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MIRONGA:
EXTERMÍNIO, ESTADO E DIVERSIDADE DOS POVOS DE TERREIROS NA
CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA NOS ANOS 60/70 NO RN.1
Maria Rita de Cassia Oliveira
Doutoranda em Ciências Sociais
CCHLA/UFRN.
Resumo: Ao longo das décadas de 60 e 70 os terreiros de jurema sagrada e umbanda,
ritual afro-ameríndio característicos do Nordeste, sofre severa perseguição policial no Rio
Grande do Norte, no que diz respeito a invasão das casas durante as celebrações religiosas
quanto ao espancamento e tortura dos adeptos. Nesse período, segundo os relatos orais,
surge um grupo de extermínio denominado mão branca, que formado inicialmente, por
membros intolerantes as religiões afro-ameríndias, posteriormente se integraria a polícia
civil e militar e formariam o maior grupo de extermínio do Estado. Passando a executar
não somente “macumbeiros”, mas todo e qualquer “desafeto” dos comandantes do
Estado. Com base nos relatos orais e fontes documentais: registros de prisões, boletins de
ocorrência e centenas prisionais que reconstruímos a relação entre política pública e a
memória dos povos de terreiros de jurema sagrada e umbanda sobre o papel do Estado.
Palavras chaves: Estado, políticas públicas e religião.
1. Essa é uma missão espinhosa2
Quando éramos crianças tínhamos verdadeiro terror da polícia, corríamos para o quintal
da casa da minha avó ao menor sinal de uma patrulha, nos escondíamos sob suas longas
saias e durante as celebrações sempre ficávamos no interior de sua residência. Com o
tempo passei a questionar esse medo absurdo que tínhamos e o porquê de minha avó
sempre nos aconselhar a entrar caso visse a polícia. Ela, em sua enorme paciência nos
dizia um dia vocês vão entender, certo?
Crescemos, nos engajamos em militância política e nas iniciações religiosas, até que
chegou o dia de entender tudo aquilo que ela nos lembrava. Participando das oferendas a
yemanjá em 2011, fomos abordados pela polícia, minha tia já idosa, com extremo
2 Ditado comum aos adeptos da jurema sagrada.
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nervosismo nos dizia: “não digam nada, fiquem quietos”. E eu lhe perguntei: porque? E
ela nos respondeu, com lágrimas nos olhos, porque eles podem nos bater, minha filha,
essa religião é uma missão espinhosa, nem todos entendem. Aquelas palavras me
reportaram a todas as nossas lembranças da minha infância e todo aquele sigilo sobre o
papel da polícia em nossas vidas.
Formada em ciências sociais, com mestrado na área de religião, cultura e política, sabia
das inúmeras experiências negativas correlacionadas aos adeptos das religiões afro-
brasileiras, mas descobri que há ainda muito dessa história para contar, analisar e objetivar
como ciência e religião. Entender, nossos caminhos, sermos sujeitos de nossas próprias
pesquisas, registrar fatos de uma história silenciosa e cruel que compõe a própria história
do Brasil e do rio Grande do Norte.
Quando os anos passam na academia e nos exigem certa “neutralidade”, em especial
quando somos integrantes de um coletivo religioso, é quase num passe de mágica que o
cientista social entra em cena, nessas ocasiões que descrevi acima. Passe a analisar todas
as minhas lembranças e a dialogar com membros do terreiro, o qual faço parte, sobre o
suas memórias relacionadas ao papel da polícia e a insistente recusa dos mesmos em
participar dos espaços de debates políticos sobre as questões referentes as religiões de
matriz africana e indígena. Iniciei minha pesquisa, com entrevistas, catalogação de
documentos policiais, manchetes em jornais, bibliografia e comecei a construção de um
objeto de estudo que mudou para sempre minha percepção sobre estado, política e
religião.
2. Nós e eles, conjuntura política e movimento negro dos povos de terreiros.
A proposta da pesquisa é buscar da formação histórica da política de estado e os povos
de terreiros que permita a compreensão de traumas históricos relacionados a não
participação desses grupos nas esferas de deliberações das políticas públicas voltadas para
os direitos e garantias das religiões afro-brasileiras. Propomos aqui, uma antropologia
reversa, como descreve Benites a partir de Roy Wagner, no sentido que: “o significado
só pode ser pensado em suas relações, em seu contexto, já que os símbolos só adquirem
algum sentido quando relacionados entre si” (BENITES, 118;2006). Para tanto, começo
a minha analise a partir dos significados do que é direito e do que é estabelecido como
papel do estado, da polícia para esses grupos.
