resultados de testes em motores Diesel, convertidos para a operação bicombustível com di-versos outros combustíveis renováveis ou alternativos que não o gás natural. Citam-se experiências envolvendo o uso do etanol, metanol, biogás, GLP e hidrogênio, entre outros.

Queima bicombustível Diesel/gás natural em motores

A operação Diesel/gás natural já foi investigada por diversos grupos de pesquisa. Iniciativas passadas focaram na determina-ção do desempenho de motores em laboratório, em conversões para aplicações específicas (caso dos geradores, ônibus e em-barcações), na simulação numérica da operação Diesel/gás e na análise de viabilidade do energético alternativo. Há, na literatura, dados experimentais relativos à operação Diesel/gás de diversos motores. Motores mono-cilindro, de pequena cilindrada e baixo consumo de combustível, foram usados na maioria dos estudos experimentais. Alguns trabalhos apresentam resultados obtidos em testes de motores de maior porte. O uso destes resultados na estimativa do desempenho de um motor ainda por converter não é, entretanto, imediato.

O presente trabalho demonstra que existe, por todos os campos de operação rotação x torque de diferentes motores, fundamentalmente uma única e bem definida relação entre os consumos de Diesel, gás natural e ar. Esta permite a estimati-va do desempenho de motores Diesel, ainda não testados no modo Diesel/gás. Os resultados também indicam caminhos a tomar de modo a minimizar as emissões de hidrocarbonetos de motores Diesel, adaptados ao consumo do gás natural.

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Quatro diferentes motores, todos operando sob variadas razões de substituição de Diesel por gás natural, foram tes-tados em dinamômetro de bancada. Tais motores foram se-lecionados para ser modelos representativos das diferentes configurações tipicamente encontradas em campo (faixa de rotação, uso ou não da turbo-alimentação e arrefecimento do ar de combustão). Os dados levantados nos testes de tais motores foram empregados na proposta de correlação empí-rica a ser utilizada na estimativa do desempenho de motores, originalmente Diesel, quando operando no modo bicombus-tível Diesel/gás natural. A tabela I e figuras 1, 2 e 3 apresen-tam os dados técnicos e o aspecto dos motores testados.

Em um motor do ciclo Otto, sob condições normais de operação, a combustão se inicia em um ponto bem deter-minado da câmara de combustão, por ocasião do disparo de centelha elétrica na vela de ignição. A partir deste ponto a combustão se propaga, sob a forma de uma frente de cha-ma. Condição fundamental para a existência de uma frente de chama estável em motores Otto é a razão ar/combustí-vel da mistura admitida nos cilindros. Motores do ciclo Otto a gasolina operam com uma mistura ar/combustível de ra-zão de equivalência compreendida, tipicamente, entre os ex-tremos de 0,8 (mínimo) e 1,3 (máximo). Isto equivale a dizer que existe propagação de chama quando a razão ar/gasoli-na A está compreendida entre 11,4 e 18,5 (a razão ar/ga-solina da mistura estequiométrica vale 14,77). Caso a ra-zão de equivalência esteja fora destes limites (mistura muito

Figura 1 – Vista de um dos motores testados – modelo MWM 4.07 TCA.

Figure 1 – View of one of the tested engines - model MWM 4.07 TCA.

Figura 1 – Vista de uno de los motores probados - modelo MWM 04.07 TCA.

Figura 2 – Vista de um dos motores testados – modelo MWM 4.10 TCA.

Figure 2 – View of one of the tested engines - model MWM 4.10 TCA.

Figura 2 – Vista de uno de los motores probados - modelo MWM 4.10 TCA.

Figura 3 – Vista de dois outros motores testados - mode-los MWM 229-6 (esquerda) e MWM TD229-EC6 (direita).

Figure 3 – View of the other two tested en-gines - models MWM 229-6 (left) and MWM TD229-EC6 (right).

Figura 3 – Vista de los otros dos motores probados - modelos MWM 229-6 (izquier-da) y MWM-TD229 EC6 (derecha).

rica ou muito pobre), frentes de chama podem, ou não, se formar, ou, ainda, se extinguirem antes que toda a carga a queimar seja consumida. Resultam de falhas de combustão como esta, a operação não uniforme de motores, com flutu-ações de torque e rotação, e com elevado consumo especí-fico de combustível. A queima incompleta também resulta em sérias emissões de hidrocarbonetos, uma vez que estes, não sendo completamente consumidos, deixam o motor jun-to aos gases de escape.

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Tabela 1 – Dados dos motores ensaiados em dinamômetro de bancada.

Table 1 – Data of the tested engines on the dynamometer bench.

Tabla 1 – Datos de los motores a prueba en el dinamómetro de bancada.

Modelo MWM 4.07 TCA MWM 4.10 TCA MWM 229-6 MWM TD229-EC6

Construção em linha em linha em linha em linha

Nº de cilindros 4 4 6 6

Diâmetro de pistões 93mm 103mm 102mm 120mm

Curso 103mm 129mm 120mm 120mm

Cilindrada unitária 0,700 litros 1,075 litros 0,980 litros 0,980 litros

Cilindrada total 17,8 : 1 15,8 : 1 17,0 : 1 15,9 : 1

Aspiraçãoturbo / pós arrefecido

turbo / pós arrefecido

natural turbo

Início de injeção (antes PMS) 20º 9º14’±1,2’ 23º 25º

Máxima rotação de trabalho 3.800 rpm 2.600 rpm 2.500 rpm 2.200 rpm

Temperatura da águade arrefecimento

80ºC - 85ºC 80ºC - 90ºC 80ºC - 95ºC 80ºC - 95ºC

Lubrificante SAE 15W-40 SAE 15W-40 SAE 15W-40 SAE 15W-40

Temperatura do lubrificante 106ºC - 115ºC 90ºC - 110ºC 90ºC - 110ºC 90ºC - 110ºC

Válvulas por cilindro 3 2 2 2

Abertura válvula admissão (antes PMS)

