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M o b i l i á r i o b a i a n o
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M a r i a H e l e n a o c H i F l e x o r
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A Coleção Obras de Referência do Programa Monumenta/Iphan
reedita mais um título para a bibliografia básica do Patrimônio: a pesquisa da
professora Maria Helena Flexor a respeito dos móveis e do mobiliário usado
em Salvador do início do século XVIII até meados do século XIX.
A obra, agora revista e atualizada, apresenta o inventário dos móveis
encontrados na primeira capital brasileira durante o período e localiza
os exemplares subsistentes. Além disso, trata dos estilos, da mão
de obra e dos materiais empregados em sua confecção, oferecendo fartas
referências bibliográficas e iconografia.
M o b i l i á r i o b a i a n o
M a r i a H e l e n a o c H i F l e x o r
M o n u M e n t a / i p H a n
c r é d i t o s
Presidente da rePública do brasil
Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro de estado da cultura
João Luiz Silva Ferreira (Juca Ferreira)
Presidente do instituto do PatriMônio Histórico e artístico nacional
coordenador nacional do PrograMa MonuMenta
Luiz Fernando de Almeida
coordenador nacional adjunto do PrograMa MonuMenta
Robson Antônio de Almeida
coordenação editorial
Sylvia Maria Nelo Braga
edição Caroline Soudant
coPidesque
Ana Lúcia Lucena revisão e PreParação
Denise Costa Felipe, Gilka Lemos design gráfico
Cristiane Dias diagraMação
Ronald Neri fotos e ilustrações
Arquivo da autora, Caio Reisewitz, Nelson Kon, Sylvia Braga, Editora de Arte Espade
caPa e guarda
Caixão ou arcaz. Século XVIII. Sacristia da Catedral de Salvador. Foto de Caio Reisewitz, 2008.
F619m Flexor, Maria Helena Ochi.Mobiliário baiano. Brasília, DF: Iphan / Programa Monumenta, 2009. 176 p.: il.; 26cm. (Referência ; 3)
ISBN 978-85-7334-119-5
1. Mobiliário – Bahia. 2. Patrimônio histórico - conservação. 3. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 4. Programa Monumenta. I. Título. II. Coleção.
CDD 64z0
www.iphan.gov.br | www.monumenta.gov.br | www.cultura.gov.br
a p r e s e n t a ç ã o 0 7
i n t r o d u ç ã o 0 9
1 | p a n o r a M a H i s t ó r i c o 1 2
2 | e s t u d o s c l á s s i c o s 2 2
3 | M e t o d o l o g i a d o p r e s e n t e e s t u d o 3 0
4 | M ã o d e o b r a : o s o F í c i o s M e c â n i c o s 3 6
5 | M a t e r i a i s u t i l i z a d o s 6 4
6 | M ó v e i s e M o b i l i á r i o 7 8
7 | c o n c l u s õ e s 1 3 8
8 | g l o s s á r i o 1 4 4
9 | r e F e r ê n c i a s b i b l i o g r á F i c a s e b i b l i o g r a F i a 1 5 8
s u M á r i o
~6~
~7~
a p r e s e n t a ç ã o
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional vem publicando, desde a
sua fundação em 1937, títulos fundamentais para a promoção do patrimônio histórico e
suporte do ensino de arte e arquitetura no país.
Um grande acervo foi editado, mas muitas obras relevantes estão esgotadas
e, como jamais integraram os catálogos das editoras comerciais, encontram-se hoje
inacessíveis para um público carente da bibliografia básica sobre nosso patrimônio.
É pensando, portanto, nos estudantes, pesquisadores, professores de arte, história
e arquitetura que o Programa Monumenta/Iphan chamou para si a tarefa de reeditar
importantes textos de referência, tais como Arquitetura e Arte no Brasil Colonial, de John
Bury, e o Atlas dos Monumentos Históricos e Artísticos do Brasil, de Augusto da Silva Telles.
Neste momento, um novo título é lançado, em edição revista e atualizada: o
Mobiliário baiano, de Maria Helena Flexor, um minucioso estudo dos móveis e do mobiliário
em uso em Salvador, do início do século XVIII até meados do século XIX. Mais que um
simples inventário dos móveis encontrados na primeira capital brasileira durante o período,
a autora apresenta os estilos, a mão de obra e materiais empregados em sua confecção,
além de localizar os exemplares subsistentes e levantar um extenso material bibliográfico,
textual e iconográfico, do qual o leitor certamente poderá tirar proveito.
Luiz Fernando de Almeida
Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Coordenador Nacional do Programa Monumenta
Dezembro 2009
Papeleira rococó, século XVIII-XIX. Museu de Arte da Bahia.
~9~
i n t r o d u ç ã o
O conteúdo deste livro foi desenvolvido com base em estudo feito nos anos 1970,
enriquecido ou reafirmado, posteriormente, ao longo de mais de trinta anos, com vários
outros trabalhos, muitos dos quais apresentados em colóquios e congressos ou elaborados
para publicação em livros e periódicos, nacionais e internacionais.
O estudo centra-se, sobretudo, em Salvador, sede do governo colonial de 1549 a
1763. Como também foi capital, sucedendo Salvador, o Rio de Janeiro (1763-1960) serve de
base para algumas comparações. São acrescentados exemplos do estado de Minas Gerais,
considerado por alguns autores, a partir dos anos 1930-1940, produtor da mais importante
expressão da arte nacional. Citam-se, eventualmente, outras regiões.
Focalizou-se nesse estudo os móveis e mobiliário em uso na cidade no período
compreendido entre 1700 e meados do século XIX. Escolheu-se como baliza inicial o princípio
do século XVIII, por corresponder a um momento em que a sociedade soteropolitana já
estava administrativa, social e economicamente estruturada, dotando-se de registros
documentais mais regulares. A baliza final, meados do século XIX, corresponde ao momento
em que as residências passaram a ser compostas não mais por peças individualizadas de
móveis, mas por conjuntos de móveis, ou mobília, com uniformidade formal, estilística e
decorativa, de origem ou de influência estrangeira1.
A pesquisa dá também a conhecer o tipo de mão de obra que atuou, durante o
período considerado, na Cidade do Salvador. Estende-se, portanto, à organização dos oficiais
mecânicos, como eram chamados os artesãos ou artífices de diversas especialidades, como
marceneiros, carpinteiros, torneadores, correeiros e ferreiros.
Para este estudo foram coletados dados na documentação, manuscrita e impressa,
do Arquivo Histórico Ultramarino e Biblioteca da Ajuda, de Lisboa, do Arquivo Público do
Estado da Bahia, do Arquivo Histórico da Prefeitura Municipal do Salvador, hoje sob a
guarda da Fundação Gregório de Mattos, e do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.
Essa documentação inclui inventários e testamentos, cartas do governo, registros de
correspondências entre Brasil e Portugal, livros de cartas de exame, termos de eleições de
oficiais mecânicos, livros de posturas, provisões do senado, livro de registro de licenças,
cartas do senado e atas da câmara. Jornais também integram a bibliografia.
Como complementação, buscou-se obter informações sobre os materiais usados
na construção dos móveis e realizou-se um extensivo levantamento bibliográfico, textual e
iconográfico, em catálogos ou fotografias de coleções de museus e particulares. De alguns
móveis, no entanto, não foi possível localizar nenhum exemplar em Salvador, recorrendo-
se a modelos semelhantes de outras regiões do país, de Portugal, França ou Inglaterra,
cujas descrições coincidiam com aquelas dos documentos consultados.
Conjunto de mobília neoclássica, século XX. Museu Carlos Costa Pinto.
M o b i l i á r i o b a i a n o
~10~
Usam-se citações de documentos de época para introduzir no estudo o olhar dos
personagens daqueles tempos e permitir que se verifiquem as diferenças que marcavam os
habitantes de Salvador dos séculos XVIII e XIX. Essas citações terão a ortografia atualizada
para facilitar a leitura e compreensão. Também para facilitar a compreensão, é apresentado
um glossário, no final do livro.
n o t a s
1 – O levantamento envolveu a consulta, no Arquivo Público do Estado, dos inventários e de
alguns testamentos referentes à capital. Dos “inventários dos bens” ou “autos de partilha”,
extraíram-se dados descritivos, por vezes bastante minuciosos, de 14.800 móveis, num total
de 1.843 inventários. Esse levantamento foi complementado por bibliografia e inventários
impressos, usados a título de comparação, já que se partia de metodologia completamente
diversa de estudos anteriores.
Antifonário híbrido (clássico renascentista/
barroco), século XVIII.
Detalhe do caixão ou arcaz clássico e bofete barroco, século XVIII. Sacristia da Igreja do Convento do Carmo, Salvador.
I n t r o d u ç ã o
panoraMa Histór ico
1
~15~
p a n o r a M a H i s t ó r i c o
a c i d a d e e a s o c i e d a d e
Em princípios do século XVIII, a Cidade do Salvador já era bastante povoada,
segundo Thales de Azevedo1. Não há coincidência entre os números da população total
citados pelos autores, mas estes estão concordes em afirmar que a maioria dos habitantes
era constituída por pretos e pardos. No mapa das freguesias, de 1775, consta que as “[...] 10
freguesias da cidade contêm 7.080 fogos, com 40.992 almas, a maior parte pretos e pardos
cativos, porém os fogos a maior parte são brancos”2.
Essa característica não mudaria até o final do século, segundo as informações de
José da Silva Lisboa e Luís dos Santos Vilhena. Em carta de 18 de outubro de 1781, dirigida
ao doutor Domingos Vandelli, diretor do Jardim Botânico de Lisboa, Silva Lisboa dizia que
“a cidade da Bahia tem quase 50.000 (habitantes), de que só a quarta parte será composta
de brancos”3. O cronista Vilhena computava menos de 60.000 habitantes, e estimava: “[...]
a terça parte de todos estes habitantes incluindo o Recôncavo poderão ser de brancos, e
índios, sendo as duas outras partes de negros e mulatos”4.
Os pretos, se não moravam com seus senhores, distribuíam-se pelos becos e
ladeiras, em casas pobres, como as da ladeira da Misericórdia. Segundo informava um
documento, as vítimas do desabamento de terras nesse local, no inverno de 1797, foram
notificadas como “sendo quase todos pretos, e pretas, e nenhuma pessoa de consideração”5.
As casas nobres “de sobrado e com loja de alugar” distribuíam-se em pontos não
muito distantes do primeiro núcleo de povoamento de Salvador, entre a Igreja da Ajuda e
o Pelourinho.
Segundo Vilhena, os melhores edifícios estavam na Praia, ou Cidade Baixa, bairro
“opulento pela assistência, que nele fazem os comerciantes da praça”. Sobre a Cidade
Alta, comenta que “os seus grandes edifícios, templos, e casas nobres, são de ordinário
pelo gosto e risco antigos, em que se notam algumas irregularidades, à exceção de poucos
mais modernos”6.
Tudo isso foi confirmado por outro documento, no qual se afirma:
“ [...] é certo que os edifícios não são da melhor arquitetura, nem da mais sólida construção, apesar de se encontrarem alguns nobres como sejam templos e também várias casas particulares muito boas, e de gosto mais moderno; as ruas são limpas, mas não regulares, nem calçadas com perfeição.7”
O distanciamento socioeconômico que a escravidão criou, especialmente na Bahia,
entre brancos, pardos, mulatos e pretos cativos mereceu críticas por parte de Vilhena:
Fachada da igreja e detalhe do Convento do Carmo, século XVII-XVIII, Salvador.
~16~
M o b i l i á r i o b a i a n o
“os brancos naturais do país hão de ser soldados, negociantes, escrivães, ou escreventes, oficiais em algum dos tribunais, ou Juízo de Justiça, ou Fazenda, e alguma outra ocupação pública, que não possa ser da repartição dos negros, como cirurgiões, boticários, pilotos, mestres, ou capitães de embarcações, caixeiros de trapiches, etc., alguns outros se bem que poucos, ou raros, se empregam em escultores, ourives, pintores, etc.“8
Segundo o mesmo autor, “há outros que entusiasmados sem fundamento, de que
são alguma coisa neste mundo, vivendo em sua casa envolvidos na sórdida miséria, quando
saem fora se empavesam de tal forma, que até custa reverenciar a Deus”9. Essa observação
é confirmada por outro documento:
“A maior parte [dos escravos] é bem inútil ao público e só destinada para servir aos caprichos e voluptuosas satisfações de seus senhores. É prova de mendicidade extrema o não ter um escravo: ter-se-ão todos os incômodos domésticos, mas um escravo a toda a lei. É indispensável ter ao menos 2 negros para carregarem uma cadeira ricamente ornada, um criado para acompanhar esse trem. Quem saísse à rua sem esta corte de africanos, está seguro de passar por um homem abjeto e de economia sórdida.”10
Não deixou Silva Lisboa de criticar, também, as senhoras patrícias.
Os brancos mostravam o que não eram. A ostentação pública de riqueza, muito
embora nem sempre essa riqueza fosse real, era comum entre eles, não fugindo à exceção
os religiosos, como observaram os Arcebispos Frei D. Manuel de Santa Inês11 e Frei D.
Antônio Correia12, nem os militares.
Essa parece ter sido a feição de Salvador do século XVIII, principalmente na sua
segunda metade. Mesmo com a mudança da capital para o Rio de Janeiro, em 1763, o luxo
aparente da sociedade não deixou de existir.
Dos senhores e proprietários das residências – umas ricas, outras médias,
poucas pobres e a grande maioria, de brancos – foram consultados inventários e alguns
testamentos. Levantaram-se dados dos pertences daqueles habitantes que residiam nas
ruas Direita da Praia, do Pilar, das Laranjeiras, do Maciel, Cruzeiro de São Francisco, Direita
das Portas do Carmo, Santo Antônio Além do Carmo, Taboão, Direita de Palácio, São Bento;
na Baixa dos Sapateiros; nas ladeiras da Praça e da Preguiça e, à medida que se caminhava
para o século XIX, e com a melhoria dos transportes urbanos, São Pedro Velho, Piedade,
Mercês, Vitória, Estrada da Graça, Saúde, Ribeira, Itapagipe. Deve-se, no entanto, ressaltar
que, até meados dos oitocentos, existiam engenhos na região do Pilar, chácaras em Brotas,
Rio Vermelho e Barra.
~17~
Pa n o r a m a h i s t ó r i c o
Naquele século, com o processo que Gilberto Freyre13 chamou de “reeuropeização”
do Brasil, verificou-se a adoção, pela assimilação, pela imitação, pela coerção, na
colônia e depois no império, de “uma série de atitudes morais e de padrões de vida que,
espontaneamente, não teriam sido adotados pelos brasileiros.”
A feição de Salvador começou, então, a se modificar.
A esse tempo, os franceses também tiveram grande influência, impondo as suas
modas. Não eram raros os anúncios de jornais acusando a presença de modistas francesas,
hospedadas em alguma parte central da cidade, dispostas a receber as senhoras baianas,
para vender seus vestidos e acessórios, trazidos diretamente de Paris. E vieram acessórios
para casa que guardaram, por muito tempo, sua designação original entre os brasileiros,
como, após 1850: retrete, toilette, bidet, console, plateau, étagers, etc.
Foi nessa época que algumas modas francesas retornaram, formando agora
conjuntos de mobílias. É o caso do modelo denominado “estilo Luís XV” ou “à Luís XVI”
que se usou no Brasil até o princípio do século XX, sendo o único estilo assim chamado
documentadamente. Reavivou-se então o móvel barroco, confeccionado mecanicamente e
em série, de forma estilizada, compondo o estilo eclético.
Simultaneamente, registrou-se o aumento em número dos caixeiros viajantes, que
eram portadores de produtos importados, bem como dos bazares, nos quais se vendiam
“trastes”, tanto novos, quanto usados.
Cabe ainda enfatizar que, fora as madeiras e couros, todos os materiais e utensílios
vinham de Portugal. No final do século XVIII, não eram raros os produtos que chegavam
da Inglaterra, através dos portos de Lisboa ou
do Porto. Importavam-se desde pregos, colheres
de pedreiros, candeeiros, almofarizes, bacias
de estanho ou de arame, panelas de cobre,
tigelas de pó de pedra, mangas de vidro, baús,
carteiras de mão, bancas de abrir, cadeiras,
mesas de abas de jantar, até mesas de chá ou
de jogo. Quadros, livros, instrumentos musicais
e relógios eram raros. Os espelhos e vidros só
foram mais profusos no século XIX. E também
eram importados.
Os móveis, especificamente, tinham
ainda outras origens. Nas últimas décadas do
século, viam-se anúncios como estes:
Caixão ou arcaz híbrido (clássico/renascentista e barroco), século XVIII. Sacristia da Igreja do Convento de Santa Teresa, Museu de Arte Sacra, Salvador.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
“Indústria Americana
Figuras, bustos, cantos, flores e outros enfeites de talha, preparados com a maior
perfeição em madeira e pós de serraduras, próprios para ornar e dar o maior realce as obras
de marcenaria, especialmente camas, aparadores, guarda-vestidos, toilletes, etc. recebemos
grande porção d’estas formosas peças, por preços baratíssimos, que só os Estados Unidos
podem apresentar: há-os desde 100 rs até 5$000.
AU PALAIS-ROYAL”14
“Mobílias AmericanasImensa Aceitação
Além de mais fortes e elegantes do que as austríacas, custam menos da
metade, visto que as outras custam 150$000. Embarcam-se também para fora da
província sem mais despesa alguma que a de frete.
AU PALAIS-ROYAL
grande bazar dos melhores artigos americanos preferidos aos da Europa.”15
M ó v e i s e s o c i e d a d e
O luxo aparente dos brancos, quando se apresentavam em público, no século XVIII,
parece não ter afetado o interior das residências baianas:
“Com efeito ao luxo exterior dos vestidos, em nada cede aos nossos europeus; e a seda é vulgarissima até nos negros forros. Porém tudo é sem proporção: a indigência muitas vezes se esconde debaixo desta exterioridade de pura fanfarronada, entretanto, que o interior da família está em desesperação. Felizmente para nós este luxo não tem penetrado no interior das casas, que é excessivamente modesto e despojado, pelo ordinário, de ornato e rico aparelho de móveis da Europa. A mesa costuma ser abundante, se os víveres são baratos; mas a delicadeza suntuosa e regular se não acha ainda entre gentes, que tem comodidades. A coisa nasce da falta de fundo real de riqueza na maior parte das pessoas.”16
Os inventários deixam concluir que os bens materiais desses baianos dos séculos
XVIII e XIX, bem como dos portugueses que se estabeleceram em Salvador, consistiam
principalmente de propriedades imobiliárias, dinheiro, jóias – sobretudo de prata, ouro
branco ou, eventualmente, ouro – e escravos. Os móveis, em geral restritos ao necessário,
~19~
Pa n o r a m a h i s t ó r i c o
representavam uma parcela mínima das posses e, na grande maioria dos casos, contrastavam
com a fortuna de seus proprietários.
O luxo aumentou um pouco no século XIX, com a introdução de móveis envidraçados,
de maior número de peças supérfluas, vidros e espelhos de ornamentação que, por sua
natureza, tinham a aparência de objetos luxuosos, ainda mais quando contornados de
dourado. Somente a partir de meados desse século a quantidade de móveis aumentou
consideravelmente, “entulhando” as residências mais abastadas.
As casas dos séculos XVII e XVIII contrastavam radicalmente com as moradias da
segunda metade do século XIX, quando a burguesia nascente encheu todos os espaços
residenciais com vários conjuntos de mesas e cadeiras, guarda-comidas, bancas, sofás,
guarda-roupas, leitos, além de numerosas estampas, importadas da Europa, e mangas de
vidro, protegendo ramos de flores metálicas, biscuits e imagens de santos, numa mesma
sala, por exemplo.
Em uma cidade habitada majoritariamente por pretos, crioulos, pardos e mulatos,
não eram muitas as residências que possuíam móveis. Pelos inventários, percebe-se que a
casa baiana, e mesmo brasileira, quer de brancos, quer de africanos ou seus descendentes,
com raríssimas exceções, foi extremamente pobre até meados do século XVIII, observando-
se a ausência de móveis, especialmente os supérfluos. Isso se justifica não apenas pelo fato
de a vida do baiano estar voltada para a rua, mas pelas próprias condições do povoamento.
Sabe-se que somente a partir de meados dos setecentos consolidou-se a sociedade em
alguns núcleos urbanos dispersos pelo Brasil, com a fixação de povoadores nas vilas e
cidades, incentivada pela política e ações pombalinas. A consolidação da sociedade
tornou possível o atendimento ao conforto interno das casas, observando-se então, não
só o aumento do número de móveis, como, sobretudo, a utilização crescente de peças
especializadas, como as cômodas, guarda-roupas, sofás e mesas de esbarra ou de jogo,
inexistentes nos seiscentos, ou a substituição de móveis menos refinados, vindos do século
anterior, como o caixão, por peças aperfeiçoadas.
Salvador, apesar de ter perdido a condição de capital do Vice-Reino em 1763,
continuou com a feição de maior centro urbano, no parecer do marquês de Lavradio,
D. Luís de Almeida Portugal Soares Alarcão Eça Melo Silva e Mascarenhas. Confirmava
isso o conjunto da cidade, que apresentava condições de infra-estrutura melhores que
as oferecidas à corte quando a sede do Reino foi transferida de Lisboa para o Rio de
Janeiro, em 1808. Muitas intervenções e construções na cidade foram necessárias, pois
ela não dispunha de casas nobres, capazes de abrigar a realeza e a corte administrativa,
diferentemente de Salvador, que tinha porte de capital.
~20~
M o b i l i á r i o b a i a n o
Em Minas Gerais, alguns núcleos urbanos também se estruturaram somente a
partir da segunda metade dos setecentos, enquanto em São Paulo e em quase todo o Sul
permaneciam inexpressivos, como muitas partes do Norte e do Nordeste. Nessas regiões,
certos núcleos cumpriram trajetórias diversas na história artística brasileira: é o caso de
Recife, por ter permanecido nas mãos dos holandeses, São Luís do Maranhão, fundada pelos
franceses, ou Belém, que foi capital da região Norte na época pombalina. As companhias
de comércio, criadas na segunda metade do século XVIII, ao permitir o acesso direto às
modas européias, reforçaram essa diversidade.
Nesses diferentes brasis, as casas também eram bem díspares, com poucos
sobrados “com loja de alugar”, de pedra e cal, e muitas casas térreas de taipa, algumas
vezes tendo apenas a fachada construída com material mais durável. Em geral, situavam-
se em terras foreiras a comunidades religiosas. Umas e outras estavam “místicas”, ou
misturadas, nos centros urbanos. E é nessas casas térreas, quase sempre de chão de terra
batida e iluminadas por candeeiros de latão ou veladores de jacarandá torneados, que se
usavam algumas poucas peças de móveis no século XVIII. Seus moradores eram pequenos
comerciantes e burocratas, oficiais mecânicos, índios “civilizados”, escravos libertos,
artistas, pequenos lavradores, etc.
Os sobrados pertenciam aos nobres e oficiais do governo, alguns senhores de
engenho e/ou comerciantes, senhores de escravos de aluguel e militares de maior patente.
Estavam localizados junto aos edifícios religiosos e administrativos e, os maiores, na zona
comercial. Poucas casas de engenhos ou sobrados urbanos, de propriedade de pessoas mais
abastadas, contavam, no século XVIII, com um número mais considerável de móveis.
Como se viu, a grande maioria da população, se não era escrava, constituía-
se de pessoas sem condições econômicas para possuir móveis de elaboração e madeira
mais refinados. No entanto, alguns ex-escravos alcançavam o mesmo padrão de vida dos
brancos, habitando casas ao lado destes, como se via na rua do Rosário, em São Paulo, onde
não só dispunham de móveis, quanto de escravos e de todo o aparato denotativo de certa
condição econômica: objetos de prata, incluindo bengala com castão desse metal, chapéus
de Braga, louça da Índia ou da China, móveis de jacarandá, etc. Livres, muitos ex-escravos
baianos também desfrutavam de condições materiais similares e possuíam escravos.
Pa n o r a m a h i s t ó r i c o
n o t a s
1 – azevedo, Thales. Povoamento da Cidade do Salvador. 3ed. Bahia: Itapuã, 1969, p. 183.
2 – aHu. Loc. cit., v. 32, doc. 8750 (1775), p. 289.
3 – Idem. v. 34, doc. 10.907 (1781), p. 505.
4 – vilHena, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Bahia: Itapuã, 1969, v. 1, p. 55.
5 – aHu. Loc. cit., 1914, v. 32, doc. 17.433 (1797), p. 459.
6 – vilHena, L.S. Op. cit., p. 44-45.
7 – cartas do governo a sua Magestade (1797-1798). Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador/
Fundação Gregório de Mattos, carta 600, 21 out. 1799. fl. 207.
8 – vilHena, L.S. Op. cit., p. 138.
9 – Idem, p. 52.
10 – aHu. Loc. cit., 1914, v. 32, doc. 10.907 (1781), p. 505.
11 – Em sua Carta Pastoral, de 1764, frei D. Manuel de Santa Inês criticou severamente as
religiosas do Desterro quanto ao cerimonial que obedeciam, por admitirem, dentro do convento,
as escravas para os seus serviços (aHu. Loc. cit., v. 32, doc. 6.556 (1764 anexo ao doc. 6554),
p. 68).
12 – Frei D. Antônio Correia, em sua Pastoral sem data, provavelmente de 1784, proibia aos
eclesiásticos o uso de vestes e adornos próprios dos civis (aHu. Loc. cit., v. 32, doc. 11.485 (1784,
anexo ao doc. 11.481), p. 554).
13 – freyre, Gilberto. Sobrados e mucambos. Rio de Janeiro: José Olimpio, 1968. t. 1, p. 309-310.
14 – diário da baHia, Salvador, 1 mai., 1879, p. 8.
15 – idem. 9 mai., 1879. p. 3.
16 – aHu. Loc. cit., v. 32, doc. 10.907 (1781), p. 505.
~21~
estudos cláss icos
2
~25~
Após a proclamação da República, em 1889, intensificou-se o processo de
afirmação da nacionalidade brasileira, que se tentava estruturar desde a Independência,
em 1822 ou, na Bahia, em 1823. Entre 1889 e 1930, vários fatos importantes marcaram
a vida cultural brasileira em busca do espírito nacional. A criação dos símbolos nacionais
– hino, bandeira, armas, heróis –, a proximidade das comemorações do centenário da
Independência, a recepção da imigração em massa, a introdução dos ideais anarquistas,
de um lado, e socialistas, de outro, os primeiros movimentos artístico-literários modernos,
entre outros fatos, fizeram os brasileiros sentir a necessidade de conhecer o Brasil.
Naquele período, com a chegada em massa de colonos europeus de várias
nacionalidades, o português deixou de ser “o grande inimigo” e o foco de insatisfação dos
brasileiros deslocou-se para os novos povoadores estrangeiros. Nesse contexto, não foi
difícil aos intelectuais brasileiros assumir para si o patrimônio cultural legado pelos lusos
nos quase 389 anos em que o Brasil esteve sob sua influência, direta ou indireta.
Mário de Andrade1 iniciava, então, uma série de viagens pelo Brasil. Os intelectuais
e estudiosos, bem como algumas senhoras e curiosos da burguesia paulistana nascente,
começaram a redescobrir o Brasil. E passaram a fazer o que Eduardo Jardim de Moraes
chamou o “retrato do Brasil2“. Foi esse movimento que “descobriu” Minas Gerais e
Aleijadinho, apontando-os como símbolos da “arte nacional”, em contraposição às regiões
litorâneas e suas produções, que haviam recebido mais intensamente as influências da
antiga Metrópole.
Carlos Ott, nessa mesma época, deixava transparecer bem a visão dos estudiosos:
“Conhecidas como agora são as obras feitas no decorrer dos séculos, e conhecidos os seus autores, podemos apreciar o seu valor e investigar as influências que receberam. Por outro lado, interessa saber quais as criações tipicamente baianas ou regionais.”3
Entre os vários estudos, nesse contexto, encontravam-se os de autores que
escreveram sobre o mobiliário “brasileiro” usando a metodologia comparativa: resgatavam
a memória dessa produção no Brasil e a cotejavam com a de Portugal. Essa foi a metodologia
adotada, por exemplo, por Gustavo Barroso, José de Almeida Santos, Clado Ribeiro de
Lessa, José Wasth Rodrigues, Mário Barata, Hélcia Dias e José Mariano Filho.
A criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN, como
conseqüência de todo o processo de recuperação dos elementos distintivos da brasilidade e
sua cultura, em 1937, provocou essa primeira onda de estudos sobre o mobiliário, iniciada
nessa mesma década e estendida à seguinte. Isso, associado à disseminação do interesse
e s t u d o s c l á s s i c o s
Detalhe de anjo tocheiro barroco, século XVIII. Igreja de Santa Teresa ou Museu de Arte Sacra, Salvador.
~26~
M o b i l i á r i o b a i a n o
Cofre com três chaves, século XVIII-XIX. Convento de São Francisco, Salvador.
~27~
E s t u d o s c l á s s i c o s
pelos estudos regionalistas e da cultura popular, estimulou a pesquisa de objetos e peças
de arte e de mobiliário antigos.
Os museus, colecionadores e antiquários, a partir da década de 1940, provocaram
uma segunda onda de interesse pelos estudos do mobiliário que entrou pelos anos 1960.
Foi graças a esses estudos e viagens que se passou a conservar móveis antigos e objetos de
arte em geral, salvos da destruição e dos cupins, como diria um desses “viajantes” culturais,
o artista plástico Carybé, que, em companhia de Mário Cravo Júnior, percorreu o Nordeste
num veículo Skoda enfeitado com um Exu.
Dos estudos desses dois períodos nasceram conceitos, tipologias, designações
estilísticas, cronologias e nomenclatura do mobiliário que acabaram consagrados.
Procurava-se, então, por um lado, distinguir um “estilo brasileiro”, ou “colonial”, e descobrir
as qualidades artísticas do mobiliário, e, por outro, estabelecer as características formais
dos conjuntos estilísticos.
Esses autores, porém, mesmo buscando a singularidade brasileira, adotaram a
nomenclatura estilística do mobiliário de Portugal e respectiva cronologia, comparando as
semelhanças e diferenças formais. Os estilos eram assim designados com os nomes régios:
Manuelino ou Filipino, este último com variações jesuíticas, D. João V, D. José ou Pombalino,
D. Maria I ou Império. Certos autores, reconhecendo “criações genuinamente brasileiras”,
admitiram os estilos nacionais: D. Maria I brasileiro, Império brasileiro, Colonial brasileiro,
Regional mineiro e Beranger, que outro autor crismou de D. Pedro II.
Alguns estudiosos, ainda, tomaram a divisão por reinados lusos apenas para
permitir uma compreensão associativa – tempo-estilo-forma –, mais inteligível que a
puramente cronológica. Em conseqüência, ligaram-se de tal modo as formas dos móveis
às figuras dos soberanos, que as designações deixaram de ser simplesmente associativas
para se tornar sugestivas de uma interferência direta da pessoa real nos estilos e modas de
seu tempo. Na atualidade, essas designações podem, eventualmente, ter validade didática,
já que estão consagradas, mas não têm nenhum rigor histórico, pelo menos para o Brasil.
Tais estudos morfológicos basearam-se nos móveis “sobreviventes” nos museus
e coleções particulares, adotando uma nomenclatura singular, às vezes esdrúxula, para
designar peças inteiras ou detalhes decorativos dos móveis. Essa nomenclatura4 acabou
sendo também consagrada e adotada no vocabulário museológico, dos antiquários e
colecionadores, que inclui termos como bolachas, treme-treme ou tremidos, almofadas,
pés de bola, pés de garra e bola, pés de pincel, sapata, pés de espátula, pés de cachimbo,
pés de voluta, perna de lira, cachaço, tabela, balaústre, avental, arqueta, baú, cadeira de
estado, mesa holandesa, mesa de bolachas, mesa de dobrar ou de cancela, mesa de aba ou
~28~
M o b i l i á r i o b a i a n o
borboleta, mesa de cavalete, mesa de encostar, mesa de dobrar, cadeira de estado, cadeira
abacial, leito de bilros, cadeira de sola, cômoda boulle5, entre outros.
Exemplos bem típicos de nova nomenclatura são as designações dadas às caixas
e caixões, hoje chamadas arcas, arcazes e/ou cômodas. As mudanças adotadas levaram
Carlos Ott6, colaborador do Iphan, a concluir que “quando nos inventários se fala em
ornamentos, estes não se especificaram, pois naqueles tempos, ainda não existia nem a
terminologia portuguesa e muito menos a internacional hoje em dia usada para designar
os diversos estilos artísticos”.
O estudo morfológico gerou também detalhamentos gráficos que reuniram
desenhos das diferentes peças de móveis, dando origem à falsa idéia de conjuntos de um
mesmo estilo, inexistentes no século XVIII. Da mesma maneira, levou à identificação do
jacarandá como única madeira utilizada na confecção da maior parte dos móveis, por ser
muito resistente e dura, qualidades que justificariam sua “sobrevivência”.
Os estudos clássicos contemplam ainda móveis ingleses e franceses. Assim, para
o mobiliário de influência estrangeira, adotou-se a designação originária, normalmente derivada do nome de seu criador, ou designer, como Hepplewhite, Chippendale7 e Sheraton,
ou das figuras régias, como Rainha Ana (1665-1714), Guilherme e Maria ingleses.
Transpor essa cronologia associada para a Bahia e para o Brasil é utilizar conceitos
fictícios, tendo em vista que alguns móveis com características do estilo renascentista, o
qual tem suas origens na Itália do século XIV, persistiram em uso no Brasil até o século
XVIII. Há, entre eles, móveis de oração, como os oratórios, e móveis de guardar, como
as caixas, caixões, armários e cômodas8. Algumas dessas peças, como as caixas, foram
utilizadas até o fim dos setecentos, convivendo perfeitamente com os móveis torneados
ou entalhados barrocos ou rococós, estilos que, na Europa, sucederam ao renascentista. As caixas, chamadas indevidamente arcas nos museus, passaram do século XVI
para o XVII e foram usadas na Bahia até os finais dos setecentos, com múltiplas funções.
Até as últimas décadas do século XVIII, os serralheiros ainda faziam fechaduras mouriscas
para caixas. As arcas, sem almofadas, com o tampo abaulado e gavetas na parte inferior,
só apareceram no século XVIII. Serviam para guardar roupa, comida, alfaias, louças e, por
vezes, ao lado de uns poucos tamboretes, eram os únicos móveis das casas.
E s t u d o s c l á s s i c o s
n o t a s
1 – andrade, Mário de. Mário de Andrade: fotógrafo e turista aprendiz. São Paulo: Instituto de
Estudos Brasileiros, 1993.
2 – Moraes, Eduardo Jardim de. Mário de Andrade: retrato do Brasil. In berriel, Carlos Eduardo
(org.). Mário de Andrade/hoje. São Paulo: Ensaio, 1990, p. 67-102.
3 – ott, Carlos. História das artes plásticas na Bahia, 1550-1900. Salvador: Alfa, 1992. v. 2, p. 91.
4 – A maior parte dos termos foi criada pelos colaboradores regionais do Iphan.
5 – Vide por exemplo Krell, Olga. Aprenda a escolher antigüidades. Decoração Cláudia, Rio de
Janeiro, ano 8, no 87A. p. 6, 8, 10, 12, 15, 17, 19, 21, 24, 26, 28, 30, 35, dez. 1968.
6 – ott, C. Op. cit., v. 2, p. 68, 91. No presente trabalho, é usada a nomenclatura de época,
fazendo-se referência à nomenclatura do Iphan, para a qual Ott também deu sua contribuição.
7 – Hepplewhite e Chippendale já se enquadravam no processo da Revolução Industrial e
vendiam suas peças por meio de catálogo, dentro de um novo programa de comercialização de
produtos feitos em série. Mesmo os móveis com as designações dos nomes régios eram, em sua
grande maioria, produtos industrializados.
8 – Também continuam a aparecer nas portas e janelas, especialmente dos edifícios religiosos.
~29~
Bofetinho barroco, século XVIII. Sala do Capítulo do Convento de São Francisco, Salvador.
