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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROMOTORIA ELEITORAL DA 21ª ZONA SÃO MATEUS - ES EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA ELEITORAL DA 21ª ZONA ELEITORAL DE SÃO MATEUS Autos da ação cautelar nº 0000252-50.2016.6.08.0021 Procedimento preparatório MPES - Nº 2016.0025.0760-80 O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, por meio do Promotor Eleitoral que a esta subscreve, no uso de suas atribuições legais lhe conferidas pelo art. 127 da Constituição Federal, vem, com fulcro nos art.22 da Lei Complementar nº 64/90, oferecer: AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL Em face de DANIEL SANTANA BARBOSA, brasileiro, solteiro, empresário, residente e domiciliado à Av. Alberto Sartório, nº 200, Bairro Litorâneo, CEP 29932640, São Mateus-ES, nascido aos 10/02/1964, natural de Santos-SP, filho de ODETE SANTANA BARBOSA, portador do CPF n.º 290.080.265-20, candidato a prefeito do Município de São Mateus, e JOSÉ CARLOS DO VALLE ARAÚJO DE BARROS, candidato a vice-prefeito do Município de São Mateus, pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

P R O M O T O R I A E L E I T O R A L D A 2 1 ª Z O N A

S Ã O M A T E U S - E S

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA ELEITORAL DA 21ª ZONA ELEITORAL DE SÃO

MATEUS

Autos da ação cautelar nº 0000252-50.2016.6.08.0021

Procedimento preparatório MPES - Nº 2016.0025.0760-80

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, por meio do Promotor Eleitoral que a esta

subscreve, no uso de suas atribuições legais lhe conferidas pelo art. 127 da Constituição

Federal, vem, com fulcro nos art.22 da Lei Complementar nº 64/90, oferecer:

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL

Em face de DANIEL SANTANA BARBOSA, brasileiro, solteiro, empresário, residente e

domiciliado à Av. Alberto Sartório, nº 200, Bairro Litorâneo, CEP 29932640, São Mateus-ES,

nascido aos 10/02/1964, natural de Santos-SP, filho de ODETE SANTANA BARBOSA, portador do

CPF n.º 290.080.265-20, candidato a prefeito do Município de São Mateus, e JOSÉ CARLOS DO

VALLE ARAÚJO DE BARROS, candidato a vice-prefeito do Município de São Mateus, pelas razões

de fato e de direito a seguir aduzidas.

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DOS FATOS

Da Doação de Água à População por Daniel Santana Barbosa por meio da Liga da Solidariedade.

Conforme restou apurado no Procedimento Preparatório Eleitoral MPES nº

2016.0025.0760-80 (PPE) que dá suporte à presente ação, instaurado a partir de diversas

notícias advindas do Sistema Pardal, bem como através de informações escritas de cidadãos

munícipes que chegaram ao conhecimento deste Órgão de Execução Eleitoral, que o senhor

DANIEL SANTANA BARBOSA praticou abuso de poder econômico, com vistas a desequilibrar a

normalidade e a legitimidade das eleições municipais de 2016, para o cargo de Prefeito de São

Mateus/ES.

Tal como será detalhado a seguir, o abuso de poder econômico foi praticado por meio

de massiva distribuição de água e de caixas d’água à população de São Mateus, com vinculação

da benesse ao candidato representado, desde setembro de 2015 até a efetivação da decisão

cautelar proferida nos autos do processo nº 0000252-50.2016.6.08.0021, que determinou a

suspensão da distribuição de água pela denominada “Liga da Solidariedade”.

Como amplamente sabido por praticamente toda população de São Mateus, a

companhia “Empresa Mineradora Litorânea S/A”1, comumente denominada ÁGUA MINERAL

AÇAÍ, fabricante da “AÇAÍ – Água Mineral Natural”, é de propriedade do Sr. Daniel Santana

Barbosa, tanto que o Requerido é reconhecido nesta urbe exatamente por ser o dono da

mencionada empresa, de tal maneira que seu nome para as urnas nas eleições de 2016 é

“DANIEL DA AÇAÍ”, fazendo alusão à companhia já citada.