5º17’±3º3º40’±3º

3°±3º 0±3º 0±3º

Fechamento válvula admissão (após PMI)

33º00’±3º31º41’±3º

23°±3º 30±3º 30±3º

Abertura válvula escape (antes PMI)

55º35’±3º 33°±3º 28º30’±1º30’ 44º30’±1º30’

Fechamento válvula escape (após PMS)

-4º59’±3º 1°±3º -1º30±1º30’ -1º30’±1º30’

Motores do ciclo Diesel convencional não operam, como nos motores Otto, com uma razão ar/combustível razoavel-mente constante. Apenas ar é fornecido aos cilindros duran-te o processo de admissão. Óleo Diesel é injetado pouco antes do final do processo de compressão e durante parte do pro-cesso de expansão, em quantidade variável, conforme a carga imposta sobre o motor. Motores Diesel normalmente não con-tam com controle do consumo de ar e incrementos de carga resultam na sensível diminuição de sua razão ar/Diesel. O iní-cio da combustão do Diesel pode se dar em qualquer ponto da névoa de óleo pulverizado no interior dos cilindros. Não existe, como no evento da centelha em motores Otto, nada que ga-ranta o momento ou a posição do início da combustão. A igni-

ção do Diesel pode ocorrer em um ou mais pontos, ao mesmo instante ou não, do spray de combustível.

Usualmente, se imagina que a queima do gás seria iniciada pela ignição de uma, ou mais, gotículas de Diesel. Uma vez que a combustão do gás tivesse seus pontos iniciais criados nas pri-meiras gotas de Diesel a inflamar, se formariam frentes de chama na mistura ar/gás. De forma análoga ao que ocorre em motores Otto, tais frentes de chama se propagariam, então, por toda a car-ga contida na câmara de combustão, consumindo o gás natural.

Os resultados obtidos ao longo do presente trabalho indi-cam que tal descrição do processo de combustão Diesel/gás

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não parece ser necessariamente verdadeira e constante. Mui-to provavelmente, ocorre apenas quando a razão ar/gás natu-ral é rica o suficiente para sustentar frentes de chama está-veis. Tipicamente, só se consegue impor misturas ar/gás ricas como essa, na operação Diesel/gás de motores sob torques elevados, já bem próximo da plena carga do motor (torque da ordem do verificado a plena carga do modo original Diesel). A operação Diesel/gás com significativa redução do consumo de óleo, e misturas ar/gás natural extremamente pobres, tam-bém é possível. Esta situação é típica da operação de motores bicombustível a baixas cargas. Nestas condições, o gás que queima é possivelmente apenas aquele associado ao oxigênio demandado pela combustão do óleo Diesel. A parcela do gás associado ao excesso de ar, que não participa da combustão pela incapacidade da mistura ar/gás de manter frentes de cha-ma, deixa o motor junto aos gases de escape.

Também se verificou, no presente trabalho, que a quei-ma bicombustível, imaginada sem propagação de frentes de chama na mistura ar/gás, parece ocorrer por quase todo o campo de operação de motores. A não combustão da mis-tura ar/gás pobre, mesmo quando exposta a um ambiente onde o Diesel queima, parece justificar inclusive sua resistên-cia à detonação. Apenas já próximo da plena carga de moto-res (tipicamente acima de 80% do máximo torque, verificado no modo Diesel original), qualquer que seja a rotação, é que se observa o fenômeno da detonação. Aparentemente existe uma razão ar/gás (mínima), acima da qual nunca se observa a auto-ignição, não importando a taxa de compressão, rotação, pressão no coletor de admissão (aspirados x turbo-alimen-tados) ou temperatura da mistura no início da compressão (presença ou não de inter-resfriamento do ar de combustão). Em misturas ar/gás mais ricas que a de tal limite, a ocorrên-cia da detonação parece ficar sujeita, como era de se espe-rar, aos parâmetros mencionados.

Lastres (2003) resume as atividades executadas no Cenpes, entre 1982 e 1991, no desenvolvimento e avaliações de sistemas Diesel/gás de aplicação automotiva. Estas esta-vam alinhadas com as metas do PLANGÁS, já citado. Na dé-cada de 1980, ainda se usavam motores Diesel aspirados em aplicações veiculares e as regulamentações para emissões de poluentes não eram tão severas quanto às de hoje. Contem-plava-se, na época, apenas fumaça, sem especificações para emissões de hidrocarbonetos, monóxido de carbono ou óxi-

dos de nitrogênio. Resultados de testes em dinamômetro de bancada, feitos no Cenpes (motores Mercedes-Benz OM352 e OM352a), confirmam as observações normalmente feitas, por diversos autores, com relação à operação bicombustível:

a) é possível, com o consumo do gás, obter de motores convertidos desempenho semelhante (potência, tor-que e consumo específico de combustíveis) ao verifi-cado no modo Diesel original;

b) rendimento térmico de motores a plena carga pode, por vezes, ser superior ao verificado no modo Diesel;

c) existe aumento do consumo específico de combustível em motores a cargas parciais;

d) se obtém, pelo consumo do gás, significativas redu-ções nas emissões de fumaça (particulados).