Metodologia do presente estudo
3
~33~
Com metodologia diversa, procurou-se reestudar os móveis baianos, considerando,
além da morfologia e da cronologia, a sua inserção na sociedade, a mão de obra e os
materiais empregados. Tal procedimento foi em parte adotado logo em seguida por Tilde
Canti1, englobando exemplares brasileiros.
Nas descrições presentes na relação de bens dos inventários, testamentos e
autos de partilha, existentes no Arquivo Público do Estado da Bahia, estão bem claros
os detalhes, como a designação do móvel, origem, quando se tratava de importado,
tamanho aproximado, materiais utilizados, ornamentações, estado de conservação, preço
da avaliação. Essas descrições foram sistematizadas e distribuídas cronologicamente,
considerando-se que os inventários e testamentos são documentos pós-morte.
A cronologia aqui utilizada é, pois, baseada na vulgarização, ou moda, dos modelos
dos móveis. As datas são mais reais, pois correspondem ao momento em que houve o
grande e geral uso de determinado ou determinados modelos2. A data de introdução de
novos modelos é secundária, de um lado, por serem em número reduzidíssimo – às vezes,
uma única peça – e, de outro, porque sua vulgarização levava muito tempo. A defasagem
cronológica entre a introdução do modelo luso, e/ou inglês ou francês, e a sua vulgarização
podia atingir mais de cinqüenta anos, em algumas regiões. A defasagem existia mesmo nos
centros mais adiantados, como Salvador e Rio de Janeiro.
Antes de mais nada, é preciso considerar que não só a morfologia e a decoração
das peças podem indicar a época do uso de determinados modelos de móveis, mas
também a especialização dos oficiais mecânicos empregados na sua elaboração e o uso
de materiais específicos, que devem ser considerados na sua datação. Pode-se datar
os móveis, por exemplo, pelo uso constante de madeiras diversas, tipos de ferragens,
puxadores, madeiras folheadas, couro lavrado, sola picada, palhinha, damasco, veludo,
verniz, vidro, mármore, pintura branca ou colorida, douramentos etc. É preciso considerar
ainda que os móveis tinham uma rotatividade diminuta, não só porque era comum
comprá-los usados em bazares de trastes, mas também porque passavam sucessivamente,
por herança, aos descendentes.
Na realidade, seria impossível estabelecer uma cronologia correta tomando-se
os móveis comumente usados nas casas baianas e mesmo brasileiras, pois modelos muito
antigos encontravam-se ao lado de outros do estilo subseqüente, junto com móveis da
moda, ou à “moderna”, como se dizia. O mais comum, especialmente do século XVIII em
diante, era a utilização de peças isoladas de móveis de formas e estilos diferentes e de três
tipos – de luxo, ordinários e toscos –, dependendo das posses de seus donos e dos aposentos.
Não havia o requinte de uniformização decorativa e nem o conceito de mobília. Os móveis
M e t o d o l o g i a d o p r e s e n t e e s t u d o
Conversadeira. Século XIX. Museu Carlos Costa Pinto.
~34~
M o b i l i á r i o b a i a n o
toscos eram elaborados em madeiras comuns, para o uso popular ou serviço doméstico.
Esse tipo não é focalizado, por ser muito simples, com linhas retas, sem características
estilísticas específicas.
Como indicação didática, adotou-se a designação dos estilos gerais da arte
européia ocidental, com os anos de respectivo uso na Bahia, desprezando-se os modelos
híbridos, isto é, aqueles que, no século XVIII, misturaram elementos renascentistas e
barrocos, por exemplo:
a. renascentistas, de linhas retas, com guarnições de almofadas e frontões
(1600-1740);
b. primeiro barroco, com torneados e retorcidos (1640-1740);
c. segundo barroco e rococó, com talhas e linhas curvas (1740-1820);
d. neoclássicos com linhas retas, colunas estriadas, etc. (1820-1890);
e. ecléticos e estrangeiros (1840-1910)3.
Por não haver o conceito de mobília, preferiu-se designar os móveis de acordo com
a sua utilidade:
a. móveis de guardar – caixas, arcas, cômodas, frasqueiras, cofres, armários,
guarda-roupas, guarda-louças;
b. móveis de trabalho – contadores, papeleiras;
c. móveis de descanso – leitos, camas, catres, preguiceiros, cadeiras, tamboretes,
sofás, canapés e outros;
d. móveis de refeição e decoração – mesas, bofetes, bancas, tremós;
e. móveis de higiene – toucadores, gamelas, tinas ou tigres;
f. móveis de oração – oratórios, altares de dizer missa;
g. móveis de transporte – (redes)4, serpentinas, cadeirinhas de arruar.
Essas designações se adequam perfeitamente tanto aos móveis de uso civil e leigo,
quanto, em parte, aos religiosos.
Como mencionado, a metodologia adotada considera, além da morfologia e da
cronologia dos móveis, a sua inserção na sociedade, a mão de obra e os materiais empregados.
Assim, antes de tratar dos móveis propriamente ditos, serão dadas notícias sobre a mão de
obra que os elaborou no período abordado – considerando-se seu regime de trabalho e sua
importância na vida da sociedade baiana – e sobre os materiais então utilizados.
Caixa ou arca com gavetas, clássico renascentista, século XVIII. Sacristia da Igreja de São Francisco, Salvador.
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M e t o d o l o g i a d o p r e s e n t e e s t u d o
n o t a s
1 – canti, Tilde. O móvel no Brasil; origens, evolução e características. Rio de Janeiro: Cândido
Guinle de Paula Machado, 1980. 337 p.
2 – Para a datação dos móveis, foi calculada a idade média de casamento dos inventariados,
considerando-se a idade da maioridade – 25 anos –, em que o matrimônio era permitido, e a
idade dos filhos, além da média da expectativa de vida da época.
3 – Quando o Imperador D. Pedro II visitou Salvador, em 1859, vários aposentos do Palácio do
Governo foram mobiliados com peças de estilo eclético, de influência francesa. A mobília da
“sala vermelha” era de “mogno, estofada de damasco vermelho, ao gosto da época de Luís XV”,
por exemplo (MeMórias da viageM de suas Magestades iMPeriais a Provincia da baHia. Rio de Janeiro:
Indústria Nacional de Cotrin & Campos, 1867. p. 13).
4 – A rede aparece entre parênteses porque, apesar de ter sido, por longo tempo um meio de
transporte eficaz, não pode ser considerada um móvel, como os demais, pois era feita de tecido.
Mão de obra: os oF íc ios Mecânicos
4
~39~
Salvador herdou de Portugal a composição administrativa e a estrutura
socioeconômica, incluindo a formação de mão de obra, constituída majoritariamente
de artífices. Na prática, os ofícios foram divididos entre os brancos e os negros, sendo
exercidos por uns ou por outros – não exclusivamente, mas em grande parte.
Do século XVI até a terceira década do século XIX, os artesãos ou artífices e alguns
pequenos comerciantes eram designados na Bahia e no Brasil como oficiais mecânicos.
Os pintores e escultores, que também usavam as mãos na elaboração de suas obras, não
eram classificados como artesãos, pois tinham, teoricamente, a possibilidade de “inventar”
e, por isso, ser profissionais liberais1, enquanto aos artífices cabia “copiar” e permanecer
administrativamente atrelados às Câmaras.
Vários oficiais mecânicos interferiam na confecção dos móveis, como os
marceneiros ou carpinteiros de obras brancas e pretas, torneiros, entalhadores, carpinteiros
de móveis e samblagem, correeiros lavradores de couro, picadores de sola ou couro,
ferreiros ou serralheiros2. A confecção de cadeiras, por exemplo, podia reunir marceneiros
e correeiros. O marceneiro podia acumular a função de torneiro, mas não a de entalhador.
O profissional dessa especialidade intervinha no móvel separadamente. Os entalhadores
não tinham obrigação de cumprir os preceitos da Câmara, por estarem classificados na
categoria dos escultores.
Segundo afirma a historiografia clássica tanto em relação ao urbanismo quanto
em relação aos ofícios mecânicos, apenas na América castelhana teria havido organização.
No Brasil, por causa da presença do regime escravista, teria reinado a desordem, a
desobediência profissional. Isso é bem válido para a vila de São Paulo, que, até o século
XIX, não teve muita relevância. Até as primeiras décadas daquele século, como acusava o
governador Antônio José de Franca e Horta, não havia em São Paulo mestres pedreiros e
carpinteiros hábeis como os que existiam no Rio de Janeiro e na Bahia3.
Fato praticamente desconhecido é que, na Bahia, a partir do final da primeira metade
do século XVII, foram criados os cargos de procuradores dos mesteres, hierarquicamente
subordinados à Câmara. A exemplo do que existia em Lisboa, procurou-se constituir as
guildas de forma ativa, buscando
“dar maior relevo à atividade dos juízes dos ofícios mecânicos, criando-lhes função própria sob a denominação de mesteres, como órgão de classe junto à Câmara, onde teriam assento, trazendo mais uma figura ao cenário administrativo da Cidade – o juiz do povo – eleito pela assembléia de 12 mesteres, por sua vez aclamados pelos vários grupos profissionais, regularmente registrados”4.
M ã o d e o b r a : o s o F í c i o s M e c â n i c o s
Banca de esbarra ou mesa de encostar, rococó, séculos XVIII-XIX. Museu de Arte da Bahia.
~40~
M o b i l i á r i o b a i a n o
Instituídos os mesteres, por resolução da Câmara de 21 de maio de 16415, dois
dias depois os oficiais mecânicos se reuniram, por convocação da Câmara, e elegeram
24 representantes, escolhendo-se, entre estes, 12 – um ou dois de cada ofício, dos mais
indispensáveis6. Seguia-se o exemplo de Lisboa, que possuía um ou dois representantes, a
depender do ofício, na chamada Casa dos Vinte e Quatro7.
Logo após a escolha dos 12, elegeu-se o juiz do povo e o escrivão, aprovados
com dois procuradores dos mesteres8 por Alvará Régio de 28 de maio de 1644, da mesma
forma que nas vilas do Reino e com iguais isenções e privilégios9. Cabia-lhes controlar
as atividades dos seus companheiros, fixar preços e avaliar as obras. Tratava-se de uma
continuação das guildas medievais.
As “iniciativas partidas dos proletários”, como as chamou Affonso Ruy, “começaram
a agitar os vereadores, originando-se, aos poucos, um ambiente de reação que foi crescendo
até à hostilidade contra os representantes corporativos”10.
Elegeram-se outros juízes do povo e mesteres. Estes, porém, cada vez mais
infiltravam-se nas competências dos vereadores11 que, por sua vez, procuravam cercear o
poder daqueles. Os antagonismos continuaram até que, em 1710, os vereadores deliberaram
que o juiz do povo e os mesteres só fossem às vereações requererem, segundo Affonso Ruy,
“aquilo que entendessem era útil ao povo”12 e que não comparecessem mais às vereações.Os juízes do povo e os mesteres foram acusados de provocar reações populares
contra a Câmara, contra o Governo e contra a Coroa13, até que, “por ter mostrado a
experiência ser causa dos motins que tem havido em desserviço meu e do público desses
moradores”, o rei, através da Carta Régia de 25 de fevereiro de 1713, extinguiu esses cargos,
pelas mesmas razões por que o fizera na cidade do Porto, a pedido da própria Câmara.
Os vereadores, em 1715 e 1716, apelaram ao rei a fim de que novamente se
instituíssem os cargos de juiz do povo e de mesteres, sem os quais, diziam, “ficava a Cidade
Capital do Estado do Brasil igual a mais humilde vila dele” e para que houvesse “o sossego
do bem comum”14. Tudo inútil. Os cargos estavam extintos definitivamente.
Os oficiais mecânicos perderam assim seus representantes junto ao poder
público e seus privilégios, e tiveram suas atividades restringidas. A partir de então apenas
examinavam, através do juiz e do escrivão do ofício, aqueles que queriam ingressar na
atividade, defendiam poucos de seus interesses e avaliavam as obras, em comum acordo
com a Câmara.
Além da falta de representação junto à Câmara, dois fatores importantes, entre
vários outros, contribuíram para enfraquecer a organização das guildas, dentro dos
moldes de Lisboa. Em primeiro lugar, a presença do braço escravo, que exercia alguns
~41~
M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s
ofícios mecânicos, sobretudo aqueles que exigiam maior esforço físico ou que lidavam com
sangue; em segundo, a instabilidade e as restrições político-administrativas impostas à
Câmara de Salvador, quer pelo governo geral, quer pela corte.
Como exemplo de interferência de órgãos superiores da corte, escrevia Vilhena15:
“uma outra origem de desordem no Senado é a ascendência que o Supremo Tribunal da Relação tem arrogado sobre ele, sendo certo que querendo o Senado fazer obviar algumas infrações das leis municipais, e ainda portarias dos excelentíssimos governadores interpõem a parte um agravo para a Relação, e tem por certo o provimento com que já conta quando agrava; motivo por que vem a ficar sem validade as posturas, e reiteradas portarias do Senado, ou para melhor, o presidente iludido, e os perversos com a mão alçada para descarregarem quando este obsta as suas pretensões.”16
Apesar disso, a Câmara e os oficiais mecânicos tentaram organizar suas corporações
mesmo sem os poderes, isenções e privilégios, que haviam conquistado a partir de 1641, e
que perderam em 1713.
Essas tentativas estão registradas nos manuscritos existentes no Arquivo Histórico
da Prefeitura Municipal do Salvador, sob a guarda da Fundação Gregório de Mattos.
Embora a documentação tenha sofrido várias interrupções ou esteja danificada, pode-se,
há alguns anos, de uma maneira genérica, estabelecer a “história dos ofícios mecânicos do
Salvador”17, correlacionando-a à de Lisboa.
As atividades dos oficiais mecânicos eram reguladas, em parte, pelo Livro de
Regimentos dos Oficiais mecânicos de Lisboa, de 1572. Nesses regimentos, reformados
pelo marquês de Pombal em 177118, foram baseadas as posturas estabelecidas pela
Câmara de Salvador.
Em 1704, os oficiais mecânicos requereram ao rei que, em Salvador, se observassem
os “estilos”, ou costumes, da corte para a eleição de seus juízes em “casas particulares”,
como a Casa dos Vinte e Quatro, de Lisboa. Solicitada a opinião da Câmara, esta procurou
dar esclarecimentos ao rei sobre as irregularidades e diferenças na observância desses
“estilos”19. A maioria das eleições, apesar desse pedido, continuou sendo realizada na
Câmara, conforme o costume desta.
Em Salvador, chamava-se vulgarmente de regimento à lista de preços das obras
que os oficiais mecânicos executavam, e não um conjunto de normas de procedimentos.
Essa lista era estabelecida em comum acordo com a Câmara, enquanto existiram os juízes
do povo e os mesteres, e depois somente pela Câmara. Os regimentos dos diversos ofícios
~42~
M o b i l i á r i o b a i a n o
constam dos livros de posturas da Câmara. As atividades de alguns artífices, entretanto,
eram regulamentadas pelos regimentos das confrarias. Esses regimentos e/ou as posturas
da Câmara definiam a vida pública e profissional dos artífices.
As posturas, estabelecidas pela Câmara, eram lidas em pregões públicos, nas praças
e ruas “costumadas” da cidade, praia e seus arrabaldes, em voz alta e inteligível, para que
“fossem bem entendidas por todo povo” e que ninguém pudesse “alegar ignorância”20.
Qualquer pessoa do povo podia denunciar os culpados que agiam contra as posturas
e tinham direito à terça parte das condenações, as coimas21. As penas impostas eram
aplicadas pelos almotacés das execuções, a pedido dos juízes de fora ou da Câmara.
Os primeiros livros de posturas foram perdidos. Sabe-se que, com “a entrada dos
inimigos rebeldes de Holanda se haviam perdido os livros” da Câmara, e pedia-se, expulsos
os invasores,
“que se pusessem [...] o traslado das posturas, que se haviam feito antes disso, e estavam nos ditos livros perdidos das quais ainda havia alguma notícia, por estar o traslado delas em poder do escrivão da Almotaçaria João Mendes Pacheco, as quais de novo haviam por boas, e mandaram se copiassem como nelas se continham, e que pelas penas nelas estabelecidas fossem executadas as pessoas que caíssem em coima, e fossem contra elas.22”
Com referência aos oficiais mecânicos, as posturas da Câmara de Salvador
estabeleciam que “de novo se mandavam cumprir, e executar nas pessoas que forem contra
elas” (1625), e definiam:
“que nenhum oficial de qualquer ofício ponha tenda sem licença da Câmara, e fiança nela, e seja examinado, e tenha seu regimento a porta, pena de seis mil réis .............................................................................................................................................6$00023.
que todos os oficiais serão obrigados a acompanhar a bandeira os dias das procissões del Rei, pena de seis mil réis ..................................................................................... 6$000.24”
Ao pedir a licença à Câmara, os oficiais mecânicos pagavam fiança, apresentando
avalistas. A fiança era válida por um ano, ou seis meses para aqueles que recebiam
pagamento de terceiros25. Registravam-se em livros próprios os nomes dos oficiais e, por
vezes, os endereços e tipo de atividade26. As licenças para os escravos eram tiradas em
nome de seus senhores, os quais pagavam a fiança. Poucos foram os oficiais que cumpriram
com regularidade essas duas obrigações: licença e exame.
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M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s
o F í c i o s e H i e r a r q u i a
Existiam, na Cidade do Salvador, os seguintes ofícios denominados mecânicos:
barbeiro, sapateiro, carpinteiro de obra branca ou de edifícios, carpinteiro das naus da
ribeira, carapina, correeiro, dourador, espadeiro, esparteiro, ferreiro, latoeiro, marceneiro,
ourives do ouro e da prata, parteira, pasteleiro, pedreiro, polieiro, sangrador, seleiro,
serralheiro, sombreiro, tanoeiro, tintureiro, torneiro, alfaiate, anzoleiro. Muitos dos ofícios
existentes em Lisboa não passaram para o Brasil por não serem de primeira necessidade ou,
então, foram anexados a outros ofícios. As demais atividades constituíam, normalmente,
monopólio real. Como dizia José da Silva Lisboa a Domingos Vandelli, em 1781, “as artes na
Bahia se reduzem aos ofícios mecânicos de pura necessidade”27.
Hierarquicamente, encontravam-se em São Paulo o mestre, o oficial, os aprendizes
e os serventes, enquanto na Bahia existiam o mestre, o oficial, os aprendizes e os jornaleiros.
Com a exceção dos serventes e jornaleiros, os demais podiam e deviam prestar exames para
galgar os títulos superiores da hierarquia.
Os exames consistiam na confecção de uma obra própria do ofício ou em
questionário sobre os principais conhecimentos que o candidato devia possuir. A execução
da obra, objeto de exame, não tinha prazo definido. Podia estender-se por meses. Apenas
em caso de troca de juízes ficavam os examinados obrigados a concluí-la em um tempo
predeterminado. A avaliação cabia aos juízes anteriores. O exame era individual, válido
para o profissional nele inscrito.
Se não fosse habilitado na primeira examinação, o candidato deveria submeter-se
a outros exames seis meses depois. Nesse intervalo, permanecia como aprendiz na tenda
de um mestre, voltando tantas vezes quantas fossem necessárias até receber aprovação.
Alguns ofícios, dependendo do lugar e da época, foram interditados. Em 1578,
em São Paulo, o ferreiro Bartolomeu Fernandes foi proibido de ensinar o seu ofício a um
índio “porque era grande prejuízo da terra”. Já em Porto Seguro, ao contrário, na segunda
metade do século XVIII, determinou-se que os meninos índios fossem alocados em casas
de oficiais mecânicos, separando-os das famílias, para que não continuassem a falar a
língua materna, aprendessem algum ofício e se civilizassem. Ficavam em companhia dos
mestres ou amos até o tempo do casamento. O produto dos pagamentos devia ser aplicado
no vestuário, na compra de gado ou ferramentas para a lavoura, telhas e confecção de
suas casas. Em qualquer circunstância, como compensação pela ajuda, os mestres e amos
deviam sustentar seus aprendizes e dar-lhes vestuário de uso semanal e festivo, além de
remuneração por outros “serviços prestados”28. Mas, como grande parte dos habitantes do
Brasil, estavam todos envolvidos, a partir de 1763, na procura do ouro, não importa onde.
~44~
M o b i l i á r i o b a i a n o
a p r e n d i z e s
A aprendizagem de um ofício era direta, realizando-se por meio da convivência,
da observação. Podia durar de dois a doze anos. Há notícias de que, em 1727, a Santa Casa
da Misericórdia da Bahia colocava os filhos de seus escravos como aprendizes de barbeiro
para que aprendessem a arte de sangrar. No fim de três anos, o barbeiro recebia 12$000
réis por cada criança que ensinasse.
Em São Paulo, em 1716, Manoel Mendes dos Santos, após a morte de sua mulher,
Antônia da Conceição, encaminhou seu filho, João de Passos, para aprender o ofício de
alfaiate com o mestre Martinho Rodrigues Tinoco. Na ocasião, assinou um termo de
compromisso pelo qual se obrigava a pagar 30 mil réis ao mestre caso o jovem fugisse ou
adoecesse. O compromisso valia por dois anos. José dos Passos contava, então, 18 anos.
Nem todos os pais faziam um contrato por escrito. Este podia ser oral, permanecendo entre
ambos, pais e mestre, um contrato moral.
Não havia idade certa para o início da aprendizagem. O aprendiz era colocado
sob a guarda do mestre ou, como chamavam, do amo. Este não somente lhe ensinava o
ofício, como o educava e, a título de educação, também se servia dele para todos os demais
serviços, principalmente domésticos. O aprendiz podia ser castigado, eventualmente, com
penalidades corporais.
Permitia-se aos mestres ter no máximo dois aprendizes, para garantir a eficiência
da aprendizagem. A falta de mestres, no entanto, por todo o Brasil, mesmo em Salvador,
levou os aprendizes a procurar as tendas dos oficiais, sem que estes fossem ou tivessem
o título de mestre. Na Bahia, a inobservância de regimentos, ou posturas, favoreceu essa
prática. Não existia, pelo menos em Salvador, a categoria de meio-oficial, de que Serafim
Leite29 dá notícia, repetida por José Mariano Filho30. Existiam, como se disse, jornaleiros e
escravos admitidos como obreiros31.
Não há registros sobre os custos desse aprendizado. Entre os brancos, o pai do
aprendiz estabelecia um contrato formal, ou moral, com o mestre. A aprendizagem podia
ser paga em espécie ou em serviços prestados pelo aprendiz. No caso dos escravos, supõe-
se que prevalecessem as mesmas práticas de remuneração, sob a responsabilidade de um
amo ou mestre, como se observou em relação aos aprendizes da Misericórdia. Por vezes era
o próprio senhor de escravos, com uma ocupação artesanal, quem ensinava gratuitamente,
possibilitando aos aprendizes aperfeiçoarem-se até chegar a oficiais. Os escravos podiam
também aprender com os oficiais da própria senzala. (Não eram os senhores que iam
ensinar na senzala, mas existiam escravos oficiais de algum ofício que, naquele lugar,
podiam ensinar aos outros)
~45~
M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s
J u í z e s e e s c r i v ã e s
Para cada ofício havia um ou dois juízes e um escrivão. Em Lisboa e outras cidades
e vilas do Reino, podiam ser eleitos apenas os que fossem mestres e, no caso dos escrivães,
aqueles que soubessem escrever, ler e contar.
De acordo com os regimentos de 1572 e 1771, de Lisboa, a reeleição só era permitida
três anos após o último exercício, salvo quando não houvesse oficiais categorizados32. Em
Salvador, entretanto, parece ter havido carência de homens com as qualidades requeridas,
pois eram eleitos os mesmos juízes e escrivães por anos consecutivos. O espírito de
liderança e o maior empenho de alguns devem ter exercido certa influência para que a
escolha recaísse sobre determinados representantes consecutivamente, mesmo porque o
número de profissionais não era grande, como já se observou.
As eleições eram efetuadas anualmente. Os regimentos de Lisboa estabeleciam
datas fixas para cada ofício. Em Salvador, porém, de acordo com os registros dos termos
de eleições, essa norma não foi seguida. As datas das eleições variavam de ano para ano.
Como já mencionado, os oficiais mecânicos recorreram ao rei em 1704,
reivindicando que em Salvador se observassem os “estilos” da corte. Na carta dirigida a Sua
Majestade, a Câmara comunicava:
“[...] sendo os ditos Oficiais os que com vários pleitos e agravos se têm eximido de eleger juízes dos seus Ofícios e examinar se do ano de mil setecentos e um até o presente (1704) sendo uma e outra coisa conforme ao estilo desse Reino se atrevem eles a queixar se a Vossa Majestade das ditas demandas requerendo ao mesmo tempo a observância dos estilos que até o presente tem impugnado os quais parece não deve Vossa Majestade mandar observar nesta Cidade por Lei porque assim como a Câmara dessa Corte e mais desse Reino as introduziram segundo a cada uma mais conveniente pareceu podemos nós também estabelecer os que mais convenientes forem a este Estado que em muitas causas discrepa desse Reino e com efeito neste Senado há também neste particular estilo que há muitos anos nele se pratica quase conforme com o de Lisboa e só diferente no modo das eleições dos seus juízes e cartas dos seus examinados por que de se fazerem ditas eleições fora deste Senado contra a forma que até o presente se usa se lhes dá motivos aos subornos desatenções e tumultos que resultaram de se fazerem em uma casa particular e trazendo as assim feitas para se lhes dar o juramento vem este Senado a ser quase constrangido a aprovar eleições que podem ter muitas nulidades não sendo obradas em sua presença e o quererem que os seus nomes sejam somente escritos nos Livros da Câmara é contra a regalia que ela tem de os confirmar por Provisão e dar-lhes nas costas dela o juramento estilo que se observa com os mais ofícios e oficiais que este Senado prove de juízes escrivães pedâneos e outros que com este exemplo não quererão servir com mais título nem com outro
~46~
M o b i l i á r i o b a i a n o
instrumento que o de estarem os seus nomes escritos nos livros dele e sobre os examinados foi cá sempre uso que com a certidão dos examinadores lhes passamos suas provisões o Senado.”33
Nada conseguiram os oficiais.
Os juízes eleitos e escrivães continuaram a ser confirmados nos cargos por provisão
do Senado da Câmara, com sinais e selo próprios, para um período de um ano, “até o último
(dia) de dezembro”. No verso da provisão transcrevia-se o termo de juramento dos Santos
Evangelhos, para que “bem e direitamente” servissem o ofício, guardando o “serviço de
Deus” e “de Sua Majestade”34.
Aos juízes cabia efetuar as examinações dos que desejavam exercer as atividades
mecânicas, fazer visitas periódicas às tendas e lojas, avaliações e vistorias das obras, estas
últimas quando convocados pela Câmara. Uma vez habilitado, o candidato recebia uma
certidão de exame, que devia apresentar à Câmara, onde era também registrada em livro
próprio. Recebia, então, transcrita na própria certidão de examinação, uma carta de exame
e a confirmação da certidão. A certidão era feita pelo escrivão do ofício e assinada por ele
e pelos juízes. O juiz de fora, os vereadores e o procurador assinavam a carta concedida
pela Câmara.
Na ocasião da apresentação da certidão, os aprovados também prestavam
juramento, segundo o qual ficavam sujeitos às posturas do Conselho da Câmara e demais
acordos da mesa de Vereação, e se comprometiam a não se valer de nenhum privilégio. As
cartas de examinação davam direito aos mestres de exercer seus ofícios e ter tenda aberta
na Cidade do Salvador e seu termo, que compreendia parte do Recôncavo.
Teoricamente, os juízes e escrivães não podiam examinar seus familiares, como
filhos e parentes até quarto grau, cunhados ou aprendizes. Deviam requerer à Câmara que
lhes indicasse um substituto, de preferência um juiz que tivesse servido no ano anterior.
Também essa norma não foi rigidamente obedecida em Salvador.
Os oficiais ou mestres estranhos, vindos de outras regiões do Brasil ou de qualquer
parte do Reino, deviam apresentar sua certidão à Câmara. Examinada e tida como
verdadeira e sem “vício algum que duvidosa a fizesse”, era confirmada sob a condição de
que o requerente ficasse sujeito, enquanto residisse na cidade ou seu termo, às mesmas
obrigações que os demais oficiais mecânicos. Caso não possuísse certidão ou carta, o oficial
devia submeter-se ao exame dos juízes do ano. Uma postura de 1716 previa que, na falta
de examinação, era necessária a licença do Senado da Câmara para ter tenda pública35,
facultando, de certa forma, o exame.
~47~
M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s
Os profissionais não podiam desempenhar atividades que não fossem de seu ofício,
sob pena de cadeia e multa, para garantir a boa execução das obras e os limites entre as
ocupações – teoricamente, porque sempre houve conflitos resultantes de intromissões nas
atividades alheias.
No Rio de Janeiro, segundo ocorrência registrada nos Autos de Litígio de 1759-1761,
os mestres entalhadores não estavam sujeitos a exame, como se exigia dos carpinteiros e
marceneiros. O litígio foi movido pelo mestre marceneiro Manoel da Costa Carvalho contra
o mestre entalhador Francisco Félix Cruz, porque este estaria usando ilicitamente o ofício
daquele. Segundo os depoentes, alguns entalhadores vinham trabalhando em obras de
marcenaria sem que ninguém os impedisse, sendo freqüentemente solicitados por outros
ofícios, como os de pedreiros, carpinteiros, marceneiros e ourives, para dar riscos, moldes
ou executar obras de talha, o que era hábito em Lisboa.
Todas as testemunhas afirmaram pertencer aos marceneiros a função de
encaixilhar ou ensamblar obras lisas ou com talha, e que tanto marceneiros quanto
entalhadores interferiam nessas obras, como acontecia na corte e outras cidades do
Reino, trabalhando uns nas casas dos outros. Em seus depoimentos, esclareciam como uns
artífices complementavam o trabalho dos outros. Uma das testemunhas dizia que “sabe
pelo ver, que ao marceneiro pertence fazer cadeiras, e tamboretes, leitos, catres, e outras
semelhantes obras lisas, emolduradas, mas entalhe, que em algumas das ditas obras de
marceneiro se faz as mandam estes fazer a entalhador”36.
Vê-se que, como na escultura, várias pessoas colaboravam numa peça. Manoel de
Araújo, furriel do Terço de Auxiliares do Rio de Janeiro, testemunha no mesmo litígio, dizia
que há vinte e um anos trabalhava na cidade de Lisboa e no Rio de Janeiro e que nunca lhe
proibiram de fazer, em sua loja de entalhador, as obras de talha ou sem ela. E disse mais:
“ [...] que sabe pelo ver, que os entalhadores desta Cidade não são obrigados ao exame, nem examinados, e só o foram em Lisboa por se anexarem a bandeira, e Irmandade dos marceneiros para entrarem na Casa dos Vinte e Quatro alternativamente com os ditos marceneiros.”37
Conflitos semelhantes ocorreram em Lisboa. Ao fim de meio século de litígios
entre carpinteiros da rua das Arcas e marceneiros, estes passaram a se denominar, a
partir de 1767, carpinteiros de móveis e samblagem. Isso explica a denominação daqueles
mecânicos que chegaram ao Brasil na segunda metade dos setecentos e a adoção da
mesma designação na Bahia. Eram os carpinteiros de obra preta e se diferenciavam dos
carpinteiros de obra branca, figuras estas das mais essenciais nos engenhos.
~48~
M o b i l i á r i o b a i a n o
Em Salvador não se encontram referências a registros de cartas de exames,
eleições ou provisões relativas a entalhadores. Constituem exceções as solicitações
dirigidas à Câmara a partir de 1790 por Tomás Rodrigues de Santana, que pretendia então
obter licença para ter tenda de entalhador na rua das Laranjeiras38. Em 1797, entretanto,
ele aparecia como marceneiro39 e, a partir de 1819, passou a solicitar licença para vender
obras de marcenaria40.
A malícia dos oficiais mecânicos deu origem a “acrescentamentos”, ou acréscimos,
às antigas posturas e, em fins do século XVIII, com respeito às cartas de examinações e
licenças, diziam:
“que nenhum oficial, ou qualquer outra pessoa, cujo trato careça de licença, carta de exame, digo, do Senado da Câmara para usar dela não se valha de licença, carta de exame, ou regimento concedido a diversa pessoa tomando para esse fim o nome de terceiro ausente, ou defunto” [...] o não faça antes tire as ditas licenças em seu nome com pena de seis mil réis e trinta dias de cadeia pela malícia com que se houver neste requerimento.41”
Com base nessa prática, muitos trabalhavam como jornaleiros para algum mestre
– fugindo à obrigação de tirar a licença necessária e submeter-se aos exames – ou em
parceria com oficiais licenciados.
Todos deviam ter o seu regimento à porta:
“[...] que nenhum oficial de qualquer ofício esconda a taxa do seu ofício caso que a tenha, a qual vulgarmente se chama Regimento antes a pender-se a porta da mesma tenda para que o povo leia nela os preços das obras, que lhe vai encomendar pena de quatro mil réis.”42
O regimento, ou melhor, a lista de preços era estabelecida pela Câmara. Por meio
da listagem das obras e respectivos preços ou salários, esta procurava controlar de perto
as obras executadas.
As intervenções das Câmaras portuguesas nos exercícios mecânicos, administrativa
e judicialmente, foram sempre mais rigorosas. Em Salvador, a própria situação de Câmara
de terra conquistada tirava desta grande parte de seu poder, como notificado pelo Tribunal
da Relação.
o b r i g a ç õ e s r e l i g i o s a s
Além das obrigações burocráticas, os oficiais mecânicos tinham obrigações de
ordem religiosa. Todos deviam acompanhar a bandeira43 representativa de seu ofício nos
dias das procissões “del Rei” ou do Senado, sob pena de multa e prisão.
~49~
M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s
A instituição chamada bandeira não existiu em Salvador. A palavra
designava apenas o estandarte que os oficiais mecânicos deviam portar nas
festas organizadas pela Câmara ou pelas confrarias. Esse estandarte era
zelosamente guardado. Em Minas Gerais, os oficiais mecânicos eram obrigados
a mantê-lo na Câmara. Acredita-se que os oficiais mecânicos de Salvador
também guardassem os estandartes na Câmara, retirando-os por ocasião das
festas, por não disporem de casa particular ou de instituição como a Casa dos
Vinte e Quatro de Lisboa.
Nas festas, cabia à Igreja o cerimonial litúrgico, enquanto o
brilhantismo do acontecimento dependia do Senado da Câmara. Esta dividia
os grupos por profissões e elegia um encarregado dos festejos – o cabo da festa
–, que assinava um termo de responsabilidade comprometendo-se a organizar,
especialmente, os festejos oficiais44. Os artesãos deviam participar ativamente
dessas procissões, comparecendo com os estandartes dos padroeiros e insígnias
dos respectivos ofícios mecânicos.
O costume de realizar essas procissões – chamadas “del Rey”, por
serem obrigatórias e regidas pelas Ordenações Filipinas – passou de Lisboa
para o Brasil45. As procissões “del Rey” eram obrigatoriamente patrocinadas
pela Câmara, que além de Corpus Christi, São Sebastião, São Felipe e Santiago,
Santo Antônio de Arguim e São Francisco Xavier, eram as procissões
“de São Sebastião [que foi] criada em memória do Sereníssimo Rei Dom Sebastião, a de São Filipe Santiago, em ação de graças da feliz restauração desta Cidade e a de Santo Antônio de Arguim, cuja criação foi por razão dos inimigos o tomarem na força de Arguim, tratando mal o Santo, o fez dar a Costa na dita Capitania [Bahia] e apareceu o Santo em uma pedra em pé [em Itapuã].”46
Essas procissões e a obrigatoriedade de acompanhá-las foram extintas em 1828,
com exceção da de Corpus Christi47.
A procissão de São Francisco Xavier, escolhido como padroeiro da cidade, foi
instituída por voto solene do povo baiano em 10 de maio de 1686 (figura 1). A confraria
dessa invocação estava instalada na atual Igreja Catedral. A procissão, que havia sido
extinta com as demais, em 1828, foi restabelecida em 1860 pela mesma confraria.
A festa de Corpus Christi parece ter caído em desuso nas cidades brasileiras por
volta de 1668, segundo informou Balthazar da Silva Lisboa48. Notificação do Senado da
Câmara da Cidade do Salvador49 destacava a necessidade de retomar os usos e costumes, e
é interessante descrever como, em 1673, se recomendava realizar a procissão.
