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Indaial – 2021 MISSIOLOGIA Prof. Marcone Costa Cerqueira 2 a Edição

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Indaial – 2021

Missiologia

Prof. Marcone Costa Cerqueira

2a Edição

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Copyright © UNIASSELVI 2021

Elaboração:

Prof. Marcone Costa Cerqueira

Revisão, Diagramação e Produção:

Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

Impresso por:

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apresentaçãoOlá, acadêmico! Seja bem-vindo ao Livro Didático Missiologia,

disciplina esta direcionada para o estudo da teologia da missão, sendo uma fundamental área de estudo da teologia cristã. Estudaremos juntos, de forma crítica e reflexiva, todos os aspectos importantes que compõem esta área teológica, bem como seus desdobramentos em áreas como a eclesiologia e a soteriologia, buscando uma abordagem tanto teórica quanto histórica. Nesta perspectiva histórico-teórica, centraremos foco nos conceitos que fundamentam a teologia da missão em suas diversas expressões, desde o evento da vinda do Messias até os atuais desafios contemporâneos para o cumprimento da missão por ele delegada.

Para cumprirmos esta tarefa, dividiremos nosso estudo em três unidades coesas, tendo como fio condutor a compreensão de um evento que ainda está se desenrolando na história e que deve culminar com a própria volta do Messias. Em outros termos, a missiologia não é um estudo de coisas passadas ou de ações presentes, deslocadas do futuro. Neste sentido, deve haver uma compreensão ampla, coordenada e crítica de todos os aspectos que marcam este propósito que surge com a própria ação salvadora do Cristo. O espaço de tempo de mais de dois mil anos pode nos levar a perder esta perspectiva de continuidade e de desenvolvimento, além deste fator, há ainda as diversas mudanças doutrinais, eclesiásticas, culturais e intelectuais que marcaram este prologando período.

Como então ordenar nosso estudo tendo em vista esta perspectiva histórico-teórica e todos os pontos que ela apresenta? Bem, acreditamos que podemos empreender esta tarefa buscando articular tanto os fundamentos teológicos, quanto os eclesiológicos, considerando os desafios culturais e sociais contemporâneos e suas diversas expressões diante da missiologia atual. Sendo assim, dividiremos nosso estudo em três momentos.

Na Unidade 1, abordaremos de forma crítica e reflexiva a origem da promessa messiânica presente ainda no Velho Testamento, sua importância na compreensão da vinda do Cristo, a mensagem do Evangelho e o estabelecimento do querigma cristão. Teremos ainda o estudo dos fundamentos teológicos da missão apostólica, a incumbência da evangelização dada por Cristo aos primeiros discípulos, o trabalho missionário do apóstolo Paulo e seus desafios diante da sólida tradição clássica do mundo pagão antigo.

Em seguida, na Unidade 2, estudaremos os fundamentos eclesioló-gicos que marcam o desenvolvimento da missão no período medieval, mo-mento este tão importante para o surgimento e fortalecimento da Igreja cris-tã, tendo como base, principalmente, o estabelecimento de suas doutrinas e

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ensinamentos. Analisaremos os Concílios, as discussões teológico-filosóficas e os principais desdobramentos deste processo no estabelecimento de bases teológicas bem definidas e de toda uma fundamentação eclesiológica e dou-trinal.

Por fim, na Unidade 3, analisaremos os principais desafios e perspectivas que se apresentam à discussão da missiologia contemporânea, seja em vista da multiculturalidade, das diversas expressões sociais, políticas e intelectuais que moldam o mundo contemporâneo. Buscaremos ainda compreender como as novas tecnologias e as mídias de massa têm influenciado no processo de evangelização. Além disso, discutiremos ainda o aspecto ecumênico e as novas tentativas de diálogo entre as denominações cristãs contemporâneas.

Ao final desta disciplina, esperamos que você seja capaz de expressar suas próprias considerações sobre todos os temas estudados, aprimorando seus conhecimentos, colocando em prática suas reflexões e aplicando-as em sua atividade profissional.

Bons estudos!

Prof. Marcone Costa Cerqueira

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Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novi-dades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagra-mação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilida-de de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assun-to em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos!

NOTA

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Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complemen-tares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!

LEMBRETE

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suMário

UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA MISSÃO .............................................. 1

TÓPICO 1 — A PROMESSA DO MESSIAS E O PRENÚNCIO DO QUERIGMA ................... 31 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 32 A PROMESSA QUERIGMÁTICA NO VELHO TESTAMENTO .............................................. 4

2.1 A PRIMEIRA ALIANÇA E A PROMESSA MESSIÂNICA ....................................................... 63 A VINDA DO MESSIAS E A NOVA ALIANÇA ......................................................................... 13

3.1 A NOVA ALIANÇA NO SANGUE DE CRISTO ..................................................................... 14RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 17AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 18

TÓPICO 2 — O QUERIGMA NOS EVANGELHOS E A AÇÃO APOSTÓLICA .................... 211 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 212 BOA-NOVA DE SALVAÇÃO A TODO O MUNDO: A UNIVERSALIDADE DO EVANGELHO ............................................................................................................................. 22

2.1 ASPECTOS DO MUNDO ANTIGO E A MENSAGEM DO EVANGELHO ........................ 263 O QUERIGMA COMO FUNDAMENTO DA MISSÃO APOSTÓLICA ................................ 28

3.1 O APOSTOLADO COMO OFÍCIO ............................................................................................ 30RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 33AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 34

TÓPICO 3 — O APOSTOLADO PAULINO E O CONFRONTO COM O MUNDO PAGÃO ......................................................................................... 371 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 372 A “VERGONHA” DO CRISTO E O PARADIGMA RELIGIOSO NA ANTIGUIDADE .... 38

2.1 RELIGIÕES NACIONAIS E O PARADIGMA POLÍTICO-SOCIAL DA ANTIGUIDADE ..................................................................................................................... 41

3 O FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA CRISTÃ NO APOSTOLADO DE PAULO ENTRE OS GENTIOS ................................................................................................ 43LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 49RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 55AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 56

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 58

UNIDADE 2 — FUNDAMENTOS DA ECLESIOLOGIA DA MISSÃO ................................... 61

TÓPICO 1 — A TEOLOGIA DA MISSÃO NO INÍCIO DA IGREJA ........................................ 631 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 632 A SISTEMATIZAÇÃO DA TEOLOGIA CRISTÃ E OS PAIS DA IGREJA ........................... 65

2.1 SANTO AGOSTINHO E O EMBATE CONTRA OS PAGÃOS E HEREGES ...................... 693 A MENSAGEM DO EVANGELHO E OS PRIMEIROS CONCÍLIOS DA IGREJA ............. 73

3.1 OS CONCÍLIOS DE NICEIA, ÉFESO E NICEIA II ................................................................. 75RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 79AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 80

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TÓPICO 2 — FÉ E RAZÃO NA TEOLOGIA DA MISSÃO NA IGREJA MEDIEVAL ................ 831 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 832 A MENSAGEM DO EVANGELHO E O CRIVO DA RAZÃO ................................................. 84

2.1 A AMEAÇA DAS HERESIAS E A TEOLOGIA EVANGÉLICA DE TOMÁS DE AQUINO ........................................................................................................... 88

3 DEFESA E EXPANSÃO DA CRISTANDADE NO OCIDENTE ............................................... 913.1 AS MISSÕES ENTRE OS “BÁRBAROS” E A EXPANSÃO DA IGREJA ............................. 92

RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 95AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 96

TÓPICO 3 — A TEOLOGIA DA MISSÃO E O PROBLEMA DA UNICIDADE DA IGREJA NA MODERNIDADE ................................................ 991 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 992 DO CISMA À REFORMA: A EVANGELIZAÇÃO E A QUESTÃO DA UNICIDADE CRISTÃ ............................................................................................................. 100

2.1 A REFORMA PROTESTANTE E A DIVISÃO DO “MUNDO CRISTÃO” NO OCIDENTE ...................................................................................................... 102

3 A TEOLOGIA DA MISSÃO E A CONQUISTA DO “NOVO MUNDO” ............................ 1073.1 CATÓLICOS NO SUL E PROTESTANTES NO NORTE DO NOVO CONTINENTE ............. 108

LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 111RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 114AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 115

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 117

UNIDADE 3 — A TEOLOGIA DA MISSÃO NA CONTEMPORANEIDADE ...................... 119

TÓPICO 1 — EVANGELIZAÇÃO NO MUNDO GLOBALIZADO ......................................... 1211 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 1212 A MENSAGEM DO EVANGELHO E A TRANSCULTURALIDADE .................................. 123

2.1 POR UMA TRANSCULTURALIDADE HORIZONTAL ..................................................... 1273 PREGAR O EVANGELHO OU LEVAR UMA DOUTRINA? MISSÃO INCULTURADA ............................................................................................................ 130

3.1 PAULO E A INCULTURAÇÃO ............................................................................................... 132RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 135AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 136

TÓPICO 2 — A TEOLOGIA DA MISSÃO E A QUESTÃO SOCIAL ...................................... 1391 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 1392 A EVANGELIZAÇÃO E OS DIREITOS HUMANOS .............................................................. 140

2.1 A EVANGELIZAÇÃO E AS MINORIAS SOCIAIS ................................................................ 1443 A EVANGELIZAÇÃO E A OPÇÃO PELOS POBRES .............................................................. 147

3.1 EVANGELIZANDO OS POBRES DE NOSSA TERRA ......................................................... 150RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 153AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 154

TÓPICO 3 — EVANGELIZAÇÃO, ECUMENISMO E A REVOLUÇÃO NAS COMUNICAÇÕES .............................................................. 1571 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 1572 EVANGELIZAÇÃO DE MASSA E AS MÍDIAS SOCIAIS ..................................................... 158

2.1 “IDE POR TODA A ‘REDE’ PREGANDO O EVANGELHO” ............................................ 159

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3 ECUMENISMO E A TEOLOGIA DA MISSÃO: REVISITANDO A QUESTÃO DA UNICIDADE CRISTÃ .................................................................................... 161LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 165RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 167AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 168

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 170

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UNIDADE 1 —

FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA MISSÃO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender e analisar o conceito de querigma, sua relação com a promessa do Velho Testamento e a centralidade da figura do messias prometido;

• conhecer, analisar e compreender os fundamentos teológicos nos evangelhos e suas relações com a missão querigmática;

• analisar e compreender os fundamentos teológicos do apostolado e a centralidade da evangelização;

• conhecer e compreender os fundamentos da teologia cristã a partir dos aspectos centrais do apostolado de Paulo, bem como os aspectos teóricos, históricos e culturais da antiguidade.

Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A PROMESSA DO MESSIAS E O PRENÚNCIO DO QUERIGMA

TÓPICO 2 – O QUERIGMA NOS EVANGELHOS E A AÇÃO APOSTÓLICA

TÓPICO 3 – O APOSTOLADO PAULINO E O CONFRONTO COM O MUNDO PAGÃO

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

CHAMADA

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TÓPICO 1 — UNIDADE 1

A PROMESSA DO MESSIAS E O

PRENÚNCIO DO QUERIGMA

1 INTRODUÇÃO

Prezado acadêmico, começaremos a conhecer nesta unidade, de forma concisa e reflexiva, a relação entre o plano salvífico de Deus, seu anúncio ainda no contexto do Velho Testamento e sua efetivação na vinda do Messias, com o início da missão querigmática de sua Igreja. Para isso, é central a compreensão de uma noção de continuidade, ou seja, o plano salvífico de Deus está posto desde o início da Criação, após a queda do ser humano, e se concluirá tão somente com a volta gloriosa de Cristo.

Ao analisarmos o início do plano salvífico de Deus nos voltamos, indelevelmente, para as escrituras do Velho Testamento, entendendo que ali está já posta a base da mensagem do Evangelho. Há uma situação na qual o ser humano se afastou de seu criador, preferindo estar apartado de sua glória e presença, a partir deste momento o plano de salvação se constitui como o restabelecimento deste laço rompido. Ao pensarmos no que está escrito em Gênesis 3,15 (BÍBLIA SAGRADA, 2002): “Eu porei inimizades entre ti, e a mulher; entre a tua posteridade e a dela. Ele te pisará a cabeça e tu procurarás morde-lhe no calcanhar”, podemos ver já posta a mensagem central do Evangelho. A vinda do Cristo para a redenção do ser humano que se distanciou de seu criador, cedendo ao engano da serpente, tendo-se já aí os elementos centrais da virgem que daria à luz a este salvador, bem como a árdua tarefa de Cristo sobrepujar o poder da morte representada pela figura do mal.

O início do Velho Testamento é já o cenário no qual está posta a promessa do Evangelho, a promessa de redenção, de restauração para o ser humano, bem como a promessa que deveria ser levada a toda humanidade, ou seja, está a instituição do querigma cristão que se concretizaria na missão delegada por Cristo. Por este entendimento, não podemos “fraturar” o plano salvífico de Deus, pretendendo haver um propósito no Velho Testamento e outro no Novo Testamento.

Essa visão implica em aceitar que não há um “Deus” dos judeus no Velho Testamento e um “Deus” cristão no Novo Testamento. Há sim uma etapa do plano salvífico de Deus, revelada ao povo escolhido, no qual viria o Messias, mas completada por uma etapa não só revelada, mas concretizada na vinda deste Messias. Desta forma, começar a tratar da teologia da missão apenas a partir do cenário neotestamentário, seria, como dito, “fraturar” o plano salvífico de Deus instituído desde o momento da queda do ser humano no paraíso.

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UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA MISSÃO

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Sendo assim, analisaremos neste Tópico 1 a constituição do plano salvífico de Deus a partir da sua promessa de restauração do ser humano de sua condição de queda, indicando que tal instituição é já o prenúncio do querigma presente no Evangelho. Em seguida, demonstraremos como a vinda do Messias, apresentada no Novo Testamento, é a concretização da revelação dada por Deus desde os primórdios expressos no Velho Testamento.

2 A PROMESSA QUERIGMÁTICA NO VELHO TESTAMENTO

O termo “querigma”, quem tem raiz no grego, indica a ação de anunciar, proclamar, levar uma notícia a todos os lugares. Nesse sentido, a “promessa querigmática” é aquela que indica o prenúncio do “querigma”, a promessa da vinda do Messias que haveria de tirar o pecado do mundo. O “querigma”, enquanto anúncio, proclamação, levar a notícia da salvação, é a concretização da promessa já feita por Deus desde o momento da queda. Como vimos, a promessa de que o mal seria derrotado, pisado na cabeça, por aquele que haveria de vir libertar a humanidade. O querigma cristão é o anúncio da boa-nova de salvação em Cristo Jesus, como veremos no decorrer de toda a unidade, a mensagem de Jesus como Salvador, Messias e Senhor, deve ser levada por todos os seus discípulos e pregada a toda a humanidade.

Em vista dessa compreensão, precisamos entender como o Messias é anunciado entre os Judeus e como sua verdadeira missão se concretiza na salvação de toda a humanidade. Como indica Alisson (1990, p. 222, Lc. 24,31): “para que o querigma chegasse a exercer a influência profunda e eficaz que obviamente exerceu, certamente deve ter causado uma experiência de salvação ou aberto o caminho para compreender a realidade pessoal e social dos que o ouviram, pelo fato de "seus olhos se abrirem”. Este caráter de abrangência da mensagem cristã é claramente o centro de todo o movimento de anunciação do Evangelho, a experiência de salvação que está contida nela não está restrita a uma nação ou tradição.

Na tradição judaica, a figura do Messias surge em um momento bastante específico, tendo como pano de fundo os cativeiros pelos quais o povo passou. Trata-se de um caminho bastante complexo a apresentação de todos os aspectos e as mudanças sofridas pela religião judaica em seus mais de 4.000 anos de existência.

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TÓPICO 1 — A PROMESSA DO MESSIAS E O PRENÚNCIO DO QUERIGMA

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FONTE: <https://shutr.bz/3085Vfe>. Acesso em: 15 jul. 2021.

Pode-se afirmar que no início do século I a.C., o reino grandioso de Davi e Salomão é apenas uma sombra presente nos escritos dos livros históricos do velho testamento e uma esperança ainda pulsante na promessa do Messias que o restauraria. Todavia, após séculos de tantas dominações estrangeiras e exílios, vendo sua promessa messiânica se tornar o ancoradouro de uma nova religião, o Judaísmo antigo começa a se direcionar para uma mudança dramática.

A promessa do Messias sempre foi uma profecia para os judeus que continha tanto um cunho espiritual, quanto um cunho político, que anunciava a vinda daquele que restauraria a casa de Davi e a glória de seu reinado. Entretanto, a religião cristã, que surge das raízes judaicas, tem como líder um messias que prega a não-violência e a valorização do reino divino em prejuízo do reino terreno, um Messias puramente espiritual e nada político.

Essa grande diferença de perspectiva entre as figuras dos dois tipos, e ambos surgem da mesma profecia messiânica, se acirra mais após a conversão do império mais poderoso do mundo, à época, ao Cristianismo. Como indica Neusner (1987, p. 59): “Se a história prova as proposições, como os profetas e os visionários apocalípticos tinham sustentado, então como podem os judeus negarem a reivindicação cristã de que a conversão do imperador, bem como do império, demonstrava o verdadeiro estado de relação entre o céu e a terra?”

A concepção de promessa messiânica própria da religião judaica deve ser compreendida, como indicado desde o início, dentro do plano salvífico de Deus que se revelaria por completo apenas em Jesus. Em vista disso, analisaremos sucintamente a questão da promessa messiânica a partir da perspectiva veterotestamentária, dentro da perspectiva da Aliança de Deus com seu povo escolhido para só então analisarmos a perspectiva do Messias que se revelou no Cristianismo.

FIGURA 1 – AS LEIS MOSAICAS

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UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA MISSÃO

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2.1 A PRIMEIRA ALIANÇA E A PROMESSA MESSIÂNICA

Uma das passagens mais marcantes do livro do Gênesis é, sem dúvidas, a chamada de Abrão, depois Abraão, para se tornar o “pai de uma grande nação”. Segundo o Gênesis 12,1-3 (BÍBLIA SAGRADA, 2002):

1 - Então o Senhor disse a Abrão: “Saia da sua terra, do meio dos seus parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei. 2 - Farei de você um grande povo, e o abençoarei. Tornarei famoso o seu nome, e você será uma bênção. 3 - Abençoarei os que o abençoarem e amaldiçoarei os que o amaldiçoarem; e por meio de você todos os povos da terra serão abençoados”.

Esta chamada de Abraão carrega o núcleo do próprio plano salvífico de Deus ao estipular o que seria seu povo escolhido na Primeira Aliança e indicando a amplitude que tal aliança alcançaria no momento de completude do plano. A indicação de que “todos os povos da terra serão abençoados” traz já a promessa do Messias que haveria de redimir o mundo inteiro. Todavia, é preciso compreender esta etapa do plano de salvação construído por Deus, qual sua importância e como ele seria posteriormente renovado pelo “sangue da Nova Aliança”. As figuras de Abraão, como indicado, bem como a de Moisés, são centrais para se vislumbrar esta relação e como ela se estabelece em vista da constituição de um “verdadeiro povo Hebreu”. Como nos indica Campos (1961, p. 104):

É com Abraão que Yahvé faz o pacto primitivo, pelo qual o Deus lhe daria à descendência Canãa, por isso chamada “Terra Prometida”, enquanto o profeta se empenhava a uma eterna fidelidade. Daí vem o apelido “Deus da Aliança” com que se conhece Yahvé. Apesar disso tudo, há uma nova revelação, um novo ajuste, um código novo no Sinai, entre Yahvé e Moisés. Afinal, qual dos dois fundou a nacionalidade, Abraão ou Moisés, qual deles iniciou o culto de Yahvé, quem planejou a conquista de Canãa, quem foi o primeiro hebreu a arregimentar os de sua casta numa anfictionia e dar-lhes um código particular? A fórmula clássica até hoje, reza: “Yahvé, deus de Abraão, Isaque e Jacó”, e não “deus de Moisés”.

As observações postas por Campos (1961) são extremante importantes, pois nos levam a pensar no longo processo que foi a construção de um plano de redenção para a humanidade. Aceitando, como posto desde o início, que o plano salvífico de Deus está instituído desde o momento da queda, devemos aceitar que a instituição de um povo escolhido, do qual viria o Messias prometido, é o primeiro estágio deste plano.

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TÓPICO 1 — A PROMESSA DO MESSIAS E O PRENÚNCIO DO QUERIGMA

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FONTE: <https://shutr.bz/3ArgmGZ>. Acesso em: 15 jul. 2021.

Abraão é o “Pai do Povo Escolhido”, como nos diz o texto de Gênesis, o povo pelo qual todas as nações seriam abençoadas. Esse primeiro passo é a constituição de uma Aliança que se tornará a base do plano de redenção da humanidade, mas representa também o início das etapas, ou estágios que compõem este plano. A descendência de Abraão se constituiu de um pequeno povo, basicamente seus descendentes diretos. Como se lê em Gênesis 47 (BÍBLIA SAGRADA, 2002), a descendência de Abraão vai parar no Egito depois de toda a trajetória de Isaque e Jacó, como um grupo fugindo da fome e da sede na terra de Canaã. O período do povo judeu no Egito é um longo período de crescimento, numérico, bem como de provações e dificuldades. Segundo o texto de Êxodo 1,12 (BÍBLIA SAGRADA, 2002): “Todavia, quanto mais eram oprimidos, mais numerosos se tornavam e mais se espalhavam. Por isso os egípcios passaram a temer os israelitas”.

Moisés, o libertador improvável, foi chamado por Deus de forma bastante peculiar, tendo saído fugido do Egito, ele não seria o porta-voz perfeito. Quando lemos o capítulo 4 do livro de Êxodo, vemos o próprio Moisés se autodeclarando incapaz de cumprir a tarefa de ir ao Egito libertar o povo judeu. Moisés chega mesmo a declinar da tarefa e ousa aconselhar a Deus a enviar outro, dizendo: “Ah, Senhor! Peço-te que envies outra pessoa” (BÍBLIA SAGRADA, 2002, Ex. 4,13). Moisés sabia de sua dificuldade em falar, mas certamente sabia também que seria execrado pelos egípcios em vista da forma como foi expulso.

O novo acordo estabelecido com Moisés é exatamente a retomada da marcha do plano original de Deus. Entretanto, é preciso compreender que o cenário enfrentado pelo povo judeu após a saída do Egito e o caminho para a terra prometida é diverso daquele enfrentado pelos filhos de Isaque. O “Deus da Aliança” seria também o “Senhor dos Exércitos”, em outras palavras, a necessidade de se estabelecer na terra prometida levaria o povo judeu a se tornar um povo mais aguerrido e pronto para defender sua terra.

FIGURA 2 – ABRAÃO E A PRIMEIRA ALIANÇA

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UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA MISSÃO

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Deus faz com Abraão uma aliança, uma promessa que se cumpriria dentro do tempo do Senhor. Com Moisés, Deus faz um pacto, o qual deveria ser respeitado pelo povo. O papel de Moisés é central porque é ele quem dá ao povo judeu um sistema político, legislativo e de solidificação de seus costumes, o estabelecimento das bases que constituem um corpo social. Em Moisés vemos surgir a tradição de um aspecto muito importante do caráter do Deus de Israel, a denominação de “Deus dos Exércitos”. É o que nos indica Weber (1970, p. 184): “[...] Yahvé torna-se e permanece a ser, ao menos para o Israel antigo, um Deus da organização social, […] desde Moisés ele é o Deus da Aliança da confederação israelita e, conforme o objetivo desta última, essencialmente o Deus dos exércitos”.

O povo estava dividido em tribos, os doze filhos de Jacó eram os patriarcas destas tribos, sendo Judá, Simeão, Rúben, Issacar, Nebulom, Gade, Dã, Naftali, Aser, Benjamin, José e Levi, cada uma com suas funções e participação na divisão da terra prometida. Essa “confederação israelita” ainda não tinha o caráter de um reino, nem mesmo de um povo que pudesse ser temido por seus inimigos que estavam ocupando a terra prometida por Deus a eles. Se Abraão foi o pai do povo de Deus, podemos compreender que Moisés foi o grande legislador e estadista, aquele que conseguiu conduzir o povo até as “portas da terra prometida” e deu a base social e política para que ele prosperasse.

Fazendo um grande salto histórico, decorridas todas as diversas batalhas

empreendidas por Josué e seus soldados, principalmente, aquela de Jericó, vemos o povo de Deus em pé de igualdade com praticamente todos os seus vizinhos. O grande período de governo estabelecido pela direção dos “Juízes de Israel” propiciou uma forma de governo mais aberta, não centralizada, e praticamente baseada nas leis deixadas por Moisés ao povo. Figuras como Débora, Jefté e Samuel, foram tidas como exemplos de líderes religiosos que desempenharam um grande papel de Juízes, principalmente, em vista da fé.

Vemos Samuel, o último dos Juízes e o primeiro dos profetas pós-mosaicos, receber o apelo do povo de que se instituísse um rei. Samuel, já idoso, nomeou seus dois filhos, Joel e Abias, como novos líderes do povo. Todavia, os filhos de Samuel são corruptos e levianos e este cenário levou o povo a fazer seu pedido de um rei, como está registrado em I Samuel 8, 4-5 (BÍBLIA SAGRADA, 2002): “4 Por isso todas as autoridades de Israel reuniram-se e foram falar com Samuel, em Ramá. 5 E disseram-lhe: ‘Tu já estás idoso, e teus filhos não andam em teus caminhos; escolhe agora um rei para que nos lidere, à semelhança das outras nações’”.

Mais uma vez, o povo de Deus vacila e não consegue confiar totalmente

em sua ação, preferindo uma saída mais parecida com aquela de seus vizinhos. Após a unção de Saul como rei dos Judeus, as coisas não melhoraram tanto quanto o povo esperava, além disso, as investidas dos povos vizinhos, principalmente dos Filisteus, continuavam. “A verdadeira mudança dos juízes para Saul, no que diz respeito ao reinado, foi simplesmente a presença duradoura do soberano e a compreensão das tribos de que, quando o rei chamasse, elas enviariam homens para lutar por ele” (BADEN, 2016, p. 68).

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TÓPICO 1 — A PROMESSA DO MESSIAS E O PRENÚNCIO DO QUERIGMA

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Saul foi um rei fraco, vacilante e pouco temente, tendo lampejos de momentos importantes, mas não tendo a suficiente firmeza nos momentos mais decisivos. Esse caráter errático de Saul o levou a cometer grave erro diante de Deus, descumprindo uma ordem direta, como vemos no livro de 1 Samuel 15 (BÍBLIA SAGRADA, 2002):

1 Samuel disse a Saul: “Eu sou aquele a quem o Senhor enviou para ungi-lo como rei de Israel, o povo dele; por isso escute agora a mensagem do Senhor. 2 Assim diz o Senhor dos Exércitos: “Castigarei os amalequitas pelo que fizeram a Israel, atacando-o quando saía do Egito. 3 Agora vão, ataquem os amalequitas e consagrem ao Senhor para destruição de tudo o que lhes pertence. Não os poupem; matem homens, mulheres, crianças, recém-nascidos, bois, ovelhas, camelos e jumentos”.

As ordens do Senhor eram bem claras, porém, Saul não foi bem-sucedido

em sua investida, ele não teve confiança no que o Senhor havia determinado e acabou por não cumprir por completo aquilo que havia sido ordenado. Ele enfrenta os amalequitas, vence, mas acaba sucumbindo à vontade do povo em detrimento à vontade de Deus. O resultado foi sua reprovação diante de Deus e sua deslegitimação como rei, como vemos na sequência do texto, Saul busca em Samuel uma forma de corrigir sua falha:

24 “Pequei”, disse Saul. “Violei a ordem do Senhor e as instruções que tu me deste. Tive medo dos soldados e os atendi. 25 Agora eu te imploro, perdoa o meu pecado e volta comigo, para que eu adore o Senhor.”26 Samuel, contudo, lhe disse: “Não voltarei com você. Você rejeitou a palavra do Senhor, e o Senhor o rejeitou como rei de Israel!”. (BÍBLIA SAGRADA, 2002, Sam. 15,24-26)

Saul se torna um rei sem legitimidade, Samuel deve completar a ordem

divina e o faz sacrificando o próprio rei Aguague. Este episódio é um divisor na história do povo de Deus, ao ser rejeitado, Saul se torna o símbolo da própria falta de fé do povo. Davi se torna o novo escolhido de Deus para governar o povo e continuar a marcha de seu plano de tornar aquela uma grande nação, como havia prometido à Abraão. Mais que isso, Davi seria o protótipo do Messias esperado pelos Judeus após os períodos de exílio e dominação sofridos. Além disso, deverá ser da “Casa de Davi” que virá este Messias em toda a sua legitimação, tanto espiritual quanto política, para o povo Judeu em sua tradição.

Na sequência do livro de 1 Samuel vemos Davi sendo ungido pelo profeta, sua épica luta contra Golias, o gigante Filisteu, todas as perseguições e disputas que envolveram sua relação com Saul, até o momento no qual ele consegue ascender ao trono. Todavia, a grande tarefa de Davi não era apenas suceder ao primeiro rei dos Hebreus, sua tarefa era exatamente unificar de forma definitiva o povo, Judá e Israel, formando assim a grande nação que Deus havia prometido. Isto está relatado em 2 Samuel 5,1-5 (BÍBLIA SAGRADA, 2002), como lemos:

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UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA MISSÃO

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1 Representantes de todas as tribos de Israel foram dizer a Davi, em Hebrom: “Somos sangue do teu sangue. 2 No passado, mesmo quando Saul era rei, eras tu quem liderava Israel em suas batalhas. E o Senhor te disse: “Você pastoreará Israel, o meu povo, e será o seu governante””. 3 Então todas as autoridades de Israel foram ao encontro do rei Davi em Hebrom; o rei fez um acordo com eles em Hebrom perante o Senhor, e eles ungiram Davi rei de Israel. 4 Davi tinha trinta anos de idade quando começou a reinar, e reinou durante quarenta anos. 5 Em Hebrom, reinou sobre Judá sete anos e meio, e em Jerusalém reinou sobre todo o Israel e Judá trinta e três anos.

O reinado de Davi é longo, tendo durado mais de trinta anos, todavia,

foi um período de preparação e crescimento, coroado posteriormente com toda a riqueza e poderio ostentados por Salomão. Além de ser este período de crescimento, é também um período de solidificação e aprimoramento do culto ao Senhor, da fé do povo e da centralidade da Arca da Aliança como sinal da presença de Deus.

Salomão, filho de Davi, como profetizado por Natã, seria aquele que construiria o templo do Senhor para abrigar a Arca da Aliança. Esse período marca o ápice do reinado da Casa de Davi, marcando também o período de maior prosperidade e segurança vivido pelo povo de Deus. Entretanto, o cenário muda, a forma como o Senhor direciona os caminhos de seu povo parece novamente não condizer com a promessa de formar uma grande nação.

FIGURA 3 – REI DAVI

FONTE: <https://shutr.bz/306hPGu>. Acesso em: 15 jul. 2021.

Após o reinado de Salomão, a estabilidade adquirida desde o reinado de

Davi começa a ruir, Roboão, filho de Salomão e seu sucessor, vê o reino novamente ser dividido. Agora, o Reino de Judá e o Reino de Israel dividem a terra deste período em diante, o reino não seria unificado, o poderio e a glória presentes nos reinados de Davi e Salomão se foram, a idolatria, a falta de fé e a corrupção do povo traria o castigo do exílio. Ao Norte, as dez tribos da confederação israelita rompem a unificação e se separam.

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TÓPICO 1 — A PROMESSA DO MESSIAS E O PRENÚNCIO DO QUERIGMA

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Esse cenário, além de demonstrar mais uma vez a rebeldia do povo contra o plano de Deus, estabeleceu também o futuro da nação, colocando ambos os reinos à mercê de seus inimigos. O primeiro reino a cair é Israel, sendo dominado pelos Assírios, em 722 a.C., posteriormente, em 586 a.C., o reino de Judá sucumbe ao poder do império babilônico, sendo dominado e exilado. De acordo com Otzen (2003), a Babilônia se tornou o maior centro de atividade dos Judeus fora de sua terra natal, tendo este fenômeno durante um longo período.

Mais uma vez, a promessa feita à Abraão parece distante. O pacto com Moisés parece não ter surtido efeito, a própria profecia de Natã à Davi, a de que seu reino duraria eternamente, parece não fazer mais sentido neste cenário caótico para os judeus. Porém, o cerne da questão é exatamente a infidelidade do povo e sua falta de compromisso com a Aliança feita com seu Deus. Vejamos o que nos diz o texto de 2 Reis 17,13-15;18-20 (BÍBLIA SAGRADA, 2002):

13 O Senhor advertiu Israel e Judá por meio de todos os seus profetas e videntes: “Desviem-se de seus maus caminhos. Obedeçam às minhas ordenanças e aos meus decretos, de acordo com toda a Lei que ordenei aos seus antepassados que obedecessem e que lhes entreguei por meio de meus servos, os profetas”. 14 Mas eles não quiseram ouvir e foram obstinados como seus antepassados, que não confiaram no Senhor, o seu Deus. 15 Rejeitaram os seus decretos, a aliança que ele tinha feito com os seus antepassados e as suas advertências. Seguiram ídolos inúteis, tornando-se eles mesmos inúteis. Imitaram as nações ao seu redor, embora o Senhor lhes tivesse ordenado: “Não as imitem”. […] 18 Então o Senhor indignou-se muito contra Israel e os expulsou da sua presença. Só a tribo de Judá escapou, 19 mas nem ela obedeceu aos mandamentos do Senhor, o seu Deus. Seguiram os costumes que Israel havia introduzido. 20 Por isso o Senhor rejeitou todo o povo de Israel; ele o afligiu e o entregou nas mãos de saqueadores, até expulsá-lo da sua presença.

A promessa de uma renovação estava sempre presente, mas, ao mesmo

tempo, sempre distante. Como já indicado desde o início, é preciso entender que os planos de Deus para a salvação da humanidade estão entrelaçados com seu plano para seu “povo escolhido”. A Aliança do Senhor com Israel estabeleceu o cenário no qual deveria vir o Messias salvador do mundo, aquele que poderia pisar a cabeça da serpente. Todavia, o “povo escolhido”, eleito por Deus desde Abraão, não havia cumprido sua parte na Aliança, assim, uma Nova Aliança se fazia necessária.

Isaías é o profeta que mais profetiza a este respeito, sendo ele também o profeta em Judá no momento de exílio para a Babilônia. Suas profecias são já o anúncio da promessa querigmática, a vinda do Messias que tiraria o pecado do mundo, o servo sofredor que curaria todas as feridas. Lemos em Isaías 7,14 (BÍBLIA SAGRADA, 2002): “Por isso o Senhor mesmo lhes dará um sinal: a virgem ficará grávida e dará à luz um filho, e o chamará Emanuel”. Essa profecia é a confirmação da promessa feita por Deus ainda no Gênesis, a qual indicava que a “descendência da mulher pisaria a cabeça da serpente”. A vinda do Messias é já indicada em seus detalhes, desde o nascimento virginal até o sofrimento que ele deveria padecer. Vejamos o texto de Isaías 53,1-7 (BÍBLIA SAGRADA, 2002):

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UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA MISSÃO

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Quem creu em nossa mensagem? E a quem foi revelado o braço do Senhor? 2 Ele cresceu diante dele como um broto tenro, e como uma raiz saída de uma terra seca. Ele não tinha qualquer beleza ou majestade que nos atraísse, nada havia em sua aparência para que o desejássemos. 3 Foi desprezado e rejeitado pelos homens, um homem de dores e experi-mentado no sofrimento. Como alguém de quem os homens escondem o rosto, foi desprezado, e nós não o tínhamos em estima. 4 Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades e sobre si levou as nossas doenças; contudo nós o consideramos castigado por Deus, por Deus atingido e afligido. 5 Mas ele foi transpassado por causa das nossas transgressões, foi esmagado por causa de nossas iniquidades; o cas-tigo que nos trouxe paz estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos curados. 6 Todos nós, tal qual ovelhas, nos desviamos, cada um de nós se voltou para o seu próprio caminho; e o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós. 7 Ele foi oprimido e afligido; e, contudo, não abriu a sua boca; como um cordeiro foi levado para o matadouro, e como uma ovelha que diante de seus tosquiadores fica calada, ele não abriu a sua boca.

Esta é tida como a mais clara profecia sobre a missão redentora de

Cristo, o servo sofredor que dá a sua vida pela salvação do mundo inteiro. Este é o caráter divino que reveste a figura do Messias, não apenas um líder político ou restaurador da dinastia davídica. De acordo com Hodge (2001, p. 368), essa divindade do Messias está expressa em três efeitos: “são atribuídos tais efeitos com vistas a provar que ele é uma pessoa divina. Esses efeitos são a purificação, o perdão do pecado e a perfeita segurança”. São todos elementos que remetem à missão espiritual e salvífica de Cristo, o plano de salvação estipulado por Deus desde o momento da queda.

Como já indicamos, o querigma é a anunciação das boas-novas de salvação presentes na mensagem de Cristo, revelando-o como Salvador, Messias e Senhor. A grande concretização do plano salvífico de Deus se dá exatamente na vinda deste Messias que foi prometido desde o momento da queda, teve sua vinda preparada no povo escolhido de Deus, da linhagem de Davi, sendo revelado ao mundo a partir da mensagem do Evangelho por meio da pregação de seus apóstolos, os anunciadores do querigma.

FIGURA 4 – TODA A BÍBLIA TESTEMUNHA A VINDA DE JESUS O MESSIAS

FONTE: <https://shutr.bz/3uRN6Il>. Acesso em: 3 ago. 2021.

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TÓPICO 1 — A PROMESSA DO MESSIAS E O PRENÚNCIO DO QUERIGMA

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A Nova Aliança firmada a partir do sangue de Cristo será feita com toda a humanidade, pertencendo à todas as pessoas que aceitarem a verdade do Evangelho. A partir deste ponto discorreremos, também de forma sucinta, sobre os aspectos desta Nova Aliança e a vinda do Messias.

3 A VINDA DO MESSIAS E A NOVA ALIANÇA

A espera de um Messias ativo politicamente, que pudesse restaurar a “Casa de Davi” e livrar o povo Judeu de seus opressores vai marcar todo o período inter-bíblico, sendo ainda muito presente no próprio cenário no qual surge Jesus. Os dois grandes exílios experimentados tanto pelo reino de Israel, ao norte, quanto pelo reino de Judá, ao sul, reforçaram esta esperança, tendo grande impacto na própria forma como a mensagem de Cristo foi recebida em seu tempo.

De acordo com Rainer (2009), muitos Judeus migraram para Alexandria, desde 200 a.C. até o século I, em busca de riqueza, maior liberdade e proteção contra as invasões de reinos do próprio Oriente Médio. A corrente judaica predominante em Jerusalém neste momento é a farisaica, mais tradicional e intransigente, principalmente, se comparada às correntes sapienciais que se formaram entre os Judeus helenísticos, aqueles que viviam em cidades gregas, e os judeus, que ficaram na Palestina durante os exílios.

O zelo dos fariseus pela tradição e pelos rituais, sobretudo, os Zelotes, será um dos maiores dificultadores da aceitação da mensagem de Jesus, especialmente, no que se refere à sua revelação messiânica. Era inaceitável para os fariseus um Messias que negasse todas as normas ritualísticas e se declarasse o próprio filho de Deus. Jesus não se declara o Messias esperado, mas em sua pregação, a sua unicidade com Deus Pai é latente, incomodando ferozmente os fariseus.

Está posta a “pedra angular” para a construção do reino eterno de Deus, não apenas a partir da promessa feita à Abraão, mas a partir do sacrifício de seu próprio Filho Unigênito. Isso não quer dizer que toda a história da ação de Deus com seu povo escolhido tenha sido apagada, anulada, invalidada, o próprio Messias haveria de vir da linhagem de Davi, fato expresso na linhagem de Jesus por parte de sua mãe. A revelação de seu Filho é o início de uma nova aliança, mais abrangente, mais poderosa, irrestrita e duradoura, a qual não será quebra até o dia do Juízo Final.

Esta é a base do querigma cristão, a verdade contida na vinda do Cristo, Redentor do mundo, Salvador e Senhor, o qual entregou sua própria vida em favor de todo ser humano que se arrepende, deixe seus pecados e siga seu caminho. Para buscarmos compreender um pouco melhor os aspectos desta nova “fase” no plano salvífico de Deus, analisaremos a questão da Nova Aliança no sangue de Cristo.

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3.1 A NOVA ALIANÇA NO SANGUE DE CRISTO

A Nova Aliança é marcada pela abrangência da ação redentora de Cristo, a cada indivíduo coberto pelo “sangue do Cordeiro”, além, toda a criação será redimida do “reino da morte”. Como instrui o apóstolo Paulo aos Romanos 8,21 (BÍBLIA SAGRADA, 2002): “na esperança de que também a própria natureza criada será libertada do cativeiro da degeneração em que se encontra, recebendo a gloriosa liberdade outorgada aos filhos de Deus”.

Assim, todo aquele que ouvir o Evangelho deve reconhecer em Cristo Jesus a marca do amor de Deus a toda criatura, entendendo que o pecado gerado no Éden corrompeu a toda a humanidade, mas a salvação é gratuita, universal e eterna. Isso quer dizer que a Nova Aliança não é um tipo de nova tentativa da primeira, uma espécie de reajuste, mas a concretização da revelação do plano salvífico de Deus, não é necessário ter ligação com a primeira, apesar de ambas serem etapas do plano divino.

Nesta Nova Aliança não há mediadores entre Deus e o indivíduo redimido. Jesus pagou o preço na cruz pela alma de cada um, não é necessário a pertença a um determinado povo, nem a uma tradição, nem mesmo à mediação de outros indivíduos. Pelo Sangue de Cristo foi dado acesso direto ao Pai, a promessa não é feita a um líder ou a um patriarca, mas diretamente a todo indivíduo que aceita a Cristo como salvador. Na Nova Aliança, Deus mesmo envia seu filho como “sacrifício vivo”, seu sangue é derramado, sem mediadores, sem o peso da lei, o centro do sacrifício de Cristo é a fé e o amor. Não poderia haver nenhum entrave, nenhuma barreira que impedisse a relação direta entre Deus e cada indivíduo humano. Esse mistério divino, essa marca da liberdade espiritual trazida pela salvação em Cristo Jesus, é central na constituição de uma aliança que não depende da vontade dos homens, no sentido de ser legitimada por uma tradição, mas emana da própria autoridade divina.