Modelo da queima Diesel/gásDa observação empírica do consumo de combustíveis (óleo

Diesel e gás natural), nos diversos motores ensaiados ao longo do presente trabalho, resultou a impressão de que parte do gás simplesmente não queima. Tal situação parece ser mais severa durante o funcionamento a baixa carga onde, pela ausência de controle do consumo de ar em motores Diesel, se constata ope-ração com misturas extremamente pobres de gás natural.

Se, durante a operação bicombustível, a mistura ar/gás não for rica o suficiente para a manutenção de frentes de cha-ma, imagina-se que o gás queimará apenas nas vizinhanças das gotas de Diesel. Ao redor da névoa de óleo se estabe-lece uma região rica o suficiente para o desenvolvimento da combustão. O gás queimado seria, então, fundamentalmente aquele associado ao ar demandado pela combustão do Diesel.

A figura 4 pretende representar a combustão bicombustí-vel, assim como imaginada. Admitindo que o cilindro do lado esquerdo da figura represente a combustão Diesel, se veêm gotas de combustível cercadas, cada uma, por sua vizinhança de ar. O ar que efetivamente participa da combustão, uma fra-ção de toda a carga do cilindro, seria o disponível ao redor das gotas de combustível. Pode-se pensar na representação do ci-lindro no centro da figura 4 como sendo o do funcionamen-to bicombustível com uma baixa razão de substituição Diesel/gás. Nesta situação, existiria uma mistura extremamente po-

Modelo semi–empírico para avaliação do desempenho de motores Diesel consumindo gás natural

60 n Boletim Técnico da Petrobras, Rio de Janeiro, v. 53, n. 1/3, p. 53-70, abr./ago./dez. 2010

bre de ar e gás disponível no interior do cilindro. O Diesel, ao demandar ar para sua queima, acaba também envolvendo al-gum gás na combustão. Tal gás, queimado por estar nas vizi-nhanças das gotas de Diesel, requer e compete pelo oxigênio ali disponível. Mais adiante, será demonstrado que as células de combustão representadas ocorrem, muito provavelmente, por uma vizinhança que engloba misturas de ar e combustível (Diesel e gás natural) com razão de equivalência média, fQ, ra-zoavelmente bem definida. No lado direito da figura 4 se es-boça, finalmente, o esquema de como se imagina a combus-tão em uma condição de elevada razão de substituição. Aqui a mistura ar/gás natural, embora ainda pobre e distante da este-quiométrica, é mais rica que a no cilindro representado no cen-tro da figura. Ainda assim, não é rica o suficiente para permi-tir a propagação de frentes de chama na mistura ar/gás. Todo o processo de combustão do gás natural permaneceria, en-tão, ainda atrelado à queima do Diesel. Fazendo-se a hipóte-se de que o calor liberado nas três situações seja o mesmo, têm-se, admitindo preservação do rendimento térmico, a con-dição necessária à manutenção do torque do motor represen-tado. A progressiva menor quantidade de Diesel (da esquerda para a direita) envolvida na combustão deve ser compensada pela queima de uma crescente massa de gás natural.

O rendimento térmico resulta da taxa de liberação de ca-lor verificado no processo de combustão. Este calor, em últi-ma análise, é o responsável pela história de pressão indica-da no cilindro, associados torque e potência. A parte da carga do cilindro não diretamente relacionada com o processo de combustão pode, talvez, ser pensada apenas como fluido de

trabalho, contendo gases inertes (nitrogênio) ou mesmo com-bustível não reagido. Concorda-se que a simples passagem de parte do gás pelos cilindros possa ser entendida como razão de perda de desempenho e fonte de emissões de poluentes. Parece não ser de todo conveniente agrupar em um único pa-râmetro (rendimento térmico) dois fenômenos distintos. Um dos fenômenos diz respeito à fração do gás que, em não parti-cipando das reações químicas, simplesmente passa para o co-letor de escape. Já o segundo seria relacionado ao impacto da presença do gás natural sobre a quantidade e taxa de liberação de calor durante a combustão Diesel/gás. Este segundo fator, por se relacionar diretamente à historia de pressão e, portanto, geração de trabalho, acredita-se, deve ser o associado ao ren-dimento térmico. A equação 1, abaixo, fornece expressão para a razão de equivalência média nas regiões vizinhas às gotas de Diesel, fQ, onde ocorre a queima bicombustível:

m D ADE + m gás,q AGEfQ = ––––––––––––––– (1) m gás,q AG

Onde:

O termo m gás,q é a vazão mássica de gás natural que, por “estar” nas vizinhanças das gotas de Diesel, é queimado. Os termos AGE e AG se referem, respectivamente, às ra-zões ar/gás estequiométrica e a efetivamente admitida nos cilindros. A vazão de Diesel é dada por m D ADE é a razão ar/Diesel Diesel estequiométrica.

O numerador indica, portanto, a quantidade de ar exigi-da na queima estequiométrica. Já o denominador associa o ar envolvido na combustão apenas àquele associado ao gás queimado. Nota-se que a vazão de gás queimada é igual a ou menor que a vazão de gás, m gás, fornecida a um motor (m gás,q ≤ m gás). Manipulando (1) tem-se:

ADE m gás,q = ––––––––– m D (1b) fQ AG – AGE

Conforme documentado na literatura e, também verifica-do ao longo do presente trabalho, motores operando a car-ga elevada, no modo Diesel/gás, apresentam consumo espe-cífico de combustível similar ao verificado no modo Diesel. Na operação a alta carga, consegue-se envolver no proces-

Figura 4 – Represen-tações da combustão Diesel/gás (sem frentes de chama). Operação a 0, 50 e 67% de razão de subs-tituição (da esquerda para direita).