1 – Busto de São Francisco Xavier, século XVII, padroeiro da Cidade do Salvador. Acervo da Catedral Basílica do Salvador.
~50~
M o b i l i á r i o b a i a n o
“Por haver crescido muito todos os ofícios, e estavam alguns sem concorrerem para as ditas procissões com parte nem coisa alguma”, concordaram os oficiais da Câmara de Salvador, estando presentes o juiz do povo e mesteres, que os oficiais de carpinteiro deviam apresentar na procissão de “Corpus Christi” a bandeira de costume e a armação de madeira para a serpe [serpente] e mais madeira que se precisasse, tendo a mesma obrigação os marceneiros e torneiros. Os oficiais de alfaiate deviam apresentar a bandeira de costume e o pano com que se cobria a serpe, pintado e aparelhado. Uns e outros deviam fornecer os negros necessários para carregar a serpe. Os sapateiros deviam apresentar a bandeira do costume e o drago [dragão]; os pedreiros uma bandeira, os tintureiros, sombreiros, funileiros e tanoeiros apresentar uma bandeira e quatro cavalinhos fuscos; os padeiros e confeiteiros apresentar dois gigantes e uma giganta e um anão, que o vulgo, ou povo, chamava “Pai dos gigantes”. Os ferreiros, serralheiros, barbeiros, espadeiros, correeiros, todos pertencentes à Confraria de São Jorge, eram obrigados a apresentar uma bandeira, ou guião, conforme o costume e o ”Santo de vulto na sua charola, sendo este Santo de figura a cavalo, armado, ou acompanhado, de pagem, alferes, trombeta, tambores e seis sargentos da guarda, todos vestidos decentemente e armados”. As vendeiras de porta, taverneiros e taverneiras e esparteiros deviam apresentar quatro danças. Os marchantes fornecer três tourinhas. À falta com essa determinação, prometia-se “pena de seis mil réis que seriam pagos da cadeia”. A coima, ou multa, seria encaminhada para as obras da Câmara e Cadeia nova.”50.
Documento idêntico foi expedido no Rio de Janeiro, dando apenas aos marceneiros
a incumbência de contribuir com a imagem do Menino Jesus e aos marchantes a atribuição
de apresentar, além das tourinhas, a figura de Davi – “e que não sejam coisas ridículas”,
recomendava-se naquela capitania, em 170451.
Os acrescentamentos, ou modificações, feitos às posturas em 1742, determinavam
que os oficiais mecânicos, nas procissões do Senado e nas demais em que eram obrigados
a levar bandeiras, deviam comparecer com toda a modéstia, quietação e compostura,
vestidos com suas casacas e gravatas, e não com capotes, como até então usavam, sob
pena de seis mil réis de multa, pagos da cadeia, onde ficariam presos por trinta dias52.
Por volta de 1830, desapareceu a exigência de se registrar na Câmara os
documentos referentes aos ofícios mecânicos. As profissões passaram a ser exercidas
independentemente de qualquer intervenção da edilidade, dentro da nova organização que
se estabeleceu, transformando-se os Senados da Câmara em Intendências e, depois, em
Prefeituras e Câmaras Municipais53, através da Lei de 1º de outubro de 182854.
Como os demais comerciantes, os oficiais mecânicos continuaram com a
obrigação de pedir licença para abrir estabelecimento próprio. Entre eles encontravam-
se os marceneiros, executores das obras que interessam diretamente a este estudo, e os
torneiros, correeiros e serralheiros, que contribuíam com os acessórios.
~51~
M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s
o s o F i c i a i s M e c â n i c o s d o s M ó v e i s As atividades dos correeiros e dos serralheiros eram regulamentadas pelas
posturas dos respectivos ofícios. Já as dos marceneiros regulamentavam-se, em parte, pelo
regimento de Lisboa e, em parte, pelo da Confraria de São José, dos pedreiros e carpinteiros.
Somente em 1785 é encontrado, nos livros de posturas, o Regimento dos Marceneiros55.
Nas primeiras décadas do século XVIII, pediram licença à Câmara diversos
oficiais e mestres marceneiros, torneiros e ensambladores, vindos principalmente do
Norte de Portugal. No fim do mesmo século, vários “carpinteiros de móveis e samblagem”,
provenientes de Lisboa56, passaram a trabalhar em Salvador57.
Seguindo o costume do Porto, Viana ou Lisboa, os oficiais apresentavam suas
certidões e cartas de exame na Câmara de Salvador, que lhes passava, como o fazia a todos
os que vinham do Reino, uma licença geral, como a do exemplo abaixo, ou simplesmente
registrava suas cartas nos livros próprios.
“Registro de uma Licença geral de marceneiro e torneiro de Simão Henrique.
O Doutor Juiz de fora Vereadores e procurador do Senado da Câmara desta Cidade do Salvador Bahia de Todos os Santos etc. Fazemos saber a todos os juízes, vereadores e procurador do Conselho desta Capitania e bem assim a todos os corregedores, provedores, ouvidores, julgadores e justiças e mais pessoas do Reino de Portugal e suas Conquistas a quem apresente licença geral for apresentada, e o conhecimento dela deva e haja de pertencer que a nos enviou a dizer Simão Henrique oficial de marceneiro e torneiro que pela carta junta consta haver sido examinado na cidade do Porto no ano de mil e seiscentos e noventa e sete pelos juízes do dito ofício que no dito ano serviam o qual exame fora julgado por bom como da dita carta consta, porém como a jurisdição daquele Senado senão estendia a mais que a todo o seu termo nos requeria que visto de presente se achar nesta cidade queria usar do dito seu ofício de marceneiro e torneiro com sua tenda aberta e por nos constar da dita carta ser verdade o que relatava por não ter vício que dúvida fizesse, havemos por bem de lhe confirmar e pela presente lhe confirmamos, ficando sujeito as posturas do Conselho e mais acórdãos da mesa de Vereação contra o que não poderá valer-se de privilégio algum e nesta forma lhe concedemos licença para que nesta cidade e seu termo possa usar do dito ofício sem que lhe seja posto impedimento algum. Pedimos aos senhores julgadores assim a façam cumprir e guardar como nela se contém em suas jurisdições para o que nós também faremos o que por parte de Vossa Mercê nos for requerido e deprecado. Bahia e Câmara de fevereiro vinte e três de setecentos e trinta e dois João de Couros Carneiro ao subscrevi/Manuel Correia de Mesquita Basto/Custódio Rodrigues Lima/Marcelino Soares Ferreira/Manoel Xavier Ala/Antônio da Costa de Andrade/Selo. Lima.”58
~52~
M o b i l i á r i o b a i a n o
Dos naturais da terra e dos portugueses que haviam iniciado sua atividade mecânica
em Salvador, um número diminuto se submeteu aos exames. Constam poucos registros
de suas examinações, entre os manuscritos da Câmara. Grande parte dos marceneiros
pedia simplesmente sua licença, pagando fiança para ter tenda aberta ou loja para vender
móveis ou trastes usados. Pelas licenças verifica-se que não eram raros os casos em que os
marceneiros possuíam duas tendas, ou uma tenda e uma loja para vender móveis, embora
isso fosse proibido. Verificou-se o mesmo em Minas Gerais, onde prevaleceu o uso de
licenças, por exemplo, em Vila Rica59. Os sapateiros e alfaiates foram mais regulares no
cumprimento das posturas que os obrigavam a ser examinados.
As certidões apresentadas à Câmara e as licenças por ela fornecidas seguiam, com
adaptações locais, o formulário daquelas expedidas na corte:
“Registro da Carta de exame do Ofício de Marceneiro passado a Vitorino Gomes RomãoO Doutor Juiz de Fora, Vereadores, e Procurador do Senado da Câmara desta Cidade da Bahia e seu termo etc. Fazemos saber aos que esta Carta de Exame virem, que por nos constar por Certidão do Juiz e Escrivão do Ofício de Marceneiros haverem examinado a Vitorino Gomes Romão, e o acharem apto para exercer o dito ofício, havemos por bem de conceder licença ao dito Vitorino Gomes Romão, para que possa usar do dito seu Ofício de Marceneiro, e ter sua tenda aberta nesta Cidade e seu termo / enquanto não mandarmos o contrário / e fará termo de não usar de privilégio algum e responder perante os Almotacés das Execuções deste Senado, guardando em tudo as ordens da Vereação e Posturas, em firmeza do que lhe mandamos passar a presente sob nossos sinais, e selo, e se registre. Bahia em Câmara 14 de fevereiro de 1795. José Rodrigues Silveira, escrivão do Senado a fez escrever. Vieira/Bitancourt/Andrade/Braga. Lugar do Selo. Bitancourt.”
A seguinte licença se apensava à Certidão de Exame:
José Gomes Romão e Antônio da Encarnação Juízes do Ofício de Marceneiro, e Torneiro nesta Cidade da Bahia e seu termo etc. Porquanto examinando a Vitorino Gomes Romão, oficial do dito ofício de marceneiro, o achamos com a suficiência necessária para usar dele com sua tenda aberta, assim de obra preta como da branca, lhe passamos sua Carta de Exame, que é a presente a qual rogamos ao Meritíssimo Senhor Doutor Juiz de Fora, Presidente do Senado da Câmara, e aos Senhores Vereadores, se dignem mandar lhe dar todo o vigor e cumprimento visto também constar haver o dito aprovado satisfeito a sua esmola ao glorioso patriarca o Senhor São José. Dada e assinada por nós sobreditos mestres do ofício na Bahia aos 10 de fevereiro de 1795. Eu, por falecimento do escrivão Gonçalo Araújo o mandei escrever e assinei José Gomes Romão / Antônio Encarnação Pessoa / Escreveu-se-lhe o termo de obrigação onde assinou o dito e o escrivão do Senado e prestou o juramento do estilo.60”
~53~
M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s
A partir da segunda metade do século XVIII, passou a constar, nas certidões
de exames dos marceneiros aprovados, terem os mesmos “satisfeito a sua esmola ao
Glorioso Patriarca o Senhor São José”. Por essa época organizou-se a Confraria de São
José, constituída pelos ofícios de carpinteiro, pedreiro e agregados à mesma bandeira –
marceneiros, torneiros, canteiros e alvíneos. Tinham capela privativa do patrono na antiga
Igreja da Sé, onde se realizavam as eleições dos juízes dos ofícios de carpinteiro e pedreiro
e dos membros da mesa da confraria.
Encontra-se no Arquivo Histórico Ultramarino o Compromisso da Confraria de
São José, ou seja, o “Compromisso e Regimento Econômico dos Ofícios de Carpinteiro e de
Pedreiro e dos mais agregados a Bandeira do Glorioso São José e sua Confraria ereta na Sé
Catedral da Cidade da Bahia dedicado ao mesmo glorioso Santo e feito na dita Cidade no
ano de 1780”61 (figura 2).
Os artífices, na maior parte dos ofícios, herdaram os regimentos lusos, em especial
os de Lisboa, que foram adaptados aos novos locais, como o Brasil, principalmente por
causa da presença dos índios e dos escravos. É interessante notar que esse Compromisso
foi praticamente copiado do “Regimento e Compromisso da Mesa dos Ofícios de Pedreiros
e Carpinteiros da Bandeira do Patriarca São José ano de 1709”, de Lisboa62. Diferenciava-se
apenas em dois capítulos e acrescentamentos, destacados em negrito nos registros abaixo.
O item 5, do Capítulo VIII, do regimento lisboeta, rezava:
“Não poderá Oficial algum ser admitido no referido exame sem mostrar primeiro Certidão do Mestre com quem aprendeu, de ter acabado o seu tempo.
Não poderá ser admitido ao dito exame negro de qualidade alguma e só sim pardo que seja forro pelo pai (se) assim o permitir.
E sendo caso, que algum oficial se queira examinar do ofício de canteiro e alvíneo, será obrigado a mostrar que aprendeu um, e outro ofício por certidão dos mestres deles; e sendo assim examinados, serão obrigados a registrar a sua carta no Senado da Câmara; e sendo achado, que antes do referido exame usam dos ditos ofícios serão condenados todas as vezes que forem compreendidos, em seis mil réis, metade para o Senado e a outra para o ofício.”
E lia-se no Capítulo X:
“Atendendo que tendo os mestres muitos aprendizes, nem estes poderão sair bons oficiais, nem as obras feitas como convém. Não poderá mestre algum ter mais de dois aprendizes; e para constar de como não excedem a disposição deste capítulo; serão os mestres obrigados a fazer presentes a mesa os aprendizes que ensina, e
2 – Capa do “Compromisso e Regimento Econômico dos Ofícios de Carpinteiro e de Pedreiro e dos mais agregados a Bandeira do Glorioso São José e sua Confraria ereta na Sé Catedral da Cidade da Bahia dedicado ao mesmo glorioso Santo e feito na dita Cidade no ano de 1780”.
~54~
M o b i l i á r i o b a i a n o
sendo achado que ensinam mais de dois como fica dito; serão condenados em oito mil réis para a mesa do ofício; e lhe serão tirados os tais aprendizes, que demais tiverem. Na mesma forma incorrerá qualquer mestre que tomar aprendiz que seja negro, nem ainda mulato cativo; pois só ensinará brancos, ou mulatos forros.” 63
As eleições dos marceneiros continuaram a se realizar na Câmara, ao “estilo” desta ou na capela da Confraria. Eram eleitos dois juízes e um escrivão pelos demais oficiais de marceneiro, no mesmo dia, frente aos vereadores a “mais votos”. Registravam-se os termos das eleições em livro próprio e os eleitos eram providos em seus cargos por Provisão do Senado da Câmara64.
Tem-se a relação dos juízes e escrivães eleitos entre 1706 e 1809. Destacam-se
entre eles alguns personagens, como José Rodrigues Marrecos65, que exerceu sua atividade
em fins do século XVII e princípios do XVIII e Gaspar dos Reis Souza, originário do Porto, que,
embora registrasse sua certidão somente em 1707, serviu de primeiro juiz no ano anterior.
Pode-se citar também Manoel de Souza Ribeiro, de origem portuguesa, que somente em
1745 solicitou sua licença, embora tivesse servido como juiz em 1725. Merecem ainda
referência Tomás de Arruda Pimentel e Belchior Francisco da Cruz, que ocuparam por várias
vezes o cargo de juiz, bem como José Gomes Romão, que exerceu sua atividade entre 1756
e 1808, e Vitorino Gomes Romão – ambos juízes numerosas vezes –, José Dias Rebouças,
José Vicente de Santana Pereira e Antônio da Encarnação Pessoa, entre outros.
Foi registrado nos livros da Câmara um número reduzido de marceneiros entre
1700 e 1705, período em que esses profissionais solicitaram ao rei o direito de eleger juiz
e escrivão fora da Câmara. Até meados do século XVIII, quase todos prestavam exame para
os ofícios de marceneiro e de torneiro simultaneamente.
Uma vez examinados, os marceneiros podiam exercer seu ofício em tenda “assim de
obra preta como de branca”66, enquanto os carpinteiros podiam executar somente as obras
brancas, ou de carpintaria de edifícios. Houve, no entanto, aqueles que desempenhavam
todas as atividades, como Luís Adriano da Silva (1792-1805), que solicitou várias licenças
à Câmara, ora para exercer o ofício de marceneiro, ora de carapina e de carpinteiro, ou
mesmo para vender madeiras, tendo sido juiz de marceneiro em 1804. É também o caso de
Lourenço da Porciúncula que, sendo carpinteiro, compareceu às eleições dos marceneiros
de 1809.
c o M p o s i ç ã o s o c i a l d o s o F i c i a i s
Os marceneiros e torneiros eram em sua maioria brancos, sendo raros os pretos,
pardos e mulatos, forros ou escravos. Na documentação consultada no Arquivo Histórico
da Prefeitura Municipal do Salvador, no transcorrer de um século e meio (1700-1850),
~55~
M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s
estavam registrados apenas oito homens de cor, entre os quais negros e crioulos forros.
Provavelmente os marceneiros brancos possuíam vários oficiais e escravos sem que estes
fossem examinados na Câmara, pois a profissão, pelo que se sabe, não era rigorosamente
regulamentada nem fiscalizada.
Encontrava-se um maior número de negros, especialmente escravos, em
determinadas profissões, como as de alfaiate, sapateiro, carapina, tanoeiro, calafate,
ferreiro, vendeiro, vendeira de porta ou ganhadora de rua. Eram os negros que exerciam,
especialmente, ofícios que envolviam a lida com sangue, como os de cirurgião, sangrador,
barbeiro ou parteira. Interessante era a figura do barbeiro, que, além de suas atividades
específicas – cortar cabelos e fazer barbas –, também encanava pernas e braços quebrados,
tirava dentes, aplicava ventosas, sanguessugas e fazia sangrias67, além de ensinar música.
Não raras vezes tinha um conjunto musical e sua presença ficou marcada nas despesas,
por exemplo, das festas de Santo Antônio ou São Francisco, dos frades franciscanos,
de Salvador, que registravam a “música de barbeiros”, além da música de organista. Os
franciscanos também registraram, na década de 1830, a compra de oito navalhas, quatro
lancetas e dois boticões para seus escravos barbeiros68.
Jean Baptiste Debret69, no século XIX, dizia:
“[...] O oficial de barbeiro no Brasil é quase sempre um negro ou pelo menos escravo. Esse contraste, chocante para o europeu, não impede ao habitante do Rio de entrar com confiança numa dessas lojas, certo de aí encontrar numa mesma pessoa um barbeiro hábil, um cabeleireiro exímio, um cirurgião familiarizado com o bisturi e um destro aplicador de sanguessugas.”
Após 1808, 84% dos pedidos para o ofício de sangrador, feitos à Fisicatura-mor70,
eram de forros ou escravos. Em Minas Gerais, entre 1832 e 1871, todos os barbeiros tinham
essa condição71.
Alguns cronistas e historiadores notaram que se considerava socialmente
degradante para os homens brancos ocupar os ofícios mecânicos. Além “de serem muito
poucas as artes mecânicas e fábricas em que possam empregar-se, nelas mesmas o
não fazem, pelo ócio que professam, e a conseqüência que daqui pode tirar-se, é que
infalivelmente hão de ser pobríssimos”, dizia Vilhena72. Não era numerosa a classe dos
oficiais mecânicos, se forem contados entre os brancos. Permanecia a mesma situação
registrada por José da Silva Lisboa, como foi referido antes, em 1781.
Os dispositivos relativos à proibição da participação dos negros nos ofícios foram
se adaptando à nova realidade do Brasil, à medida que o tempo avançava. Apesar dessa
proibição, constante no Compromisso citado e, supõe-se, em outros compromissos, verifica-
~56~
M o b i l i á r i o b a i a n o
se que a regra foi rompida, pois, nos séculos XVIII e XIX, encontram-se vários oficiais de
pedreiros e carpinteiros escravos. Mesmo assim, havia diferenças nas diversas atividades,
quanto à separação ou à aproximação entre as dos brancos e as dos negros.
Na realidade, o número maior de escravos e pardos que exerciam ofícios aparece
no século XIX, quando a Câmara já não controlava o ingresso nas profissões mecânicas e
as irmandades profissionais não possuíam mais sua antiga organização ou mesmo haviam
desaparecido. Aquele século também trouxe os imigrantes, que relativizaram a vilania a
que estavam supostamente condenados os oficiais mecânicos no período anterior.
Em qualquer ocupação, verificavam-se várias categorias relativas ao domínio e
à habilidade dos escravos. A classificação mais genérica dividia-os em ladinos, aqueles
que já dominavam a língua e costumes locais, e boçais, os que não tinham esse domínio.
Mas considerava-se também uma variedade de níveis, de meio boçais, meio desassisados,
meio oficiais, até negras “sem profissão, sarnentas e talabardeiras”73. Além disso, o escravo
podia ter apenas “princípios” de conhecimento, ser aprendiz, ter luz de ofício ou ser oficial
completo ou, ainda, oficial perito, oficial pouco perito – mas jamais mestre74. Não foi
constatada dominância de nenhuma das nações nos diversos ofícios. O comum era a
presença de várias nações, de acordo com a chegada de novos contingentes.
Entre os 2.399 escravos identificados de 1730 a 1830, num total de 263 inventários,
somente 25% das ocupações declaradas correspondiam às de oficiais mecânicos. Destes,
8% eram carapinas, 4% carpinteiros, 1% ferreiros. Por meio dessa amostragem verifica-se
que nenhum dos oficiais empregados na elaboração dos móveis era escravo ou homem
forro, o que é confirmado por Silva75 nas páginas da gazeta Idade d’Ouro do Brazil, nas quais
os artesãos mais mencionados são os escravos:
“estes eram oficiais, ou aprendizes das várias artes mecânicas necessárias à sociedade colonial. Eram pedreiros, carapinas ou carpinas, ferreiros, calafates, sapateiros, pedreiros, barbeiros, etc. Quanto a seus mestres, brancos, pois só estes possuíam a maestria, apenas acidentalmente lhes é feita referência nos anúncios [...]”
Entre os brancos, vários militares exerceram o ofício de marceneiro, como o alferes
Manuel de Souza Ribeiro (1725-1745), de origem portuguesa, o capitão Alberto Coelho
Pereira (1787-1802), o ajudante Francisco do Rosário Coutinho (1787-1797), o capitão
Lourenço Julião dos Reis (1788-1804) e o tenente Pedro Teixeira de Magalhães Garcia
(1788-1809). Todos exerceram cargos de juiz ou escrivão de ofício. Normalmente, tratava-
se de oficiais das tropas auxiliares, que não recebiam soldo e precisavam exercer outra
atividade para sua sobrevivência.
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M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s
No século XIX, os oficiais mecânicos já trabalhavam por empreitada e reuniam em
torno de si outros artífices capazes de cumprir os contratos. Ainda assim, a mulher tinha
o direito de encabeçar os negócios do marido, caso este morresse. Por isso encontram-se
os nomes de Joana Luíza de Jesus (1820-1821) e Catarina Ferreira (1822) em pedidos de
licença para vender móveis, provavelmente peças deixadas pelos maridos por ocasião do
falecimento. Infelizmente não é possível identificar os respectivos maridos, porque não
havia, na época, a obrigatoriedade de uso do mesmo sobrenome entre marido e esposa e
mesmo entre os filhos.
o a r r u a M e n t o d o s o F í c i o s
Ainda nos setecentos, a Câmara tentava estabelecer as “arruações” dos ofícios.
O sistema de arruação fora adotado em Lisboa para facilitar a fiscalização efetuada pelos
juízes nas tendas dos oficiais mecânicos. Nas cidades portuguesas “urbanizadas” no estilo
que se observava em Salvador, as lojas e tendas espalhavam-se por “labirintos de velhas
ruas”, situação que tornava árdua a fiscalização. Com o arruamento obrigatório, “cada
ofício passou a ter um local determinado dentro da área da cidade e só nesse local os
respectivos oficiais podiam abrir loja”76.
Em Salvador foi determinado, pela Postura 33, de 178577, que os ferreiros e
caldeireiros deviam se instalar do trapiche do Azeite até o hospício dos Padres de São
Felipe Neri; os negociantes de atacado ou retalho, “promiscuamente”, da Alfândega até a
Igreja do Pilar, na Cidade Baixa, e, na Alta, das Portas de São Bento até as Portas do Carmo,
pela rua Direita, e do Taboão até a “Rua nova que se está fazendo”; os latoeiros, funileiros,
douradores e picheleiros, do início da ladeira das Portas do Carmo até a Cruz do Pascoal; os
mestres das tendas de barbeiro “que ensinam a tocar instrumentos”, no início da ladeira do
Álvaro (Alvo) e bairro da Saúde; os tanoeiros, na rua dos Coqueiros; os tabaqueiros, na rua
do Passo; os alfaiates, seleiros e sapateiros, na rua que vem das Portas de São Bento até as
Portas do Carmo, por trás de Nossa Senhora da Ajuda.
Aos marceneiros, torneiros, carpinteiros de móveis e samblagem, correeiros
e ferreiros, porém, não foram designadas áreas específicas. Pelas licenças e termos de
eleições, verifica-se que possuíam tendas ou lojas em vários pontos da cidade: ladeira da
Misericórdia, ladeira da Conceição, Terreiro, rua Direita das Portas do Carmo, São Bento, rua
Direita de Palácio, Maciel, Preguiça, rua do Tijolo, Saúde, trapiche do Azeite, Barroquinha,
rua do Passo, do Colégio, etc. Muitos desses artífices concentravam-se nas ladeiras do
Carmo e da Misericórdia.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
M u d a n ç a s n o s é c u l o x i xAs cartas de examinações dos marceneiros não foram mais registradas nos livros
da Câmara a partir de 1819, as eleições aparecem até 1814 e as licenças, até 1831, com
muitas interrupções. Assim, desse período em diante, há poucas informações sobre os
oficiais mecânicos que trabalhavam na confecção de móveis.
Entre 1811 e 1821, o primeiro jornal baiano, a Idade d’Ouro do Brazil, trazia tanto
notícias sobre as lojas, bazares e artífices brancos, quanto se referia a escravos78.
Nesse século, a indústria estrangeira começava a invadir o mercado, bem como
os artífices ingleses, franceses e, principalmente, italianos. Com a presença dos artífices
de origem européia, coincidindo com a introdução de instrumentação mecanizada
inglesa, os homens de condição escrava participavam mais das tarefas de acabamento
de edifícios, móveis, ferragens, etc. Assimilando as técnicas, tornavam-se rivais de seus
próprios mestres de ofício, como observaram Debret79, em relação ao Rio de Janeiro, e
Koster80, em Pernambuco.
Muniz Barreto, em suas memórias publicadas em 183781, salientava as vantagens
da importação de “homens livres” africanos – que ficariam servindo na lavoura ou
“aprendendo, com mestres, artes e ofícios” –, que aceitariam melhor que os europeus os
trabalhos que a estes repugnavam. Vem, portanto, também do século XIX, a idéia conservada
por muitos de que os ofícios mecânicos eram considerados uma ocupação socialmente
desmerecedora desde o século XVI.
No Diário da Bahia dos dias 1 a 4 de maio de 1879, constam das listas de eleitores
para o referido ano muitos marceneiros, distribuídos por vários quarteirões da cidade. Para o
fim do século XIX, os “Arrolamentos das Casas de Negócio” fornecem algumas informações
acerca de depósitos de móveis, bazares de móveis novos e usados e oficinas de marceneiros.
Também as edições do Almanak administrativo, indicador, noticioso comercial e literário do
estado da Bahia trazem algumas indicações para os anos de 1898 e 1903. Outras poucas
informações são encontradas, ainda, na obra de Manoel Raymundo Querino82.
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M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s
n o t a s
1 – Embora fossem considerados profissionais liberais, os artistas seguiram de perto os mesmos
rituais na elaboração de suas pinturas e esculturas, em relação à aprendizagem e hierarquia da
profissão, seguindo, também, a norma da cópia.
2 – O entalhador não tinha obrigação de cumprir os preceitos da Câmara por ser classificado
junto com o escultor.
3 – flexor, Maria Helena Ochi. Ofícios, manufaturas e comércio. In szMrecsányi, Tamás (Org.).
História econômica do período colonial. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 1996. p. 189.
4 – ruy, Affonso. História da Câmara Municipal da Cidade do Salvador. Salvador: Câmara
Municipal do Salvador, 1953. p. 175.
5 – Idem, p. 174.
6 – atas da câMara, 1625-1641. Bahia: Prefeitura Municipal do Salvador, 1944. v. 1, p. 16-19.
7 – O governo do Senado da Câmara era exercido pelos vereadores, mas, nos assuntos de
grande importância, estes deviam convocar o Conselho para que se ouvisse também o povo. Os
prejuízos das grandes concentrações fizeram nascer o sistema de representações delegadas, de
onde nasceu a “Casa dos Vinte e Quatro”. Essa casa, ou assembléia dos deputados dos ofícios
mecânicos, elegia os seus representantes ao Senado da Câmara, que eram o juiz do povo,
presidente da Casa dos Vinte e Quatro, e os procuradores dos mesteres, tendo a faculdade, em
última instância, de recorrer diretamente ao rei (langHans, Franz-Paul. As corporações dos ofícios
mecânicos. Lisboa: Imprensa Nacional, 1943. 2 v.; Idem. A Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa;
subsídios para a sua historia. Lisboa: Imprensa Nacional, 1948).
8 – fazenda, José Vieira. As bandeiras dos ofícios. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 140, t. 86, p. 152-158, 1921.
9 – Como insígnias do cargo, em Lisboa, os procuradores dos mesteres usavam uma vara
vermelha e, em fins do século XVIII, passaram a usar espadim. Tinham privilégios atributivos de
direitos: administração autônoma, representação política (ruy, A. Op. cit., p. 176).
10 – Idem, p. 177.
11 – Podiam intervir somente nas questões relacionadas ao bom governo dos ofícios mecânicos,
abastecimento e preços dos gêneros usados na sua profissão.
12 – ruy, A. Op. cit., p. 181.
13 – Idem, p. 182-184.
14 – Idem. p. 185-188.
15 – vilHena. Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Bahia: Itapuã, 1969. v. 1. p. 79.
16 – Vide, também relacionado aos próprios oficiais mecânicos, as CARTAS DO SENADO (1690-
1710). Salvador: Arquivo Municipal do Salvador, 1962. v. 5, p. 90-91.
17 – flexor, Maria Helena. Oficiais mecânicos na Cidade do Salvador. Salvador: Prefeitura
Municipal do Salvador/Departamento de Cultura/Museu da Cidade, 1974. 90 p.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
18 – correia, Vergílio. Livro dos regimento dos officiaes mecânicos da mui nobre e sempre leal
cidade de Lixboa (1752). Coimbra: Imprensa da universidade, 1926. XIX + 255p.; langHans, f$.P.
As corporações...,1943.
19 – cartas do senado, Loc. cit., p. 90-91.
20 – Posturas, 1716-1742, Salvador, Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação
Gregório de Mattos, fl. 20, ms.
21 – Postura 81, 1710, Lo 2º, Posturas (1650-1787), Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador
/ Fundação Gregório de Mattos, fl. 50. Repetidas nos outros livros de posturas.
22 – atas da câMara, 1625-1641. Bahia: Prefeitura Municipal do Salvador, 1944. v. 1, p. 5.
23 – idem, p. 6. Repetida praticamente com o mesmo texto em 1631, 1710, 1716, 1690, etc.
24 – Idem. Repetidas nos mesmos anos.
25 – As licenças aparecem registradas na Câmara somente a partir de 1785. Em Lisboa,
com a criação da Junta do Comércio, a Câmara permitia, desde 1756, que os oficiais não
examinados tivessem suas lojas abertas, contanto que se submetessem ao exame no prazo
de seis meses prorrogáveis.
26 – licenças (1785-1791); licenças (1780-1791); licenças (1797-1801); licenças (1800-1811);
licenças (1820-1829), Salvador, Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação
Gregório de Mattos, ms.
27 – aHu, Loc. cit., v. 32, doc. 10.907, 1781. p. 504.
28 – flexor, Maria Helena Ochi. Os núcleos urbanos planejados do século XVIII: Porto Seguro
e São Paulo. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1989. p. 10-12; Idem. Núcleos urbanos
planejados do século XVIII e a estratégia de civilização dos índios do Brasil. In silva, Maria
Beatriz Nizza da. Cultura portuguesa na Terra de Santa Cruz. Lisboa: Estampa, 1995. p. 86.
29 – leite, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, século XVI. Lisboa/Rio de Janeiro:
Portugalia/Civilização Brasileira, 1938, p. 26.
30 – Mariano filHo, José. O estilo ornamental D. João V e seus compromissos com a ornamentação
barroca de fundo jesuítico. Estudos de Arte Brasileira. Rio de Janeiro, s. n., 1943c. p. 61.
31 – Langhans dizia que “oficial é todo aquele que exerce o ofício; oficial examinado, o que
tem aprovação do exame; mestre de tenda chama-se o oficial examinado com estabelecimento
próprio; obreiro, ao que trabalhava numa tenda de mestre, sob as ordens do mestre, sem ter sido
examinado e recebendo salário” (langHans, F.-P. As corporações..., 1943, v. 1, p. XXI).
32 – correia, Vergílio. Livro dos regimento dos officiaes mecânicos da mui nobre e sempre leal
cidade de Lixboa; 1752. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1926. p. 238-239.
33 – cartas do senado (1648-1692). Salvador: Prefeitura Municipal do Salvador, 1953, v. 3. p. 90-91.
34 – Provisões do senado (1699-1726); Provisões do senado (1741-1755); Provisões do senado (1754-
1770); Provisões do senado (1770-1788); Provisões do senado (1788-1789); Provisões do senado
(1811-1829); Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação Gregório de Mattos, ms.
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M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s
35 – Postura 10, 1716, Posturas (1716-1742), Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador /
Fundação Gregório de Matos, fl. 9v, ms.
36 – santos, Noronha. Um litígio entre marceneiros e entalhadores no Rio de Janeiro, autos de
execução de 1759-1761. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de
Janeiro, no 6, p. 306, 1942.
37 – Idem, p. 308-309.
38 – licenças (1785-1791), Salvador, Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação
Gregório de Mattos, ms.
39 – oficiaes MecHanicos (1765-1799), Salvador, Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador /
Fundação Gregório de Mattos. fl. 109,ms.
40 – licenças (1815-1820), Salvador, Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação
Gregório de Mattos, ms.
41 – Postura 49, Postura (1650-1787), fl. 44v; Postura 38, 1716; Postura (1760-1787), fl. 82;
Postura 40, 1690; Postura (1690-1696) (cópia), fl. 12, Salvador, Arquivo da Prefeitura Municipal
do Salvador / Fundação Gregório de Mattos, ms.
42 – Postura 10, 1631, In: Posturas (1650-1787), fl. 2v; Postura 46, 1710. In: Posturas (1650-1787),
Salvador, Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação Gregório de Mattos. ms.
Repetidas nos mesmos termos em outros livros.
43 – Em Portugal, a palavra “bandeira” designava a própria corporação, constituída por uma
ou várias profissões, e tinha por insígnia um estandarte. O estandarte apresentava as imagens
dos padroeiros dos ofícios e acompanhava a corporação sempre que ela se reunia e comparecia
em público. Considerava-se o estandarte um elemento de elevação social. “O ofício é o grupo
natural profissional de ofícios, constituído para efeitos políticos, administrativos e religiosos”
(langHans, F.-P. As corporações..., 1943, p. XLII, XLVII).
44 – ruy, A. Op. cit., p. 166.
45 – Idem. p. 163.
46 – cartas do senado, 1638. p. 68; Provisões reais, 1641, fl. 125rv, 126rv. Arquivo da Prefeitura
Municipal do Salvador / Fundação Gregório de Mattos, ms .
47 – ruy, A. Op. cit. p. 167.
48 – Apud fazenda, J. V. Op. cit., p. 155-156.
49 – atas da câMara, 1669-1684. Bahia: Prefeitura Municipal do Salvador, 1950. v. 5, p. 114
50 – Idem, p. 114.
51 – fazenda, J. V. Op. cit., p. 155-156.
52 – Postura 171, 1742. In: Posturas (1650-1787), fl. 117; Posturas (1716-1742), Arquivo da
Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação Gregório de Mattos, fl. 32v, ms.
53 – ruy, A. Op. cit., p. 167.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
54 – Em Portugal, o Decreto de 7 de maio de 1834, do duque de Bragança, extinguiu os ofícios,
bandeiras, Casa dos Vinte e Quatro, procuradores dos mesteres e juiz do povo.
55 – Postura 27, 1785, L. 4º no livro de posturas. In: POSTURAS (1650-1787), Arquivo da
Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação Gregório de Mattos, fl. 131rv. ms.
56 – O despacho de 16 de outubro de 1767, do Senado da Câmara de Lisboa, determinava que
os carpinteiros da rua das Arcas e os Marceneiros passassem a denominar-se carpinteiros de
móveis e “semblagem” (langHans, F. P., As corporações... v. 1, p. 495-505).