Cediço que o Município de São Mateus tem sofrido há longos meses com a presença

elevada de cloreto de sódio na água captada e distribuída a toda sociedade pelo Serviço

Autônomo de Água e Esgoto – SAAE, fazendo com que chegue às torneiras das casas água

imprópria para consumo, tanto que o Ministério Público Estadual, por meio da 2ª Promotoria

de Justiça Cível de São Mateus, ajuizou Ação Civil Pública (0011249-80.2015.8.08.0047)

buscando a tutela jurisdicional a fim de solucionar tal busílis.

1 CNPJ 39.409.198/0001-05

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Segundo restou comprovado no PPE MPES nº 2016.0025.0760-80, entre meados de

setembro e início de outubro de 2015, DANIEL SANTANA BARBOSA, conhecido como “DANIEL

DA AÇAÍ”, valendo-se desse grave problema social, deu início a um sistemático esquema de

abuso de poder econômico com a finalidade de afetar a normalidade e a legitimidade das

eleições para o cargo de Prefeito no ano de 2016.

Deste modo, quando o problema com a salinidade na água do Rio Cricaré teve seu

início em outubro de 2015, o Requerido iniciou a distribuição de água potável à população, de

forma gratuita, sendo, inclusive apelidado de “Barão da Água”.

Com efeito, já em 13/11/2015, o jornal eletrônico “Site Barra”, noticiava que há cerca

de 50 dias o empresário “DANIEL DA AÇAÍ” adquirira três caminhões pipa e começara a

distribuir água nos bairros do município, dando origem à intitulada “Liga da Solidariedade”.

Segundo a reportagem, toda a cidade de São Mateus fora atingida pela distribuição

de água. A matéria jornalística, inclusive, expressamente mencionou que a ação atingira todos

os 57 bairros de São Mateus e afetara mais de 90 mil pessoas, ao distribuir mais de 5 milhões de

litros d’ água.

A magnitude da ação e o número de pessoas afetadas é demonstrada pela própria

reportagem, que exibiu fotografia da multidão que se avolumou para receber a água mineral

distribuída por DANIEL DA AÇAÍ.

Prova disso, é o vídeo disponível na rede mundial de computadores2, no qual, à época,

o próprio Sr. Daniel surge em “entrevista”, às margens da BR101, aparentemente no Bairro

Litorâneo, onde está sediada a empresa do Requerido, e é apresentado pelo “entrevistador”3

como o “organizador da Liga da Solidariedade”, ficando claro durante a gravação do citado vídeo

que, de fato, “DANIEL DA AÇAÍ” é o responsável por distribuir água à população.

Na mencionada “entrevista”, o Sr. Daniel reconheceu a distribuição de água mineral

para todo o município de São Mateus, afirmando:

ENTREVISTADOR: “Amigos, estamos aqui no Litorâneo, com o empresário DANIEL DA AÇAÍ, o organizador da distribuição de água da Liga Solidária, que

2 Pesquisa por “Daniel da Açaí”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=V6hAEPIx3FY. Acesso em 19 de setembro de 2016. 3 Cidadão que filma o Sr. Daniel Santana Barbosa e que lhe dirige a maior parte das perguntas que podem ser constatadas no vídeo cujo endereço eletrônico está acima descrito.

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‘tá’ junto em parceira aí com a gente. Daniel, a população do Litorâneo se revoltou com a atitude do Executivo em fazer um cemitério próximo às suas fontes de água mineral e essa atitude vai prejudicar a sua distribuidora, né?”

(00:01:18)

ENTREVISTADOR: “A mineradora sua abastece Jambeiro e a comunidade litorânea, né?

DANIEL DO AÇAÍ: “É... a comunidade litorânea, Jambeiro... é tudo aqui. A litorânea é abastecida com água mineração Açaí.