O anúncio da Nova Aliança está presente no Velho Testamento, o contexto dos exílios é o pano de fundo no qual surge tal anúncio e no qual surge a promessa de um renovo que não se limitaria à Israel e Judá. Deus havia prometido à Abraão que em sua descendência seriam abençoadas todas as nações da terra, este renovo, esta Nova Aliança anunciada já no período de exílio do povo de Deus é a confirmação da promessa feita à Abraão. Vejamos o que está contido na profecia de Jeremias sobre a realidade da Nova Aliança:

29 “Naqueles dias não se dirá mais: ““Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos se embotaram”. 30“Ao contrário, cada um morrerá por causa do seu próprio pecado. Os dentes de todo aquele que comer uvas verdes se embotarão. 31 “Estão chegando os dias”, declara o Senhor, “quando farei uma nova aliança com a comunidade de Israel e com a comunidade de Judá. 32 Não será como a aliança que fiz com os seus antepassados quando os tomei pela mão para tirá-los do Egito; porque quebraram a minha aliança, apesar de eu ser o Senhor deles, diz o Senhor” (BÍBLIA SAGRADA, 2002, Jer. 31,29-31).

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TÓPICO 1 — A PROMESSA DO MESSIAS E O PRENÚNCIO DO QUERIGMA

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A Nova Aliança não é um acordo com um grupo de pessoas ou nação, neste sentido, não é algo restrito à alternância das gerações, cada qual é responsá-vel por seu próprio caminho diante de Deus. Não há mediadores, não há líderes, não há impedimentos causados por tradições políticas, culturais ou meramente institucionais. O pecado é algo universal, está impregnado na alma do ser hu-mano desde o momento da queda, como diz o Salmo 51,5 (BÍBLIA SAGRADA, 2002): “Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe”. O ser humano já nasce sob o signo do pecado, a marca da ausência da gló-ria de Deus que mancha a humanidade desde o erro de Adão e Eva.

Não sendo a Nova Aliança restrita, pois o pecado é universal, marca a cada ser humano, a salvação também não é restrita, não se relaciona a uma tradição. Cada qual será culpado de seus próprios pecados, não há barreira de nacionalidade, grupo social, cor ou tradição cultural, tal é a abrangência dos termos da Nova Aliança. O texto fala da Nova Aliança com a comunidade de Israel e Judá, não mais nos termos daquela aliança feita na saída do Egito. Jesus nasce como um judeu, saindo da própria linhagem de Davi. Deus cumpre sua promessa, da descendência de Abraão vem a Nova Aliança que fará abençoada cada nação da terra. A questão é que o povo de Deus não reconheceu essa ação divina, como nos diz Isaías, “ele foi rejeitado”.

O próprio Jesus afirma que não veio negar a lei, mas cumpri-la, como está em Mateus 5,17 (BÍBLIA SAGRADA, 2002): “Não pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim abolir, mas cumprir”. Jesus não se coloca como antagonista da Velha Aliança, como negação das leis, mas ele se apresenta como a confirmação da Lei e dos Profetas. Como indica Bartmann (1962, p. 27): “Cristo mesmo apresentou-se como a palavra conclusiva e decisiva de Deus ao mundo.” Como já discutimos acima, a visão de um Messias “libertador de Israel” ainda estava presente entre os Judeus na época de Jesus, principalmente, por conta do tradicionalismo farisaico.

A marca da Nova Aliança é o sangue de Cristo, assim como o sangue do cordeiro imolado por Moisés marcou o compromisso no Sinai. O sangue de Cristo é o selo da Nova Aliança de Deus com cada indivíduo. Durante a última ceia, Jesus reafirma que seu sangue, que será derramado em favor de muitos, é o sangue da Nova Aliança, como vemos em Lucas 22,20 (BÍBLIA SAGRADA, 2002): “Da mesma forma, depois da ceia, tomou o cálice, dizendo: “Este cálice é a nova aliança no meu sangue, derramado em favor de vocês”.

Jesus anuncia a seus discípulos que aquele vinho representa seu sangue, o pacto da Nova Aliança com Deus, assim como o sangue do cordeiro no Sinai, o sangue de Cristo é a marca de um compromisso feito pelo próprio Deus. Desta forma, ao anunciar a verdade do Evangelho, os discípulos poderiam anunciar que a salvação é gratuita, pois foi paga com o sangue de Cristo para remissão de todos os pecados daquele que se converte e se arrepende.

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UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA MISSÃO

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A obra Teologia da missão: aspectos fundamentais da missão de Deus e da Igreja, de Willibaldo Ruppenthal Neto (2020), trata dos aspectos fundamentais das missões em seus aspectos presentes no Velho e Novo Testamento, em uma abordagem teórica e histórica. Obra presente na Biblioteca Virtual.

DICAS

O querigma começa exatamente no momento em que Jesus, o Cristo Verdadeiro, completa sua missão delegada pelo Pai. A partir deste momento a autoridade do sangue de Cristo é o único poder capaz de salvar a humanidade da condenação do pecado e reaproximar o ser humano de Deus, seu criador. Sem intermediadores humanos, sem líderes que detêm o “monopólio da voz de Deus”, sem qualquer entrave que impeça uma ligação direta entre Deus e o pecador arrependido.

Tendo como base todos estes pontos que discutimos neste tópico, passaremos para o seguinte, buscando compreender melhor a questão do querigma nos Evangelhos e a missão apostólica, principalmente, em vista da pregação entre os povos que desconheciam a promessa da vinda do Messias.

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Neste tópico, você aprendeu que:

• O plano de salvação de Deus para a humanidade começa exatamente no momento da queda, a restauração de toda a humanidade à presença de seu criador. Este plano salvífico se desenrola na história, tendo suas fases definidas pela inescrutável vontade divina.

• A primeira aliança firmada entre Deus e Abraão é já uma parte do plano salvífico de Deus, o povo escolhido do qual haveria de vir o salvador do mundo inteiro. Esta aliança implica em toda a história de relação entre Deus e seu povo, preparando o caminho para a vinda do Cristo.

• A promessa querigmática, a vinda do Messias que se tornaria o Salvador, o Senhor e Libertador do mundo, está já presente no Velho Testamento, anunciada por Deus desde o jardim do Éden e confirmada pelos profetas.

• A Nova Aliança, marcada pelo sangue de Cristo, é o pacto de salvação firmado entre Deus e toda a humanidade. Nesta Nova Aliança não há mediadores humanos, não há entraves ou barreiras culturais, nacionais, políticas ou institucionais, sua autoridade está no próprio sacrifício de Jesus na cruz, sendo ele o único mediador entre Deus e o ser humano.

RESUMO DO TÓPICO 1

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1 Ao pensarmos nos livros do Novo Testamento, principalmente, nos Evangelhos, somos confrontados com a questão da existência de um testamento anterior, um Velho Testamento, o qual tem em sua maior parte da história do povo Judeu e sua trajetória político-social. Contudo, este Antigo Testamento é utilizado na tradição cristã. Tendo em vista esta questão, a centralidade da história judaica no Velho Testamento e a mensagem cristã no Novo Testamento, assinale abaixo a alternativa CORRETA:

a) ( ) A tradição judaica não reconhece o chamado Novo Testamento, bem como classifica e nomeia de forma distinta o chamado Velho Testamento, o qual é utilizado na tradição cristã para compreender e legitimar a vinda do Messias e o plano de Deus.

b) ( ) O Velho Testamento é utilizado pela tradição cristã como forma de demonstrar a superioridade da Nova Aliança, apresentando todas as falhas existentes na primeira aliança, não estão presentes na tradição judaica.

c) ( ) Na tradição judaica, o Novo Testamento é apresentado como uma releitura da Torá, ou seja, uma forma de comentário aos textos Sagrados do Velho Testamento, assim, a própria mensagem do Cristo é tida como uma releitura da promessa do Messias.

d) ( ) A tradição cristã utiliza o chamado Velho Testamento para justificar o plano de salvação proposto por Deus desde o início da Criação, o qual foi aprimorado na Primeira Aliança com Abraão e repactuado na Nova Aliança em Cristo.

2 Na tradição judaica a vinda do Messias é muito importante para se compreender a forma como o povo vê seu pacto com Deus e a maneira como ele espera que o Senhor cumpra sua promessa, feita à Abraão. Esta promessa ganha força, principalmente, após os períodos de exílio sofridos pelos reinos de Israel e Judá, após a separação do reino. Tendo em vista esta temática, analise as sentenças a seguir:

I- O Messias esperado pela tradição judaica, principalmente, após o exílio, é um agente que restauraria a liberdade e a glória do reino davídico, mais político que espiritual.

II- Os judeus negaram à Jesus como Messias, pois ele não confrontou o império romano, mas preferiu ser um líder popular pacifista.

III- A tradição judaica promulga que o Messias que haveria de vir restaurar a casa de Davi seria um semideus, vindo da parte do próprio Deus, operando milagres e restaurando o culto no templo.

AUTOATIVIDADE

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Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.b) ( ) Somente a sentença II está correta.c) ( ) Somente a sentença I está correta.d) ( ) As sentenças II e III estão corretas.

3 A mensagem do Evangelho é uma nova perspectiva de religião, tendo em vista a tradição religiosa dominante na Antiguidade, esta característica implicou em uma novidade que abrangia vários aspectos da vida político-social dos Judeus e dos novos crentes que iam se juntando à nova fé. Tendo em vista esta temática, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A mensagem do Evangelho trazia a novidade de não vincular a religião à questão da salvação da alma, como fazia a religião grega.

( ) A tradição religiosa da Antiguidade tinha como característica a relação entre religião e organização político-social, sendo na verdade uma religião nacional.

( ) No contexto geral da Antiguidade, o Evangelho representava uma mensagem universal, que poderia alcançar a qualquer um que aderisse ao conjunto ritualístico contido nele.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.b) ( ) F – V – F.c) ( ) V – V – F.d) ( ) F – F – V.

4 A questão da universalidade do Evangelho é central para se compreender sua expansão rápida e sua difusão em culturas tão diferentes como a grega, a romana e a própria cultura judaica, este caráter de abrangência era novidade para os padrões da época. No entanto, os aspectos que tornam o Evangelho universal são bem claros. Disserte sobre esta questão dos aspectos que permitem ao Evangelho ser uma mensagem universal.

5 As principais premissas do Evangelho na Nova Aliança estão no chamado Novo Testamento, o qual apresenta a vida de Jesus e ação de seus discípulos na pregação de sua palavra. Esta pregação é conhecida como querigma, a anunciação de que Jesus é o Salvador, Senhor, Messias e intermediar, entre Deus e o homem. No entanto, a tradição cristã utiliza o Velho Testamento para legitimar esta condição messiânica de Jesus. Disserte sobre esta questão da promessa querigmática de Cristo presente no Velho Testamento.

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TÓPICO 2 — UNIDADE 1

O QUERIGMA NOS EVANGELHOS E

A AÇÃO APOSTÓLICA

1 INTRODUÇÃO

Acadêmico, neste Tópico 2 nos concentraremos na discussão sobre a questão querigmática, sua função na construção do reino espiritual de Cristo, bem como seu desenvolvimento na ação dos apóstolos. É importante perceber que o Evangelho é uma mensagem universal, não está atrelada a uma tradição cultural ou nacional, não se baseia em legitimação institucionalizada, muito menos restringe sua verdade à autoridade daquele que o prega.

O Evangelho tem sua autoridade no sangue de Cristo, na verdade da salvação e na esperança da vida eterna em Jesus. Esses aspectos são preponderantes para se compreender como o querigma, a anunciação da verdade do evangelho de Cristo, pode ser recebido por todos os indivíduos que tomam conhecimento do plano salvador de Deus Pai revelado em Jesus.

FIGURA 5 – A MENSAGEM DO EVANGELHO É UNIVERSAL

FONTE: <https://shutr.bz/3uOv2is>. Acesso em: 4 ago. 2021.

Precisamos compreender o cenário no qual o querigma se desenvolve, quais os desafios de uma pregação que se volta para o mundo inteiro, todos os entraves, disputas e desafios. Certamente é muito difícil tratar de todos os aspectos que envolvem esta discussão, o aspecto político, histórico, religioso etc. Todavia, buscaremos centrar foco nos aspectos que mais se relacionam com a missão apostólica de levar a mensagem do Evangelho a todo o mundo, bem como

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UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA MISSÃO

os principais fundamentos teológicos desta missão. O momento no qual emerge a missão dos apóstolos é um momento muito delicado, quase todo o mundo conhecido é dominado ou pelo império romano, ou pelos impérios árabes.

Além desses aspectos mais relacionados ao contexto no qual o querigma surge como missão dada por Cristo, é preciso também compreender os aspectos teológicos que fundamentam a missão apostólica, os pontos de apoio bíblicos que demonstram que a mensagem de salvação deve ser levada a toda criatura. Neste momento, é importante compreendermos como a missão apostólica se fundamenta na própria escritura, mas, ao mesmo tempo, acrescenta e atualiza esta escritura, demonstrando que o plano salvífico de Deus se fortalece na constante ação de evangelizar.

Tendo esses pontos como objetivo de nossa discussão neste tópico, passaremos sucintamente para a análise da questão do Evangelho como mensagem universal, boas-novas de salvação para todo o mundo, anunciação de redenção e libertação.

2 BOA-NOVA DE SALVAÇÃO A TODO O MUNDO: A UNIVERSALIDADE DO EVANGELHO

Praticamente todas as principais religiões na época de Jesus são politeístas, ou seja, acreditavam na existência de vários deuses, entes espirituais, forças cósmicas ou naturais. Nesse sentido, é importante compreendermos como a mensagem de salvação aparecia para todos os povos acostumados com essas religiões e como esse fator era um dificultador da evangelização.

FIGURA 6 – OS DEUSES DA MITOLOGIA GREGA

FONTE: <https://shutr.bz/3DlgPwl>. Acesso em: 15 jul. 2021.

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TÓPICO 2 — O QUERIGMA NOS EVANGELHOS E A AÇÃO APOSTÓLICA

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O mundo civilizado era grego e romano, a centralidade dos valores políticos, militares, culturais, direcionavam os indivíduos para a vida nas cidades, para a busca do reconhecimento social e na conquista de glória. Porém, havia também aqueles povos e nações oprimidos, relegados ao segundo plano no cenário mundial, principalmente, em vista do domínio romano e grego. O Evangelho chega a estas pequenas nações como uma mensagem de alívio e esperança, sobretudo, em vista da promessa de uma vida eterna, sem sofrimento, sem dor, no gozo da paz de Cristo.

Quando Jesus começa seu ministério ele já traz consigo a anunciação das boas-novas, como vemos em Marcos 1,14-15 (BÍBLIA SAGRADA, 2002): “14 Depois que João foi preso, Jesus foi para a Galiléia, proclamando as boas novas de Deus. 15 “O tempo é chegado”, dizia ele. “O Reino de Deus está próximo. Arrependam-se e creiam nas boas novas!”. As boas-novas são a revelação do amor de Deus à humanidade, concretizada no envio de seu Filho Unigênito para remissão de todos os pecados. Essa mensagem é diversa de tudo aquilo que já tinha se ouvido pregar entre os Judeus e os demais povos da terra, nela está contida o plano de salvação de Deus para toda a humanidade, não apenas para um povo. Além disso, sua mensagem é franca, simples e poderosa, não necessita da autoridade humana, tem seu centro totalmente na figura do Cristo.

Por esse prisma, é possível compreender que a Nova Aliança de Deus com o ser humano não tem um mediador humano, não tem uma liderança, ela começa e se concretiza na figura de Jesus Cristo, ele é profeta, sacerdote e juiz. Como bem aponta Strong (2003, p. 368): “O profeta comumente unia três métodos para cumprir o seu ofício: ensino, predição e operação de milagres. Em todos estes respeitos Jesus realizou a sua obra profética.” Assim, podemos compreender que Jesus concentra em si toda a autoridade que no Velho Testamento estava dividida entre o profeta, o sacerdote, o juiz e o rei.

Jesus começa seu ministério demonstrando sua autoridade, reunindo todas as prerrogativas de profeta e sacerdote, mas confia a homens simples a tarefa de auxiliá-lo em seu trabalho. Na sequência do texto de Marcos 1,16-20 (BÍBLIA SAGRADA, 2002) lemos o seguinte:

16 Andando à beira do mar da Galiléia, Jesus viu Simão e seu irmão André lançando redes ao mar, pois eram pescadores. 17 E disse Jesus: “Sigam-me, e eu os farei pescadores de homens”.18 No mesmo instante eles deixaram as suas redes e o seguiram.19 Indo um pouco mais adiante, viu num barco Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, preparando as suas redes. 20 Logo os chamou, e eles o seguiram, deixando seu pai, Zebedeu, com os empregados no barco.

A promessa de Jesus é a de que eles se tornariam pescadores de homens

e, claramente, está já aí a missão evangelizadora que eles teriam: o querigma como objetivo do chamado. Poderíamos nos perguntar: por que Jesus não busca homens mais cultos, letrados, talvez vindos da elite judaica? A questão é que Jesus não estava preocupado com a autoridade da tradição, não importava se eram homens letrados, conhecedores de toda a Lei, ou mesmo estudiosos da

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UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA MISSÃO

religião. O chamado para auxiliar na anunciação das boas-novas do Evangelho é um chamado de confiança e fé, desprendimento e serviço. O querigma pressupõe todos estes aspectos, a missão de levar a verdade do Evangelho envolve compromisso, abnegação, fé e desprendimento.

Quando Jesus fala aos discípulos que se tornariam pescadores de homens,

talvez eles não imaginassem que fosse algo tão literal, tão vivo, levando-os à lugares distantes ou extremamente desafiadores. A projeção do querigma como ação que se desenrolaria até os confins da terra também foi indicada por Jesus a seus discípulos, tendo em vista a mensagem de boas-novas. Em Mateus 28,18-20 (BÍBLIA SAGRADA, 2002), temos o seguinte mandamento:

18 Então, Jesus aproximou-se deles e disse: “Foi-me dada toda a autoridade nos céus e na terra. 19 Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, 20 ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos”.

A universalidade do Evangelho, sua mensagem de redenção para todo o mundo, é o conteúdo da ação querigmática, como discutimos anteriormente. Essa mensagem está fundada na autoridade do sangue de Cristo. Interessa-nos aqui compreender como Jesus pôde dar tal missão a seus discípulos, tendo em vista que eles nunca haviam saído da Galiléia, muito menos eram homens cultos ou preparados para tal missão. Os discípulos foram enviados a pregar a verdade de Cristo, esta mensagem que transcende todas as barreiras culturais, religiosas, políticas, militares, econômicas ou de qualquer outro tipo, assim, eles são anunciadores.

Nesse ponto é importante nos lembrarmos da ação do Espírito Santo, como indicado por Jesus, todo aquele que se arrepende de seus pecados deve ser batizado em nome do Pai (Deus), do Filho (Jesus) e do Espírito Santo. Não somente para se confirmar a conversão, mas desde o momento do convencimento, a ação do Espírito Santo é percebida, sendo ele o guia para a “verdade”. De acordo com o texto de João 16,8-15 (BÍBLIA SAGRADA, 2002), Jesus afirma que:

8 Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo. 9 Do pecado, porque os homens não creem em mim; 10 da justiça, porque vou para o Pai, e vocês não me verão mais; 11 e do juízo, porque o príncipe deste mundo já está condenado. 12 Tenho ainda muito que lhes dizer, mas vocês não o podem suportar agora. 13 Mas quando o Espírito da verdade vier, ele os guiará a toda a verdade. Não falará de si mesmo; falará apenas o que ouvir, e lhes anunciará o que está por vir. 14 Ele me glorificará, porque receberá do que é meu e o tornará conhecido a vocês. 15 Tudo o que pertence ao Pai é meu. Por isso eu disse que o Espírito receberá do que é meu e o tornará conhecido a vocês.

Na tarefa do querigma, o Espírito Santo é o guia que direciona todas as

ações dos discípulos, convence o pecador de seus erros, dá prova da justiça e do amor de Deus, testifica a validade da promessa de salvação. Além disso, sua

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ação é mais um fator que garante a universalidade da mensagem do Evangelho, o Espírito Santo age livremente onde quer, sendo assim, não há barreiras ou entraves para sua função de guia da verdade.

Certamente, este é um diferencial que marca a Nova Aliança de Deus com a humanidade. Não é preciso um templo para adorá-lo, nem mesmo um lugar sagrado no qual se deve prestar culto. A presença do Espírito Santo está em toda parte, ele capacita o indivíduo à adoração verdadeira, pois ele está no íntimo daquele que recebe a Jesus como salvador. Como afirma Paulo em 1 Coríntios 6,19 (BÍBLIA SAGRADA, 2002): “Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos?

FIGURA 7 – O ESPÍRITO SANTO ESTÁ PRESENTE DESTE O INÍCIO DO MINISTÉRIO DE CRISTO

FONTE: <https://shutr.bz/3BpxPkq>. Acesso em: 4 ago. 2021.

Ainda em relação ao querigma, a anunciação do Evangelho pelos discípulos, o Espírito Santo tem uma tarefa preponderante, principalmente, em vista de todas as dificuldades relacionadas aos entraves causados pelos riscos envolvidos na missão. Ele é o advogado daqueles que anunciam a palavra de salvação, intercedendo e instruindo, como vemos no texto de Marcos 13,10-11 (BÍBLIA SAGRADA, 2002):

10 E é necessário que antes o evangelho seja pregado a todas as nações. 11 Sempre que forem presos e levados a julgamento, não fiquem preocupados com o que vão dizer. Digam tão-somente o que lhes for dado naquela hora, pois não serão vocês que estarão falando, mas o Espírito Santo.

As boas-novas de salvação devem ser pregadas a toda criatura, em todas as nações da terra, esta é a tarefa que funda o querigma designado por Cristo. Os riscos não são escondidos por Jesus, porém, a consolação está exatamente no auxílio do Espírito Santo, na sua iluminação e na sua proteção. A partir daí, o

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UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA MISSÃO

querigma é o movimento contínuo de anunciação destas boas-novas, sob a guarda e orientação do Espírito Santo e sob o comando de Cristo Jesus ressuscitado.

FIGURA 8 – A DESCIDA DO ESPÍRITO SANTO

FONTE: <https://shutr.bz/3mAyJ7v>. Acesso em: 15 jul. 2021.

Os discípulos não desconheciam os riscos, as dificuldades e as rejeições que enfrentariam, mas seguiram firme no propósito estipulado pela vontade divina de Deus. É preciso compreender melhor, como já indicamos, os pontos que caracterizavam o mundo antigo, as diversas nações e povos que ouviriam o Evangelho pela primeira vez. Assim, podemos compreender como a resistência ao Evangelho foi se constituindo, mas, ao mesmo tempo, como a “verdade da cruz” foi ganhando cada vez mais espaço. Dessa forma, analisaremos de forma breve os aspectos do mundo antigo e a mensagem do Evangelho.

2.1 ASPECTOS DO MUNDO ANTIGO E A MENSAGEM DO EVANGELHO

Para nosso intuito neste estudo, parece bastante oportuno compreendermos como eram os principais aspectos deste Mundo Antigo, principalmente, tendo em vista a compreensão de quais foram os principais desafios impostos aos apóstolos para o cumprimento da missão querigmática. O primeiro grande império ocidental que marcou o impulsionamento de um novo modo civilizatório na antiguidade, foi, sem dúvidas, o império grego.

Os gregos eram uma sociedade bem-organizada, dividida em cidades-Estados com autonomia tanto econômica quanto política, mas, quando necessário, estas cidades se uniam contra um inimigo em comum. Segundo Ohlweiler (1990, p. 64), a Grécia foi um importante centro comercial e cultural, apesar de desigual, como segue:

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No século V a.C., a economia da Grécia não representava um todo homogêneo. O país era constituído de um certo número de Estados e regiões autônomas, com diferentes sistemas econômicos. Em muitas partes, continuava reinando um modo de vida arcaico. As regiões pastoris (Épiro, Acarnância e Etólia) e agrícolas (Tessália, Beócia, Lócrida, Fócida e Estados do Peloponeso) restavam muito atrasadas do ponto de vista social e político. Em contrapartida, numerosas cidades-Estado – Atenas, Corinto, Egina, Megara e Mileto, por exemplo – já se tinham convertido em importantes centros comerciais e manufatureiros mesmo antes das guerras médicas.

A importância das cidades gregas permanecerá até os tempos das viagens

missionárias de Paulo e os demais apóstolos, cidades como Corinto, Tessália e outras, serão pontos de disseminação do Evangelho e implantação de igrejas. Ideias, expressões culturais, doutrinas religiosas diversas, tudo isso ajudou a moldar a cultura grega e a cultura pagã como um todo. No panteão grego, entre deuses como Zeus, Hera, Poséidon e Hades, não havia nenhum tipo de diferença moral entre os homens e os deuses. O Olimpo, morada dos deuses, era um lugar de ciúmes, invejas, disputas amorosas, enganos e traições, na religião grega, os deuses possuíam os mesmos defeitos que os humanos, ou seja, a ira, a inveja, a luxúria, a traição e, principalmente, a predileção pelos prazeres e a busca da alegria.

O império romano surge dentro de um vácuo civilizacional, a referência grega é decadente, os impérios árabes, como os persas, ameaçavam a estabilidade das sociedades ocidentais, o centro do poder havia mudado e Roma se tornaria o novo foco deste poder. A civilização romana surge a partir de um longo processo de lutas internas na península itálica, posteriormente se alargando para conflitos envolvendo outras civilizações importantes da época, como os cartagineses.

FIGURA 9 – OS ROMANOS SE TORNARAM A CIVILIZAÇÃO MAIS INFLUENTE DA ANTIGUIDADE

FONTE: <https://shutr.bz/2Yu20ZQ>. Acesso em: 1º ago. 2021.

A educação romana era bastante rígida no que se referia à preparação dos indivíduos para o serviço à nação. Como nos comenta Pereira (2002, p. 196): “A partir dos sete anos, é o pai o educador […]. A educação familiar termina aos dezesseis anos, com a tomada da toga viril […]. Depois o serviço militar, para o

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qual o jovem fora preparado pelos exercícios físicos [...]”. O mundo antigo tinha se desenvolvido a partir dos valores advindos destas duas grandes civilizações, quase todo o conhecimento da época girava em torno de figuras gregas e romanas, o pensamento filosófico, as artes, a literatura, a arte militar, as instituições políticas etc. A própria religião deveria servir para solidificar a participação dos indivíduos na vida social, não sendo admitido uma noção religiosa que não considerasse tal fator. No entanto, mensagem de salvação é uma mensagem pessoal, individual, cada indivíduo deve avaliar sua vida, se arrepender de seus pecados e seguir uma vida santificada, voltada para o espírito.

Esse cenário é o pano de fundo no qual os apóstolos desenvolverão seu ministério, a pregação do Evangelho deverá confrontar todos os valores e tradições que limitam a conversão dos indivíduos. Além disso, os próprios valores pagãos serão questionados pela verdade da fé em Cristo, como se vê na disputa de Paulo com as diversas tradições pagãs, principalmente, a tradição romana. Este desafio só poderia ser vencido a partir de uma base espiritual e teológica bem solidificada, apoiada na autoridade do sangue de Cristo e no auxílio do Espírito Santo. Em vista dessas colocações, analisaremos alguns dos aspectos que marcam o querigma como fundamento da missão apostólica, tendo em vista o cenário que acabamos de traçar sobre o mundo antigo.

3 O QUERIGMA COMO FUNDAMENTO DA MISSÃO APOSTÓLICA

A missão apostólica pode ser entendida como um acontecimento muito específico no plano salvífico de Deus e sua revelação para o mundo todo, não ocorreu apenas como resultado da novidade da mensagem pregada por Jesus, mas foi o processo de ampliação desta mensagem e de seu objetivo. Os apóstolos não eram apenas um grupo de novos religiosos que possuíam uma doutrina nova, baseada na vinda do Messias, e saiam pregando tal doutrina como forma de vida. Dentro do plano salvífico de Deus, projetado desde o momento da queda, que passa por toda a história do povo escolhido, que culmina com a vinda e a morte do Messias, o envio dos apóstolos é uma nova fase, um desdobramento natural.

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TÓPICO 2 — O QUERIGMA NOS EVANGELHOS E A AÇÃO APOSTÓLICA

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FONTE: <https://shutr.bz/3ahfk5M>. Acesoo em: 10 ago. 2021.

O ordenamento do querigma é a primeira instituição no processo de alcance do mundo todo com a mensagem da salvação que testificada desde o Velho Testamento. Jesus inicia seu ministério anunciado às boas-novas que haveriam de vir da parte de Deus pai. Ele faz discípulos, ou seja, escolhe aqueles que estariam ao seu lado durante todo o seu ministério terreno, ele prepara e capacita estes homens, mostra a eles todos os sinais e prodígios que o Senhor podia fazer. Esse processo, a preparação de discípulos, é a fase inicial do projeto querigmático de evangelização.

Após a ressurreição, quando Jesus aparece para o grupo de discípulos, eles ainda estão vacilantes e temerosos, como está escrito em Lucas 24,38: “Ele lhes disse: “Por que vocês estão perturbados e por que se levantam dúvidas no coração de vocês?” (BÍBLIA SAGRADA, 2002). Não é de admirar que os discípulos estariam desnorteados, as coisas pareciam péssimas, Jesus havia morrido, eles não sabiam qual seria o fim que levariam. Porém, no momento em que aparece aos discípulos, Jesus indica qual seria o ponto de início da evangelização, do querigma de anunciação. Ainda em Lucas 24,46-49 (BÍBLIA SAGRADA, 2002), lemos o seguinte:

46 E lhes disse: “Está escrito que o Cristo haveria de sofrer e ressuscitar dos mortos no terceiro dia, 47 e que em seu nome seria pregado o arrependimento para perdão de pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. 48 Vocês são testemunhas destas coisas. 49 Eu lhes envio a promessa de meu Pai; mas fiquem na cidade até serem revestidos do poder do alto”.

A autoridade do Evangelho está exatamente na mensagem de que Cristo venceu a morte, resultado do pecado original de Adão que cobre toda a humanidade, por isso, ele pode dar a vida eterna. Em nenhuma religião se tem uma mensagem tão poderosa como esta do Cristo que ressuscitou e pode garantir a vida eterna e o perdão dos pecados. Segundo Alisson (1990, p. 5): “o ponto central do querigma cristão consiste na afirmação de que um homem, ungido por Deus como o Cristo, ao mesmo tempo Deus e homem, sofreu uma morte violenta, infligida pelos homens, e ressuscitou”.

FIGURA 10 – A ÚLTIMA CEIA DE JESUS COM SEUS DISCÍPULOS

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FIGURA 11 – A PALAVRA DE SALVAÇÃO PARA TODO O MUNDO

FONTE: <https://shutr.bz/3iGGyHY>. Acesso em: 18 jul. 2021.

É interessante percebermos que os discípulos permaneceram juntos após a crucificação de Cristo, com exceção de Judas, claro, mas que logo deveriam se separar e seguir cada qual seu caminho. Não parecia algo muito provável que um grupo de homens, pobres, sem posses, sem recursos, poderiam alcançar todas as nações da terra, muito menos que seriam levados a sério fora dos limites de suas comunidades. Todavia, o símbolo da ressurreição é também o símbolo da fé que move os discípulos, nada pode deter o plano de salvação estipulado por Deus, nem mesmo a morte, nem as dificuldades, a falta de recursos etc.

3.1 O APOSTOLADO COMO OFÍCIO

O querigma é o início da construção da Igreja de Cristo, estabelecida por ele mesmo, na terra, a disseminação da mensagem do Evangelho, fazendo discípulos em todas as nações da terra, arregimentando todos aqueles que ouvem as boas-novas de salvação, se arrependem e são batizados. Os apóstolos são os primeiros obreiros desta Igreja que guarda a promessa da volta do Messias Verdadeiro. Sendo o querigma o fundamento do apostolado, a missão evangelizadora, podemos entender que a função do apóstolo é o primeiro ofício na nova Igreja de Cristo.

Quando indicamos que a função do apóstolo é um ofício, pensamos exatamente na construção da obra que se dá dentro do âmbito de uma comunidade de fé, em outros termos, aqueles que trabalham para Cristo têm um ofício, uma obra a desenvolver dentro da comunidade cristã. A comissão dada por Cristo aos discípulos foi o início de seu comando sobre os novos obreiros de uma comunidade que não seria apenas judaica, grega ou gentia, mas seria uma comunidade universal, indivisa e eterna. A Igreja de Cristo se constrói a partir da pregação do Evangelho, a obra querigmática, que deve levar a palavra de salvação a todos os indivíduos, para que o Espírito Santo possa agir nos corações de todos aqueles que a ouvirem, convencendo-os de seus pecados.

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O próprio termo “Apóstolo” já traz em sua raiz a ideia de que quem fala recebe a autoridade de alguém que é mais importante que ele, ou seja, o “apóstolo” é um enviado especial que representa oficialmente aquele que o enviou. Vejamos a definição de “apóstolo” segundo o Dicionário Bíblico Wycliffe (2007, p. 162):

O termo grego apóstolos vem do verbo apostellein, “enviar”, “remeter”. O substantivo e o verbo são usados pela LXX para traduzir o hebraico shalah e seus derivativos. Estas palavras gregas e hebraicas são ocasionalmente usadas para mensageiros com ênfase naquele que envia, de forma que o agente se toma uma extensão da personalidade e da influência do mestre (BÍBLIA SAGRADA, 2002, Gn 45.4-8; 1 Rs 14.6).

O apostolado como ofício da Igreja de Cristo implica em uma total submissão daquele que é enviado. Os apóstolos tiveram a missão de apresentar uma mensagem que era totalmente desconhecida pelas pessoas de sua época, não somente pela novidade da morte e ressurreição de Cristo, mas pelo fato de ser uma mensagem que não dependia de pertença social, Leis, rituais, templos sagrados etc.

FIGURA 12 – OS APÓSTOLOS PREGAM DE CIDADE EM CIDADE

FONTE: <https://shutr.bz/3uPGMBn>. Acesso em: 10 ago. 2021.

A missão dos apóstolos, além de anunciar a palavra de salvação, incluía também a tarefa de compreender os meandros constitutivos dos cenários nos quais eles deveriam se inserir. O ofício de apóstolo exigia uma grande entrega, não só espiritual, mas também física e emocional, confrontar os diversos costumes e tradições pagãs, a falta de fé daqueles que desconheciam o amor de Deus, seria mais perigoso do que poderia parecer. Entretanto, Jesus já havia alertado a seus discípulos o que eles enfrentariam, como vemos em Marcos 13,9-10 (BÍBLIA SAGRADA, 2002): “9 Fiquem atentos, pois vocês serão entregues aos tribunais e serão açoitados nas sinagogas. Por minha causa vocês serão levados à presença de governadores e reis, como testemunho a eles. 10 E é necessário que antes o evangelho seja pregado a todas as nações”.

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UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA MISSÃO

Nessa passagem, vemos Jesus sendo muito franco com seus discípulos, a vida de um servo do Deus Vivo não é nada fácil em um mundo entregue ao pecado e à escuridão. A missão querigmática dos apóstolos, o ofício que lhes foi designado, incluía a provação de passar por várias aflições, perigos de morte e castigos. Contudo, foi a obra dada pelo próprio Cristo, a base de crescimento de sua Igreja na terra e o início de um movimento que só terá fim com a volta gloriosa de Jesus, quando todas as nações ouvirem falar de seu Evangelho.

FIGURA 13 – A VOLTA GLORIOSA DE CRISTO

FONTE: <https://shutr.bz/2YtZPEW>. Acesso em: 10 ago. 2021.

Os apóstolos pregaram primeiro entre as comunidades judaicas presentes fora de Jerusalém e da Palestina. Como já discutimos anteriormente, havia uma grande comunidade judaica fora da Palestina, principalmente, nas cidades gregas, as quais eram os mais importantes centros comerciais da época. Um interessante panorama da expansão da comunidade cristã logo no século I d.C., nos é dada por Ohlweiler (1990, p. 187), como segue: “As primeiras comunidades cristãs formaram-se, seguramente, durante a segunda metade do século I d.C., entre os judeus da diáspora […] Aí, pelo início do século II, o Cristianismo estava penetrando na Grécia. […] Por ocasião da primeira metade desse século, havia já adeptos do novo credo em Roma [...]”.

Essa clara descrição do processo de crescimento da comunidade cristã demonstra aquilo que o próprio Cristo disse aos seus discípulos, “primeiro em Jerusalém e até os confins da terra” (BÍBLIA SAGRADA, 2002, Lucas 24,47). O querigma começa então entre a comunidade dos Judeus que estavam desgarrados de sua nação, aqueles que haviam deixado Jerusalém e ido viver em outros lugares, porém, não poderia se restringir a este grupo, deveria chegar até os gentios, por um homem escolhido e chamado por Cristo, Paulo de Tarso. No próximo tópico, buscaremos tratar desta figura que foi tão importante para o avanço da pregação do Evangelho e da comunidade cristã como um todo.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• O querigma é marca do Evangelho, pois é a anunciação da verdade salvadora de Cristo, o Senhor, Salvador e Messias. Este querigma é o início da Igreja de Cristo na terra e a base de seu crescimento.

• O Evangelho é uma mensagem universal de salvação, não está presa a nenhuma tradição, cultura, rituais ou legitimação humana. As boas-novas de salvação são pregadas primeiro por Cristo, o qual chama como seus ajudadores homens simples que deveriam se tornar seus discípulos e levar a diante a anunciação das boas-novas.

• O mundo antigo, no qual o querigma deveria ser desenvolvido pelos apóstolos, era composto por diversas culturas pagãs, principalmente, influenciadas pelas civilizações grega e romana. Estas culturas estavam baseadas em religiões politeístas, fortemente ligadas aos costumes e valores constitutivos da organização social.

• A missão apostólica está baseada no querigma, na anunciação da verdade do Evangelho e na construção da Igreja de Cristo na terra. Esta missão se desenvolve dentro do plano salvífico de Deus e visa a evangelização de todas as nações, este é o ofício apostólico que se estabelece após a assunção de Cristo.

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1 O Evangelho surge como uma mensagem a ser levada a todas as criaturas, pregada em todas as nações e será a salvação de todo aquele que aceita a remissão de seus pecados através do sangue de Cristo derramado em sacrifício na cruz. Esta mensagem tem um caráter universal, o qual só é possível a partir de aspectos bem definidos. Sobre esta questão da universalidade do Evangelho, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A Nova Aliança firmada pelo sangue de Cristo faz do Evangelho uma mensagem universal, pois não tem um mediador humano, uma liderança, não precisa da legitimação humana e não está ligada à nenhuma nação ou tradição.

b) ( ) A universalidade do Evangelho está no fato de que Jesus foi rejeitado pelos Judeus, para os quais ele havia vindo, como promessa de Deus, assim sua mensagem seria levada a todo o mundo.

c) ( ) A mensagem do Evangelho se constitui como mensagem universal por dois aspectos, primeiro, não está ligada a nenhuma tradição, segundo, apresenta Jesus como não judeu, ou seja, como não ligada à nação judaica.

d) ( ) O Evangelho é uma mensagem universal, pois foi assimilada pelo império romano, maior império da terra na época de Cristo, podendo, assim, levar a mensagem da cruz a todas as nações.

2 Quando Jesus começa seu ministério ele não conta com nenhum auxílio, a não ser o de Deus e do Espírito Santo, claro, mas era necessário ter ajudantes para cumprir seu propósito na terra. Para esta finalidade, ele convoca doze homens, rústicos, em sua maioria incultos e acostumados com o trabalho braçal. Todavia, a preparação que Jesus fornece a eles tem um objetivo, o de torná-los apóstolos, mensageiros do seu querigma. Com base nas discussões feitas neste tópico, analise as sentenças a seguir:

I- Apóstolo significa aquele que representa totalmente um senhor, sendo legitimado pela autoridade de quem o enviou, anunciando sua mensagem.

II- O apostolado para o qual Jesus prepara seus discípulos está baseado no querigma, na pregação do Evangelho.

III- Os discípulos se tornariam grandes lideranças religiosas após a morte de Jesus, pois seriam vistos como apóstolos, ou seja, aquele que sucede seu mestre quando este morre ou vai para outro lugar.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.b) ( ) Somente a sentença II está correta.c) ( ) As sentenças I e II estão corretas.d) ( ) Somente a sentença III está correta.

AUTOATIVIDADE

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3 A missão apostólica começa logo após a morte de Cristo e seu comissionamento dado aos discípulos que deveria sair por todos os lugares, a começar por Jerusalém, pregando a verdade de salvação do Evangelho. Este processo marca também o início da construção da Igreja de Cristo e sua expansão, sobre este tema, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) O apostolado pode ser definido como um ofício na Igreja instituída por Cristo a partir de sua obra redentora na cruz.

( ) A missão apostólica está baseada no querigma, na anunciação da verdade do Evangelho na figura de Jesus Cristo como Senho, Salvador e Messias.

( ) Os apóstolos tinham a missão de instituir igrejas em pontos-chave do mundo antigo, principalmente, nos grandes centros, indo depois para cidades menores.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.b) ( ) V – V – F.c) ( ) F – V – F.d) ( ) F – F – V.

4 A mensagem do Evangelho deveria ser pregada a todas as nações, esta foi a tarefa dada os discípulos por Cristo, instituindo o querigma como base da ação apostólica, todavia, o mundo antigo tinha um paradigma muito definido de religião, principalmente, nas nações que tinham em suas religiões um esteio para o arranjo político-social. Tendo em conta o paradigma religioso da Antiguidade, disserte sobre este tema e as dificuldades encontradas pelos apóstolos.