Figure 4 – Representa-tion of the Diesel/gas combustion (without flame fronts). Opera-ting at 0, 50 and 67% replacement rate (left to right).

Figura 4 – Repre-sentaciones de la combustión de Diesel/gas (sin frentes de llama). Operando a 0, 50 y 67% la tasa de sustitución (de izquier-da a derecha).

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so de queima grande parte da carga dos cilindros e, portan-to, é mínima a parcela do gás que passa pela máquina sem participar da combustão. Estas constatações sugerem que o rendimento térmico (razão entre o trabalho e o calor liberado na queima) do funcionamento bicombustível é similar ao da operação original Diesel. Assim, para a manutenção do tor-que de um motor onde se variam os consumos de Diesel e gás, o calor liberado na combustão deve ser mantido cons-tante. Admitindo então que o rendimento térmico seja razoa-velmente indiferente à razão de substituição tem-se:

m DO PCID = m D PCID + m gás,q PCIgás (2)

Onde:

PCID = Poder calorífico inferior do Diesel;PCIgás = Poder calorífico inferior do gás natural.

O consumo de Diesel verificado na operação original dos motores é m D,O. Substituindo (1b) em (2) chega-se a:

1–RDG PCIgás 1fQ = ADE –––––– –––––– + AGE ––– (3) RDG PCID AG

Onde: m DRDG = 1 – ––––– (4) m D,O

Ou seja, a equação 4 fornece expressão para a razão de substituição Diesel/gás, função do consumo original de Diesel, mD,O, e do consumo deste mesmo energético (mD), após a in-trodução do gás natural em um dado motor. Já a expressão 3 permite estimar fQ, com base nas medidas de consumo de combustíveis, ar e propriedades do Diesel e gás natural (mantido o par torque e rotação constante, onde se verifica um único valor de mD,O).

Em motores a cargas elevadas é possível a operação com misturas ar/gás natural ricas o suficiente para permitir a forma-ção e propagação de frentes de chama. É de se esperar que, nestas condições, fQ se aproxime de fG, razão de equivalência baseada nos consumos globais de ar, Diesel e gás:

m D ADE + m gás,q AGEfQ = ––––––––––––––– (5)

m ar

O parâmetro que se observou como tendo forte influên-cia sobre fQ foi apenas o fD, (razão de equivalência do motor quando no modo Diesel original):

ADE fD = –––– (6) AD

Onde: AD = a razão entre as vazões de ar seco e combustível

com que o motor opera.

A rotação, turbo-compressão ou inter-resfriamento não demonstraram ter influência sobre fQ.

Resultados As figuras 5, 6 e 7 apresentam, respectivamente, dados re-

lativos ao consumo de Diesel, gás natural e ar para o motor mo-delo MWM 4.10 TCA operando a 1.200rpm. O comportamen-to ilustrado é típico da operação Diesel/gás e, qualitativamente, foi o mesmo verificado em todos os motores e rotações investi-gados. Em cada uma dessas figuras as correspondentes vazões são dadas, como função da razão de substituição, para cinco di-ferentes pontos de carga (0, 7,6, 14,6, 24,4 e 40cv). Nota-se

Figura 5 – Resultados típicos para consumo de Diesel.

Figure 5 – Typical results of diesel consumption.

Figura 5 – Resultados típicos de consumo de diesel.

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que, para razão de substituição nula (operação original Diesel), tanto a vazão de combustível, como a de ar, aumentam com a carga imposta ao motor. O fornecimento de uma maior vazão de combustível é indispensável ao aumento do torque de eixo. O consumo de ar, a esta rotação constante, cresce devido à atua-ção do conjunto turbo-compressor.

Conforme aumenta a vazão de gás natural e, também, a ra-zão de substituição (qualquer que seja a carga), verifica-se a correspondente redução na vazão de óleo Diesel. Para o caso apresentado verificou-se, em cargas elevadas, máxima razão de substituição da ordem de 80%. Reduzindo a potência de eixo verifica-se uma (progressivamente) menor taxa de subs-tituição máxima. Para torque de eixo nulo (0cv), esta é da or-dem de 45%. Para os casos apresentados nas três figuras, foi a falha de ignição que determinou a máxima substituição de Diesel por gás natural.

É importante notar que, a cargas parciais, deve-se forne-cer uma vazão significativa de gás natural de modo a reduzir o consumo de Diesel. No caso das curvas relativas a 7,6cv, por exemplo, verifica-se uma vazão do derivado aproximada-mente igual a 2,3kg/h no funcionamento original. Já na ope-ração bicombustível, a 68% de razão de substituição, verifi-cam-se vazões de 2,5kg/h de gás natural e 0,8kg/h de Diesel.

Figura 6 – Resultados típicos para consumo de gás natural.

Figure 6 – Typical results of natural gas consumption.

Figura 6 – Resultados típicos del consumo de gas natural.

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Deve-se frisar que o poder calorífico do gás natural, por uni-dade de massa, é inclusive superior ao do Diesel.

Na figura 7, vê-se que a vazão de ar diminui com o au-mento da razão de substituição, qualquer que seja a carga. Tal efeito é, entretanto, mais acentuado em cargas eleva-das. Tal constatação pode, em parte, ser atribuída à mistu-ra do gás ao ar. A mistura ar/gás que enche os cilindros con-tém uma (progressivamente) menor parcela de ar, conforme se aumenta a razão de substituição.