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Tendo um histórico de opressão desde que o Brasil se tornou colônia, os povos de terreiros
afro-ameríndios sempre conviveram com a intolerância e a permanência, visto que,
muitos dos que se opõe a religiosidades desses grupos são os que mais procuram e assim
“mantem” viva uma certa necessidade de continuidade, num eterno círculo de
negação/crença. De modo, nunca me despertou a atenção as narrativas sobre os tempos
de perseguição cotidiana sofrida, mesmo sendo pesquisadora das religiões afro-brasileiras
e mestre com dissertação com essa proposta, a questão da ação policial, hoje, percebo e
analiso, sempre esteve subentendida. O que despertou minha percepção, foi com o início
das preposições das políticas públicas para povos de terreiros e as constantes negações
em participar, como adepta me irritava inicialmente, as pessoas não desejarem participar
de espaços deliberativos depois de anos de exclusão das políticas públicas, mas, quando
buscamos dentro do pesquisador nosso lugar no grupo, passei a analisar os inúmeros
porquês dessa negativa e buscar algo que me esclarecesse as ações das pessoas, elas
tinham medo, um medo tão presente, silencioso, quase em sigilo, perceptível pelos
olhares entre si e os gestos corporais.
Estabeleci entre os entrevistados parcerias cognitivas, iniciamos com conversas informais
em grupos, por terreiros, rememorando experiências relacionadas ao estado, o que os
adeptos pensavam sobre o papel do estado, poucas respostas e muitas dúvidas, até que
começamos discutir sobre o que é o estado a partir da minha compreensão e então, muitos
se expressaram como não sendo nada daquilo que eu pensava, então, me falem como é o
estado?
Quase todas as respostas levavam a um definição, é um lugar onde os políticos não nos
querem, agora essa invenção de irmos lá, querem nos proibir, vão é nos prender. Então
surgiu o papel da polícia nos diálogos, porque nos prender? Iniciava desse ponto, o objeto
da minha pesquisa. Todos tinham algo para falar sobre a polícia, em especial, os relatos
se reportavam ao período militar, sempre os diálogos citava os anos 60, 70 e 80, como
havia ocorrido com nossos antepassados e como poderia ocorrer conosco se passássemos
a frequentar espaços públicos.
Percebi que, as constantes narrativas de perseguições e abusos pela polícia se referiam ao
período da ditadura militar no Brasil e de como esse período, marcou a compreensão
sobre estado, política e religião para os terreiros do RN. De como, os entrevistados
mantinham uma comunicação constante sobre os roteiros de ação do grupo mão branca e
como esse grupo agia com os adeptos do culto tanto da jurema quanto da Umbanda nessa
época. Escolhiam dias e horas para celebração, em especial, os meses. Sabiam que o
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grupo mão branca atuava mais durante nos meses de julho e agosto quando se celebram
as oferendas e exú e pomba-gira, são celebrações na maioria das vezes, festivas. Nesse
período, durante três décadas, foram constantes as torturas, invasões, prisões e
encarceramento de pai e mães de santo, assim como surras e “aleijos” as mãos dos ogãs.
Selecionamos 30 entrevistados, a maioria com idade acima de 40 anos que pudesse me
relatar memórias e fatos sobre a ação militar e a relação com os povos de terreiros,
também passei a mapear documentos como jornais, boletins de ocorrência e sentenças de
prisões que se referissem aos adeptos da jurema e da umbanda. Assim como, passei a
aprofunda minhas leituras sobre política e religião. Delimitei essas bases teóricas porque
compreendo que muitos dos fatos estão relacionados a política estabelecida no estado
brasileiro. Visto que, até 1924, os cultos afro-brasileiros se mantinham como crimes “atos
de magia negra, feitiçaria, catimbó” no código penal brasileiro. Sendo modificado, pelo
o Decreto-Lei 1.202 de 1932, durante o estado novo por Getúlio Vargas na nova
constituição brasileira, no qual ficava proibido o embargo sobre o exercício da religião
do candomblé e suas ramificações no Brasil. A partir da edição deste decreto-lei, cultuar
os Òrìsà, mestres e caboclos deixou de ser considerada atividade criminosa. Aos
brasileiros das religiões afro-brasileiros ficaram assegurados os direitos à liberdade de
professarem sua fé.