5 O grande comissionamento de ir pregar a palavra de salvação a toda a criatura é anunciada por Jesus a seus discípulos em vários momentos. Todavia, os planos do Senhor deveriam estar completos para que a missão querigmática pudesse ser colocada em marcha, neste sentido, a missão apostólica é marcada por um momento de extrema vitória do poder de Deus. Com base nesse tema, disserte sobre momento de vitória e completude do plano salvífico de Deus.

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TÓPICO 3 — UNIDADE 1

O APOSTOLADO PAULINO E O CONFRONTO

COM O MUNDO PAGÃO

1 INTRODUÇÃO

Acadêmico, no Tópico 3, centraremos foco na figura de um dos mais importantes apóstolos do início da Igreja de Cristo. Paulo, anteriormente conhecido como Saulo de Tarso, o “perseguidor dos cristãos”, torna-se o anunciador do Evangelho de salvação entre os gentios. A conversão de Paulo será um marco no movimento missionário da Igreja primitiva, ampliando o foco de evangelização das comunidades judaicas no entorno de Jerusalém e nas cidades gregas, para os grandes centros culturais da época, como Atenas, Corinto, Éfeso e as províncias romanas.

Paulo será o grande confrontador do Evangelho com as doutrinas pagãs, os costumes e valores que marcavam o mundo antigo, sua boa formação intelectual será um diferencial a favor de sua pregação e de sua capacidade de compreender como levar a palavra de salvação a culturas tão distintas. Podemos afirmar que Paulo é a segunda geração de apóstolo, tendo começado sua missão um pouco depois dos primeiros discípulos. Todavia, sua fé e sua entrega irrestrita à vontade do Senhor, o fizeram um dos maiores líderes da comunidade cristã dos primeiros tempos.

Para compreendermos melhor os desafios que Paulo teve que enfrentar e o grau de dificuldade que encontraria para anunciar o Evangelho, analisaremos o paradigma de religião que marcava o mundo antigo. Para este paradigma, a mensagem do Evangelho parecia uma loucura, um Deus que encarna, morre pelas mãos humanas e depois ressuscita, cuja mensagem não está ligada à nenhuma tradição, nenhuma lei ou organização político-social.

Não se pode negar que as cartas e textos paulinos são os principais suportes para se compreender como a verdade do Evangelho foi sendo pregada e esclarecida entre os pagãos. Os frutos desta devoção serão as várias igrejas fundadas em inúmeras cidades importantes no mundo antigo, as quais serviram de base para toda a expansão do Evangelho no início da Igreja primitiva. Começaremos por analisar o paradigma religioso do Mundo Antigo e a novidade da mensagem de Cristo pregada por Paulo.

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UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA MISSÃO

2 A “VERGONHA” DO CRISTO E O PARADIGMA RELIGIOSO NA ANTIGUIDADE

A mensagem do Evangelho de Cristo era algo estranho para os ouvintes

que estavam acostumados como o paradigma religioso da Antiguidade. Mesmo para “ouvidos judeus”, a ideia de que o Messias seria morto na cruz era no mínimo blasfêmia, ou seja, não é concebível que o homem que deveria libertar Israel tenha sido um servo sofredor. Todavia, como o próprio Jesus disse, seu reino não é deste mundo, sua autoridade não é baseada em testemunho humano, a força de sua mensagem não está alicerçada naquilo que para os seres humanos é sabedoria ou força.

FIGURA 14 – O CRISTO CRUCIFICADO

FONTE: <https://shutr.bz/3iFOsB8>. Acesso em: 18 jul. 2021.

Uma questão central para se compreender a novidade e o poder da mensagem do Evangelho é perceber como o sacrifício vivo de Jesus aparecia para os indivíduos que estavam acostumados com todos os valores pagãos, tanto de sociedade quanto de religião. Quando lemos o texto de Hebreus 12,2, vemos o seguinte: “2 tendo os olhos fitos em Jesus, autor e consumador da nossa fé. Ele, pela alegria que lhe fora proposta, suportou a cruz, desprezando a vergonha, e assentou-se à direita do trono de Deus”.

A vergonha do Cristo era aquilo que os pagãos julgavam como sendo uma falha, como já indicamos, a imagem de um deus que encarna, sofre uma morte desonrosa e depois ressuscita, era, no mínimo, vexatória. Contudo, a missão de Jesus era exatamente carregar as dores de toda a humanidade, assim voltamos

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TÓPICO 3 — O APOSTOLADO PAULINO E O CONFRONTO COM O MUNDO PAGÃO

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à profecia de Isaías 53,3 (BÍBLIA SAGRADA, 2002), a qual prediz que o Messias seria rejeitado, humilhado, levaria sobre ele as nossas dores e por suas pisaduras seríamos sarados. A missão redentora de Jesus só seria possível com um sacrifício completo, para que o preço da salvação fosse pago era necessário que o “sangue do Cordeiro” fosse derramado.

FIGURA 15 – A VITÓRIA DE CRISTO SOBRE A MORTE

FONTE: <https://shutr.bz/3BqFoHC>. Acesso em: 18 jul. 2021.

Para aqueles que são tocados pelo Espírito Santo e reconhecem o dom generoso da salvação, o sacrifício de Cristo é a mais pura expressão de amor, todavia, para aqueles que permanecem alheios à sua verdade, a morte de Jesus é o sinal de sua fraqueza. Os apóstolos tiveram que lidar com esta questão por diversas vezes, ao pregar o sacrifício remidor de Jesus, eles foram confrontados com esta “vergonha” do Cristo.

Os judeus esperavam um messias que fosse o libertador de Israel, um homem que pudesse restaurar a “casa de Davi” e colocar fim ao sofrimento do povo de Deus. Ter um messias crucificado era uma vergonha que nenhum Judeu aceitaria, principalmente se isso levasse a uma nova forma de encarar toda a Lei e os Profetas. Na verdade, essa questão se colocava para todos os judeus, a Lei e os Profetas haviam sido interpretadas de forma equivocada, o Messias prometido não era um líder político, não era um guerreiro audaz, era um servo sofredor.

Saulo, o perseguidor dos cristãos, teve que se confrontar com esta questão, ele era um “Judeu zeloso”, sua sanha em defender a tradição judaica o levou a perseguir, prender e entregar às autoridades todos os cristãos que ele conseguia capturar. De acordo com Atos 8,3 (BÍBLIA SAGRADA, 2002): “Saulo, por sua vez, devastava a igreja. Indo de casa em casa, arrastava homens e mulheres e os lançava na prisão”. Podemos intuir que em sua devoção judaica, Saulo acreditava estar combatendo uma heresia contra a promessa do Messias e contra a própria segurança de Israel e da Lei judaica. O próprio apóstolo nos dá um relato de sua condição antes da conversão, como está registrado em Gálatas 1,13-14 (BÍBLIA SAGRADA, 2002):

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UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA MISSÃO

13 Vocês ouviram qual foi o meu procedimento no Judaísmo, como perseguia com violência a igreja de Deus, procurando destruí-la. 14 No Judaísmo, eu superava a maioria dos judeus da minha idade, e era extremamente zeloso das tradições dos meus antepassados.

O zelo de Paulo, enquanto Saulo, era fruto de sua adesão irrestrita à

interpretação da Lei e dos Profetas, dada pela corrente farisaica e pela tradição como um todo. Podemos imaginar como foi difícil para ele ver uma crença que coloca por chão tudo aquilo em que ele acreditava. Tomando o exemplo Paulo, enquanto ainda era Saulo, fariseu no Judaísmo, podemos vislumbrar o que deveria ser a resistência de todo judeu que se sentia incomodado com a ideia de que o Messias esperado, o “rei dos Judeus”, era um homem fraco, pacifista, que sofria na mão dos inimigos e acabava morto por eles.

FIGURA 16 – OS JUDEUS NÃO ESPERAVAM UM MESSIAS SOFREDOR, MAS UM LÍDER GUERREIRO

FONTE: <https://shutr.bz/3iIDpqP>. Acesso em: 10 jul. 2021.

O paradigma religioso dos Judeus era ainda um modelo deuteronomista, ou seja, pautada na ideia de um Deus nacional, um Deus que pertencia apenas a Israel. Paulo compreendia muito bem este zelo dos judeus, principalmente, a partir da corrente farisaica, por isso ele faz uma longa defesa da ideia de que a Lei não é invalidada, mas ela não está representada pelos aspectos externos ao indivíduo, mas internos. Em Romanos 2,25-28 (BÍBLIA SAGRADA, 2002), Paulo diz o seguinte:

25 A circuncisão tem valor se você obedece à Lei; mas, se você desobedece à Lei, a sua circuncisão já se tornou incircuncisão. 26 Se aqueles que não são circuncidados obedecem aos preceitos da Lei, não serão eles considerados circuncidados? 27 Aquele que não é circuncidado fisicamente, mas obedece à Lei, condenará você que, tendo a Lei escrita e a circuncisão, é transgressor da Lei. 28 Não é judeu quem o é apenas exteriormente, nem é circuncisão a que é meramente exterior e física.

É necessário notar que Paulo está fazendo esta exortação na Carta aos

Romanos, mas por que ele fala desta maneira, tratando com judeus? Bem, o que podemos concluir é que ele está falando diretamente à comunidade judaica

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TÓPICO 3 — O APOSTOLADO PAULINO E O CONFRONTO COM O MUNDO PAGÃO

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espalhada pelo império. O apóstolo está confrontando os Judeus que defendiam a pureza da doutrina da Lei, mas não viviam de acordo com ela. Todavia, além disso, podemos perceber que ele faz uma defesa do aspecto espiritual, interior, em detrimento ao aspecto material, exterior.

É interessante analisarmos um pouco mais a questão da relação entre as religiões nacionais e o paradigma político-social da Antiguidade, assim poderemos entender como o querigma, a anunciação do Evangelho, representava uma novidade que superava o modelo de religião pagã e as limitações político-sociais.

2.1 RELIGIÕES NACIONAIS E O PARADIGMA POLÍTICO-SOCIAL DA ANTIGUIDADE

O mundo antigo era marcado por inúmeras guerras, disputas territoriais, expansionismo militar e busca de poder regional. Nesse cenário, a justificação vinda da religião era muito importante, todas os povos, nações, até mesmo tribos, tinham seus deuses nacionais, que, em geral, refletiam a visão de mundo daquela sociedade e ajudavam nas batalhas. Isso ocorria também no Judaísmo, como indica Liverani (2006, p. 315): “O paradigma adotado no livro de Josué é aquele da “guerra santa”, de clara matriz deuteronomista […] Os princípios fundamentais da guerra santa são os seguintes: Deus é conosco, combate ao nosso lado e garante a vitória [...]”.

Essa tradição do “deus nacional”, claramente presente na tradição judaica, era compartilhada por praticamente todas as culturas antes de Cristo. Toda a organização político-social dependia da relação entre a religião nacional, a força militar e as instituições de governo, nenhum povo aceitaria ter sua religião nacional trocada pela religião de outro povo. Entre os gregos e romanos isso não era diferente, se analisarmos o arranjo social grego, mesmo que aberto e altamente permissivo, no que se referia à diversidade de deuses, é bastante dependente da noção de relação entre as divindades e a guerra.

Já entre os romanos, herdeiros tanto da influência grega quanto da influência etrusca, Marte era o deus da guerra, que conduzia o exército em marcha. Todavia, os romanos também tinham os augúrios, presságios que eram vistos pelos sacerdotes em vísceras de animais, elementos naturais, na fumaça e mesmo na profecia de sacerdotisas. Nenhum general romano ousava sair para a batalha sem antes confirmar os augúrios, os próprios soldados só se sentiam seguros e animados para a batalha quando os presságios eram favoráveis.

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UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA MISSÃO

FIGURA 17 – OS GREGOS TINHAM ARES COMO O DEUS DA GUERRA

FONTE: <https://shutr.bz/3uYZarp>. Acesso em: 18 jul. 2021.

Quando Paulo começa seu ofício apostólico ele precisa se confrontar com esta realidade, a palavra de salvação do Evangelho não está ligada à nenhuma nação, povo, tribo ou cultura. Isso enfraquecia o laço tradicional entre os indivíduos, a religião e os valores sociais do grupo ao qual eles pertenciam.

À medida que a comunidade cristã aumentava, principalmente entre os romanos, que eram a principal força militar da época, a adesão às tradições e costumes pagãos iam diminuindo. Isso acontecia também entre os soldados, muitos deles, convertidos ao Cristianismo, não participavam dos augúrios ou das oblações em honra a Marte ou a outro deus qualquer. Quando analisamos a pregação de Paulo direcionada aos romanos, vemos uma clara referência ao que era mais importante para um cidadão romano, a busca da glória. Porém, Paulo anuncia que a verdadeira glória está em Cristo e será dada a todo aquele que perseverar: “Considero que os nossos sofrimentos atuais não podem ser comparados com a glória que em nós será revelada” (BÍBLIA SAGRADA, 2002, Ro. 8,18).

Na Unidade 2, veremos como a reação pagã, principalmente em Roma, colocará o Cristianismo como culpado da queda da tradição clássica. Os primeiros Pais da Igreja terão que combater estas acusações, o que estará claramente presente na obra de Santo Agostinho.

ESTUDOS FUTUROS

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TÓPICO 3 — O APOSTOLADO PAULINO E O CONFRONTO COM O MUNDO PAGÃO

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Além desse aspecto de organização social em vista da relação entre a religião nacional e a busca de reconhecimento dos indivíduos, podemos afirmar que as religiões serviam como referencial de explicação para os fenômenos naturais, as incertezas da vida, os acasos, a existência do mal, das doenças, da própria morte e da esperança de algo após ela. As explicações dadas pela religião faziam sentido para os membros do grupo no qual ela era aceita, os romanos explicavam o mundo a partir de seus deuses, o mesmo ocorria com os gregos.

FIGURA 18 – NA MITOLOGIA CADA DEUS TINHA UMA FUNÇÃO E AÇÃO NA NATUREZA

FONTE: <https://shutr.bz/3oIx6ri>. Acesso em: 10 ago. 2021.

O caráter mais abrangente, mais espiritual da palavra de salvação, criou resistência nas culturas que dependiam de suas religiões nacionais para se manterem equilibradas. A fundamentação teológica que foi utilizada pelo apóstolo, se tornou a base de compreensão do Evangelho por parte dos indivíduos que iam se juntando à Igreja de Cristo. No próximo subtópico, voltaremos para esta questão da fundamentação teológica e o apostolado paulino entre os gentios.

3 O FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA CRISTÃ NO APOSTOLADO DE PAULO ENTRE OS GENTIOS

Tendo em vista nosso objetivo neste subtópico, tentaremos vislumbrar alguns pontos centrais da contribuição do apóstolo Paulo para a solidificação da fé cristã na Igreja primitiva e seus principais desdobramentos na discussão teológica e da missão. As chamadas “cartas de Paulo” compõem grande parte do Novo Testamento, sendo também importante fonte histórica e teórica para o estudo do movimento missionário no início da Igreja primitiva e sua posterior inserção no império romano.

O apóstolo Paulo foi um judeu bem instruído, tanto na lei judaica quanto no conhecimento das culturas de sua época e na discussão acerca dos principais temas relacionados à religião. Sua formação incluía um longo período de estudo

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UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA MISSÃO

com Gamaliel, neto de Hilel, um dos mais importantes rabinos do Judaísmo de sua época. Não sabemos muito sobre sua família, mas o fato dele ser um cidadão romano por nascimento, como indicado em Atos 22,28 (BÍBLIA SAGRADA, 2002), mostra que sua família deveria ter prestado algum serviço relevante ao império romano ou tinha recursos suficientes para comprar a cidadania.

Como ele mesmo gostava de frisar, seu chamado também foi feito pelo próprio Jesus, assim como os discípulos, como está descrito em Gálatas 1,1 (BÍBLIA SAGRADA, 2002): “Paulo, apóstolo enviado, não da parte de homens nem por meio de pessoa alguma, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dos mortos [...]”.

FIGURA 19 – PAULO TEM UM CHAMADO DIRETO DE CRISTO NO CAMINHO PARA DAMASCO

FONTE: <https://shutr.bz/3AkLpnZ>. Acesso: 10 ago. 2021.

Sem dúvidas, o chamado de Paulo foi tão direto quanto o dos primeiros discípulos, quando estava indo perseguir os cristãos em Damasco, ele tem um encontro muito íntimo com o Cristo. É bem conhecida a história de sua conversão, como descrita em Atos 9, ele tem uma visão de Jesus envolto em uma resplandecente luz, ouve seu chamado, fica cego por três dias, sem comer nem beber, depois é batizado por Ananias e tem o início de seu caminho como apóstolo de Cristo. O início do ministério de Paulo é ainda obscuro em alguns pontos, porém, suas agruras e sofrimentos para pregar o Evangelho são bem conhecidas, havendo um franco relato feito por ele mesmo em 2 Coríntios 11,23-27 (BÍBLIA SAGRADA, 2002):

23 São eles servos de Cristo? — estou fora de mim para falar desta forma — eu ainda mais: trabalhei muito mais, fui encarcerado mais vezes, fui açoitado mais severamente e exposto à morte repetidas vezes. 24 Cinco vezes recebi dos judeus trinta e nove açoites. 25 Três vezes fui golpeado com varas, uma vez apedrejado, três vezes sofri naufrágio, passei uma noite e um dia exposto à fúria do mar. 26 Estive continuamente viajando de uma parte a outra, enfrentei perigos nos

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rios, perigos de assaltantes, perigos dos meus compatriotas, perigos dos gentios; perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, e perigos dos falsos irmãos. 27 Trabalhei arduamente; muitas vezes fiquei sem dormir, passei fome e sede, e muitas vezes fiquei em jejum; suportei frio e nudez.

O caráter de explicação do Evangelho, presente na obra paulina, se desenvolveu em praticamente dois âmbitos, primeiro, na própria evangelização dos Judeus, tanto na Palestina quanto fora dela. Segundo, na evangelização dos pagãos e na confrontação com seus princípios e valores. No primeiro âmbito, Paulo teve que enfrentar certa resistência de alguns apóstolos que estavam ainda incertos da evangelização entre os gentios. Umas das principais questões era o respeito à Lei mosaica e aos rituais do Judaísmo. Deveriam ser eles seguidos ou não? Os gentios convertidos, deveriam também passar por rituais de purificação judaicos?

O chamado “incidente de Antioquia”, ou “disputa de Antioquia”, vai expor a disputa que se vinha aumentando entre os grupos, aqueles que estavam mais propensos a manter certos costumes judaicos na comunidade cristã e aqueles que não viam tal necessidade. Como se lê em Atos 11,1-3 (BÍBLIA SAGRADA, 2002): “Os apóstolos e os irmãos de toda a Judeia ouviram falar que os gentios também haviam recebido a palavra de Deus. 2 Assim, quando Pedro subiu a Jerusalém, os que eram do partido dos circuncisos o criticavam, dizendo: 3 “Você entrou na casa de homens incircuncisos e comeu com eles”.

Por esse trecho, podemos vislumbrar que a disputa não era apenas entre um grupo de apóstolos e discípulos, mas a própria comunidade de cristãos convertidos que estava em Jerusalém, ou seja, Judeus convertidos, ainda estava presa à questão ritualística do Judaísmo. Pedro tinha ido à Antioquia, ver como por lá várias pessoas estavam sendo convertidas e vários prodígios estavam sendo operados. Parece que o medo da repreensão dos Judeus convertidos ainda estava atormentando Pedro, lemos em Gálatas 2,11-14 (BÍBLIA SAGRADA, 2002):

11 Quando, porém, Pedro veio a Antioquia, enfrentei-o face a face, por sua atitude condenável. 12 Pois, antes de chegarem alguns da parte de Tiago, ele comia com os gentios. Quando, porém, eles chegaram, afastou-se e separou-se dos gentios, temendo os que eram da circuncisão. 13 Os demais judeus também se uniram a ele nessa hipocrisia, de modo que até Barnabé se deixou levar.14 Quando vi que não estavam andando de acordo com a verdade do evangelho, declarei a Pedro, diante de todos: “Você é judeu, mas vive como gentio e não como judeu. Portanto, como pode obrigar gentios a viverem como judeus?

Paulo tinha a convicção de que havia sido chamado por Cristo para ser o evangelizador dos gentios, além disso, ele entendia que os cristãos não deveriam carregar o peso da Lei mosaica, pois Cristo, apesar de vir cumprir a Lei, instituiu uma Nova Aliança. Este episódio, tido como um incidente que levou a uma nova postura da comunidade cristã em Jerusalém, marca também a influência de Paulo na construção de uma teologia cristã, não apenas uma continuação da teologia judaica.

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UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA MISSÃO

FIGURA 20 – O APÓSTOLO PAULO TEVE UMA IMPORTANTE OBRA NA PROPAGAÇÃO DO EVAN-GELHO

FONTE: <https://shutr.bz/2YrHMQp>. Acesso em: 18 jul. 2021.

Paulo sabia que sua função era levar a palavra de salvação aos pagãos e gentios, como ele mesmo afirma: “Ao contrário, reconheceram que a mim havia sido confiada a pregação do Evangelho aos incircuncisos, assim como a Pedro, aos circuncisos” (BÍBLIA SAGRADA, 2002, Ga. 2,7). Isso não quer dizer que houve uma cisma, uma divisão profunda na comunidade cristã deste primeiro momento, o que houve foi uma forma de compreender os novos caminhos que a evangelização estava tomando.

A mensagem do Evangelho é para todo aquele que a ouve, e arrepende e é batizado. Segundo ele: “Nessa nova vida já não há diferença entre grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro e cita, escravo e livre, mas Cristo é tudo e está em todos” (BÍBLIA SAGRADA, 2002, Cl. 3,11). Não há dúvidas de que esta mensagem é essencialmente “cristocêntrica”, em outros termos, Jesus Cristo é o centro do Evangelho, sua única autoridade e seu promulgador. A noção de que a justificação vem pela fé é extremamente importante para desvencilhar a mensagem do Evangelho de toda a carga ritualística que existia no Judaísmo antigo. Paulo terá um papel central nesta questão e fará uma ferrenha defesa da centralidade da fé, tanto no processo de conversão, quanto na construção de uma vida cristã madura. Em Romanos 3,21-26 (BÍBLIA SAGRADA, 2002), vemos essa defesa da justificação pela fé, como segue:

21 Mas agora se manifestou uma justiça que provém de Deus, independente da Lei, da qual testemunham a Lei e os Profetas, 22 justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo para todos os que creem. Não há distinção, 23 pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, 24 sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus. 25 Deus o ofereceu como sacrifício

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TÓPICO 3 — O APOSTOLADO PAULINO E O CONFRONTO COM O MUNDO PAGÃO

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para propiciação mediante a fé, pelo seu sangue, demonstrando a sua justiça. Em sua tolerância, havia deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; 26 mas, no presente, demonstrou a sua justiça, a fim de ser justo e justificador daquele que tem fé em Jesus.

Esses dois fatores, a graça e a fé, são centrais na mensagem do Evangelho levada por Paulo aos gentios e pagãos. Todo aquele que crê na palavra do Evangelho, que se arrepende de seus pecados, é lavado pelo sangue de Cristo, sendo redimido e salvo, não por meio de obras ou da Lei, mas pela fé no Filho Unigênito do Pai e pela graça de Deus.

Essa é a base da teologia cristã da salvação, a soteriologia, que apresenta a mensagem do Evangelho como uma mensagem de redenção para o mundo todo. Mais ainda, a centralidade da fé e da graça na mensagem do Evangelho pregada pelo apóstolo Paulo, influenciará na própria concepção de religião que os antigos tinham. Reale e Antiseri (1990, p. 385) nos dão uma interessante visão deste ponto: “A filosofia grega subestimara a fé ou crença (pístis) do ponto de vista cognoscitivo, pois dizia respeito às coisas sensíveis, mutáveis, sendo, portanto, uma forma de opinião (dóxa). Pois a nova mensagem exige do homem precisamente uma superação dessa dimensão, invertendo os termos do problema e pondo a fé acima da ciência”.

Por esse prisma, podemos entender que Paulo estabeleceu um novo parâmetro para a compreensão da dimensão espiritual, levando a fé a uma centralidade que sobrepujava a própria validade do conhecimento. Entre os romanos, Paulo teve o cuidado de destacar que a verdadeira glória não é aquela conquistada por meio de ações mundanas, voltadas apenas para o contexto político e social. Ele frisa que a verdadeira glória está em Cristo Jesus, o qual recompensará a cada um segundo suas obras e sua fé.

FIGURA 21 – AS RELIGIÕES PAGÃS POSSUÍAM DEUSES COM FEIÇÕES HUMANAS E ANIMAIS

FONTE: <https://shutr.bz/3FoywNs>. Acesso em: 18 jul. 2021

Em Romanos 1,22-23 (BÍBLIA SAGRADA, 2002), Paulo diz que: “22 Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos 23 e trocaram a glória do Deus imortal por imagens feitas segundo a semelhança do homem mortal, bem como de pássaros,

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UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA MISSÃO

quadrúpedes e répteis”; Ele está confrontando o culto nacional, a adoração de divindades diversas, ou seja, o politeísmo da religião nacional romana, bem como atrelando tal falta à negação que ela representa da verdadeira glória, a glória de Deus. Como está escrito em Romanos 8,18: “Considero que os nossos sofrimentos atuais não podem ser comparados com a glória que em nós será revelada” (BÍBLIA SAGRADA, 2002). A glória futura está no galardão que será dado por Deus a todo aquele que perseverar na fé em Cristo Jesus, todavia, é uma promessa para o “pós-vida”.

A comunidade cristã fora da Palestina começa a crescer, alcançando vários cantos do império romano e se tornando mais do que uma simples religião marginalizada. Dentro de três séculos, o Cristianismo se tornaria a religião do maior império da terra, bem como a religião que mais adeptos conquistava. Esse foi o resultado do querigma dos apóstolos, bem como do desprendimento e capacidade do apóstolo Paulo em compreender os planos salvíficos de Deus para toda a humanidade.

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MARCOS, LUCAS E O QUERIGMA DA SALVAÇÃO UNIVERSAL

Solange Maria do Carmo Johan Konings

Chama a atenção o fato de se encontrar, na pregação de Pedro em Atos 10,37-43, um apanhado do ministério, morte e ressurreição de Jesus que corresponde ao arcabouço do evangelho de Marcos, quanto ao início, e ao evangelho de Lucas, quanto ao fim. Este fato constitui o ponto de partida para uma reflexão sobre o caráter do querigma que Lucas parece resumir nesses versos dos Atos dos Apóstolos.

1. A narrativa de Jesus como elemento da primeira pregação cristã

O fato de At 10,37-43 parecer um resumo do evangelho de Marcos não surpreende quem admite a dependência literária de Lucas, autor de Atos, em relação a Marcos. Mas isso não significa necessariamente que Lucas tenha simplesmente resumido o Evangelho marcano, pois a fórmula de 1Cor 15,3-5 mostra que semelhante querigma ou pregação é anterior à composição marcana. Dizemos “querigma ou pregação”, porque não se deve imaginar o querigma como uma fórmula breve semelhante à (com aspas ou sem aspas?) que encontramos em 1Cor 15 ou At 10. Querigma significa anúncio ou pregação, e isso não se fazia em duas palavras. Para fazer o anúncio era preciso contar e recontar a história do mestre, seus feitos, seus ensinamentos, a trajetória de sua vida. O querigma era uma autêntica narrativa, com tudo quanto isso exige: a arte de reconstruir os fatos, dentro do gênero literário próprio; a capacidade de articular os dados em vista da finalidade teológica; o artifício da retórica com suas consequências, tudo o que constitui a tradição primitiva em torno do anúncio do Mestre morto e Ressuscitado.

Para captar a índole dessa tradição da atuação pública, fim violento e ressurreição de Jesus é preciso perceber-lhe o gênero literário. É a crônica de uma pregação. Os Evangelhos não nasceram do propósito de escrever uma biografia ou de relatar fatos acontecidos com Jesus e os seus, mas são compêndios daquilo que os missionários cristãos apregoavam a respeito da pregação do Nazareno. A pregação de Jesus em segunda potência, por assim dizer[1].

Convém corrigir a impressão que se tem ao ler alguns estudos do século XX sobre o “querigma”. Sob a influência da theologia crucis, certos autores dão a impressão de que o querigma se referiria somente ao paradoxo da morte e ressurreição de Jesus. Mas o esquema de Marcos e dos demais Evangelhos canônicos nos mostra que, para a pregação desse paradoxo, são indispensáveis os antecedentes dessa morte. Tal correção tem, inclusive, consequências para a

LEITURA COMPLEMENTAR

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UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA MISSÃO

teologia sistemática, a catequese e a piedade. A morte de Jesus não é o ponto inicial do ato salvador, mas a conclusão de toda a obra salvífica de Jesus, que é rememorada e transmitida na pregação apostólica e cristã. A morte de Jesus não revela seu significado verdadeiro a não ser como consequência de sua atividade pregadora. Sua morte é o sinal de sua fidelidade à missão que o Pai lhe confiou, de sua coerência total com seu anúncio e com as obras que realizou. Portanto, a morte e ressurreição de Jesus devem ser vistas na totalidade da obra de Jesus como anúncio da salvação.

Mais. Se Bultmann opinou que “o anunciador se tornou o anunciado” – o que não se pode negar –, não se deve esquecer que o que Jesus anunciou foi assumido e continuado na pregação de seus discípulos. Não há hiato, mas continuidade entre a boa-nova do Reino pregada por Jesus (segundo Mc 1,14-15) e a boa-nova a respeito de Jesus (anunciada em Mc 1,1), pois a prática de Jesus é o Reino. Se Loisy disse que “Jesus esperava o Reino, mas o que veio foi a Igreja”, devemos completar que a Igreja veio para continuar o Reino que Jesus esperava, pregava, trazia à cena e assim inaugurava na prática comunitária que legou à comunidade que o sucedeu e que chamamos a Igreja.

Uma consideração do esquema seguido pelos Evangelhos canônicos e Atos nos parece, portanto, oportuna para corrigir a ideia de que o Pai teria “encomendado” a morte do Filho para reparar o pecado de Adão e de todos nós. Decerto, a metáfora do sacrifício aplacador era significativa para a cultura judaica nas origens cristãs, que convivia diariamente com os sacrifícios de expiação. Depois, esta metáfora foi por Anselmo “inculturada” na cultura medieval de reparação da honra lesada. Mas importa compreendê-la como metáfora, subordinada ao que ela quer apontar: a realidade transbordante e inefável da obra de Jesus. Por ser inefável, por não se esgotar numa única proclamação, foi preciso continuar narrando essa obra. Por isso, a forma fundamental da mensagem cristã é a narrativa. Mas até o Diretório Nacional da Catequese, em vez de ver a narratividade como o modo próprio de fazer catequese e de transmitir a mensagem cristã, parece entendê-la como um assunto a mais, um tema a ser acrescentado ao antigo modelo catequético de Trento: Símbolo dos Apóstolos, mandamentos, sacramentos e orações do cristão[2]. Parece que a catequese atual, apesar de toda a renovação pela qual já passou, ainda não despertou para o caráter narrativo que lhe é próprio: continuar narrando o evento Jesus de Nazaré, como fizeram os evangelistas.

Continuar narrando[3], de modo sempre renovado: foi o que fizeram Marcos e aqueles de quem recebeu a tradição. Isso relativiza a ideia de que a transmissão dos ditos de Jesus (por exemplo na fonte Q) seria mais primitiva, em termos de história traditiva, que a transmissão da narrativa de sua pregação. Decerto, foi mostrado, com argumentos literários convincentes, que Marcos emoldurou os ditos e fatos transmitidos pela pregação cristã do jeito próprio dele[4]. Mas quem pregava já havia concebido a pintura antes que Marcos a emoldurasse!

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TÓPICO 3 — O APOSTOLADO PAULINO E O CONFRONTO COM O MUNDO PAGÃO

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Ora, se a narrativa de Marcos organiza fatos e ditos referentes a Jesus, verdade é que os ditos que Mt e Lc hauriram de Q para completar a narrativa marcana talvez apresentem Jesus mais como sábio popular do que como o Servo Padecente prestes a dar sua vida. Mas os ditos desse sábio foram recordados por causa da radical fidelidade com que ele anunciou o Reino de Deus em tudo quanto fazia — fidelidade que o levou à morte. O que o querigma ou a pregação transmite é essa atuação, esse ministério de radical fidelidade: uma vida inteira de fidelidade, e fidelidade inconteste à vida. Não um querigma só de morte e ressurreição, como 1Cor 15,3-5 pode sugerir[5], mas um querigma que evoca o profeta escatológico, recriador do povo na perspectiva do reino escatológico, assim como é apresentado pelos Evangelhos.

2. O discurso de At 10,37-43 e seus paralelos em Marcos e Lucas

Com grande probabilidade, o Evangelho de Marcos ou o esquema pré-marcano foi o modelo que Lucas tinha diante dos olhos ao criar o discurso paradigmático de At 10,37-43. Este discurso ensina o pregador cristão a apresentar Jesus por meio da narrativa de sua obra.

37 Vós sabeis o que aconteceu por toda a Judeia, depois de ter começado na Galileia, após o batismo que João pregou:38 como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com Espírito Santo e com o poder, como ele andou fazendo o bem e curando todos os subjugados do diabo, porque Deus estava com ele.39 E nós somos testemunhas de tudo o que fez na região dos judeus e em Jerusalém. Eles o eliminaram, suspendendo-o num madeiro.40 A este, Deus o ressuscitou ao terceiro dia e deu-lhe manifestar-se,41 não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus havia escolhidos de antemão, a nós que comemos e bebemos com ele, depois que ressuscitou dentre os mortos.42 Ele nos mandou pregar ao povo e testemunhar que é ele quem foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos.43 Dele todos os profetas dão testemunho, [anunciando] que todo o que nele crê recebe o perdão dos pecados por meio de seu nome (At 10,37-40).

Podemos focalizar neste discurso três dimensões: a dimensão narrativa, ou seja, o relato da obra anunciadora, morte e ressurreição de Jesus; a dimensão cristológica, ou seja, a confissão messiânica, com a alusão à “unção”; a dimensão soteriológica, ou seja, o anúncio de perdão e salvação. Mostraremos a presença destas dimensões no Evangelho modelo de Marcos, no resumo de At 10,37-43 e na narrativa do Evangelho de Lucas, que é também o autor dos Atos dos Apóstolos.

2.1 A dimensão narrativa

O ponto de partida é a dimensão narrativa, pois antes de tudo deve-se tomar conhecimento dos fatos (cf. Lc 1,1-4; At 1,1-2). 37 Vós sabeis o que aconteceu por toda a Judeia, depois de ter começado na Galileia, após o batismo que João pregou.

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UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA MISSÃO

Este motivo coincide com a solene abertura de Marcos (Mc 1,1-6), copiada em Lc 3,1-6 com ênfase maior, pois Lucas introduz uma nota cronológica situando o fato na história mundial (“no décimo quinto ano do governo do imperador Tibério”) e na história do povo judeu (mediante a menção aos regentes herodianos e aos sumos sacerdotes). Assim, a notoriedade mencionada em At 10,37 é salientada pelo redator lucano também em Lc 3,1. Aqui cabe observar que, pela solenidade da nota cronológica, Lc 3,1 se destaca de Lc 1—2, o “evangelho da infância”. Em 3,1 se encontra a verdadeira abertura da narrativa querigmática da obra pregadora de Jesus. Os capítulos 1—2 devem ser considerados como preâmbulo teológico. 38 como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com Espírito Santo e com o poder,

O primeiro elemento da narrativa querigmática coincide com Mc 1,7-11. Este episódio de Marcos é um relato cifrado da unção de Jesus com o Espírito de Deus. Cifrado, porque evita o termo “ungir”, correspondente ao hebraico mashah, de onde “messias”. Todo o Evangelho de Marcos serve, de fato, para mostrar que Jesus não é o ungido esperado, mas o agente escatológico inesperado, que realiza a vocação do Servo Padecente e do Filho do Homem, agente humano do reino de Deus. Para Marcos, esse agente só pode ser identificado como “o ungido” de modo misterioso: não ungido como os reis e os sacerdotes, mas ungido com o Espírito de Deus assim como o profeta escatológico de Is 61,1. É o que Marcos sugere pelo relato do batismo de Jesus (Mc 1,9-11). Lucas o entendeu muito bem. Onde Marcos descreve, logo depois do batismo, a primeira atuação pública de Jesus na sinagoga de Cafarnaum (Mc 1,21), Lucas situa tal cena em Nazaré e faz Jesus proclamar exatamente o texto que fala de sua unção pelo Espírito (Lc 4,18). Observe-se ainda que tanto em Lc 4,18 como em At 10,38 ocorre o termo chriein, “ungir”, do qual é derivado o substantivo christos, “ungido” (= messias). como ele andou fazendo o bem e curando todos os subjugados do diabo.

Tanto em Mc como em Lc — à diferença de Mateus, que acentua o ensino — a pregação de Jesus é caracterizada pelas expulsões dos espíritos impuros (demônios, diabo). Na fonte Q, a expulsão dos demônios “pelo dedo de Deus” é um sinal de que, com Jesus, o reino de Deus se torna presente (Lc 11,20//Mt 12,28). Isso, porque assinala a chegada do “mais forte”, aquele que vence as forças mais impenetráveis e que superam qualquer compreensão humana. Também a parábola do homem forte em Mc 3,27 aponta nessa direção. Pouco importa a explicação médica ou psiquiátrica de tais fenômenos, a expulsão dessas forças humanamente inatingíveis é um sinal da chegada do reino de Deus.

A expressão “fazendo o bem” remete ao mesmo tempo aos resumos dos diversos tipos de milagres operados por Jesus e às subsequentes aclamações do povo. O paralelo mais próximo desta fórmula de At 10,38 no evangelho de Marcos é a exclamação depois da cura do surdo e gago, Mc 7,37: “Ele fez tudo bem”. Em Lc 7,16, esse tipo de aclamação é relacionada com o “grande profeta” (= Elias) e com a “visita” de Deus a seu povo, da qual o Elias redivivo seria o precursor.

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A frase seguinte, porque Deus estava com ele, aponta para a presença do “Deus que age”, da qual o profeta é a testemunha. Essa presença atuante é o que Moisés, em Ex 33,12-17, pede a Deus depois da ruptura causada pela adoração do bezerro. A presença atuante de Deus é também o critério para se reconhecer se o profeta é verdadeiro: a obra de Deus que acompanha a palavra do profeta é a garantia de sua autenticidade (Dt 18,15-21). Isso corresponde ao perfil de Jesus caracterizado em Lc 24,19 e outros textos lucanos. Para essa presença atuante de Deus remetem também as expressões “filho de Deus”, “santo de Deus” e outras semelhantes que ocorrem em Mc por ocasião das obras de Jesus.

No v. 39a Lucas se refere aos “apóstolos” como aos que acompanharam a obra de Jesus desde o começo na “terra dos judeus” (incluindo, conforme a terminologia civil, a Galileia) até o fim em Jerusalém. O começo é o batismo administrado por João (cf. Lc 3,23 e At 1,21). O fim é a morte em Jerusalém (cf. At 1,22 e Lc 9,31), como é resumido na frase seguinte: Eles o eliminaram, suspendendo-o num madeiro.

A expressão “suspender no madeiro” não provém de Marcos, mas parece um eco da terminologia usada por Paulo em Gl 3,13, que, por sua vez, é uma citação de Dt 21,23, a maldição de quem é suspenso no madeiro. Como Paulo, Lucas caracteriza a morte de Jesus como paradoxo: aquele que o mundo transformou em maldição, Deus o transforma em bênção (cf. Gl 3,14).

Sem conjunção — caracterizando, pois, uma ruptura na ação — é mencionada agora a ação de Deus:

40 A este, Deus o ressuscitou ao terceiro dia

A ressurreição “ao terceiro dia” é a fórmula que exprime o “pronto agir” de Deus (cf. Os 6,2). Deus, que está com seu profeta, não tarda em agir. Como ele agiu na vida do profeta Moisés, sua ação se faz sentir na vida do Nazareno. A ação de Deus o faz ressurgir dos mortos. Assim como Deus ficou presente junto a Moisés, ele ficou presente junto ao novo profeta no “êxodo que ele ia consumar em Jerusalém” (Lc 9,31). Mais uma vez a ação de Deus marca a história, e o povo encontra na ressurreição de Cristo um novo evento fundante. Passa a ser comemorada uma Páscoa diferente: assim como a passagem pelo Mar Vermelho tornou-se referência central da narrativa antiga, a passagem de Jesus da morte à vida torna-se o ponto articulador da pregação nova, testemunhada nos discursos querigmáticos e nos Evangelhos.

E deu-lhe manifestar-se, 41 não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus havia escolhido de antemão, a nós que comemos e bebemos com ele, depois que ressuscitou dentre os mortos.

As aparições do Ressuscitado não são interpretadas como um feito poderoso que por si mesmo suscitasse a fé em Jesus. Elas estão em função do testemunho a ser dado ao mundo. Os que foram testemunhas desde o começo na

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Galileia até em Jerusalém serão agora as “testemunhas escolhidas de antemão” (assim como os profetas de antigamente). São os que participaram das aparições pascais, caracterizadas como “comer e beber com ele”, sem dúvida uma referência a Lc 24,36-48, episódio que termina exatamente na instituição dos apóstolos como testemunhas (Lc 24,48). O “comer e beber com ele” tem sabor escatológico, pois evoca a realização da comunhão de mesa com Jesus na realidade do Reino (cf. Lc 22,15-16, e também a citação de Q em Lc 22,30).

42 Ele nos mandou pregar ao povo e testemunhar que é ele quem foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos.

O testemunho – a pregação ou querigma dos apóstolos – consiste na proclamação da constituição de Jesus como “juiz de vivos e mortos”, juiz universal, função atribuída pelo judaísmo daquele tempo ao Filho do Homem. Mas o pensamento de Lucas não fica parado no tema do juízo como tal. Se, em Dn 12,2, o juízo evoca um duplo julgamento, quer para a vida, quer para a condenação eterna, Lucas acentua somente a dimensão salvífica, pois importa anunciar a salvação, afinal “o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19, 10).

43 Dele todos os profetas dão testemunho, [anunciando] que todo o que nele crê recebe o perdão dos pecados por meio de seu nome (At 10,37-40).

