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Número 33, 2008 Engenharia Civil UM 151 Modelação da Qualidade da Água na Albufeira de Alvito C. Lindim 1 , J. L. S. Pinho 2 , J. M. P. Vieira 3 Departamento de Engenharia Civil, Universidade do Minho, 4710-553 Braga, Portugal RESUMO O excesso de nutrientes em meios aquáticos, frequentemente oriundo de escorrências de fertilizantes agrícolas, provoca um aumento de produção primária danoso para a qualidade da água. A existência de “blooms” de fitoplâncton causa um desequilíbrio ecológico ao promover o domínio de certas espécies aquáticas sobre outras e ao reduzir os níveis de oxigénio na água causando a morte a animais aquáticos. Os problemas de qualidade da água acarretam riscos para a saúde pública e vida animal pelo que é necessário um estudo aprofundado destes fenómenos e a existência de ferramentas previsionais que permitam accionar medidas de controlo da eutrofização. A necessidade de efectuar previsões para diferentes cenários torna indispensável o desenvolvimento e uso de modelos matemáticos. A modelação matemática tem vindo, assim, a ganhar uma importância crescente na gestão dos recursos hídricos. Neste trabalho apresenta-se um modelo matemático bidimensional de qualidade da água e sua aplicação à albufeira de Alvito. O modelo é baseado em elementos finitos e simula a dinâmica pelágica de nutrientes e fitoplâncton. 1. INTRODUÇÃO As estratégias de gestão da água em projectos hidráulicos com fins múltiplos envolvem a análise de dados e processos complexos necessitando da utilização de ferramentas de apoio à decisão adequadas. O recurso a modelos numéricos para a previsão e avaliação de diferentes cenários tornou-se indispensável para os decisores gerirem o uso da água em função da sua quantidade e qualidade. A gestão optimizada destes recursos hídricos implica a aplicação de diferentes tipos de modelos numéricos capazes de simular os diferentes processos envolvidos (hidrologia, ecologia e qualidade da água) e integrar informação georeferenciada e dados provenientes de estações de monitorização automáticas e convencionais. Dentre estes modelos, os que simulam a qualidade da água adquirem uma relevância particular em albufeiras dado o grande impacto que uma redução da qualidade da água numa albufeira pode ter nas diferentes utilizações da água armazenada (consumo humano, rega, lazer). Uma causa frequente para a diminuição da qualidade destas águas é o aumento de produtividade que em casos extremos pode levar à eutrofização (Tufford e Mckellar (1999)). 1 Mestre em Ecologia ([email protected]) 2 Doutor em Eng. Civil, Professor Auxiliar 3 Doutor em Eng. Civil, Professor Catedrático

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Número 33, 2008 Engenharia Civil • UM 151

Modelação da Qualidade da Água na Albufeira de Alvito

C. Lindim1, J. L. S. Pinho2, J. M. P. Vieira3

Departamento de Engenharia Civil, Universidade do Minho, 4710-553 Braga, Portugal

RESUMO O excesso de nutrientes em meios aquáticos, frequentemente oriundo de escorrências

de fertilizantes agrícolas, provoca um aumento de produção primária danoso para a qualidade da água. A existência de “blooms” de fitoplâncton causa um desequilíbrio ecológico ao promover o domínio de certas espécies aquáticas sobre outras e ao reduzir os níveis de oxigénio na água causando a morte a animais aquáticos.

Os problemas de qualidade da água acarretam riscos para a saúde pública e vida animal pelo que é necessário um estudo aprofundado destes fenómenos e a existência de ferramentas previsionais que permitam accionar medidas de controlo da eutrofização. A necessidade de efectuar previsões para diferentes cenários torna indispensável o desenvolvimento e uso de modelos matemáticos. A modelação matemática tem vindo, assim, a ganhar uma importância crescente na gestão dos recursos hídricos.

Neste trabalho apresenta-se um modelo matemático bidimensional de qualidade da água e sua aplicação à albufeira de Alvito. O modelo é baseado em elementos finitos e simula a dinâmica pelágica de nutrientes e fitoplâncton.