Mas, infelizmente, não foi bem assim. A repressão e intolerância aos terreiros, em verdade
havia se organizado em tramites de opressão pelo governo vargas. Para o funcionamento
das casas religiosas, realizar as cerimônias religiosas, os dirigentes precisavam pedir
autorização e requerer um alvará de funcionamento na Delegacia de Jogos e Costumes,
criada com o ideário do estado novo de conter vícios e práticas que ferissem a moral
pública, pagando taxas impostas para expedição deste documento, muitos terreiros não
possuíam recursos para obtenção dos alvarás e passaram a atuar na clandestinidade.
Como a política de governo do estado novo mantinha o discurso e sua práxis bem alinhada
com os regimes Nazi-Facistas europeus, Getúlio compartilhava dos ideais de Hitler e
Mussolini. Vargas instaurou no nosso país um pensamento de um povo brasileiro puro:
Católico, branco, rico, só precisando de “ordem”. No governo vargas, com a criação da
delegacia de jogos e costumes, os terreiros de jurema, umbanda e candomblé passaram
pelo maior período de violência institucional já praticado pelo estado brasileiro, eram
destruídos, incendiados e, seus dirigentes presos, torturados e, algumas vezes mortos!
Como consta no diário da Paraíba, a morte de Pai João do Caboclo Tupinambá, que
segundo a jornal se recursou a depor ao chegar na delegacia e lá mesmo se suicidou
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enforcando-se, a matéria ainda diz “reconhecido negro por artes de magia negra,
feitiçaria”. Embora, seus familiares e filhos de santos terem registrados em cartas ao
jornal que essa seria uma atitude impensável pelo religioso, pois era “homem de fé e
temente a deus e a virgem Maria, devoto do sagrado coração de Jesus e Maria, jamais
tiraria a própria vida, o inquérito foi encerrado.
O alvará de nada adiantou, não oferecia nenhum tipo de proteção, os terreiros continuaram
a ser invadidos pela polícia que se tornava cada vez mais violenta. Os praticantes das
religiões afro-brasileiras continuaram a receber ordem de prisão, sofriam as mais diversas
formas de intimidação, a citar como exemplo: autuados eram obrigados a destruir seus
tambores, tinha suas mãos quebradas com cassetetes, surrados e levados a força até a
delegacia, tinham seus pérgis, altares e assentamentos quebrados, imagens estatuetas e/ou
fotografias apreendidas como provas criminais. Os casos são diversos e inúmeras
situações de violências, registradas em todo nordeste. No entanto, me detenho aos
terreiros de jurema sagrada e umbanda no rio grande do norte, porque são os mais antigos,
os candomblés vieram nos anos seguintes, sendo popularizada, posteriormente, feitura no
Estado nos meados da década de 80 e 90.
No Rio Grande do Norte, os alvarás eram expeditos pelo delegado Pessoa de Medeiros,
conhecido como uma pessoa violenta que mantinha informantes sobre os terreiros nas
localidades, sendo o caso mais conhecido de sua atuação o caso da preta Ana Maricó, que
mantinha um terreiro nas rocas, que recursando a ordem de prisão foi surrada chegando
a óbito três dias depois. Hoje, essa entidade atua nos terreiros realizando curas, como
preta Maricó. Segundo, as entrevistas, é nesse período que surge o grupo mão branca,
chamado assim, por fazer alusão como “os que faziam a limpeza” dos inimigos do estado,
ou em alguns relatos por perseguir “aqueles que festem brancos”, no caso, aos adeptos de
terreiros. No entanto, no material analisado sobre o grupos mão branca, não encontrei
registro de quando ou como esse grupo surgiu, nem tão pouco de onde vem a
denominação, mas já existe registro de sua atuação desde 1939, em alguns jornais e
folhetins policiais da capital Natal/RN e em Mossoró/RN sempre ligados a crimes de
torturas e extermínio.