Figura 7 – Resultados típicos para consumo de ar.

Figure 7 – Typical results for air consumption.

Figura 7 – Resultados típicos de consumo de aire.

O consumo específico aparente (cea), definido abaixo, pondera as vazões de gás, Diesel e correspondentes pode-res caloríficos.

m D + (PCIgás / PCID)m gáscea = –––––––––––––––––– (7) TEw

Onde, fora os parâmetros já citados:TE = torque de eixo e; w = rotação da máquina motriz.A equação indica o quão bem se transforma os combus-

tíveis em trabalho útil. O termo relativo ao consumo de gás natural, na equação 7, corrigido pela razão de poderes calorí-ficos, indica a vazão de Diesel que liberaria, em sua combus-tão, o mesmo calor obtido na queima do gás.

As figuras 8 e 9 ilustram o comportamento típico do con-sumo específico de combustível (equação 7) e da temperatu-ra dos gases de escape. Os dados apresentados nestas figuras foram obtidos também dos testes com o motor modelo MWM 4.10 TCA, mas, referem-se, a pontos de funcionamento distin-tos dos empregados nas figuras 5 – 7. Observa-se, na figura 8, para razão de substituição nula (funcionamento Diesel), que o consumo específico cai conforme aumenta a potência de eixo. Tipicamente, a partir de cerca de 50% do torque de ple-na carga (62cv, no exemplo dado), o cea alcança valor mínimo. No caso do ponto de funcionamento empregado no exemplo, vale cerca de 250g/kWh. Para torque de eixo nulo, o cea tem valor infinito uma vez que, embora o consumo de combustível seja pequeno, necessário apenas à marcha da máquina motriz, a potência de eixo útil é nula. A razão de substituição tem pou-co impacto sobre o cea na operação a cargas elevadas. Caso bem distinto se verifica a baixas cargas onde, conforme men-cionado, se fazem necessárias vazões significativas de gás na-tural para a redução da de Diesel. Os pontos relativos à opera-ção com potência de eixo igual a 33cv, Figura 8, indicam que o cea fundamentalmente dobra entre a operação Diesel original 350g/kWh) e a bicombustivel com, aproximadamente, 85% de razão de substituição (~ 700 g/kWh). Comparando a variação da temperatura de escape, entre estes mesmos dois pontos

(33cv), observa-se uma diferença de cerca de 25°C. Embora se esteja fornecendo (energeticamente) o dobro de combus-tível no funcionamento bicombustível, a temperatura de esca-pe, indicativo do calor rejeitado pela máquina térmica, pouco muda. Tal pequeno aumento na temperatura de escape pode-ria se justificar, caso o calor rejeitado se mantivesse inaltera-do, pela já comentada redução da vazão de ar com o aumen-to da razão de substituição. De qualquer forma, a indiferença da temperatura de escape, a baixa carga, as significativas va-riações do cea (mantido o torque), sugerem que parte do gás natural simplesmente não queima. Caso tamanho excesso de combustível reagisse, mantida a potência de eixo, seria de se esperar significativos aumentos na rejeição de calor. Esta, cer-tamente, teria reflexos na temperatura de escape.

Cumpre ainda citar que, em cargas elevadas, quando o gás natural parece queimar todo, verifica-se manutenção ou, por vezes, mesmo pequenas reduções no cea. Em situações como essa, não é incomum verificar reduções na temperatu-ra de escape. É o caso dos pontos relativos ao funcionamen-to a 116cv, na figura 9. Observa-se redução de cerca de 30°C na temperatura dos gases de escape entre o funcionamen-to original Diesel (~480ºC) e o com, aproximadamente, 90% de razão de substituição (~ 450ºC).

Figura 8 – Resultados típicos para consumo específico aparente.

Figure 8 – Typical results for apparent specific consumption.

Figura 8 – Resultados típicos de consumo específico aparente.

Figura 9 – Resultados típicos para tempera-tura de escape.

Figure 9 – Typical results for exhaust temperature.

Figura 9 – Resultados típicos de la tempera-tura del escape.

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ximos da unidade, é da ordem de 5%. A hipótese embutida no cálculo de fQ (independência do rendimento térmico da razão de substituição) pode, caso apenas aproximadamente verda-deira, também contribuir para tal observação.

Nota-se, na figura 10, a quantidade de pontos experimentais relativos à AG superior a 30. É a região onde tipicamente se ope-ravam os motores. Os pontos onde AG é inferior a 30 foram to-dos obtidos no funcionamento de motores próximo da condição de plena carga. É nesta região onde, por vezes, nota-se opera-ção com detonação audível. A razão fG/fQ varia, para AG superior a 30, entre um máximo, tipicamente da ordem de um (01), e um mínimo, aparentemente função de AG. Na região fora do “enve-lope”, formado pelos pontos experimentais na operação Diesel/gás, a operação estável de motores não é possível. É o caso, por exemplo, do par AG=50 e fG/fQ =0,5. A fronteira é definida pe-los pontos experimentais onde se verificou falha de combustão e varia, levemente, de motor para motor.