1. INTRODUÇÃO

As estratégias de gestão da água em projectos hidráulicos com fins múltiplos

envolvem a análise de dados e processos complexos necessitando da utilização de ferramentas de apoio à decisão adequadas. O recurso a modelos numéricos para a previsão e avaliação de diferentes cenários tornou-se indispensável para os decisores gerirem o uso da água em função da sua quantidade e qualidade. A gestão optimizada destes recursos hídricos implica a aplicação de diferentes tipos de modelos numéricos capazes de simular os diferentes processos envolvidos (hidrologia, ecologia e qualidade da água) e integrar informação georeferenciada e dados provenientes de estações de monitorização automáticas e convencionais.

Dentre estes modelos, os que simulam a qualidade da água adquirem uma relevância particular em albufeiras dado o grande impacto que uma redução da qualidade da água numa albufeira pode ter nas diferentes utilizações da água armazenada (consumo humano, rega, lazer). Uma causa frequente para a diminuição da qualidade destas águas é o aumento de produtividade que em casos extremos pode levar à eutrofização (Tufford e Mckellar (1999)).

1 Mestre em Ecologia ([email protected]) 2 Doutor em Eng. Civil, Professor Auxiliar 3 Doutor em Eng. Civil, Professor Catedrático

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A eutrofização ocorre em resultado da albufeira receber uma carga elevada de nutrientes num período de tempo curto, o que causa a rápida proliferação de grandes quantidades de produtores primários. Os nutrientes provêm geralmente de descargas de efluentes (urbanos ou industriais) ou de fertilizantes agrícolas, podendo provir de fontes pontuais ou ter origem em fontes difusas (Witt e Behrendt (1999)). Como o período de retenção da água em albufeiras é geralmente longo, a acumulação de nutrientes e de contaminantes está facilitada aumentando a susceptibilidade da albufeira à eutrofização (Tanik et al. (1999)).

No presente trabalho apresenta-se um modelo bidimensional de qualidade da água desenvolvido para albufeiras e suas principais características. O modelo é baseado no método dos elementos finitos e integra os ciclos do fósforo e do azoto e simula a dinâmica do fitoplâncton em albufeiras. Apresentam-se resultados da aplicação deste modelo e de um modelo hidrodinâmico bidimensional à albufeira de Alvito. O objectivo da aplicação dos modelos é avaliar o impacto que diferentes cargas de nutrientes podem ter sobre o crescimento fitoplanctónico nesta albufeira classificada como eutrófica.

Os resultados do modelo, combinados com dados hidrológicos e meteorológicos recolhidos na albufeira, podem ser utilizados como base para analisar diferentes cenários de gestão da água armazenada, nomeadamente no que diz respeito à conformidade da qualidade da água para diversas utilizações.

2. CARACTERÍSTICAS DA ALBUFEIRA EM ESTUDO A construção da barragem do Alqueva no rio Guadiana deu origem ao maior lago

artificial da Europa ocidental com cerca de 250 km2 e uma capacidade de armazenamento de 4150 hm3.O empreendimento com fins múltiplos do Alqueva (Figura 1) é uma infra-estrutura estratégica para a gestão da água na zona sul de Portugal, sendo composto por um conjunto de albufeiras interligadas organizadas em três subsistemas.

A albufeira de Alvito (Figura 2) localizada na bacia do rio Sado faz parte deste conjunto e tem um papel importante a nível regional na gestão da irrigação e da água para consumo humano. Situada a jusante da albufeira do Alqueva, a albufeira de Alvito tem uma geometria dendrítica e uma área inundada de 1480 ha com profundidade máxima de 35 m junto à barragem. A profundidade varia abruptamente desde as margens onde tem cerca de 2 metros até ao centro das ramificações da albufeira onde atinge 20 metros.

Não obstante a sua localização numa zona de baixa densidade populacional, a actividade agropecuária na região é intensa sendo responsável por várias fontes de poluição pontual e difusa que chegam à albufeira. A Figura 3 mostra a localização das principais fontes poluidoras na envolvente da albufeira no início da década de 2000. As cargas de nutrientes na bacia do Degebe onde se inclui a albufeira de Alvito provêm principalmente de fontes animais (39%), descargas de efluentes urbanos não tratados (35%) e fontes agrícolas (18%) (Gomes e Quadrado (2002)). São estas cargas de nutrientes que chegam à albufeira através de cursos de água, aquíferos e escorrências dos solos que estimulam a produtividade das águas, aumentando o risco da ocorrência de episódios de florescência de algas.