Somente, em 1952, foram denunciadas oficialmente, as ações da polícia contra os povos
de terreiros ao poder legislativo com atuação de Mãe Simplícia de Oxumaré da Bahia.
Essa mãe de santo, tomou conhecimento que o presidente Getúlio Vargas, juntamente
com o governador Régis Pacheco, o senador Assis Chateubriand, o vice-presidente Café
Filho iriam inaugurar o Grande Hotel Caldas do Cipó, no sertão da Bahia. Diante desta
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informação, articulou-se para realizar a recepção para o presidente e sua comitiva, com o
intuito de denunciar os crimes contra os terreiros promovido pela polícia Baiana da época,
assim como em todo Nordeste. Nesta recepção, realizada aos 24 junho de 1952, Mãe
Simplícia conseguiu a esperada conversa com o presidente e denunciou os horrores que
os povos de religiões de matrizes africanas ainda sofriam, reivindicando, assim, os
direitos de liberação dos cultos, tendo acesso ao “falado” decreto por ele sancionado. O
mesmo prontamente a atendeu, mas os crimes continuaram a ocorrer. No entanto,
milhares de cópias do decreto-lei se popularizou pelo Brasil, chegando aos mais diversos
terreiros, o que coibiu em determinados momentos a ação policial, em especial, nas casas
de dirigentes com maior escolaridade.
De forma, que nas décadas de 40 a 60, os povos terreiros se afastarão de todo e qualquer
contato com a política imposta pelo estado. Se mantêm na periferia social, em alguns
momento contribuindo para fuga e esconderijo de procurados políticos e em outros se
isolando cada vez mais para periferias das cidades, em especial, nas capitais. É a partir,
de então, que compreendemos a estruturas físicas, que as casas de terreiros do RN, passam
a erguer, são espaços inteiramente fechados, com pouquíssimas janelas, em fundos de
quintais ou comunidades extremamente pobres, e/ou áreas semi-rurais. As casas próximas
aos centros da capital são retiradas no período da segunda guerra com a chegada dos
americanos a cidade, é nesse período que as derrubadas de barracos se consolidam e
muitos terreiros sobem o morro de mãe Luiza ou se deslocam para os bairros da zona
Oeste, onde já existiam grande número de casas de terreiros e morada consagrada dos
grandes nomes da jurema sagrada do Estado.
As questões religiosas afro-brasileiras pautaram isoladamente, a cena de mobilidade
social das reivindicações de direitos e ações a população negra nas década de 40/50.
Como resposta a constantes pressão popular, o estado novo elege o status da umbanda
como religião verdadeira brasileira, em oposição aos cultos afro-maeríndos, no caso a
jurema sagrada, que passa a sofrer dura repressão e exclusão dos adeptos da umbanda.
Numa tentativa de escapar da perseguição muitos terreiros de jurema sagrada passam a
inserir seus sacerdotes na umbanda. O culto entre jurema sagrada e umbanda se integram
no rio grande do norte, fazendo um junção que predomina até a atualidade.
Nos demais estado do nordeste, ocorre dos cultos da jurema sagrada se isolar da umbanda
e do candomblé, em outros, os sacerdotes passam a se inserir no candomblé, por perceber
que esse adquiri uma maior “estabilidade” social e passam a se intensificar os estudos
acadêmicos sobre o mesmo. De modo, que a maioria das casas passam a reger em dois
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cultos afro-religiosos: candomblé e jurema sagrada, essa última já encorpando a
ritualística da umbanda mantendo apenas as entidades e os orixás passa ao culto de nação.
Esse processo, irá ocorrer de integração entre jurema sagrada e o candomblé se dará
posteriormente, no rio grande do norte, especificamente a partir da década de 70.
Essa interrelação, entre os cultos afro-brasileiros, em muitos aspectos irão gerar um
separatismo entre as casas religiosas, mas não apaziguará a ação policial. As ideias
propostas pelo estado novo se firmaram no estado brasileiro de tal modo, que nas décadas
seguintes passado a ditadura do estado novo, a ditadura seguinte, bem mais repressora,
continuará a oprimir as religiões afro-brasileiras.