ENTREVISTADOR: “...e nessa crise, você sabe dizer quantos bairros foram atendidos?”

DANIEL DO AÇAÍ: “Ah.. Todos os bairros de São Mateus. A gente abasteceu todos os bairros de São Mateus”.

(00:03:05)

DANIEL DA AÇAÍ: “(...) O movimento de doar água pra população não é movimento político, foi solidariedade. Entendeu? Não tem vínculo político nenhum. Ele, sim, tá fazendo política. Ele tá perseguindo, porque uma perseguição dessa ninguém vai aceitar”

ENTREVISTADOR: “Além disso, Daniel, a distribuição hoje, da Liga da Solidariedade foi interrompida por motivo de perseguições contra o movimento”

DANIEL DA AÇAI: “Certo. Foi interrompida, no momento, mas amanhã vai voltar a todo vapor, porque eu não aceito imposição... eu não vou aceitar... o prefeito não manda em mim, nem no povo de São Mateus. A água é minha e do povo de São Mateus”.

Todavia, o que poderia ser tido como ato de altruísmo, revelou, desde o início, o real

propósito de desequilibrar o pleito eleitoral de 2016.

Nesta senda, continuaram a chegar ao conhecimento deste Órgão de Execução

Eleitoral notícias com fotografias e demais meios de prova, relatando que diversos caminhões-

pipa, perfeitamente identificados com as logomarcas da “AÇAÍ – Água Mineral Natural” e “Liga

da Solidariedade”, têm distribuído água à população mateense, sistematicamente, em contínua

alusão ao agora candidato “DANIEL DA AÇAÍ”.

Ocorre que, agora, o Requerido é candidato a prefeito nas eleições que se avizinham e

a doação de quaisquer bens ou serviços, públicos ou privados, afronta a legislação eleitoral.

Portanto, de tudo o que restou apurado, nota-se que o Requerido ao assim agir,

vinculou a distribuição de água mineral à sua candidatura, desequilibrando o pleito e afetando a

normalidade das eleições, retirando dos candidatos que não dispunham do mesmo poderio

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econômico a chance de competir em condições igualdade frente à integralidade da população

de São Mateus que recebeu a água mineral doada.

Por oportuno, calha ponderar que ao fazer a distribuição gratuita de água, utilizando

para tanto, o nome da empresa da qual é o proprietário, resta configurada nítida afronta à

legislação eleitoral de regência. Isto por que, como dito, nos caminhões que distribuem a água

potável consta adesivo da empresa ÁGUA MINERAL AÇAÍ, que prontamente alude ao próprio

DANIEL DA AÇAÍ, vez que a imagem e ideia de um está sempre associada à outra.

Deste modo, é flagrante a tentativa do Representado de ofertar benesse gratuita aos

eleitores munícipes, mas, como tem ciência de que não pode fazê-lo por meio do seu nome, vez

que há impedimento legal para isso, o faz por meio de sua empresa, cuja imagem está quase

que intimamente ligada a ele próprio. É dizer, ao menos neste Município, que a empresa ÁGUA

MINERAL AÇAÍ e DANIEL DA AÇAÍ são a mesma coisa, até mesmo porque o nome utilizado pelo

Requerido é DANIEL DA AÇAÍ, e não “DO AÇAÍ”, onde este último faria menção ao fruto ‘açaí’,

enquanto “da açaí” está claramente relacionado à empresa em testilha.

Nesse contexto, cumpre esclarecer que o nome escolhido por DANIEL para figurar na

urna eletrônica é “DANIEL DA AÇAÍ” e associa sua imagem ao produto fabricado pela Empresa

de Mineração Litorânea S.A., que fabrica a “AÇAÍ – Agua Mineral Natural”, produto este que foi

distribuído em larga escala à população de São Mateus. Dessa forma, fez-se a perfeita

vinculação do nome do candidato representado à benesse por ele concedida.