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Figura 1 – Localização da albufeira de Alvito no empreendimento de fins múltiplos do Alqueva e principais localidades da região.

Figura 2 – Batimetria e malha de elementos finitos usada na modelação da albufeira de

Alvito. O ponto 1 assinala a estação de amostragem automática (38º16’ 57’’ N 7º 54’ 54’ W).

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Figura 3 – Mapa das fontes poluidoras existentes na envolvente da albufeira de Alvito (Fonte:

CCDR Alentejo, situação no inicio da década de 2000). A albufeira chegou a ser classificada pelo INAG como hiper-eutrófica durante a

década de 1990-2000 segundo os critérios da OCDE (Vollenweider (1968)). Mas o estado trófico nos anos seguintes oscilou entre mesotrófico e eutrófico depois de terem sido implementadas medidas para reduzir os problemas da albufeira. O estado trófico da albufeira é susceptível de sofrer alterações com a adução do Alqueva que vai permitir a transferência de grandes quantidades de água para o Alvito. Daí pode resultar a entrada de cargas adicionais de nutrientes e matéria orgânica que podem contribuir para a intensificação da eutrofização das águas.

A albufeira dispõe de um sistema de amostragem automática que recolhe dados de meteorologia, hidrologia, química e qualidade da água periodicamente. A amostragem de parâmetros na água é feita na estação assinalada na Figura 2.

Na Figura 4 apresentam-se alguns resultados mensais de análises da água relevantes para a avaliação da qualidade da água e do estado trófico. As análises foram efectuadas no período compreendido entre os anos 2000 e 2007.

Com base nos valores apresentados na Figura 4 é possível avaliar o estado trófico da albufeira de Alvito no período 2000-2006 recorrendo aos critérios fixados pelo INAG. Verifica-se que a albufeira é mesotrófica nuns anos e eutrófica noutros.

De acordo com os critérios do INAG, uma massa de água será eutrófica se o fósforo total exceder 35 mg P/m3 e mesotrófica se o valor do fósforo estiver entre os 10 e os 35 mg P/m3. Abaixo deste valor é oligotrófica. Efectuando uma média geométrica anual dos valores do parâmetro fósforo total o sistema é mesotrófico nuns anos e eutrófico noutros.

O parâmetro clorofila-a permite inferir as mesmas conclusões que o fósforo total. Valores de clorofila-a acima de 10 mg/m3 correspondem a sistemas eutróficos e abaixo de 2.5 mg/m3 a sistemas oligotróficos. A média dos valores para o oxigénio dissolvido nesse período nunca esteve abaixo dos 40%, limiar máximo abaixo do qual a massa de água é classificada como eutrófica pelo INAG.

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Qualidade da água - Albufeira do Alvito

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Qualidade da àgua -Albufeira do Alvito

0.000.030.050.080.100.130.150.180.200.230.250.280.30

Mar-00 Jul-01 Dez-02 Abr-04 Set-05 Jan-07

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g/L)

Qualidade da àgua -Albufeira do Alvito

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Jul-98 Dez-99 Abr-01 Set-02 Jan-04 Mai-05 Out-06 Fev-08

Mês-Ano

OD

(%Sa

t)

Figura 4 – Dados de campo recolhidos na albufeira de Alvito entre 2000 e 2007 (colheita à

superfície). a) Clorofila-a , b) Fósforo total, c) Oxigénio dissolvido (% de saturação).

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3. FERRAMENTAS DE MODELAÇÃO

3.1. Modelo hidrodinâmico Neste trabalho utilizou-se o modelo numérico bidimensional RMA2 originalmente

desenvolvido por King et al. (1975) na sua versão 4.5 (USACE (2006)). Este modelo hidrodinâmico é baseado no método dos elementos finitos e foi desenvolvido para aplicação na resolução de problemas a uma ou duas dimensões integradas na vertical. As variáveis dependentes são as componentes horizontais da velocidade e a profundidade.