Assim, a minha percepção nesse dois anos de pesquisa, que ainda configuro como em
desenvolvimento, a rejeição a participação social dos povos de terreiros é fenômeno
histórico e socialmente construído, a minha tese é: com o aparato policial mantido pelo
estado e a constante perseguição aos povos de terreiros desde o estado novo à abertura
política 1989, se construiu uma mentalidade entre os povos de terreiros que tudo que
poderia vim de ações políticas do estado não poderia ser bom para os adeptos dos cultos
afro-brasileiro.
As ideias propagadas pelo estado novo e reforçadas pelas ditaduras seguintes, foram tão
nocivas aos povos de terreiros que até o final da década de 80, a maioria dos pais e mães
de santos das casas religiosas afro-brasileiras eram analfabetos. Muitos estudos
atribuíram esse dado a pobreza e a exclusão social dos povos afro-brasileiros desde a
colônia, mas mais do que isso, foram os crivos da discriminação religiosas que meus
entrevistados atribuíram a não frequência à escola, embora a oralidade tenha suplantado
a necessidade de outros conhecimentos que além dos terreiros, em todas as entrevistas
foram relatos casos do “desejo de aprender a ler”, mas na escola “todos sabiam que eu
era macumbeiro e/ou de famílias de macumbeiros, e com o tempo eu preferir sair”. Visto
que, no período da ditadura militar brasileira existia um sentimento da vida estudantil,
então porque esse sentimento não envolveu os povos de terreiros? Essa questão, me foi
respondida dessa forma: “a escola não admitia que gente da macumba continuasse sendo
da macumba”.3 Até na atualidade ainda temos o maior número de pessoas não
escolarizadas entre todas as religiões do Brasil.
3 Entrevista de D. Luíza de aganjú.
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Após as décadas de 30, 40 e 50, os povos de terreiros saem de cena pública das questões
políticas propriamente ditas, mas se mantem inseridos através de novas roupagens, talvez
uma forma de proteção, não temos ainda dados suficientes, são inúmeros os militantes
negros que participarão da cena política que pertencem a terreiros e cultos afro-
brasileiros, mas poucas são as propostas inclusas em seus documentos que se referiam a
essa população nas décadas de 60 à 80 ou militantes que assumam publicamente que
pertencem à religiões afro-brasileiras. Nesse período, a pauta das reivindicações políticas
era o combate à discriminação, racismo e da proposição das leis para igualdade racial, o
movimento emergente negro se apropriavam da cultura afro-brasileira, mas pouco a
relacionava aos terreiros e suas causas.
A partir de leituras sobre a formação do movimento negro no Brasil, o que conclui: duas
das questões dos terreiros afastarem-se do movimento negro nas décadas seguintes,
primeira: foi institucionalização do movimento negro seja em partidos, seja em
agremiações, pautadas em correntes teóricas das ciências sociais, em especial, a teoria
marxista e dos pensadores marxistas brasileiros da esquerda emergente que analisa todas
as formas de religião como a alienação do homem, base intelectual que supostamente,
levou ao distanciamento entre movimento negro afro-religioso e movimento negro
nacional. E segundo, a forte influência norte-americana nas reivindicações e plasticidade
das performase de expressão pública, como esclarece BRAGA, (1995).
Conforme Braga (1995), nas décadas de 60 e 70 a juventude brasileira ligada aos
movimentos sociais negros, reforça sua identidade através da música, por meio do Soul
Music e da moda através do estilo Black Power, características do negro dos Estados
Unidos juntamente com o movimento pelos direitos civis em que Martin Luther King
lutava pela igualdade entre negros e brancos. Visando acabar de vez com a falsa teoria da
democracia racial, o movimento negro contra o racismo, constrói seus ideais com o
marxismo, denunciando a hierarquia social baseada na cor. Dessa forma a ideia de
Consciência Negra deixada por esses movimentos está ligada as “lutas por emancipação,
cidadania e afirmação étnico-racial baseada na realidade sócio-histórico-cultural
brasileira”.
O movimento negro nacional busca a identidade política na efervescência dos
movimentos sociais brasileiros em décadas de transformações da sociedade no Brasil,
para tanto, acha necessário despir-se dos rótulos sociais e culturais impregnados pelo
racismo, dentre esses: o de macumbeiro, pobre, analfabeto e da suposta histeria coletiva
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dos cultos, como se denominava na literatura da psicologia e da psiquiatria sobre os
processos mediúnicos dos ritos e adeptos das religiões afro-brasileiras na época em que
se fundamentaram as teorias sobre raça e negritude no Brasil, (BRAGA, 1995).