57 – azevedo, Thales. Povoamento da Cidade do Salvador, 3ed. Bahia: Itapuã, 1969. p. 226-
227. Segundo o regimento novo dos carpinteiros de móveis e samblagem, de 1767, de Lisboa,
os examinados deviam executar uma das seguintes obras: “Um retábulo de sete palmos, ou
como lhe determinarem os juízes, o qual levará suas colunas, e será feito debaixo do preceito
da arquitetura, ordenando os juízes de qualquer das cinco ordens, e desta há de fazer a obra
do exame. Farão também caixa de malhete de sete palmos, ou daí para baixo, um tamborete,
ou cadeira, conforme o uso, ou o que o examinante tiver aprendido” (langHans, F. P. Op. cit.,
p. 499).
58 – cartas de exaMe (1713-1723), Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação
Gregório de Matos, fl. 87. ms.
59 – vasconcellos, Salomão de. Ofícios mecânicos em Vila-Rica durante o século XVIII. In: Revista
do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, no 4, p. 331, 1940.
60 – cartas de exaMinações (1770-1807), Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador, fl. 224v-
225. ms. Embora fosse proibido, verifica-se que José Gomes Romão acabou por examinar seu
parente Vitorino Gomes Romão.
61 – aHu, Baia, doc. 1283 antigo, Salvador, 1780, avulso, ms.
62 – langHans, F.-P. As corporações... v. 1. p. 274-282.
63 – flexor, M. H. Oficiais mecânicos..., 1974. p. 79.
64 – Provisões do Senado (1699-1726); Provisões do Senado (1741-1755); Provisões do Senado
(1754-1770); Provisões do Senado (1770-1788); Provisões do Senado (1788-1789); Provisões
do Senado (1811-1829); Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação Gregório de
Mattos, ms.
65 – Seu filho Manoel Rodrigues Marrecos também exerceu a atividade de marceneiro no
princípio do século XVIII.
66 – O direito de executar obras brancas foi acusado nas cartas de examinações entre 1740
e 1760.
67 – As sangrias eram feitas por meio de ventosas, escariações ou aplicação de sanguessugas,
ou, ainda, por via arterial (arteriotomia) ou venal (flebotomia), em diferentes partes do corpo, no
local onde o mal se alojava e devia ser extirpado. Podia obedecer às estações do ano. Também
eram feitas escariações a navalha, permitindo o sangue aflorar com a aplicação de ventosas
(Priori, apud jesus, 2001. jesus, Nauk Maria de. Saúde e doença: práticas de cura no centro da
~63~
M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s
América do Sul; 1725-1808, disponível em <www1.capes.gov.br/teses/pt/2001_mest_ufmt_
nauk_maria_de jesus,pdf>, acesso 6 nov. 2006. p. 90).
68 – livro dos guardiães do convento de são francisco da baHia; 1587-1862. Rio de Janeiro: Ministério
da Educação e Cultura/Iphan, 1978. p. 43.
69 – Apud toledo, Roberto Pompeu de. À sombra da escravidão. In Revista Veja, no 1444, 15 mai
1996. Disponível em <www.revista.agulha.nom.br/pompeu/01.html>. Acesso em 16 out. 2006
70 – Provia os médicos.
71 – jesus, N. M. de. Loc. cit., p. 94-95.
72 – vilHena, L S. Op. cit., v. 3, p. 915.
73 – inventários, Loc. cit., doc. no 04/1710/2180/06, 1811, ms.
74 – Contraditoriamente, chegavam à maestria como mestres de embarcações – nas quais
podiam fugir com mais facilidade –, tanto de navegação costeira, quanto de longa distância.
75 – silva, Maria Beatriz Nizza da. A primeira gazeta da Bahia: Idade d’Ouro do Brazil, 2ed.
Salvador: Edufba, 2005. p. 168-169.
76 – langHans, F.-P. As corporações..., v. 1. p. 8.
77 – In: Posturas (1650-1787), Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação Gregório
de Mattos. fl. 134. ms.
78 – silva, M. B. N. da. Op. cit., 2005.
79 – debret, Jean Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. São Paulo: Martins Fontes,
1940.
80 – Koster, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil, 2 ed. Recife: SEC/Departamento de Cultura,
1978. (Coleção Pernambucana, 17.)
81 – barreto, Domingos Alves Branco Muniz. Memória sobre a abolição do comércio da
escravatura. In Memórias sobre a escravidão. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1988. (Memória
escrita em 1817, publicada em 1837.)
82 – querino, Raymundo Manoel. querino, Manoel Raymundo. Artistas bahianos; indicações
biographicas. 2ed. Bahia: A Bahia, 1911. p. 152-154, 239-254.
~64~
M o b i l i á r i o b a i a n o
Materia is ut il izados
5
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Examinam-se a seguir os materiais utilizados na confecção dos móveis na Bahia,
no período abordado.
M a d e i r a s
Desde cedo as florestas brasileiras, especialmente as da orla Atlântica, começaram
a ser exploradas. Suas madeiras eram enviadas para as obras da corte, sobretudo para
o Arsenal da Marinha. Logo, porém, reis, governadores e câmaras tomaram providências
contra a depredação arbitrária das matas1.
As madeiras utilizadas na construção dos móveis vieram principalmente das
regiões sul e sudeste da Bahia e do Espírito Santo2. A região da Capitania de Ilhéus forneceu
grande quantidade desse material até o século XIX.
Até 1780, os móveis eram feitos quase que essencialmente de três espécies de
madeiras: o jacarandá, o vinhático – em igual quantidade – e a madeira branca. Esta última
foi utilizada principalmente na confecção de móveis de uso popular e de serviços domésticos.
Baltazar da Silva Lisboa, Juiz Conservador dos Cortes de Madeiras, a mando de D.
Maria I, catalogou e descreveu todas as espécies existentes na mata Atlântica, em torno
de Ilhéus e Cairu, onde se fixou. De acordo com o juiz, o jacarandá servia para todas as
obras de decoração e ornatos das salas, e complementava: “a sua cor é preta luzente”3. Já
o vinhático, segundo Vilhena, “é bem conhecido por todos, serve tanto para marcenaria,
como para a construção de edifícios e naval”4. Lisboa5 dizia que servia para cintados,
“alcaixes”6 e tabuados de coberta e obras das salas, e recomendava que, para as obras
serem duráveis, era preciso pregar as tábuas com pregos de cobre, porque os de ferro
“abrem com a ferrugem buracos no lugar pregado”.
A madeira branca é referida na grande parte dos inventários pesquisados. Em
documentos portugueses, aparecem também com a mesma denominação, tendo seu uso
inclusive proibido:
“há cento e vinte anos pouco mais ou menos mostrando a experiência que uma certa espécie de madeira branca que, nesse tempo, vinha do Brasil, era muito vaporosa e quebradiça se lhe fez um capítulo dezenove do mesmo Regimento uma genérica proibição para não poderem lavrar madeira branca que daquele Estado viesse.”7
As madeiras estavam se extinguindo em Portugal e se notificava que “se lhe vai
também extinguindo a nogueira”. E observava-se:
“[para o] bem comum e por esta razão os obriga a necessidade a se valerem algumas vezes de outra espécie de madeira branca do mesmo Estado do Brasil
M a t e r i a i s u t i l i z a d o s
Banca de esbarra rococó (alterada), século XIX. Museu de Arte da Bahia.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
diferente daquela que lhe está proibida porque se achou espécie de madeira branca do mesmo Estado do Brasil diferente daquela que lhe está proibida porque se achou há poucos anos e em que continuamente vem os açúcares, daquelas partes bastante prova da sua bondade e fortaleza pelo grande número de arrobas que em si sustenta [...]”8
Pedia-se que:
“lhes faça mercê mandar-lhes emendar o dito capítulo dezenove declarando-se que nele se não entendia proibida esta boa madeira branca que hoje vem daqueles Estados do Brasil”.
O despacho do Senado da Câmara aprovou o uso dessa madeira branca,
proibindo, entretanto, de se “dar tinta de nenhum gênero”. O documento datava de 12
de agosto de 16899.
Marcgrave10 falava que a madeira própria para as caixas de açúcar era o “camaçari”,
mas a apontava como amarela. A mesma madeira foi indicada como própria para caixas
de açúcar na obra de Gabriel Soares de Souza11, servindo “para toda a obra das casas, de
que se faz muito tabuado para elas”. As posturas da Câmara taxaram várias madeiras,
como o “tabuado de camaçari para os altos tambores barcal”, putumuju, vinhático, louro,
paraparaíba, cedro, jataipeba, maçaranduba. Sem se referir à madeira, dizia “que nenhuma
pessoa que fizer caixões os poderá vender por mais de dez tostões cada um”12.
Vilhena e Silva Lisboa se referiam às várias madeiras próprias para caixas de
açúcar sem, no entanto, designar especificamente a madeira branca. Não se conseguiu,
pois, identificá-la melhor, embora Franco13 destaque o uso contínuo do pinho em Lisboa,
entre 1750 e 1800.
É interessante verificar que alguns autores deram notícias escassas acerca do
jacarandá. Dois exemplos são Gabriel Soares de Souza e Luís dos Santos Vilhena. O primeiro,
colocando o jacarandá apenas entre as “árvores de cheiro”, acrescentava que “é muito dura
e boa de lavrar para obras primas”. E prosseguia, em outro trecho: “parece razão que se
dê o primeiro lugar ao vinhático: serve para as rodas dos engenhos, para outras obras
deles, e para casas e outras obras-primas.”14 Gonzaga15 apontou dois tipos de jacarandá, o
jacarandatã ou jacarandá-pardo e o jacarandá-violeta ou caviúna, indicando este último
como próprio para móveis de alto padrão, peças torneadas, etc.
Vilhena falou, com entusiasmo, das madeiras sebastião-de-arruda, pequiá-
marfim, pequiá-gema, pequiarana, cupiúba e bacuri, não fazendo referências ao jacarandá.
Esse cronista viveu na Bahia numa época em que os trabalhos de marchetaria estavam em
moda, bem como os móveis feitos inteiramente com madeiras claras. O uso de madeiras
~69~
M a t e r i a i s u t i l i z a d o s
claras estendeu-se mais ou menos de 1780 a 1820. O jacarandá e o
vinhático não deixaram de ser utilizados nesse período, mas não na
escala anterior. Os embutidos, ou trabalhos de marchetaria, eram feitos,
ainda, com outros tipos de madeiras, como gonçalo-alves e cedro. O
autor dizia que “sebastião-de-arruda é das melhores, e mais lindas
madeiras, que se tem descoberto para folheados na marcenaria, toma
bom lustro, é muito durável, conserva por largo tempo a sua gala; na
duração porém de muitos anos vem a escurecer”16, enquanto Lisboa17
afirmava que o “sebastião-de-arruda [...] serve para molduras, obras de
decoração, e marchetaria”.
Pequiá-marfim, ou gema, pequiarana, cupiúba, bacuri, segundo
Vilhena18, eram “madeiras também preciosas e as primeiras com os
mesmos préstimos (que a sebastião-de-arruda), se bem que destas se
podem fazer obras maiores”, enquanto Lisboa19 afirmava que pequiá-
amarelo é “macia a madeira no serrar e lavrar, [...] serve para obras de
ornato das salas, marchetaria, e mais obras de carpintaria”.
O trabalho de marchetaria (figura 3), comum a partir de meados
do século XVIII, era feito com as madeiras mencionadas e, ainda, com
a denominada gonçalo-alves, que, para os dois autores citados, tinha
grande valor, “é madeira tão estimável quanto tem de linda, e com
as mesmas aplicações e preços que a de sebastião-de-arruda”20, ou “é
árvore [...] que pela dureza, polimento, brilhantismo de suas ondeações,
faz-se uso para trastes de ornatos, molduras, e obras de marchetaria.”21
Nos princípios do século XIX outras madeiras vieram concorrer com o jacarandá
e o vinhático, substituindo a madeira branca. Nos inventários aparece citada uma espécie
de madeira que chamavam “madeira do norte”, bastante utilizada entre 1800 e 1850.
Acredita-se ser essa madeira a “violete”, de que faz referência Vilhena22, que a qualificou
como “madeira das mais estimáveis e preciosas, que se tem descoberto no Brasil, sendo
a comarca do Ceará que fornece abundância dela”, enquanto Balthazar da Silva Lisboa23
dizia que “serve para obras de ornato, cadeiras, molduras e marchetarias”.
Cedro, putumuju, conduru e louro foram algumas das madeiras mais usadas em
Salvador no século XIX, além do mogno, bastante freqüente em Mato Grosso e Goiás. Silva
Lisboa24 achava que o cedro é “árvore de maravilhosa grandeza [...] de que se faz uso em
costado grosso dos navios, figuras, caixilhos, tabuados de forro, obras de entalhador e
canoas”, e foi a madeira geralmente usada nas talhas e imagens dos santos em geral.
3 – Tampo de cômoda (detalhe), estilo rococó, século XVIII. Exemplo de trabalho de marchetaria. Acervo do Museu de Arte da Bahia.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
c o u r o s
Os couros eram de origem local. Partindo dos núcleos iniciais, Bahia e Pernambuco,
as fazendas de gado rapidamente se multiplicaram em direção ao norte e nordeste, graças
aos Garcia d’Ávila. Forneciam o couro para todas as manufaturas que o utilizavam:
de sapatos e cintos a canastras, baús, assentos e encostos de cadeiras e preguiceiros,
lastros de camas, selas, arreios. Recebia-se, também, a “courama” do Ceará e da Paraíba,
transferindo-se o mercado fornecedor para o Rio Grande de São Pedro do Sul “depois
que as secas extremosas consumiram todos os gados naquelas paragens” do Nordeste25.
Chegou-se a exportá-lo26.
O couro foi um dos materiais acessórios mais importantes, utilizado desde os
primórdios da construção do móvel baiano. Em 1825 encontram-se alguns exemplares de
móveis encourados e artífices que ainda exerciam a profissão de correeiro.
Desde o século XVII, até meados do século XVIII, usou-se, sobretudo, o couro
picado, em especial o lavrado (figura 4), ou simples. Entre 1770 e 1820, o couro, ou sola
picada (figura 5), como era denominado na época, tornou-se novamente moda.
Até o século XVIII, o couro foi o material por excelência, usado nos assentos e
encostos das cadeiras. Nas últimas décadas desse século e primeiras do seguinte, apareceu
em preguiceiros, marquesas e mesmo camas.
O trabalho de couro era realizado pelos correeiros de obra grossa, “correeiros
lavradores de couro de cadeira e tamborete” e picadores de couro.
Aos correeiros cabia, em Lisboa, fazer:
“cadeiras e tamboretes de todas as castas, ou sejam guarnecidos de couro ou de seda de lã ou droga e de outro qualquer gênero, baús, caixas guarnecidos de couro, ou seda, ou de qualquer casta [...] de couro ou de lã.”27
Em Salvador, constatou-se, faziam os mesmos serviços.
Embora, desde o fim do século XVII, encontrem-se referências a “picadores de
cadeira e tamboretes”, somente na segunda metade do século XVIII os correeiros passaram
a se denominar, comumente, “picadores de couro” ou de “sola”. É interessante destacar
que a maioria desses “picadores de couro”, ou “oficiais pica couro”, tinham suas tendas
e lojas instaladas na ladeira da Misericórdia, entre eles Manuel Francisco (1787-1793)28,
João Batista de Matos (1787-1796), Jerônimo Soares da Cruz (1787-1789), Pedro de Santa
Tereza (1789-1807), Joaquim Vaz Silva (1791-1806), Manuel Soares da Cruz (1794-1797),
Pedro Antônio Pinto (1798-1800) e Manuel Luís Teixeira (1802-1821).
4 – Assento de couro lavrado, motivos rococós, pregaria fina, século XVIII. Antigo
Museu do Carmo.
5 – Assento com couro picado, pregaria miúda,
elementos decorativos com curvas rococós, século XVIII.
Acervo do antigo Museu do Carmo.
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M a t e r i a i s u t i l i z a d o s
Alguns nomes de famílias, cujos membros se dedicaram ao ofício de correeiro,
destacaram-se durante o período estudado, como os Berlinque – João Batista (1714-1754)
e Alexandre (1725-1740), que foram juízes e escrivão do ofício durante vários anos, na
primeira metade dos setecentos –, os Soares da Cruz – Serafim (1729-1754), também juiz e
escrivão, Jerônimo (1787-1789) e Manuel (1794-1797) –, e os Vaz Silva – Antônio (1748),
escrivão nesse ano, Joaquim (1791-1806) e Germano Antônio (1793-1796).
O ofício era regulamentado, igualmente, pelas posturas da Câmara29. Contava
com um só juiz e um escrivão, eleitos com um juiz de seleiro. O escrivão era comum aos
dois ofícios.
As últimas posturas referentes ao ofício datam de 1785. As licenças para exercer a
profissão, ou abrir tenda, prolongaram-se até as primeiras décadas do século XIX.
M e t a i s
Apesar da tradição ibérica e lusa, não foram muito numerosos na Bahia os móveis
com acessórios em prata. Em todo o universo de inventários consultados, encontraram-se
apenas três exemplares de “contador de jacarandá com feição de dezesseis gavetas com
cinco rendas e os espelhos das fechaduras de prata” e nenhum exemplar nas coleções.
Até o final do século XVIII e mesmo parte do seguinte, a maioria das ferragens de
guarnição dos móveis era de ferro estanhado, excetuando-se as cadeiras que, desde cedo,
levavam pregaria dourada. Todo esse material vinha de Portugal, embora fossem usadas
fechaduras, chaves e missagras tanto originárias do Reino quanto confeccionadas pelos
serralheiros que trabalharam em Salvador. Os serralheiros e ferreiros eram numerosos na
cidade, havendo entre eles um grande número de negros escravos e forros.
Os serralheiros, igualmente, eram regulados pelas posturas da Câmara, que
estabeleciam no “Regimento dos Serralheiros”:
“Levarão os serralheiros de uma fechadura mourisca sem aldraba, e com os mais apetrechos seiscentos e quarenta réis e com aldraba oitocentos réis sendo das grandes e das pequenas, quinhentos réis
De uma chave mourisca chã, duzentos réis
De um aldrabão, duzentos réis
De uma aldraba, cento e sessenta réis
Missagras de porta de dez buracos, trezentos e vinte réis, por cada uma de oito buracos, duzentos e quarenta réis
~72~
M o b i l i á r i o b a i a n o
De seis buracos, cento e sessenta réis e as mais pequenas a cento e vinte réis com seus pregos e todas as sobreditas coisas serão estanhadas elevando ou vendendo por mais pagarão de pena seis mil réis”30.
Esse regimento data de 1672. Os regimentos para os anos seguintes eram quase
idênticos. A taxação sofreu alterações mínimas, mesmo nos preços. Ainda em 1785 usavam-
se os mesmos materiais, como se vê abaixo:
“Por uma fechadura grande mourisca com aldraba com todos os seus ornamentos, 800 réis
Por uma fechadura pequena, 560 réis
Por uma chave mourisca, 240 réis
Por um aldrabão, 200 réis
Por uma missagra de oito buracos, 160 réis
Por uma dita de dez buracos, 240 réis
Por cada uma dita mais pequena de janela, 100 réis com seus pregos, e toda a mais ferragem a convenção das partes. E levando por mais dos preços [...] pagará 6$000 de condenação, e trinta dias de Cadeia.31
Os próprios mestres avaliadores não seguiam muito de perto as taxas estabelecidas
pelas posturas. Assim, no auto de partilha de Manoel João da Silva, ferreiro e serralheiro,
em 1721, encontravam-se entre o “ferro-velho”:
“Trinta e duas fechaduras mouriscas feitas na tenda e com seus aparelhos todas a mil réis cada uma.
Sete fechaduras mouriscas feitas no Reino com seus escudos somente a seiscentos e quarenta réis cada uma.
Duas fechaduras ditas sem escudos a quatrocentos cada uma.
Nove fechaduras de gaveta feitas no Reino a trezentos e vinte réis cada uma.
Uma fechadura de caixa feita no Reino em quatrocentos e oitenta réis.
Duas fechaduras de caixa a duzentos réis cada uma.”32
A partir da segunda metade dos setecentos, os ferros estanhados ou os polidos
foram substituídos por latão amarelo, liga de cobre e zinco (figura 6), ou por madeira,
menos em algumas caixas que continuaram a ter as “mouriscas” (figura 7), com as mesmas
6 – Puxador de latão de gaveta de cômoda, perfil
rococó, século XVIII. Acervo do Museu de Arte da Bahia.
7 – Fechadura mourisca, persistente nas caixas no
século XVIII. Acervo do Museu do Mosteiro de São Bento.
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M a t e r i a i s u t i l i z a d o s
características dos séculos anteriores. Assim, os móveis podem ser classificados também
por essas ferragens, quando originais:
“Vinte e uma dúzias de fechaduras envernizadas para caixa a mil quatrocentos e quarenta a dúzia.
Noventa e três dúzias de botões puxadores a mil e seiscentos réis a dúzia.
Trinta e sete dúzias e seis botões pequenos a setecentos e vinte réis a dúzia.
Cento e quarenta e oito dúzias de pares de ferragens de gaveta a três mil e duzentos réis a dúzia.
Onze dúzias de fechaduras de latão para frasqueiras a mil e duzentos réis a dúzia.
Seis dúzias de fechaduras de latão para arca a três mil e seiscentos réis a dúzia.
Onze dúzias de arranquetas de latão pequenas a oitocentos e quarenta réis a dúzia.”
O exemplo foi extraído da avaliação dos bens da loja de ferragens de
propriedade de Sebastião José Coelho, na rua da Cruz do Pascoal, em 181433, avaliados
pelos peritos designados.
A partir do começo do século XIX, esses metais de latão dourado continuaram
a ser usados, juntamente com outros, muitos dos quais estrangeiros, como “fechaduras
inglesas para baus”, “cravos baixos dourados de Lisboa”, “fechaduras do Porto para armário”,
“fechaduras holandesas com chaves soltas”, ao lado de “fechaduras de pau”, fechaduras
de madrepérola e puxadores de madeira (figura 8). Esses dados foram tirados da relação
dos bens da loja de ferragens de Domingos José Antônio Rabelo, de 183234. Somavam-se
puxadores de cristal, especialmente os verdes (figura 9).
9 – Puxadores de cristal verde, século XIX. Acervo do Museu Fundação Carlos Costa Pinto.
8 – Caixa com fechadura de marfim e puxadores de madeira. Acervo do Museu de São Bento.
v i d r o s
Consta que as janelas envidraçadas surgiram na Igreja dos Jesuítas, em 1670. Era
material raríssimo, todo ele vindo da Europa. Até então, a maior parte da vidraria vinha de
Portugal ou de outros países, mas através do Reino. No fim do século XVIII, Portugal ainda
consumia o vidro “verde” da Alemanha, França e Inglaterra. Da tradicional região vidreira
veneziana teriam saído alguns vidreiros que se radicaram nas florestas da Bavária e da
Boêmia. Atribui-se a eles a produção desse vidro de cor esverdeada, que foi chamado vidro
florestal ou da floresta, do alemão Waldglas.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
Nas casas, a vedação dos vãos se fazia com rótulas, gelosias ou muxarabis, durante
todo o setecentos. Esses tipos de vedação foram proibidos em 1821, por tomarem boa parte
das estreitas ruas e por serem considerados indecentes, entre outras alegações. Os vidros
nas janelas de guilhotinas só se popularizariam a partir de então.
Apenas no começo do século XIX o vidro começou a se vulgarizar em Salvador.
Atingiu as janelas das casas, os oratórios e os armários; substituiu os candeeiros de latão ou
de madeira torneados, e os oratórios. Substituiu os “cocos de madeira torneados para beber
água”. A casa baiana deixou-se invadir por espelhos e mangas de vidro. Estas cobriam os
santos e, além disso, foram para a mesa, para os aparadores, para as paredes, para o teto.
O vidro, quando apareceu na corte, foi monopólio das “fábricas privilegiadas”
portuguesas. Segundo os escritos de Manoel Joaquim Rabelo, de 179335, “este artigo de
vidro não deveria ser protegido com tanto desvelo como se fosse o mais importante e
que dele dependesse a felicidade da Monarquia”. Entende-se esse protesto, verificando-se
que constavam do mapa de importação de 1797, saídos da corte de Lisboa e pela cidade
do Porto, das Fábricas Privilegiadas para a Bahia, 294 caixotes de vidros num total de
1:764$000 réis36.
Isso se passou até que Sua Alteza Real “houve por bem [...] e por Provisão [...] de 15
de fevereiro de 1815 a requerimento de Francisco Ignácio de Siqueira Nobre [...]”:
“em benefício da Real Fábrica de Vidros desta Cidade, permitir, que nas tabernas
se possa usar dos copos pequenos ficando nesta parte abolida esta Postura quanto ao uso
deles somente para os licores mas não para por ele se medir coisa alguma, nem vender.
Bahia, em Câmara 1 de Abril de 1815. Almeida.”37
Era, praticamente, a liberação do vidro em Salvador. Podia-se usar nas tavernas os
copos que chamavam “de Frade”, ou o copo grande38. Desde 1810, Siqueira Nobre instalara
a Real Fábrica de Vidros em Salvador, por licença especial de Sua Majestade, D. João VI,
de 12 de janeiro daquele ano. Produzia frascos, vidros lisos, garrafas e garrafões. Encerrou
seus trabalhos por razões financeiras. Depois dele tem-se notícias de fábricas fundadas no
Rio de Janeiro, em 1839, mas, até o fim do período estudado, a Bahia não produziria mais
os vidros necessários para o seu crescente consumo, especialmente na capital.
Algumas fábricas foram criadas no Reino, como a de Coina e a de Vilarinho das
Furnas, mas, sob a pressão dos ingleses, a primeira fracassou e a segunda foi saqueada.
D. José deu proteção e privilégios à Real Fábrica de Vidros da Marinha Grande, sob a
orientação de um inglês, William Stephens. Com artífices ingleses, genoveses e alemães,
fabricava-se ali “obra-prima”, vidro de espelho e vidro para vidraça. Com a invasão francesa,
a fábrica foi seqüestrada. O vidro francês tornou-se mais abundante no século XVIII, pois
M a t e r i a i s u t i l i z a d o s
~75~
sua fabricação teve o apoio de Luís XIV, que criou a Companhia Saint-Gobain, hoje ainda
sobrevivente, mas pertencente à iniciativa privada.
Outras fábricas foram estabelecidas a partir das primeiras décadas do século XIX,
mas parece que não tinham o apoio dos próprios portugueses, “para quem nada era a
indústria pátria, ao passo de ser tudo para eles a indústria inglesa”. Mas, além dos vidros
ingleses, durante todo o século XIX vieram as mangas de vidro e lustres de baccarat
franceses. Já a essa altura, 1840, a Siemens produzia vidro em larga escala, confeccionando
recipientes e vidros planos.
n o t a s
1 – Para documentação a respeito ver Mauro, Frédéric. Le Portugal et l’Atlantique au XVIIème
siècle, 1570-1670. Paris: Sevpen, 1960. p. 120-126. No Arquivo Histórico Ultramarino consta
numerosa documentação, comunicando o envio de madeiras para o Arsenal da Marinha.
2 – Até meados do século XVIII, o território hoje correspondente à Bahia era formado por três
capitanias: Ilhéus, Porto Seguro e Bahia propriamente dita. Alcançava parte do Espírito Santo e
o atual estado de Sergipe.
3 – lisboa, Balthazar da Silva. Riquezas do Brasil em madeiras de construcção e carpintaria. In
Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Bahia, no 26, p. 243 e segs., 1926.
4 – vilHena, L. S. Op. cit., p. 699.
5 – lisboa, B. S. Ob. cit., p. 258.
6 – Significado não encontrado. Provavelmente refere-se a caixas, ou melhor “de caixas”.
7 – langHans, Franz-Paul. As corporações dos ofícios mecânicos. Lisboa: Imprensa Nacional,
1943. v. 1, p. 479.
8 – Idem.
9 – idem, v. 1, p. 479.
10 – Marcgrave, Jorge. História natural do Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial, 1942.p. 102.
11 – souza, Gabriel Soares de. Noticias do Brasil. São Paulo: Martins, s.d,, t.2, cap. 67, nota 1).
12 – Postura 111, 1710. In: POSTURAS (1650-1787), Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador
/ Fundação Gregório de Mattos, fl. 53.
13 – franco, Carlos José de Almeida. O mobiliário nas casas das elites lisboetas nos finais do
Antigo Regime. Porto: Universidade Católica Portuguesa /Escola das Artes, 2007.
14 – souza, G. S. de. Op. cit., cap. 72, p. 73; cap. 64, p. 54-55.
15 – gonzaga, Armando Luiz. Madeira; uso e conservação. Brasília: Iphan/Monumenta, 2006. p.
202-205.
16 – vilHena, L. S. Op. cit., v. 3, p. 696.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
~76~
M o b i l i á r i o b a i a n o
17 – lisboa, B. S. Op. cit., p. 256.
18 – vilHena, L.S. Op. cit., v. 3, p. 697.
19 – lisboa, B. S. Op. cit., p. 253.
20 – vilHena, L. S. Op. cit., v. 3, p. 697.
21 – lisboa, B.S. Op. cit., p. 242.
22 – vilHena, L. S. Op. cit., v. 3. p. 697. Indaga-se se Vilhena, ao falar em “violete”, não estaria se
referindo ao jacarandá-violeta, já que em sua obra não nomeia o jacarandá, tão usado na Bahia.
23 – lisboa, B. S. Op. cit., p. 258.
24 – idem, p. 237.
25 – vilHena, L. S. Op. cit., v. 1, p. 57-58.
26 – aHu, Loc. cit., doc. 11.477 (1784), 1914, v. 32, p. 533. ms; Pinto, Augusto C. e nasciMento, J.
F. S. Cadeiras portuguesas. Lisboa: Bertrand, 1952. p. 60-61.
27 – Regimento dos correeiros In: langHans, F.-P. Op. cit,. v. 1, cap. 20. p. 700-701.
28 – As datas representam os limites entre os quais existem referências nos documentos. Isto
não quer dizer que a atividade desses artífices não tenha se estendido antes e depois do período
fixado. Embora deficientes, colocam-se as datas a fim de possibilitar a localização dos oficiais
correeiros no tempo.
29 – O regimento dos correeiros será transcrito no momento em que se tratar de móveis que
traziam o couro como complemento.
30 – Postura 17, 1785. In: Postura (1650-1787), Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador /
Fundação Gregório de Mattos. fl. 128v.
31 – Idem.
32 – inventários, Loc. cit., doc. no 2/620, Manoel João da Silva, 1721, fl. 97. ms
33 – idem, doc. no 7/693, 1814, fl. 12. ms.
34 – idem, doc. no 1/778, 1832, fl. 17. ms.
35 – apud valente, v asco. O vidro em Portugal. Porto: Portucalense, 1950. p. 52.
36 – cartas do governo (1797-1798), Loc. cit., fl. 278v. ms.
37 – Posturas de 1716. Nota à margem esquerda do livro de Posturas (1650-1787), Arquivo da
Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação Gregório de Mattos, fl. 79v.
38 – idem.
Bofete barroco, século XVIII. Sacristia da Igreja de São Francisco, Salvador.
~77~
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Móveis e Mobil iár io
6
~81~
Neste trabalho optou-se pelo emprego dos termos mais genéricos, historicamente
consagrados e comumente usados no mundo Ocidental para designar os estilos dos
móveis: renascentista, barroco, rococó, neoclássico, eclético. Para especificar os móveis,
serão utilizados os mesmos termos empregados na época, constantes nas avaliações de
bens dos inventários, como torneado, retorcido, talha, gavetas e pés de volta, pés de galo,
pés de burro, etc. O significado de cada um desses termos está explicado no texto ou no
glossário. Contraria-se, pois, os autores que tomaram a divisão por reinados para permitir
uma compreensão associativa tempo-estilo-forma, conforme foi referido.
É certo que alguns autores adotaram a divisão por reinados apenas para permitir
uma compreensão associativa, mais inteligível que puramente cronológica. Seu uso muitas
vezes se explica por ser uma divisão didática e que já está consagrada. Porém, assimilou-se
de tal modo as formas dos móveis às figuras dos reis, que essa relação perdeu o caráter
simplesmente associativo, tornando-se sugestiva de que os estilos e modas de cada tempo
são fruto da intervenção direta da pessoa do rei.
Se houve interferência governamental no estilo dos móveis, esta foi levada a
efeito pelo Senado da Câmara, por meio das posturas e suas aplicações, da taxação dos
preços relacionando o tipo de obra, material e seu modelo, de sua fiscalização sobre os
oficiais mecânicos, da determinação dos modelos que deviam ser executados por ocasião
das examinações, etc.
Embora a interferência do Senado da Câmara tenha sido menor, por razões já
referidas, em Salvador e no Brasil em geral, vários foram os portugueses que trabalharam nas
diversas partes do território sob domínio luso, tendo trazido da corte seus hábitos pessoais
e profissionais. Como se viu, grande parte dos marceneiros, torneiros, ensambladores e
carpinteiros de móveis e samblagem portugueses, que vieram para a Bahia no século XVIII e
começos do XIX, seguiram as normas ditadas pela Câmara e, certamente, exerceram grande
influência sobre os locais.
Mesmo em Portugal, somente em última instância solicitava-se a intervenção do
rei, havendo casos em que a resolução real foi revogada em parte em favor da Câmara e
da Casa dos Vinte e Quatro1.
As “modas” na Bahia, todas elas importadas, atingiam as camadas mais abastadas,
em primeiro lugar, sendo depois vulgarizadas através da produção dos mesmos modelos
de móveis no tipo “ordinário” ou comum. Eram adaptadas, por assim dizer, ao mercado
consumidor local, que incluía desde os que tinham algumas posses até os que dispunham
de condições para adquirir o que, na época, ainda se apresentava como supérfluo.
M ó v e i s e M o b i l i á r i o
Banca de esbarra rococó, séculos XVIII-XIX. Museu de Arte da Bahia.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
Não havendo padronização social, mas classes sócio-econômicas distintas, na
época em que o Brasil era possessão lusa, nota-se que a vulgarização de certos modelos
de móveis só se verificou alguns anos após a sua introdução nas residências mais nobres.
A cronologia utilizada no presente trabalho está baseada nessa vulgarização dos modelos
e não nas datas de introdução de raros modelos da moda européia.
A casa baiana, no período estudado, não se prendeu a estilos de móveis
cronologicamente distintos, mas a modelos específicos de móvel. O mais comum, numa
residência baiana, nos séculos estudados, era a utilização dos três tipos de móveis já
destacados – de luxo, ordinários e toscos –, dependendo dos aposentos e sempre com
estilos misturados.
Em Salvador, os marceneiros vendiam em suas lojas não somente móveis novos,
mas também móveis ou trastes usados, – e por vezes fora de moda –, sendo estes acessíveis
aos mais pobres. O costume de comprar e utilizar móveis usados foi bastante comum
e se prolongou, ainda, até o período da República. Na ladeira e na rua da Misericórdia
havia vários “bazares” de móveis usados. Era costume, também, adquiri-los em leilões dos
espólios. Podiam ainda resultar de herança.
a p r o c e d ê n c i a d o s M ó v e i s
Como primeira capital administrativa do Brasil, até 1763, e mesmo posteriormente,
a Bahia recebeu influência direta de Portugal e, através deste, principalmente da Inglaterra,
Espanha, Itália e França. No mapa de “Importação sobre a Cidade da Bahia, fornecida
pela Capital Corte de Lisboa e pela Cidade do Porto”, de 1797, encontram-se os artigos:
“ditas [drogas] de alfaias particulares, tamboretes, canapés, cômodas, banquinhas, tremós,
lustres, utensílios de cozinha, pratas de mesa e de casa, [...] carruagens e seus acessórios
tudo em 20:000$000”2. Manufaturas inglesas, como relógios de parede, espelhos pequenos
e de vestir, baús de couro e caixas, eram utilizados em Salvador, no século XIX. Adquiridos
por Portugal, passavam para o Brasil3. Desde o século anterior tinha-se criado um mercado
de exportação inglês exclusivo para a península Ibérica. O comércio de móveis foi maior
entre a Inglaterra e Portugal do que com a Espanha, durante a primeira metade do século
XVIII, com algumas interrupções e através, principalmente, de Londres4.