O modelo resolve as equações da conservação de massa e da quantidade de movimento pelo método dos resíduos pesados de Galerkin. O RMA2 permite a inclusão de forçamento pelo vento e de perdas por atrito usando a formulação de Manning ou a de Chezy.

No modelo computacional para a albufeira de Alvito utilizaram-se 5071 elementos triangulares e 11640 nós tendo a malha um grau de refinamento escolhido de forma a representar adequadamente a batimetria da albufeira. No modelo impôs-se o nível da água, as condições de vento e o esvaziamento/enchimento da albufeira com base em séries temporais medidas in situ. A calibração do modelo foi efectuada para garantir previsões precisas da hidrodinâmica na albufeira.

Para o forçamento do modelo utilizaram-se valores de velocidade do vento medidos com periodicidade horária durante o ano de 2004 (Figura 5).

Velocidade do vento na Albufeira do Alvito - Média diária

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Data

Vel

ocid

ade

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ento

(m/s

)

Figura 5 – Velocidade do vento medida na albufeira de Alvito durante o ano de 2004 (média

diária). A direcção predominante do vento durante todo o ano foi Norte-Sul (em 91% das medidas).

3.2. Modelo de qualidade da água

O modelo de qualidade da água desenvolvido é um modelo bidimensional que simula

os processos de advecção-difusão na albufeira e utiliza a mesma malha computacional do modelo hidrodinâmico, estando os dois modelos acoplados. O modelo de qualidade da água simula a dinâmica pelágica do fitoplâncton e os ciclos dos nutrientes utilizando oito variáveis de estado (oxigénio dissolvido, CBO, nitratos, azoto amoniacal, fitoplâncton, azoto orgânico (particulado e dissolvido), fósforo orgânico (particulado e dissolvido) e fósforo inorgânico) de acordo com o esquema da Figura 6.

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Figura 6 – Esquema conceptual do modelo de qualidade da água.

As equações às derivadas parciais que descrevem a conservação de massa são

resolvidas em cada ponto nodal dos elementos finitos para cada constituinte. O modelo de qualidade da água utiliza os campos de velocidades calculados pelo RMA2 e usa passos temporais mais alargados que o modelo hidrodinâmico. A formulação matemática do modelo de qualidade da água a duas dimensões pode ser expressa pela equação de advecção-difusão (Eq. (1)).

(1)

Onde: C – concentração do constituinte (mg/L); t – tempo (s); U,V – componentes da velocidade segundo xx e yy respectivamente (m/s); Dx, Dy - coeficientes de difusão (m2/s) e σ - termo correspondente a fontes e sumidouros (mg/L.s).

O modelo foi desenvolvido para prever o aparecimento de situações de eutrofização na

albufeira em função de diferentes condições de esvaziamento/enchimento e diferentes cargas de nutrientes. O objectivo do modelo é fornecer rapidamente informação que permita gerir a albufeira de forma a evitar o aparecimento de blooms de algas. Como há a necessidade de avaliar rapidamente o estado trófico da albufeira para cada cenário de funcionamento optou-se por reduzir a complexidade do modelo, sem comprometer contudo a qualidade dos resultados. Assim, o modelo utiliza apenas uma classe de fitoplâncton que agrega cianobactérias, diatomáceas e outros tipos de microalgas comuns em albufeiras. Os processos bênticos e a estratificação térmica são incluídos recorrendo a relações empíricas. De resto, a mistura vertical promovida pelo vento e pelo esvaziamento da albufeira reduzem a estratificação justificando a opção por um modelo a duas dimensões integrado verticalmente. Modelos simplificados do mesmo género foram aplicados com sucesso noutras massa de água semelhantes por Rivera et al. (2007) e Chapra (1997).

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4. APLICAÇÃO DOS MODELOS E RESULTADOS

Na Figura 7 podem ver-se resultados da simulação hidrodinâmica na albufeira de

Alvito para vários instantes. Os instantes seleccionados correspondem a momentos de 2004 em que se registaram os ventos mais fortes desse ano na zona da albufeira. Os padrões de circulação mostram a formação de vários vórtices evidenciando uma tendência para haver retenção de água nos ramos laterais da albufeira.