A figura 11 indica a forma como fQ varia, nos diferentes mo-tores testados, com fD. Este, que nada mais é do que um in-dicativo da carga no funcionamento original Diesel, é o único parâmetro com forte influência sobre fQ. Para um dado fD, qual-quer que seja o motor ou rotação, a razão de equivalência fQ

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Relação entre os consumos de ar, Diesel e gás natural

Usando os dados dos testes Diesel/gás, em laboratório, avaliou-se fQ e fG. São dados, respectivamente, pelas equa-ções 3 e 5. A figura 10 ilustra a razão fG/fQ, como função da razão ar/gás natural, AG, para todos os motores testados. Nota-se que, quando AG é inferior a, tipicamente, 30, a razão fG/fQ se aglomera junto à unidade, qualquer que seja o motor em questão. Isto equivale a dizer que a queima bicombustível demanda a totalidade dos combustíveis (Diesel e gás) forne-cidos aos motores. Não se pode deixar de frisar que valor de AG da ordem de 40 é citado, na literatura, como limite para o funcionamento de motores do ciclo Otto a gás. Em mistu-ras mais pobres do que essa, frentes de chama não se for-mam ou propagam.

A princípio os pontos com razão fG/fQ acima da unidade não fazem sentido, uma vez que, para existirem, seria necessário mais combustível (ou menos ar) que o efetivamente fornecido aos motores. A obtenção de valores acima da unidade pode ser justificada pela quantidade de parâmetros experimentais, e sua correspondente propagação de incertezas, no cálculo da citada razão. A incerteza de fG/fQ, estimada para os pontos pró-

Figura 10 – Razão fG/fQ para motores no modo Diesel/gás natural.

Figure 10 – The fG/fQ rate for engines in the Diesel/natural gas mode.

Figura 10 – Tasa de fG/fQ para los motores en el modo de diesel/gas natural.

Figura 11 – Relação entre fQ e fD na operação Diesel/gás natural.

Figure 11 – Relationship between fQ and fD in the diesel/natural gas operation.

Figura 11 – Relación en-tre fQ y fD en la operación de diesel/gas natural.

Figura 13 – Sensibili-dade de fQ à razão ar/gás natural.

Figure 13 – Sensitivity of fQ to air/natural gas ratio.

Figura 13 – Sensibi- lidad de fQ de la relación aire/gas natural.

Figura 12 – Sensibili-dade de fQ à razão ar/gás natural.

Figure 12 – Sensitivity of fQ to air/natural gas ratio.

Figura 12 – Sensibi- lidad de fQ de la relación aire/gas natural.

parece variar levemente com a razão ar/gás natural. Esta, por sua vez, varia tipicamente por uma ordem de grandeza. Isto pode indicar que a forma prevista, pela equação 3, para qual fQ varia com AG pode também não ser perfeitamente correta.

A proporcionalidade fQ ∝ 1/AG, prevista pela equação 3, é investigada em detalhe nas Figuras 12 e 13. Nestas, apre-senta-se a forma com que fQ varia com AG para alguns casos típicos. Se a proporcionalidade citada fosse correta, esperar- se-ia a invariância fQ de com AG, uma vez que o impacto da razão ar/gás já teria sido considerado. A figura 12 é referente ao motor modelo MWM 4.07 TCA, operando a alta rotação. Já a figura 13 ilustra resultados típicos do MWM TD229-EC6, motor onde os gases no coletor de admissão alcançam tem-peraturas relativamente elevadas (~ 90°C), operando a um terço da rotação apresentada na figura 12. Tais exemplos fo-ram escolhidos propositalmente buscando representar:

a) uma situação onde existe pouco tempo para a com-bustão; e,

b) caso onde existe tempo e condições iniciais favoráveis (temperatura) à ignição.

Para os pontos onde fD é interior a, tipicamente, 0,3 – 0,4,

fQ parece diminuir consistentemente com o aumento de AG. Tal variação, dentro das incertezas estimadas para o parâ-metro (~ 5%), ocorre quando AG varia por cerca de uma or-dem de grandeza. A indiferença de fQ à razão AG é clara para fD acima de, aproximadamente, 0,4.

Usando o método dos mínimos quadrados ajusta-se, pe-los pontos da figura 11, a expressão 8 abaixo:

fQ = 0,2685 + 0,1075 e

fD /0,4794 (8)

Esta correlação reproduz os dados originais com um erro médio de 6,8%. Dela pode-se estimar, para um motor Diesel que opere com razão de equivalência fD, qual seria o fQ no fun-cionamento Diesel/gás. De posse de fQ pode-se, usando as expressões apresentadas no item 4, estimar a relação entre os consumos de ar, Diesel e gás natural. A expressão 8, cor-relacionando os dados para AG superior a 30, permite esti-mar quanto do gás não queima.

No presente trabalho não se define bem os limites de aplicabilidade, comentados anteriormente com relação à fi-gura 10, onde é possível manter o funcionamento estável de motores no modo bicombustível. Sugere-se usar os dados

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apresentados em tal gráfico como guia. A falha de combus-tão não parece necessariamente estar associada a fatores tecnológicos (funcionamento errático de bombas injetoras) sugerido, no passado, por alguns autores. Para AG inferior a, aproximadamente, 30 fica-se sujeito a detonação. Esta de-pende de um número maior de fatores que os necessários à correlação dos resultados em pontos de funcionamento onde não existe propagação de chama.

As figuras 14 e 15 tratam de medidas relacionadas à con-centração de particulados nos gases de escape (Filter Smoke Number, FSN) tanto para a operação Diesel como a Diesel/gás. Tentou-se correlacionar FSN com parâmetro que, espe-rava-se, agrupasse as medidas feitas nos diferentes moto-res. Os gráficos são, então, apresentados como função da razão entre a vazão mássica total (ar úmido e combustíveis) e a vazão de Diesel. Apresentam os mesmo dados, em dois formatos (gráficos linear e log – log). A dispersão dos dados apresentados é alta. Não se tem certeza do quanto se pode atribuir tal constatação à:

a) real variabilidade das emissões entre motores, depen-dente de fatores tecnológicos associados às diferentes construções; e

b) inadequação do adimensional selecionado para correla-ção dos resultados.