Grande parte de móveis laqueados, ou acharoados, como chamavam os portugueses,
eram feitos na Inglaterra. Depois de enumerar vários artigos, um anúncio do “General
Advertiser”, de 28 de fevereiro de 1751, dizia: “amongst wich are several capital pieces
design’d for the Spanish and Portugal trade”5. Havia, inclusive, diferença entre os móveis
laqueados, produzidos para o consumo interno inglês, e os destinados à exportação para
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M ó v e i s e m o b i l i á r i o
Portugal e Espanha. Nos móveis para o consumo interno, os ornamentos eram aplicados
sobre preto, azul escuro e verde-oliva, enquanto naqueles destinados a Portugal
e Espanha eram aplicados sobre escarlate, que se transformava em “vermelho-
velho”, ou bronze, sob a ação da luz meridional da península Ibérica. Aplica-se
ornamentação, além disso, sobre branco ou amarelo6.
As diferenças estavam, ainda, na presença de travessas nas pernas
das cadeiras exportadas, para garantir maior durabilidade. Juntamente com
os contadores, também canapés, relógios, cadeiras com pés de galo e assento
de palhinha e papeleiras laqueadas, bancos (figura 10), com decoração
oriental, que eram apenas acharoados, foram exportadas pela Inglaterra para
os territórios ibéricos.
Utilizaram-se alguns desses móveis, nessa primeira metade do século
XVIII, também em Salvador, principalmente os contadores, estantes e caixas.
Coincidem com as descrições dos móveis laqueados, importados por Portugal.
Eram, sobretudo, em charão vermelho, embora fossem denominados “da Índia”.
O estudioso do mobiliário português Alfredo Guimarães7 acusou a existência desse
tipo de móvel na cidade de Guimarães:
“E as peças de técnica e caráter asiático, imitativas das lacas e charões? Singular é que, torna-se necessário dizê-lo, em Portugal, pelo processo de charão tanto se copiava este gênero, como, pela aplicação do relevo, se imitasse igualmente o tipo, a espessura e o esmalte – aliás tecnicamente distinto, das lacas de diferente caráter e corporificação material.”
10 - Tamborete acharoado, provavelmente de origem inglesa, com características orientais, século XIX. Acervo do Museu do Estado da Bahia.
O estudioso citou o exemplo de dois relógios e uma papeleira da primeira metade
do século XVIII, afirmando que as peças são “com absoluta certeza, peças executadas em
Portugal”. Referiu-se ainda a outros móveis do gênero. Todos coincidem com as descrições
dos móveis importados da Inglaterra8.
Até a abertura dos portos, em 1808, os móveis estrangeiros usados em Salvador
eram, sobretudo, ingleses – ou de outros países via Portugal –, e alguns procedentes
da Índia e da China. A partir dessa data, o número de móveis estrangeiros aumentou sensivelmente. Entraram em Salvador móveis americanos, fruto dos incentivos concedidos
pelo parlamento inglês a sua colônia, principalmente cadeiras e cômodas.
A partir do fim da primeira metade do século XIX e até o alvorecer do século XX,
começaram a aparecer os móveis franceses ou copiados dos franceses. Nessa segunda
metade do século, ao lado dos móveis franceses, os americanos, os austríacos e os de
fabricação nacional disputavam o mercado baiano, como já se viu.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
Deve-se salientar, no entanto, que se a Bahia importou móveis, também os exportou,
não só para outras partes do Brasil, mas para toda a América do Sul, principalmente para
a região do Prata.
Segundo o “Mapa dos gêneros de exportação próprio do país para todos os portos
do Continente Americano de Barrafora, em todo o presente ano”, de 1797, a Bahia exportou:
“4 Mesas de vinhático
5 Camas de vento
2 Coxos de banho
110 Cadeiras de couro
5 Cadeiras de arruar
1 Caixa de vinhático
1 Cômoda do dito”9.
c a r a c t e r í s t i c a s e e s t i l o s
Constata-se que foram utilizados em Salvador alguns móveis bem característicos,
cujos exemplares desapareceram totalmente. Houve dificuldade na localização de muitos
deles nos museus e coleções particulares. Não poderia ser diferente. Por ter sido capital
administrativa do Brasil por um longo período e uma das cidades mais povoadas do Brasil
nos séculos XVIII e XIX, a cidade estava sujeita às mudanças constantes das modas. Com
o decorrer dos anos, os móveis de modelos antigos foram substituídos por outros mais
modernos.
Os móveis antigos tinham vários destinos: passavam para as dependências menos
aparatosas da casa, como o espaço que servia de cozinha, ou os aposentos de escravos,
eram vendidos para as lojas de móveis usados, quebrados ou queimados nos fogões como
lenha. As peças que foram encontradas nas coleções, na sua grande maioria, são da segunda
metade do século XIX. As mais antigas provinham de cidades interioranas da Bahia, ou do
seu Recôncavo, onde se conservaram, ou se originaram dos conventos, nos quais, por serem
patrimônio coletivo, não tinham o mesmo destino que aqueles das casas particulares.
Alguns móveis de estilo e características renascentistas, herança européia,
persistiram em uso em Salvador no princípio do século XVIII, como os oratórios, armários,
caixas, cômodas e contadores com guarnições de almofadas. Uns desapareceram logo,
enquanto outros continuaram a ser usados, nos setecentos adentro, especialmente os
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M ó v e i s e m o b i l i á r i o
móveis de guardar, contrastando com as ornamentações barrocas com as quais passaram
a conviver harmoniosamente, inclusive num mesmo móvel.
O barroco trouxe dois modelos essenciais de móveis: os torneados e os entalhados.
Os móveis torneados e retorcidos foram ainda bastante usados até meados dos setecentos,
como os bofetes, leitos, camas e cadeiras. Vários marceneiros e torneiros, alguns dos quais
portugueses, confeccionaram esses móveis, o que contraria os estudos tradicionais, que os
datam do século XVII.
Dos móveis entalhados, os mais característicos foram as camas de meias canas ou
de telha e cabeceira entalhada, com ou sem almofadas, cadeiras, preguiceiros, camas com
pés de burro10, oratórios grandes “de dizer missa”, pintados e dourados por dentro, camas
e cadeiras de campanha, cômodas e bancas com gavetas e pés chamados “de volta”, todos
com concheados, folhagens de acanto e embutidos ou trabalho de marchetaria.
Sob a influência francesa e inglesa, as talhas tornaram-se mais delicadas. Os
móveis de influência francesa foram pintados e dourados ou, então, elaborados com
madeiras claras. Os de influência inglesa caracterizaram-se por trabalhos de marchetaria
ou embutidos, como eram chamados, bancas e mesas com pés de burro. O trabalho de
marchetaria é dado como de origem oriental. Apareceu no mobiliário baiano em duas
épocas, no início e no fim do século XVIII. No início desse século, como no século XVII,
os móveis marchetados de marfim vinham da Índia (figura 11)11. No fim do século, os
móveis foram executados em Salvador, mas sob influência inglesa. Na Inglaterra, o período
dos embutidos correspondeu, segundo Claret Rubira12, ao reinado da rainha Ana. Nesses
móveis apareceram as palhinhas. É o período rococó com seus delicados frisos em rocaille,
folhagens e flores.
11 – Contador com portas, imitando múltiplas gavetinhas, trabalho de marchetaria. Acervo do Museu do Estado da Bahia.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
O neoclassicismo, bastante tardio em Salvador, trouxe os móveis chamados “de
coluna”, como cômodas, mesas, bancas, espelhos, quadros, e os móveis de linhas retas e de
estrutura mais delicada.
É preciso ressaltar que, nos períodos de transição, houve a mistura de estilos:
móveis torneados e entalhados; com gavetas de volta e marchetaria; com colunas e pés
talhados, etc.
Até fins do século XVIII, o mobiliário baiano era somente polido. Com o
aparecimento dos móveis de influência francesa, os mais luxuosos, além dos pintados e
dourados, eram folheados, enquanto os menos luxuosos eram simplesmente pintados de
branco, azul ou verde, e mais raramente em vermelho e amarelo, estes últimos imitando
charão. Em Salvador, a grande moda do móvel pintado – nem sempre com ornamentações,
mas simplesmente pintados – ocorreu no período entre 1790 e 1820. O uso persistiu, em
menor escala, mais ou menos até 1840, quando se introduziu outro material, de origem
francesa, o verniz, que havia aparecido antes, mas em poucos exemplares.
Os móveis eram complementados por estantes para louças e prataria, mas
raramente para livros, no século XVIII. Os instrumentos de música restringiam-se a umas
poucas violas, cítaras e rabecas. Somente no início dos oitocentos apareceram os primeiros
pianos fortes ingleses, que aumentaram em número no transcorrer do século, ao lado dos
franceses e hamburgueses.
A casa baiana era iluminada com candeeiros de latão, ou estanho, e veladores
torneados de jacarandá, substituídos, no princípio do século XIX, por castiçais com mangas
de vidro, com pés dourados em metal, de “casquinha” ou de jaspe. Só mais tarde viriam os
lustres franceses de cristal baccarat (figura 12), inúmeros quadros e alguns espelhos. Não
faltava, entretanto, na maioria das casas mais abastadas, um “tronco grande chapeado de
ferro e nas aberturas de pés e cabeça guarnecido do mesmo ferro”13, próprio para o castigo
dos escravos.
12 – Lustre em cristal baccarat, provavelmente vindo da França, século
XIX. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.
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M ó v e i s e m o b i l i á r i o
M ó v e i s p a r a g u a r d a r
Caixa, arca, frasqueira e cofreEmbora não se faça atualmente distinção entre caixa, arca e outros
recipientes semelhantes, é conveniente estabelecer as diferenças, já que se tomou
por critério utilizar a nomenclatura da época. Assim, foram encontradas nas
descrições dos inventários:
Em 1714:
“Uma caixa de vinhático com guarnição de jacarandá e duas gavetas com suas fechaduras e tem de comprido seis palmos.
Outra caixa de vinhático lisa de oito palmos com sua guarnição com friso de jacarandá.14”
Em 1757:
“Uma caixa de vinhático coberta de jacarandá de sete palmos com duas gavetas.
Uma caixinha de vinhático de dois palmos guarnição de jacarandá com sua gaveta.
Uma dita de vinhático de quatro palmos lisa com guarnição de jacarandá.
Uma arca de moscóvia de cinco palmos e duas fechaduras.
Um baú de moscóvia de seis palmos.
Uma caixa de vinhático lisa de quatro palmos sem guarnição.15”
Em 1795:
“Uma caixa de (com) vinhático pouco mais de sete palmos de comprimento coberta de moldura de jacarandá.
Uma arca de madeira de quatro palmos de comprido (e) fechadura.16”
Vê-se, por esses três exemplos, que havia uma perfeita distinção entre caixa e
arca, e constata-se a persistência de seu uso até o fim do século XVIII, com variações de
ornamentação e complementos, mas não na estrutura ou tamanho.
A foto (figura 13) mostra a caixa que atualmente é chamada arca. Essa
denominação, como já foi referido, faz parte da nomenclatura usada correntemente pelos
técnicos do Iphan. Assim, surgiram novas designações, e isso explica porque Carlos Ott17,
colaborador da instituição, ao se referir aos séculos XVIII e XIX18, concluiu que “não existiu
nem a terminologia portuguesa”. Não só se usou a denominação caixa, como caixão,
13 – Caixa, indevidamente
chamada arca. Data do século XVIII. Acervo do Mosteiro de São Bento.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
para designar tanto os protótipos das cômodas (figura 14) quanto, depois, os móveis das
sacristias, hoje chamados arcazes.
As caixas sempre estiveram presentes na casa baiana. Eram de modelos diversos e
tiveram as mais diferentes funções. Serviram para guardar a roupa, guardar farinha
e outros alimentos; papéis e livros, prataria, louça e dinheiro. Mesmo quando a
cômoda, a papeleira, o armário e o guarda-louças tomaram suas funções, as caixas
não desapareceram. Na primeira metade do século XVIII existiam, ainda, em Salvador,
muitos exemplares de caixas de castanho do Porto, e algumas de charão da Índia, como
eram chamadas, mas que se reputa serem inglesas.
Como eram de uso irrestrito, seguiam de perto o gosto popular e, para imitar
as caixas orientais, eram pintadas por dentro ou inteiramente com cores bastante vivas,
como se fazia no interior dos armários, dos oratórios ou nas vestimentas das imagens.
A caixa foi um móvel de uso corrente em Portugal e, nessa primeira metade do
século XVIII, muitas foram trazidas para a Bahia, transportando os pertences dos portugueses
transplantados para o Brasil. As caixas de estrutura de vinhático, com guarnições ou
molduras de jacarandá trabalhadas, com uma ou duas gavetas na parte inferior (figura
15), foram de uso corrente e constante em todo o transcorrer dos setecentos, bem como
aquelas lisas de vinhático ou de madeira branca, também com gavetas na parte inferior.
Seu comprimento variou entre três e sete palmos, entre 0,66m a 1,54m de largura.
A profundidade era de dois a quatro palmos19. Possuíam uma ou duas fechaduras mouriscas,
de ferro polido ou ferro estanhado, e pequenas fechaduras nas gavetas. Muito embora nos
outros móveis as fechaduras de ferro tivessem sido substituídas pelas de latão amarelo
ou dourado, na segunda metade dos setecentos, nas caixas, caixões, frasqueiras e cofres
continuaram a ser utilizadas até a segunda metade do século.
Os caixões de madeira branca ou de vinhático, mais altos e longos
que as caixas, serviam sobretudo para depósito de gêneros alimentícios,
especialmente para a farinha de mandioca. As caixas lisas de vinhático ou de
madeira branca também tiveram essa utilidade. A farinha, como alimento de
primeira necessidade naquele tempo, era “trancada” como os demais pertences.
Nas casas ricas ou pobres era guardada zelosamente, como se observa neste
exemplo sobre o móvel que pertenceu ao capitão Domingos da Costa Braga, “um
caixão comprido de vinhático e sua fechadura que serve de guardar farinha”20.
Saliente-se o artifício que utilizavam os mais pobres para salvaguardar a farinha
quando não possuíam recipiente com fechadura, como testemunha a descrição de “uma
caixa de farinha coberta de palha tapada de barro”21.
14 – Caixão protótipo da cômoda, resquícios
estruturais e ornamentais renascentistas, século
XVIII. Sacristia do Convento de Santa Clara do Desterro.
15 – Caixa com ornamento em losango e molduras de
jacarandá, século XVIII. Acervo do Convento de
Santa Clara do Desterro.
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M ó v e i s e m o b i l i á r i o
Encontra-se a designação de arca, para recipientes feitos em madeira, somente
na segunda metade do século XVIII. As caixas diferenciavam-se das arcas pela forma
do tampo. As primeiras apresentavam o tampo reto, apoiado diretamente sobre a parte
inferior, enquanto as arcas tinham o tampo ligeiramente abaulado, que se encaixava e
completava a altura da parte inferior do móvel (figura 16).
Os primeiros modelos de arcas, rasas ou altas, eram feitos em vinhático ou madeira
branca, raramente em jacarandá, com estrutura lisa, e tinham a altura aumentada por “pés
altos”, substituídos logo depois por “pés de grade”. Dispunham de uma ou duas gavetas na
parte inferior. As mais usadas, entretanto, foram as sem gavetas. Foi hábito pintá-las de
verde, azul ou vermelho (figura 17) e mesmo ornamentá-las, interiormente, com ramos de
flores (figura 18), como foi referido. No século XIX, passaram a ser envernizadas. Usaram-
se ainda nessas arcas fechaduras mouriscas ou fechaduras simples de ferro que foram
posteriormente substituídas pelas fechaduras de latão dourado.
Para guardar frascos de vidro utilizaram-se as frasqueiras. Estas possuíam a mesma
estrutura das caixas, porém, menores. Diferenciavam-se também no tampo, que, em lugar
de apoiar-se simplesmente sobre o recipiente maior, encaixava-se neste, completando-o
em altura, como nas arcas. Possuíam divisórias internas, próprias para acondicionar de seis
a dezoito frascos.
Na primeira metade do século XVIII, a grande maioria de frasqueiras era do Porto.
As peças vinham acondicionando vinho, vinagre, azeite e outros líquidos. Nessas frasqueiras
guardavam-se aguardente, vinagre, óleo, azeite, mel e vinho, por exemplo, como se vê no
inventário de José de Almeida, de 179522, que descreve “uma frasqueira de madeira grande
com quatorze frascos de vidro grosso e alguns com aguardente do Reino, vinagre, mel e
caldos”. Em fins do século XVIII, as frasqueiras tornaram-se menores e mais requintadas, e
os frascos rústicos foram substituídos por vidros simples ou lapidados, com frisos dourados,
em tamanhos diferentes. Acrescentaram-se copos e cálices para licores.
Os baús e arcas, cobertos de couro cru ou moscóvia23, foram usados também para
guardar roupas. Serviam, igualmente, para viagens. Para essa utilidade, entretanto, foi
especialmente utilizada a canastra de couro cru, que tinha o mesmo formato daquelas
ainda usadas no tempo presente.
Na primeira metade do século XVIII, sob a influência portuguesa, predominou o
uso do couro de moscóvia, trazido de Portugal, para cobrir as arcas e baús. Já em fins do
século, sob a influência dos ingleses, os baús eram cobertos com couro em cabelo e outros,
simplesmente, com couro curtido. Eram ornamentados com ferragens e pregaria dourada.
16 – Arca de pés altos, com puxadores de porcelana. Século XVIII. Convento de Santa Clara do Desterro.
18 – Arca com gavetas – interior pintado com motivos fitomorfos estilizados, em colorido popular. Século XVIII. Sede do Iphan-Cachoeira.
17 – Arca pintada com detalhes dourados, gavetas e pés altos. Acervo do Convento de Santa Clara do Desterro.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
Os cofres e baús, confeccionados em vinhático, eram chapeados por fora e por
dentro, com ferro ou latão, quase sempre com chave de “segredo”. Usados somente a partir
de fins do século XVIII e até meados do século seguinte, foram, aos poucos, substituídos por
cofres de ferro, chamados na época de “cofres de ferro coado”, ou seja, cofres já modelados
industrialmente.
Exemplares de quase todos esses “móveis” estavam ainda em uso em meados
dos oitocentos. Alguns já “muito antigos”, outros em “bom uso”. Decresceram em número
com o aparecimento de móveis com utilidade específica e especializada, como os guarda-
louças, guarda-comidas e outros, mas não desapareceram totalmente, sobretudo nas casas
mais simples.
Armários, guarda-roupas e guarda-louçasOs armários e guarda-roupas eram bastante raros nas casas baianas do primeiro
século em estudo. Eles desempenharam, ao lado das caixas e estantes, o papel de
guarda-louça, guarda-mantimentos, papéis, comida, etc. Acredita-se que, sob o ponto
de vista morfológico, os armários e guarda-roupas não tinham muita diferença entre si.
Encontraram-se, nos inventários, descrições idênticas para os dois tipos de móveis.
Como os guarda-roupas, a grande maioria dos armários era bastante simples,
até a segunda metade do século XVIII. Tinham duas portas no meio corpo superior, com
prateleiras internas, e uma ou duas gavetas por baixo. Feitos principalmente em vinhático
ou madeira branca, traziam pintura escura ou de cores vivas por dentro e por fora. Havia
também armários de dois corpos, com quatro portas, mas eram raríssimos.
Na primeira metade dos setecentos, os armários mais requintados eram guarnecidos
com almofadas de jacarandá. A partir de meados do século, alguns foram complementados
com arremates de talha na parte superior. Estes, por vezes, possuíam oratório conjugado,
no meio corpo superior.
Em fins desse século, os armários e guarda-roupas apareciam como complementação
das cômodas com dois corpos. A parte superior tinha duas portas e prateleiras internas e
a parte inferior era formada, como as cômodas, por gavetas e gavetões. Os mais comuns
dispunham de dois gavetões e duas gavetas. Nesse período usou-se também vedar
a parte superior com rótulas e começaram a aparecer os primeiros armários com
portas envidraçadas.
Outro modelo de armário que aparece comumente nos inventários, nas primeiras
décadas do século XIX, apresentava a parte superior envidraçada e a inferior fechada
com duas portas, dispondo de mais duas gavetas por baixo. Quase todos eram feitos de
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M ó v e i s e m o b i l i á r i o
vinhático. Nem sempre, entretanto, as portas superiores eram totalmente envidraçadas.
Infelizmente, são raros os exemplares sobreviventes desses móveis de guardar.
O guarda-louças aparece somente no final do século XVIII. O modelo mais comum
desse móvel possuía duas portas superiores envidraçadas, com estantes de exposição, ou
com meio vidro e duas portas por baixo, com compartimentos internos e gavetas. Bem
parecidos com os armários do período, os guarda-louças não variaram muito quanto à
forma, durante a primeira metade do século XIX, e o vidro foi sempre uma constante até
meados do século.
Os guarda-vestidos eram praticamente inexistentes no período estudado. Em seu
lugar utilizavam-se cômodas, caixas, guarda-roupas, papeleiras e cabides altos de um pé,
com vários suportes, ou cabides de parede. Nesses cabides penduravam-se os vestidos
masculinos e femininos, pouco numerosos, protegidos por guarda-pós.
A partir de meados do século XIX, os móveis destinados “a guardar” multiplicaram-
se. Além dos que já eram usados comumente, apareceram mais guarda-vestidos, aparadores
e cantoneiras com portas envidraçadas, guarda-comidas, quartinheiras, mesinhas de
costura, entre outros.
Caixões grandes e cômodasAs cômodas aparecem em Salvador, com uso corrente, somente a partir da
segunda metade do século XVIII. Tinham sido utilizadas anteriormente, mas em número
muito restrito. Foram substituídas, nesse primeiro período, pelas caixas e guarda-roupas.
Utilizou-se, entretanto, durante a primeira metade do século, um móvel equivalente
à cômoda, o “caixão grande [...] de vinhático com suas molduras de jacarandá com quatro
gavetas e dois gavetões”24, variando entre cinco e sete palmos de comprimento. Por sua
aparência, semelhante à cômoda, foi algumas vezes confundido com esta pelos avaliadores
da época, e, nos inventários, aparece ora como caixão com gavetas, ora como cômoda.
Esses caixões tinham, no entanto, uma função específica: a de servir de pé para
os oratórios e, quando fosse o caso, guardar os ornamentos de “dizer missa” e acessórios.
Os mais ricos eram dotados de molduras de jacarandá, à maneira das caixas, e tinham a
aparência de um pequeno arcaz de sacristia. Os mais simples apresentavam linhas retas, com
o mesmo número de gavetas. Eram confeccionados em madeira branca e pintados de escuro.
As poucas cômodas da primeira metade do século XVIII eram de jacarandá,
vinhático ou madeira branca, ou estruturadas em vinhático e guarnecidas de almofadas de
jacarandá. Tratava-se de modelo usado no século XVII, que permaneceu no século seguinte.
Em geral, eram mais altas e dispunham de maior número de gavetas que os caixões –
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M o b i l i á r i o b a i a n o
oito pequenas gavetas – (figura 19), mas também exibiam ornamentação com “gomos” e
fechaduras mouriscas pequenas.
Com a moda dos móveis de “volta”, de influência francesa, no fim da primeira
metade dos setecentos, as cômodas, assim como os demais móveis, ganharam puxadores
e fechaduras de latão dourado e, por volta de 1770-1780, receberam a ornamentação de
trabalhos em marchetaria e talha. Chegava-se ao segundo barroco.
O número usual de repartições era de dois gavetões e uma gaveta “divididas”25,
formando um perfil arqueado pela frente – daí serem chamadas de cômodas com “gavetas de
volta”–, mas havia variações quanto ao número de gavetas e formatos. O modelo foi usado
tanto com elementos decorativos barrocos quanto rococós (figura 20). Confeccionados em
jacarandá ou vinhático, os móveis apoiavam-se sobre pés curvos e mediam, normalmente,
seis palmos de comprimento. São as cômodas hoje chamadas “D. João V”, as barrocas, ou
“D. José I”, as rococós.
Um bom número dessas cômodas acumulava dupla função: a de guarda-roupa e
a de suporte de oratório (figura 21). Esse uso, que começou com os caixões, tipo cômoda,
continuou por todo o século XVIII, estendendo-se aos oitocentos. Embora os oratórios
e as cômodas não constituíssem um móvel único, eram executados com a mesma
característica ornamental:
“Um oratório de jacarandá com seus embutidos e remate de talha pintado e dourado por dentro e nele uma imagem do Senhor Crucificado de marfim de mais de palmo de vulto em cruz e calvário de ébano, outra da Senhora da Conceição, outra do Senhor Deus ambas de madeira, estimado tudo e avaliado juntamente com uma cômoda também de jacarandá com embutidos gaveta de volta que lhe serve de pé [...]26.”
O Museu do Estado da Bahia possui um exemplar desse conjunto, no qual o suporte
é uma cômoda (figura 22). Originariamente não formavam conjunto.
O uso de trabalhos de marchetaria nas cômodas foi bastante corrente, principalmente
no modelo seguinte, de gavetas lisas e apenas com “pés de volta”, com igual número de
gavetas. Algumas foram executadas em jacarandá e marchetadas com madeiras coloridas,
como pequiá, sebastião-de-arruda e cedro; outras foram confeccionadas em sebastião-
de-arruda e marchetadas com pequiá, ou em pequiá com aplicações de jacarandá, etc. O
jacarandá já não era a madeira exclusiva, e as madeiras claras o substituíam largamente.
Essas cômodas logo estariam estragadas, como os demais móveis desse tipo,
o que justificaria não terem chegado exemplares até o presente. Foram perdendo a
ornamentação e sendo colocadas fora de uso, como o modelo descrito em 1834: “uma
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M ó v e i s e m o b i l i á r i o
20 – Cômoda com gavetas de volta, século XVIII, ornamentação inferior rococó. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.
21 – Cômoda como suporte de oratório, conjunto composto de dois móveis de estilos diversos, século XIX. Acervo do Mosteiro de São Bento.
19 – Caixão (cômoda) em vinhático e jacarandá, remanescentes renascentistas, século XVIII. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.
22 – Meia-cômoda e oratório com trabalho de marchetaria, século XVIII, estilo rococó. Acervo do Museu do Estado da Bahia.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
cômoda de jacarandá embutida com três gavetões e duas gavetas sem chaves e muito
usada e os embutidos desunidos”27.
A preferência pelas cômodas de gavetas lisas e “pés de volta” foi dividida, no fim
do século XVIII, com as meias-cômodas, com um ou dois gavetões e duas pequenas gavetas
superiores (figura 23). Essas meias-cômodas receberam a mesma ornamentação que
aquelas com três gavetões, todas tendentes ao rococó. Apareceram, igualmente, meias-
cômodas com gavetas de “volta” ou com gavetas lisas, com “pés de volta” e trabalhos
de marchetaria. Nesse período, o número de cômodas aumentou consideravelmente. Elas
passaram a ser usadas nas casas, aos pares, principalmente as meias-cômodas.
Após a abertura dos portos, junto com as cadeiras de “pau amarelo”, entraram
em Salvador as cômodas americanas. Logo esse móvel foi copiado pelos marceneiros, –
desde os pés em peanha recortada simples, os quatro gavetões de volta seccionados por
chanfrados, dividindo-os aparentemente no sentido vertical –, até os puxadores.
A essa cômoda acrescentaram-se, igualmente, os pés em peanha curvos e
entalhados, aos quais ligavam-se colunas laterais entalhadas, com gavetas também
chanfradas e com a mesma complementação de metal dourado (figura 24). Esse modelo,
com gaveta de “volta” mas sem chanfraduras, já havia aparecido na segunda metade do
século XVIII nas papeleiras. Não se encontrou nenhum dado descritivo que indicasse que
as cômodas de colunas entalhadas fossem usadas simultaneamente com as papeleiras. Os
dados mostram-nas somente entre 1820 e 1850.
As colunas entalhadas foram aos poucos substituídas por pilastras estriadas e,
nesse novo modelo, as peças ganharam a designação, na época – isto é, a partir de 1830 –,
de cômodas de “coluna”, caracterizando modelos neoclássicos (figura 25).
Ao lado das cômodas tipo americana28, foram usadas outras bastante simples, com
gavetas lisas sobre pés recortados, algumas das quais tinham tampo de pedra mármore e
puxadores de madeira, presentes no modelo de coluna mostrado acima.
Os aparelhos dourados não desapareceram totalmente com a introdução dos
puxadores de madeira, apenas se tornaram mais simples, sem os “bordados” dos anteriores.
A partir do princípio do século XIX, essas cômodas foram executadas em outras
madeiras além do vinhático e do jacarandá, ou seja, em conduru, madeira do norte,
putumuju e outras. Também nesse período aparecem muitas cômodas construídas com
madeiras folheadas, bem como envernizadas.
Os dois modelos de cômoda – lisa e com colunas estriadas – eram ainda
executados e utilizados em 1840. Exemplos dessas cômodas constam do inventário dos
bens do marceneiro capitão Dionísio Ferreira de Santana, na sua loja na Ladeira da Praça29.
M ó v e i s e m o b i l i á r i o
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23 –Meia-cômoda século XVIII, estilo rococó, modelo de luxo. Acervo do Museu do Estado da Bahia.
24 – Cômoda com pés de peanha, colunas entalhadas, gavetas chanfradas, influência americana, com influências barroco-rococós, século XVIII. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.
25 – Cômoda com colunas estriadas, século XIX, modelo neoclássico. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
M ó v e i s d e t r a b a l H o
Contadores Esses móveis, precursores das papeleiras, datam do século XVII, mas foram ainda
utilizados em Salvador nas primeiras décadas do século XVIII. Seu uso prolongou-se até
meados do século.
Havia, no princípio desse século, vários tipos de contadores: com múltiplas
gavetinhas (figura 26), “com feição” de múltiplas gavetas (ver figura 10), ou com duas
portas e repartições internas e gavetas por baixo.
O primeiro tipo, isto é, o de múltiplas gavetinhas, foi o mais comumente usado.
Aparecia sempre aos pares, com o número de gavetinhas variando de seis a dezessete ou
dezoito. Os dois últimos tipos possuíam gavetinhas e gavetas um pouco maiores. Todos
eles eram ornamentados com fechaduras e espelhos ou “escudos” de ferro estanhado ou de
prata, com recortes à maneira mourisca.
Apoiavam-se sobre pés altos, torneados com “rendas” na altura da união do
compartimento das gavetinhas com os pés. Esse modelo vigorou até perto de 1745, pois
exibe a mistura dos dois tipos de barroco setecentista, com ornamentos torneados e
entalhados, contrastando com a parte superior, esta de aparência renascentista. É um dos
móveis híbridos mais chamativos de origem ibérica usados na Bahia (figura 27).
Não foram numerosos, mas havia contadores procedentes da Índia,
distinguíveis pela presença do revestimento em charão ou marchetaria de marfim,
além dos acharoados da Inglaterra. Esses contadores importados tiveram maior uso
no século XVII, mas algumas peças similares foram executadas em Salvador nas
primeiras décadas do século seguinte, pois os últimos exemplares só desapareceram
nos inventários, quase completamente, já nos oitocentos.
A presença dessas peças em Salvador foi testemunhada por Frei Manoel de
Santa Inês. Em Carta Pastoral de 9 de junho de 1764, ele protestava contra a vaidade
das religiosas do Convento de Santa Clara do Desterro, que, entre outros objetos de
luxo, ornavam suas celas com móveis desse gênero, proibindo-as de usar ouro, prata
e diamantes e orientando-as a se desfazer das papeleiras ricas, contadores e “outros
trastes próprios de seculares e que só se use no Convento do que convém ao estado
de pessoas pobres”30.
26 – Contador com múltiplas gavetas, séculos XVII/XVIII. Sede do Iphan-
Cachoeira.
27 - Saia do contador, ligando o corpo superior com as pernas, século XVIII. Estilo híbrido, pernas e travessas do primeiro barroco, saia do segundo barroco. A parte superior provavelmente foi restaurada, especialmente as molduras com madeira de cor diversa. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.
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M ó v e i s e m o b i l i á r i o
PapeleirasAs papeleiras, de modo geral, apareceram nos mesmos
modelos das cômodas. Os primeiros exemplares desse móvel
surgiram na primeira metade do século XVIII.
Antes de se adaptarem às “cômodas ou
armários”, eram chamadas “papeleiras de meio corpo”.
Estas eram colocadas sobre uma mesa ou apoiadas em pés
altos. As papeleiras mais ricas possuíam molduras de jacarandá,
com fechaduras mouriscas de ferro.
O modelo seguinte, que apareceu ainda na primeira
metade do século, tinha dois corpos ou corpo inteiro (figura 28).
Em raríssimas peças, na Bahia, apresentava oratório conjugado
na parte superior, como se observa no exemplar do Museu da
Casa Brasileira.
As papeleiras mais comuns, de corpo inteiro, possuíam no meio corpo inferior
dois gavetões e duas gavetas, à maneira das cômodas; em algumas, as gavetas eram
substituídas por portas. No meio corpo superior possuíam repartimentos e gavetinhas, e
não eram raras as papeleiras com segredo ou compartimento seguro para guardar peças
ou documentos importantes.
Dois tipos essenciais de papeleira foram usados durante a segunda metade do
século. O primeiro, que apareceu um pouco antes, tinha gaveta de “volta” e o segundo, pés
e colunas laterais entalhados, em modelo idêntico ao das cômodas.
Para a execução desse último modelo, o “Regimento dos marceneiros”, de 1785,
previa que os oficiais deviam cobrar “por cada papeleira lisa de volta, pilares entalhados,
com quatro gavetas, três inteiras, e uma partida, cinqüenta mil réis, e daí para cima, a
convenção das partes”31. O luxo e a escassez desse móvel na casa baiana são explicados por
seu preço, mais alto que o de dois escravos.
Encontravam-se, em Salvador, papeleiras com gavetas lisas e arremates de talha,
mas o modelo preferido foi o de gaveta de volta simples, que ainda estava em uso por volta
de 1830. Todos os exemplares encontrados, porém, já eram considerados “muito antigos”
ou “muito usados”.
As papeleiras tiveram o uso restrito à segunda metade do século XVIII e, antes
do século terminar, foram substituídas pelas carteiras. Nesse período, surgiram raros
exemplares com o meio corpo superior formando um armário, com portas envidraçadas.
Eram peças luxuosas, pouco comuns.
28 – Papeleira de dois corpos, cômoda e escrivaninha. Acervo do Convento de Santo Antônio de Cairu/BA.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
CarteirasAs primeiras carteiras que aparecem nos inventários, no fim do século XVIII,
provinham da Inglaterra ou da Índia. Como as primeiras papeleiras, eram pequenas,
colocadas em cima de mesa ou banca.
Logo, entretanto, foram adaptadas a “pés de grade” ou, mais raramente, aos “pés
de volta”. Diferenciavam-se pouco, no meio corpo superior, das papeleiras. As divisões
internas tornaram-se maiores e menos numerosas. Eram de fácil transporte. Existiram
também as carteiras de mão ou portáteis e transportáveis. Como aconteceu com as mesas
de abrir, algumas carteiras foram forradas internamente com pano verde.
A esse modelo de carteira adaptaram-se os mochos – um ou dois –, feitos de
vinhático com assento de palhinha ou madeira. Infelizmente, não se encontrou nas coleções
nenhum exemplar que pudesse dar melhor idéia da forma desse móvel.
As carteiras, com “pés de grade”, foram bastante utilizadas no final dos setecentos
e princípio dos oitocentos. Ao lado destas, no século XIX, apareciam as secretárias “com dois
gavetões e mais arranjos com a peça de cima envidraçada”32. Para os meados do século XIX,
acrescentaram-se abas pelos lados da carteira com “pé de grade”, que ainda estava em uso.
M ó v e i s d e d e s c a n s o
Leitos, camas, catres e preguiceirosO móvel essencial para descanso era denominado leito ou cama. Leito era a
designação dada, em geral, ao móvel mais luxuoso e de maiores proporções. Pela consulta
feita nos inventários, notou-se que em Salvador dava-se o nome de leito àqueles móveis
providos de balaústres e cortinado, enquanto os que não possuíam esses acessórios eram
denominados catre ou cama. Nos documentos citados, porém, a distinção entre as duas
designações não é muito clara. Parece, sobretudo, que se utilizava a palavra leito para
designar o estrado e a palavra cama para designar o conjunto de estrado, cabeceira e pés.
Entretanto, na primeira metade do século XVIII, todos esses móveis eram chamados leitos,
indistintamente, com exceção das camas pequenas ou catres.