O testemunho dos apóstolos é o prolongamento do testemunho de todos os profetas, isto é, da profecia em sua totalidade. Pensa-se no texto que o próprio Paulo cita em Gl 3,11 e Rm 1,17: “o justo viverá pela fé” (Hab 2,4). Para Paulo e Lucas, tal é o teor decisivo de toda a profecia: o “segundo as Escrituras” de 1Cor 15,3-5 é entendido em direção à salvação, o perdão concedido por Deus em virtude da obra de Cristo, levada a termo em sua morte e reconhecida em sua ressurreição (“por meio de seu nome”). Salvação universal, com base na fé: todo o que nele crê. Esse crer é a adesão a Jesus como Cristo-Messias (ungido pelo Espírito), rejeitado pelos homens, mas confirmado por Deus na ressurreição e testemunhado como tal pelos que conheceram não só sua obra terrestre, mas também sua presença pascal e escatológica.

E logo a seguir, enquanto Pedro ainda está falando, essa fé é atestada pela efusão do Espírito sobre os gentios que ouvem a palavra anunciada, o querigma (At 10,44-48)[6].

FONTE: Adaptado de: <https://www.fiquefirme.com.br/16-marcos-lucas-e-o-querigma-da-salva-cao-universal>. Acessado em: 5 ago. 2021.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• A relação entre o chamado do apóstolo Paulo e o início do querigma entre os gentios, pagãos, tendo como premissa a pregação do Evangelho de Cristo como mensagem desvencilhada da tradição judaica e de suas Leis.

• A importância da obra paulina, tanto na pregação do Evangelho, o querigma, quanto na fundamentação das verdades teológicas presente na obra de Jesus na cruz, sua justificação pela fé e seu amor representado na graça de Deus.

• Paulo deve que confrontar a verdade do Evangelho com a tradição pagã antiga, principalmente nos pontos em que a doutrina de Cristo se distancia dos modelos religiosos da antiguidade.

• A obra de Paulo, além da evangelização entre os gentios, foi extremamente importante para a construção e consolidação de uma teologia cristã, baseada na verdade do Evangelho.

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CHAMADA

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1 O apóstolo Paulo é uma das figuras mais importantes do Cristianismo, principalmente, quando se pensa na expansão desta religião no chamado mundo pagão da antiguidade. Sua formação é um diferencial em sua missão de apostolado, sendo ele um dos grandes formuladores das principais doutrinas cristãs. Sobre este importante apóstolo da Igreja de Cristo, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Paulo foi um judeu da tradição farisaica, convertido pela própria intervenção de Cristo, sendo educado nas principais disciplinas do Judaísmo e da tradição intelectual de sua época.

b) ( ) Paulo, mais conhecido como Saulo de Tarso, foi um cristão convertido que se juntou primeiro ao Judaísmo, por ser romano de nascimento, tendo sido depois enviado à Roma como discípulo.

c) ( ) O apóstolo Paulo, conhecido como o “apóstolo dos circuncisos”, foi o principal evangelizador das comunidades judaicas fora de Jerusalém.

d) ( ) Saulo de Tarso, depois convertido a Paulo, o apóstolo, foi um homem rústico, tendo sido criado como romano e levado para Antioquia como companheiro de Barnabé.

2 A pregação do Evangelho foi confrontada, principalmente por Paulo, com toda a carga de influências das religiões nacionais que vigoravam nas diversas culturas da época. Estas religiões tinham características bem definidas, sendo que praticamente todas possuíam forte influência sobre a organização político-social. Com base nas definições apresentadas sobre estas religiões, analise as sentenças a seguir:

I- Praticamente todas as religiões da antiguidade, com exceção do Judaísmo, eram politeístas, centradas na vida social e na adesão dos indivíduos.

II- Os diversos deuses serviam para explicar o mundo dentro de uma visão compartilhada pelos indivíduos que faziam parte da sociedade na qual a religião era adotada.

III- Nenhuma das religiões pagãs da época de Paulo tinham a pretensão de legitimar aspectos sociais como a guerra, a busca de reconhecimento ou organização política.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.b) ( ) Somente a sentença II está correta.c) ( ) As sentenças I e II estão corretas.d) ( ) Somente a sentença III está correta.

AUTOATIVIDADE

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3 Ao ser confrontada com as diversas tradições religiosas da Antiguidade, a mensagem do Evangelho aparecia como a história de um deus diferente de todos aqueles conhecidos, principalmente, em vista da figura sofredora do Cristo. Este fator foi um dos pontos que levaram os Judeus a rejeitarem o Messias apresentado na pessoa de Jesus. Sobre esta temática, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A tradição religiosa predominante na Antiguidade promulgava o deus nacional, o deus de cada povo, como um deus forte, que trazia vitórias militares e poder sobre outros povos.

( ) A figura de Cristo aparece com um deus fraco, uma figura de “vergonha”, não de glória e força.

( ) A tradição religiosa pagã promulgava que os deuses são imortais, assim, quando Cristo ressuscita, ele deixa de ser uma figura de “vergonha” e se torna uma figura de “poder”.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.b) ( ) V – V – F.c) ( ) F – V – F.d) ( ) F – F – V.

4 O início da missão apostólica foi marcado por diversas dificuldades, desafios e até mesmo desentendimento por parte de alguns grupos recém-convertidos. Nem mesmo os apóstolos ficaram livres de desavenças e discussões, principalmente, em vista da necessidade de levar a palavra de Deus a todas as nações. Um destes episódios foi o chamado “incidente de Antioquia”. Disserte sobre este tema e sua importância.

5 O apóstolo Paulo teve contato com diversas culturas em suas ações missionárias, principalmente, nos centros gregos e romanos, os quais abrigavam as principais instituições destas civilizações. Nestes contatos, ele foi levado a formular inúmeras explicitações da palavra de salvação do Evangelho, esclarecendo vários pontos da fé cristã. Neste contexto, disserte apresentando pelo menos uma questão esclarecida por Paulo em sua teologia.

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REFERÊNCIAS

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CAMPOS, Cyro de Moraes. História do judaísmo antigo. São Paulo: Edições Autores Reunidos Limitada, 1961.

CARMO, S. M.; KONINGS, J. Marcos, Lucas e o querigma da salvação univer-sal. Disponível em: https://www.fiquefirme.com.br/16-marcos-lucas-e-o-querig-ma-da-salvacao-universal. Acessado em: 5 ago. 2021.

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HODGE, C. Teologia sistemática. Tradução de Valter Martins. São Paulo: Hag-nos, 2001.

LIVERANI, M. Oltre la bibbia: storia antica di Israele. 5 ed. Roma: Editori La-terza, 2006.

OHLWEILER, O. A. A religião e a filosofia no mundo grego-romano. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990.

OTZEN, B. O Judaísmo na Antiguidade: A história política e as correntes reli-giosas de Alexandre Magno até o imperador Adriano. São Paulo: Paulinas, 2003.

NEUSNER, J. Judaism and Christianity in the age of Constantine: history, Messiah, Israel, and the initial confrontation. Chicago: The University of Chica-go Press, 1987.

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RAINER, K. História Social do Antigo Israel. São Paulo: Paulinas, 2009.

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REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990.

RUPPENTHAL, W. Teologia da missão: aspectos fundamentais da missão de Deus e da Igreja. Curitiba: Intersaberes, 2020.

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UNIDADE 2 —

FUNDAMENTOS DA ECLESIOLOGIA DA MISSÃO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• analisar e compreender os fundamentos teológicos de constituição da Igreja no fim da Antiguidade e início da Idade Média e seus desdobra-mentos na evangelização;

• conhecer e compreender a sistematização da teologia cristã a partir dos Concílios e sua influência na propagação do evangelho no Ocidente;

• conhecer, analisar e compreender as principais discussões teológico-fi-losóficas em torno dos fundamentos do Evangelho na Idade Média e suas influências na teologia da missão;

• compreender os principais pontos da questão da Unicidade da Igreja na Modernidade, tendo como foco as disputas doutrinais e a questão da evangelização no Ocidente, tanto no chamado “Velho Mundo” quanto no chamado “Novo Mundo”.

Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A TEOLOGIA DA MISSÃO NO INÍCIO DA IGREJA

TÓPICO 2 – FÉ E RAZÃO NA TEOLOGIA DA MISSÃO NA IGREJA MEDIEVAL

TÓPICO 3 – A TEOLOGIA DA MISSÃO E O PROBLEMA DA UNICIDADE DA IGREJA NA MODERNIDADE

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

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UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

A comissão dada aos apóstolos por Jesus, levar a palavra de salvação do Evangelho a todas as nações, ganha impulso quando a doutrina cristã passa a ser reconhecida como uma religião oficial de um Estado. Parece necessário um esclarecimento dos termos para alcançarmos uma compreensão do significado deste processo de institucionalização da fé cristã e seu impacto no movimento de evangelização. Primeiro, o âmbito teológico diz respeito à fundamentação da própria doutrina da fé cristã, seus pressupostos, elementos, textos sagrados etc.

Segundo Pohier (1971, p. xv): “a teologia é a ciência da fé, é a fé que se procura compreender. Na vida e na comunidade dos fiéis, seu papel é análogo ao que desempenham as ciências e a filosofia na vida e na comunidade dos homens…”. Essa assertiva é esclarecedora e ao mesmo tempo indicativa da necessidade de se compreender como o processo de racionalização da fé se expressa no processo de construção de um edifício teológico sistematizado.

FIGURA 1 – A COMPREENSÃO PELA RAZÃO

FONTE: <https://shutr.bz/3Anib7X>. Acesso em: 12 ago. 2021.

TÓPICO 1 —

A TEOLOGIA DA MISSÃO NO INÍCIO DA IGREJA

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UNIDADE 2 — FUNDAMENTOS DA ECLESIOLOGIA DA MISSÃO

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A fé cristã precisou marcar sua posição diante das doutrinas pagãs, com-batê-las e se tornar hegemônica, não só no âmbito institucionalizado, mas tam-bém entre a grande massa da população. Neste processo, veremos o surgimento dos chamados “Pais da Igreja”, apologetas e teólogos, ou simplesmente sacerdo-tes e homens consagrados, que defendiam a fé cristã e contribuíram para a cons-tituição de uma teologia cristã.

Todo esse movimento influenciará fortemente a questão da evangelização, ou seja, da visão de como levar a palavra do Evangelho a partir das doutrinas e dogmas que se vão constituindo. O âmbito teológico tomará ainda maior importância a partir da chamada Escolástica, quando a sistematização da doutrina cristã, e seus fundamentos, será fortemente confrontada com a sistematização filosófica. Não que os Pais da Igreja não tiveram que entrar em embate com as tradições filosóficas clássicas gregas, mas na Escolástica este embate será crucial para se estabelecer uma tradição de ensino da teologia cristã.

No âmbito eclesiológico, o desafio era constituir uma Igreja que pudesse organizar a obra evangelizadora. O termo “igreja” vem do grego ekklesia que, segundo Baily (2000, p. 268), significa: “assembleia por convocação, assembleia de um povo”. Neste sentido, a “ekklesia” de Cristo é a assembleia daqueles que ouviram sua mensagem, se arrependeram e foram batizados, sendo convocados a estarem juntos, reunidos, em torno do nome de seu mestre e salvador. Esta é a autoridade primeira, central da Igreja de Deus revelada e alicerçada em seu Filho Unigênito, assim, é a Igreja de Deus em Cristo. Como bem aponta Tillard (1967, p. 218):

Aliás, como poderia suceder diversamente para a Igreja, que só realiza a sua vocação de serva do Pai passando pelo mistério do Senhor Jesus? Porque ela só é Ekklesia tou Theou sendo Ekklesia tou Christou. Mais radicalmente ainda, ela só é Ekklesia tou Theou porque é Ekklesia tou Christou, reunião dos homens no Corpo do Senhor Jesus, no sentido realista desta expressão, comunhão de vida e de destino com aquele que o Pai introduziu na plenitude de sua glória.

A autoridade espiritual da Igreja já estava posta desde o comissionamento

de Jesus a seus discípulos, ele ordena que eles saiam e batizem em nome do Pai, do Filho e do Santo Espírito, sendo este o ordenamento do querigma fundador da assembleia dos santos. Todavia, a autoridade temporal, a condição de religião oficial do Império Romano, trouxe novas prerrogativas à constituição da Igreja, da Ekklesia. Prerrogativas estas que se fundamentavam em um ordenamento hierárquico e litúrgico, representando a própria universalidade da Igreja.

Para compreendermos melhor todo este processo, nos determos na discussão sobre a sistematização da teologia a partir dos Pais da Igreja, buscando nuançar seus principais pontos, para depois analisar a importância dos primeiros concílios para solidificação do processo de constituição da Igreja a expansão da mensagem do Evangelho.

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TÓPICO 1 — A TEOLOGIA DA MISSÃO NO INÍCIO DA IGREJA

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2 A SISTEMATIZAÇÃO DA TEOLOGIA CRISTÃ E OS PAIS DA IGREJA

O chamado período dos “Pais da Igreja” ou ainda dos “Santos Padres”, que vai do século I até o século VII, é o período no qual as comunidades cristãs enfrentavam forte repressão e dificuldades em serem aceitas nas diversas culturas em que já estavam inseridas. Porém, foi no mundo greco-romano que os Pais da Igreja tiveram um papel central na defesa da fé cristã e no assentamento de uma teologia mais clara, concisa e mais bem sistematizada.

FIGURA 2 – PAIS DA IGREJA

FONTE: <https://shutr.bz/3Dsae3w>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Certamente que neste período a verdade do Evangelho estava longe de ser pregada em todas as nações da terra, todavia, este momento de afirmação, de construção e consolidação da teologia cristã era fundamental para a própria sobrevivência do Cristianismo. Antes de se tornar a religião oficial do Império Romano, o Cristianismo precisou fundamentar seus princípios em termos que pudessem ser reconhecidos e assimilados pelos indivíduos e pelas próprias instituições do Estado. É necessário apontar que o chamado Novo Testamento é compilado apenas no final do século IV, como nos instrui Ohlweiler (1990, p. 195):

Os escritos canônicos são vinte e sete, abrangendo os Evangelhos segundo Mateus, Marcos, Lucas e João, os Atos dos apóstolos, atribuídos a Lucas, uma série de Epístolas atribuídas a diversos apóstolos, especialmente Paulo, e o Apocalipse de João. O estabelecimento definitivo dos textos canônicos só foi efetivado por volta da segunda metade do século IV no leste do Mediterrâneo e no fim do século V no oeste. Os teólogos cristãos consideram que os quatro Evangelhos, dedicados à vida de Jesus e seus “milagres”, formam a parte essencial do Novo Testamento.

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UNIDADE 2 — FUNDAMENTOS DA ECLESIOLOGIA DA MISSÃO

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Este fato de o Novo Testamento ter sido compilado em seus vinte e sete livros apenas no século IV, mesmo que apresentando uma variação em sua composição, é importante para percebermos como os primeiros Pais da Igreja estão dependentes da tradição oral, dos Evangelhos sinóticos e dos textos esparsos das Epístolas apostólicas. A fórmula mais primitiva, mais básica e poderosa da mensagem cristã, é a de que Jesus é o Filho Unigênito de Deus que deu sua vida como sacrifício para salvar a humanidade. Na passagem bíblica de Atos 8,36-38, vemos esta fórmula como único requisito para ser batizado, como segue:

36 Prosseguindo pela estrada, chegaram a um lugar onde havia água. O eunuco disse: “Olhe, aqui há água. Que me impede de ser batizado?” 37 Disse Filipe: “Você pode, se crê de todo o coração”. O eunuco respondeu: “Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus”. 38 Assim, deu ordem para parar a carruagem. Então Filipe e o eunuco desceram à água, e Filipe o batizou (BÍBLIA SAGRADA, 2002).

Nessa passagem, vemos a fórmula primitiva da fé cristã, a mensagem de que Jesus é o Filho de Deus, é a “fórmula cristológica”, base de toda a doutrina cristã e será também a base de toda a construção teológica dos Pais da Igreja. Sistematizar essa mensagem em termos que pudessem combater os ataques dos pagãos e hereges era o grande desafio dos Pais da Igreja. A evangelização, o caráter missionário da Igreja, dependia de uma doutrina que pudesse ser vista de forma mais organizada e explicativa, principalmente, frente aos questionamentos levantados por aqueles que buscavam depreciar a fé cristã.

FIGURA 3 – BÍBLIA SAGRADA

FONTE: <https://shutr.bz/3oP1aRY>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Junto à fórmula cristológica temos a chamada “fórmula trinitária”, expressa pelo próprio Jesus, como descrito em Mateus 28,19: “Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (BÍBLIA SAGRADA, 2002). Esse símbolo da fé será central para a diferenciação da mensagem cristã das demais religiões, bem como será também um dos pontos nos quais os Pais da Igreja terão que se debruçar para estabelecer uma doutrina compreensível e até mesmo plausível.

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TÓPICO 1 — A TEOLOGIA DA MISSÃO NO INÍCIO DA IGREJA

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Questões como as duas naturezas de Cristo, a espiritual e a carnal, a questão do batismo, a doutrina da ressurreição de Cristo, a concepção imaculada, entre tantas outras que desafiaram a inteligência da fé dos primeiros Pais da Igreja. A compreensão deste período da história da Igreja de Cristo é extremamente importante para entendermos como a mensagem da fé cristã foi tomando uma forma mais sistematizada, mais concisa e esclarecedora. Para tal, é preciso fazer uma distinção muito importante, há o estudo da teologia do período dos Pais da Igreja, bem com o estudo dos aspectos históricos e eclesiológicos deste período. Trazemos aqui uma esclarecedora colocação de Latourelle (1981, p. 147-148):

A teologia patrística tem, por fim, expor com fidelidade o pensamento dos Padres da Igreja, a fim de participar da inteligência que eles tiveram da fé cristã. Supõe, no ponto de partida, o estudo atento do vocabulário do Padres, dos gêneros literários por eles adotados, do contexto histórico no qual viveram. […] A patrologia é a ciência que estuda os Padres e os escritores eclesiásticos da Igreja antiga, especialmente sua vida e obras, do tríplice ponto de vista filológico, filosófico e teológico. É a patrologia uma disciplina principalmente histórica [...].

Tomando em conta essa distinção entre teologia patrística e patrologia, podemos colocar que nosso objetivo aqui é compreender, mesmo que de forma sucinta, como a teologia e a eclesiologia, a inteligência da fé e a compreensão histórica da constituição da Igreja, podem nos ajudar a compreender a importância do período dos Pais da Igreja para a disseminação do Evangelho.

Já no primeiro século, no início do fortalecimento das comunidades cristãs fora de Jerusalém, tem-se um texto de autoria desconhecida, mas que remete ao ensinamento dos apóstolos e é um dos documentos mais antigos de ensino na incipiente Igreja. A chamada Didaché é um tipo de manual, uma coletânea de apontamentos morais, instruções para a organização da comunidade cristã, regras relacionadas a uma inicial liturgia. Como indica Quasten (1967, p. 35): “A Didaché é o documento mais importante do período imediatamente sucessivo aos apóstolos e a fonte mais antiga que possuímos da legislação eclesiástica”.

FIGURA 4 – ESCRITOS DOUTRINÁRIOS

FONTE: <https://shutr.bz/3BtRHTD>. Acesso em: 12 ago. 2021.

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UNIDADE 2 — FUNDAMENTOS DA ECLESIOLOGIA DA MISSÃO

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A partir da Didaché pode-se perceber que a disposição em se criar meios de instrução e preparação dos fiéis, caminhava junto com a preocupação em se estabelecer uma liturgia que refletisse a verdade da fé. Esses dois fatores juntos constituíam as bases da formação de uma Igreja que era, ao mesmo tempo, missionária e acolhedora, expansionista e formadora. Figuras centrais como Clemente Romano (35 d.C. – 97 d.C.), Inácio de Antioquia (35 d.C. – 110 d.C.), Policarpo de Esmirna (69 d.C. – 155 d.C.), além dos Padres Gregos e Latinos, como Clemente de Alexandria (150 d.C. – 215 d.C.) e o próprio Agostinho de Hippona (354 d.C. – 430 d.C.), do qual falaremos mais a frente, foram os promulgadores dos primeiros dogmas, doutrinas, liturgias e defesa da fé cristã.

Ainda de acordo com Quasten (1967), Clemente Romano é o autor de um importante texto, uma Carta aos Coríntios, sendo este o documento mais antigo da literatura cristã, fora do Novo Testamento, nela Clemente fala da perseguição de Nero aos cristãos, entre outros assuntos. Já Inácio de Antioquia trata de assuntos importantes como a cristologia, já defendendo as naturezas divina e carnal de Jesus, a concepção imaculada, além disso, ele é o primeiro a usar o termo “Igreja Católica”, sendo esta a Igreja de Cristo na Terra.

Por sua vez, Policarpo de Esmirna, que sofre martírio, escreve uma Carta aos Filipenses, na qual ele faz uma defesa da morte de Jesus na cruz e sua natureza carnal, dizendo ser um “anticristo” aquele que nega tais coisas. Ele ainda defende a obediência dos crentes aos seus bispos e diáconos, oferecendo, assim, toda uma instrução eclesiológica.

Clemente de Alexandria foi um importante patriarca da Igreja naquela cidade, que era uma das mais importantes da época, com intensa discussão religiosa e intelectual, principalmente, por conta da comunidade judaica que ali vivia. Clemente faz uma ampla defesa da fé cristã frente ao paganismo grego, em sua obra Exortação aos Gregos, ele critica a adoração aos deuses do panteão grego, buscando demonstrar que tal culto é indigno frente à adoração ao verdadeiro Deus.

A constituição de uma eclesiologia, bem como uma teologia, concisa e clara, fundamentadas na mensagem de Cristo, foi preponderante para que a Igreja impulsionasse seu crescimento nas culturas pagãs da época. Não só por ter se tornado a religião do Império Romano, em 384 d.C. através do Edito de Tessalônica, feito por Teodósio Magno, mas por ter conseguido constituir uma organização bem fundamentada e amparada pelos dogmas, doutrinas, liturgias, textos e tradições.

Ainda neste contexto de defesa da fé e constituição de uma teologia cristã robusta, nos voltaremos para a maior figura deste período, um dos Pais da Igreja na África, Santo Agostinho.

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2.1 SANTO AGOSTINHO E O EMBATE CONTRA OS PAGÃOS E HEREGES

Entre os anos de 354 d.C., nascimento de Agostinho, e 430 d.C., ano de sua morte, o Império Romano passou por um duro período de transformações, o qual inclui o saque de Roma por Alarico em 410 d.C. e a expansão dos exércitos “bárbaros”. Neste período também era efervescente a disputa entre diversas seitas religiosas, doutrinas espirituais, correntes filosóficas e os chamados cultos órficos ou mistérios. Mesmo dentro do Cristianismo, havia inúmeras divisões e disputas sobre a verdadeira doutrina da fé, as verdadeiras práticas litúrgicas e até mesmo sobre a legitimidade da herança do ministério apostólico reivindicada pela Igreja Romana.

FIGURA 5 – AGOSTINHO DE HIPPONA

FONTE: <https://shutr.bz/30esRtr>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Agostinho estudou por vários anos em Tagaste, sua cidade natal, não possuía domínio da língua grega, a língua “culta” da época, mas era profundo admirador dos clássicos latinos, como Cícero, Terêncio e Plauto. Ele se torna professor de retórica, tendo ensinado em Cartago e posteriormente indo para Roma, centro natural para um jovem em busca de sucesso. Contudo, Agostinho, em sua juventude, teve uma vida muito desregrada e voltada para os prazeres e excessos, dos quais ele falará, em tom de arrependimento, nas suas Confissões. Como ele mesmo expõe:

O inimigo dominava o meu querer, e dele me forjava uma cadeia com que me apertava. Ora, a luxúria provém da vontade perversa; enquanto se serve à luxúria contrai-se o hábito; e se não se resiste a um hábito, origina-se uma necessidade. Era assim que, por uma espécie de anéis entrelaçados — por isso lhes chamei cadeia —, me segurava apertado em dura escravidão (AGOSTINHO, Confissões VIII 5,10).

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Essa experiência de depravação e “vida livre” marcou não só a juventude do Bispo de Hippona, mas influenciou sua obra teológica, a qual será fortemente direcionada para a questão da vontade, do mal e da remissão pela “graça”. O maniqueísmo será a primeira esteira teórica na qual Agostinho buscará uma sabedoria que lhe pudesse abrir as portas do entendimento. A tentativa de explicar a malignidade existente no mundo, principalmente, aquela do coração humano, será uma das marcas da teologia agostiniana, mas será também um ponto de dura disputa com várias seitas religiosas.

FIGURA 6 – MALDADE HUMANA

FONTE: <https://shutr.bz/3AsN9vv>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Agostinho será um dos maiores apologetas do Cristianismo, combatendo várias heresias e ameaças vindas dos pagãos e daqueles que viam nessa religião a falha do Império Romano. Com o saque de Roma, por Alarico, os romanos não convertidos começaram a acusar a fé cristã de ter enfraquecido a tradição e o ânimo da sociedade romana, introduzindo costumes novos e pouco afeitos à guerra e a conquista. Como o próprio Agostinho aponta em sua obra a Cidade de Deus:

Ontem, respondendo à carta de Marcelino, tribuno. Sendo ele um justo homem, católico fervoroso e amigo cordial. Insta-me a que escreva, após o saque de Roma, uma obra cujo tema seja a Cidade de Deus. É um grande e árduo compromisso! Escrevê-la-ei, se Deus quiser. (AGOSTINHO, Sermões, 356, 10)

Além disso, “Por isso, ardendo no zelo à casa de Deus, resolvi escrever os livros sobre a Cidade de Deus contra as blasfêmias…” (AGOSTINHO, Retratações, II, 43). Essas duas passagens nos mostram como o ocorrido do saque de Roma influenciou a obra agostiniana, tida como sua obra máxima. Neste livro, Agostinho inaugura e renova várias linhas da teologia cristã, desde uma eclesiologia da “Igreja Católica”, universal, até uma teologia da história, na qual a história humana e a divina se desenvolvem a partir de um acontecimento em comum e vão até um final também em comum.

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TÓPICO 1 — A TEOLOGIA DA MISSÃO NO INÍCIO DA IGREJA

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FONTE: <https://shutr.bz/2YvOt3B>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Agostinho articula uma relação entre indivíduo e sociedade que até então não havia sido construída dentro da tradição cristã. Ao escrever a Cidade de Deus, ele promulga uma compreensão não só espiritual, mas também política da individualidade da mensagem do Evangelho. Duas cidades se desenvolvem em paralelo desde a queda do ser humano no Éden, a saber, a Cidade Celeste, aquela que já existia no céu na presença de Deus, e a Cidade Terrena, aquela que surge após a queda de Satanás e posteriormente é povoada após a queda do ser humano.

Segundo o Bispo:

Dois amores fundaram, pois, “duas cidades”, a saber: o amor-próprio, levado ao desprezo de Deus, a terrena; o amor a Deus, levando ao desprezo de si próprio, a Celestial. Gloria-se a primeira em si mesma e a segunda em Deus, porque aquela busca a glória dos homens, e tem essa, por máxima, a glória de Deus… (AGOSTINHO, De Civ. Dei, XIV, 28, 1941).

Além disso, Agostinho ataca uma das bases do modelo político-religioso dos romanos, a busca da glória e a valorização da religião nacional. Ainda segundo ele: “Não se preocupa com a diversidade de leis, de costumes nem de institutos, que destroem ou mantêm a paz terrena […] se não impede que a religião ensine que deva ser adorado o Deus único, verdadeiro e sumo” (AGOSTINHO, De Civ. Dei. XIX, 17, 1941). Esse é um duro golpe no modelo político-religioso de Roma, pois desvincula completamente o indivíduo de sua sociedade, caso esta impeça-o de seguir a verdadeira fé. O indivíduo que se converte à palavra do Evangelho não é mais romano, grego, judeu, gentio ou de qualquer outra nacionalidade, agora ele é um cidadão da Cidade Celeste.

FIGURA 7 – SER HUMANO AFASTADO DE DEUS

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Agostinho também combateu os maniqueístas, seus antigos companheiros, bem como os donatistas. Contra os primeiros, Agostinho expõe uma concisa teoria sobre a questão do mal, ponto-chave para a doutrina maniqueísta e ainda uma questão latente dentro do próprio Cristianismo. Segundo Brown (2015, p. 63): “Para o maniqueísta, o universo existente, no qual bem e mal se mesclavam de maneira tão desastrosa, brotara de uma invasão frontal do bem – o “Reino da Luz” – pelo mal – o “Reino das Trevas”.”

Essa doutrina, rejeitada pelo Bispo Agostinho, trazia inúmeras implicações para a fé cristã, principalmente, porque colocava o bem, refém do mal, ou seja, Deus impassivo diante de Satanás. De acordo com Coyle (2001), Agostinho escreve mais de 13 textos relacionados à controvérsia com os maniqueístas, isso apenas nas primeiras duas décadas do ministério dele como bispo. Todavia, podemos afirmar que as principais referências estão no Livro III, das Confissões, e no De libero arbitrio. Agostinho demonstra que o mal é a ausência da presença de Deus, ou seja, o afastamento da luz de Deus, ao estar separado de seu criador, o ser humano está inserido nas trevas, na ausência da luz divina.

Essa questão põe abaixo a tese maniqueísta de passividade do bem, de Deus, frente a existência do mal, bem como põe abaixo a tese de que o mal é algo que se equivale ao bem. Além de combater o erro maniqueísta, Agostinho estipula a base para se pensar o “mecanismo da conversão”, o ser humano tem o livre-arbítrio para escolher se quer o bem ou o mal, Deus em sua infinita justiça não poderia ter criado o ser humano sem esta liberdade.

Contra os donatistas, Agostinho faz uma defesa da eclesiologia da Igreja Católica, sendo esta indivisível e verdadeira. Na realidade, a controvérsia com os donatistas não era de cunho teológico ou doutrinal, não se configurava uma heresia ou blasfêmia, mas punha em xeque a unidade da Igreja e a legitimidade do pontificado romano.

Como nos indica Brown (2015, p. 251): “O cisma entre católicos e donatistas não ocorreu por qualquer discordância doutrinária profunda, mas pelas afirmações rivais dos dois grupos de bispos de viverem à altura do ideal da função episcopal, tal como exemplificada por São Cipriano”. Esse cisma foi a negação da autoridade do Pontífice de Roma e a tentativa de separação da igreja africana, sendo esta uma tentativa que colocava em perigo a unidade da Igreja. Agostinho era a referência da igreja africana e também a referência para a evangelização e a defesa da fé nesta região. Sua disputa com os donatistas era uma necessidade regional, bem como um imperativo para se manter a unidade da Igreja. No fim, os donatistas são enfraquecidos e, por fim, desaparecem.

Agostinho foi um dos mais importantes defensores da fé cristã, da Igreja e da necessidade de se levar a palavra do Evangelho, sua obra é muito extensa e intricada, sendo a base da teologia emergente no início da Idade Média. Entretanto, as controvérsias e disputas continuaram, sendo necessários vários concílios para se dirimir tais questões. No próximo tópico, nos deteremos neste ponto e discutiremos brevemente a importância dos concílios.

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3 A MENSAGEM DO EVANGELHO E OS PRIMEIROS CONCÍLIOS DA IGREJA

Na história do Cristianismo, desde a época dos próprios apóstolos, a tradição dos Concílios está posta como uma maneira de resolver questões que não estão muito claras ou suscitam visões conflitantes. Podemos nos lembrar do Concílio de Jerusalém, cujo tema central era a questão da imposição de normas vindas da lei judaica para os novos convertidos gentios.

FIGURA 8 – CONCÍLIOS

FONTE: <https://shutr.bz/3mIaPay>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Podemos elencar sete primeiros Concílios que se constituíram como ecumênicos. Todavia, não trataremos de todos eles, por motivos de espaço, mas também por nossa intenção de tratarmos de pontos mais centrais. Cronologicamente podemos elencar os seguintes Concílios: Concílio de Niceia, em 325 d.C.; Concílio de Constantinopla, em 381 d.C.; Concílio de Éfeso, em 431 d.C.; Concílio da Calcedônia, em 451 d.C.; Segundo Concílio de Constantinopla, em 553 d.C.; Terceiro Concílio de Constantinopla, em 680 d.C.; Segundo Concílio de Niceia, em 787 d.C.

A questão da evangelização, a missão da Igreja em levar o Evangelho a todos os cantos da terra, estava dependente dos resultados de todos estes Concílios, uma vez que neles se decidiria sobre temas importantes como a Trindade, o Credo da Igreja, o combate a heresias e importantes questões eclesiológicas. Por este prisma, podemos compreender que nenhum tema estaria pacificado até que estivesse reconhecido como ponto dogmático, ou seja, que não poderia ser negado e justificado pela fé.

Contudo, nem sempre tal consenso era alcançado, permanecendo as discussões até o próximo Concílio, fato que ocorreu mais de uma vez com temas extremamente centrais, principalmente, sobre a cristologia e a eclesiologia. Os Concílios se constituíam como momentos de busca da revelação da vontade de

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Deus, ou seja, espera-se que os cardeais, bispos e todos os teólogos presentes, bem como autoridades eclesiásticas, recebam a inspiração divina para resolução das questões.

FIGURA 9 – INSPIRAÇÃO DIVINA

FONTE: <https://shutr.bz/3ApPhEl>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Além disso, os Concílios se tornam pontos de referência para todos os documentos da Igreja e para o direcionamento pastoral, assim como para as diretrizes de evangelização, liturgia e demais atividades. Como nos indicam Riedmatten e Franch (1967, p. 521):

Quando um Concílio Ecumênico se exprime sobre um ponto, suas palavras revestem uma autoridade singular, e servem de premissas ao comportamento concreto dos filhos fiéis da Igreja. [...] Os Padres mediam suas responsabilidades pelas diversas situações que se achariam afetadas pela sua decisão.

As consequências dos primeiros Concílios reverberaram durante toda a Idade Média e estão presentes nas teologias surgidas tanto na igreja do ocidente, quanto na igreja do oriente, e ainda nas teologias protestantes e ortodoxa. Em outros termos, a herança destes Concílios nos alcança até os dias atuais. Ao pensarmos na questão da evangelização, na teologia da missão, podemos afirmar que os Concílios foram extremamente importantes para se estabelecer uma compreensão das premissas da doutrina cristã, as quais fundamentam todo o movimento de pregação do Evangelho.

Nesse sentido, como já indicado, nos voltaremos para alguns dos mais importantes Concílios, buscando nuançar seus pontos mais distintos e abrangentes, nos deteremos nos dois Concílios de Niceia e no Concílio de Éfeso.

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3.1 OS CONCÍLIOS DE NICEIA, ÉFESO E NICEIA II

O primeiro Concílio de Niceia ocorreu em 325 d.C., período que não era muito favorável à cultura romana, uma vez que o império estava sob constante ameaça. De acordo com Brown (2015, p. 28), “No século IV o Império Romano enfrentava as tensões da guerra perpétua. Caía presa de bandos de bárbaros ao norte e era contestado pelo reino bem-organizado e militarista da Pérsia no Leste”. Podemos destacar três pontos deste Concílio, os quais, na verdade, são os mais discutidos e apontados pelos estudiosos atuais do tema. Primeiro, a composição de um credo que reunisse as principais doutrinas referentes à fé em Jesus Cristo como Messias e Salvador do mundo, a Igreja Católica(universal), a verdade do Espírito Santo e a vida eterna.

O Credo Niceno surge como uma forma de referenciar a doutrina básica da Igreja, aceita tanto para igreja ocidental quanto oriental, bem como para combater algumas heresias que se espalhavam pelas comunidades cristãs. A heresia que, nesse momento, mais se disseminava e ameaçava a unidade doutrinal da Igreja, era o arianismo. Ário foi um bispo de Alexandria que difundia a ideia de que Jesus Cristo não era igual ao Pai em substância, uma vez que ele nasceu, surgiu no tempo em forma carnal.

Nesse sentido, ele seria inferior ao Pai, ferindo diretamente a doutrina da Trindade e a noção cristológica de que Jesus é “um com o Pai”, sua natureza divina não foi gerada no momento da geração da natureza carnal. O combate a esta heresia era essencial para se defender a verdade do Evangelho e o próprio ensinamento dos apóstolos.

O Concílio de Éfeso, em 431 d.C., ocorrerá já sob um Império Romano devastado no ocidente, tendo ocorrido o saque de Roma em 410 d.C., por Alarico, rei dos Visigodos, a invulnerabilidade de Roma não é mais um trunfo. Em 395 d.C., o imperador Teodósio já havia estabelecido a divisão do império, tendo a porção ocidental sua sede em Roma e a porção oriental sua sede em Constantinopla, mais de sessenta anos depois de Constantino fundar esta cidade.

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FIGURA 10 – TRINDADE

FONTE: <https://shutr.bz/3AsOFhb>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Nesse Concílio foi abordado, ainda, o tema da cristologia, reafirmando a doutrina da santidade de Jesus, sua unidade com o Pai e o Espírito Santo, bem como sua reencarnação do corpo e alma. Um século depois do Concílio de Niceia, o tema ainda é objeto de apreciação e é reafirmado pela autoridade conciliar da Igreja. Outro ponto importante foi a reafirmação da Virgem Maria como “Mãe de Deus”, não apenas como mãe de Jesus, o que refletia uma doutrina adocionista na qual Jesus não teria uma natureza divina igual à do Pai.

O nestorianismo também foi combatido neste Concílio. Nestor foi Patriarca de Constantinopla, tendo assim muita influência na igreja oriental. Sua tese era a de que Jesus tinha uma natureza humana distinta de uma natureza divina, algo muito próximo à controvérsia ariana. As consequências desta tese são várias, mas as principais podem ser apontadas como a negação da Trindade, ou seja, de que Jesus é Uno com Deus Pai e o Espírito Santo, além da negação da própria Encarnação.

Além disso, Nestor também nega a doutrina de que Maria seria a “Mãe de Deus”, uma vez que seu filho não teria uma natureza divina compartilhada com o Pai. Todavia, a questão é que tal heresia continuou influente na igreja do oriente, causando, inclusive, o chamado “cisma nestoriano”. Não há dúvidas de que as implicações da reafirmação da doutrina da Trindade, bem como de Maria como “Mãe de Deus”, são importantes para a evangelização e a instrução dos novos fiéis.

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TÓPICO 1 — A TEOLOGIA DA MISSÃO NO INÍCIO DA IGREJA

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Por fim, o segundo Concílio de Niceia ocorreu em 787 d.C., já em um cenário bastante diferente daquele de trezentos anos antes, no Concílio de Éfeso. O Império Romano oriental se mantém de pé, mas a influência da qual dispunha não era mais a mesma de trezentos anos antes. O segundo Concílio de Niceia gira em torno, basicamente, da controvérsia sobre o uso de imagens sagradas nas igrejas, algo que era bastante popular nas comunidades cristãs do ocidente.

Entretanto, surge na igreja oriental, principalmente em Constantinopla, um movimento “iconoclasta”, que destrói imagens e ícones. A alegação dos iconoclastas é a de que as imagens representam uma idolatria que era condenada pelo Evangelho, mas vence a tese defendida pela igreja ocidental de que as imagens não representavam idolatria, pois, não se dava a elas a mesma adoração devida à Trindade. A veneração é a tomada de um símbolo, um ideal de santidade e justiça a ser alcançado e deve ser admirado e seguido.

Como a esmagadora maioria da população não sabia ler, muito menos possuía um exemplar da Bíblia, as imagens, ícones, pinturas e demais símbolos, representavam uma forma de contar as histórias bíblicas, falar dos exemplos de santidade e propagar a mensagem do Evangelho. Nesse sentido, o Concílio de Niceia II teve uma importância na evangelização das massas mais humildes, principalmente, daquelas que não tinham acesso a textos e aos grandes centros nos quais havia as grandes igrejas.

Por esse rápido vislumbre dos três Concílios que elencamos aqui, dos primeiros Concílios Ecumênicos, podemos perceber que a mensagem do Evangelho levava a uma intensa busca de aprimorar a inteligência da fé, as bases doutrinais que seriam seguidas por todos os fiéis e que seria pregada aos novos convertidos. Além disso, a teologia da missão está diretamente ligada ao processo de fundamentação das doutrinas da fé cristã e das formas como tais doutrinas são repassadas aos fiéis.

FIGURA 11 – DOUTRINA E FÉ

FONTE: <https://shutr.bz/3mzsvVv>. Acesso em: 12 ago. 2021.

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No próximo tópico, nos dedicaremos a estudar e a discutir a questão da relação entre fé e razão, bem como a relação entre evangelização e expansão da comunidade cristã na Idade Média. Vamos lá?

ESTUDOS FUTUROS

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Neste tópico, você aprendeu que:

• O período dos Pais da Igreja foi extremamente importante para a fundamentação e o fortalecimento de uma teologia cristã concisa e mais clara, cujos primeiros teólogos e apologetas foram a base para o combate às heresias e às blasfêmias dos pagãos.

• Santo Agostinho foi o mais importante pensador do período dos Pais da Igreja, cuja obra foi voltada para a fundamentação da teologia cristã, o combate às heresias e à instrução dos fiéis. A profundidade e a amplitude de tais obras o fazem um dos autores mais estudado não só na Teologia, mas também na Filosofia e áreas afins.

• Os Concílios da Igreja, principalmente, os primeiros, do século I ao século VIII, serviram para dirimir controvérsias e heresias que se voltavam contra temas importantes da fé cristã, o que colocava em xeque a evangelização, bem como a própria unidade da Igreja.

• Nos Concílios de Niceia, tanto no primeiro quanto no segundo, bem como no Concílio de Éfeso, foram afirmadas doutrinas centrais da fé cristã, as quais estavam sendo ameaçadas por heresias como o arianismo e o nestorianismo. Esses Concílios foram importantes para se pacificar temas centrais para a evangelização.