Não excede consignar que com o fito de melhor instruir o multicitado PPE, o

Representado fora devidamente notificado para comparecimento nesta Promotoria de Justiça

Eleitoral, oportunidade em que suas declarações foram reduzidas a termo, cabendo destaque

os seguintes trechos:

“(...) QUE tem conhecimento da existência de uma instituição denominada

“Liga da Solidariedade”; QUE um dos participantes dessa liga atende pelo

nome de Dilton de Tal; QUE o declarante não pertence à instituição “Liga da

Solidariedade”; QUE não se recorda, neste momento, de mais algum nome de

que figura como membro desta instituição; QUE nunca atuou junto à “Liga da

Solidariedade”; QUE não tem conhecimento onde fica sediada a Liga da

Solidariedade; QUE o declarante não sebe informar se tem alguém que

pertence ou não à instituição Liga da Solidariedade ajudando mesmo que

voluntariamente em sua campanha eleitoral; (...) QUE o declarante esclarece

que nenhum veículo de sua empresa transportou água por ocasião da

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primeira crise hídrica, não emprestando, cedendo, ou alugando veículo com

essa finalidade;” (sem destaque nos originais)

Destarte, conforme se observa do trecho supra colacionado, o Representado, apesar

de já ter sido identificado anteriormente como o organizador da denominada “Liga da

Solidariedade”, afirma que não pertence à liga, organização esta que distribui

sistematicamente a “Açaí - Água Mineral Natural”, produto fabricado pela empresa do Sr. Daniel

Santana Barbosa, e que nunca atuou junto à mencionada organização (rectius, Liga da

Solidariedade).

Da Decisão No Pedido De Tutela De Urgência Em Caráter Antecedente

Ocorre que a negativa do candidato “DANIEL DA AÇAÍ”, de que não teria envolvimento

com a Liga da Solidariedade, inobstante ter sido intitulado por seus aliados como organizador

de tal liga, cai por terra diante da perfunctória análise dos autos da Ação Cautelar nº 0000252-

50.2016.6.08.0021.

Isto porque na mencionada ação, o Ministério Público Eleitoral, por meio da 41ª

Promotoria de Justiça, ajuizou Tutela de Urgência em caráter Antecedente com Pedido de

Liminar, buscando exatamente a cessação imediata da distribuição de água à população, pelo

candidato “DANIEL DA AÇAÍ”, por intermédio da Liga da Solidariedade.

Dessa maneira, em brilhante e acertada decisão, o Juízo Eleitoral da 21ª Zona,

reconheceu por meio de sua prestação jurisdicional a ocorrência do abuso de poder econômico

na espécie, afirmando, inclusive, que os fatos ventilados in casu são graves, e passíveis de

ocasionar o desequilíbrio no pleito eleitoral vindouro, tendo determinado ao Requerido que se

abstivesse imediatamente de efetuar doações de água à população de São Mateus, por meio dos

veículos da Liga da Solidariedade.

Como se não bastasse o posicionamento do Judiciário, identificando a existência de

abuso de poder econômico, o Representado compareceu no Cartório da 21ª Zona Eleitoral e

informou que cumpriu o determinado pelo Juízo na decisão de folha 52/53, isto é, o Sr. Daniel

absteve-se de distribuir água à população de São Mateus, conforme se depreende da Certidão da

serventia à folha 58, documento revestido de fé pública.

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Ora, diante de tal conjuntura pergunta-se: como alguém pode se abster de praticar uma

conduta que houvera afirmado categoricamente que não a estava praticando? Como pode o Sr.

DANIEL DA AÇAÍ parar de distribuir água à população se ele havia dito que não o estava fazendo?

Só há uma resposta, e é a mais óbvia: o Representado cumpriu a determinação judicial de

interromper a distribuição sistemática de água ao povo mateense, por que ele verdadeiramente

estava praticando a conduta que lhe fora atribuída.