A palavra catre, no século XVII, em Portugal, designava o “leito pequeno, o leito
de campo ou camilha dobradiça, mas também o leito de coluna não suficientemente alta
para suportar dossel”, segundo Nascimento33. Em Salvador serviu, especificamente, para
designar camas pobres. A partir de meados do século XVIII, usou-se mais correntemente a
palavra cama.
O leito grande era pouco freqüente nas alcovas das residências baianas. Foi, muitas
vezes, substituído pelo estrado, pela esteira, de influência indígena ou, simplesmente, por
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M ó v e i s e m o b i l i á r i o
colchões, preguiceiros, marquesas, redes e mesmo bancos e arquibancos (figura 29), como
o exemplo do “arquibanco grande de madeira branca pintado com assento largo que serve
de cama e nele duas caixas com fechaduras, de 1783”34.
29 - Leito. Estilo híbrido conjugando os dois estilos barrocos com torneados, retorcidos, pés de volta e talha. Acervo do Museu de Arte da Bahia.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
Nascimento35 notificou que os
“ [...] árabes deixaram enraizados certos costumes como, por exemplo, o do estrado que passou a ser colocado nos cantos dos aposentos, junto das paredes revestidas de couro até certa altura. Sobre o estrado, as mulheres trabalhavam durante o dia; à noite armavam ali a cama”.
A rede indígena teve grande aceitação durante muito tempo, mas a rede de
algodão, com varandas rendadas, praticamente havia desaparecido no século XVIII, em
Salvador, fato comprovado pelo número escasso encontrado nos inventários. A rede deu
lugar aos estrados acima citados, sem a presença da cobertura de couro.
O trabalho da confecção do leito, ou cama, cabia mais aos ensambladores e
entalhadores que aos marceneiros e, na primeira metade do século XVIII, aos marceneiros/
torneiros. Os primeiros, em Salvador, realizavam todas as tarefas, menos os entalhes.
Devido à finalidade a que servia, o leito foi sempre confeccionado com madeiras
resistentes, sendo preferido, especialmente, o jacarandá para as cabeceiras, pés e demais
ornamentos. Já no lastro eram utilizadas madeiras de qualidade inferior, mas resistentes
e próprias para evitar insetos, como peroba e madeira branca, sob a forma de tábuas em
prancha ou tabuletas.
No “Rol de dote que fez Francisco Gonçalves Vilaça a sua filha e herdeira Mariana
da Silva”36, em 1706, encontrou-se:
“Uma morada de casas térreas de pedra em preço de mil cruzados ................ 400$000
Uma negra e um negro ................................................................................................ 48$000
Um leito torneado de cortina por dez mil réis ...................................................... 10$000
Um cortinado de pano de linho fino aberto de renda e franja toda a roda ..... 20$000
Um colchão e quatro travesseiros tudo cheio de lã com duas arrobas e oito varas de pano para o dito colchão e almofadas .............................................................. 14$000
Seis lençóis com quarenta e duas varas de pano ................................................. 13$440
Um cobertor de papa de marca grande azul com uma colcha da Índia acolchoada com sua franja a roda e bolotas .............................................................................. 16$000
Uma caixa de vinhático de oito palmos com guarnições de jacarandá, seus
pés e chapas e fechadura por preço ........................................................................ 12$000
Um tacho de cobre de quatro libras ......................................................................... 1$280”
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M ó v e i s e m o b i l i á r i o
Por esse “Rol de dote”, de princípios do século XVIII, nota-se que o modelo de leito
torneado com cortinado já vinha do século anterior, tendo sido também típico da Península
Ibérica. Persistiu em uso até os meados daquele mesmo século.
Havia dois modelos essencialmente barrocos desse leito: um com torneados e
torcidos e outro com torneados (figura 30) e cabeceira de talha, arrematada por pequenas
pontas também torneadas37, ambas com colunas ou balaústres torcidos à maneira da coluna
salomônica, formando as bases para o cortinado. Os torcidos ou retorcidos foram chamados,
no fim dos setecentos, de “roscas”. Ambos os modelos são barrocos, apresentando-se o
último como exemplar da transição do primeiro para o segundo momento do estilo desse
mesmo nome.
30 – Berço, século XIX, feito em série, estilo eclético. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
Como complementação do ornato, apareciam os cortinados de cetim listrado
de encarnado e branco ou riscadilho, também chamado riscado, ou xadrez, de damasco
carmesim com franja e borlas de ouro ou de retrós, de ló verde ou chita da índia. Em outros
leitos, além do pavilhão utilizaram-se ainda colchas da Índia com lavores de folhagens de
cores, sobre carmesim de tafetá cor de ouro, com franjas e borlas de retrós, e colchas de
damasco carmesim forradas de tafetá amarelo. Cada leito dispunha de um ou dois colchões
de lã do Reino ou de capim ou mato da Costa da Guiné, cobertos com pano riscado, dois
travesseiros e duas almofadinhas.
Os leitos desse gênero não eram numerosos, como, aliás, os móveis para dormir
em geral. Deve-se lembrar como fator de redução do número de leitos, sobreviventes em
museus, o costume de jogar fora ou queimar as peças cujo usuário tivesse morrido de
doença contagiosa. Os berços foram menos numerosos ainda. O Museu Carlos Costa Pinto
tem um exemplar, entretanto, já datado do século XIX.
Ao lado desses leitos, existiam os catres e preguiceiros torneados, cujo uso foi
cronologicamente mais longo que o dos leitos grandes.
Os preguiceiros, ou “espreguiceiros”, eram do mesmo feitio do catre, porém mais
estreitos e sem prolongamento dos pés acima do leito. Tiveram largo uso, desde o princípio
do século XVIII, e acompanharam algumas modas posteriores, como a do “leito torneado”,
até a marquesa tomar-lhe o lugar.
Destinados às sestas dos chefes de família, eram colocados na sala nobre das casas
de residência e tinham as mesmas funções que, posteriormente, caberiam aos canapés,
sofás e marquesas, isto é, uma complementação dos móveis de assento.
Também nesse caso, o jacarandá foi a madeira preferida. Sobre a armação dessa
madeira pregava-se o couro ou sola picada, ou couro liso, que servia de lastro, com pregaria
“grossa” ou “miúda”. Os exemplares do princípio do século tinham a cabeceira coberta de
couro, com pés torneados, ou simplesmente eram rasos, sem cabeceira.
Com a sociedade baiana já estruturada, no século XVIII, o luxo foi a tônica do
período. Isso teve como efeito, além das largas importações de móveis, uma transformação
nos modelos dos leitos produzidos em Portugal e que, naturalmente, passaram a ser
apreciados no Brasil: os leitos inteiramente entalhados.
No princípio da segunda metade do século XVIII, quando o leito de jacarandá, com
meias-canas e cabeceira lavrada, era o “feitio da moda”, já se considerava o leito torneado
ou retorcido de “moda antiga”, embora muitos deles estivessem ainda em pleno uso.
Nas camas de cabeceira entalhada, usou-se, ainda, o cortinado. Este, porém,
foi aos poucos caindo em desuso e os balaústres (figura 31), que serviam de suporte ao
31 – Cama com balaústres e cabeceira rococó,
detalhes neoclássicos. Sede do Iphan-Cachoeira.
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M ó v e i s e m o b i l i á r i o
mesmo, começaram a se atrofiar, formando o que se denominou na época meias-canas ou
telha (figura 32). O móvel pode ser perfeitamente datado, pois consta do “Regimento dos
marceneiros”, de 178538, que estabelecia:
“Por uma cama de jacarandá, chamada de telha, com cabeceiras entalhadas, e
cobertas para estufar ................................................................................................. 8$000
E sendo de vinhático com cabeceira lisa ........................................................... 6$400 rs
E as demais obras serão feitas a convenção das partes elevando por mais dos preços taxados pagará 6$000 rs de condenação, e 30 (dias) de cadeia.”
32 – Cama de telha. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
Em 1772, encontrou-se a seguinte descrição: “uma cama de jacarandá feitio a
moderna lisa e o arremate da cabeceira de talha em bom uso”39. Parece que as camas
com cabeceira totalmente entalhada, com ou sem almofadas, e as de cabeceira lisa com
arremate de talha coexistiram na Cidade do Salvador, tendo a primeira antecedido, com
pouca margem de tempo, à segunda.
Como aconteceu com as cadeiras e as mesas, logo se adaptaram os chamados pés
de burro às pernas das camas e preguiceiros. Esse tipo de pé apareceu com mais freqüência
nas camas e preguiceiros cujas cabeceiras eram lisas e apenas completadas com arremate
em talha. O modelo era ainda usado no final do século XVIII. Infelizmente, nenhum móvel
desse gênero, e com o destaque dos pés, foi encontrado.
O mesmo “Regimento dos marceneiros” estabelecia também preço para os
preguiceiros: “por um preguiceiro ordinário com pés de cabra ou de burro, com cabeceira
de talha” deviam cobrar 6$400 réis, que era um preço bastante elevado então.
Os preguiceiros, de maneira geral, e os meios-preguiceiros (figura 33) seguiam os
mesmos modelos das camas ou das cadeiras. Foram, com as camas, os primeiros móveis
a receber douramento, à maneira do que se praticou nas talhas dos templos, na segunda
metade do setecentos. Antes que o século terminasse, encontrou-se o “preguiceiro de
jacarandá de pé de burro cabeceira lisa remate de talha dourada em partes e o leito
de tabua”40.
Por volta de 1770, ao lado dessas camas já descritas, começaram a ter largo uso as
chamadas camas-de-vento (figura 34). Pinto e Nascimento41 as definiram como camas cujos
colchões de couro eram cheios de ar, sendo também chamadas camas inglesas, indicando
a origem da influência. Alguns exemplares apareceram em Salvador na primeira metade
do século, mas eram bem raros. Não se diferenciava muito, quanto à forma, da cama de
campanha que, cronologicamente, a seguiu. Ambas possuíam o lastro de lona ou de couro
– enquanto em Portugal a primeira era de couro –, varais e cabeceira talhada de madeira,
pernas em tesoura, como em Salvador, mais leves, de leito dobradiço e desmontável e de
fácil transporte. Quase todas, invariavelmente, eram de estilo rococó.
A Bahia exportou esse tipo de cama para o resto do Brasil e para outras regiões da
América castelhana. Viu-se, por exemplo, que em 1797 cinco exemplares foram enviados
para a região do Prata.
Ainda em 1806 encontra-se referência a “uma cama de jacarandá ‘moderna’ sem
armação, com suas talhas e lastro de taboas”42 e que foi de uso corrente ainda por volta
de 1830. E, em 1808, mencionava-se “uma cama de jacarandá ‘moderna’ com seu remate
de talha lugar de almofada e lastro de taboas em bom uso”43. Usou-se proteger essas
33 – Meio-preguiceiro, século XVIII-XIX, recortes
rococós. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.
34 – Cama de vento, jacarandá, século XVIII, barroco-rococó híbrido.
Acervo do Museu de Arte Sacra da UFBa.
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M ó v e i s e m o b i l i á r i o
camas com guarda-pó, em geral de damasco, e rodapés do mesmo tecido, guarnecidos com
franjas e borlas de retrós.
Os preguiceiros começaram a rarear já no fim do século XVIII, época em que
apareceram as marquesas ou canapés, que os substituíram. Lembre-se, também, que o
canapé surgiu não só como complemento das cadeiras, mas como substituto do preguiceiro.
Quando o trabalho de marchetaria entrou em moda em Portugal, em Salvador
ainda estavam em uso as camas e outros móveis de “volta” e “talha”, hoje conhecidos
largamente no Brasil, como o já referido estilo D. João V. Foi nesses móveis que, nos espaços
lisos, cercados de talhas, aplicaram-se os primeiros “embutidos”, como verificou-se com as
cômodas. Aplicaram-se, sobretudo, motivos vegetais e geométricos, feitos com madeiras
de diferentes colorações sobre pequiá ou sobre jacarandá.
Somente no início do século XIX começaram a ser feitos, em Salvador, os modelos
de Portugal em que se desenvolvera a marchetaria. As talhas das camas anteriores
desapareceram quase completamente, confinando-se, de maneira mínima, aos arremates
dos contornos e às pernas, com um recorte ainda rococó. Na cabeceira lisa aplicava-se o
trabalho de marchetaria que, tendo um grande espaço para se desenvolver, aparecia em
composição múltipla e delicada. Madeira branca e diminuição dos volumes marcaram,
dessa forma, a passagem para o neoclássico.
A partir de 1830 as camas simplificaram-se. Executadas em outras madeiras
– vinhático, madeira do norte, conduru e pequiá –, suas cabeceiras e pernas tornaram-
se menos trabalhadas. Algumas apresentavam trabalhos de marchetaria
emoldurando a cabeceira, mas as camas sem ornamentação foram as mais
vulgarizadas. A esse modelo acrescentaram-se, por vezes, colunas estriadas,
formando balaústres para cortinados, que voltaram a ser usados, embora muito
raramente. É o modelo neoclássico propriamente dito. Nesses móveis, bem como
nos seguintes, na maior parte das vezes o pequiá substituiu a pintura branca
ou, quando executados em madeira escura, eram envernizados. Tratava-se já de
móvel eclético, feito em série e integrado a um conjunto de mobília (figura 35).
Na época que limita este estudo, começaram a aparecer as primeiras
camas denominadas “francesas”. Algumas eram simples, sendo raras as
luxuosas, como a “cama francesa de pau cetim bordada com lastro de palhinha
com cúpula e cortinado de cana”. Esse exemplo foi o mais rico, encontrado
na época, cujo móvel pertencia ao reverendo cônego provisor João Pereira
Ramos, que morava na rua do Maciel de Baixo, Freguesia da Sé, na época de
seu falecimento, em 185944.
35 - Cama com ornamentação eclética, século XIX, feita em série. Acervo do Museu de Arte Sacra.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
Cadeiras, tamboretes, canapés e sofásA função social dos móveis de assento ligava-se à antiga instituição portuguesa45
e foi transferida para o Brasil. A questão do “lugar” a ser ocupado nas funções públicas,
principalmente, foi sempre causa de atritos. Aos cargos ocupados, ou classe social, ligava-
se intimamente a qualidade e forma dos móveis de descanso, constituindo-se um privilégio
das pessoas mais consideradas.
Uma Provisão do Senado, de 6 de novembro de 1685, mostra a importância dos
móveis de assento nas ocasiões festivas, seguindo o “estilo” do Porto46. Argumentava um
representante dos oficiais mecânicos:
“que este Senado lhe tem ordenado vocalmente que nas ocasiões em que se puserem cadeiras de espaldas e bancos dos mesteres para se ouvirem os sermões nas igrejas desta cidade, se afaste o banco de ditas cadeiras dois palmos para baixo, e um palmo para trás para haver separação manifesta entre estes e os ditos mesteres e afastando o suplicante dito banco dos mesteres somente para baixo ditos dois palmos, toma o mester Luís Ribeiro motivo para dizer não é ordem deste Senado a forma da separação entre ditas cadeiras e bancos senão disposição do suplicante e porque neste parecer não ordenam V. Mercês siga o suplicante o estilo que se observa na Cidade do Porto que está registrado nos Livros deste Senado que declara o lugar certo em que se hão de pôr os assentos dos ditos mesteres, senão outro muito diverso, que é o que observa o suplicante, e ainda ai não se dá por satisfeito dito mester: pede a V. Mercês lhe façam mercê declarar a última forma, que deve seguir ele suplicante neste particular dos bancos e cadeiras para o tempo futuro e Receberá Mercê.”
Ainda no século XIX, observava-se esse preceito, como se pode verificar nas
gravuras deixadas pelos viajantes e cronistas que visitaram o Brasil.
Na ocasião da visita de D. Pedro II à Bahia, arrumou-se um pavilhão no Arsenal da
Marinha e, dentro deste, ao fundo, foram colocados:
“sob um pequeno estrado alcatifado de verde [...] três cadeiras de braços com espaldares, de rica obra de talha, as quais eram seguidas de um e outro lado de uma bancada de jacarandá com assentos de palhinha.47”
Ainda nessa época destinavam-se as cadeiras de braços e encosto alto para as
pessoas mais graduadas, no caso, especialmente para o Imperador.
Mesmo na vida doméstica havia nítida separação na utilização dos móveis, apesar
das diferenciações estilísticas que atravessaram o tempo. Indubitavelmente, os assentos
domésticos eram destinados aos brancos, e o chão, coberto de esteiras, aos escravos.
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M ó v e i s e m o b i l i á r i o
Em princípios do século XVIII, as cadeiras eram chamadas de tamboretes,
com algumas exceções. Pinto e Nascimento48 referem-se a tamboretes como cadeiras
desprovidas de braços e espaldas ou encosto. Tradução literal do francês tambouret ou
tabouret, o termo teria sido usado em Portugal a partir do século XVIII, designando o que
antes se chamava cadeira rasa. Os autores consideram o termo cadeira rasa sinônimo de
cadeira chã. Entende-se, entretanto, que a palavra chã não significa rasa, mas algo comum
ou ordinário.
Em Salvador, chamava-se tamborete ao assento sem braços, como aparece no
exemplo “tamborete de encosto baixo de couro”. Era diverso de tamborete raso (figura 36)
ou cadeira rasa – usou-se uma e outra forma –, distinguindo-se igualmente das cadeiras
de encosto alto de couro ou de espaldas.
As Posturas do Senado da Câmara faziam essa distinção:
“Os correeiros venderão os couros de um assento e espalda lavrada de uma cadeira por mil réis, e sendo sem lavor seis tostões; os couros lavrados de um tamborete oitocentos réis, o assento de uma cadeira rasa sendo lavrada quinhentos réis – de um tamborete quatrocentos réis e sendo em baús três tostões – por cada couro de pregar uma cadeira de espaldas, ou tamborete cento e vinte réis, e sendo rasos três vinténs, e de forrar seis vinténs, e o que levar mais pagará de pena seis mil réis49.”
Essa nomenclatura foi usada até a segunda metade do século, quando se começou
a confundir cadeira de couro com encosto baixo com os tamboretes desse gênero. A
designação de tamborete raso permaneceu, no entanto, até o fim do século, época em que
se passou a chamá-lo de cadeira rasa.
36 – Tamboretes: do lado direito, estilo do primeiro barroco; à esquerda, estilo rococó; ambos do século XVIII. Acervo do Museu do Estado da Bahia.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
Com o aparecimento da palhinha, os assentos ganharam
a designação genérica de cadeiras, diferenciando-se apenas pelos
complementos: rasa, de braços, sofás ou simplesmente cadeiras.
O número desses móveis era diminuto nas casas baianas da
primeira metade do século XVIII. À medida que transcorria o século,
foi aumentando de seis para doze, ou mais, para atingir, em meados do
século XIX, o número de trinta e seis ou quarenta e oito cadeiras num só
aposento, a sala.
Nos setecentos, não eram raras as casas que não dispunham de
tamboretes e cadeiras. Utilizavam-se como assento esteiras ou estrados. Nas casas menos
abastadas apareciam três ou quatro tamboretes chamados “de pau”, isto é, em madeira
branca comum. Já se fez referência, anteriormente, aos estrados. Os que se usavam em
Salvador não parecem ter sido muito ricos. Eram confeccionados com madeira branca,
grandes ou pequenos, sem ornamentação ou alcatifa. Só em fins dos setecentos os estrados
receberam pés, chamados de pés altos, diferenciando-se dos primeiros, baixos, com pés
toscos ou sem eles.
Dos assentos coletivos, foram mais comuns os bancos rasos, alguns dos quais com
encosto alto. Também os arquibancos apareceram na segunda metade do século XVIII. Os
tamboretes, com dois ou três assentos conjugados (figura 37), foram bastante raros entre
os móveis baianos, segundo os inventários.
Na primeira metade dos setecentos usaram-se, sobretudo, cadeiras de encosto alto
(figura 38), algumas com braços, e tamboretes de encosto baixo e rasos, todos cobertos de
couro e tacheados com pregaria esférica grossa e miúda, ou somente grossa e dourada. As
madeiras preferidas eram o jacarandá e o vinhático.
As cadeiras apresentavam o feitio das que apareceram em Portugal no século
anterior, persistindo na Bahia, até meados dos setecentos, o uso de modelo simples e de fácil
produção e vulgarização (figura 39). De linhas retas, com seção quadrada ou retangular,
tinham travessas igualmente retas. O assento e o encosto eram de couro lavrado ou liso
e comum. Normalmente utilizou-se o couro sem lavor algum. A ornamentação lavrada,
quando aparecia, resumia-se a estilizações de folhagens de acanto e flores em composição
múltipla, entrelaçada, de toque barroco, ou com motivos geométricos.
O modelo foi modificado pouco antes de meados do século, mas o material de
revestimento persistiu, como se pode verificar pelo “Regimento de correeiros”, de 1785,
quase idêntico ao de 1672, transcrito anteriormente, com a alteração das taxas, que
diminuíram, e a inclusão da pena de cadeia:
37 – Tamborete duplo, século XVIII. Acervo do
Museu Carlos Costa Pinto.
38 – Cadeira de encosto alto e de braços, do
segundo barroco, século XVIII. Acerco do
antigo Museu do Carmo.
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M ó v e i s e m o b i l i á r i o
“Por cada couro de assento, e espalda de uma cadeira lavrada 800 rs, e sendo sem lavor quinhentos réis
Por um couro lavrado de tamborete, 640 rs
Por um assento de cadeira rasa sendo lavrada, 480 rs e sendo chão trezentos rs
Por pregar uma cadeira de espalda ou tamborete, 120 rs, e sendo raso, 60 rs e de forrar 100 rs.
Elevando mais dos preços declarados pagará, 6$000 rs de condenação e 30 dias de cadeia.50”
39 – Cadeira com base de pés retos, com encosto e braços, do segundo barroco, século XVIII. Acervo do antigo Museu do Carmo.
40 – Banco do primeiro barroco, com torneados e cobertura de couro, século XVIII. Acervo do antigo Museu do Carmo.
41 – Pernas curvas de cadeira rococó, século XVIII (detalhe). Acervo do antigo Museu do Carmo.
O couro continuou sendo empregado para o revestimento dos móveis de assento
ou descanso, agora sobre dois modelos que coexistiram no princípio da segunda metade do
século XVIII. Esses modelos apareceram um pouco antes, mas eram exemplares raros e, em
geral, feitos em nogueira, dando a certeza de que vieram de Portugal.
No primeiro tipo, as pernas, de seção quadrangular,
foram substituídas pelas torneadas do primeiro barroco,
aparentadas com o banco da ilustração (figura 40), menos
freqüentes; no segundo, pelas pernas tortas ou de volta do
segundo barroco (figura 41). Algumas peças desse último
tipo possuíam, ainda, elementos torneados, principalmente
as travessas e pernas traseiras. Anos antes verificou-se a
introdução desses modelos em Portugal, e “eram inspirados
ou simplesmente copiados de modelos novos trazidos
de fora”, como afirmaram Pinto e Nascimento51, ou seja,
da Inglaterra.
Os dois tipos continuaram a ser usados com o encosto alto – alguns com braços –,
baixo e raso. A madeira preferida continuou a ser o jacarandá e o couro, fixado principalmente
com a pregaria miúda; a grossa, mais raramente, também podia ser empregada.
Dos dois modelos, o segundo persistiu em uso, sofrendo modificações ao gosto
das modas. Acrescentou-se talha no alto do espaldar e, por volta de 1760, os pés desse
modelo foram modificados, introduzindo-se também nas cadeiras o pé de burro ou de
cabra. Este era mais raro, mas, posteriormente, tornou-se bastante popular em Salvador.
Nos inventários consultados encontraram-se raríssimas referências aos pés chamados de
garra da nomenclatura atual. Como os móveis, em geral, eram descritos minuciosamente
pelos avaliadores, acredita-se que os pés de burro predominaram.
~110~
M o b i l i á r i o b a i a n o
O couro, empregado no revestimento do assento e do encosto, foi substituído
pelo que, na época, chamou-se sola picada, que voltou à moda na década de 1770 e
se vulgarizou na de 1790. Empregou-se esse revestimento com freqüência, também, nos
preguiceiros e nas cadeiras de campanha, largamente utilizadas de fins do século XVIII até
a terceira década do século seguinte. As cadeiras de campanha (figura 42) eram mais leves,
com assento flexível, e de fácil transporte, e apareciam em modelos com encosto e rasas.
Deve-se salientar que o damasco foi minimamente utilizado em Salvador, no
tempo estudado. Caindo o couro lavrado ou a sola picada em desuso, a palhinha foi o
material preferido para os assentos das cadeiras (figura 43).
A palhinha foi introduzida em Portugal já na primeira metade do século XVIII, com
os móveis laqueados ingleses. Deve-se a técnica desse trabalho, entretanto, aos franceses
que trabalharam naquele Reino no final do século52.
Foram encontrados alguns exemplares de cadeiras com assento de palhinha desde
1745, mas em obras portuguesas. A larga utilização desse tipo de assento acusou-se a
partir de fins do século XVIII. Pode-se acrescentar que a proporção relativa do damasco
para a palhinha ou o couro picado nunca ultrapassou de 1 a 2%. O uso desse tecido, ou do
veludo, ambos carmesins, vulgarizou-se principalmente na segunda metade do século XIX,
nos móveis “à Luís XV”53. Deve-se considerar que, nos setecentos, os tecidos, especialmente
os de luxo, como o veludo, não estavam disponíveis para assentos de cadeiras.
Coincidiu com o aparecimento da palhinha a moda dos móveis pintados e dourados.
Pintou-se, inclusive, a palhinha dos assentos. Os modelos utilizados nesse período foram,
principalmente, os de grandes talhas, com concheados e folhas de acanto, passando,
depois, para modelos mais simples. Os móveis antigos, já fora de moda, foram adaptados e
revalorizados por meio de pintura e dourados.
42 – Cadeiras de campanha, dobráveis e transportáveis. Foto
do catálogo El arte luso brasileño en el Rio de la
Plata. Buenos Aires, 1967.
43 – Palhinha, que substituiu o couro nos
assentos dos móveis. Acervo do antigo Museu
do Carmo.
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M ó v e i s e m o b i l i á r i o
É interessante assinalar que as pessoas sem condições de adquirir as peças em
madeiras claras usaram de um artifício para colocar seus móveis na moda. Foi comum
estofar – ou, como se dizia para as imagens, encarnar e pintar as talhas –, especialmente
de branco e dourado, os móveis barrocos ou rococós, que originalmente eram de jacarandá
ou outras madeiras54. Os móveis populares eram pintados de branco, azul ou verde e,
mais raramente, vermelho ou amarelo. Esses móveis pintados persistiram e acabaram se
confundindo com os neoclássicos, que comumente também eram de cor branca, com estrias
ou laços dourados. Depois dos móveis pintados, viria o uso do verniz, já por volta de 1840.
No início pintaram-se as cadeiras e os canapés de branco e azul, com frisos ou
flores douradas. Foi então que se deu uma nítida divisão entre as peças confeccionadas
em madeira clara, especialmente pequiá, que não receberiam pintura, e as feitas de outras
madeiras, como conduru, madeira do norte e madeira branca, que seriam pintados com
cores vivas, predominando o vermelho, o amarelo e o verde. Essa moda, provavelmente, foi
decorrência da influência do “charão” inglês.
Os modelos continuaram mais ou menos os mesmos até o fim dos setecentos.
Introduziu-se, porém, outro tipo de móvel de assento, o canapé. Este constituía-se
de assentos e encostos conjugados com dois, três ou mais lugares, distinguindo-se
perfeitamente o número de encostos. Os autores têm chamado esse móvel ora de canapé,
ora de sofá.
As marquesas também surgiram no fim dos setecentos e eram feitas, sobretudo,
em vinhático, com lastro da mesma madeira. O lastro foi, aos poucos, substituído por
palhinha. De influência inglesa, feitas em série, mas sob encomenda, as peças já compunham
conjuntos de móveis de assento (figura 44) ou peças de mobiliário propriamente dito.
Nesses móveis, a talha foi amenizada e enriquecida, por vezes, pelos dourados,
mas sem grande aceitação. As cadeiras e canapés de encosto redondo e assento forrado de
palhinha (figura 45) substituíram aquelas de seção quadrangular.
No final dos setecentos, trocaram-se os encostos altos das cadeiras por outros
rebaixados, aparecendo o modelo que se denominava, na época, cadeira com encosto de
meio molde. O uso desse modelo estendeu-se até meados do século XIX.
No princípio do século XIX, apareceram as já referidas cadeiras americanas. Algumas
tinham o assento de junco, outras de palhinha ou, simplesmente, de madeira. Encontram-
se nos inventários várias referências a “doze ditas (cadeiras) amarelas americanas com
assentos de palhinha”55. Esta referência data de 1820. Boa parte delas era torneada.
A partir, mais ou menos, dessa década de 1820, a casa baiana começou a ser
mobiliada com cadeiras mais simples ou ordinárias, como eram chamadas na época.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
O trabalho em talha, rico no período anterior, começou a diminuir, embora não desaparecesse
e, novamente, o torneado aparece como complemento de decoração.
Esse novo modelo era denominado “de rebaixo”, com assento de palhinha e
estrutura de jacarandá, em geral, envernizada. A ele adaptou-se a cadeira de balanço, que
teria largo uso a partir da segunda metade do século XIX. Inventada pelos americanos,
segundo alguns autores, a cadeira de balanço (figura 46) teve ampla aceitação desde que
foi introduzida no Brasil.
44 – Canapé e cadeiras, estilo rococó, século XVIII. Acervo do Museu de Arte
da Bahia.
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M ó v e i s e m o b i l i á r i o
A partir, mais ou menos, dessa mesma década, apareceram simultaneamente
vários modelos de cadeiras. Os marceneiros do século XIX não se prenderam a um modelo
específico. Até 1850 estavam em uso, ao lado das cadeiras de rebaixo e de meio molde, as
chamadas singelas, lisas ou com torneados, as de leque e as de tabela. Todos esses modelos
foram executados e usados simultaneamente. Somavam-se a eles os modelos ecléticos,
réplicas estilizadas da mobília Luís XIV, Luís XV e Luís XVI, imitando os móveis barrocos,
rococós e neoclássicos. Aí sim, formam-se os conjuntos de mobília, que incluíam os novos
assentos coletivos, como os sofás atualmente denominados marquesas (figura 47). Os
móveis, então, já eram vendidos em peças pré-moldadas, possibilitando a montagem
doméstica e a reposição das mesmas. Entraram em Salvador junto com as chamadas
cômodas americanas, depois da abertura dos portos.
Exemplos dessas cadeiras são encontrados, ainda, nos inventários dos marceneiros56,
nos meados do século, especialmente entre os bens da loja do capitão Dionísio Ferreira de
Santana, que, desde 1809, vinha trabalhando em Salvador, na ladeira da Praça57. Eram
peças copiadas de modelos europeus ou americanos, já feitos em série, de forma mecânica
e constituindo os conjuntos de mobília com uniformidade formal e decorativa, abrangendo,
além dos assentos, vários outros móveis.
46 - Cadeira de balanço shaker, modelo americano, século XIX. Acervo do Museu de Arte Moderna do Canadá.
45 – Sofá com encostos arredondados, feitos em série, século XIX. Acervo do Museu de Arte Sacra.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
47 – Sofá pré-fabricado, século XIX, feito em série.
Acervo do Museu de Arte da Bahia.
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M ó v e i s e m o b i l i á r i o
M ó v e i s d e r e F e i ç ã o e d e c o r a ç ã o
Mesa, bofete e banca Dava-se o nome de mesa apenas aos móveis desse gênero
próprios para as refeições, para os serviços da cozinha, ou ainda, para
funções específicas, como jogo, chá, etc.
Ao móvel mais alto e encorpado que servia de aparador
chamava-se bofete (figura 48) ou bofetinho (figura 49), quando tinha
pequenas dimensões. Destes últimos, muitos serviram como pé de
oratório. Nos museus, são erroneamente classificados como mesa. Um
simples olhar mostra os inconvenientes de se ter esse móvel para uso
nas refeições. 48 – Bofete, primeiro barroco, século XVIII. Sacristia interna da Igreja de N. S. da Conceição da Praia.
49 – Bofetinho, primeiro barroco, século XVIII. Secretaria da Igreja de N.S. da Conceição da Praia.
Os bofetes do século XVII, especialmente por
causa de sua solidez, permaneceram em uso corrente
durante toda a primeira metade do século seguinte. O
modelo mais comum apresentava a caixa e o tampo
lisos, com molduras de gomos, e os pés e as travessas
torneados ou retorcidos, ou ambos (figura 50). Possuíam
de uma a quatro gavetas de lado, ou “por banda”, como
diziam então. A madeira preferida para esse móvel foi
o jacarandá. Usou-se, em menor número, o vinhático.
Esse móvel mantinha-se solidamente de pé, sem uso de
pregos, apenas através de encaixes (figura 51) e peso
de suas partes.
50 – Bofete (detalhe de pernas, travessas torneadas e retorcidas, gomos das gavetas). Acervo do antigo Museu do Carmo.
51 – Bofete desmontado, mostra encaixes. Acervo do
Museu de Arte da Bahia.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
Outro termo que designava um móvel desse gênero era banca – uma
“mesa” de dimensões pequenas, em geral com apenas três lados decorados,
sendo o quarto encostado à parede, ou totalmente decorada e colocada no
meio da sala. É o móvel que, atualmente, alguns estudiosos chamam de mesa
de encostar (figura 52). A designação mesa de encostar aparece apenas em
meados do século XIX. Na época, a peça era popularmente chamada de banca
de esbarra, considerando-se que ficava em corredores, passagens, vestíbulos...
As bancas, como os bofetes, eram usadas aos pares e chamadas irmãs, por terem
o mesmo tamanho e feitio. São denominadas hoje de consoles.
Três tipos essenciais de mesas estiveram presentes nas casas baianas, ao
lado dos bofetes e das bancas. A primeira, feita de vinhático, era lisa, com uma
ou duas gavetas, pernas retas, sem muita expressão; a segunda, cujos últimos
exemplares atingiram o fim do século, tinha o tampo de vinhático redondo e os
pés de jacarandá torneados, com uma ou duas gavetas; a terceira, em menor
número, em jacarandá, também era redonda, com um só pé torneado. Embora
raras, havia mesas de tampa e caixa oitavadas, com um só pé torneado. Esse
modelo é citado em inventários, mas inexiste em acervos baianos.
Antes que terminasse a primeira metade do século XVIII, em 1746, já
alguns exemplares do período seguinte fizeram seu aparecimento, como
“uma mesazinha pequena do Norte de três gavetas pés de unha de grã
besta”58. Embora essa forma de pés seja apontada como modelo corrente
nos móveis barrocos por vários autores brasileiros e mesmo portugueses,
os inventários mostram que, ao contrário, esse modelo não existia nos
setecentos. Na amostragem estudada neste trabalho, o único exemplo
encontrado foi o citado.
52 – Banca de esbarra ou banca de encostar, estilo
rococó, século XVIII. Acervo do Museu do Estado da Bahia.
53 – Mesa, modelo ordinário, século XVIII, pés de burro (e detalhe do pé).
Pertencia ao acervo do antigo Museu do
Convento do Carmo.
Não sendo esse tipo de pé o preferido no período, na segunda
metade do século XVIII o modelo, que apareceu com freqüência bastante
grande, eram móveis como as “duas bancas de jacarandá de volta de pé de burro com sua
talha e gaveta cada uma com ferragem de latão”59. Nesse mesmo inventário constam mais
duas bancas iguais com alguma talha, mais antigas e, já em fins da primeira metade do
século, encontram-se referências à “mesa redonda com pés de burro”.
Os pés de burro apareceram nas bancas e nas mesas redondas, quadradas ou
“quadralongas”, com ou sem gavetas. Localizou-se em Salvador apenas um exemplar desse
móvel, no antigo acervo do Museu do Convento do Carmo (figura 53). Era um modelo,
como se chamava, ordinário, dos fins do século XVIII60.
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M ó v e i s e m o b i l i á r i o
Com a mudança do modelo do móvel, trocou-se também o material de seus
ornamentos complementares. A ferragem estanhada mourisca cedeu seu lugar às
“ferragens” em forma de tarjas de latão dourado, como acontecera em outros móveis.
Concomitantemente aos móveis de pés de burro, desenvolveram-se outros tipos
de bancas e mesas: o de gavetas e pés de volta, com talha, e o de gaveta lisa e pés de volta.