RESUMO DO TÓPICO 1

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1 O início da Igreja Primitiva é marcado pela forte tradição vinda dos apóstolos e por uma construção teológica ainda incipiente. Junto a este contexto, há a falta de um texto canônico até, pelo menos, o século IV. Neste cenário, duas fórmulas eram tidas como centrais tanto para a evangelização quanto para o ensino dos fiéis, a saber, a fórmula cristológica e a trinitária. Sobre estas fórmulas símbolos de fé, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A fórmula cristológica indica que a fé em Cristo como filho de Deus e Salvador é o principal requisito para a conversão e o batismo, a fórmula trinitária indica o batismo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

b) ( ) A fórmula cristológica indica que Jesus é Deus encarnado, sendo uma pessoa com Deus pai e o Espírito santo. Já a fórmula trinitária diz respeito ao processo de conversão, escuta, arrependimento e batismo.

c) ( ) A fórmula cristológica foi sustentada para combater a heresia da negação de Jesus como filho igual ao Pai, ou seja, sua natureza divina. A fórmula trinitária foi sustentada para combater a heresia do monofisismo.

d) ( ) A fórmula trinitária indicava que a Igreja, a Bíblia e os sacramentos são a base da fé cristã. Já a fórmula cristológica centra a mensagem do Evangelho na figura de Jesus.

2 A Igreja Católica passou por vários momentos históricos até os períodos de ruptura do Grande Cisma e da Reforma Protestante, entre estes períodos, um dos mais importantes foi o chamado período dos Pais da Igreja. Com base nas definições dos enfoques deste período, analise as sentenças a seguir:

I- O período dos Pais da Igreja compreende o período que vai do apostolado de Pedro até a instituição de Clemente I como papa.

II- Os Pais da Igreja tiveram a tarefa de estabelecer as bases teológicas da Igreja Católica, bem como defender a fé cristã de ataques pagãos e hereges.

III- O período dos Pais da Igreja foi marcado pelos Concílios de Latrão e Constantinopla, um importante marco na constituição da teologia cristã.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.b) ( ) Somente a sentença II está correta.c) ( ) Somente a sentença II está correta.d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 Os Concílios da Igreja foram momentos de importantes discussões, entretanto, foram também momentos de repreensão e tomada de consciência em vista de inúmeras questões que ainda não estavam suficientemente

AUTOATIVIDADE

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respondidas. Todos eles tiveram uma característica própria, pois estavam marcados por discussões pontuais e momentos históricos definidos. De acordo com este tema dos Concílios, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Ao todo, foram doze concílios tidos como ecumênicos, ou seja, que foram aceitos por todas as correntes do Cristianismo, no ocidente e oriente.

( ) O primeiro concílio, em Niceia, estabeleceu o Credo da Igreja, bem como combateu as heresias de Ário.

( ) O Concílio de Éfeso combateu a heresia do nestorianismo e reafirmou a maternidade virginal de Maria.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.b) ( ) F – V – V.c) ( ) F – V – F.d) ( ) F – F – V.

4 Uma das figuras centrais do período dos Pais da Igreja foi Santo Agostinho, sua atuação é fundamental para entendermos o cenário no qual a Igreja Católica estava inserida no final do Império Romano. Agostinho teve que combater diversas heresias e acusações vindas dos pagãos, entre elas a doutrina maniqueísta. Disserte sobre esta doutrina maniqueísta e a resposta dada por Santo Agostinho.

5 O período dos Pais da Igreja é um período muito rico em termos de produção teológica, eclesiológica e doutrinária. Muito se tem estudado sobre este período e sua importância não só para a Igreja Católica, mas para o Cristianismo como um todo, uma vez que, praticamente, todas a doutrinas cristãs refletem pontos teológicos surgidos neste período. Neste estudo, há a teologia patrística e a patrologia. Disserte sobre estas duas áreas de estudo do período dos Pais da Igreja.

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UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Acadêmico, no Tópico 2, abordaremos algumas questões pertinentes à relação entre a fé e a razão, a Teologia e a Filosofia, a busca de um esclarecimento lógico e a condição de entrega da fé. Nesse sentido, será preciso compreendermos um pouco o cenário no qual surgem tais relações, a necessidade que os teólogos cristãos tiveram em confrontar diversas visões filosóficas, culturais e até políticas, que colocavam em xeque a mensagem do Evangelho.

Ao falarmos de uma “teologia da missão”, pensamos, obviamente, na missão querigmática de anúncio da verdade do Evangelho, mas nos centramos também na necessidade de constituição de uma teologia que seja baseada em doutrinas compreensíveis. A discussão sobre a constituição de uma teologia complexa, formada por princípios, conceitos, doutrinas e dogmas densos, esbarra na necessidade de se constituir uma compreensibilidade de todos as verdades da fé nela contidas. Em outros termos, não se pode “enclausurar” a verdade do Evangelho em fórmulas teóricas que não são acessíveis aos indivíduos. Tomemos uma interessante colocação de Latourelle (1981, p. 24):

A teologia fala de Deus, mas sua reflexão se apoia no que Deus disse de si mesmo. Esforça-se ela por compreender melhor a Deus, a partir do testemunho do próprio Deus, porém. Segue-se que a teologia não pode jamais tornar-se uma ciência autônoma. Como a Igreja, da qual é uma função, ela está “a serviço da palavra de Deus”. A teologia é e deve permanecer a humilde servidora da palavra de Deus.

Essa colocação feita por Latourelle é exatamente o ponto que estamos destacando, a teologia deve ser uma inteligência da fé, não apenas uma construção teórica que se paute em princípios lógicos que não representam a simplicidade e profundidade da mensagem do Evangelho.

O principal ordenamento de Cristo aos discípulos foi “ir por todo o mundo pregando o Evangelho e batizando em nome do Pai do Filho e do Espírito Santo”, essa é a base de formação e ampliação da Igreja de Cristo na terra. Contudo, a necessidade de confrontar posições contrárias à fé, posições estas articuladas em princípios filosóficos e lógicos, levaram os teólogos medievais a construírem um verdadeiro “edifício teológico”.

TÓPICO 2 —

FÉ E RAZÃO NA TEOLOGIA DA

MISSÃO NA IGREJA MEDIEVAL

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UNIDADE 2 — FUNDAMENTOS DA ECLESIOLOGIA DA MISSÃO

De acordo com Hodge (2001, p. 37), “a função primária e indispensável da razão, portanto, em questões de fé, é a cognição ou apreensão inteligente das verdades propostas para nossa percepção”. De fato, este será o mote principal da teologia cristã no período medieval, bem como será também a forma como os teólogos enxergaram a melhor maneira de tornar a mensagem do Evangelho mais acessível. A Idade Média foi marcada pela constituição de uma teologia robusta, com autores que se destacaram pela sistematização, refinamento e densidade de suas teorizações, colocando a razão a serviço da fé.

FIGURA 12 – A REVELAÇÃO COMO GUIA

FONTE: <https://shutr.bz/3Drxn68>. Acesso em: 12 ago. 2021.

O chamado período Escolástico é um desses momentos nos quais a relação entre fé e razão esteve mais aflorada, os teólogos cristãos, valendo-se de instrumentais teóricos advindos da tradição filosófica, buscaram responder a questões centrais da fé cristã, bem como os desafios do mundo secular que tocavam a Igreja.

Os teólogos que fazem parte deste período, mais ou menos do século IX ao século XVI, construíram teorias robustas e influenciadoras de toda a cultura ocidental. É preciso analisar essa relação entre fé e razão, bem como seus desdobramentos mais importantes na questão da defesa da fé e da ampliação da Igreja de Cristo. No próximo tópico vamos discutir a relação entre a mensagem do Evangelho e a razão, principalmente, a partir da Escolástica. Está preparado?

2 A MENSAGEM DO EVANGELHO E O CRIVO DA RAZÃO

Ao estudarmos o período dos Pais da Igreja, pudemos constatar que o combate a heresias e controvérsias diversas era uma constante na construção de uma teologia cristã e na organização da Igreja. Muitas dessas heresias estavam baseadas em princípios e pressupostos vindos da tradição filosófica grega e

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TÓPICO 2 — FÉ E RAZÃO NA TEOLOGIA DA MISSÃO NA IGREJA MEDIEVAL

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da influência de doutrinas religiosas orientais, principalmente, as chamadas “doutrinas sapienciais”, muito presentes em Alexandria e no mundo grego. Entretanto, a pregação do Evangelho era ainda um processo que se direcionava, basicamente, pelos costumes herdados da tradição apostólica, doutrinas e pregações dos padres, bispos e daqueles que faziam este trabalho de evangelização.

É possível argumentar que, na Idade Média, a produção teológica ganha uma importância maior, tanto pela necessidade de fundamentação racional da fé, quanto pela condição de hegemonia que a fé cristã tinha alcançado na Europa, centro do “mundo civilizado” da época. Ao conquistar esta hegemonia, a Igreja Católica conquista também forte influência política e cultural, não deixando de exercê-la em vista da manutenção de sua primazia como principal religião do ocidente. Entretanto, o cenário medieval, pelo menos durante os séculos XI até o século XIII, foi difícil para a Igreja e para a Cristandade como um todo, principalmente, por conta da ameaça das nações islâmicas.

FIGURA 13 – RECUPERAR A TERRA SANTA

FONTE: <https://shutr.bz/3BujOlB>. Acesso em: 12 ago. 2021.

As Cruzadas, empreendidas entre os anos de 1096 até 1270, constituíram-se em um duplo movimento para a Cristandade, primeiro, a visão romântica de defesa da fé a partir da tomada e guarda da “Terra Santa”, um símbolo da própria origem do Cristianismo. O outro movimento, mais político que espiritual, visava arrefecer os ânimos dos nobres, bem como dos pobres, os primeiros pela ânsia de ganho, os segundos pelo desespero.

As Cruzadas representavam uma forma de defender a fé, mas também de conquistar riquezas, terras e, principalmente, um lugar no paraíso, sem ter que passar pelo purgatório. Entretanto, as Cruzadas foram um episódio complexo que inclui vários fatores, como indica Giordani (1984, p. 536):

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UNIDADE 2 — FUNDAMENTOS DA ECLESIOLOGIA DA MISSÃO

O estudo da gênese das cruzadas deve levar em consideração:1. As peregrinações à Terra Santa como expressão da religiosidade medieval; 2. a ideia de guerra santa; 3. As condições sociais; 4. As condições econômicas; 5. O gosto pela aventura e as ambições; 6. As condições políticas; 7. As perseguições aos peregrinos; 8. O oriente visto pelos ocidentais e vice-versa; 9. A atuação de Urbano II.

O cenário era extremamente complexo, principalmente, porque a peregrinação à Terra Santa era algo muito presente na religiosidade deste período. Além disso, havia a clara ameaça islâmica e a necessidade de defesa da civilização cristã ocidental. Mas por que destacamos este cenário e seus fatores para começarmos a pensar a relação entre fé e razão?

Bem, primeiro, porque este foi um período decisivo para a Igreja Cristã medieval, tanto espiritual quanto politicamente e, segundo, porque reverberou na produção teológica subjacente. A busca de um fortalecimento da Igreja no ocidente levou a um certo acirramento das disputas envolvendo o poder espiritual e o poder temporal, ou seja, a Igreja e os governos.

São duas frentes distintas, na primeira, um processo de fortalecimento das igrejas locais e da centralidade da doutrina Católica, principalmente, a partir da forte vigilância contra novas heresias. Na segunda frente, uma enorme produção teológica, sobretudo, nos séculos XIII e XIV, que será o auge da Escolástica e do pensamento cristão articulado sobre bases filosóficas. Um dos momentos que mais destacam a busca da Igreja em fortalecer seus laços com os fiéis, bem como estabelecer também uma maior centralidade de sua autoridade espiritual, é o Concílio de Latrão de 1215.

FIGURA 14 – CONFISSÃO

FONTE: <https://shutr.bz/3oJmg4g>. Acesso em: 12 ago. 2021.

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TÓPICO 2 — FÉ E RAZÃO NA TEOLOGIA DA MISSÃO NA IGREJA MEDIEVAL

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FONTE: <https://shutr.bz/3apGoQo>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Como indicamos, esses pontos têm a ver com a centralidade da Igreja Católica e sua doutrina na tradição, bem como, com o combate às heresias que ameaçavam sua unidade. São doutrinas voltadas, basicamente, para a vida nas congregações, para a relação dos fiéis para com a Igreja, tanto na liturgia quanto no pertencimento dos fiéis ao corpo de Cristo. Outra medida se relacionava com a preocupação da Igreja com o cenário político, foi lançado por Inocêncio III, o chamamento para a quinta Cruzada, a qual fracassa, colocando mais uma vez a Igreja contra o Sacro Império Romano-Germânico de Frederico II.

Todo esse quadro demonstra como a Igreja Católica precisava conjugar uma defesa da fé, ao mesmo tempo em que não sucumbia aos desafios temporais impingidos pelo cenário político da época. A partir da Escolástica, um teólogo emergirá com profundas reflexões, aguda capacidade de escrita e uma fina percepção do cenário no qual a Igreja estava envolvida, abordando questões que vão da centralidade dos Evangelhos, passando pela defesa da fé contra os gentios e pagãos, até o tema da política e das formas de governo.

Neste Concílio foram instituídas várias doutrinas e práticas extremamente importantes para a Igreja da época e para a tradição como um todo. Primeiro, foi decretado pelo Papa Inocêncio III, o dogma de que “fora da Santa Igreja Católica não há salvação”, sendo esta a Igreja de Cristo na terra, reforçando assim a autoridade apostólica na pessoa de Pedro dada pelo próprio Jesus.

Foi ainda neste Concílio que se institui o “sacramento da confissão” ou “sacramento da penitência”, sendo esta uma prática que, de certa forma, já existia em algumas tradições. Mais ainda, foi declarado também o dogma da “transubstanciação da Eucaristia”, ou seja, os elementos da Eucaristia se transformam no sangue e corpo de Cristo.

FIGURA 15 – EUCARISTIA

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UNIDADE 2 — FUNDAMENTOS DA ECLESIOLOGIA DA MISSÃO

Tomás de Aquino é, certamente, a figura mais destacada da Escolástica e foi um esteio para a teologia cristã no século XIII e adiante. No próximo tópico examinaremos alguns dos pontos mais importantes do pensamento de Tomás de Aquino e sua importância para nossa discussão.

2.1 A AMEAÇA DAS HERESIAS E A TEOLOGIA EVANGÉLICA DE TOMÁS DE AQUINO

Entre os séculos X e XIV há um “redescobrimento” das obras filosóficas gregas clássicas, sobretudo, daquelas atribuídas à Aristóteles e Platão, mas o platonismo já era mais presente na tradição cristã, especialmente, a partir do pensamento agostiniano. Entretanto, o aristotelismo ganha mais fôlego entre os orientais, centralmente em Avicena e Averróis, que era muçulmano, mas nasceu em Córdoba, porção da Espanha dominada pelos muçulmanos até o final do século XIII.

De acordo com Reale e Antiseri (1990, p. 532): “a primeira forma sistemática pela qual o aristotelismo se apresentou aos pensadores medievais foi mediada pelo filósofo persa Avicena, de cultura enciclopédica, que cultivou preferencialmente a medicina e a filosofia”.

FIGURA 16 – ARISTÓTELES

FONTE: <https://shutr.bz/2WW1GSD>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Essa questão da assimilação e utilização da filosofia aristotélica, tanto por orientais quanto por ocidentais, é importante para compreendemos a própria teologia de Tomás de Aquino, pois, assim como Agostinho tinha “cristianizado” a filosofia platônica, Tomás de Aquino fará o mesmo com a filosofia aristotélica.

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TÓPICO 2 — FÉ E RAZÃO NA TEOLOGIA DA MISSÃO NA IGREJA MEDIEVAL

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Além disso, a interpretação da filosofia aristotélica por Avicena e Averróis vai criar alguns pontos de discordância com a fé cristã, bem como influenciar várias correntes de pensamento. Entre esses pontos, podemos citar a tese da eternidade do mundo, da não imortalidade da alma, da relação de unicidade entre o intelecto do indivíduo e a realidade supraindividual, ou intelecto universal.

A apreensão da filosofia aristotélica por Tomás de Aquino será bem diversa, não submetendo a teologia cristã a ela, mas buscando demonstrar como a Filosofia pode conceder ferramentas para confirmar a verdade da fé. Pode parecer que esta discussão esteja distante da questão da evangelização e do crescimento da Igreja Cristã, mas como indicado anteriormente, esta é uma das frentes de “batalha” contra as heresias e a teorias que ameaçavam a fé cristã e influenciavam fortemente a Europa naquele momento.

Tomás de Aquino se volta para a inteligência da fé como uma maneira de assimilar a forma de sistematização do pensamento, existente na filosofia, com a verdade da palavra de Deus. Em suas próprias palavras:

Confiando na piedade divina para prosseguir neste ofício de sábio, embora isto exceda nossas forças, temos por firme propósito manifestar, na medida do possível, a verdade que a fé católica professa, eliminando os erros contrários a ela. Por isso, sirvo-me aqui das palavras de Hilário: Estou consciente de que o principal ofício da minha vida é referente a Deus, de modo que toda palavra minha e todos os meus sentidos dele falem (I Sobre a Trindade 37; PL 10, 48D) (AQUINO, 1990, 1, II, 2.).

O Doutor Angélico deixa bem clara sua disposição em combater os erros e heresias, valendo-se do instrumental racional (ofício de sábio), mas colocando no centro de suas formulações a fé católica por ele professada e tida como verdadeira interpretação do Evangelho de Cristo. Tomás de Aquino se vale da obra aristotélica para sistematizar grande parte de sua teologia, um destes momentos está na sua formulação das cinco vias, ou caminhos, para provar a existência de Deus.

Segundo Reale e Antiseri (1990), são elas: 1. A via da mutação, tudo que se move é movido por algo anterior a ele, Deus é a origem da existência de todas as coisas; 2. A via da causalidade eficiente, tudo tem uma causa eficiente, esta causa primeira é Deus; 3. O caminho da contingência, todas as coisas passam, dependendo de outras coisas, mas há um ente que não precisa de nenhuma outra coisa e não muda, não é contingente, este ente é Deus; 4. A via dos graus de perfeição, há uma gradação que permite perceber as coisas melhores e as piores, entre os entes, os mais bons e os menos bons, assim, há um ente perfeito que é Deus; 5. A via do finalismo, todas as coisas tendem para um fim, sendo que um ordenador determina a finalidade de todas as coisas, o qual é Deus.

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UNIDADE 2 — FUNDAMENTOS DA ECLESIOLOGIA DA MISSÃO

FIGURA 17 – A NATUREZA DEMONSTRA A EXISTÊNCIA DE DEUS

FONTE: <https://shutr.bz/3oIxGFr>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Essas vias são demonstrações, a partir da realidade natural e das pressuposições metafísicas, de que Deus existe e pode ser contemplado na sua Criação. Tomás de Aquino se vale de uma sistematização aristotélica para fundamentar sua teologia da existência de Deus e eliminar qualquer controvérsia com as tradições filosóficas que se contrapunham a esta verdade. Ele ainda reforça a doutrina da Trindade, postulando que as três pessoas de Deus são indivisíveis, mas autônomas em suas vontades e personalidades.

Ao reforçar a doutrina da Trindade, Tomás de Aquino está combatendo as principais heresias de seu tempo, a saber, os valdenses e os cátaros. Os primeiros foram tidos com uma seita herética, que negava a transubstanciação da Eucaristia, a veneração às imagens, bem como não reconheciam a autoridade da Igreja de Roma.

Os valdenses, seguidores da doutrina de Pedro Valdo, ganharam muita força no sul da França e se mantiveram, mesmo depois da excomunhão, até o início da Reforma Protestante, tornando-se assim uma denominação deste grupo. Já os cátaros negavam a unicidade da Trindade, além de afirmarem que a Criação não era obra de Deus, mas de um Demiurgo, uma força mal que transmite ao mundo sua malignidade, o que está expresso na própria maldade do ser humano.

Essas heresias ganharam força na Europa, principalmente, na França, nos fins do século XII e início do século XIII e ainda foram objeto de controvérsia na época de Tomás de Aquino. O Doutor Angélico, em sua teologia, faz uma defesa muito mais profunda da fé cristã, que combate as heresias de valdenses e cátaros, mas ainda busca solidificar mais os fundamentos de uma interpretação do Evangelho segundo a tradição.

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TÓPICO 2 — FÉ E RAZÃO NA TEOLOGIA DA MISSÃO NA IGREJA MEDIEVAL

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Tomás de Aquino também escreve sobre o tema das leis, fazendo uma articulação entre Lei Divina e Lei Humana que coloca a segunda como dependente da primeira. Vejamos o que nos dizem Reale e Antiseri (1990, p. 566) sobre este tema no aquinense: “Tomás distingue três tipos de leis: a lex aeterna, a lex naturalis e a lex humana. E acima delas está a lex divina, ou seja, a lei revelada por Deus. A lex aeterna é o plano racional de Deus, a ordem do universo inteiro...”.

Essa configuração legal estabelecida por Aquino, colocando a Lei Divina acima da lei humana, coloca também a autoridade da Igreja acima da autoridade temporal, uma vez que a Igreja é a representante de Deus na terra e promulgadora de sua revelação. Essa é a segunda frente na “batalha” contra as heresias e na busca de estabilidade da Igreja frente ao poder temporal dos governos que não se alinhavam a ela. Certamente, todo este cenário implica no processo de evangelização, uma vez que as heresias, tais como a dos valdenses e cátaros, espalham-se muito rapidamente, colocando em dúvida a verdade do Evangelho.

A obra teológica de Tomás de Aquino é central na defesa da fé contra as heresias, na sustentação da autoridade da Igreja e na constituição de uma teologia cristã mais robusta, constituindo-se em uma referência para os teólogos posteriores. Os temas tratados pelo Doutor Angélico serão fundamentais para a expansão do Evangelho e para a instrução dos fiéis. Diante disso, passaremos a tratar, mesmo que sucintamente, da defesa e expansão da cristandade no ocidente.

3 DEFESA E EXPANSÃO DA CRISTANDADE NO OCIDENTE

O termo “Cristandade” é ainda hoje um tema de controvérsia e, em alguns casos, de depreciação do papel da Igreja frente ao poder temporal, os governos, bem como frente as expressões culturais dos povos que foram convertidos e assimilados pela cultura europeia. Em outros termos, a ideia de uma Cristandade remete a uma centralidade da cultura ocidental, europeia, que visava não apenas a propagação do Evangelho, mas, principalmente, o poder político, cultural, econômico e religioso.

Mesmo assim, ainda fica a dificuldade de definir o que seja a Cristandade sem cair em alguma visão já posta. Segundo Gomes (2002, p. 2): “a religião na Cristandade medieval tendia a fornecer a explicação e justificação das relações sociais no plano das representações e discursos, e a constituir o sistema das práticas e comportamentos coletivos destinados a reproduzir estas relações sociais”. Nesse sentido, ao pensarmos em uma Cristandade medieval, pensamos em um sistema religioso-político-cultural.

A mensagem do Evangelho é uma mensagem de salvação, de arrependimento e de mudança de vida, porém, a conversão insere o indivíduo na “comunidade dos salvos”. Essa comunidade, na terra, está expressa na Ekklesia, na reunião do povo de Deus. Entretanto, é preciso compreender por que a relação político-cultural é importante para esta comunidade de salvos.

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UNIDADE 2 — FUNDAMENTOS DA ECLESIOLOGIA DA MISSÃO

Como nos indica Giordani (1984), a Igreja é a única instituição que sobrevive deste o Império Romano, passando por todos os percalços do fim da Antiguidade e início da Idade Média. Esse fator nos leva a perceber que sua constituição, além de espiritual, é também uma constituição político-cultural que se fortalece na própria relação com as comunidades, com os indivíduos, bem como na relação com os governos.

Ao tratar da Igreja enquanto instituição durante a Idade Média, Pirenne (1998, p. 18) diz o seguinte: “neste mundo rigorosamente hierárquico, o lugar mais importante é o primeiro pertence à Igreja. Esta possui ao mesmo tempo, ascendência econômica e ascendência moral. […] Do século IX ao XI, toda a alta administração permaneceu de fato em suas mãos”. Assim, uma característica que pode ser atribuída à Igreja enquanto instituição é a sua constituição hierárquica, bem como sua condição de referência moral e espiritual. A Igreja Católica precisava ainda estabelecer uma base econômica para sustentar sua base institucional e, este fato, na Idade Média, significava estar em consonância com o poder temporal, bem como com as forças econômicas.

Para a evangelização, essa questão da manutenção da influência da Igreja é preponderante para se manter a coesão das comunidades, a instrução dos fiéis e a pregação da palavra. Devemos nos lembrar de que a Igreja Católica tinha a primazia religiosa no mundo ocidental, mas as diversas seitas, doutrinas e heresias, mesmo que de fundo cristão, cresciam em momentos de crise e de instabilidade social. Desta forma, ao fortalecer a Cristandade enquanto constituição de uma influência social, cultural e até mesmo política, a Igreja estava fazendo sua própria defesa, em consequência, a defesa da fé.

A expansão da Igreja se dá por vias de uma evangelização, do crescimento das comunidades, mas também por meio da influência cultural e social que possuía na Idade Média. Além disso, a própria vivência dos missionários, principalmente, nos primeiros séculos da Idade Média, a chamada Alta Idade Média, era totalmente direcionada para a relação entre a Igreja e as comunidades evangelizadas.

Entretanto, a evangelização de grandes líderes, monarcas e governantes também era um meio de se expandir a Igreja, levando à construção do que estamos discutindo aqui como Cristandade. No próximo tópico, trataremos brevemente deste tema, apontando as principais características do processo evangelização e constituição da Cristandade.

3.1 AS MISSÕES ENTRE OS “BÁRBAROS” E A EXPANSÃO DA IGREJA

É preciso destacar que a Idade Média começa ainda no século V, após a tomada de Roma pelos bárbaros em 476 d.C. Essa é a versão mais aceitas pelos historiadores para se estabelecer o início da Idade Média, sendo dividida em

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TÓPICO 2 — FÉ E RAZÃO NA TEOLOGIA DA MISSÃO NA IGREJA MEDIEVAL

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Alta Idade Média e Baixa Idade Média. Entretanto, o que nos interessa aqui é compreendermos que a expansão da Igreja na Idade Média, a construção de uma Cristandade, começa com os movimentos missionários dos santos que levavam o Evangelho às partes mais distantes e, muitas vezes, mais perigosas da Europa e de outros continentes.

Podemos resumir as práticas missionárias empreendidas no período medieval, principalmente, na Alta Idade Média, em três métodos mais vistos na história das missões. O primeiro e mais próximo da tradição apostólica, era o método de convencimento e formação de igrejas. Esse método pode ser ligado às próprias viagens missionárias dos primeiros apóstolos, que saiam de suas cidades, enfrentavam os perigos de culturas distantes, pregavam o Evangelho e fundavam uma igreja na cidade, constituindo assim uma rede de “igrejas irmãs”. Esse método foi utilizado por missionários que também arriscaram suas vidas ir evangelizar os povos “bárbaros”, aqueles que tinham conseguido pôr fim ao Império Romano.

De acordo com Llorca, Villoslada e Montalban (1970), outro método de evangelização e expansão da Igreja foi a pregação para os grandes líderes e monarcas, quando era possível ter acesso a eles, a conversão de um líder ou monarca significava a possibilidade de o Cristianismo se tornar a religião daquela nação.

Não há dúvidas de que este método, apesar de mais difícil e excepcional, poderia produz frutos mais rápidos, mas também produz desvirtuações que implicariam em situações contraditórias. A palavra do Evangelho é uma palavra de salvação, sua aceitação é pessoal, cujo convencimento de arrependimento se dá por meio da ação do Espírito Santo, assim, tornar uma nação inteira cristã por Edito Real seria uma desvirtuação da própria palavra do Evangelho.

Contudo, isso acontecia e não sem muita frequência na Alta Idade Média, quando vemos reis como Carlos Magno, conquistador da Europa, impor a conversão aos povos conquistados e perseguir aqueles que não aceitavam a conversão. Esse método, reprovado pela Igreja, se constituía como resquício da própria tradição romana. A questão é que a Cristandade foi se formando em toda a Europa, a expansão da Igreja passa por um modelo longo, mas que chegará aos séculos XII e XIII com um cenário bem diverso de seu início.

Sobre a evangelização dos povos bárbaros, bem como de vários monarcas, podemos destacar alguns missionários que se tornaram santos da Igreja. São Remígio foi bispo de Reims, ele foi responsável pelo batismo de Clóvis, ou Clodoveu, rei dos Francos, em 496 d.C. O batismo aconteceu diante do povo, o que elevou a aceitação do Cristianismo como religião dos Francos, mais ainda, levou ao fortalecimento da doutrina católica trinitária contra a doutrina ariana.

Leandro de Sevilha, bispo na Espanha, levou a fé católica aos visigodos, o que culminou com a conversão do rei Recaredo, bem com a expansão da Igreja na Espanha. Entre os bretões temos as figuras de São Patrício e São Columbano,

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UNIDADE 2 — FUNDAMENTOS DA ECLESIOLOGIA DA MISSÃO

que conduziu a evangelização de volta da Bretanha para o sul da Europa, isso no século VII. Santo Agostinho de Cantuária foi também um missionário entre os bretões, tendo convertido e batizado o rei Edelberto, em 597 d.C. São Bonifácio, no século VIII foi missionário entre os povos saxões, germânicos, tendo implantado igrejas e comunidades de novos convertidos, alcançando grande parte da atual Alemanha.

A evangelização dos povos chamados “bárbaros” foi central para a constituição da própria Europa como continente organizado, uma vez que a Igreja trazia em suas instituições a hierarquização e a constituição de um governo muito próximo do modelo monárquico. A defesa e a expansão da Igreja Católica, bem como da fé cristã como um todo, foram asseguradas pelos movimentos missionários, pela constituição de uma Cristandade alicerçada em aspectos religiosos, culturais, políticos e sociais, bem como na constituição de uma teologia robusta, centrada em um sistema emprestado da tradição grega.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• Os fundamentos teológicos de constituição da Igreja no fim da Antiguidade e início da Idade Média e seus desdobramentos na evangelização. Bem como a importância dos Pais da Igreja e do período de combate às heresias.

• A sistematização da teologia cristã a partir dos Concílios e sua influência na propagação do evangelho no Ocidente.

• As principais discussões teológico-filosóficas em torno dos fundamentos do Evangelho na Idade Média e suas influências na teologia da missão. A constituição de uma teologia mais robusta a partir da discussão sobre a relação entre fé e razão na Escolástica.

• Os principais pontos da questão da Unicidade da Igreja na Modernidade, tendo como foco as disputas doutrinais e a questão da evangelização no Ocidente, tanto no chamado “Velho Mundo” quanto no chamado “Novo Mundo”.

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1 O período medieval da história da Igreja Católica foi um momento de reafirmação de várias doutrinas, bem como de reafirmação da própria autoridade da Igreja e de seus fundamentos doutrinários. Neste período, principalmente a partir do século XII, um movimento teológico toma enorme importância, trata-se da chamada Escolástica. Sobre este tema da Escolástica, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Foi um movimento teológico-filosófico que buscou compreender a fé valendo-se de instrumentais lógicos e racionais, colocando a razão como auxiliar da fé.

b) ( ) A Escolástica foi um movimento de implantação de escolas e universidades católicas em lugares ainda não evangelizados.

c) ( ) A teologia Escolástica se propôs a fazer uma releitura da teologia patrística, buscando aprofundar alguns temas controversos.

d) ( ) A chamada Escolástica foi o movimento que buscou igualar a fé e razão em um único movimento de inteligência da fé, conciliando ciência e teologia.

2 As tensões entre oriente e ocidente sempre foram presentes durante toda a história do Cristianismo, mas este cenário se torna mais acirrado quando entra em questão o domínio sobre a Terra Santa e toda a tradição cristã ligada a ela. Neste momento surge um movimento de retomada do controle desta região, o qual recebeu o nome de Cruzada. Com base nas definições deste tema das Cruzadas, analise as sentenças a seguir:

I- As Cruzadas foram empreendidas pela Igreja Católica como forma de garantir a peregrinação à Terra Santa, mas também para arrefecer os ânimos de nobres e a desesperança dos pobres.

II- As Cruzadas representavam uma forma de defesa da fé cristã, mas também representava a chance de lucros e conquista de riquezas.

III- As Cruzadas envolveram tanto católicos quanto reformistas protestantes, uma vez que estava em jogo a defesa da fé cristã contra a ameaça muçulmana.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.b) ( ) Somente a sentença II está correta.c) ( ) As sentenças I e II estão corretas.d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 Durante o século XIII, várias doutrinas consideradas heréticas surgiram e ganharam espaço em pouco tempo em comunidades cristãs, diante disto, foi preciso um Concílio para dirimir as questões e estabelecer o fim destas

AUTOATIVIDADE

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doutrinas heréticas. Este Concílio ocorreu em Latrão em 1215. De acordo com as questões tratadas no Concílio de Latrão, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Neste concílio foi definido o Credo da Igreja Católica e infalibilidade do papa.

( ) Neste concílio foram estabelecidas a doutrina da Transubstanciação da Eucaristia e o sacramento da confissão.

( ) Neste Concílio foi estabelecida a doutrina da Trindade e o chamamento para a primeira Cruzada à Terra Santa.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.b) ( ) F – V – F.c) ( ) F – V – V.d) ( ) F – F – V.

4 A Escolástica foi um movimento de bastante importância para a Cristandade Medieval, principalmente, em vista da defesa da fé e da constituição de uma teologia mais robusta, neste processo houve grande aproximação das doutrinas cristãs com o instrumental racional da filosofia. Disserte sobre esta questão da aproximação entre um instrumental racional da filosofia e as doutrinas cristãs, centralmente na obra de Tomás de Aquino.

5 O período medieval foi um momento de crescimento da Igreja Católica, mas também de afirmação de sua hegemonia na Europa e de intensa disputa com a igreja do oriente. Entre os séculos VIII e XI houve uma franca expansão da Cristandade, principalmente, em vista da evangelização dos povos ainda tidos como “bárbaros”, entre os quais se pode destacar três formas de evangelização. Neste contexto, disserte sobre as três formas de evangelização e conversão que se pode ver neste período de evangelização.

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UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Acadêmico, no Tópico 3, abordaremos algumas questões relativas à unicidade da Igreja, ou seja, o problema dos cismas e divisões ocorridas em específicos momentos da história eclesiástica. Esta questão está diretamente relacionada ao tema da missão, pois, coloca em xeque a própria noção de Igreja de Cristo, uma vez que existem várias “versões para o mesmo Evangelho”.

A própria Reforma Protestante, que começa com uma Igreja Luterana bem estabelecida a partir das teses contidas na teologia proposta por Martinho Lutero, vai se ramificar em dezenas de novas denominações. Este movimento desencadeará uma onda de questionamentos, revoltadas e articulações políticas em torno das novas denominações protestantes, levando a uma reconfiguração do quadro político-religioso da Europa. Vários monarcas viram na Reforma Protestante uma maneira de fugir à influência da Igreja Católica e de buscar uma autonomia nacional no âmbito da religião.

Não podemos nos esquecer de que a Reforma Protestante ocorreu em 1517, já após o descobrimento de novas terras além do oceano Atlântico. O Chamado “Novo Mundo” será uma nova terra de evangelização, mas será também uma nova terra de arbitrariedades, imposições e violações dos direitos dos povos originários, os chamados “índios”.

Nesse novo cenário, veremos os países do Norte da Europa, protestantes, conquistarem hegemonia territorial na porção norte do novo continente, bem como os países do Sul da Europa, católicos, conquistarem a mesma hegemonia na porção sul. A grande questão parece ser o fato de que tanto católicos quanto protestantes manterão o movimento missionário, cada um à sua maneira, claro.

Isso posto, analisaremos primeiro a questão a unicidade, tendo em vista os cismas e a Reforma, depois buscaremos compreender a relação entre a teologia da missão e a realidade do “Novo Mundo”. Todos esses aspectos constituem fatores preponderantes para compreendermos o atual cenário da evangelização, principalmente, em vista da relação entre as vertentes cristãs e suas denominações. Vamos começar?

TÓPICO 3 —

A TEOLOGIA DA MISSÃO E O PROBLEMA DA

UNICIDADE DA IGREJA NA MODERNIDADE

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UNIDADE 2 — FUNDAMENTOS DA ECLESIOLOGIA DA MISSÃO

2 DO CISMA À REFORMA: A EVANGELIZAÇÃO E A QUESTÃO DA UNICIDADE CRISTÃ

Ainda na Idade Média a Igreja Católica experimenta sua primeira divisão

profunda, o Cisma de 1054 d.C. representou um duro golpe na Cristandade e uma ferida na doutrina da Igreja. Contudo, a questão estava posta e deveria ser assimilada e justificada pelos teólogos de cada parte, tendo em vista que a mensagem de uma Igreja de Cristo, Una e Santa, já não correspondia mais à realidade do Cristianismo. Após o Grande Cisma, passou a existir a “Igreja Católica Apostólica Romana”, no ocidente, bem como a “Igreja Católica Apostólica Ortodoxa”, no oriente.

FIGURA 18 – A RUPTURA DA IGREJA

FONTE: <https://shutr.bz/2YIEMyW>. Acesso em: 12 ago. 2021.

A afirmação de fé da Igreja, de que ela é Una, Santa, Católica e Apostólica foi posta em xeque, tal afirmação foi feita ainda no Concílio de Constantinopla, de 381 d.C., fazendo parte do Credo Niceno-Constantinopolitano. Entretanto, de 381 d.C. até 1054 d.C., vemos uma profunda mudança na relação entre ocidente e oriente, podemos perceber o aumento do poder das nações que se fundaram a partir dos povos “bárbaros”, principalmente, os Francos e os Visigodos, bem como o Germânicos e Nórdicos.

Fora essa questão histórico-política, podemos afirmar que as dissenções entre a igreja do oriente e a do ocidente já vinham se arrastando há um bom tempo. Além da controvérsia referente à veneração às imagens e ídolos, havia também a resistência da igreja oriental em aceitar a alegação romana de primazia do governo da “Igreja de Cristo”, na pessoa e sucessão do apóstolo Pedro.

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TÓPICO 3 — A TEOLOGIA DA MISSÃO E O PROBLEMA DA UNICIDADE DA IGREJA NA MODERNIDADE

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A célebre questão do “Filioque”, ou seja, a discordância entre a procedência do Espírito Santo, para os ocidentais, o Espírito santo procede de “do Pai e do Filho”, já para os orientais, ele procede “do Pai”. Essa concepção coloca em dúvida a própria questão da unicidade da Trindade em suas três pessoas. Tem-se, ainda, a discussão sobre a fermentação do pão para a Eucaristia, as questões eclesiásticas em relação à hierarquia da igreja e a própria imposição de votos, como o celibato que não é obrigatório entre os orientais ortodoxos.

Todo esse cenário é preponderante para compreendermos o movimento de evangelização. Havia o convencimento pela pregação, o chamado “evangelismo direto”, no qual o missionário ia para determinada comunidade, iniciava um ponto de pregação e convertia os indivíduos que aceitassem a palavra do Evangelho. Entretanto, havia a imposição do Cristianismo como religião oficial de determinada nação por parte de seu governante. Este método, apesar de muito reprovado, levou à hegemonia da Igreja Católica na Europa, porém, sua inserção no oriente é irrisória.

FIGURA 19 – A IGREJA DO ORIENTE

FONTE: <https://shutr.bz/3mV3WTp>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Após esse Grande Cisma da Igreja Católica, a Cristandade como um todo passa por enormes mudanças, um considerável crescimento no ocidente, mas uma terrível disputa com o “mundo islâmico” nas Cruzadas. No século XIV, a Europa é assolada por terrível fome, a “Guerra dos Cem Anos” entre Inglaterra e França, por fim, e a pior de todas as catástrofes, a terrível “Peste Negra”, que varreu quase um terço da população europeia.

Esse cenário não poderia ser pior para a Igreja Católica do Ocidente, prenunciando já o que seria os dois séculos seguintes. Os séculos XV e XVI viram um desenvolvimento de um humanismo contestatório, principalmente na Itália, despontando homens como Leonardo da Vinci e Nicolau Copérnico, dentre diversos outros que colocaram no “cadafalso do juízo racional” diversos dogmas e doutrinas da Igreja Católica.

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UNIDADE 2 — FUNDAMENTOS DA ECLESIOLOGIA DA MISSÃO

Para empreenderem esta análise crítico-racional dos dogmas, os humanistas se valiam dos próprios textos sagrados, como nos instrui Skinner (1996, p. 228):

O método escolástico tradicional de comentários à Bíblia geralmente procedia associando uma sequência de passagens com a finalidade de extrair alguma lição genérica ou artigo de fé (cf. Duhamel, 1953, pp. 495 – 6). Os humanistas, ao contrário, procuravam recuperar o exato contexto histórico de cada doutrina ou argumento em particular. […] Entre os humanistas do Norte, o primeiro e maior expoente dessa nova perspectiva de leitura foi John Colet. Em 1496, cerca de dois anos depois de regressar da Itália, ele deu em Oxford as conferências que receberam por título Uma exposição da Epístola de são Paulo aos romanos, nas quais claramente prenunciou aquela preocupação predominante com as ipsissima verba da Bíblia que, em poucos anos, viria a tornar-se uma característica essencial da Reforma luterana.

Esses apontamentos feitos por Skinner (1996) nos permitem ver dois pontos extremamente importantes para compreendemos a relação entre os valores humanistas e seu desenvolvimento e o surgimento de uma nova divisão na Igreja no ocidente. Primeiro, o cenário de retomada de uma tradição intelectual baseada na razão, na crítica e em valores individuais de liberdade e autonomia; segundo, a preparação do terreno político-religioso-intelectual para a realização de uma Reforma no seio do Cristianismo europeu.

Assim como no Grande Cisma de 1054, nos séculos XV e XVI, estavam reunidos dois fatores centrais de um movimento de ruptura, a saber, uma insatisfação político-social e uma profunda divergência teológico-doutrinária. Esses elementos serão centrais para se compreender o movimento de reforma que passará para a história como a Reforma Protestante.

As denominações inicialmente chamadas de “protestantes” terão uma forte marca evangelizadora, principalmente, em vista de seus modelos hierárquicos e eclesiais, bem como suas interpretações do Evangelho, bem menos ritualísticas e sacerdotais que a interpretação católica. No próximo tópico discutiremos melhor estes pontos, tendo como referência o movimento empreendido por Martim Lutero, Calvino e Henrique VIII.