Logo, o cumprimento da determinação judicial por parte do Requerido é a prova

inequívoca de sua conduta irregular. Ao informar que cumprira a decisão que determinava que o

candidato em tela se abstivesse de efetuar doações de água à população de São Mateus, é como

se o Sr. Daniel estivesse confessando sua conduta de abuso de poder econômico dizendo “cumpri

a decisão: parei de doar água conforme me foi determinado.”.

O Requerido está visivelmente se aproveitando da fragilidade da população com

relação ao problema da água potável no Município de São Mateus, buscando demonstrar que

ele é a solução para a crise hídrica enfrentada por esta cidade.

Portanto, por meio da presente representação se busca coibir possível prática de

captação ilícita de sufrágio, eventual abuso de poder econômico, e quaisquer outras ações e

atitudes que tenham o condão de desequilibrar o pleito eleitoral.

DO DIREITO

Paulatinamente a sociedade vem mudando sua postura ético-moral, revendo seus

valores, reformulando seus conceitos, precipuamente no que diz respeito à moralidade pública,

não somente dos agentes públicos, mas, também, das figuras públicas.

A ciência do Direito, por seu turno, diante de sua natureza eminentemente social, não

fica alheia a tais mutações.

Com o escopo de resguardar os princípios constitucionais, as leis vêm se tornando

cada vez mais rígidas, reflexo dos anseios populares, e os operadores do direito, por outro lado,

cada vez mais atentos e exigentes no cumprimento de suas funções. Parece, pois, que situação

está melhorando, e basta ter paciência e atenção para vislumbrar os avanços.

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Nessa linha de esperança, otimismo e raciocínio, percebe-se que os fatos descritos

alhures são vedados pela legislação eleitoral. Mas não apenas vedados: são veementemente

censurados e severamente punidos até mesmo com a cassação do registro ou diploma.

No caso em análise, está-se diante de hipótese tanto de abuso de poder econômico,

que se configura quando ocorre doação de bens ou de vantagens a eleitores de forma que essa

ação possa desequilibrar a disputa eleitoral e influenciar no resultado das eleições, afetando a

legitimidade e normalidade das eleições, quanto de possível captação ilícita de sufrágio.

O Direito Eleitoral é permeado por uma série de princípios que norteiam a sua

aplicação prática. Dentre eles, ganha especial relevo a máxima da liberdade do voto. Tal

princípio encontra proteção constitucional, sendo ele a base para os comandos contidos no

aludido § 9º, do art. 14, da Constituição federal de 1988, bem como no citado art. 22, caput,da

Lei Complementar n. 64/1990 e no art. 237 do Código eleitoral.

Como se extrai de tais dispositivos, a prática de abuso de poder econômico é vedada

pelo ordenamento e leva à cassação do registro ou do diploma e à decretação de

inelegibilidade.

Acerca do conceito de abuso de poder, preleciona José Jairo Gomes:

Por abuso de poder, no Direito Eleitoral, compreende-se o mau uso (ou o uso de má-fé) de direito, situação ou posição jurídicas com vistas a se exercer indevida e espúria influência em dada eleição. Para caracterizá-lo, fundamental é a presença de uma conduta em desconformidade com o Direito (que não se limita à lei), podendo ou não haver desnaturamento dos institutos jurídicos envolvidos. No mais das vezes, há a realização de ações ilícitas ou anormais, denotando mau uso de uma situação ou posição jurídicas ou mau uso de bens e recursos detidos pelo agente ou beneficiário ou a eles disponibilizados, isso sempre com o objetivo de se influir indevidamente em determinado pleito eleitoral. (não destacado nos originais)

A jurisprudência do TSE, por sua vez, consolidou os requisitos necessários para a

configuração do abuso de poder econômico, in verbis:

(...) 3. Desse modo, também não se configura o suposto abuso de poder econômico, que exige comprovação da "utilização excessiva, antes ou durante a campanha eleitoral, de recursos materiais ou humanos que representem valor econômico, buscando beneficiar candidato, partido ou coligação, afetando a normalidade e a legitimidade das eleições" (AgRg no

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RCED 580, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 1º.11.2011). 4. Agravo regimental não provido. (Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 167589/ RO. Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. Acórdão de 30/09/2015. Data de publicação no DJe: 27/10/2015)

(...)1. A utilização de recursos patrimoniais em excesso, públicos ou privados, sob poder ou gestão do candidato em seu benefício eleitoral configura o abuso de poder econômico. 2. O significativo valor empregado na campanha eleitoral e a vultosa contratação de veículos e de cabos eleitorais correspondentes à expressiva parcela do eleitorado configuram abuso de poder econômico, sendo inquestionável a potencialidade lesiva da conduta, apta a desequilibrar a disputa entre os candidatos e influir no resultado do pleito. (...) (RESPE Nº 191868, REL. MIN. GILSON DIPP, DE 04.08.2011).

(...) 5. Na espécie, abusa do poder econômico o candidato que despende recursos patrimoniais, públicos ou privados, dos quais detém o controle ou a gestão em contexto revelador de desbordamento ou excesso no emprego desses recursos em seu favorecimento eleitoral. Nesse contexto, o subsídio de contas de água pelo prefeito-candidato, consignado no v. acórdão regional, o qual se consumou com o favorecimento de 472 famílias do município nos 2 (dois) meses anteriores às eleições, e a suspensão do benefício logo após o pleito configura-se abuso de poder econômico com recursos públicos. (...) (RESPE Nº 28581, REL. MIN. FELIX FISCHER, DE 21.08.2008). (...)

1. O abuso de poder econômico concretiza-se com o mau uso de recursos patrimoniais, exorbitando os limites legais, de modo a desequilibrar o pleito em favor dos candidatos beneficiários. (Rel. Min. Arnaldo Versiani, RO 1.472/PE, DJ de 1º.2.2008; Rel. Min. Ayres Britto, RESPE 28.387, DJ de 20.4.2007). (todas as colações sem destaque nos originais)

Assim, afigura-se necessário, para a caracterização do abuso de poder econômico:

i) Utilização excessiva de recursos materiais ou humanos que representem valor econômico;

ii) Antes ou durante a campanha eleitoral; iii) Buscando beneficiar candidato, partido ou

coligação; iv) Com afetação à normalidade e a legitimidade das eleições. Logo, todos esses

requisitos encontram-se presentes caso.

Ora, não há como se negar a utilização excessiva e desproporcional de recursos

materiais para desequilibrar o pleito, seja pela colocação de caminhões, à disposição da

distribuição de água, seja pela grande quantidade de água distribuída.

Quanto ao benefício a candidato, partido ou coligação, basta observar que os

caminhões-pipa levavam, ostensivamente, grandes adesivos da logomarca da empresa “Açaí

Água Mineral” que identifica a empresa do requerido Daniel e a marca do produto vendido –

água mineral –, assim como a nome escolhido para a sua campanha: “Daniel Açaí”. Não há

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dúvidas, pois, que a estampa teve como única finalidade atrelar as doações de água ao

candidato DANIEL DA AÇAÍ.

A afetação da normalidade das eleições também é latente, pois, diante da grave crise

hídrica pela qual padece o município de São Mateus, o eleitorado passou a ser fortemente

influenciado pelo abuso de poder econômico por parte do requerido Daniel Santana.

Em uma situação de alta fragilidade financeira, sem contar adequadamente com um

dos elementos básicos à subsistência humana, a água, os eleitores passaram a enxergar como

um verdadeiro “Messias” qualquer pessoa que, às vésperas do sufrágio, começasse a distribuir

a tão esperada água pelos bairros do município.