Esse último modelo foi também executado com pés de burro.
No período considerado, no qual predominaram os modelos até agora referidos,
apareceram alguns outros móveis esparsos, de típica influência inglesa da primeira metade
do século.
Adotados os novos modelos, o “Regimento dos marceneiros” estabelecia, em 1785:
“Levará por uma banca ordinária chamada de leque, de abrir, e fechar com sua
gaveta de quatro pés, de jacarandá marchetada lisa com seu pano ............... 6$000
As que não forem marchetadas ................................................................................... 4$000
As bancas lisas ordinárias de jacarandá, chamadas de esbarra, com sua travessa
de talha de duas gavetas uma inteira e outra partida será paga por ..... 8$000 rs.61”
O primeiro exemplar que coincide com as descrições do regimento referentes a uma
mesa de jogo foi encontrado nos inventários, datado de 1783. Os exemplares especificados
como mesa de jogo, porém, não chegaram a cinco até o fim do século. Distinguiam-se das
bancas de abrir por possuírem, além dos panos verdes, cinzeiros cavados no seu tampo.
Tomou-se o exemplo do Rio de Janeiro por não se ter encontrado nenhum móvel desse
gênero na Bahia. Mas não deixaram de ser usadas, como aparece no inventário de João
Batista Pires: “uma dita (banca) de jogar marchetada com embutidos de piquiá e sebastião
da arruda e sua gaveta e pano verde em bom uso”62.
Das mesas de jogo, talvez, adotou-se o hábito de forrar as gavetas e a parte
inferior das bancas e mesas com pano verde. Usaram-se bancas de forma quadrangular,
bem como “bancas redondas de jacarandá com seus embutidos e panos verdes”, de 180563,
ou “bancas de dito (pequiá) oitavadas de abrir com seus embutidos”, de 180464. Nas
mesas e bancas simples, sem marchetaria ou embutidos, foram colocados, igualmente,
panos verdes.
Entretanto, como aconteceu com outras peças de móveis baianos, antes que
existisse um modelo específico mais simples, o trabalho de marchetaria adaptou-se aos
modelos antigos que ainda eram executados no final do século XVIII, como as “duas bancas
de jacarandá pés de burro com suas talhas embutidos de sebastião-de-arruda, gavetas e
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M o b i l i á r i o b a i a n o
ferragem de latão”65, que pertenceram a José Ricardo Gomes, falecido em 1802.
Também nesse caso, os motivos da marchetaria eram, sobretudo, florais, ou
simples frisos ou fitas e laços.
Em relação às mesas, além dos modelos já citados, que se identificaram
como bancas, e daquelas do primeiro período do século, desenvolveram-se, no
gênero das bancas de leque (figura 54) ou bancas de abrir, as mesas de abas, como
passaram a ser chamadas contemporaneamente. Estas, também de influência
inglesa, eram executadas geralmente em vinhático, na forma retangular, quadrada
e redonda, e tinham pés de burro. As mesas mais simples, feitas em vinhático
ou outras madeiras que logo começaram a ser utilizadas – madeira do norte ou
conduru –, tinham as mesmas formas geométricas.
Tardiamente, já em fins do século, adotaram-se as mesas de abas com
quatro pés fixos e dois giratórios, torneados, cujo modelo idêntico, inglês, tinha as
mesmas funções que as feitas na Bahia: serviam como mesa de jantar. Fora de uso,
com as abas desarmadas, serviam de aparador (figura 55), além de ter a função de
móvel auxiliar em ocasiões em que fosse necessário aumentar espaços, tanto para refeição,
quanto como móvel complementar.
A algumas bancas, excetuando-se as de abas e de abrir acima descritas, foram
adaptados tampos ou lastros de pedra mármore, branca ou preta, já no limiar entre os
setecentos e o oitocentos. Podiam ser ornamentadas, ou não, por dourados, algumas já
sendo cobertas de madeiras folheadas.
Nessa época ainda, não eram raros os produtos que chegavam da Inglaterra
através dos portos de Lisboa e Porto, e logo depois diretamente, incluindo as bancas de
abrir, mesas de abas de jantar e mesas de chá. Estas, embora presentes, não tiveram largo
uso em Salvador, aparecendo em pequeno número nos finais do século XVIII.
As bancas de abrir com pano verde tiveram larga aceitação. Quando a moda
dos móveis pintados chegou a Salvador, muitas dessas bancas, evidentemente sem
ornamentação de marchetaria, foram pintadas.
Grande parte, porém, foi executada em pequiá,
substituindo a pintura branca (figura 56). Ainda
em 1824, era corrente o uso das “bancas de
jacarandá redondas de abrir” e “bancas de pequiá de
abrir em bom uso”, como também, “mesa de jantar
feita de vinhático com pés torneados duas gavetas
nas cabeceiras”.
54 - Banca de leque ou de abrir, modelo de luxo,
século XVIII, influência barroca inglesa. Acervo do
Museu do Estado da Bahia.
55 – Banca de leque ou de abrir, modelo ordinário,
século XVIII, influência barroca inglesa. Acervo do
antigo Museu do Carmo.
56 – Banca de esbarra barroca “modernizada”
com pintura branca e dourada, séculos XVIII-XIX. Capela-mor da Igreja de N.
S. da Conceição da Praia.
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M ó v e i s e m o b i l i á r i o
57 – Mesa pé de galo, produzida em série, século XIX. Acervo do Museu do Estado da Bahia.
Pouco tempo antes, mas já nos oitocentos, os pés das bancas sofreram
modificações. Foram substituídos pelos pés denominados, na época, pés de galo. Eles não
trazem exatamente o desenho do pé da ave: trata-se de uma mesa com um único pé,
dotado de três pequenos pés de apoio (figura 57). Coexistiram com os modelos anteriores,
que ainda eram usados e que fizeram desaparecer os pés de burro. Variaram um pouco
quanto à forma, conforme as descrições seguintes: “duas bancas de vinhático de pé de galo,
irmãs em bom uso”66, “duas bancas de jogo de jacarandá com pés de galo e roldanas”67 ou,
ainda, “duas bancas de jacarandá de abrir com pés de galo em bom uso”68, “duas bancas
de jacarandá de um só pé de galo de abrir com gaveta em bom uso”69, “quatro bancas de
jacarandá com os cantos contornados de pés de galo e obra de talha em bom uso”70, “duas
bancas de jacarandá com pé de galo e obra de talha de abrir”71, sendo, entretanto, a de
abrir simples, e mais usada. Adaptaram-se roldanas a algumas, o que se faria daí por diante
com a maior parte desses móveis, para facilitar o seu deslocamento nas amplas salas que
os solares dos oitocentos trouxeram às novas regiões ocupadas, como Vitória e Graça.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
Na década de 1830, embora muitos modelos antigos, como sempre
aconteceu, estivessem em pleno uso, a nova moda que dominava era a
das bancas de pés de coluna (figura 58), de características neoclássicas e,
igualmente, de diversos formatos: redondas, de abrir, com lastro de pedra,
algumas envernizadas, prevalecendo, no entanto, o primeiro modelo.
Apareceram, igualmente, as mesas híbridas, isto é, com pernas de coluna e pés
de galo, cuja combinação não era do melhor gosto.
A esses dois modelos modernos, um terceiro se somou, o das bancas
com pés torneados, com tampo fixo, ou de lastro de pedra ou de abrir, com ou
sem gavetas, redondas, quadradas e, algumas, envernizadas. Esses modelos,
assim como os com pés de galo, estavam ainda em uso em nos meados do XIX.
Na loja do marceneiro capitão Dionísio Ferreira de Santana, eram encontradas, em 1840,
“seis bancas de jacarandá singelas com pés torneados gaveta na frente ordinárias”, “uma
mesa nova e redonda de jacarandá com pé de galo”, “outra dita (mesa) de dito (jacarandá)
também com pé de galo nova”72.
Quanto às mesas, especialmente as de jantar, aumentaram proporcionalmente
de tamanho. Depois das mesas de abas, apareceram as mesas elásticas, as de dois ou três
corpos, grande parte das quais com pés torneados e envernizados. Essas mesas tiveram
largo uso na segunda metade do século XIX, chegando a comportar até vinte pessoas ao
redor. Já eram industrializadas.
Tremós e elementos decorativosA partir de fins do século XVIII, usou-se colocar nas salas de visitas, entre as
janelas, os tremós com seus espelhos de sala e bancas correspondentes (figura 59). Com
função ornamental, preenchiam vazios, os quais também foram ocupados com espelhos,
imitação de espelhos, quadros, cortinas, arandelas etc.
Os tremós e suas bancas, em grande maioria, eram pintados de branco e com
detalhes dourados, com espelhos de moldura igualmente dourada, complementados com
o lastro de mármore branco ou preto. Era o máximo do luxo dos moradores de Salvador.
Os primeiros que apareceram, menos aparatosos, tinham o espelho oval, unido ou
separado das bancas. Este foi substituído depois pelo retangular ou “quadralongo”, como
o da foto acima, sempre com moldura dourada, lisa ou entalhada. Apenas em meados do
século ‘as molduras de talha rococó foram substituídas, lateralmente, por colunas estriadas
com remate de talha dourada do gosto neoclássico ou complementada com bronze ou
outro metal dourado.
58 – Banca de encostar, século XIX, pés de coluna,
neoclássica. Acervo do Museu de Arte da Bahia.
59 – Tremó, linhas neoclássicas, século XIX.
Acervo do Museu de Arte da Bahia.
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M ó v e i s e m o b i l i á r i o
Os espelhos e vidros, em geral, foram bastante raros no século XVIII. Multiplicaram-
se somente no fim do último quartel desse período, com os primeiros espelhos de vestir,
com molduras de nogueira, vindos do Reino ou da Inglaterra.
Usou-se, antes disso, apenas o estritamente necessário, isto é, espelhos entre um e
três palmos, pendurados na parede e nunca ultrapassando o número de dois por residência.
Após os primeiros espelhos de vestir, com molduras de nogueira e talha dourada,
o aumento das fábricas de vidros portuguesas e a criação de uma delas em Salvador, além
das importações feitas por Portugal, permitiram à casa nobre de Salvador imitar os salões
franceses. Ao lado dos espelhos, foi comum, na segunda metade do século XVIII, o uso de
placas de vidro cristalino, com o mesmo tipo de moldura, formando par com os espelhos, ou
espelhos complementando molduras de quadros, geralmente com tema religioso (figura 60).
Na ornamentação das salas, ao lado dos tremós, espelhos e placas cristalinas
davam destaque os quadros com molduras idênticas. Os temas mais freqüentes dos quadros
e lâminas eram, inicialmente, religiosos. Mudaram depois, acompanhando o gosto europeu.
Muitos quadros ingleses e franceses eram vendidos em Salvador no princípio do século XIX.
Os assuntos preferidos, desde essa época, foram O leão de Florença, Ninfas e Telêmaco,
Fábulas de Hércules, Orfeu, Vênus, Caridade romana, Paulo e Virgínia, a Tragédia de D.
Inês de Castro, a Catástrofe de Luís XVI, Casamento de Napoleão, Constituições do império
e entrada do exército pacificador, Esfinge do primeiro (Imperador) do Brasil, Indústria e
dissipação. Alguns, já em meados do século XIX, espelhavam o imaginário e a ideologia
do período. Conviveram, nas paredes das salas, ilustrações com temas tanto mitológicos
quanto heróicos, românticos ou moralistas.
O número de objetos de adorno crescia cada vez mais nas salas de visitas. Pode-se
citar, como exemplo, a sala do bacharel Francisco Antônio Pereira Rocha, que morava na
estrada da Graça. Em 1855 suas paredes ostentavam nada menos que 32 quadros73.
Móveis de higieneDurante todo o século XVIII, não foi encontrada nenhuma referência especial a
móveis de higiene, com exceção das tinas ou gamelas de vinhático, com aros de ferro, para
tomar banho ou, em tamanho menor, para lavar as mãos. Outras tinas, que normalmente
não são relacionadas, serviam para satisfazer as necessidades fisiológicas. Chamadas
tigres, ficavam fora da casa e, ao cair da noite, eram carregadas pelos escravos, que
jogavam seu conteúdo no mar ou rio. Os escravos costumavam transportar o tigre na
cabeça. Eram proibidos de transitar durante o dia com esse material pelas ruas, segundo
posturas da Câmara.
60 – Espelho ornamental, moldura rococó, século XVIII. Acervo do antigo Museu do Carmo.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
Os primeiros móveis com finalidade higiênica, os chamados toucadores, apareceram somente no final do século. Eram pequenos e colocados sobre uma mesa,
banca ou cômoda. Inicialmente, os exemplares tinham origem inglesa. Com uma, duas ou
três gavetinhas inferiores, começaram a ser usados em Salvador quando os móveis com
marchetaria estavam na moda. Os primeiros toucadores executados na cidade eram em
pequiá ou jacarandá, com ornamentação dessas madeiras invertidas.
Não foram muito numerosos, mas na primeira metade do século XIX já havia
alguns toucadores de tamanhos maiores, chegando até ao modelo de vestir. Entre 1795
e 1850 foram registrados apenas 54 exemplares na amostragem de inventários. As peças
seguiram as modas dos demais móveis, uns pintados e dourados, outros envernizados.
Foram complementados por tremós de cabeceira de cama, igualmente pouco numerosos.
Somente a partir de 1850 tornaram-se mais numerosos, apresentando também
maiores tamanhos. Havia toucadores com três espelhos, com bancas e lastro de pedra e as
toilettes, como passaram a ser chamados.
Ao se encerrar o período estudado, começaram a aparecer os bancos rústicos ou
lavatórios. Esses lavatórios, a partir de então, passaram a ser cada vez mais aperfeiçoados
e a aumentar em número. É o período em que, também, os bidets se vulgarizaram. Isso
quer dizer que os tigres estavam sendo abandonados e que os baianos passaram
seus sanitários para dentro de casa.
Móveis de devoçãoO oratório foi o móvel que esteve sempre presente na casa baiana. Desde as
moradas de casas de sobrado nobres até as moradas de casas térreas, com paredes
de taipa, era uma constante. Podiam faltar na casa outras peças de móveis, mas o
oratório, ainda que de pequeno porte, estava ali entronizado. Ao lado desse móvel
de devoção, o presépio do Nascimento e os painéis ao Divino ou lâminas dos Santos
complementavam o ambiente católico fervoroso dos baianos.
O oratório comum, na primeira metade do século, foi o de duas portas, com
ou sem almofadas quadradas (figura 61), retangulares ou em forma de losango; com
ou sem gavetinha na parte inferior. Essa “caixa” era arrematada superiormente por
um aro simples (figura 62), mas, em geral, com frontão entalhado. Alguns desses
arremates foram dourados, como as talhas das cadeiras, das mesas e de outras peças
com esse tipo de ornamento.
Feitos, em geral, de madeira branca, eram pintados de escuro por fora e com cores
mais alegres na parte interna. As cores preferidas para a pintura interna dos oratórios
61 – Lateral e porta de oratório doméstico, com almofadas geométricas,
século XVIII, reminiscências renascentistas. Acervo do
Museu Carlos Costa Pinto.
62 – Oratório doméstico, com almofadas e frontão
com reminiscências renascentistas, século XVIII. Acervo do Estado da Bahia.
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eram o azul, representando o céu, ou vermelho, às quais se acrescentavam o dourado e/ou
ornamentos florais.
Todos guardavam numerosos santos, de marfim, de madeira “estofados” ou de
barro. As imagens recebiam o mesmo tratamento, isto é, mesmo as de marfim ou barro
eram pintadas. Continham, invariavelmente: uma imagem do Cristo crucificado, com
sua cruz e calvário, Nossa Senhora da Conceição – seguindo os ditames do Concílio de
Trento e obedecendo as “Constituições primeiras do arcebispado da Bahia” –, Santana,
Santo Antônio74, São Francisco Xavier e alguns outros santos de especial devoção dos
donos da casa.
Pouco antes de findar a primeira metade do século XVIII, começaram a aparecer
os oratórios grandes, que eram chamados oratórios de dizer missa (figura 63). Tornou-se
moda a celebração de missa nas residências particulares, o que não deixou de suscitar
reclamações por parte do clero da época.
As proporções e os preços dos oratórios aumentaram consideravelmente e, por
vezes, superavam o valor global dos móveis da casa. Joana Maria da França, por exemplo,
nesse período, possuía móveis cuja soma alcançava 44$120 réis, enquanto seu oratório,
com os santos e suporte, somava 60$000 réis75. Exemplos idênticos a esse aparecem
freqüentemente em muitas casas.
Alcançavam o maior número de residências, entretanto, os oratórios modestos,
como os já descritos, em madeira branca, com o arremate mais elaborado e sem gavetinha.
Quando entraram em uso os oratórios grandes, de jacarandá, com portas de volta
ou de almofadas e arremate de talha, tendo na parte de dentro quadros dos Passos da
Paixão de Cristo ou espelhos emoldurados por talha dourada, outros pequenos oratórios
já traziam uma porta envidraçada. Seguiram as mesmas modas estilísticas que os demais
móveis, como modelos rococós ou neoclássicos (figura 64).
Às vezes, o primeiro abrigava este outro menor, que inicialmente apresentava
apenas um vidro na parte frontal. Depois, as duas partes laterais de madeira também foram
substituídas por vidro.
Paralelamente, usaram-se os oratórios com uma parte fixa, a do fundo, e quatro
móveis, as duas laterais e as duas da frente, o que permitia transformá-lo num pequeno
altar para ser transportado e servir como móvel de rezar missa.
Com a moda dos móveis marchetados, muitos oratórios receberam o mesmo
ornamento, em madeiras de várias tonalidades, como o de seus suportes, que eram
geralmente as cômodas. Dos poucos sobreviventes, o Museu do Estado da Bahia possui um
exemplar desse tipo de oratório, com aplicações florais (ver figura 22). Do modelo pequeno,
63 – Oratório de dizer missa, conjugado à cômoda, século XVIII. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.
64 – Oratório com estrutura barroca, frontão rococó, século XVIII. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.
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há um exemplar, com frisos simples, no acervo do Museu de Arte Sacra da Universidade
Federal da Bahia.
No transcorrer da segunda metade do século XVIII, época dos móveis
pintados e dourados, o modelo que predominou foi o do oratório, ou melhor, do
nicho com três faces de vidro (figura 65), protegido por guarda-pó e guarnecido
de cortinas. Esse modelo permaneceu em uso por longo tempo, até o século XIX.
Ao lado desse nicho, nos oitocentos, as mangas de vidro cobriam uma
imagem de pedra de Nossa Senhora da Piedade com sua peanha dourada, a imagem
do Senhor da coluna feita de pedra jaspe ou imagens de outros Santos.
O suporte sobre o qual os oratórios repousavam também variou com as
modas. No princípio do século XVIII, os bofetinhos e contadores desempenharam
mais comumente essa função. Foram substituídos, entretanto, pelo caixão, como se
observa em algumas fotos anteriores.
Os oratórios do princípio dos oitocentos possuíam, como se viu,
uma ou duas gavetinhas conjugadas na sua base, destinadas a guardar as
ornamentações das imagens. Com o aparecimento dos oratórios de dizer
missa, a função desse complemento passou a ser desempenhada por um
móvel em separado, o caixão, com maior número de compartimentos, nos
quais se guardava todo o acessório de dizer missa.
Mesmo no século XIX, caixas, caixões com gavetas, cômodas, armários
e papeleiras serviram de base para os oratórios. Houve, ainda, oratórios
conjugados – unidos a outros móveis, como a papeleira-oratório, ou em duas
peças distintas, mas com igualdade de confecção e ornamentação. As bancas
de esbarra e mesas também serviam como suporte de oratório, embora em menor número
e, sobretudo, nas residências simples.
O uso dos oratórios de madeira estendeu-se do fim da primeira metade do século
XVIII até o século XIX, quando colunas de mármore, à maneira neoclássica, substituíram
as cômodas, as papeleiras e as bancas nessa função, especialmente nas casas abastadas.
Como móvel que mereceu bastante atenção nas residências baianas, principalmente
no século XVIII, o oratório possuía, além de numerosas imagens, outras ornamentações,
tais como jarrinhas da Índia com ramalhetes, figuras de leões e outros animais, lâminas
das figuras dos Santos, castiçais de bojo de estanho, lâmpadas de latão, estantes, toalhas
de linho com rendas, serpentinas de luzes, pia de água benta de vidro, anjos pintados em
papelão com pés de madeira, lampiões de folha com vidro, mangas de vidro com pés de
casquinha, de acordo com a moda, no passar dos anos.
65 – Oratório com três lados vedados com vidro,
século XIX. Acervo do Museu de Arte Sacra.
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M ó v e i s e m o b i l i á r i o
Móveis de transporteDurante muito tempo o transporte dos baianos, em Salvador, foi a rede, tanto para
os vivos, quanto para os mortos, mudando apenas o acompanhamento e os sinais de luto
que ornavam os enterros.
Nas primeiras décadas do século XIX, há notícias de
umas poucas serpentinas e duas seges. Não significa,
em absoluto, que os números fossem exatamente
esses, mas pode-se inferir que eram em quantidade
diminuta. Em Salvador predominaram as serpentinas
e, mais do que estas, as cadeirinhas de arruar. O Museu
de Arte da Bahia possui um exemplar bastante modesto,
mas significativo (figura 66).
Entre os dois móveis de transporte, foram
preferidas as cadeirinhas de arruar, que tanto
impressionaram os viajantes estrangeiros que passaram
por Salvador. Datando do final dos setecentos e usadas
durante boa parte do século seguinte, as mais ricas
primavam por sua ornamentação rococó, a mesma
encontrada nas serpentinas.
A serpentina e as cadeirinhas de arruar
exigiam o esforço de dois escravos para o transporte
da pessoa conduzida. Cada senhor de escravo
possuía, no mínimo, três carregadores de
cadeirinha, um deles reservado para as
eventualidades. Esses carregadores, como
os oficiais mecânicos, passavam por um
período de aprendizagem. Alguns brancos
possuíam numerosos carregadores para alugar
a pessoas que não os tivessem no plantel de seus
escravos.
Tanto as cadeirinhas de arruar quanto as
seges seguiram de perto os estilos dos móveis de casa.
Completava o conjunto o traje libré que os escravos
portavam quando em serviço. Mas sempre estavam de
pés descalços.
66 – Cadeirinha de arruar, modelo simples, século XIX. Acervo do Museu de Arte da Bahia.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
Mobiliário sacro É muito comum atribuir-se a confecção tanto de móveis quanto de talhas e
esculturas a religiosos conventuais. Na realidade, eram os irmãos seculares que executavam
esses trabalhos, quando existiam. Isso merece um destaque especial, por ser outra exigência
bem típica da sociedade escravocrata: não podia receber o hábito franciscano, por exemplo,
o indivíduo que fosse “lacaio ou tivesse ocupação vil e baixa”76. Segundo as “Constituições
Primeiras do Arcebispado da Bahia”, elaboradas em 1707, ocupação vil e baixa, indigna do
ministério clerical, era, por exemplo, cavar a terra.
“Por ser grande opróbrio do estado eclesiástico exercitarem-se os clérigos em
oficiais, e ministérios baixos, e abatidos, mandamos a todos os de nosso Arcebispado que
não usem nem exercitem ofício, ou ministério algum vil, e baixo, e indecente a seu estado,
nem cavem nem rocem, nem cortem canas nem façam semelhante trabalho vil, posto que
seja em suas próprias fazendas”77.
Segundo muitos estudiosos, os ofícios mecânicos eram vistos como ocupações vis.
Os regimentos beneditinos, no entanto, incentivavam o trabalho, sendo lema da Ordem, ora
et labora. Entretanto, também eram os monges leigos que executavam as obras.
Os móveis aqui examinados podem ter sido feitos por integrantes da própria
comunidade religiosa, como, provavelmente, pelos jesuítas. Por ser uma companhia militar-
religiosa, tinha irmãos artífices entre seus componentes, conforme destacou Serafim Leite78.
Entretanto, o móvel e o mobiliário utilizados nas igrejas e conventos baianos, em muitos
casos, não diferiam do civil ou leigo, nos séculos XVII, XVIII e parte do XIX. A maioria dos
móveis só tinha como diferença as proporções e, com raras exceções, os usos. Foram os
estudos realizados, a partir dos anos 1930-1940 que estabeleceram a distinção entre as
duas esferas: civil e religiosa ou sacra.
Mesmo o móvel religioso propriamente dito, ou usado pelas ordens terceiras ou
irmandades, com raras exceções, foi feito por artesãos leigos, através de “concorrência
pública”, pelo menor preço, como no caso da Santa Casa de Misericórdia ou mesmo do
Mosteiro de São Bento. Por outro lado, alguns irmãos, sobretudo das associações religiosas,
especialmente as de leigos, como as irmandades e ordens terceiras, ofereciam seus serviços
gratuitamente, ocasião em que a concorrência pública era abandonada. Mas quase sempre
solicitavam o pagamento de seus oficiais, como mostra o exemplo do escultor Manoel
Inácio da Costa, que executou a imagem de São Domingos e a “modernização”79 das demais
imagens dos altares laterais da Ordem Terceira de São Francisco, por volta de 1830.
Em suas conjecturas, Carlos Ott80 aventou a hipótese de que Luís da Silva Ferreira,
originário do Porto, nos finais do século XVII, teria chamado seus parentes marceneiros – que
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M ó v e i s e m o b i l i á r i o
só tinham em comum o sobrenome comuníssimo de Ferreira, sem provas de que realmente
houvesse ligação familiar –, para formar uma “empresa”81. Caberia a eles executar, além do
arcaz da Santa Casa de Misericórdia, o da Ordem Terceira do Carmo e de São Francisco. O
irmão franciscano Luís de Jesus, a quem se atribuiu as talhas da Igreja de São Francisco e
de sua sacristia, teria sido apenas “fiscal”82 da obra desse último templo. Em outro lugar,
Ott chegou à conclusão de que esse móvel foi feito na Santa Casa da Misericórdia, por
Ferreira, simplesmente porque a irmandade o encomendou, por volta de 1721-1722, data
que coincidia com o período de atividade do marceneiro em Salvador. Essa autoria não foi
confirmada por Marieta Alves83.
De qualquer forma enganou-se o autor, especialmente ao datar os três “caixões”
ou, como denomina, arcazes, do final do século XVII, considerando que a obrigatoriedade
de uso desse tipo de móvel nas sacristias só foi imposto pelas Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia, promulgadas em 1707, pelo arcebispo D. Sebastião Monteiro da
Vide, que dizia que nas sacristias se colocaria um “caixão com gavetas” para recolher os
ornamentos, cálices, patenas e o mais necessário.
As sacristias deveriam ter prontos armários ou caixões grandes e bem fechados
até três meses depois da publicação das Constituições Primeiras’, salientando-se que essa
tarefa era mais necessária nesse arcebispado, “pois pelo clima da terra todo o cuidado é
pouco”84. Alguns chamam a atenção, pelo luxo ou pela simplicidade, como se verifica na
sacristia da Igreja de São Francisco (figura 67), da Catedral (figura 68), em Salvador, ou o
da sacristia da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira.
67 – Caixão ou arcaz da sacristia da Igreja de São Francisco, século XVIII, estilo híbrido. Acervo do Convento de São Francisco de Salvador.
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Em todos os três exemplos, trata-se de móvel híbrido, conjugando influências
remanescentes de estilo renascentista, na parte inferior, e do estilo barroco na superior ou
espaldas, – e nas laterais ou arremates – característica presente no caixão da sacristia de
São Francisco.
Complementavam os caixões das sacristias, além de um altar central, armários
que tinham a mesma função que aqueles caixões ou arcazes. Alguns simples, embutidos,
pintados, como se vê na sacristia da Igreja de Santa Tereza, ou em estilos misturados –
renascentista e barroco –, como os armários da sacristia de São Francisco (figura 69) de
Salvador, Cairú ou São Francisco do Conde.
68 – Caixão ou arcaz da sacristia da Catedral,
século XVIII. Estilo híbrido. Acervo da Catedral
de Salvador.
69 – Armário com gavetinhas da sacristia da Igreja de São
Francisco, estilo híbrido, predominando as talhas barrocas, século XVIII. Acervo do Convento
de São Francisco de Salvador.
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70 – Cadeiral do coro da Igreja de São Francisco, estilo híbrido, século XVII. Acervo do Convento de São Francisco de Salvador.
O maior número de móveis, úteis aos cultos religiosos, e de uso leigo, estavam e
estão conservados nas igrejas e conventos, muito embora estes não deixassem de seguir
os modismos ou fossem obrigados a isso. Exemplo típico são os móveis da Arquiabadia de
São Bento, que, tendo parte do lado direito da igreja cortado pela reforma urbana de J. J.
Seabra na avenida Sete de Setembro, em 1912, iniciou aí o despojamento do interior do
seu templo. O cadeiral, com estrutura e decoração híbridas, está no coro, com a estante do
antifonário, e data do final do século XVII ou princípio do XVIII.
O cadeiral do coro de São Francisco (figura 70), igualmente, é um conjunto híbrido,
originariamente com características renascentistas. Passou por reformas posteriores,
apresentando ornamentação em relevo com vocabulário barroco de máscaras, rosáceas,
conchas, folhas de acanto estilizadas, além de colunas torneadas, retorcidas, sustentando
braços em voluta. O coro foi a primeira parcela da igreja franciscana a receber decoração.
Aí foram colocadas as mesmas cadeiras e estante do antigo templo, sofrendo adaptações.
Esse coro e cadeiral foram transferidos, por um tempo, para as tribunas do lado do convento,
até passar para a igreja nova por volta de 1723. Em 1937, o frei marceneiro Plácido Hilvert
reparou as grades da nave e as cadeiras do coro. Nessa ocasião, provavelmente, retirou
os arremates triangulares entalhados da parte superior dos encostos, recolocados depois
de 1949.
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O mesmo efeito estilístico se encontra na estante de antifonário (figura 71) que
permanece no mesmo coro da Igreja de São Francisco. A estante desse gênero da Catedral,
de influência italiana e características renascentistas, ocupou sempre, como entre os
franciscanos, um lugar no coro.
71 – Antifonário do coro da Igreja de São Francisco, estilo híbrido, século XVIII.
Acervo do Convento de São Francisco de Salvador.
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72 – Confessionário do Mosteiro de São Bento, século XVIII, estilo híbrido barroco-rococó. Acervo do Museu do Mosteiro de São Bento.
As caixas e arcas de uso amplo, com várias finalidades no mundo leigo, como
se viu, também alcançaram o ambiente religioso, especialmente devido a sua múltipla
utilidade. No Convento do Desterro são ainda encontradas às dezenas, pois para lá eram
enviadas as jovens filhas de famílias mais abastadas, com suas escravas, ou mesmo as
componentes femininas de uma família inteira, quando o pater familia viajava ou não as
desejava mais ao seu lado. Todas levavam nesses recipientes seus enxovais e pertences
particulares, e deles faziam uso contínuo em suas celas.
A qualidade dos assentos sempre foi socialmente valorizada nos séculos referidos,
como se disse anteriormente. Eram constantes os conflitos, mesmo dentro das igrejas,
decorrentes das disputas para ocupar uma cadeira de espaldas altas e de braços, cadeiras
sem braços e mesmo bancos. Houve, inclusive, caso de assassinato, resultantes de brigas
por lugar no recinto sagrado, como ocorreu na igreja de São Francisco. Como não havia
bancos nas naves das igrejas, até o século XIX, cada qual fazia seus escravos carregarem
um assento para os ofícios religiosos. Lembre-se que nas funções públicas, em geral
religiosas, promovidas pelo Senado da Câmara, era este que fornecia os móveis de assento.
A importância desses móveis explica o porte da cadeira do abade de São Bento, em estilo
ainda de influência renascentista, datado da primeira metade dos setecentos. Ficava no
altar-mor, do lado esquerdo.
Embora não tivesse a mesma função, o confessionário de São Bento (figura 72),
móvel ímpar ainda sobrevivente, em estilo rococó, datado do final do século XVIII ou começo
do XIX, tem formas agigantadas e a estrutura das cadeiras de espaldas altas e braços
acima referidas. Diferem apenas na treliça que separava, debilmente, o
confessor do pecador. São Francisco também tem um exemplar rococó
no seu acervo, mas de dimensões bastante modestas (figura 73).
Encontra-se na sala do capítulo.
Vê-se que, com exceção das estantes de antifonários, os
demais móveis ditos sacros não se distinguiam radicalmente dos
leigos. Cadeiras, canapés, bancas de esbarra ou consoles, bofetes,
mesas, étagers, arcas, bancos (figura 74), arquibancos85 e caixas
foram para dentro das igrejas e conventos, assim como oratórios
e altares, estes tipicamente móveis religiosos, foram para dentro
das casas.
É preciso, no entanto, lembrar de outros móveis que,
pelo fato de terem sido confeccionados em pedra, fogem às
características das peças até aqui tratadas, todas elaboradas
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em madeira. Podem-se citar as pias de água benta, mais elaboradas, como a da Igreja de
São Francisco, que se diz terem sido doadas por D. João V, ou aquelas trabalhadas em série,
com características barrocas ou de feição rococó (figura 75), ambas inspiradas em conchas.
73 – Confessionário da sala do capítulo da Igreja de São Francisco, século
XVIII, estilo híbrido barroco-rococó. Acervo
do Convento de São Francisco de Salvador.
74 – Bancos do capítulo do Convento de São Francisco, com suportes barrocos, século XVIII. Acervo do Convento de São Francisco de Salvador.
75 – Pia de água benta, século XVIII, mantém a concha como base iconográfica, estilo rococó. Ordem 3ª do Carmo de Cachoeira.
As pias batismais eram, igualmente, previstas pelas “Constituições primeiras do
arcebispado da Bahia”, que estabeleciam que todas as Igrejas curadas deviam ter “pias
batismais de pedra bem lavrada”, cobertas, capazes de se fazer batismo por imersão,
de preferência em capelas com grades a roda, fechadas a chave, com tampa e ralo que
permitissem que “as relíquias e panos com que se alimparam os Santos Óleos se escoassem”86.
Essas disposições foram modificadas no século XIX, no Império, quando não se admitia
mais batismo por imersão87. A partir daí as pias foram substituídas por outras, com modelo
neoclássico, mas mantendo a bacia em forma de concha estilizada, em tamanho menor, e
continuando a ocupar espaço especial.
Tanto as pias de água benta, as pias comuns e as batismais, quanto os lavabos
das sacristias vinham de Portugal, a maior parte elaborada em pedra de lioz. Os lavabos
chamam a atenção por seu porte e composição. Normalmente foram decorados com
elementos que lembram o mar, como os golfinhos entrelaçados ou emparelhados, que, se
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76 – Lavabo barroco, século XVIII. Sacristia do convento de Santa Clara do Desterro.
não estavam no corpo do lavabo, apareciam nas torneiras. A maior parte desses lavabos
mostra estilo de transição entre barroco e rococó (figura 76).
Todo esse aparato, de madeira ou de pedra, que as igrejas baianas apresentavam
e apresentam, foi financiado especialmente pela população do século XVIII e início do XIX,
portanto, é dos baianos todo esse patrimônio.
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n o t a s
1 – langHans, Franz-Paul. As corporações dos ofícios mecânicos. Lisboa: Imprensa Nacional,
1943. v. 1, p. 511.
2 – cartas do governo a sua Magestade (1797-1798), Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador/
Fundação Gregório de Mattos, fl. 278v. ms
3 – Cf. syMonds, R. W. English eighteenth century furnitures exports to Spain and Portugal,
The Burlington Magazine, London, v. 78, no 45, p. 57, 59, 1941; JOY, E. T. The overseas trade in
furniture in the eighteenth century, The Journal of the Furniture History Society, England, v. 1,
p. 1-10, 1965. 10 p.
4 – Idem, p. 58. Num mapa de exportação, de 1700, consta que foram mandados de Londres para
Portugal: “cabinets Japan’d, chairs, chest of drawers, clock’s cases, escrutores, glasses looking,
upholstry ware [...]”. (Idem. p. 59.)
5 – Idem, p. 1.
6 – Idem, p. 59.
7 – guiMarães, Alfredo. Mobiliário artístico português; elementos para a sua história: Guimarães.
Vila Nova de Gaia: Pátria, 1935. t. 2, p. 96.