De qualquer forma, a forte tendência de redução do FSN, seja pela redução de fD (carga dos motores no modo original Diesel), seja pela substituição parcial do Diesel pelo gás na-tural, é clara.

ConclusõesMedidas do desempenho de quatro diferentes motores,

todos operando no modo bicombustível Diesel/gás, foram re-alizadas em dinamômetro de bancada. Selecionaram-se os motores a ensaiar por serem representativos dos empre-gados nas distintas aplicações dos motores Diesel. Os re-sultados indicam que, por grande parte dos campos de fun-cionamento dos motores ensaiados, apenas parte do gás efetivamente queima. Os dados experimentais foram empre-gados na proposta de correlação empírica a ser utilizada na estimativa do desempenho de motores, originalmente Die-sel, quando operando no modo bicombustível.

Sabendo (ou estimando) a razão de equivalência fD com a qual um motor Diesel opera pode-se, usando a expressão

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Figura 14 – Filter Smoke Number (FSN) de motores Diesel e Diesel/gás.

Figure 14 – Filter Smoke Number (FSN) of diesel engines and Diesel/gas.

Figura 14 – Número del filtro de humo (FSN) de los motores diesel y Diesel/gas.

Figura 15 – Filter Smoke Number (FSN) de motores Diesel e Diesel/gás.

Figure 15 – Filter Smoke Number (FSN) of diesel engines and Diesel/gas.

Figura 15 – Número del filtro de humo (FSN) de los motores diesel y Diesel/gas.

8, determinar qual seria o fQ de seu funcionamento no modo Diesel/gás. De posse de fQ e, usando as expressões apresen-tadas no item 4, estima-se a relação entre os consumos de ar, Diesel e gás natural para operação com variáveis razões de substituição de Diesel por gás natural. Sugere-se consul-tar a figura 10 de modo a se obter orientação com relação à faixa de validade da expressão 8 e, portanto, também acer-ca da máxima razão de substituição possível. A expressão 8, correlacionando os dados para AG superior a 30, permite es-timar quanto do gás fornecido a um motor não queima. Na operação com AG inferior a, aproximadamente, 30, fica-se sujeito à detonação.

Tais expressões foram, em parte, utilizadas no desenvol-vimento de kits de conversão Diesel/gás (hardware e soft- ware) para grupos geradores. De forma a ilustrar a versati-lidade do equipamento desenvolvido, três protótipos foram instalados em grupos geradores de porte distinto (motores de 212, 535 e 1.570 hp). As figuras 16 - 20 e a tabela II dão detalhes e ilustram os grupos geradores em questão e o pro-duto tecnológico desenvolvido (kit Diesel/gás).

Figura 16 – Vista do grupo gerador equi-pado com o Perkins 1006TAG.

Figure 16 – Views of the generator set equipped with the Perkins 1006TAG.

Figura 16 – Vista del grupo generador equi-pado con el Perkins 1006TAG.

Figura 17 – Vista do grupo gerador equi-pado com o Cummins NTA855G3.

Figure 17 – Views of the generator set equipped with the Cummins NTA855G3.

Figura 17 – Vista del grupo generador equi-pado con el Cummins NTA855G3.

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Figura 18 – Vista do grupo gerador equi-pado com o Perkins 4012TAG2.

Figure 18 – Views of the generator set equipped with Perkins 4012TAG2.

Figura 18 – Vista del grupo generador equi-pado con el Perkins 4012TAG2.

Figura 19 – Vista do painel de controle do kit Diesel/gás para grupo geradores desenvolvido, em parte, usando os resultados do presente trabalho.

Figure 19 – View of the control panel of the diesel/gas kit for the group generators developed, in part, with the results of this study.

Figura 19 – Vista del panel de control del kit diesel/gas para el grupo generador desarrollado, en parte, con los resultados de este estudio.

Na época em que se realizaram os ensaios, se dispunha de instrumentação necessária apenas à medida de poluen-tes particulados. A linha de pesquisa segue buscando, hoje, maneiras de também minimizar as emissões dos demais po-luentes (caso dos hidrocarbonetos, monóxido de carbono e óxidos de nitrogênio).

AgradecimentosOs autores agradecem a Petrobras (Gerencia de Tecnologia

do Gás Natural/Cenpes Gerencia de Tecnologia do Gás Natural/Cenpes) e a Brasympe Energia S.A. pelo suporte financeiro, via projetos setoriais CTPetro e de Pesquisa e Desenvolvimento - ANEEL. Também agradecem a Financiadora de Estudos e Pro-jetos (FINEP) pelos equipamentos e instrumentação de labora-

Pereira et al.

Boletim Técnico da Petrobras, Rio de Janeiro, v. 53, n. 1/3, p. 53-70, abr./ago./dez. 2010 n 69

Tabela 2 – Dados dos grupos geradores que receberam protótipos do kit de conversão Diesel/gás desenvolvido.

Table 2 – Data from the group generators fitted with the prototype diesel/gas conversion kit.

Tabla 2 – Datos de los grupos generadores equipados con el prototipo del kit de conversión para diesel/gas.