Cumpre ressaltar que essa situação se agrava quando, na página do Facebook “Liga da

Solidariedade SM”, onde é divulgada a distribuição da água, são feitas críticas ao Poder Público

local, de modo a fazer com que o eleitor identifique o Requerido chamado de DANIEL DA AÇAÍ

como “o salvador de São Mateus”.

Não há como presumir, nesse caso, que há liberdade de escolha do voto, sequer

mesmo um planejamento ou reflexão sobre as melhores propostas de governo ou competência

para gerir a res pública.

Nesse caso, o abuso do poderio econômico do primeiro Requerido foi evidente, pois

apenas ele poderia distribuir água para o município inteiro. Isso devido à ótima condição

financeira da qual dispõe, bem como por ser proprietário de uma fonte de água mineral e de

uma empresa que explora tal atividade extrativista para comercializar tal produto.

Ademais, in casu, houve claro mau uso de bens e recursos detidos pelo agente, que

não estão à disposição dos outros candidatos. Com toda certeza, estes estão em posição de

desvantagem e a concorrência ao pleito está desequilibrada.

Outrossim, conforme documentado no PPE correspondente, houve distribuição

de água em período próximo ao pleito, atitude esta que é vista pelo Tribunal Superior Eleitoral e

pelos Tribunais Regionais Eleitorais do país como abuso de poder econômico, in verbis:

(...) 3. O abuso de poder econômico ocorre quando determinada candidatura é impulsionada pelos meios econômicos de forma a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a própria legitimidade do pleito. (...) (TSE. Agravo Regimental em recurso Especial Eleitoral - AgR-REspe 60117/SC.

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Relator: Ministra FÁTIMA NANCY ANDRIGHI. Data do julgamento: 06/03/2012. Data da publicação no DJe: 09/04/2012. Grifos nossos.)

(...) 5. Distribuída quantidade expressiva de benesses, em um curto espaço de tempo, com intuito eleitoreiro, é induvidoso que as condutas perpetradas se revestem de gravidade para acarretar desequilíbrio no pleito eleitoral, razão por que também se encontram presentes os requisitos para a caracterização do abuso de poder econômico, sabendo-se que há entendimento do TSE no sentido de que "não há vedação de que os mesmos fatos configurem ao mesmo tempo mais de um ilícito eleitoral, desde que comprovados os pressupostos caracterizadores" (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.º 1820-02.2010.6.00.0000 - GO. Relator Min. Arnaldo Versiani, 08/09/2011). (sem destaque nos originais)

Desse modo, para manter-se a preservação da liberdade do voto e a normalidade das

eleições livres de qualquer influência indevida, devem ser aplicadas as sanções de

inelegibilidade e de cassação do registro de candidatura, pelo período de oito anos, consoante

previsão no art. 22, XIV, da Lei complementar nº 64/1990.

Tais penalidades devem ser aplicadas aos dois requeridos, em razão do litisconsórcio

necessário entre candidato a prefeito e seu vice de chapa, segundo entendimento consolidado

do TSE, já que se trata de ação que visa a cassação do registro.

DOS REQUERIMENTOS

Ex positis, requer o Ministério Público Eleitoral:

a- Sejam os réus notificados para apresentarem defesa no prazo de cinco dias, nos termos

do art. 22, V, da LC nº 64/90, a fim de garantir a observância da celeridade do feito;

b- Seja julgada procedente a presente Ação, para fins de CASSAR O REGISTRO DE

CANDIDATURA DOS REPRESENTADOS, via de consequência declarar a inelegibilidade

dos candidatos em voga, pelo prazo de 8 (oito) anos, nos termos do artigo 22, inciso XIV

da Lei Complementar nº 64/904;

4 XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a

inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de

inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da

cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder

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c- Protesta pela oitiva das testemunhas relacionadas no rol anexo.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais)

Termos em que, pede deferimento.

São Mateus/ES, 23 de setembro de 2016.

econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa

dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação

penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar; (Redação dada pela Lei Complementar nº

135, de 2010)