8 – joy, E. T. Op. cit., p. 21.
9 – cartas do governo (1797-1799), Loc. cit., fl. 281v. ms.
10 – Na Inglaterra, alguns autores situam o uso desse tipo de pé no período da rainha Ana,
enquanto outros o situam no período de Guilherme e Maria, sob a influência holandesa. Na
França, é tido como pertencente ao estilo Luís XV.
11 – Existe um exemplar idêntico no Museu de Arte Decorativa de Lisboa.
12 – claret rubira, José. Muebles de estilo francés; desde El gótico hasta El império. 3ed.
Barcelona: Gustavo Gili, 1966. p. 111-114.
13 – inventário, Loc. Cit., doc. nº, Manoel Francisco de Macedo, 1795, fl. 19v. ms.
14 – inventários, Loc. Cit., doc. no 1/619, Maria da Silva, 1714, fl. 11v-12 ms.
15 – Idem, doc. 6/635, 1757, Maria de São José, s.n.fl., ms.
16 – Idem, doc. 6/656, 1795, Manoel Francisco de Macedo, fl. 7v. ms.
17 – ott, C. Op. cit., v. 2, p. 68.
18 – Neste trabalho é usada a nomenclatura de época, fazendo-se referência à nomenclatura
do Iphan.
19 – Interessante verificar que os Inventários discriminavam a largura e a profundidade e quase
nunca a altura.
20 – inventários, Loc. cit., doc. no 4/653, Domingos da Costa Braga,.1793, fl. 21v . ms.
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21 – idem, doc. no 1/716, Athanazio Joze de Mello, 1820, fl. 5.
22 – idem, doc. no 4/656, José de Almeida, 1795, fl. 18v.
23 – Couro preparado no Grão Ducado de Moscóvia (Rússia). Era um couro de boi curtido de
cor arroxeada.
24 – inventários, Loc. cit., doc. no 7/633, Joana Maria da França,.1755, s.n.fl.. ms.
25 – Quer dizer, duas gavetas pequenas. inventários, Loc. cit., doc. no 7/633, Joana Maria da
França,.1755, s.n.fl.. ms.
26 – inventários, Loc. cit, doc. no 1/669, Antônio de Carvalho da Câmara, 1806, fl. 7v. ms.
27 – Idem, doc. no 1/789, Joaquina Francisca da Conceição, 1834, fl. 29. ms.
28 – Como a descrita: “Uma (cômoda) americana com quatro gavetões de volta ainda nova”.
inventários, Loc. cit., doc. no 1/728, Manoel Cardoso Marques, 1823, fl. 66.
29 – Idem, doc. no 3/812, Dionísio Ferreira de Santana, 1840, fl. 5rv. ms.
30 – aHu. Loc. cit. v. 32. doc. no 6556, 1764, p. 68.
31 – Postura 27, Lo. 4º, 1785. In: Posturas (1650-1787), Arquivo da Prefeitura Municipal do
Salvador / Fundação Gregório de Mattos, fls. 131rv. ms.
32 – inventários, Loc. cit., doc. no 4/772, José de Castro Guimarães, 1831, fl. 6v. ms.
33 – nasciMento, J. F. da Silva. Leitos e camilhas portuguesas. Lisboa: Ed. Autor, 1950. p. 42.
34 – inventários, Loc. cit. doc. no 7/845, Luiz dos Santos Lima, 1783, , fl. 18v. ms.
35 – nasciMento, J. F. da S. Op. cit., p. 27.
36 – inventário. Loc. cit., doc. no 3/618, 1706, fl.7. ms.
37 – Ou bilros, como passaram a ser chamados pelos técnicos do Iphan.
38 – Postura 27, 1785, Lo 4º. In: POSTURAS (1650-1787), Arquivo da Prefeitura Municipal do
Salvador / Fundação Gregório de Mattos. fl. 131v. ms.
39 – inventários. Loc. cit. doc. no 4/642, Luiza da Conceição, 1772. fl. 11.
40 – Idem, doc. no 6/6435, João Batista Pires, 1783. fl. 9v.
41 – Pinto, A. C. e nasciMento, J. F. S. Cadeiras portuguesas. Lisboa: Bertrand, 1952, p. 86, 97.
42 – inventários. Loc. cit. doc. no 3/669, Ana Joaquina de Souza, 1806, fl. 5v. ms.
43 – Idem, doc. no 2/674, José de Souza Lobo, 1808. s.n.fl., ms.
44 – Idem. Loc. cit. doc. no 6/914, cônego João Pereira Ramos, 1858. fl. 5v.
45 – Pinto, A. C. e nasciMento, J. F. S. Op. cit., p. 19-26.
46 – Provisões do senado (1672-1681), L. 4º, fl. 156.
47 – MeMórias da viageM de suas Magestades iMPeriais a Provincia da baHia. Rio de Janeiro: Indústria
Nacional de Cotrin & Campos, 1867. p. 12.
48 – Pinto, A. C. e nasciMento, J. F. S. Op. cit., 1952. p. 27-28, nota 1.
~136~
M o b i l i á r i o b a i a n o
49 – Postura, 1672, Loc. cit., fl. 19v. Na postura de 1716 foi acrescentado: “e sendo chãos três
tostões por cada coisa”. Postura 19, In: Posturas (1650-1787), 1716. fl. 95.
50 – Postura 21, 1785, L. 4º, Loc. cit., fl. 130. ms.
51 – Pinto, A. C. e nasciMento, J. F. S. Op. cit., 1952. p. 67.
52 – langHans, Franz-Paul. As corporações dos ofícios mecânicos. Lisboa: Imprensa Nacional,
1943. v. 1. p. 105-106.
53 – Uma releitura mecanizada dos móveis do período de Luís XV.
54 – Existem ainda muitos exemplares nas igrejas.
55 – inventários. Loc. cit., doc. no 1/720, Manoel Ferreira da Silva, 1820, fl. 5v. ms.
56 – Idem, doc. no 2/809, João dos Santos Marrocos, 1839. s.n.fl. ms.
57 – Idem, doc. no 3/812, Dionísio Ferreira de Santana, 1840, fl. 5rv-6. ms.
58 – Idem, doc. no 2/627, Manoel Dias Maciel, 1746, s.n.fl. ms.
59 – Idem, doc. no 5/644, Joaquim Santana Seabra, 1781, fl. 4v. ms.
60 – A foto apresentada foi tirada em 1997. O móvel já não está no acervo do Museu do
Convento do Carmo. Segundo seu zelador, a peça foi vendida.
61 – Postura 27, 1785, L. 4º, Loc. cit., fl. 131rv. ms.
62 – inventários, Loc. cit., doc. no 6/645, João Batista Pires, 1783, fl. 9. ms.
63 – Idem, doc. no 6/667, Florência Joaquina da Conceição, 1805, s.n.fl., ms.
64 – Idem, doc. no 7/666, João Soares Nogueira, 1804, fl. 4v.
65 – Idem, doc. No 5/633a, José Ricardo Gomes, 1802, fl. 5v. ms.
66 – Idem, doc. no 1/738, Manoel Cardoso Marques, 1823, fl. 7 ms.
67 – Idem, doc. no 5/747, Maria Joaquina Rodrigues, 1825, fl. 5 ms.
68 – Idem, doc. no 1/748, Padre Manoel Pereira Lopes Macedo, 1825, s.n.fl., ms.
69 – Idem, doc. no 6/748, Plácido José da Maia, 1825, fl. 4v. ms.
70 – Idem, doc. no 4/767, Eulália Maria de Andrade Reis, 1830, fl. 12.ms.
71 – Idem, doc. no 1/783, Francisco José da Silva, 1833, fl. 6. ms.
72 – Idem, doc. no 3/812, Dionísio Ferreira de Santana, 1840, fl. 5rv. Ms.
73 – Idem, doc. no 1/892, de sua mulher Helena Clara da Rocha, 1855.s.n.fl. ms.
74 – Santo português, protetor dos exércitos lusos, primeiro padroeiro de Salvador, sob a
invocação de Arguim. No século XVIII, passou a ser venerado como Santo Antônio de Lisboa e
ganhou a patente e soldo, que conservou até 1907, de capitão “enterdenido”, como prêmio por
perder o título de protetor da Cidade.
75 – inventários. Loc. cit., doc. no 7/633, Joana Maria da França,.1755, s.n.fl.. ms.
~137~
M ó v e i s e m o b i l i á r i o
76 – estatutos da Província de santo antônio do brasil. Lisboa: na Officina de Manuel e Joseph Lopes
Ferreyra, 1709. p. 15.
77 – constituições PriMeiras do arcebisPado da baHia, feitas, e ordenadas pelo Illustrissimo e
Reverendissimo Senhor D. Sebastião Monteiro da Vide, 5o Arcebispo do dito Arcebispado, e do
Conselho de Sua Magestade: propostas e aceitas em o Synodo Diocesano, que o dito Senhor
celebrou em 12 de Junho do anno de 1707. São Paulo: Typog. 2 de Dezembro de Antonio Louzada
Antunes, 1853. Lo. III, no 478.
78 – leite, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, século XVI. Lisboa/Rio de Janeiro:
Portugalia/Civilização Brasileira, 1938. v. 5.
79 – Com exceção da imagem de São Francisco, no primeiro altar lateral, lado da Epístola, as
demais imagens não foram “modernizadas”, considerando que a tentativa feita com o santo
citado o transformou num aleijão. Foi retirada apenas a policromia de todas elas.
80 – ott, Carlos. A Santa Casa de Misericórdia da Cidade do Salvador. Rio de Janeiro: Ministério
da Educação e Cultura, 1960.
81 – Usa, literalmente, essa expressão.
82 – Também usa esse termo. Documentadamente são atribuídas a esse frei leigo, as grades das
capelas laterais da nave da igreja de São Francisco.
83 – alves, Marieta; sMitH, Robert; ott, Carlos e ruy, Affonso. História das artes na Cidade do
Salvador. Salvador: Prefeitura Municipal do Salvador, 1967.
84 – constituições, 1853, L. 4o, tit. XXIV, item 712. p. 260-261.
85 – O arquibanco, por suas dimensões e características, foi mais freqüente nos edifícios
religiosos.
86 – constituições, 1853, L. 1o, tit. XIX, item 68, 69. p. 27, 28.
87 – regiMento..., In: constituições, 1853. p. 151.
conclusões
7
~141~
c o n c l u s õ e s
Procurou-se, neste estudo, dar uma idéia bastante abrangente dos móveis usados
nas casas e recintos religiosos de Salvador, de 1700 a 1850.
Os móveis da casa baiana, nesse período, não tiveram a característica de “mobília”,
isto é, conjunto de móveis com elaboração e decoração harmônicas. Prevaleceram, ao
mesmo tempo, modelos diferentes, não havendo, especialmente no século XVIII, os
chamados “conjuntos” de mobília. Estes só começariam a aparecer, aos poucos, em fins
do século XVIII, intensificando-se o uso somente na segunda metade do século XIX. Seu
número foi aumentando à medida que mudava a relação do baiano com o interior de
sua casa.
A quantidade de móveis presentes nas casas geminadas, pouco claras e arejadas
em seu interior, e nas casas isoladas no meio de jardins arborizados, cheios de janelas
e árvores, mostra a mudança clara nessa relação. No século XVIII, os habitantes de
Salvador estavam voltados para a rua, enquanto no século XIX começaram a se voltar
para dentro de suas mansões, especialmente fora do centro da cidade. Assim, a escassez
de móveis, característica dos setecentos, é substituída pela superabundância dos mesmos
nos oitocentos.
A cronologia dos estudos clássicos, apresentada pela maioria dos autores que
escreveram sobre o mobiliário brasileiro, apresenta uma defasagem em relação à obtida
neste estudo por meio dos inventários e testamentos. O atraso observado deveu-se ao tempo
decorrido entre a introdução do móvel na Bahia, época à qual normalmente se referem os
autores em questão, e a sua vulgarização, época à qual se referem os inventários, com as
devidas correções de desvios. Por se tratar de moda, de sua relação com os habitantes de
Salvador e uso corrente por grande parte desses habitantes, preferiu-se trabalhar com
a cronologia ligada à vulgarização dos móveis. Foi encontrada defasagem que chegou a
atingir cinqüenta anos entre as duas cronologias..
Portanto, os móveis de estilos artísticos europeus – renascentista, barroco, rococó,
neoclássico simultâneo ao eclético – sempre foram tardios no Brasil, pois levaram muito
tempo para ser divulgados e vulgarizados, mesmo nos núcleos urbanos mais importantes.
Os modelos eram portugueses, indianos, de influência inglesa ou francesa, originais ou
copiados pelos oficiais mecânicos. Estes os reproduziram em larga escala, algumas vezes
com pequenas adaptações, a depender do lugar, da competência da mão de obra, dos
materiais ou ferramentas.
A regulamentação das diferentes profissões, exercidas pelos oficiais mecânicos,
por meio das posturas, permitiu ao Senado da Câmara de Salvador, apesar de não
Penteadeira feita em série, século XIX. Convento de São Francisco, Salvador.
~142~
M o b i l i á r i o b a i a n o
possuir o poder judiciário e administrativo pleno, exercer controle sobre as atividades
dos marceneiros, torneiros, correeiros e serralheiros, o que resultou numa uniformização
das obras realizadas, principalmente durante o século XVIII. O controle e interferência
na execução de móveis era feito pelas Câmaras, tomando modelos de origem lusa, ou
comercializados por Portugal, reforçados pela presença de oficiais mecânicos vindos da
Metrópole. Isso explica a relativa uniformidade dos móveis luso-brasileiros.
É importante notar, ainda, que essa uniformização restringiu-se quase
exclusivamente à cópia de modelos importados de Portugal. Convém ressaltar, também,
que era uso do período copiar os modelos pré-existentes. Para ser mestre, o oficial
deveria copiar uma obra de outro mestre. Desse modo, não se pode falar em mobiliário
tipicamente brasileiro, pelo menos no que se refere à Bahia. Deve-se lembrar que, de
acordo com a ideologia da época, os artistas e artesãos não procuravam criações originais.
Isso se verificou na arquitetura, na imaginária, na escultura e, principalmente, na pintura
e no móvel.
De muitos móveis que são citados, não se encontraram exemplares nas coleções
locais e mesmo nacionais. Em conseqüência, não aparecem na historiografia do mobiliário
brasileiro e, muito menos, na baiana. É o caso dos móveis feitos com a madeira pequiá,
com entalhes ou com trabalhos de marchetaria. Também os móveis com pés de burro já são
inexistentes nesses acervos.
A partir do século XIX, quando o Brasil foi atingido pelos reflexos da Revolução
Industrial, os modelos franceses, especialmente da época dos luíses, e os da Inglaterra e
dos Estados Unidos, além de móveis esparsos de outras regiões européias, entraram na
Bahia através das cidades do Porto e de Lisboa e do gosto dos baianos. A vinda da corte
para o Brasil, com D. João VI, intensificou ainda mais o seu uso, apesar das relações
políticas. Com a chegada da corte, foi necessário reconstruir o Rio e dar-lhe feições de
capital. Logo depois, chegavam os famosos membros da chamada missão francesa, que
incentivou as artes.
Muitos móveis pertencentes a determinados acervos museológicos ou a coleções
são reminiscências estilísticas que reapareceram na segunda metade do século XIX, sob a
designação de móveis à moda Luís XIV, Luís XV ou Luís XVI, tendo a aparência de móveis
barrocos, rococós, neoclássicos ou ecléticos, mas de forma estilizada e feita em série,
mecanicamente, formando já conjuntos de mobília.
Nesse sentido, é preferível utilizar as designações estilísticas européias para
classificar os móveis usados em Salvador, considerando que a classificação pelos nomes
dos reis não se compatibiliza com a realidade. As únicas designações aceitáveis são as dos
~143~
C o n c l u s õ e s
designers que emprestaram seus nomes aos modelos que já eram vendidos por catálogos,
feitos sob encomenda, mas multiplicados como móveis em série, idênticos uns aos outros.
Já se entrava em uma outra etapa de construção do mobiliário baiano.
Banca de leque ou de abrir, barroca, século XVIII. Museu de Arte da Bahia.
glossár io
8
~147~
ALDRABA ou ALDRABÃO – peça de ferro ou metal, muitas vezes em forma de argola,
colocada na porta para chamar o dono, com batidas.
ALMAS – pessoas batizadas.
ALMOTACÉ – fiscal de pesos e medidas e dos preços dos produtos taxados pela câmara.
ALVÍNEO – artesão especializado em alvenaria.
ARCA – móvel de tampo ligeiramente abaulado que se encaixa e completa a parte superior
do móvel. É o nome dado hoje indevidamente à caixa.
ARQUIBANCO – banco-arca de encosto alto e assento móvel; servia também como
móvel de guardar.
ARRANQUETA – base para encaixe de puxador de gaveta.
BANCA – mesa de menores dimensões, com três lados decorados, sendo o quarto lado
colocado de encontro à parede.
BANCA DE ABRIR – mesa com um tampo que podia ser montado ou desmontado;
também chamada banca de leque ou mesa de leque.
BANCA DE ESBARRA – designação do século XVIII dada à peça hoje chamada console
ou banca ou mesa de encostar.
BANCA DE LEQUE – mesmo que banca de abrir ou mesa de leque.
BAÚ E ARCA DE COURO DE MOSCÓVIA – peças de madeira em forma de caixa,
cobertas de couro de origem russa.
BIDET – móvel de higiene, de origem francesa.
g l o s s á r i o
Cama com ornamentação eclética, feita em série, século XIX. Museu de Arte Sacra.
~148~
M o b i l i á r i o b a i a n o
BOFETE ou BOFETINHO – móvel mais alto e encorpado que a mesa, com pernas
e travessas completamente torneadas, usado como aparador. Recebe de muitos autores
atuais a designação de mesa manuelina ou mesa de bolachas ou discos.
CABECEIRA ENTALHADA E ABERTA PARA ESTOFAR – cabeceira de cama
ornamentada com escultura e acolchoado, típica da segunda fase do barroco. É atualmente
designada como cabeceira de volutas e cartelas.
CABECEIRA LAVRADA OU TALHADA – cabeceira de cama entalhada com detalhes
barrocos ou rococós.
CADEIRA DE CAMPANHA – cadeira dobrável com assento flexível, de fácil transporte,
hoje chamada cadeira de viagem ou dobradiça; o mesmo que cadeira de vento.
CADEIRA DE ESPALDA – cadeira de encosto bastante alto, com ou sem braços. É
chamada hoje cadeira de estado.
CADEIRA DE LEQUE – cadeira com detalhes de pequenos leques esculpidos nos
arremates dos cantos, no centro do assento e no encosto.
CADEIRA DE MEIO MOLDE – com encosto reduzido, em contraposição ao de espalda
alta. Designada por alguns autores como cadeira com espaldar de meia altura.
CADEIRA DE SOLA – cadeira com assento e encosto de couro.
CADEIRA DE TABELA – caracterizada pelo encosto tripartido, cujo elemento central
é mais largo, em forma de tabela; podia ter a forma de perfil de balaústre cheio ou com
interior recortado.
CADEIRA DE VENTO – mesmo que cadeira de campanha.
CADEIRA RASA – designação dada ao tamborete.
CAIXA – designação dada ao móvel classificado nos museus, atualmente, como arca.
~149~
G l o s s á r i o
CAIXA DE MALHETE – caixa com guarnição entalhada, chamada contemporaneamente
de tremido, treme-treme ou bico de jaca.
CAIXÃO – mais alto e mais longo que a caixa, com quatro gavetas pequenas e dois
gavetões ou, como diziam, “duas gavetas inteiras e duas partidas”. Protótipo das cômodas.
Designava também o arcaz das sacristias, como se chama hoje.
CALAFATE – oficial especializado em vedar as junturas ou fendas de embarcação.
CALVÁRIO – pequeno monte, estilizado ou não, que sustentava o Cristo Crucificado nos
oratórios. Designado hoje como peanha.
CAMA – móvel de descanso, mesmo que leito.
CAMA DE CAMPANHA – parecida com a cama-de-vento, sem cortinado.
CAMA-DE-VENTO – chamada em Portugal cama inglesa, parecida com a cama de
campanha que a seguiu; possuía todos os elementos dos leitos, com a diferença de ser
estreita, desmontável e transportável. Tinha estrutura para cortinado.
CAMA FRANCESA – móvel simples, em geral confeccionado em madeira clara, como
pau-cetim, e “bordada com embutidos” coloridos, de estilo neoclássico.
CANAPÉ – assentos e encostos conjugados de dois, três ou mais lugares, de influência
francesa; também chamado sofá.
CANASTRA DE COURO CRU – recipiente feito de couro para transporte em lombo de
animais.
CANTEIRO – artesão que lavrava pedra ou fazia obra de cantaria.
CARTEIRA DE MÃO – pequena escrivaninha transportável.
CASA DE RESIDÊNCIA – equivalente ao edifício construído e habitado.
~150~
M o b i l i á r i o b a i a n o
CATRE OU CAMA – cama sem o aparato dos leitos, sem balaústres e cortinados, mas
com pequena cabeceira e mais larga que os preguiceiros.
CHAROLA – andor.
COLUNA SALOMÔNICA – coluna que tem o fuste em espiral. É uma das principais
características do primeiro barroco e inspirou os torneados e retorcidos.
COLUNAS – esteios torneados ou estriados, com formas completas ou retorcidos que
serviam para sustentar o cortinado dos leitos. São hoje designadas como balaústres.
CÔMODA DE COLUNA – cômoda neoclássica com os ornamentos laterais em colunas
estriadas, ou não.
CONSOLE – vide banca de esbarra.
CORREEIRO – artesão que trabalhava o couro.
COURO LAVRADO – couro de assentos e encostos de cadeiras com gravação de
desenhos.
COURO OU SOLA PICADA – couro de assentos e encostos de cadeiras em que o lavor
era substituído por furos regulares. Era trabalhado pelo pica-couro.
CRIOULO – primeira geração de descendentes africanos, nascidos no Brasil.
EMBUTIDO – trabalho de marchetaria realizado com madeiras coloridas sobre jacarandá
ou sobre madeiras claras, como pequiá, pau-marfim ou pau-cetim.
ENSAMBLAR – encaixar.
ESPALDA – espaldar ou encosto alto das cadeiras. É conhecida hoje como cadeira de
estado, com ou sem braços, ou cadeira de sola.
ESPARTEIRO – artesão que fazia cestas, esteiras e cordas.
~151~
G l o s s á r i o
ESPELHO DE VESTIR – espelho de grande porte para visualização de corpo inteiro.
ESPREGUICEIRO OU PREGUICEIRO – móvel de descanso, para fazer a sesta, mais
estreito que o catre, com encosto reclinado e sem resguardo nos pés.
ESTOFADO – camada de massa colocada sob a pintura de móvel ou de imagem, para
unificar a superfície e tirar as imperfeições para receber a camada colorida; mesmo que
encarnado.
ESTOFO OU ESTOFADO – acolchoados colocados em vãos nas cabeceiras de camas
e encostos de cadeiras. Hoje são chamados cartelas, almofadas, almofadados ou coxins.
ESTRADO – mesmo significado de hoje, mas, coberto de esteira ou alcatifa, era usado
pelas mulheres para bordar e, a maioria das vezes, dormir com as crianças.
ÉTAGER – móvel com prateleiras de guardar louça, de influência francesa.
FECHADURA MOURISCA – espelho de fechadura das caixas ou arcas com desenho
caprichoso em forma de filigrana estilizada.
FOGO – equivalente a casa, com o sentido de lar.
FOLHEADO – lâmina de madeira usada para revestir móveis confeccionados com
madeiras menos nobres.
FRASQUEIRA – recipiente próximo da arca, mas com tampo reto e encaixes inclinados.
Possuía divisórias internas para transportar frascos.
FUSCO – pardo, escuro.
GAVETA PARTIDA – gaveta grande, partida em duas, formando duas gavetas pequenas
na parte superior ou inferior das cômodas ou armários.
GAVETAS DE VOLTA – gavetas das cômodas e das mesas de esbarra que têm um perfil
arqueado na frente. São chamadas hoje de móveis bombé ou de barriga.
~152~
M o b i l i á r i o b a i a n o
GAVETAS POR BANDA – gavetas de lado. As laterais, em alguns móveis, são chamadas
hoje de ilhargas.
GELÓSIA – grades de treliças que vedavam os vãos das janelas; o mesmo que rótula.
GOMOS – ornamentação em forma de pequenos diamantes seriados ou pequenas
ondulações em faixas contínuas, que os estudiosos contemporâneos chamam tremidos e,
conforme o desenho, de goivados ou de treme-tremes.
GUARNIÇÃO DE JACARANDÁ – ornamentação de jacarandá sobreposta nas caixas de
estrutura de vinhático, formando o que hoje se chama de tremidos, goivados ou almofadas.
LEITO – nome dado à cama provida de balaústres e cortinado, chamada hoje cama com
baldaquino, cama com torneados, ruelas ou bolachas, fusos ou bilros, camas com esteios
ou lanças com dossel ou céu.
MADEIRA ESTOFADA – madeira encarnada ou emassada.
MARQUESA – móvel de descanso, de uso coletivo, formando conjunto com mobília de
sala. Substituiu o canapé.
MEIA-CÔMODA – cômoda baixa com um ou dois gavetões e duas gavetas pequenas ou,
como diziam, dois gavetões e uma gaveta partida. Sempre era usada aos pares.
MEIAS-CANAS OU TELHAS – arremates dos ângulos das camas que substituíram os
balaústres. Formavam meio balaústre ou curvas imitando a telha chinesa.
MESA – designação dada apenas ao móvel que servia para refeição e serviços de cozinha
ou com funções bem específicas, como jogo ou chá.
MESA DE ENCOSTAR – vide banca de esbarra.
MESA DE ESBARRA – móvel ornamental usado encostado à parede, com a parte frontal
arredondada. Pode ser retilínea, tendo largura reduzida. Chamada atualmente mesa de
encostar ou console.
~153~
G l o s s á r i o
MESA DE LEQUE – vide banca de abrir.
MESA OU BANCA DE JOGO – mesmas características das mesas e bancas comuns,
distinguindo-se por dispor de cinzeiros cavados no tampo, este dobrável e coberto com
pano verde.
MESA QUADRALONGA – mesa retangular, apresentando desproporção entre o
comprimento e a largura.
MESTERES – por contração de mestre.
MISSAGRA – dobradiça.
MÍSTICA – misturada.
MOURISCA – de origem moura.
MÓVEIS DE LUXO – móveis confeccionados em madeira de lei e com ornamentação
bastante rica.
MÓVEIS ORDINÁRIOS OU COMUNS – feitos com madeiras de lei, mas com
ornamentação mais contida e menos aparatosa.
MÓVEIS TOSCOS – feitos de madeiras comuns, em geral a madeira branca usada nas
caixas de açúcar. Muito simples, com linhas retas, sem características de estilo dignas de
atenção, eram próprios para uso popular ou áreas de serviços domésticos fora do corpo
da casa.
MUXARABIS – balcão saliente, apoiado em cachorros de pedra. Grades providas de
postigos movediços, semelhantes a pára-ventos.
ORATÓRIO DE DIZER MISSA – oratório de grande porte, geralmente conjugado com
cômoda ou caixão; continha todos os apetrechos necessários para a realização de missa
em casa particular.
~154~
M o b i l i á r i o b a i a n o
ORDINÁRIO (A) – comum.
PALMO – medida de comprimento que equivalia a cerca de 22 cm, ou oito polegadas.
Media-se com a mão espalmada, indo da ponta do polegar à ponta do dedo mínimo.
PANOS VERDES – forros de panos verdes próprios das mesas de jogar, que passaram
a ser utilizados como cobertura em todas as mesas. Eram também usados como forros
das gavetas.
PAPELEIRA DE MEIO-CORPO – papeleira com os dispositivos para apetrechos de
escrita, chamados repartimentos, gavetinhas e segredo; era colocada sobre uma mesa ou
apoiada em pés altos. Com o aparecimento das papeleiras grandes, passou a ser designada
como carteira.
PAVILHÃO – balaústre e cortinado dos leitos.
PEANHA – termo usado desde o século XIX para designar a base sobre a qual se assentam
santos, cruz, imagens em geral.
PEDÂNEO (juiz ou escrivão) – oficiais que julgavam as causas a pé.
PERNAS DE COLUNA – pés simples com colunas neoclássicas, estriadas ou não.
PERNAS TORTAS – o mesmo que pés ou pernas de volta.
PÉS ALTOS – pés de papeleira da altura de bofete ou pés mais elevados que os das caixas,
usados nas arcas propriamente ditas, conjugados com o arremate inferior desses móveis
de guardar.
PÉS DE BURRO OU DE CABRA – pés utilizados em todos os móveis barrocos e
rococós; representavam fielmente os cascos desses animais.
PÉS DE GALO – pés em forma de garras de aves ou compostos de uma perna que
termina em três hastes de apoio.
~155~
G l o s s á r i o
PÉS DE GRÃ BESTA – pés de leão, referidos como “pés de garra” pelos historiadores atuais.
PÉS DE GRADE – pés em forma de engradado que serviam de suporte para as arcas.
Substituíram os pés altos.
PÉS DE VOLTA – pés de forma arqueada, quase em interrogação, caracterizando o
móvel como um todo. São hoje chamados “cabriole”, cabriola, pernas arqueadas ou, ainda,
pernas tortas.
PÉS ENTALHADOS – terminais simples, hoje chamados de sapata, cachimbo, dupla
voluta, de bola, de bolacha, conforme o recorte. As designações de pés de pincel, de pato,
de cachimbo também são contemporâneas.
PICHELEIRO – artífice que fazia trabalhos com folha-de-flandres, especialmente pichéis,
vasilhas próprias para tirar vinho de pipas ou tonéis.
POLIEIRO – polidor.
PREGARIA GROSSA E MIÚDA – tachas de metal usadas para pregar o couro nas
cadeiras, leitos, etc. Hoje são chamadas tachas, pregos rebitados e tachões.
PRETO – pessoa oriunda da África.
PUXADOR E FECHADURA DE LATÃO – acessórios de móvel de guardar, feitos com
liga de cobre e zinco, substituindo os de ferro.
RASA – baixa para o caso de caixas e sem encosto quando se refere a assento.
REMATE DE TALHA – elemento decorativo usado nas cabeceiras das cadeiras, camas,
preguiceiros. Muitos autores designam hoje esse arremate como cachaço.
RENDA – elemento decorativo em talha. É a chamada saia, avental, aba rendada, hoje em
dia, e se apresentava como complemento ornamental dos contadores, mesas e bancas, na
parte intermediária entre o tampo e os pés.
~156~
M o b i l i á r i o b a i a n o
RETORCIDO – torneado helicoidal, também chamado rosca. Essa denominação foi dada
às colunas herdeiras das colunas salomônicas de pequenas proporções dos leitos e pés de
mesas, tamboretes e bofetes.
RISCO – desenho.
ROSCA – forma em espiral, o mesmo que retorcido, torcido ou coluna salomônica.
RÓTULA – vide gelósia.
SAMBLAR – vide ensamblar.
SANTO DE VULTO – santo de corpo inteiro.
SOFÁ – assentos e encostos conjugados com dois, três ou mais lugares, também chamado
canapé. Foi a associação, num mesmo móvel, de várias cadeiras, com assento contínuo,
mantendo-se a divisão original.
SOMBREIRO OU SOMBREIREIRO – artesão que fazia chapéus.
TABAQUEIRO – que usa tabaco.
TACHÕES – tachas grandes.
TALABARDEIRA – leva-e-traz.
TAMBORETE – o mesmo que cadeira rasa. As cadeiras simples podiam ser chamadas de
tamborete de encosto. É denominado pelos autores contemporâneos de banco, mocho ou
escabelo, conforme o modelo e o tamanho.
TAMBORETE DE ENCOSTO BAIXO – sem braços, diverso do tamborete raso ou
cadeira rasa. Tem o encosto 20 ou 30 cm mais baixo que o das cadeiras que o antecederam.
TAMBORETE RASO – tamborete sem encosto, usado até o fim do século XVIII, quando
passou a ser chamado de cadeira rasa.
~157~
G l o s s á r i o
TAMPO DE MÁRMORE – tampo de mesa e banca que substituiu o de madeira. Hoje é
chamado lastro de mármore.
TANOEIRO – artífice que fazia pipas, barris, tinas.
TELHA – arremate dos pés das camas, salientando-se acima do leito, em forma do
ornamento utilizado nas quinas dos telhados nos pagodes chineses em forma de telha.
TOILETTE – o mesmo que toucador, de maiores dimensões e de influência francesa.
TORCIDO – vide retorcido.
TOUCADOR – pequeno móvel de higiene, com espelho e gavetinha, que se colocava sobre
mesa, banca ou cômoda. Os primeiros exemplares eram ingleses. Em dimensões maiores e
de influência francesa, passaram a ser chamados de toilette.
TOURINHA – novilha nova (contraposição ao touro bravo).
TRASTE – designava, principalmente, móveis e objetos decorativos novos ou usados
vendidos em loja.
TRATADÍSTICA – séries de tratados de arquitetura e de pintura, ditando as regras mais
racionais a serem seguidas. Criadas no Renascimento, continuaram a regular o Barroco.
TREMÓ – móvel que substituiu a mesa de esbarra nas salas. Acompanhado de espelho de
grandes dimensões, era usado entre duas janelas.
VULGO – povo.
reFerênc ias b ibl iográF icas e
b ibl iograF ia
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1792; 04/1588/1057/07, 1793; 04/1575/2044/02, 1793; 04/1596/2065/09, 1794;
04/1594/2063/07, 1795; 03/972/1441/02, 1798; 04/1761/2231/04, 1800; 04/1764/2234/03,
1801; 04/1765/2235/04, 1802; 04/1768/2238/03,1802; 04/1766/2236/03, 1805;
05/2048/2519/15, 1808; 04/1790/2260/01, 1809; 01/1091/165A/01, 1809-1861;
04/1708/2178/03, 1810; 09/1716/2186/01, 1811; 05/1707/2177/05, 1811; 04/1709/1614/08,
1811; 04/1710/2118/06), 1811; 04/1710/2180/06, 1811; 04/1507/1976/08, 1814; 07/2889/05,
1815-1832; 04/1547/2016/01,1817; 04/1738/2208/06, 1817; 05/2192/2661/07, 1817;
05/2133/2602/02, 1821; 04/1743/2213/08, 1822; 05/2152/2621/03, 1822; 04/1749/2219/03,
1823; 04/1715/2185/11, 1823; 04/1717/2187/02, 1825; Arquivo Público do Estado da Bahia,
ms (são relacionados apenas os inventários citados no texto).
licenças (1785-1791); licenças (1789-1791); licenças (1797-1801); licença (1801-1811);
licenças (1815-1820), Salvador, Arquivo da Prefeitura do Salvador / Fundação Gregório de
Mattos, ms.
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Portarias 1817-1831. Salvador, Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação
Gregório de Mattos, fl. 64v. ms.
Posturas (1650-1787); POSTURAS (1690-1696) cópia; POSTURAS (1716-1742). Salvador,
Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador Histórico / Fundação Gregório de Mattos, ms.
Presidência da Província, Série Império, Religião, 1855-1874, Arquivo Público do Estado da
Bahia, ms.
Provisões reais (1641-1680), Salvador, Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador /
Fundação Gregório de Mattos, cópia, ms.
Provisões do senado (1699-1726); Provisões do senado (1672-1681); Provisões do senado (1741-
1755); Provisões do senado (1754-1770); Provisões do senado (1770-1788); Provisões do senado
(1788-1789); Provisões do senado (1811-1829); Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador
/ Fundação Gregório de Mattos, ms.
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M o b i l i á r i o b a i a n o
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A Coleção Obras de Referência do Programa Monumenta/Iphan
reedita mais um título para a bibliografia básica do Patrimônio: a pesquisa da
professora Maria Helena Flexor a respeito dos móveis e do mobiliário usado
em Salvador do início do século XVIII até meados do século XIX.
A obra, agora revista e atualizada, apresenta o inventário dos móveis
encontrados na primeira capital brasileira durante o período e localiza
os exemplares subsistentes. Além disso, trata dos estilos, da mão
de obra e dos materiais empregados em sua confecção, oferecendo fartas
referências bibliográficas e iconografia.