Esse pensamento intelecto-político das lideranças do movimento negro se torna
perigosamente tão perto do pensamento euro-branco, fomentado pelo governo de Getúlio,
que sempre vislumbrou o terreiro entre o medo e a magia, e assim, o movimento negro
antes fortemente enraizado na base teórica de lutas de classe e a resistência dos terreiros
com a “bandeira” de direitos ao culto e a liberdade religiosa passa a não integrar a “pasta”
de prioridades do movimento negro nacional quando assume a luta por igualdade sócio-
racial.
Sendo exposto, no debate político da igualdade racial e nas teorias sociais, como somente
mais um elemento da africanidade no Brasil e não símbolo de resistência negra à opressão
fruto da predominância racista, da intolerância religiosa e de um estado não laico, gestado
na escravidão, as perseguição por parte do estado, com paramento policial e das igrejas
cristãs aos terreiros passam invisíveis ao olhar dos movimentos sociais brasileiros, se
publicizando no senso comum como uma questão “desviante de conduta pessoal,
primitivismo africano, num processo de resquício da inquisição religiosa mesclado à
postura de evangelização, de ideias positivistas, evolucionistas, nesse contexto, as
religiões afro-brasileiras amargam o silêncio social-político e emergem inúmeros
estudos que sintonizam no senso comum ao invés do afastamento tão defendido pelos
acadêmicos para averiguação dos fatos sociais, desde o período da escravidão talvez as
religiões afro-brasileiras não tenham na sua história um período tão opressor quanto
nas décadas de revoluções do estado brasileiro para abertura democrática, uma das
questões de estado e política mais difíceis e ignoradas em ações de empoderamento até
os dias atuais em um estado democrático e de direitos”, (IANNI,2004.15p)
Segundo Octavio Ianni (2002;179p), a questões dos cultos afro-brasileiro estão ausentes
nas ações e debates das políticas públicas para igualdade racial desde que o movimento
negro optou pelo “quilombismo” nos meados de 1960 a 1980. A tendência quilombista
buscava de uma raiz pura do que é ser negro, o que gerou a exclusão da pauta política
causas dos demais seguimentos negros que “pela força da opressão tiveram que integrar
o mundo branco, mesmo mantendo viva as raízes africanas, visto que, nunca houve uma
mobilização massiva do movimento negro em prol por exemplo, das religiões afro-
brasileira diante do Estado brasileiro, exigindo a laicidade”.
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Outra questão, é o terreiros abraçarem todos os povos brasileiro, independentes de cor,
sendo um universo múltiplo, enquanto o movimento negro estava pautado em questões
de raça e cor. Essa ideia do terreiro “ser o local mais democrático dentro de uma
sociedade conservadora e intolerante, único elo entre opressão e sentimento de
pertencimento e nação” será desenvolvida por Luis Nicolau Parés, em seu livro: “A
formação do candomblé – história e ritual jejê na Bahia” (2008). Um tema que o autor
desenvolve muito bem e que acho ser de extrema relevância é a passagem do que ele
chama “nação étnica” para “nação de terreiro”. O tema trata justamente dessa questão de
múltiplas nacionalidades que têm uma herança em comum e, no caso, um presente
também comum – que é a escravidão, discriminação e exclusão. Com o tempo o termo
nação vai mudando de significado e deixa de designar “indivíduos compartilhando uma
mesma terra de “origem”, ou seja, “o parentesco biológico foi substituído pelo parentesco
do santo”. Então o termo passou a designar uma forma de organização com bases
religiosas-políticas, como hoje, se consagram as diversas matrizes dos terreiros no Brasil.
Para o autor é a identidade do terreiros que mais fortalecerá o ideário brasileiro de um só
povo e construirá o desejo de igualdade racial desde a colônia a após escravatura, visto
que, somos todos iguais quando temos o mesmo opressor e a cor se torna elemento a
parte, o que contraria a pauta do movimento negro, onde a cor é central no debate, o
grupamento por semelhança da condição negra e não sócio-econômica tão comuns aos
terreiros.