Modelo Perkins 1006TAG Cummins NTA855G3 Perkins 4012TAG2

Construção em linha em linha “V”

Nº de cilindros 6 6 12

Diâmetro de pistões 100mm 140mm 160mm

Curso 127mm 152mm 190mm

Cilindrada unitária 0,997 litros 2,34 litros 3,82 litros

Cilindrada total 5,985 14,04 litros 45,84 litros

Taxa de compressão 17,0 : 1 14,0 : 1 13,6 : 1

Aspiração turbo / pós arrefecido turbo / pós arrefecido turbo / pós arrefecido

Início de injeção (antes PMS) – – 20º

Temperatura da água de arrefecimento ≅ 80ºC ≅ 80ºC < 90ºC

Lubrificante SAE 15W-40 SAE 15W-40 SAE 40

Válvulas por cilindro 2 4 –

Figura 20 – Vista do hardware microproces-sado usado no controle de geradores Diesel/gás (desenvolvido usando resultados do presente trabalho).

Figure 20 – View of the hardware micro- processor used to control the Diesel/gas generators (developed with the results of this study).

Figura 20 – Vista del hardware micropro-cesador utilizado para controlar el generador diesel/gas (desarrolla-do con los resultados de este estudio).

Referências Bibliográficas

n LASTRES, L. F. M. Sistema Dual Fuel: apresentação do Cenpes. In: SEMI-NÁRIO COMBUSTÍVEIS E TRANSPORTE, 2003, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: IEPUC, PUC-Rio, 2003.

tório, a MWM Motores Diesel Ltda. pela cessão de motores (em comodato) para testes, e a Companhia Estadual de Gás (CEG) pelas instalações laboratoriais de gás natural encanado.

n n n

Bibliografia

n LASTRES, L. F. M.; MAIA, D. M. Avaliação de Sistemas de Conversão e Estudos dos Efeitos da Utilização de Gás Natural Comprimido em Moto-res do Ciclo Diesel. Boletim Técnico da Petrobras, Rio de Janeiro, v. 29, n. 3, p. 241-251. 1986.

n PEREIRA, R. H. Avaliação experimental e previsão do desempenho de motores diesel consumindo gás natural. 2006. Tese (Doutorado) – Pon-tifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Engenha-ria Mecânica, Rio de Janeiro, 2006.

Modelo semi–empírico para avaliação do desempenho de motores Diesel consumindo gás natural

70 n Boletim Técnico da Petrobras, Rio de Janeiro, v. 53, n. 1/3, p. 53-70, abr./ago./dez. 2010

Sergio Leal Braga é professor associado da Pontifícia Uni-versidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), onde con-cluiu o seu Doutorado em 1985. Nos anos de 1988 e 1989 atuou como pesquisador visitante na Purdue University. Des-de o início de sua carreira, o Prof. Braga trabalha na área de

Sergio Leal Braga

Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro – PUC-RioDepartamento de Engenharia Mecânica – DEMe-mail: [email protected]

Autores

Ricardo Hernandez Pereira graduou-se em Engenharia Me-cânica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), em 1995. Obteve o título de Mestre nesta mesma instituição em 1998 (termociências experimental, com a me-dida e correlação de coeficientes de película em escoamen-tos monofásicos e com ebulição). Atuou, entre 1999 e 2001, como Pesquisador Sênior na Tecumseh do Brasil Ltda., tendo sido responsável pelo desenvolvimento de compressores para hidrocarbonetos (aplicação na refrigeração doméstica). Retor-nou a PUC-Rio (ITUC) em 2002, como responsável pela coor-denação de projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação – P,D&I. Em 2006, obteve o título de Doutor em Engenharia Me-cânica com Tese experimental premiada na segunda edição do Prêmio Petrobras de Tecnologia (substituição parcial do Diesel pelo gás natural em motores para geração termelétrica). Foi coordenador do Laboratório de Engenharia Veicular da PUC-Rio (testes em motores a combustão interna), entre 2002 e 2008. Atualmente é professor junto à Faculdade de Engenharia Me-cânica da Universidade Federal de Uberlândia.

Carlos Valois Maciel Braga graduou-se em Engenharia Me-cânica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), em 1977, onde também cursou sua pós-graduação (Mestrado em 1980 e Doutorado em 1987). Fez Pós-Doutora-do em Eng. Mecânica na University of Califórnia, USA (1989). Foi representante da Secretaria de Estado de Ciência e Tecno-logia (SECTEC) na Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca) a partir de 1996. Assessor “ad-hoc” do Conselho Nacio-nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para a avaliação de projetos de financiamento submetidos a este Conselho (desde 1995). Foi Diretor Superintendente da Funda-ção de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FA-PERJ), designado pelo Governo do Estado (1995 a 1998). Foi Superintendente de Transporte de Petróleo, seus Derivados e Gás Natural na Agência Nacional do Petróleo (ANP) (1998 e 1999). Foi Superintendente de Comercialização e Movimenta-ção de Petróleo e seus Derivados (ANP - 1999 à 2003). Atu-almente, é Professor associado e Diretor do Departamento de Engenharia Mecânica da PUC-Rio.

Ricardo Hernandez Pereira

Universidade Federal de Uberlândia – UFUFaculdade de Engenharia Mecânica – FEMECe-mail: [email protected]

Carlos Valois Maciel Braga

Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro – PUC-RioDepartamento de Engenharia Mecânica – DEMe-mail: [email protected]

energia, tendo orientado mais de 30 teses de Mestrado e Doutorado e escrito mais de uma centena de artigos técni-cos, para revistas científicas e congressos nacionais e inter-nacionais. É o atual Diretor do Instituto Tecnológico e Mem-bro do Comitê Executivo do Instituto de Energia da PUC-Rio.