2.1 A REFORMA PROTESTANTE E A DIVISÃO DO “MUNDO CRISTÃO” NO OCIDENTE

No início de 1500, o mundo já não era mais o mesmo e havia se “descoberto” novas terras, com novos habitantes exóticos, primitivos, quase que uma visão do paraíso bíblico, uma reprodução fiel do que descreve o livro de Gênesis sobre o jardim do Éden.

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TÓPICO 3 — A TEOLOGIA DA MISSÃO E O PROBLEMA DA UNICIDADE DA IGREJA NA MODERNIDADE

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A disputa por essas novas terras não será apenas de cunho político e econômico, uma nova disputa será posta em marcha, uma disputa religiosa sobre as “almas perdidas” que se encontravam naqueles novos continentes sem a luz divina da salvação. Surge, neste período, uma nova ruptura no mundo cristão do ocidente, mais uma vez a Igreja Católica, que se promulgava como Una, se vê maculada pela divisão e pela controvérsia doutrinária.

A chamada “Reforma Protestante” surge como um duro golpe na Igreja já debilitada pelos acontecimentos políticos, sociais e intelectuais dos últimos dois séculos. As diversas disputas por poder, principalmente, na Itália, levaram a um desgaste tremendo da Igreja Católica. Durante todo o século XV e início do XVI, a Igreja Católica se via envolvida em disputas com os reis da Inglaterra, França e dos principados e repúblicas italianas.

Entre 1309 e 1377, o papado foi transferido para a cidade francesa de Avignon (Avinhão), a mando do rei Filipe IV, como forma de controle da Igreja, mas também como forma de controle político sobre as regiões por ela influenciadas. Essa transferência ficou conhecida como o “Exílio de Avignon”, como uma forma de provação pela qual a Igreja Católica havia passado. A questão, segundo Garin (1996), é que após o retorno do papado para Roma, em 1377, houve um aumento na busca de poder político por parte da Igreja Católica, seja por motivos de necessidade econômica, seja por motivos de evitar uma futura situação como a vivida em Avignon.

Podemos argumentar que esse é um dos fatores que contribuiu para o surgimento de uma insatisfação por parte de vários monarcas e líderes religiosos de comunidades cristãs inseridas em nações que se viam oprimidas pelo poder da Igreja de Roma. O outro fator, obviamente, foi uma profunda controvérsia teológica sobre doutrinas centrais da interpretação católica dos Evangelhos. Primeiro, é preciso compreender que a Reforma Protestante não foi a única “reforma”, ou tentativa de reforma, existente no seio do Cristianismo europeu no período entre os séculos XIV e XVI. Como bem nos aponta Marshall (2017, p. 12):

O termo “protestante” se tornou pejorativo, pois denotava a ideia de que se tratava de um grupo não reconhecido que se voltava com a verdadeira “Igreja”. Essa designação ganhou força a partir da perseguição empreendida por Carlos V, a partir de 1521, para todas as denominações que se voltavam contra a doutrina da Igreja Católica. Entretanto, o termo não é utilizado pelas denominações reformistas, surgidas a partir da Reforma, sendo mais utilizado atualmente o termo “evangélicos”. Como estudo histórico, o termo Reforma Protestante é o mais utilizado pelos pesquisadores.

NOTA

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UNIDADE 2 — FUNDAMENTOS DA ECLESIOLOGIA DA MISSÃO

Em primeiro lugar, uma pergunta bem básica: existiu de fato essa coisa chamada “a Reforma”, expressão que ninguém usava no sentido em que usamos agora e que só veio a aparecer muito depois dos acontecimentos que pretendia designar? O apelo à “reforma” dentro do Cristianismo é praticamente tão velho quanto a própria religião, e em todas as épocas houve tentativas insistentes de realizá-la. […] Na Inglaterra, o teólogo John Wyclif (?-1384) formulou uma crítica assombrosamente radical à Igreja da época, substituindo a autoridade do papa pela das escrituras e sustentando que os clérigos não deviam exercer qualquer autoridade terrena. Os seguidores de Wyclif foram expulsos das universidades, mas conseguiram lançar as bases de um movimento herético clandestino (os “lollardos”) no país. No outro extremo da Europa, no reino da Boêmia, outro padre radical, Jan Huss, inspirou uma revolta nacional contra a autoridade estrangeira e a jurisdição romana. Os hussitas também defendiam que os laicos deviam comungar o vinho, além do pão, na missa.

Ao se falar de uma “Reforma Protestante”, é preciso ter em mente que isso não acontece da noite para o dia, mas vem em um sentido cumulativo que culmina em uma série de fatores políticos, religiosos e sociais que permitiram sua execução. No caso de Jan Huss, sem muito apoio político, foi queimado durante o Concílio de Constança em 1414. Já John Wycliffe teve forte apoio político e social em suas teses e em sua oposição à Igreja romana.

Nas teses de John Wycliffe está a centralidade da autoridade da Bíblia em detrimento à autoridade do papa e da tradição da Igreja romana; a imposição da pobreza ao clero e a condenação à opulência e riqueza da Igreja; no âmbito eclesiástico, defendia que o clero deveria ser ordenado pelo rei, o qual recebe seu poder diretamente de Deus, não do papa; negava a autoridade apostólica do papa, fundada na sucessão de Pedro; além de tudo isto, empreendeu uma tradução da Bíblia para o inglês.

Como se pode afirmar, em Wycliffe, no século XIV, já estavam contidas, basicamente, quase todas as reivindicações feitas por Lutero no século XVI, além disso, o cenário político também era favorável à Wycliffe, como era à Lutero. A nobreza inglesa queria se livrar dos pesados fardos econômicos impostos pela Igreja Católica, assim, Wycliffe recebe apoio do rei e da nobreza, sustentando-se e ficando a salvo da fogueira.

Entretanto, após começar um movimento de evangelização por meio de seus seguidores, os chamados Lollardos, os quais pregavam que toda autoridade emana da Bíblia, a palavra de Deus, Wycliffe perde o apoio do rei, pois há uma forte agitação popular, cuja origem é associada à pregação dos Lollardos.

Esse fator político de apoio às ideias reformistas será bem delineado no caso de Lutero, a Alemanha de sua época era um reino constituído por Estados semi-independentes, cujos príncipes governantes gozavam de certa autonomia e influência, mas eles se viam exauridos financeiramente pela Igreja Romana. A questão é que Carlos V, aliado da Igreja Católica, então imperador do Sacro Império Romano Germânico, que incluía a Alemanha, se voltou contra os seguidores de

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TÓPICO 3 — A TEOLOGIA DA MISSÃO E O PROBLEMA DA UNICIDADE DA IGREJA NA MODERNIDADE

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Lutero. A partir daí, todos que aderiam ao movimento reformista influenciado por Lutero eram chamados de “protestantes”, o que levou à referência histórica que se tem hoje de Reforma Protestante.

FIGURA 20 – MARTINHO LUTERO

FONTE: <https://shutr.bz/3apIT5f>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Teologicamente, Lutero retoma algumas questões que já tinham sido postas por Wycliffe e por outros teólogos de diferentes correntes, tais como a negação da autoridade papal, a negação de intermediação entre Deus e o ser humano, a não ser por meio de Jesus Cristo, a necessidade de se voltar para a Bíblia como única fonte de autoridade e instrução etc.

Entretanto, quatro pontos importantes surgiram a partir de suas teses, entre eles podemos citar a justificação pela fé, a intermediação somente por Cristo, em que somente há merecimento por meio da graça de Deus, não das obras e somente a Bíblia é fonte de autoridade e ensino.

Outros teólogos surgiram com novas interpretações e proposições, podemos mencionar João Wesley, João Calvino, Filipe Melachtohn, Ulrico Zwinglio e Tomás Müntzer entre outros, tornando a nova doutrina reformista

Um interessante filme para se ver sobre o tema da reforma é a obra Lutero (Luther), de 2003, com direção de Eric Till. Nele, retrata-se de forma resumida a trajetória de Martinho Lutero, de sua formação teológica, passando por sua dissensão com a Igreja Católica de sua época e o início da Reforma por ele empreendida.

DICAS

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UNIDADE 2 — FUNDAMENTOS DA ECLESIOLOGIA DA MISSÃO

mais robusta e mais influente nos países do norte europeu. As igrejas reformistas, ou protestantes, como ficaram mais conhecidas no período inicial, não possuíam um “governo eclesiástico” centralizado, a exemplo da Cúria Romana ou da própria figura do Papa.

As igrejas são, praticamente, autônomas, escolhendo seus líderes e sua forma de organização local, mas respeitando os preceitos doutrinários da denominação à qual pertencem. Neste sentido, a evangelização se torna mais semelhante ao que se tinha na época dos apóstolos, quando um missionário ia para uma comunidade, fundava uma igreja e estabelecia uma liderança local que manteria aquela igreja, indo posteriormente para outra localidade.

Certamente que esse modelo não se iniciou de forma rápida e concisa, mas foi se organizando de maneira a se expandir de forma eficaz. O movimento de expansão das denominações reformistas seguiu basicamente um itinerário saindo dos países do norte europeu para os países do leste e sul, bem como para as novas colônias surgidas no final do século XVI e início do século XVII. Este movimento de evangelização se destacava do modelo católico, pois tinha uma autonomia maior em relação à implantação de novas igrejas, bem como em relação à administração delas.

Outro fator importante para o processo de evangelização adotado pelas igrejas reformistas é que o missionário ia com sua família, caso tivesse, para o campo de missões. Nesse sentido, o trabalho de evangelização e organização da igreja era feito também pela família, facilitando a inserção em comunidades ainda não evangelizadas. Mais um ponto que se deve destacar é o fato de todos os cultos reformistas serem feitos na língua vernácula, ou seja, na língua falada pelas pessoas comuns.

No contexto europeu do início da Modernidade, a teologia reformista estava mais próxima dos movimentos intelectuais da época, principalmente a partir das vertentes de pensamento alemã e inglesa. Esse fator também é um ponto de destaque para se compreender a inserção das doutrinas reformistas nas classes mais instruídas, bem como entre acadêmicos e setores das universidades. O uso da música pode ser apontado como uma das grandes inovações trazidas pela liturgia reformista, o uso de coros, instrumentos musicais de orquestração, bem como a introdução de letras na língua vernácula, impulsionaram a adesão dos fiéis e a participação nos cultos.

As denominações reformistas terão forte influência na evangelização das colônias implantadas pelos países do norte europeu, principalmente, Inglaterra, Holanda e França. Por sua vez, as colônias portuguesas e espanholas serão predominantemente católicas. Essas características moldaram a forma como as “novas terras” foram evangelizadas e catequizadas, bem como influenciaram também na forma de governo destas colônias. No próximo tópico, nos voltaremos para esta análise.

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TÓPICO 3 — A TEOLOGIA DA MISSÃO E O PROBLEMA DA UNICIDADE DA IGREJA NA MODERNIDADE

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3 A TEOLOGIA DA MISSÃO E A CONQUISTA DO “NOVO MUNDO”

A expansão marítima iniciada com a descoberta de terras ainda desconhecidas pelos europeus, deu início a uma “corrida evangelizadora”, após as primeiras descobertas, o movimento de evangelização dos povos originários, bem como a implantação de igrejas para os europeus que foram para estas novas terras, foi um grande desafio. De início, a própria “repartição” da nova “herança de Deus”, trouxe inúmeras disputas políticas, econômicas e militares. As grandes potências da época, Inglaterra, França, Alemanha, Holanda, reivindicavam participação no novo continente, levando a uma disputa marítima, política e também religiosa.

Entretanto, a primeira repartição das novas terras ficou apenas entre Portugal e Espanha, através do Tratado de Tordesilhas, dividiu-se o novo continente entre portugueses e espanhóis, porém, como era de se esperar, as demais potências questionaram tal repartição. O que nos interessa nesta breve retomada histórica é perceber que as disputas existentes na Europa, tanto no campo político e econômico, quanto no campo religioso, serão levadas para as novas terras, ajudando a moldar os aspectos sociais de cada região.

Além da disputa pela posse das novas terras, o que surgiu após a descoberta deste “novo mundo” foi uma viva reflexão sobre como cumprir agora a comissão dada por Jesus, “ide por todo o mundo pregando o Evangelho a todas as pessoas”. O “mundo” tinha se tornado muito maior do que aquele descrito na Bíblia, mais que isso, o que se via nestas novas terras, tanto em relação à natureza, quanto em relação à seres humanos, era bem diverso daquilo que se tinha no chamado “velho mundo”. Como evangelizar seres primitivos que nem sequer usavam roupas ou moravam em casas? Pior ainda, tribos com tradições canibais e com forte apego a uma religiosidade animista, com rituais de sacrifícios humanos em algumas culturas.

A questão era ainda mais complexa, pois todos os modelos de pregação estavam alicerçados em tradições europeias, principalmente a partir da evocação de valores tradicionais e de toda uma ritualística que era familiar aos europeus. Quais seriam as formas de evangelizar estes povos primitivos? Ou quais ações poderiam ser legitimadas em nome da “Coroa” e em nome da “Igreja”? Essas questões se tornaram centrais no processo de catequização e conversão dos povos originários do novo continente e teve que ser articulado à organização das igrejas para os europeus que vinham para esta nova terra.

Como nos indica Paiva (2021, p. 24):

A compreensão que os portugueses tinham de sua realidade se expressava por meio de marcos teológicos cristãos, sedimentados ao longo de pelo menos 13 séculos, justificando a ordem social e o

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UNIDADE 2 — FUNDAMENTOS DA ECLESIOLOGIA DA MISSÃO

poder político, modelando o discurso, os valores, os comportamentos, os hábitos, a etiqueta, a visão de mundo, a relações interculturais, modelando cada gesto da vida social.

Esse novo desafio, rever séculos de convicções teológicas, sociais e culturais, foi posto diante dos missionários que iriam para o novo continente levar a palavra do Evangelho aos povos primitivos que ali habitavam. A observação que Paiva (2021) faz sobre os portugueses pode ser estendida a todos os europeus que foram para as novas terras e se viram diante de grupos de pessoas com culturas tão distintas.

Não havia nenhuma referência concreta na Teologia até então que pudesse embasar aquilo que representava a existência daquelas novas terras e daquelas novas culturas. Como se pode intuir, tanto católicos quanto reformistas tiveram perspectivas distintas sobre qual a melhor forma de empreender a “cristianização do novo continente”, o que se refletia na forma como cada corrente desenvolveu seu trabalho.

3.1 CATÓLICOS NO SUL E PROTESTANTES NO NORTE DO NOVO CONTINENTE

A inserção dos missionários católicos nas terras portuguesas e espanholas foi, sem dúvidas, muito mais expressiva do que a inserção de missionários reformistas protestantes. Esses últimos só chegaram bem depois do início da colonização na parte sul do continente e na parte central. Entretanto, o inverso se deu na parte norte do continente, onde os colonos europeus eram em sua maioria reformistas, vindos, principalmente, de países como Inglaterra, Holanda, Escócia e França.

Fato importante para se compreender o processo de evangelização nas regiões dominadas por Portugal e Espanha é a criação da Companhia de Jesus, mais conhecida como Jesuíta. Essa ordem religiosa foi criada por Inácio de Loyola e outros colegas em 1534 na França, tendo como principal função servir à Igreja Católica romana como missionários e evangelizadores.

A ordem foi aceita e aprovada, tendo recebido o aval do papa Paulo III, já em 1540, tendo constituída toda a sua disciplina e normas, o que se caracterizava como definição da própria natureza religiosa da nova ordem. Seu caráter missionário se aliava a um certo caráter militar, tanto pela disciplina que adotava, quanto pela organização de seus religiosos. Os Jesuítas foram os primeiros a empreenderem um projeto de evangelização dos povos originários das novas terras descobertas, bem como de organização das igrejas para os europeus e seus filhos que foram para o novo continente.

Em 1549, os Jesuítas chegam ao Brasil liderados por Manuel da Nóbrega, tendo a missão de catequizar os “indígenas”, organizar as igrejas para os colonos

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e cuidar da educação de seus filhos. De início foi preciso vencer a barreira da comunicação, mas, além disso, foi preciso adequar a abordagem junto aos indígenas. Não se pode esconder o fato de que os índios eram utilizados, de maneira forçada, nos trabalhos necessários para a produção de tudo que era utilizado pelos religiosos, bem como pelos colonos.

Além disso, os Jesuítas fundaram as famosas “Missões”, o que se pode chamar de frentes avançadas de catequização e evangelização dos povos indígenas. No final do século XVI e já no início do século XVII, outras ordens religiosas chegaram ao Brasil para ajudar a suprir a falta de clérigos, como os Beneditinos e os Franciscanos.

As Missões se constituíam, como tido, em frentes de catequização, os indígenas possuíam uma visão de mundo e de religião muito distante da concepção cristã, com práticas que não se encaixavam nos princípios morais dos europeus. Nesse sentido, a evangelização e catequização se tornaram difíceis, levando os missionários a tentarem livrar os indígenas de seus costumes e crenças, o que muitas vezes era feito de maneira abrupta e truculenta.

A realidade das Missões como aldeamentos serviu para aproximar os missionários das tribos indígenas, criando uma maior integração, mas, em compensação, uma maior imposição dos costumes europeus nestes lugares. Segundo Santos (2016, p. 7), “no final de 1550, a Companhia procurou concentrar os indígenas nestes aldeamentos, onde podiam ser supervisionados de perto e doutrinados. Aqui eles eram tornados cristãos, pelo menos nominalmente”.

Todo o processo de evangelização e catequização era dependente do modo de colonização adotado, sendo, na verdade, subordinado a ele. Em outros termos, a preocupação principal das Coroas portuguesa e espanhola era a exploração das riquezas existentes nas novas terras. O modelo de colonização existente na parte norte do novo continente difere em alguns pontos, mas também se valeu de mão de obra escrava, mas em um momento posterior, de início o modelo era, basicamente, de povoamento e assentamento de colonos vindos da Europa.

Entre esses colonos, a maioria era de fiéis reformistas, principalmente, vindos de países como a Inglaterra e a Escócia, muitos fugindo do cenário inglês, outros em busca de uma nova oportunidade. Esse processo se intensificou no início do século XVII, tendo como principal impulso as instabilidades políticas vividas na Europa. Herberg (1962, p. 18), ao tratar da colonização norte-americana nos diz o seguinte:

Os colonos que vieram ter a estas praias, desde o tempo da fundação de Jameston em 1607 até a deflagração da Revolução, foram principalmente de sangue inglês e escocês, aumentado por considerável número de colonos de origem holandesa, sueca, alemã e irlandesa. Eram predominantemente protestantes e deram uma direção protestante à vida religiosa americana, já desde o princípio.

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A principal doutrina seguida por estes protestantes era o puritanismo, uma corrente derivada do Calvinismo, a qual criticava a relação da Igreja Anglicana com o poder temporal e a forte tradição católica ainda presente nela. Daí surgiu o termo “puritano”, por querer purificar a Igreja Anglicana dos resquícios católicos, bem como da forte dependência governamental, principalmente, na figura da monarca, a rainha Elisabeth.

Os puritanos e os demais reformistas protestantes chegam à América do Norte com uma forte convicção de que aquela é uma “terra prometida”, na qual poderia construir uma “nova sociedade santificada”, ou seja, teriam a oportunidade de colocar em prática os ensinamentos de Jesus em uma terra completamente nova. Essa era uma benção dada por Deus e eles deveriam fazer o melhor possível para realizar este projeto. Por esta convicção, intensificou-se ainda mais as restrições morais e a centralidade do culto e das doutrinas na vida das comunidades.

Com relação aos povos originários, os “nativos”, não havia um processo de catequização como existente nas colônias portuguesas e espanholas, principalmente porque os nativos norte-americanos eram mais organizados que os povos indígenas da América do Sul e Central. O início da relação entre colonos e indígenas é boa, mas acaba descambando para disputas cada vez mais sangrentas, principalmente, à medida que a população de colonos vai aumentando.

Em meados do século XVII, há uma tentativa de evangelização mais centrada nas populações indígenas perto das regiões de Massachusetts e Boston, com a tradução da Bíblia para a língua indígena algonquina. Entretanto, com o avanço dos colonos europeus para dentro do território, os nativos começaram a intensificar uma reação mais violenta, cuja resposta foi também violenta por parte do governo inglês.

A questão é que não houve, de fato, um processo missionário na América do Norte fora das comunidades de colonos, em sua maioria protestantes, que foram para aquele continente. O processo foi distinto daquele experimentado na América do Sul, todavia, como se observaria no século XVIII, os valores humanistas e liberais presentes nas doutrinas reformistas seriam uma das bases da Revolução Americana.

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O PAPA, OS INDÍGENAS E AS COMPLEXAS RELAÇÕESNA AMÉRICA LATINA

José Alves de Freitas Neto (professor livre-docente do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp)

A visita do Papa Francisco ao Peru e ao Chile reacendeu discussões e polêmicas sobre o modo como a Igreja se relaciona com seu passado e sua trajetória no Novo Mundo. O primeiro papa nascido nas Américas tem um forte simbolismo para os latino-americanos e Francisco, na escassez de grandes lideranças mundiais com algum grau de sensatez, tem se destacado por posições em defesa dos direitos humanos, dos refugiados e contra as desigualdades. A visita à região da Araucanía, no sul do Chile, e o encontro do papa com os mapuche são emblemáticos pela ambiguidade da Igreja em relação aos povos originários do continente.

A Igreja chegou junto com os conquistadores espanhóis. E, parte dela, foi crítica dos procedimentos de evangelização e da forma como os povos indígenas foram explorados. Outra parte, entretanto, estava imersa nas estratégias de colonização e dominação. As primeiras vozes que se levantaram em defesa dos indígenas foram de religiosos, no século XVI. E, na atualidade, há grandes segmentos do universo católico envolvido com a defesa dos povos e culturas indígenas.

Las Casas e a questão indígena

A crônica do frei Bartolomé de Las Casas (1484-1566) é um dos principais relatos sobre a colonização da América empreendida pelos espanhóis a partir de 1492. Consolidada ao longo da Idade Média, a crônica produzida por religiosos mendicantes tinha duas finalidades principais: enaltecer o Cristianismo e relatar como o discurso religioso se estabelecera em determinada circunstância. Os feitos memoráveis de religiosos e de sua ação missionária, assim como de suas instituições, constituíam a base dos relatos que seriam apresentados pelo cronista.

O êxito da narrativa lascasiana pode ser averiguado pelas repetidas edições de sua obra Brevísima Relación de la Destruición de las Indias, de 1542. O relato ajudou a construir uma visão sobre a destruição do indígena na América e a discutir legislações e procedimentos que alteraram o reconhecimento de direitos a outros povos que não pertencessem à mesma cultura, fé ou etnia. O objetivo da Brevísima, como indica o título, era denunciar a ação da conquista espanhola nas diversas províncias e regiões do Novo Mundo, expondo a dizimação dos povos indígenas e solicitar a suspensão das encomiendas, que eram um regime de

LEITURA COMPLEMENTAR

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UNIDADE 2 — FUNDAMENTOS DA ECLESIOLOGIA DA MISSÃO

trabalho no qual comunidades indígenas inteiras ficavam sob os cuidados de um espanhol (encomendero) que poderia utilizar a mão de obra dos índios em troca de sua catequização.

Para Las Casas, a violência, a exploração e a dizimação dos índios eram uma afronta ao direito natural e à fé cristã. Para evitar esta prática colonizadora, o frade atuou como religioso e escritor, envolvendo-se em diversos episódios que influenciaram na vida de colonos, índios e da própria Coroa de Castela. Na descrição lascasiana, os índios eram cordatos, amáveis e dóceis. Tal imagem, associada a um virtuosismo idílico, próximas ao do homem antes do pecado original, segundo a tradição cristã, representou sua própria anulação política, como observou o professor Héctor Bruit. A docilidade e paciência permitiam a simpatia e compaixão pela vítima e abria espaço para os que narram a história, no caso, o clérigo. Em outras palavras, não cabe ao modelo de virtude apresentado a roupagem da revolta e da discordância diante da experiência concreta de exploração. Las Casas, após construir sua imagem do índio, apresentou-se como legítimo defensor dos indígenas.

De volta a Francisco e os Mapuche

Os mapuche são 7% da população chilena, o que representa pouco mais de 1 milhão de pessoas, e formam comunidades que se espalham entre o Chile e Argentina. As comunidades resistiram à presença e à dominação espanhola e do Estado chileno, após a independência. O grupo está longe da docilidade ou da passividade apresentada no relato lascasiano. As formas de resistência mapuche contra colonizadores e contra o Estado chileno incluem ações como atear fogo em Igrejas e prédios públicos. A principal demanda é pelo reconhecimento do direito de autodeterminação dos povos que não se consideram nem chilenos, nem argentinos. Essa questão, para além do reconhecimento cultural, esbarra em temas como a exploração de terras e riquezas por parte do Estado e grandes grupos empresariais.

O preconceito contra os mapuche, incluindo os propagados pela imprensa que assimilou o discurso do Estado nacional desde o século XIX, reverbera-se na violência policial contra os povos originais. Dezenas de ativistas foram assassinados nos últimos anos e há cumplicidade do sistema jurídico com a impunidade em relação a estes crimes. A visita de Francisco, nesse caso, é criticada tanto por católicos mais conservadores, como por lideranças mapuche. Os líderes indígenas, como Rolando Jaramillo, líder do Conselho de Todas as Terras, não querem que o papa peça um perdão retórico. João Paulo II já havia feito esse pedido no contexto dos 500 anos da chegada de Colombo ao Novo Mundo. Os indígenas querem que a Igreja se reconheça como parte do genocídio causado e que se comprometa a fazer justiça, reconhecendo os direitos às terras e indenizações às vítimas da ocupação do território mapuche.

Os católicos conservadores, por outro lado, se ressentem do Papa criticar a violência do Estado chileno contra os mapuche. O Chile é o país com menor número de católicos na América Latina, com pouco mais de 40% da população, e

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TÓPICO 3 — A TEOLOGIA DA MISSÃO E O PROBLEMA DA UNICIDADE DA IGREJA NA MODERNIDADE

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com o maior número de pessoas que se declaram sem religião no continente. Esse perfil diferencia o país dos demais vizinhos, onde a diminuição de católicos tem significado o aumento de outras denominações. Francisco tentou repetir Las Casas: ser crítico de uma situação, sendo parte de um aparato que está identificado com um dos lados. O Papa criticou os dois tipos de violência existentes na atualidade: a do Estado e sua força policial que não cumpre as promessas feitas aos mapuche e a dos grupos indígenas que atacam e queimam igrejas e prédios.

“Existem duas formas de violência”, disse o Papa na missa celebrada em Temuco, diante de 150 mil pessoas, no dia 17 de janeiro. “Em primeiro lugar, elaborar belos acordos que nunca chegam a se concretizar. Isso também é violência, porque frustra a esperança. Em segundo lugar, uma cultura do reconhecimento mútuo não pode ser construída com base na violência e na destruição, que termina provocando perdas de vidas humanas. Não se pode pedir reconhecimento aniquilando o outro. A violência acaba tornando mentirosa a causa mais justa.” A visita de Francisco e os relatos de Las Casas guardam similitudes: reconhecem a disparidade de forças e o impacto sobre os indígenas. Francisco, porém, não pode silenciar-se diante do protagonismo dos mapuche, nem ser uma voz supostamente equidistante, pois os mapuche não são silenciados por uma noção idealizada de povos dóceis e submissos: são a própria resistência do que pensam e querem sobre suas culturas e suas terras.

A crônica do século XVI é atual por ser reveladora do que imaginamos ter sido em uma fase pueril. A realidade da Araucanía, no século XXI, nos retira da zona de conforto de supor a existência de um paraíso. Mas, se ele existir, tem que ser para todos!

FONTE: Adaptado de <https://www.unicamp.br/unicamp/index.php/ju/artigos/jose-alves-de-freitas-neto/o-papa-os-indigenas-e-complexas-relacoes-na-america-latina>. Acesso em: 6 ago. 2021.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• A Igreja Católica passa por um novo processo de ruptura e cisão no início da Idade Moderna, principalmente, a partir da chamada Reforma Protestante, cujos primeiros movimentos fora se acumulando deste o século XIV até a culminância com a reforma empreendida por Martinho Lutero.

• As duas grandes rupturas ocorridas no Cristianismo no ocidente, o Grande Cisma do século XI e a Reforma Protestante, colocaram em xeque a tese da Unicidade da Igreja Católica como a Igreja de Cristo na Terra, levando à formação de várias denominações reformistas.

• Após a descoberta de novas terras além do oceano Atlântico, houve uma intensa corrida econômica, política, mas também religiosa entre as nações católicas e as nações reformistas protestantes.

• O processo de ocupação, colonização e exploração das novas terras foi distinto na América do Sul e na América do Norte, dentro destas diferenças, pode-se observar a predominância do catolicismo nas colônias portuguesas e espanholas, bem como a predominância das denominações reformistas nas colônias inglesa, escocesas, francesas e holandesa.

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CHAMADA

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1 A Cristandade sofre uma grande ruptura no início do século XII que ficou conhecido como o Grande Cisma, sendo um marco na história do Cristianismo e um ponto de partida para novas controvérsias e discussões acerca de doutrinas e práticas litúrgicas. Sobre este tema do Grande Cisma, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Foi a divisão entre a igreja do oriente e a igreja do ocidente ocorrida em 1054 d.C. que levou a um acirramento da disputa sobre a verdadeira autoridade herdada dos apóstolos.

b) ( ) O Grande Cisma foi a divisão da Igreja Católica causada pela divisão do Império Romano em império do ocidente e império do oriente, causando uma disputa doutrinária.

c) ( ) Foi um momento de disputa entre o poder temporal, o Estado, e o poder espiritual, a Igreja, ficando a igreja do oriente do lado do imperador de Constantinopla.

d) ( ) O Grande Cisma foi causado pela discordância acerca da natureza divina de Cristo, sendo a igreja do ocidente defensora da natureza única, carnal.

2 O Grande Cisma da Igreja Católica foi marcado por disputas doutrinárias bem claras, resultado na fratura da Igreja e na constituição de duas tradições que não se encontrariam pelos próximos mil anos. Com base nas questões doutrinárias discutidas no Grande Cisma, analise as sentenças a seguir:

I- A controvérsia envolvia a discussão sobre o uso de fermento, ou não, no pão da Eucaristia, a veneração à ídolos e a procedência do Espírito Santo.

II- A principal controvérsia era relativa ao cânone do Novo Testamento, não havendo um consenso sobre os livros nele contidos.

III- A principal controvérsia surgida no Grande Cisma foi a definição de uma Santa Sé, ou seja, quando seria estabelecida a tradição do “trono de Pedro”, se em Roma ou em Constantinopla.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.b) ( ) Somente a sentença II está correta.c) ( ) Somente a sentença I está correta.d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 Os séculos XIV e XVI são bastante turbulentos no que diz respeito à estabilidade doutrinária da Igreja Católica na Europa. Neste período surgem doutrinas contestatórias que colocam em xeque a autoridade da

AUTOATIVIDADE

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Igreja, bem como outros dogmas importantes para sua manutenção. De acordo com os princípios desta discussão acerca das reformas propostas neste período, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A principal proposta dos movimentos reformistas era a anulação do Grande Cisma e a reunificação da Igreja de Cristo, não mais sob a autoridade Católica.

( ) Os movimentos reformistas surgem em vários momentos em lugares diversos, na Inglaterra, na Boêmia, bem como na Alemanha, com Lutero.

( ) Alguns dos principais pontos defendidos por Martinho Lutero em suas teses para reforma da Igreja já tinham sido formuladas e defendidas por Wycliffe, na Inglaterra.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.b) ( ) F – V – V.c) ( ) F – V – F.d) ( ) F – F – V.

4 A Reforma Protestante instituída por Martinho Lutero contou com vários fatores que a tornaram um movimento bem-sucedido, tendo se espalhado em pouco tempo pelo norte da Europa. A Reforma Luterana não foi a primeira tentativa de reforma da Igreja Católica e suas doutrinas, mas ocorreu em um momento favorável. Disserte sobre esta questão dos fatores que contribuíram para o desenvolvimento da Reforma Protestante.

5 A descoberta de novas terras além do oceano Atlântico acende uma enorme disputa política, econômica, militar e religiosa entre as principais potências mundiais no início do século XVI. Esta realidade trouxe também a oportunidade de ampliar o movimento missionário. O continente recém-descoberto foi ocupado de forma distinta no Sul e no Norte, principalmente, no que diz respeito à tradição religiosa. Neste contexto, disserte sobre as diferenças no movimento de ocupação do novo continente em relação à religião e forma de colonização.

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UNIDADE 3 —

A TEOLOGIA DA MISSÃO NA CONTEMPORANEIDADE

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender e refletir sobre os atuais desafios da evangelização em um mundo globalizado, tendo em vista a transculturalidade e os fundamen-tos da mensagem cristã;

• conhecer, analisar e compreender a relação entre a evangelização, a partir dos fundamentos teológicos da missão, e a questão social, tendo como foco os aspectos dos direitos humanos e da desigualdade social;

• analisar e interpretar as relações entre a evangelização, a partir dos fun-damentos da teologia da missão, e as revoluções tecnológicas na área das comunicações, tendo em vista o impacto de tais tecnologias na cha-mada evangelização de massa;

• compreender e analisar os aspectos teológicos envolvidos na questão ecumênica e suas relações com a evangelização no mundo globalizado.

Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A EVANGELIZAÇÃO NO MUNDO GLOBALIZADO

TÓPICO 2 – A TEOLOGIA DA MISSÃO E A QUESTÃO SOCIAL

TÓPICO 3 – EVANGELIZAÇÃO, ECUMENISMO E A REVOLUÇÃO NAS COMUNICAÇÕES

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

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UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Acadêmico, no Tópico 1, abordaremos a temática da evangelização em um mundo “agigantado”, um mundo no qual as relações estão cada vez mais rápidas e globalizadas. A noção de “globalização” é, relativamente, nova, apesar de podermos apontar vários momentos na história em que diversas regiões distantes do planeta foram conectadas pelo ser humano. O período das chamadas “grandes navegações” é um desses momentos no qual a relação de culturas diferentes ficou evidente. O momento de conexão entre a cultura europeia e as diversas culturas, várias ainda desconhecidas, criou uma nova visão de “mundo”, muito mais alargada e com inúmeros questionamentos a serem respondidos.

Entretanto, o nível de conexão ao qual chegamos enquanto civilização é inédito na história humana. Conexões não apenas físicas, mas também de comunicação e troca de ideias, de ferramentas virtuais e um desafiador intercâmbio religioso. Até chegarmos neste ponto, passamos por inúmeras revoluções tecnológicas, sociais, políticas e, principalmente, religiosas e intelectuais. As grandes navegações dos séculos XVI, XVII e XVIII levaram consigo a pregação de várias denominações cristãs para o “novo mundo”, tanto católicas quanto reformistas. Este movimento deixou profunda marca na organização cultural dos povos que foram colonizados pelas potências europeias.

FIGURA 1 – AS GRANDES NAVEGAÇÕES

TÓPICO 1 —

EVANGELIZAÇÃO NO MUNDO GLOBALIZADO

FONTE: <https://shutr.bz/3oHlm8q>. Acesso em: 11 ago. 2021.

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UNIDADE 3 — A TEOLOGIA DA MISSÃO NA CONTEMPORANEIDADE

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Ao chegarmos no século XX, vemos uma incomensurável relação entre as nações do mundo, lastreada por meios tecnológicos, econômicos e políticos. Essa realidade será fruto de todos os acontecimentos dos séculos anteriores, como posto, século de ampla disseminação de doutrinas religiosas, ideias e costumes.

Bem, mas como isso nos importa no estudo da missão no mundo hodierno? A questão é que não podemos compreender o cenário atual sem percebemos que ele foi construído exatamente nos movimentos empreendidos nos séculos anteriores. Compreender a transculturalidade e a forma como o Evangelho foi levado para as diversas culturas no mundo todo. O respeito aos costumes de cada povo, destacando a mensagem do Evangelho, mas, ao mesmo tempo, compreendendo sua relação com estes costumes.

Nesta unidade, nos voltaremos para estas questões, tendo em vista que a evangelização do mundo se tornou um desafio que envolve não apenas a verdade da fé, mas também uma compreensão de fatores culturais, políticos, humanitários e, até mesmo, tecnológicos. É preciso pensar o respeito aos direitos humanos, à peculiaridade de cada grupo étnico que tem contato com a palavra da salvação.

FIGURA 2 – DIVERSIDADE CULTURAL

FONTE: <https://shutr.bz/3Dp5XNX>. Acessado em 11 ago. 2021.

Existem várias formas de se construir um processo de evangelização dentro dos grandes centros urbanos, seja por meio de assistências sociais, por meio de trabalhos de base, ações de impacto, até mesmo a evangelização nas ruas. Todos eles convergem para um tipo de relação que se tornou mais diversificada nas últimas décadas, se comparado ao que se tinha na sociedade brasileira em décadas passadas. Há setenta, sessenta anos atrás, existia um número pequeno de denominações cristãs no Brasil, atualmente, existe uma gama enorme de igrejas denominadas “evangélicas”, “carismáticas”, “renovadas”, “pentecostais” etc.

Esse quadro se mostra como uma questão de pluralidade que evoca várias discussões doutrinais, eclesiais, litúrgicas, que certamente não é nosso foco neste estudo, mas demanda também considerações sobre como pensar a

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TÓPICO 1 — EVANGELIZAÇÃO NO MUNDO GLOBALIZADO

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inter-relação dentro do próprio cenário urbano. Além deste desafio próprio do mundo globalizado e intercultural, há a primordial necessidade de se respeitar os direitos humanos, as individualidades, as diferenças e, principalmente, a autonomia e liberdade de cada indivíduo. A mensagem do Evangelho não pode ser um elemento desagregador, de exclusão de qualquer tipo, de pessoa ou grupo social, nem mesmo de julgamento e discriminação, antes, seguindo o exemplo de Jesus Cristo, deve ser a fonte de compreensão, apoio e transformação de vidas.

Tendo em vista todas estas considerações, abordaremos neste primeiro tópico as temáticas da transculturalidade e da missão inculturada, buscando relacionar os aspectos que apresentamos neste primeiro momento e avançando em outros correlatos. Vamos começar?

2 A MENSAGEM DO EVANGELHO E A TRANSCULTURALIDADE

Temos colocado, por diversas vezes, o caráter universal do Evangelho, sua mensagem de salvação para toda a humanidade, base do querigma cristão e fonte da própria essência do sacrifício de Cristo. A Nova Aliança selada com o sangue de Cristo na cruz não conhece barreiras de cultura, nacionalidade, sistema político, costumes ou leis, mas é preciso compreender que cada povo, cada nação, tem seus costumes, seus sistemas políticos e suas leis. O que isso significa?

Podemos afirmar que isto significa que a mensagem do Evangelho é universal, mas sua pregação se dá em um contexto político, social e cultural bem definido e, mais ainda, significa que para se cumprir o “Ide” ordenado por Jesus é preciso não se prender aos prejulgamentos, às discriminações ou às classificações de qualquer tipo sobre uma cultura.

FIGURA 3 – TODA CULTURA TEM SEUS COSTUMES E TRADIÇÕES

FONTE: <https://shutr.bz/3iM3BB2>. Acesso em: 12 ago. 2021.

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UNIDADE 3 — A TEOLOGIA DA MISSÃO NA CONTEMPORANEIDADE

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O processo de evangelização e missões desenvolvido durante as Grandes Navegações e as colonizações perpetuou um processo de imposição da cultura europeia sobre as culturas nas quais o Evangelho era pregado. Tanto por parte de católicos quanto por parte de reformistas, em muitas culturas a pregação do Evangelho significou um ataque aos costumes e tradições locais de forma abrupta, em alguns casos, de forma até criminosa.

Segundo Macedo (2014, p. 70):

A estratégia adotada pelos primeiros missionários cristãos na África seguia o exemplo dos primeiros missionários latinos no mundo extra-europeu desde o século XIII. As obras da conversão começavam pelos chefes locais, cujo apoio era condição imprescindível para o estabelecimento de núcleos religiosos e para o combate às lideranças religiosas tradicionais.

Essa tática, como visto acontecer na Europa dos séculos IX e X, focava na conversão do líder político para se ter um respaldo, o qual, na maioria dos casos, vinha pela obrigação da população na adesão à religião tomada como “oficial”. Outro ponto citado por Macedo (2014) era o combate ferrenho às lideranças religiosas locais, as quais eram perseguidas e deslegitimadas a partir do apoio político estabelecido pelos missionários.

O modelo de evangelização adotado nesses séculos representa um grave erro cometido tanto por católicos quanto por reformistas. Como se pode afirmar sobre a evangelização na África e também no leste asiático e nas Américas, a tática assumida pelos missionários, em geral, desequilibrava o arranjo político-social, o qual se apoiava nas tradições e costumes do povo, principalmente, a partir das religiões nacionais.

Esses apontamentos nos levam a problematizar duas questões importan-tes: primeira, qual o tipo de relação cultural se deve estabelecer em vista de se levar a mensagem do Evangelho, o qual é universal? Segunda, essa relação cul-tural em vista da evangelização representa um tipo de transculturalidade ou de “etnocentrismo” disfarçado? Para refletirmos sobre a primeira questão é preciso termos em mente que a mensagem do Evangelho é universal, não está presa a costumes, tradições ou legitimação política, no entanto, ela deve ser acessível, compreensível aos indivíduos que a ouvem. Nesse sentido, não é necessário esta-belecer um parâmetro cultural ou social para se balizar a forma como o Evange-lho será pregado. Em outros termos, não se pode transmitir a palavra de salvação a partir de pressupostos que só existem em uma determinada cultura.

Na maioria dos casos, durante o período de expansão marítima, o Evangelho era pregado em vista de parâmetros culturais existentes na Europa, com costumes, valores e ações próprias das nações europeias que colonizavam as diversas áreas da Ásia, África e das Américas. Assim, o Evangelho, que é universal, assumia feições “europeias”, centradas em costumes e valores culturais próprios

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dos povos que colonizavam as áreas cobertas pelas navegações. Esse quadro se arrastou do século XVI até praticamente o século XIX, não só entre os povos mais distantes, mas também entre áreas já colonizadas, como no caso do Brasil.