20/2/2004 00:00 h 19/6/2004 00:00 h

23/3/2004 00:00 h 09/12/2004 00:00 h Figura 7 – Campo de velocidades na albufeira de Alvito em diferentes instantes

correspondentes a períodos em que a intensidade do vento apresentou máximos anuais. Verifica-se que as velocidades na albufeira mesmo sob condições de actuação de

vento mais intenso são da ordem dos cm/s. As velocidades calculadas num ponto junto à barragem em condições em que as comportas estão fechadas (Figura 8) confirmam que as velocidades na albufeira ao longo de todo o ano são baixas (com valores inferiores a 3 cm/s).

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Albufeira do AlvitoModelação hidrodinâmica

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25-11-2003 14-01-2004 04-03-2004 23-04-2004 12-06-2004 01-08-2004 20-09-2004 09-11-2004 29-12-2004 17-02-2005

Data

Mód

ulo

da v

eloc

idad

e (m

/s)

Figura 8 – Série temporal do módulo da velocidade num ponto junto à barragem durante o

ano de 2004. Com forçamento pelo vento e comporta fechada.

O modelo de qualidade da água foi forçado usando 5 anos de séries temporais de temperatura da água e de radiação solar medidas na albufeira e os campos de velocidades obtidos pelo modelo RMA2. Na calibração do modelo foram usadas as concentrações dos constituintes na coluna de água monitorizados na albufeira e cargas de nutrientes estimadas (internas e externas). O Quadro 1 contém os valores obtidos após calibração para os principais parâmetros do modelo.

Quadro 1 – Valores usados na calibração do modelo de qualidade da água.

Parâmetro Valor de calibração Unidades Taxa de crescimento de fitoplâncton (máxima a 20ºC)

2.0 dia-1

Taxa de nitrificação 0.1 dia-1 Taxa de desnitrificação 0.1 dia-1 Intensidade luminosa óptima 250 Ly dia-1 Coeficiente de extinção da luz 0.5 m-1

A Figura 9 mostra as concentrações de clorofila-a simuladas num ponto adjacente à

barragem e uma série temporal de valores medidos experimentalmente no mesmo local da barragem para comparação. Verifica-se que o modelo representa adequadamente a dinâmica anual do fitoplâncton em termos de magnitude dos valores obtidos e do aparecimento temporal dos blooms primaveril e outonal.

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Albufeira do Alvito Modelação da qualidade da água

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10.00

12.00

14.00

25-12-2003 18-02-2004 13-04-2004 07-06-2004 01-08-2004 25-09-2004 19-11-2004 13-01-2005

Data

Con

cent

raçã

o de

Clo

rofil

a a

g/L)

Figura 9 – Série temporal simulada da concentração de clorofila-a num ponto junto à

barragem (linha) e valores reais medidos no mesmo local (pontos). Após calibração, o modelo foi utilizado para simular a dinâmica fitoplanctónica na

albufeira para o ano de 2004. Fizeram-se simulações em que se variaram as cargas de nutrientes de acordo com o Quadro 2. As cargas de nutrientes utilizadas como situação de referência foram as estimadas por Eça (2007), incluindo-se fontes pontuais e fontes difusas. Considerou-se que as cargas entram principalmente (80%) pelo braço este da albufeira.

Na Figura 10 a) podem ver-se os resultados para a situação de referência do Quadro 2 em termos de concentração de clorofila-a na albufeira. Os resultados apresentados na Figura 10 correspondem a um pico primaveril no final do mês de Março. É visível uma maior concentração de clorofila no braço da albufeira que recebe a maioria das cargas de nutrientes. No braço este da albufeira a concentração de clorofila-a é superior ao dobro da concentração na zona junto à barragem, mais profunda e que se considerou não receber cargas de nutrientes directas.

Quadro 2 – Cargas de nutrientes utilizadas nas simulações da qualidade da água.