Perseguidos pela polícia, ordens religiosas e intolerância social, os povos de terreiros se
isolam em questões internas ao culto construindo barreiras contra a participação direta
enquanto entidade religiosa, também, rompe com as bandeiras propostas pelo movimento
negro, gerando na atualidade um dualidade de questões que colocam cada movimento em
lados opostos, sendo todos das mesmas origens.
3. Vovó não quer casca de coco no terreiro, pra não lembrar dos tempos do
cativeiro.
Na atualidade, em especial na última década, os terreiros afro-brasileiros vem construindo
aos poucos uma identidade enquanto movimento social. Embora, essa construção não se
der nos mesmos parâmetros nas mais diversas regiões brasileiras, é a ação do estado que
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tem possibilitado um novo reencontro com a política e um novo recomeço sobre as
mentalidades sobre o papel do estado e da segurança social.
Essa visibilidade dos terreiros no Governo Lula tem suas origens a partir da década
de 90, explicitamente, 1998, uma pequena parcela dos movimentos negros nacional,
rompe com a tendência “quilombista” dentro do próprio partido dos trabalhadores,
(JACCOUD;2009), e integram os terreiros em suas manifestações públicas e
reivindicações, uma postura seguida por, Pernambuco, alagoas, Ceará e Maranhão, em
especial, a Bahia estabelecendo em suas práticas um forte reconhecimento das
irmandades criadas pelas yálorisas (sacerdotisas) como a irmandade Nossa Senhora da
Boa Morte e senhor dos Martírios nos estudos e debates sobre a emancipação dos negros
no Nordeste. A partir de então, os terreiros entram em cena política reconhecidos como
movimento negro e começam a participar das reivindicações locais de políticas públicas
de igualdade racial, sendo 2006, realizado em Brasília o primeiro encontro nacional de
povos de terreiros no Brasil intitulado “os orixás dança no Planalto Central em célebre
reconhecimento do candomblé pelo presidente da república, como patrimônio imaterial
brasileiro, assinando o tombamento como patrimônio cultural nacional o Candomblé do
engenho velho e o compromisso da casa civil da constituição de um plano nacional de
políticas de reparação para povos de terreiros, um ato histórico na democracia brasileira
em busca de um estado laico.
Nesse encontro nacional, o Rio Grande do Norte foi único estado sem
representação em Brasília, isto porque, seguindo a tendência conservadora o movimento
negro local não integrou as reivindicações locais, conforme orientação nacional, os
terreiros como os demais estados do Nordeste. Os terreiros do Rio Grande do Norte, ainda
temem esses espaços políticos, embora muitos já se integram neles, a maioria dos terreiros
se mantem ausentes dos debates sobre políticas públicas. Os conflitos entre as casas
demonstra que ainda resistem a ideia de um estado de direitos. Os acontecimentos, relatos
sobre violências policiais ainda se mantenham vivos na memória coletiva dos grupos,
novos atores entram em cena e reacendem essa constante sensação de ameaça enraizado
na construção histórica, são evangélicos, parte de grupos policiais e a mídia que a cada
notícia relata invasão e maus tratos aos povos de terreiros os relaciona com as políticas
governamentais, o eleva a desconfiança dos mais idosos e a indignação dos mais jovens
adeptos.
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Embora reconhecidamente pelo movimento negro nacional, que houve conflitos
políticos frutos de mentalidades anteriores no apoio e fortalecimento de povos de
terreiros, e que tais posturas necessitam de reparação na atualidade, há forte resistência
de grupos do movimento negro ao reconhecimento da contribuição dos terreiros na
emancipação do negro Brasil. As consequências de perseguição aos terreiros no rio
grande do norte ainda se mantem viva, pulsante e sendo assim, para aprofundamento da
análise desse trabalho, é uma construção cotidiana de pesquisa e elaboração teórica,
precisamos recontar esses fatos, expor e exorcizar as penúrias dos cativeiros ora colônia
ou da intolerância religiosa, abrir novos caminhos e perspectivas para democracia e a
construção de um estado laico, a fim de contribuir para maiores esclarecimentos políticos
dos processos democráticos do debate da igualdade racial e políticas públicas no Brasil.
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Bibliografia:
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