Como indica Oliveira (2014, p. 99):

Ao longo das últimas décadas do século XIX e início do século XX, o Brasil recebeu membros de diversas denominações protestantes interessadas em divulgar o Evangelho e suas formas de compreensão do mundo, inaugurando a grande atividade das missões protestantes no Brasil. Os estadunidenses, cada vez mais interessadas na América Latina, como um campo de atuação político, religioso e cultural, foram os grandes evangelizadores do período, seguidos dos ingleses e escoceses.

Esse processo também teve uma forte marca etnocêntrica, principalmente, na marginalização das culturas de matriz africana no país, tais como a religião, os costumes, vestimentas e hábitos. Essa marginalização já ocorria por parte da influência católica existente no Brasil, todavia, por meio de sincretismos e adaptações, as religiões de matriz africana haviam “incorporado” os santos católicos em seus cultos, com os nomes de suas próprias divindades. Por exemplo, a imagem de Nossa Senhora da Conceição recebia o nome de Iemanjá, Santa Bárbara recebe o nome de Iansã, São João é chamado de Xangô, dentre vários outros exemplos. Esse sincretismo se dá exatamente porque os senhores, cristãos, proibiam aos negros o culto às suas divindades, então, eles se valiam das imagens cristãs para seus rituais.

FIGURA 4 – SINCRETISMO ENTRE CRISTIANISMO E RELIGIÕES AFRICANAS NO BRASIL

FONTE: <https://shutr.bz/3uVY7IN>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Como o aumento da evangelização por parte dos reformistas vindos da América do Norte e da Europa, esta marginalização se acentuou, tornando extensiva a todo tipo de culto que tivesse alguma forma de adoração ou veneração às imagens ou símbolos religiosos. Outra questão foi o aumento da tensão entre

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UNIDADE 3 — A TEOLOGIA DA MISSÃO NA CONTEMPORANEIDADE

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católicos e reformistas no Brasil a partir do século XIX. A Igreja Católica gozava de ampla hegemonia nas instituições públicas coloniais e na vida da população brasileira, o que levou a uma forte repressão da pregação das doutrinas reformistas.

O tipo de relação cultural que se tinha era uma relação de discriminação, julgamento e condenação. A pregação do Evangelho era feita a partir de uma noção de que a cultura europeia, ou estadunidense, branca, era superior às demais culturas existentes tanto em regiões da Ásia e África, quanto no Brasil e no restante da América Latina. Essa assertiva nos leva a pensar na segunda questão, será que este processo não significou um etnocentrismo disfarçado? Se pensarmos que houve inúmeras imposições culturais, estranhas à própria mensagem do Evangelho, podemos entender que sim.

Como se pode intuir, é difícil reconhecer que houve diversos tipos de abusos, erros e até mesmo injustiças, perpetrados em nome de uma evangelização que se deixava modelar por paradigmas estranhos à própria mensagem do Evangelho, de amor, de reconhecimento, de respeito, de acolhimento, de remissão dos pecados, não de imposição, julgamento e condenação de costumes.

FIGURA 5 – A MENSAGEM DE AMOR DO EVANGELHO DE CRISTO

FONTE: <https://shutr.bz/3oR3AQ3>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Ao pensarmos em uma transculturalidade nos dias atuais, devemos ter em mente estes aspectos que marcam a mensagem do Evangelho de Cristo. Para isso, é preciso rever os erros do passado e colocá-los a limpo, tanto por parte de católicos quanto de reformistas. Esse movimento é extremamente necessário para se pensar que tipo de transculturalidade é válida para a efetiva pregação do Evangelho.

Não se pode ter, por exemplo, um modelo de transculturalidade vertical, o qual implica em considerar uma cultura melhor que a outra, ou superior à outra. Menos ainda se pode vincular a mensagem do Evangelho a costumes, tradições e valores assumidos por estas culturas tidas como “superiores” ou

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TÓPICO 1 — EVANGELIZAÇÃO NO MUNDO GLOBALIZADO

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mais “civilizadas”. Mais do que repensar os modelos de evangelização, é preciso repensar a forma como as denominações cristãs têm apresentado para o mundo o amor de Cristo, como a mensagem do Evangelho tem sido utilizada para mudar vidas, não apenas para mudar costumes culturais.

2.1 POR UMA TRANSCULTURALIDADE HORIZONTAL

Nossa discussão até aqui nos leva a pensar como deve ser encarada a necessidade de uma transculturalidade horizontal para o processo de evangelização nos dias atuais. Ao revermos os erros e acertos do passado, podemos entender melhor os desafios do presente e do futuro. O processo de globalização, no qual vivemos atualmente, nos faz enxergar o mundo de uma forma mais complexa, mas, ao mesmo tempo, mais responsável, pois percebemos que não existe uma cultura superior ou um modelo político-social hegemônico.

FIGURA 6 – AS CULTURAS INTERAGEM NO MUNDO GLOBALIZADO

FONTE: <https://shutr.bz/3oNsSi8>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Nesse sentido, uma transculturalidade horizontal valoriza os aspectos próprios de cada cultura; a forma como os indivíduos se organizam, estabelecem suas metas de vida, seus costumes, valores e compreensão de mundo. Compreender esses fatores é essencial para se pensar um modelo de evangelização que seja ao mesmo tempo eficaz e transformador, que respeite a autonomia de cada povo e transmita de forma clara a mensagem de amor da mensagem de Jesus Cristo. Assim, abordaremos um breve conceito de “cultura”, para depois pensarmos como uma transculturalidade horizontal é possível.

Sorokin (1968) tem uma interessante descrição de três pilares centrais para se compreender uma organização cultural de um povo:

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UNIDADE 3 — A TEOLOGIA DA MISSÃO NA CONTEMPORANEIDADE

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Mais exatamente definido, o aspecto cultural da interação significativa consiste: (1) na totalidade dos significados, valores e normas possuídos pelos indivíduos e grupos interagentes, e formando a cultura “ideológica” destes; (2) na totalidade das ações-reações significativas, através das quais os significados, valores e normas puros são objetivados, comunicados e socializados, formando a sua cultura “comportamental”; e (3) na totalidade de todos os demais veículos, os objetos e energias materiais e biofísicos através dos quais a sua cultura ideológica se manifesta, se exterioriza, se socializa e se consolida, formando a cultura “material” desses indivíduos e grupos (SOROKIN, 1968, p. 487).

Pensando a partir dessa explanação dada por Sorokin (1968), podemos perceber que ao analisarmos o cerne de uma cultura não vemos apenas as interações políticas, econômicas ou mesmo religiosas. Antes, o que temos é uma intricada malha que se constitui a partir de um elemento valorativo, ou seja, os costumes, valores e princípios aceitos pelos indivíduos, um elemento funcional, no qual os indivíduos agem e reconhecer seu lugar na sociedade a partir dos valores que compartilham. Além disso, é como um elemento concreto, representado pela materialização das ideias, costumes e necessidades dos indivíduos, seja por meio de utensílios, vestimentas, representações artísticas etc.

FIGURA 7 – A CULTURA MATERIAL É UM TRAÇO ESSENCIAL DAS SOCIEDADES

FONTE: <https://shutr.bz/3aDkU2V>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Por esse entendimento, podemos perceber que ao se iniciar um processo de evangelização em uma determinada cultura, o primeiro elemento a ser influenciado é o valorativo ou ideológico, segundo Sorokin (1968). Nesse elemento estão os princípios morais, as normas e as ideias que expressam a visão de mundo do grupo social. A mensagem do Evangelho é antes de mais nada uma verdade de fé, na qual o indivíduo é convencido pelo Espírito Santo e aceita Jesus como seu salvador. Ao passar por esta conversão, o indivíduo revê seus ideais, seus valores, seus objetivos de vida. Obviamente isso não mudará a constituição valorativa de toda a sociedade, mas fará com que este indivíduo questione suas influências sociais e sua postura diante de seu grupo.

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TÓPICO 1 — EVANGELIZAÇÃO NO MUNDO GLOBALIZADO

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A partir desse momento, o segundo passo é a mudança funcional, ou comportamental, quando o indivíduo busca refletir em sua sociedade os valores cristãos que ele assumiu. Isto pode colocá-lo contra seus pares ou servir de testemunho, a questão é que nenhum indivíduo pode ser forçado a mudar sua conduta se não tiver aceitado os princípios que baseiam tal mudança.

Esse é exatamente o ponto no qual gostaríamos de tocar, a saber, que não se pode cometer os erros do passado e querer mudar todos os costumes, valores e hábitos dos indivíduos de uma sociedade para que se adéquem aos valores cristãos. Essa imposição foi feita no passado de forma abrupta em diversas culturas, tendo consequências desastrosas e prejudiciais ao movimento missionário. É preciso, então, perceber que o processo de transculturalidade é mais que estabelecer uma relação de “desafio” às bases culturais da sociedade na qual se está evangelizando. É um processo de interação no qual a mensagem do Evangelho é inserida respeitando as particularidades de cada cultura.

Em um processo de transculturalidade horizontal, a pregação do Evangelho deve seguir os preceitos de convencimento dos indivíduos, valorização dos costumes, respeito pela história e a autonomia dos povos e não agressão aos princípios que eles compartilham. É muito perigoso iniciar um processo de evangelização em uma cultura diversa e estabelecer uma relação de superioridade ou de ataque frontal aos valores, costumes e princípios sociais compartilhados.

Além de não ser eficaz, isso pode criar uma justa aversão à atuação dos missionários e um estado de beligerância e desconfiança com a própria mensagem do Evangelho. Como posto, dificilmente os indivíduos de determinada cultura mudarão seus costumes e valores se não forem convencidos dos princípios que regem estas mudanças, muito menos deixarão para trás seus hábitos, práticas materiais ou expressões artísticas.

Dessa forma, seja uma evangelização transcultural, na qual o missionário vai para outra cultura diferente da sua, seja na evangelização de grupos isolados em sua própria nação, ou ainda grupos urbanos, a questão é sempre partir do princípio de convencimento. Quando vemos o ministério de Jesus Cristo, podemos perceber que este foi seu princípio primordial, levar o pecador a ver seu próprio erro, se arrepender e se converter. Assim, ao empreendermos um processo de evangelização, independente do grupo social ou cultura, o princípio primordial é a pregação da mensagem do Evangelho, sem julgamentos, sem agressões, sem “demonizar” os valores ou costumes de quem recebe a mensagem, mas deixando que o Espírito Santo aja com sua graça irresistível.

Essa discussão é extremamente importante e nos faz pensar sobre como uma missão pode ser eficaz em seu objetivo de levar a mensagem do Evangelho de Cristo, sem julgamentos, limitações ou imposições que não aquelas indicadas por Jesus, “se arrepender, crer no Evangelho e ser batizado”. Buscaremos agora discorrer um pouco sobre a questão da missão inculturada. Vamos lá?

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3 PREGAR O EVANGELHO OU LEVAR UMA DOUTRINA? MISSÃO INCULTURADA

A missão inculturada é uma consequência da boa construção de uma missão transcultural, principalmente, a partir do princípio de horizontalidade, em outros termos, a compreensão de que cada povo, cultura ou nação, tem suas estruturas sociais próprias e a busca de uma franca inserção na vida destas comunidades. A ideia de simplesmente levar uma doutrina nos remete para os erros que apontamos no início do tópico anterior, não se deve ter uma perspectiva de doutrinação no sentido de “adequação”. É extremamente errado querer apontar dogmas e condutas antes de se fundamentar, através da palavra de Deus, o sentido de cada verdade da fé que se expressa tão somente pelo convencimento e pela aceitação da mensagem de Jesus.

Nesse sentido, quando abordamos a questão de se pregar o Evangelho ou se levar uma doutrina, apontamos já para o processo que deve nortear a missão inculturada. Para isso, nos valeremos da discussão que empreendemos no tópico anterior e avançaremos um pouco mais na questão do respeito e da valorização de cada cultura. Primeiro, precisamos compreender o que é “inculturação”, seus pressupostos e objetivos no processo de evangelização de diversas culturas, povos ou mesmo grupos sociais. Depois, analisaremos alguns aspectos da missão inculturada enquanto processo de convencimento pela palavra do Evangelho em seu caráter universal.

O termo inculturação tem uma variedade de significados, assim como o termo transculturalidade, mas, podemos compreender que sua principal concepção é a busca de uma imersão, uma inserção profunda de um indivíduo ou grupo em uma cultura diversa. Nesse sentido, a inculturação é o passo mais demorado em um processo de missão transcultural, no qual o missionário levará considerável tempo para se inserir de forma franca no cotidiano cultural do povo, nação ou grupo social para o qual ele, ou ela, vai.

Quando pensamos em culturas asiáticas, africanas, indígenas ou até mesmo de grupos sociais específicos dentro do contexto urbano, podemos afirmar que existem traços próprios de convívio social, atitudes aceitas ou rechaçadas pelos indivíduos, além da necessidade da criação de uma “empatia” social. Esse último aspecto só é conseguido com tempo e demonstrações de respeito e adaptação em relação aos costumes e valores do grupo social. A empatia social é o reconhecimento que os indivíduos têm de que aquela pessoa que vem de uma cultura diferente passou a fazer parte de sua própria cultura, que ela compreende e respeita os costumes compartilhados por todos.

A inculturação é mais um processo social que religioso, porém, serve de suporte indelével para a atuação propriamente religiosa, uma vez que o tema da religião é extremamente sensível em todas as culturas. Neste sentido, não se trata

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de “adaptar” o Evangelho aos costumes e valores de determinada cultura, mas de “apresentá-lo” de forma compreensível para os indivíduos. Para Ruppenthal (2020, p. 172):

Mas se é necessário remover a “pele” de cultura do Evangelho, o que poderá sobrar dele? Se o Evangelho não deve transportar as pessoas de uma cultura para outra, qual é o propósito cultural do Evangelho? Eis dois grandes problemas!Quanto a essas perguntas, o caminho da inculturação costuma dar a seguinte resposta: o Evangelho não deve tirar alguém de sua cultura, pois não é contrário a qualquer cultura […] Neste sentido, tanto o Evangelho pode encaixar-se em qualquer cultura quanto a presença dele dentro da cultura a plenifica e a realiza: não é apenas uma transformação cultural, mas também uma realização interna da própria cultura.

Essa opinião reforça nossa visão de que a mensagem do Evangelho é universal, primeiro porque tem sua autoridade no sangue de Cristo, segundo porque não precisa da legitimação de nenhuma cultura, tradição ou autoridade humana. Todavia, como também já indicamos, as pessoas que ouvem esta palavra são influenciadas pelo contexto social no qual nascem, vivem e se relacionam.

A inculturação trata exatamente de compreender estas influências e perceber como a mensagem do Evangelho pode ser mais bem compreendida por esse indivíduo que é constituído por influências sociais. Para isso é preciso uma profunda imersão neste contexto social e uma visão clara de que não é pelo processo de imposição de uma doutrina com normas, dogmas e preceitos morais, que se consegue uma conversão verdadeira. Primeiro vem o convencimento, depois o arrependimento, em seguida, a conversão e a mudança de vida. Para Strong (2003 p. 545), sobre essa questão da conversão e arrependimento:

Conversão é a mudança voluntária na mente do pecador, na qual, por um lado, ele dá as costas para o pecado, por outro, se volta para Cristo. Aquele elemento negativo na conversão, a saber, voltar as costas para o pecado, denomina-se arrependimento. Este elemento positivo na conversão, isto é, o encaminhamento para Cristo chamamos fé.

Por esse viés, a pregação do Evangelho é o lançamento de uma semente, a apresentação de uma verdade que só é aceita pelo indivíduo a partir de sua compreensão, de seu convencimento por obra do Espírito Santo. Não faz sentido querer impor uma doutrina sem antes ter o indivíduo se convertido verdadeiramente, se arrependido e avaliado sua própria vida frente à mensagem salvífica de Jesus.

A inculturação não se trata, então, de implantar uma doutrina em uma cultura diversa, muito menos introduzir uma pregação do Evangelho que seja impregnada de valores culturais estranhos à sociedade na qual se está tendo inserção. Se não houver uma empatia social verdadeira, uma vontade de compreender os traços culturais da sociedade na qual se está trabalhando, um respeito aos valores e costumes, o missionário não conseguirá apresentar a mensagem do Evangelho de força que ela seja compreendida pelos indivíduos.

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Um dos maiores missionários que praticou a inculturação foi, sem dúvidas, o apóstolo Paulo, em sua missão de ser o evangelizador dos gentios, ele soube compreender a necessidade de se conhecer e respeitar as particularidades de cada sociedade. No próximo tópico, analisaremos sucintamente este tema.

3.1 PAULO E A INCULTURAÇÃO

Paulo, o “apóstolo dos gentios”, foi um dos grandes missionários da Bíblia, suas viagens missionárias se tornaram referências para a própria evangelização dos séculos posteriores a ele. Toda sua entrega e devoção o levaram aos mais diversos lugares, enfrentando perigos e passando de inúmeras provações, porém, sua capacidade de compreensão das questões culturais o fez ter o que chamamos hoje de inculturação. Ao lermos seus diversos relatos de viagem, podemos perceber como ele sabia compreender os traços culturais e sociais, que constituíam aquela sociedade na qual este estava evangelizando.

Tentaremos então apreender um pouco das lições deixadas por Paulo e buscaremos compreender como ele desenvolveu sua obra missionária e como ela pode nos ajudar hoje a entender um pouco mais sobre a questão da inculturação. Certamente, a época do apóstolo é bem diversa da que vivemos atualmente, com toda a globalização e conexão entre as mais diversas culturas, porém, seus desafios eram maiores no sentido de não contar com um suporte de informações e conhecimentos que temos sobre as diversas culturas do mundo.

Ao pensarmos em um projeto missionário nos dias atuais, a primeira coisa que se pode fazer é pesquisar a fundo todos os traços culturais, sociais, políticos, econômicos e artísticos da sociedade para a qual se direciona o projeto. Para tal, contamos com inúmeras ferramentas, desde livros e artigos, até ferramentas na Internet, documentários etc.

Paulo tinha um amplo conhecimento do “mundo civilizado” de sua época, mesmo assim, as limitações se impunham como mais uma barreira a ser vencida em vista da evangelização, principalmente, dentro de uma perspectiva de inculturação. Claro que não podemos impor uma leitura anacrônica, buscando ver nas viagens de Paulo um paradigma exato para o processo de evangelização e inculturação no mundo de hoje. Devemos observar todas as diferenças e proporções. Entretanto, a base de sua atuação é válida para nossa discussão e tem muito a nos ensinar sobre como a pregação do Evangelho deve ser direcionada por um entendimento de todos os fatores envolvidos, inclusive o cultural.

O texto que talvez melhor nos indique a postura do apóstolo Paulo em sua tarefa de levar o Evangelho à diferentes culturas é o de 1 Coríntios 9, 19-23 (BÍBLIA SAGRADA, 2002), que nos diz o seguinte:

19 Porque, embora seja livre de todos, fiz-me escravo de todos, para ganhar o maior número possível de pessoas. 20 Tornei-me judeu para os judeus, a fim de ganhar os judeus. Para os que estão debaixo da Lei,

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tornei-me como se estivesse sujeito à Lei (embora eu mesmo não esteja debaixo da Lei), a fim de ganhar os que estão debaixo da Lei. 21 Para os que estão sem lei, tornei-me como sem lei (embora não esteja livre da lei de Deus, e sim sob a lei de Cristo), a fim de ganhar os que não têm a Lei. 22 Para com os fracos tornei-me fraco, para ganhar os fracos. Tornei-me tudo para com todos, para de alguma forma salvar alguns. 23 Faço tudo isso por causa do Evangelho, para ser coparticipante dele.

O apóstolo Paulo nos indica qual era sua postura junto às diversas configurações sociais e culturais com as quais ele tinha contato, buscando cumprir sua missão de pregar o Evangelho da melhor forma possível. Para compreendermos este relato paulino, podemos argumentar que ele está indicando sua disposição em entender todos os aspectos culturais e sociais, todos os traços que marcavam os grupos aos quais ele se dirigia. Sua intenção não é indicar que ele assumiu os costumes destes grupos, mas que ele se colocou no lugar deles, buscou compreender a forma com eles viam o mundo, como a mensagem do Evangelho os impactaria.

FIGURA 8 – PAULO ENTRE OS GREGOS

FONTE: <https://shutr.bz/2WXPe4R>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Essa característica do ministério do apóstolo Paulo é central para compreendermos o sucesso de sua pregação entre os gentios, a forma como ele entendia que sua postura devia ser de empatia, não de disputa ou imposição de uma doutrina. Mais que isso, Paulo compreendia que a única forma de levar a palavra de salvação de forma eficaz era apresentando-a de uma maneira que não fosse estranha aos costumes dos indivíduos que a ouvia. No episódio em que ele prega aos gregos, podemos ver toda a maestria de Paulo em saber anunciar o Evangelho a partir das particularidades de cada cultura:

22 Então Paulo levantou-se na reunião do Areópago e disse: “Atenienses! Vejo que em todos os aspectos vocês são muito religiosos, 23 pois, andando pela cidade, observei cuidadosamente seus objetos de culto e encontrei até um altar com esta inscrição: AO DEUS DESCONHECIDO. Ora, o que vocês adoram, apesar de não conhecerem, eu lhes anuncio.

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[…] 28 “Pois nele vivemos, nos movemos e existimos”, como disseram alguns dos poetas de vocês: “Também somos descendência dele”. (Atos 17, 22-23, 28. BÍBLIA SAGRADA, 2002.)

Paulo demonstra sua sensibilidade em observar os costumes, os valores e hábitos dos atenienses, ele está atento ao que é importante para eles, tudo aquilo que faz sentido segundo a cultura deles. Dentre estas observações, Paulo percebe que o tema da religião era caro aos atenienses, sendo este o ponto no qual ele introduziria a mensagem do Evangelho.

Note que ele diz ter andado pela cidade observando cuidadosamente todas as coisas, principalmente, os objetos de culto, conhecendo até mesmo seus poetas. Em momento algum ele começa criticando a idolatria dos gregos ou dizendo que sua doutrina era verdadeira e a dos gregos falsa. Ele introduz seu discurso de forma empática, demonstrando que respeita os costumes dos gregos, mas tem uma mensagem nova para eles, além disso, ele indica que os próprios gregos, sem saberem, já possuem os meios de compreenderem tal mensagem.

Todos esses pontos fazem parte de um processo de inculturação, mesmo que Paulo não tenha ficado por um longo tempo entre os gregos, ele foi capaz de perceber que o melhor caminho era compreender os aspectos culturais. A noção de uma evangelização inculturada está exatamente na perspectiva de se conhecer o contexto cultura, social, político e até econômico da sociedade na qual se está inserindo, buscando compreender a melhor forma de se valer desses aspectos.

O apóstolo Paulo nos deu uma mostra da validade do processo de inculturação, mesmo que ele não tenha gastado muito tempo nas culturas por onde passou, ele soube observar, aprender os costumes e valores, analisar a melhor forma de apresentar o Evangelho de maneira clara e compreensível. Mais ainda, Paulo não buscou apenas doutrinar aqueles que ouviam o Evangelho, mas, sim, apresentar a palavra de salvação de forma franca e clara, este é o melhor caminho ainda hoje.

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Neste tópico, você aprendeu que:

• A globalização significa uma nova configuração das relações entre as diversas culturas, bem como uma maior interação entre valores, costumes e crenças destas mesmas culturas, o que torna a evangelização um desafio ainda maior.

• A mensagem universal do Evangelho deve ser apresentada a todas as nações como uma mensagem isenta de influências culturais, sociais ou políticas, não importando os costumes ou valores, a mensagem de salvação é transcultural, ou seja, não anula nenhuma cultura, mas também não carrega em sua essência o peso de nenhuma tradição.

• A pregação do Evangelho não deve ser apenas um processo de doutrinação ou imposição de valores e condutas morais. Deve ser o anúncio de uma verdade que é compreendida pela fé, que se dirige a cada indivíduo, independentemente de suas influências culturais. Neste sentido, a evangelização inculturada é o processo de compreensão das diversas expressões culturais da sociedade na qual se desenvolve a missão.

• O apóstolo Paulo nos deu vários exemplos de um processo de inculturação, de respeito e compreensão das diversas expressões culturais dos povos nos quais ele evangelizava, valendo-se destas expressões para apresentar o Evangelho de forma clara e direta.

RESUMO DO TÓPICO 1

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1 O termo globalização é muito utilizado atualmente para descrever a interação entre as diversas culturas e a forma como elas desenvolvem seus comércios, vida cultural, costumes e interações. Esta realidade tem impactado também a fé cristã, bem como todas as religiões do mundo, tendo em vista o forte choque de doutrinas e visões de mundo. Sobre estas questões da globalização e as religiões, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O processo de globalização coloca em contato o Cristianismo com várias tradições religiosas, mas isto não significa a necessidade de uma disputa religiosa ou cultural ferrenha.

b) ( ) O processo de globalização, diante das ameaças levadas ao Cristianismo por outras religiões, despertou a necessidade de uma imposição da fé cristã no mundo.

c) ( ) A globalização tem levado o Cristianismo a se tornar uma religião com fortes ligações de sincretismo com outras religiões do mundo, tornando-o mais acessível.

d) ( ) Os desafios postos à fé cristã pelo processo de globalização, dizem respeito mais à questão doutrinária, pois no âmbito econômico ela não é impactada.

2 A transculturalidade sempre foi uma realidade indelével da obra missionária, desde o comissionamento dado por Jesus de ir por todo o mundo pregando o Evangelho. Todavia, o processo de globalização moderna tem ampliado esta realidade. Com base nos aspectos da transculturalidade, analise as sentenças a seguir:

I- A noção de transculturalidade diz respeito à transmissão de costumes próprios de uma cultura para outra, visando aperfeiçoá-la.

II- A transculturalidade precisa ser horizontalizada, construindo uma relação de respeito e interação, não de dominação.

III- A ideia de transculturalidade traz em sua essência a noção de que todas as culturas podem ser modificadas pela mensagem do Evangelho, tornando novas todas as coisas.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.b) ( ) Somente a sentença II está correta.c) ( ) Somente a sentença II está correta.d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 O apóstolo Paulo teve em sua jornada missionária vários desafios relacionados à transculturalidade e à inculturação, principalmente, na compreensão dos costumes, valores e peculiaridades das culturas nas quais

AUTOATIVIDADE

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se inseriu. De acordo com os pressupostos da noção de inculturação no processo de evangelização, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A inculturação é um processo rápido de imersão, interpretação e compreensão dos vários fatores culturais de uma sociedade.

( ) A inculturação é um processo longo, que se inicia com a inserção e imersão ampla em uma cultura, buscando conhecê-la a fundo.

( ) A evangelização transcultural é o início de um processo de inculturação, no qual o missionário vai para uma cultura distinta da sua e busca assimilá-la da melhor forma possível.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.b) ( ) F – V – V.c) ( ) F – V – F.d) ( ) F – F – V.

4 A evangelização de vários povos e culturas no passado apresentou diversos pontos que são hoje vistos como errados e que não devem ser repetidos, principalmente, em vista do respeito às diversidades culturais. Disserte sobre esta questão dos erros cometidos no passado em vista da evangelização de povos asiáticos, africanos e latino-americanos.

5 A pregação do Evangelho em culturas, povos ou grupos étnicos com traços sociais bem específicos exige uma grande sensibilidade por parte do missionário, tendo como premissa que não se deve impor uma doutrina, mas buscar o convencimento, base de uma conversão verdadeira. Neste contexto, disserte sobre os a pregação do Evangelho e a conversão por meio da fé.

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UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Acadêmico, no Tópico 2, abordaremos alguns aspectos referentes à organização político-social e sua relação com o processo de evangelização. Para essa finalidade, buscaremos compreender o que é a questão social, seus desdobramentos na temática dos direitos humanos, da desigualdade social, da pobreza etc. Enfim, a relação da evangelização com todas as mazelas que se vê na atual sociedade desigual, impregnada de injustiças sociais e de desafios. Quando pensamos na contemporaneidade é imprescindível falarmos da complexa malha de relação entre os aspectos sociais, políticos, econômicos e jurídicos que formam a sociedade capitalista na qual vivemos.

A realidade de globalização das sociedades modernas tem aprofundado as diversas contradições sociais, criando bolsões de pobreza cada vez mais acentuados. Pensar em um processo de evangelização neste contexto demanda uma visão mais apurada destes fatores, não se limitando ao âmbito do espiritual, mas pensando em como as pessoas podem ser ajudadas em todas as suas demandas.

Muitos desafios são postos em relação à aceitação das diferenças, a tolerância, o respeito à individualidade e as escolhas de cada um. Certamente que a verdade do Evangelho direciona os indivíduos para uma mudança de vida, para uma reavaliação de seus próprios valores e costumes, mas não se pode partir de um prejulgamento para direcionar a pregação desta verdade. Em outros termos, não se pode ter nenhum tipo de preconceitos ou reservas quanto a grupos sociais, orientações, estereótipos ou coisa do tipo.

O ministério de Jesus é marcado por ações que valorizam aqueles que eram os excluídos, os marginalizados de sua época, o leproso, a prostituta, o cobrador de impostos, a viúva, a mulher com fluxo de sangue, até mesmo os ladrões na cruz, uma vez que todos foram acolhidos por ele. Neste sentido, ao pensarmos em questões sociais de tolerância, de respeito às diferenças, estamos pensando em grupos sociais marginalizados pela sociedade, os mesmos que foram acolhidos por Jesus, pois a mensagem do Evangelho é uma mensagem de transformação, não de “seleção”.

Tendo em mente esta perspectiva, podemos pensar em como buscar uma compreensão da importância dos direitos humanos, principalmente, em vista de um processo de evangelização que respeite as diferenças culturais, sociais, que

TÓPICO 2 —

A TEOLOGIA DA MISSÃO E A QUESTÃO SOCIAL

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UNIDADE 3 — A TEOLOGIA DA MISSÃO NA CONTEMPORANEIDADE

ampare os mais pobres e aqueles que são menos assistidos. Por muito tempo esse tema esteve distante da realidade de pregação do Evangelho, sobretudo, a partir de preconceitos e prejulgamentos que permeavam a sociedade tradicional. Os valores e preceitos de conduta alicerçados na palavra do Evangelho são guiados pela fé, pelo arrependimento e para a regeneração do pecador. Assim, não pode haver um prejulgamento do indivíduo em sua conduta antes que ele tenha a oportunidade de ouvir a palavra de salvação e se decidir.

FIGURA 9 – A CONVERSÃO É UM ATO DE FÉ E ARREPENDIMENTO PESSOAL

FONTE: <https://shutr.bz/3AyngdW>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Para aquele que evangeliza, julgar o pecador por suas condutas antes que ele tenha ouvido a palavra de salvação, é como um médico que julga o paciente por seus sintomas antes de ter lhe dado o remédio adequado. Sendo assim, buscaremos discutir a relação entre a evangelização e os direitos humanos como um exercício de compreensão, de respeito e de ajuda. Vamos começar?

2 A EVANGELIZAÇÃO E OS DIREITOS HUMANOS

Os direitos humanos são uma realidade que foi se construindo por um longo período. Se pensarmos na Antiguidade, veremos que os indivíduos só tinham direitos dentro do convívio social guiado por regras bem rígidas e definidas. As relações entre as sociedades eram desprovidas de princípios compartilhados que permitissem uma noção de indivíduo independente de sua nacionalidade, religião ou cultura. Por exemplo, em uma guerra, a nação vencedora escravizava os vencidos de forma ostensiva, crianças, mulheres, idosos, não havia uma noção de “dignidade humana”, algo que fosse visto como direito de todos os indivíduos.

Dentro das próprias sociedades, os indivíduos eram vistos de formas distintas, principalmente em vista de valores que eram tidos como inatos ou conquistados por merecimento. Entre os gregos, havia aqueles que faziam parte

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TÓPICO 2 — A TEOLOGIA DA MISSÃO E A QUESTÃO SOCIAL

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da elite, aristos (os melhores), só estes podiam participar das decisões das cidades. A noção de democracia que temos hoje não é a mesma que os gregos antigos tinham. Apenas os homens maiores de idade e com posses podiam participar da vida política. As mulheres, os menores de idade, os estrangeiros, os escravos, os pobres, nenhum deles podia ter acesso aos cargos políticos ou a voto na Ágora, praça de discussão.

FIGURA 10 – A DEMOCRACIA GREGA ERA RESTRITA À ALGUNS CIDADÃOS

FONTE: <https://shutr.bz/3uVRKFt>. Acesso em: 12 ago. 2021.

O filósofo grego Aristóteles (1997), em sua obra Política, busca explicar a organização político-social a partir de pressupostos antropológicos e políticos. Segundo ele, há uma divisão natural, justificada pela própria essência dos indivíduos, os escravos têm uma disposição natural, pela constituição de suas almas, para o serviço e para a escravidão, assim como os que possuem cargos de liderança nas cidades possuem uma alma apta para isto. As mulheres devem ser submissas aos seus maridos, assim como os cidadãos devem ser submissos a seus governantes. Este paradigma indicado por Aristóteles dominará por muito tempo a compreensão de sociedade no ocidente.

O termo “democracia” vem do grego demos kratos, que significa governo popular, ou governo do povo, diferente de aristos kratos, governo dos melhores (elite). Não quer dizer governo da maioria , como muito se pensa ser. Na verdade, indica que o governo e constituído por indivíduos de camadas distintas da sociedade.

NOTA

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UNIDADE 3 — A TEOLOGIA DA MISSÃO NA CONTEMPORANEIDADE

Durante a Idade Média não foi muito diferente, as sociedades eram divididas em estratificações que se justificavam por questões tidas como naturais, em alguns casos até divina, como os reis. A nobreza, o Clero, o exército, os artesãos e os camponeses, todos faziam parte de uma sociedade que não tinha nenhum tipo de compreensão sobre direitos que fossem iguais para todos. Esta organização parecia natural e indiscutível, levando a um conformismo por parte dos oprimidos e uma defesa de sua manutenção por parte de quem fazia parte da elite.

A visão medieval de direitos era baseada nesta concepção de mundo. Desde os Pais da Igreja, as leis humanas foram vistas como conspurcadas, insuficientes e falhas diante das leis divinas. Como nos indica Bastit (2010, p. 83): “na linha de agostinho e da doutrina de inúmeros Padres, a lei humana é um mal necessário, consequência da queda, que seria melhor substituir por uma lei natural”.

FIGURA 11 – PARA OS TEÓLOGOS CRISTÃOS AS LEIS HUMANAS DEVEM REFLETIR A LUZ DIVINA

FONTE: <https://shutr.bz/3BuAMAv>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Entretanto, pouca coisa mudou no processo de organização da sociedade durante a Idade Média, o que só veio a mudar durante o início da Modernidade, quando alguns autores passaram a propor teorias sobre a constituição dos direitos como prerrogativas de todos os indivíduos. Tais direitos existem dentro de um acordo mútuo, um “contrato social” no qual os indivíduos entram em comum acordo e estabelecem um governo. É o início das noções de Estado, de direitos de cidadania, de participação política. Autores como John Locke, Thomas Hobbes, Jean-Jacques Rousseau, Immanuel Kant, propuseram teorias que estabeleciam o contrato social como base de qualquer organização político-social. Neste contrato, cada indivíduo gozava dos mesmos direitos, das mesmas liberdades, bem como da mesma possibilidade de participar do poder político. Com exceção de Hobbes, todos propunham que os indivíduos podiam eleger seus governantes e retirá-los do poder, caso este viesse a se tornar tirânico ou não contemplasse as necessidades do povo.

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Como bem observam Watkins e Kramnick (1981, p. 11) sobre a influência do pensamento de Locke, por exemplo: “Locke argumentava que os indivíduos criavam os governos voluntariamente, através de acordos contratuais. O povo consentia em ser governado porque os governos eram necessários para proteger os direitos naturais dos indivíduos à vida, à liberdade e à propriedade”. Tais direitos tinham uma fundação divina, segundo Locke e outros autores, pois todos nasciam iguais, tendo os mesmos direitos divinos de vida, a saber, liberdade e propriedade.

Essa rápida visão de uma história dos direitos dos indivíduos que, obviamente, se estende por muitos outros períodos. Como temos defendido até o momento, para pensarmos uma evangelização transcultural, de inculturação, que respeite a diversidade cultural, política e social em um mundo globalizado, é preciso pensar em um conceito de direitos humanos abrangente.

Se nos lembrarmos do que foi o processo de evangelização dos povos indígenas nos séculos XVI, XVII e XVIII, a evangelização de povos africanos, asiáticos, veremos que os direitos de vários deles não foram respeitados. No Brasil atual, há várias questões postas em discussão sobre os direitos humanos e o combate à discriminação, ao preconceito, ao ataque às tradições dos povos originários, das comunidades quilombolas etc.

FIGURA 12 – OS DIREITOS HUMANOS DEVEM SER GARANTIAS CONTRA A DISCRIMINAÇÃO E O PRECONCEITO

FONTE: <https://shutr.bz/3iNbpCC>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Tais questões devem ser analisadas de forma crítica e abrangente dentro de um projeto missionário a partir de uma visão evangelizadora que respeite os direitos humanos e as particularidades de cada povo ou grupo social. A busca de uma evangelização transcultural que permita uma inculturação franca, proveitosa, passa indelevelmente pela compreensão de todos os fatores envolvidos na discussão que se coloca hoje na sociedade.

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UNIDADE 3 — A TEOLOGIA DA MISSÃO NA CONTEMPORANEIDADE

As comunidades dos povos originários, ou indígenas, possuem suas tradições, seus costumes, sua forma de organização, como já defendemos várias vezes, cujos valores e costumes não devem ser desrespeitados. A mensagem do Evangelho é uma mensagem de convencimento, assim, os povos indígenas podem recebê-la de forma que não agrida suas tradições. A conversão é pessoal, cada indivíduo, convencido pelo Espírito Santo, tem sua experiência de arrependimento e regeneração. Desta forma, a imposição de uma doutrina ou mesmo uma tomada de posição agressiva, por parte do missionário, contra os valores da tradição do grupo social, apenas tornaria a mensagem do Evangelho estranha a todos os indivíduos, criando forte aversão.

Lembremo-nos do exemplo de Paulo entre os gregos, em que há a indicação de que se tornou judeu para evangelizar os judeus, se tornou gentio para evangelizar os gentios. Para evangelizar uma comunidade indígena é preciso se tornar indígena, ou seja, entender a visão de mundo, os valores e princípios que constituem sua sociedade. O mesmo se dá com outros grupos sociais, povos ou comunidades.

Continuando esta análise da relação entre evangelização e direitos humanos, passaremos a contemplar a temática da evangelização e as minorias sociais. Vamos lá?

2.1 A EVANGELIZAÇÃO E AS MINORIAS SOCIAIS

A noção de “minorias sociais” nem sempre condiz com a ideia de uma relação quantitativa, pois vários grupos tidos como minorias são, na verdade, maioria numérica na sociedade brasileira, como é o caso dos negros e pardos. Todavia, quando falamos de minorias, estamos pensando em grupos excluídos, marginalizados ou não atendidos pelo poder público em todas as suas demandas sociais e políticas.

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TÓPICO 2 — A TEOLOGIA DA MISSÃO E A QUESTÃO SOCIAL

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FONTE: <https://shutr.bz/3FAHyHs>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Nessa designação, podemos incluir os povos originários, as comunidades quilombolas descendentes de escravos, os negros, comunidade LGBTQI++, profissionais do sexo, pessoas com deficiência, imigrantes, mulheres etc. São grupos que não contam com todo o suporte que o poder público deve prestar, além de serem discriminados e marginalizados pela sociedade em diversos aspectos, bem como sofrerem violência de diversas formas. Quando pensamos em direitos humanos, devemos pensar na situação destes grupos de forma prioritária, pois são eles que mais sofrem com as injustiças e a falta de suporte e oportunidades.

Como aponta Gomes (2016), os grupos mais afetados são aqueles que menos têm condições de exercer sua cidadania e menos acesso à informação e à concretização de seus direitos. Neste sentido, quando assumimos o compromisso de respeitar os direitos humanos, levar a palavra de salvação de forma integral, é preciso pensar no amparo não só espiritual, mas também social.

Sendo assim, o processo de evangelização não pode ferir as particularidades e os direitos de cada grupo, muito menos pode perpetuar situações de discriminação, preconceito e exclusão. É preciso lembrar a velha máxima: “Deus repreende o pecado, mas ama a pessoa que é prisioneira do pecado”. Se não amasse, não teria enviado seu Filho Unigênito para redimir toda a humanidade, para livrar o oprimido e aquele que se encontra preso pelo pecado. Como nos diz o texto de Lucas 4, 17-19 (BÍBLIA SAGRADA, 2002):

17 Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías. Abriu-o e encontrou o lugar onde está escrito: 18 “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos 19 e proclamar o ano da graça do Senhor”.

FIGURA 13 – AS MINORIAS DEMANDAM POLÍTICAS PÚBLICAS

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UNIDADE 3 — A TEOLOGIA DA MISSÃO NA CONTEMPORANEIDADE

Jesus fez exatamente isso, como indicamos anteriormente. Seu ministério foi voltado para todos aqueles que se encontravam em situação de opressão, tanto pelo pecado quanto pelo desprezo da sociedade. Dessa forma, a palavra de salvação deve ser também um alento e apoio para as pessoas que se encontram em tal situação. As minorias sociais não devem ser vistas como “desajustadas” de uma conduta que se tem como ideal, seja profissional do sexo, seja dependente químico, indígena, homossexual, todos merecem o respeito que é a base da noção de direitos humanos. A pregação do Evangelho a estes grupos é a mais pura expressão da mensagem de redenção, a qual diz que Deus, em sua infinita misericórdia expressa no sacrifício de seu Filho Jesus, pode redimir até o pior dos pecadores.