Fósforo total (ton/ano)

Variação (%) Azoto total (ton/ano)

Variação (%)

71 Situação de referência 2860 Situação de referência 35.5 Redução de 50 % 2860 Situação de referência 92.3 Aumento de 30 % 2860 Situação de referência 71 Situação de referência 2002 Redução de 30 %

A evolução espacial e temporal dos produtores primários é influenciada por diversos

factores entre eles a intensidade luminosa, a temperatura da água, os predadores e os padrões de circulação na albufeira (que também afectam o transporte e distribuição dos sólidos em suspensão), mas a disponibilidade de nutrientes é um factor crucial para o crescimento do fitoplâncton. Dos resultados da Figura 10 conclui-se que as cargas de nutrientes vão influenciar directamente a produção primária na albufeira e que as zonas de menor profundidade nos braços laterais têm tendência a ser mais produtivas provavelmente devido à acumulação de nutrientes. A diminuição da carga de azoto para os valores simulados tem impactos negligenciáveis em termos de produção primária (Figuras 10 a) e b)). É sobretudo a entrada de fósforo no ecossistema aquático que vai ditar os níveis de produção primária das águas como se pode ver na Figura 10 a), b) e c). Smith e Shapiro (1981) chegaram a

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conclusões semelhantes analisando relações entre o fósforo total e a clorofila-a em 16 lagos diferentes em climas temperados. Sendo o fósforo o nutriente limitante na albufeira o fitoplâncton é muito sensível a variações do nível de ortofosfato disponível nas águas. A Figura 10 d) permite inferir que se as cargas de fósforo sofressem uma redução de 50%, o estado trófico da albufeira de Alvito se alteraria de eutrófico para mesotrófico. Chou et al. (2007) utilizaram uma metodologia semelhante para desenvolverem uma estratégia de redução de cargas de fósforo numa albufeira asiática, tendo concluído que uma redução de 37% permitiria atingir um estado oligotrófico nessa albufeira.

a) Situação de referência. b) Diminuição de 30% do azoto total.

c) Aumento de 30% do fósforo total. d) Diminuição de 50% do fósforo total. Figura 10 – Simulação da concentração de clorofila-a (mg/m3) na albufeira de Alvito com

diferentes cargas de Fósforo e Azoto Totais. Resultados para o dia 28/03/04 às 00:00 h.

5. CONCLUSÕES

Neste trabalho simulou-se a hidrodinâmica e a qualidade da água na albufeira de

Alvito utilizando dois modelos numéricos bidimensionais. O modelo de qualidade da água foi calibrado verificando-se boa concordância com valores medidos in situ, tendo de seguida sido utilizado para avaliar o estado trófico da albufeira sob diferentes condições de cargas de nutrientes afluentes.

Os resultados obtidos permitem verificar que o modelo de qualidade da água desenvolvido é adequado como ferramenta de apoio à decisão de gestão de albufeiras. As

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previsões do modelo permitem inferir que o estado trófico da albufeira é directamente influenciado pelas cargas do nutriente limitante (fósforo), não tendo as cargas de azoto influência determinante. O modelo prevê que poderá ocorrer uma alteração do estado trófico da albufeira de Alvito de eutrófico para mesotrófico com uma redução de 50% das cargas de fósforo que chegam à albufeira. O que significa que aplicando técnicas de gestão adequadas na bacia que permitam reduzir os níveis de fósforo na albufeira de Alvito é possível melhorar o estado trófico das suas águas.

AGRADECIMENTOS Este trabalho foi parcialmente financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia

Portuguesa (FRH/BD/28491/2006). 6. REFERÊNCIAS

CCDR Alentejo, Anuário de recursos hídricos do Alentejo (1999-2004). CCDR Alentejo, Anuário da qualidade da água da região Alentejo 2004-2005 (2005). Chapra, S.C., Surface Water-Quality Modeling, NY, McGraw-Hill, 844 pp. (1997). Chou, W. S.; Lee, T. C.; Lin, J. Y.; Yu, S. L., Phosphorus Load Reduction Goals for

Feitsui Reservoir Watershed, Taiwan, Environ. Monit. Assess., 131 (1-3), 395-408 (2007). Eça, A.R.G.P., Avaliação de cargas poluentes à escala da bacia hidrográfica. O caso da

bacia do rio Guadiana, Tese de Mestrado em Engenharia Civil, Universidade do Minho (2007).

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