Todos os grupos sociais possuem alguma forma de interação com a sociedade como um todo, entretanto, muitas vezes, alguns valores que são majoritários são pontos de motivação para a exclusão de indivíduos que não se adéquam. Esses pontos devem ser identificados, trabalhados à luz do Evangelho e vencidos por uma visão de amor e compreensão que só é possível a partir do próprio amor de Deus. Existem várias formas de alcançar os grupos marginalizados com a pregação do Evangelho, nas missões urbanas, as ações de impacto, as diversas pastorais que se ocupam do auxílio e pregação, as ações empreendidas pelas juntas de missões nacionais etc. Tanto por parte da Igreja Católica, quanto por parte de várias denominações reformistas, evangélicas, tais ações são empreendidas de maneira a alcançar os indivíduos que se encontram à margem da sociedade.

Quando nos voltamos para grupos como os povos originários, indígenas, é preciso termos o cuidado de empreendermos uma leitura bem clara dos direitos que cabem a eles. Segundo a Constituição Federal (1988), em seu artigo 231: “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. As tribos indígenas representam uma organização social com toda as suas particularidades, costumes, tradições, crenças e valores, a pregação do Evangelho nestas comunidades não pode ser uma desvirtuação de toda esta tradição.

Em outros termos, não se pode ferir os direitos dos povos indígenas em nome de uma visão de evangelização que se preocupa mais em mudar “costumes” do que mudar “vidas”. Essa é a grande questão ao se propor um projeto de evangelização que tenha como foco os povos indígenas. É preciso observar o quanto isso impactará em seus direitos garantidos pela Constituição.

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TÓPICO 2 — A TEOLOGIA DA MISSÃO E A QUESTÃO SOCIAL

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FONTE: <https://shutr.bz/3FwHUOZ>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Ao tratar de comunidades quilombolas, a preocupação deve ser a mesma. Esses grupos possuem toda uma tradição ancestral que vem do período da escravidão, no qual seus antepassados eram escravizados por senhores “cristãos”. Isso tem um enorme peso histórico e social, pois, por muitos séculos, os negros foram oprimidos pela maioria branca que professava a fé cristã. Certamente, esses são erros do passado que não podem se refletir em ações do presente, por isso, deve haver um respeito em relação às tradições e costumes, levando o Evangelho de forma a não ferir tais aspectos.

Esses temas são extremamente delicados e devem ser tratados com toda a clareza que merecem, porém, é preciso ter em mente que não é “demonizando” ou depreciando os aspectos culturais destes grupos que se terá uma evangelização que reflita o amor de Cristo e sua comissão de ir pregar sua mensagem. Voltaremos agora para a questão da relação entre a evangelização e uma opção pelos pobres.

3 A EVANGELIZAÇÃO E A OPÇÃO PELOS POBRES

A opção pelos pobres não é uma tendência da evangelização moderna, nem mesmo dos processos missionários empreendidos apenas na América Latina. Essa opção pelos pobres começou com o próprio Cristo, como ele indicou diversas vezes, seu ministério teve sempre o caráter de acolhimento dos mais necessitados. O apostolado paulino também foi marcado por este carisma que se desenvolvia entre as classes menos favorecidas, aqueles que eram oprimidos e excluídos pelas sociedades.

FIGURA 14 – OS POVOS INDÍGENAS TÊM SEUS DIREITOS GARANTIDOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

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UNIDADE 3 — A TEOLOGIA DA MISSÃO NA CONTEMPORANEIDADE

Ao abordarmos esse tema, nos deparamos com duas questões centrais. Primeiro, não confundir o aspecto político com o aspecto espiritual, porém, entendendo que eles se relacionam na realidade social, demandando uma abordagem integral. Segundo, não nos aferrarmos em questões de disputas doutrinárias que atrapalham a evangelização e criam um estado de beligerância, não permitindo que se veja as contribuições que podem vir de diversas partes.

FIGURA 15 – NÃO SE DEVE OPOR RELIGIÃO E POLÍTICA

FONTE: <https://shutr.bz/3uWzWtG>. Acessado em 12 ago. 2021.

Tendo como premissa estas duas questões, voltaremos para a discussão sobre os aspectos políticos e espirituais da opção pelos pobres no processo de evangelização. Segundo Guillen (1974, p. 29): “Fé e compromisso político são, portanto, inseparáveis, no entanto, inconfundíveis. Não existem separados um do outro, se relacionam em uma fecunda tensão dialética.”

A partir das décadas de 1960 e 1970, vemos surgir na América Latina um movimento teológico que se volta para a crítica da questão social e as mazelas da sociedade capitalista, tendo como foco principal a situação dos países latino-americanos. A chamada “teologia da libertação” pode ser incluída nas diversas expressões surgidas a partir da crítica à forte pressão causada pelos países “desenvolvidos” sobre os países “subdesenvolvidos” da América Latina.

Autores como Gustavo Gutiérrez, Rubem Alves e Hugo Assmann, debateram, a partir da fé cristã, a necessidade de se voltar para a realidade dos pobres da América Latina. A primeira obra intelectual que marca o início desta discussão pode ser apontada na tese acadêmica de Rubem Alves, à época, pastor presbiteriano, a qual se intitulava como Towards a theology of liberation, de 1969. Logo após, em 1971, há a publicação de Teología de la liberación. Perspectivas, obra do padre católico Gustavo Gutiérrez, a qual se tornou referência para esta linha teológica na América Latina.

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TÓPICO 2 — A TEOLOGIA DA MISSÃO E A QUESTÃO SOCIAL

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FONTE: <https://shutr.bz/3AuJAF7>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Como se vê, a discussão por uma aproximação entre a Teologia e a Política começa tanto entre os reformistas quanto entre os católicos, todavia, serão os teólogos católicos que aprofundarão este tema a partir das chamadas “comunidades eclesiais de base” e as “pastorais sociais”.

Entretanto, podemos afirmar que a construção teórica e prática surgida a partir da discussão proposta pela teologia da libertação não segue uma limitação doutrinária, não inviabilizando sua inserção no debate sobre a situação do povo latino-americano e o processo de evangelização. A grande questão é se voltar para a realidade de miséria e sofrimento que marca a realidade político-social de, praticamente, todos os países da América Latina, entendendo que a fé cristã não precisa estar alheia à tal realidade. Mais que isso, é preciso entender que a mensagem do Evangelho é uma mensagem de transformação, de renovação, que começa na alma, mas deve se estender para todos os âmbitos da vida.

Nesse sentido, ao pensarmos na evangelização e a opção pelos pobres, estamos direcionando a discussão para uma definição do que sejam os aspectos políticos e os aspectos espirituais. A mensagem do Evangelho traz uma verdade de fé, de salvação e renovação, mas os indivíduos que a recebem estão inseridos em uma realidade social, política, cultural.

Falar de esperança e salvação apenas no âmbito espiritual, como se não existisse o âmbito político-social, é como “fraturar” a realidade dos próprios indivíduos. Como nos instrui Assmann (1973, p. 39), “[…] o ponto de partida contextual de uma “teologia da libertação” é a situação histórica de dependência e dominação em que se encontram os povos do terceiro mundo”. Como ele nos indica, esse é o ponto de partida contextual, ou seja, em outros termos, compreender a realidade dos indivíduos que recebem a mensagem do Evangelho, perceber suas necessidades, carências e anseios.

FIGURA 16 – O POVO SOFRIDO DA AMÉRICA LATINA

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UNIDADE 3 — A TEOLOGIA DA MISSÃO NA CONTEMPORANEIDADE

Discutimos anteriormente o erro de vermos todas as culturas a partir de padrões pertencentes apenas a uma cultura, tida como melhor ou dominante. O mesmo pode acontecer quando olhamos para a realidade político-social de grupos oprimidos, tendo como referência apenas nossa própria realidade, ou a realidade de sociedades que apresentam um grau maior de igualdade.

A evangelização em comunidades carentes, em cidades sem desenvolvimento urbano adequado, até mesmo entre grupos sociais urbanos excluídos, como os catadores de material reciclável, pessoas em situação de rua, profissionais do sexo, dependentes químicos e pessoas sem moradia, deve levar em conta o contexto político-social e as necessidades urgentes de cada grupo. Parece-nos muito pertinentes, ainda hoje, as palavras de Jó 30, 24-26 (BÍBLIA SAGRADA, 2002):

24 “A verdade é que ninguém dá a mão ao homem arruinado, quando este, em sua aflição, grita por socorro. 25 Não é certo que chorei por causa dos que passavam dificuldade? E que a minha alma se entristeceu por causa dos pobres? 26 Mesmo assim, quando eu esperava o bem, veio o mal; quando eu procurava luz, vieram trevas.

Trata-se exatamente de compadecer dos pobres, dos oprimidos, dos excluídos, dos que são marginalizados, expropriados e roubados, daqueles que não têm alento, esperança ou sentido de futuro. “Chorar pelos que passam dificuldades” deve ser a primeira tarefa daqueles que empreendem uma evangelização optando pelos pobres, que se lança a levar a palavra de salvação aos que mais precisam de alento e cuidado.

Como indicado, não se trata de confundir teologia e política, fé e disputa social, mas, antes, entender que os indivíduos que ouvem a palavra de salvação são sujeitos “concretos”, com realidades políticas e sociais concretas, as quais impõem desafios e necessidades urgentes, carências profundas e forte sofrimento. Aqueles que não se compadecem dos pobres, ou não são convertidos verdadeiramente, ou nunca ouviram a palavra do Evangelho nem conheceram o ministério de Jesus Cristo na terra. Sendo assim, discutiremos rapidamente alguns aspectos da evangelização em comunidades carentes e centros urbanos.

3.1 EVANGELIZANDO OS POBRES DE NOSSA TERRA

Podemos afirmar que é necessário um olhar de amor e compreensão para entendermos a importância de voltar a atenção para os pobres quando falamos de evangelização, principalmente, nos grandes centros urbanos, nas cidades sem desenvolvimento adequado e nos países pobres, tanto das Américas quanto da África e outras regiões do mundo. São dois âmbitos distintos quando pensamos em missões internacionais, em geral, voltamo-nos para os países dominados pela pobreza pela falta de recursos e por forte repressão política e social, lugares nos quais, em muitos casos, a mensagem do Evangelho de Cristo é proibida ou nunca foi anunciada de forma efetiva.

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TÓPICO 2 — A TEOLOGIA DA MISSÃO E A QUESTÃO SOCIAL

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FONTE: <https://shutr.bz/3BnKch3>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Muitas denominações, reformistas e católicas, empreendem ações humanitárias em países da África, da Ásia, da América Latina e do Leste Europeu, junto a essas ações humanitárias há a pregação do Evangelho, a implantação de igrejas e o auxílio aos mais carentes. Há lugares desafiadores, como os países do Oriente Médio, os quais são dominados por ditaduras político-religiosas e onde não se pode esperar uma discussão sobre direitos humanos ou qualquer outro tipo de debate.

Segundo Batista e Staffen (2012), os missionários internacionais poderiam se encaixar na designação de “sujeitos com direitos internacionais”, uma vez que sofrem graves restrições de direitos e ameaças diretas contra suas vidas e de suas famílias. Todavia, essa realidade ainda está muito longe da ideal, haja vista a longa lista de ataques a missionários cristãos e a pessoas que se converteram ao Cristianismo em países com forte repressão religiosa.

As missões internacionais se voltam, principalmente, para os pobres do mundo, ações que levam, além da palavra de ação, um alento para várias pessoas que vivem em situações deploráveis e subumanas. Entretanto, podemos pensar também nos pobres de nossa terra quando pensamos em missões nacionais ou monoculturais, bem como em missões urbanas e rurais, que estão neste âmbito.

Há várias mazelas sociais e políticas existentes em nossa sociedade, há as comunidades carentes e os grupos sociais excluídos, todos precisam de um suporte que deve vir junto com a evangelização. Dentro das táticas de evangelização de impacto, dentro dos grandes centros urbanos, podemos citar as ações sociais, as oficinas de artes, oficinas de cursos profissionalizantes, os projetos de amparo e tratamento de dependentes químicos, as ações humanitárias junto a grupos específicos como as profissionais do sexo, migrantes, pessoas em situação de rua etc.

FIGURA 17 – ALGUNS PAÍSES FECHADOS NÃO PERMITEM A PREGAÇÃO DO EVANGELHO

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UNIDADE 3 — A TEOLOGIA DA MISSÃO NA CONTEMPORANEIDADE

FIGURA 18 – EVANGELISMO NAS RUAS DAS GRANDES CIDADES

FONTE: <https://shutr.bz/3mIgL3j>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Dentro da perspectiva que indicamos deste o início deste tópico, a opção pelos pobres é mais que um assistencialismo religioso, mais que pregar a palavra de salvação em vista da regeneração espiritual, é preciso também um cuidado com a renovação e restauração social, da dignidade da pessoa humana, dos direitos de cada indivíduo. Para cumprirmos o “ide” de Jesus, não é preciso nos lançarmos apenas nos lugares mais distantes, é preciso também cuidar dos pobres de nossa terra, chorar como Jó que viu os pobres de sua terra e os injustiçados.

Nesse sentido, pensar um processo de evangelização que seja ao mesmo tempo comprometido com a propagação do Evangelho, a palavra de salvação e com o cuidado dos mais necessitados, daqueles que são “invisíveis” para a sociedade como um todo ou são apenas ignorados, discriminados. Esta perspectiva demanda um profundo respeito pelos direitos humanos e uma visão de amor que não se prende a preconceitos, proselitismos ou disputadas doutrinárias, é preciso, então, refletir a essência do ministério de Jesus e sua opção pelos pobres e oprimidos.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• A questão social está presente na sociedade de forma visceral, permeando todos os seus âmbitos, colocando em contraste grupos sociais que se distanciam cada vez mais em vista da desigualdade social.

• O tema dos direitos humanos está muito presente na discussão sobre a evangelização, principalmente, quando nos voltamos para a realidade dos grupos marginalizados e excluídos, os quais demandam um cuidado especial na resolução de suas carências.

• Os direitos humanos dizem respeito a todos os grupos que compõem a realidade político-social de uma sociedade, bem como a cada indivíduo em particular, ou seja, quando pensamos em direitos humanos é preciso ter em mente a “pessoa humana”, mas também seu contexto social, sua realidade de grupo e de tradições culturais.

• A opção pelos pobres na evangelização é um compromisso com o engajamento social e o reconhecimento de que há grupos sociais que demandam um cuidado maior sobre suas fragilidades políticas e sociais. Essa perspectiva não é nova, o ministério de Cristo foi marcado por esta opção pelos pobres e pelo cuidado de suas necessidades.

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1 A chamada globalização é um processo de ampliação das relações entre as diversas culturas e a consequente alavancagem nas relações econômicas, culturais e políticas. Atualmente, o comércio se tornou uma rede internacional completamente conectada, tornando a globalização uma forma de relação de riquezas, porém, de extrema pobreza em alguns lugares. Sobre estas questões da globalização, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O processo de globalização colocou os países pobres mais dependentes dos ricos, aumentando a desigualdade social no mundo inteiro.

b) ( ) O processo de globalização criou uma riqueza global expressa na capacidade de todos os países em gerir suas diferenças sociais.

c) ( ) A chamada globalização não tem relação com a questão social, uma vez que se caracteriza apenas pela revolução tecnológica.

d) ( ) Para muitos autores, a globalização trouxe um aumento na evangelização, pois possibilita a distribuição de renda e o acesso a povos distantes.

2 Os direitos humanos surgem como o desenrolar de um longo período de lutas, conquistas e até mesmo injustiças, as quais suscitaram uma resposta por parte dos indivíduos oprimidos. Neste processo, podemos indicar o início da Modernidade, o qual assistiu à uma grande mudança de paradigma político-social. Com base nas questões relativas à tal mudança, analise as sentenças a seguir:

I- A noção de contrato social foi decisiva para se construir uma relação político-social entre governo e cidadão, promovendo o avanço dos direitos humanos.

II- No início da Modernidade, o filósofo Aristóteles propôs uma teoria democrática que favorecia a noção de cidadão e direitos.

III- As noções de direitos humanos existentes no início da Modernidade são oriundas da produção teórica de Agostinho e dos Pais da Igreja.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.b) ( ) Somente a sentença II está correta.c) ( ) Somente a sentença I está correta.d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 A opção pelos pobres é uma tomada de consciência não só social, mas, também, espiritual e no ministério de Cristo vemos vários exemplos de sua atuação neste sentido. Nos dias atuais, ao se pensar em evangelização no

AUTOATIVIDADE

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mundo globalizado, este tema é extremamente importante. De acordo com aspectos desta discussão, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A noção de opção pelos pobres surge a partir dos movimentos políticos de esquerda e sua aproximação com a Igreja.

( ) A opção pelos pobres é uma noção que leva em consideração a mensagem de integralidade do Evangelho, uma mensagem de salvação e acolhimento dos mais necessitados.

( ) As igrejas reformistas têm extrema aversão à noção de opção pelos pobres na evangelização, pois remete à uma ideia católica da teologia da libertação.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.b) ( ) F – V – F.c) ( ) F – V – V.d) ( ) F – F – V.

4 As missões internacionais também são empreendidas em vista de ações humanitárias, de ajuda aos oprimidos do mundo e às comunidades carentes nos países mais pobres. Entretanto, esta função traz vários riscos para os missionários, principalmente, em países com forte repressão religiosa. Disserte sobre esta questão da situação dos missionários internacionais e a temática dos direitos humanos.

5 A teologia da libertação surge no cenário latino-americano desequilibrado por forte desigualdade social, dependência das grandes potências e necessidade de amparo aos mais pobres. Esta corrente teológica surge como resposta à necessidade de se pensar a relação entre política e teologia. Neste contexto, disserte sobre os primeiros teólogos que iniciaram a teologia da libertação.

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UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Acadêmico, no Tópico 3, abordaremos dois temas extremamente importantes, mas igualmente complexos e até mesmo controversos. O primeiro, a questão do ecumenismo, que é visto por alguns grupos como uma discussão que não contempla algumas denominações reformistas e exclui várias vertentes religiosas, mas também é tido por outros como um movimento em direção a um entendimento religioso mais abrangente. O segundo tema é a discussão sobre a evangelização a partir dos meios de comunicação de massa, tendo em vista que no atual mundo globalizado as informações são transmitidas em tempo real, bem como as comunicações passaram por profundas revoluções no decorrer das últimas décadas.

A chamada “mídia de massa” se tornou um dos principais meios de evangelização de grupos distintos, seja no âmbito local, nacional e até mesmo internacional, por meio de programas televisivos, radiofônicos ou virtuais, através da rede mundial de computadores, a Internet. Entretanto, é preciso compreender os impactos deste tipo de evangelização, suas vantagens e suas principais críticas, uma vez que se pode dizer que é um tipo de evangelização “generalizada” ou “padronizada”. Isto quer dizer que a mensagem do Evangelho é levada de forma padronizada, “adequada” às formas de comunicação dominantes nos meios técnicos da televisão, rádio e Internet.

Entretanto, não se pode dizer que este fenômeno crie uma linearidade nas formas de pregação, ou seja, na forma de transmitir a palavra de salvação, certamente que cada denominação foca em suas doutrinas e particularidades de interpretação. Certo é que este é um campo fértil para os processos de evangelização e tem se agigantado cada vez mais, tornando maior o desafio de se buscar um entendimento entre as diversas denominações. Essa questão toca diretamente no ponto do ecumenismo e na busca de uma aproximação entre as diversas denominações reformistas, católicas e demais vertentes que se identificam como promulgadoras da fé cristã.

Diante dessas questões, nos debruçaremos primeiro sobre o tema das mídias sociais e demais mídias de massa para, em seguida, pensarmos sobre o tema do ecumenismo e da busca de um diálogo profícuo entre as diversas denominações.

TÓPICO 3 —

EVANGELIZAÇÃO, ECUMENISMO E A

REVOLUÇÃO NAS COMUNICAÇÕES

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UNIDADE 3 — A TEOLOGIA DA MISSÃO NA CONTEMPORANEIDADE

2 EVANGELIZAÇÃO DE MASSA E AS MÍDIAS SOCIAIS O termo “cultura de massa”, surgido a partir da chamada Escola de

Frankfurt, na obra de dois de seus principais expoentes, Adorno e Horkheimer, aborda a questão da padronização da arte e da comunicação a partir dos diversos meios técnicos e tecnológicos presentes na moderna sociedade capitalista. Para esses autores, a cultura de massa, ou indústria cultural, voltada para o amplo público, reproduz a própria essência da organização presente nos modos de produção do capitalismo, criando uma padronização que reproduz a si mesma, como segue: “inevitavelmente, cada manifestação da indústria cultural reproduz as pessoas tais como as modelou a indústria em seu todo” (ADORNO; HORKHEIMER, 1991, p. 102).

Tomando em conta a leitura proposta por Adorno e Horkheimer (1991), podemos vislumbrar o que se tornou a comunicação por meios dos vários meios de comunicação modernos, desde o rádio até os streamings de conteúdos na Internet. Esta tendência parece ser irreversível, já que ela faz parte da cultura moderna e dita, praticamente, todas as formas de interação rápida entre as pessoas. A rapidez na comunicação, da troca de informação, na produção de entretenimento e de conteúdos dos mais diversos tipos, desde educacionais até religiosos e acadêmicos.

Essa realidade se tornou também a realidade da evangelização de massa, ou seja, a pregação do Evangelho através de meios de comunicação de amplo alcance de audiência. Como indicamos, o rádio, a televisão e a Internet, são hoje os grandes “campos missionários” para alcançar aquelas pessoas que ainda não aceitaram a fé cristã, ou fazem parte de um grupo de pessoas que se diz ligado a uma denominação, mas não são “praticantes”.

FIGURA 19 – REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA NAS COMUNICAÇÕES

FONTE: <https://shutr.bz/2WXV1aB>. Acesso em: 12 ago. 2021.

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TÓPICO 3 — EVANGELIZAÇÃO, ECUMENISMO E A REVOLUÇÃO NAS COMUNICAÇÕES

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A pregação através de meios de comunicação em massa não é uma novidade, desde o início da “era do rádio”, por volta das décadas de 1920 e 1930, já havia transmissões de cunho religioso nos Estados Unidos da América e em países da Europa. O rádio se tornou o principal meio de comunicação, especialmente, durante e após a Segunda Guerra Mundial.

Os Estados Unidos são, sem dúvidas, o país onde essa modalidade mais se desenvolveu. Quando chega a “era da televisão”, os programas de auditório e de entretenimento tornaram-se uma marca da cultura norte-americana. Os programas evangelísticos começaram já na década de 1950, principalmente, com a participação de pregadores conhecidos e conjuntos musicais, mas o alvo destes programas não eram grupos ainda não evangelizados.

Nas décadas de 1970 e 1980, surgiram os grandes pregadores que alcançavam plateias no mundo todo com seus programas televisivos, podemos citar Jimmy Swaggart, Billy Graham, Rex Humbard, que se tornaram grandes influenciadores mundiais. Certamente que o poder de alcance da televisão era muito maior que o do rádio, não só em quantidade, mas também em diversidade. Além de atingir um público mais diversificado, a televisão oferecia a oportunidade de se valer de imagens, efeitos sonoros, musicais etc.

Ainda hoje, a televisão é o principal meio de comunicação entre as várias denominações e seus fiéis, bem como de propagação do Evangelho de forma geral. Muitas denominações cristãs contam com emissoras próprias de televisão, com uma variada gama de programações, outras são focadas apenas nos programas religiosos, formando assim uma rede bem diversificada de programação. Entretanto, como apontamos acima, a lógica de um “modelo” de produção midiática ainda é dominante, a massificação dos meios de comunicação exige que tal padronização seja seguida. Em vista disso, é muito difícil ver um programa que fuja a um certo tipo de layout, de formato especificamente produzido para o ambiente televisivo.

No entanto, mesmo sendo o meio de comunicação ainda mais popular, a televisão tem perdido espaço para os meios de comunicação “virtuais”, aqueles que se propagam por meio da rede mundial de computadores, a Internet. Falaremos resumidamente sobre este tema.

2.1 “IDE POR TODA A ‘REDE’ PREGANDO O EVANGELHO”

Pode parecer um pouco jocosa a frase do título deste tópico, mas a verdade é que se trata exatamente de adaptar a comissão dada por Jesus para os dias atuais. A ordem de ir por todo o mundo pregando o Evangelho pode ser cumprida, em partes, pelas diversas redes sociais e de conteúdos que dispomos na Internet. Canais como o Youtube, o Facebook, Instagram, Blogs, páginas próprias na Internet, tornaram-se um fértil terreno para a propagação do Evangelho e para a difusão de várias denominações.

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UNIDADE 3 — A TEOLOGIA DA MISSÃO NA CONTEMPORANEIDADE

Quando pensamos em redes sociais, nos vem à mente estes canais que acabamos de citar, porém, podemos afirmar que uma rede só é realmente social quando ela consegue unir um grupo de pessoas em torno de um ideal, gosto ou objetivo incomum. Os diversos grupos existentes no Facebook, as “comunidades”, canais do Youtube e seus milhares, até milhões de seguidores, as páginas pessoais de grandes figuras do “mundo cristão”, desde padres sertanejos até pregadores evangélicos consagrados.

FIGURA 20 – A EVANGELIZAÇÃO PELAS REDES SOCIAIS

FONTE: <https://shutr.bz/3FtsB9U>. Acesso em: 12 ago. 2021.

Toda essa movimentação virtual é hoje o ponto alto de vários projetos que visam levar a palavra do Evangelho para o maior número de pessoas possível, tendo sempre como baliza um modelo midiático muito definido. Esta realidade tem construído um “mundo virtual” à parte do mundo concreto, no qual as pessoas podem acompanhar a prática religiosa de doutrinas diferentes e até de religiões diferentes, sem, no entanto, se comprometer diretamente com alguma delas.

Como nos aponta Santos (2019, p. 98): “as novas tecnologias abrem novas possibilidades para as pessoas religiosas, desligadas das instituições, mas que encontram no ciberespaço uma nova maneira de relacionamento com o transcendental e o divino, sendo suficiente apenas a visitação on-line de espaços sagrados”.

Para conhecer mais sobre o mundo digital, leia a obra Teoria das mídias digitais, de Luís Mauro Sá Martino (2014). Nela, o autor apresenta as principais teorias, conceitos e organização da cibercultura e das mídias digitais como ferramentas de comunicação. Está disponível na Biblioteca Virtual do curso.

DICAS

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Parece-nos importante destacar que esta realidade é ao mesmo tempo benéfica e desafiadora, primeiro porque torna a Internet um espaço aberto, democrático e plural, tem a condição de se tornar um espaço de “encontro ecumênico” e comunhão. Mas, em segundo lugar, é desafiador, pois, exige uma maturidade espiritual, bem como cultural, muito apurada, em outros termos, é preciso ter o cuidado para a Internet não se descambar para um “terreno de guerra santa”, no qual as várias denominações se acusem ou se depreciem.

Em vista disso, é preciso compreender que as redes sociais podem ser uma excelente ferramenta de evangelização, não só para aqueles indivíduos que ainda não tiveram um contato real com a palavra de salvação, quanto para aqueles que já conhecem a mensagem de Cristo, mas de uma forma superficial ou incompleta.

O poder de aglutinação das redes sociais é tão grande que líderes religio-sos se tornam referência para milhões de pessoas. Segundo pesquisa de Ramos e Leal (2019, p. 87), temos os seguintes dados:

Na entrevista chegou-se ao seguinte resultado: 61% dos entrevistados que possuem uma conta no Facebook estão seguindo um ou mais líderes religiosos em seu perfil. […] Sobre o número de pessoas que utilizam a mídia social Youtube apenas 44% o fazem para acompanhar líderes religiosos. […] Embora o Twitter esteja em quarto lugar na posição das redes mais utilizadas pelos entrevistados, em comparação com o terceiro lugar (Instagram) ele possui maior número de pessoas (44%) seguindo líderes religiosos na citada mídia social.

Por esses dados fornecidos por Ramos e Leal (2019), pode-se perceber que a maioria das pessoas que possuem algum tipo de rede social ou acesso à Internet, segue um líder religioso. Claro que isso não quer dizer que todo o conteúdo seja de evangelização e pregação, mas o que fica em destaque é o poder de alcance dos meios virtuais de comunicação.

Todo esse potencial está sendo utilizado para a evangelização, mas deve ser cada vez mais analisado, “civilizado” com normas e práticas que permitam uma franca e eficaz pregação da mensagem de salvação de Cristo Jesus. Nesse tema, a busca de um diálogo entre as diversas denominações e vertentes cristãs é necessário para se construir um ambiente saudável e condizente com a mensagem de amor e compreensão do Evangelho. Sendo assim, voltaremos agora para uma rápida análise da questão do ecumenismo.

3 ECUMENISMO E A TEOLOGIA DA MISSÃO: REVISITANDO A QUESTÃO DA UNICIDADE CRISTÃ

A discussão sobre a unicidade da Igreja de Cristo é um tema que nos leva para o cenário medieval, primeiro com o grande Cisma de 1054 d.C., segundo, com a Reforma Protestante, depois com as diversas denominações que vão surgindo

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na esteira do reformismo iniciado a partir de Martinho Lutero. Entretanto, para discutirmos brevemente o tema do ecumenismo, hoje, é preciso revisitar, mesmo que sucintamente esta questão.

Certamente, não há uma perspectiva de se ter uma “Igreja Cristã Una” nos dias atuais, muito menos uma única doutrina que cubra todo o grande espectro de denominações que professam uma fé em Cristo Jesus. A grande variedade de denominações, vertentes, correntes e seitas, que professam a fé em Jesus como salvador e usam a Bíblia, ou parte dela, como livro sagrado, não estaria disposta a assumir uma única interpretação do Evangelho e das questões teológicas. Entretanto, quando se fala de ecumenismo, não é este o objetivo e seria uma ingenuidade imaginar que uma união de todas as denominações cristãs existentes atualmente seria possível. Pelo menos não até a volta gloriosa de Jesus como noivo de sua Igreja.

A temática do ecumenismo começou a ser tratada, como indicamos, ainda nos primeiros séculos da Igreja Católica, antes do Cisma e durante o período no qual a relação entre Ocidente e Oriente ainda era equilibrada, tanto que os sete primeiros Concílios são chamados de “Concílios Ecumênicos”, pois são aceitos tanto pela Igreja Católica quanto pela Igreja Ortodoxa. O próprio termo “Ecumênico” carrega um sentido de compartilhamento, significando algo como “casa comum” ou “lugar comum que habitamos”, ou seja, a noção de que mesmo com as diferenças os cristãos estão regidos pelos mesmos princípios de verdade fornecidos pelo Evangelho de Cristo.

A grande questão está nas disposições doutrinárias, eclesiásticas e litúrgicas, nas palavras de Barbosa (2000, p. 259):

No debate ecumênico atual, a eclesiologia é certamente o capítulo mais central e problemático, pois inclui questões tão importantes como o sacramento da ordem, o sacerdócio ministerial, a sucessão apostólica, a apostolicidade da Igreja e o primado do Papa. São questões amplíssimas, ou, no dizer de Yves Congar, "monumentais".

São temas extremamente caros para os católicos, mas também, aparentemente, “irreconciliáveis” para os reformistas, tornando assim bastante improvável um consenso sobre eles. Contudo, como apontado, o diálogo ecumênico está pautado na busca de uma relação de comunhão e paz entre as doutrinas que professam a fé cristã.

Essa busca de diálogo e relação mais próxima foi acentuada no fim do século XIX e início século XX, principalmente, após as duas Grandes Guerras Mundiais e a ameaça do chamado “perigo comunista”, que ameaçava não só a Igreja Católica, como outras denominações cristãs em vários países do leste europeu e da Ásia. Já nos fins da Primeira Guerra Mundial, após a queda do czarismo, a Igreja Ortodoxa Russa fez o “Sacro Concílio da Igreja Russa Ortodoxa”, promulgando uma visão de ecumenismo, como nos indica Rousseau (1967, p. 554): “Do seio da tempestade que então lavrava sobre toda a Europa, e em plena

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agitação revolucionária, esse Concílio, pondo a proveito a recuperação de sua liberdade, formou uma seção especial para a união das Igrejas cristãs. Mas tudo, aí!, foi interrompido pelo bolchevismo”.

Os desafios eram enormes para todas as denominações cristãs nas primeiras décadas do século XX, sobretudo, por conta da incerteza que pairava sobre o futuro das nações e da própria configuração de continentes inteiros, como no caso da África e da Ásia, em vista das disputas entre as grandes potências. Nesse período, as principais lideranças viram a necessidade de se buscar uma forma de diálogo e cooperação para que a mensagem cristã continuasse a ser pregada em todos os lugares do mundo. Não apenas católicos e ortodoxos, mas também reformistas foram imbuídos de um espírito de cooperação e busca de diálogo.

Vejamos o que nos informa Gonçalves (2011, p. 36) ao analisar o termo ecumênico no movimento protestante:

Ocupei-me com esse termo grego porque dele deriva o adjetivo “ecumênico”, no seu sentido moderno de disposição à convivência e ao diálogo entre diferentes confissões religiosas, e “ecumenismo”, movimento de aproximação entre as diversas igrejas e religiões. Esse sentido é em parte assumido pelo movimento ecumênico aqui definido como tentativas de união de esforços das igrejas protestantes, em vista à expansão da mensagem cristã, desde fins do século XIX até as primeiras décadas do século XX. Este movimento teria se originado na crença de que as igrejas protestantes seriam portadoras de uma “unidade substancial” (comum) baseada na doutrina e no dever missionário.

A disposição em buscar uma união mais abrangente por parte dos reformistas também refletia a ânsia de se garantir um fortalecimento do Cristianismo no cenário mundial tão dilacerado do início do século XX. Colocando em paralelo as informações cedidas por Gonçalves (2011) e Rousseau (1967), podemos intuir que a busca de um diálogo ecumênico, mais do que apenas garantir um fortalecimento da fé cristã, comportava também a preocupação com a pregação do Evangelho.

Nesse sentido, ao tratarmos de uma teologia da missão a partir do tema do ecumenismo, é preciso ver o aspecto de cooperação contido em potencial neste movimento. Em outros termos, guardadas as devidas proporções, uma visão ecumênica pode contribuir muito para a expansão do Evangelho no mundo, não se atendo às disputas doutrinárias, eclesiásticas ou litúrgicas, mas atendo-se tão somente na urgente necessidade de se estabelecer cada vez mais o reino de Deus na terra.

O diálogo ecumênico tem ocorrido de forma salutar em diversos momentos, em alguns de maneira mais acentua, em outros de maneira menos profícua, mas a questão é que não se pode negar a importância de tal disposição para a busca de comunhão e paz. Como indicado, isso não significa a busca

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de uma visão incomum, a submissão de uma denominação à outra ou, ainda, a imposição de uma visão doutrinária sobre outra. Trata-se de um movimento que estabelece a cooperação e o diálogo com pontos em comum para a ampla comunidade cristã no mundo.

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PROTESTANTISMO E ECUMENISMO

Unisinos

As igrejas protestantes sempre estiveram interessadas no diálogo ecumênico, a ponto de, por exemplo, a Igreja Valdense ter dado a sua contribuição em 1948 para a criação do Conselho Mundial das Igrejas (CMI). O movimento ecumênico, quando se reuniu pela primeira vez em Amsterdam, já havia percebido a consciência das diferenças, em matéria de fé, tradição, cultura nacional, que estão dentro das diferentes denominações cristãs. A informação é de Daniela Di Carlo, publicada por Riforma - Semanário das Igrejas metodistas Evangélicas Batistas e Valdenses na Itália, 15-12-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.

No entanto, na busca comum de Deus tinha a intenção de se identificar como cristão, congregando-se em um caminho de cooperação que depois deu origem à decisão de construir e estabelecer um escritório em Genebra, inaugurado em 1965. É interessante saber como cada uma das igrejas tenha contribuído para a construção da sede do CMI. Enquanto as comunidades mais ricas doaram dinheiro, as mais pobres contribuíram com matérias-primas, como, por exemplo, a madeira africana que reveste as paredes tanto da igreja do CMI como da sala de conferências.

Atualmente existem 349 igrejas das principais tradições protestantes, anglicanas e ortodoxas que aderem ao CMI. A Igreja católica participa como observadora e é membro efetivo de algumas comissões de trabalho. É claro que a intenção do CMI não é de formar uma estrutura “supra igreja”, mas promover o diálogo e a cooperação entre as igrejas-membros. O futuro das igrejas deve ser, portanto, um futuro ecumênico em que não sejam ignoradas as diferenças doutrinárias ou próprias da tradição, mas no qual será dado um peso cada vez maior à capacidade de colaborar na diversidade. No futuro, não deveremos mais nos considerar como igrejas independentes que se encontram, mas como igrejas interdependentes todas ligadas a Cristo.

Em uma visão ecumênica as igrejas também deverão aprender a apresentar um testemunho comum através da diaconia, ou seja, das ações que dão resposta concreta à pregação do Evangelho. Como já foi possível, nestes últimos meses, na colaboração entre católicos e protestantes no projeto dos Corredores humanitários, que está conduzindo em segurança 1000 pessoas provenientes de realidades da guerra, assim será no futuro, usando as forças criativas do testemunho e ação comum.

LEITURA COMPLEMENTAR

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O ecumenismo, já hoje, e ainda mais no futuro, deverá ser capaz de ser uma presença profética no mundo. As pessoas estão procurando palavras de conforto, mas também uma ajuda para serem livres e simultaneamente sujeitos de direito. As igrejas podem se empenhar juntas para proclamar a necessidade de justiça, paz e reconciliação no mundo, com uma atenção particular e mais forte também em relação ao uso que a humanidade faz da mãe terra e de toda a criação.

O ecumenismo deve ser, além disso, pronto para o diálogo inter-religioso. As migrações em massa, que se tornam êxodos em algumas situações, mudaram as cidades europeias e o Cristianismo convive com outras tradições de fé. É preciso então se relacionar com as outras religiões para responder e agir em prol daqueles objetivos compartilhados de justiça, paz e convivência que podem criar um mundo acolhedor para todos e todas.

FONTE: <http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/574590-protestantismo-e-ecumenismo>. Acesso em: 12 ago. 2021.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• Os atuais desafios da evangelização em um mundo globalizado, tendo em vista a transculturalidade e os fundamentos da mensagem cristã.

• A relação entre a evangelização, a partir dos fundamentos teológicos da missão, e a questão social, tendo como foco os aspectos dos direitos humanos e da desigualdade social.

• As relações entre a evangelização, a partir dos fundamentos da teologia da missão, e as revoluções tecnológicas na área das comunicações, tendo em vista o impacto de tais tecnologias na chamada evangelização de massa.

• Os aspectos teológicos envolvidos na questão ecumênica têm suas relações com a evangelização no mundo globalizado

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CHAMADA

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1 Os movimentos, em vista de um ecumenismo entre as vertentes cristãs existentes, têm sido intensificados nas últimas décadas. O objetivo de tal ecumenismo é um diálogo maior, bem como uma melhor cooperação entre as igrejas que se confessam seguidoras do Evangelho de Cristo. Todavia, esta tendência, apesar de ser intensificada atualmente, pode ser vista em outros momentos históricos. Sobre esta questão do ecumenismo, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As primeiras expressões de um ecumenismo cristão estão presentes desde os primeiros séculos da cristandade, estando presentes nos sete primeiros Concílios.

b) ( ) Os primeiros movimentos de ecumenismo surgem ainda na época dos apóstolos, quando os grupos liderados por Paulo e Pedro resolveram se unir.

c) ( ) Pode se afirmar que a busca de um ecumenismo cristão está presente desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

d) ( ) Para os católicos, o ecumenismo surge juntamente com a Reforma Protestante, como forma de diálogo e união das Igrejas Irmãs em Cristo.

2 As mídias sociais são hoje uma realidade muito presente na vida das pessoas, principalmente, daqueles que moram em grandes centros urbanos e têm fácil acesso à Internet e aos meios de comunicação de massa. A religião também tem sido muito afetada pelas diversas mudanças trazidas por esta nova realidade. Com base nesta temática das mídias sociais e da religião, analise as sentenças a seguir:

I- Os líderes religiosos estão afastados das redes e mídias sociais para salvaguardar a idoneidade de suas igrejas.

II- As redes sociais, bem como os meios de comunicação em massa, são excelentes canais para divulgação do Evangelho.

III- O primeiro meio de comunicação em massa, de amplo alcance de audiência, a ser utilizado por líderes religiosos para suas pregações, foi o rádio.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.b) ( ) Somente a sentença II está correta.c) ( ) As sentenças II e III estão corretas.d) ( ) Somente a sentença III está correta.

AUTOATIVIDADE

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3 A realidade político-social da América Latina sempre foi dependente das políticas empreendidas nas potências europeias e norte-americana, entretanto, esta dependência ficou mais acirrada na segunda metade do século XX, influenciando, inclusive, o surgimento de uma nova visão teológica. De acordo com os elementos desta discussão, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A teologia da libertação é uma corrente teológica surgida a partir da década de 1960 e se volta para a relação entre política e teologia.

( ) A opção pelos pobres na evangelização é uma corrente de evangelismo criada na Europa e trazida para a América Latina por missionários reformistas.

( ) Ao assumir a opção pelos pobres no processo de evangelização e cuidado pastoral, a teologia da libertação busca atuar a partir do contexto latino-americano de precariedade social.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.b) ( ) V – F – V.c) ( ) F – V – F.d) ( ) F – F – V.

4 A proposição de direitos que pertençam a todas as pessoas, independentemente de questões raciais, religiosas, políticas, sexuais ou sociais, é uma das bases da noção de direitos humanos. Esta noção está ainda alicerçada em uma noção de dignidade da pessoa humana, ou seja, todo indivíduo tem direitos pelo simples fato de ser humano. Disserte sobre esta questão dos direitos humanos e a evangelização de povos originários.

5 A organização social é bastante complexa na moderna sociedade capitalista, a qual impõe um ritmo intenso de mudanças sociais, políticas e econômicas. Nesta dinâmica mudança social, muito grupos são colocados à margem da sociedade, ou seja, são marginalizados, excluídos. Tais grupos são chamados de minorias sociais, pois têm pouco, ou nenhum, acesso aos níveis mais altos de poder e participação social. Neste contexto, disserte sobre a questão das minorias sociais e a evangelização.

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