mimesis - cap 18 - na mansao la mole

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    Col~o EstudosDirigida por J. GuinsburgConselho Editorial: Anatol Rosenfeld (1912 t 973), Anita Novinsky, Augustode Campos, B6ris Schneiderman. Cnrlos Guilberme Mota, Celso Lafer, DanteMoreira Leite, Gila K. Gulnsburg, Haroldo de Campos, u:yla Perrone-Moises,Maria de Lourdes Santos Machado, Modesto Carone Nel lo , Paulo Emi lioSalles Gomes, Regina Schnaiderman, Robert N.V.C. Nicol, Rosa R. Krausz.Sabato Magaldi. Sergio Miceli, Willi Bolle e Zulmira Ribeiro Tavares,

    Equipe de rea1iza~lI.o:Edilora Perspective.

    Erich Auerbach

    MIMESIS

    A representoc:iio do realidadelUI l i te ra ture o c td en ta t

    ~\"~ 10 anos de~ ~ EDITORA PERSPECTIVA~I\~

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    para ca, tem-se a ten~ de imaginar quais teriam sido os efeitos,sobre a lireratura e sobre a sociedade alemas, se Goethe, com suavigorosa sensusl idade, sua mestria da vida, com a ampla l iberdadedo seu olhar, t ivesse dedicado maior interesse e esforco construtivoII moderna estrutura da vida emergente,

    A ftagment~io e a l imitacao no dominio do realismo pe rma -neceram as m e sm a s, ta m be m nos s e u s c o n temp o ra n e os mais jo-vens e nas geracoes imediaras: ate perto do tim do seculo XIX, asobras rna i s impor tantes, que , de alguma forma, t en ta ram confor -mar seriarnente ternas da sociedade conternporanea, perrnanecerarnno ambi to semi fantast ico ou id il ico Oil, pelo rnenos, no estruoambito do local; apresentarn urn quad ro do economico, social epolit ico estarico, Isto vale igualmente para escri tores tao diferentese importantes como Jean Paul, E. T.A. Ho ffmann, JeremiasGotthelf, Adalbert Stifter, Hebbe l , Storm - ate mesmo comFontane 0 realismo social mal penetra em profundidade, e 0rnovirnento politico na obra de Gottfried KeUer e pronunciadarnen-t e suico. Talvez Kleis t ou, mai s ta rde, Buchner , t ives sem podidotrazer uma rnudanca , mas nenhum do s doi s teve oportunidade dese desenvolver Iivremente, e morrerarn muito jovens,

    18. Na Mansao dela Mole

    Julien Sorel. 0 heroi do romance Le Rouge et te Noir, deStendhal (1830), urn jovem ambic ioso e apa ixonado, f il ho de urnpequeno-burgues do Franco Condado, consegue chegar , at raves deurn encadeamento de circunsrancias, do seminario ecles iast ico deBesancon, onde estudava Teologia , a secret ar io de urn grandesenhor, em Paris, 0Marques de La Mole, cuja confianca conquista.Math ilde, a f ilha do Marqu~s . e uma moca de dezenove anos,espiriruosa, mirnada, cheia de fantasia I' r io a lti va que a sua propr iasituao;lIo I' 0seu proprio ambiente cornecam a aborrece-Ia. 0surgimenro da sua paixllo pelo domestiqae do seu pal e umaobra-prima de Stendhal, multo admirada. Urna da s cenas prepara-t or ia s , n a s quais corneca a despertar 0 seu interesse por Julien, e aseguin te, do Cap. 4 do l ivre IV:

    Un marin que ['abbe travaillait avec Julien, dans la biblio-th eq ue d u marquis, a l'eternel proces de Frilair:- Monsieur, dit Julien tout II coup, diner tous II'Sjours avecmadame la marquise. est-ce un de mes devoi rs, ou est -ce une bonte

    que I'on a pour moi?

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    - C'est un honneur insigne! reprit I'abbe, scandalise,jamais M.N ... , l'academicien, qui, depuis quinze ans, fait unecour as sidue, n 'a pu I 'obtenir pour son neveu M. Tanbeau.- C'est pour moi, monsieur, la partie la plus penible demon emploi, je m'ennuyais moins auseminaire. je vois bamerquelquefois jusqu'A mademoiselle de La Mole, qui pou rtant doitetre accoutume AI'arnabili te des amis d e la maison. )'ai peur d em 'endormir. De gr.ce, obtenez-rnoi la permiss ion d' aIler d1ner aquarante sous dans quelque auberge obscure.

    L'abbe, veritable parvenu, etait fort sensible a I 'honneur ded1ner avec un grand se igneur . Pendant qu ' il s"efforcait de fairecomprendre ce sent iment par jul ien, un leger bru it leur f it toumerl a t et e. j uli en vit mademoise lle de L a Mole qui ecoutait. n rougit,El le e ta it venue chercher un l ivre et avait tout entendu ; elle pritque lque conside ra tion pour ju li en . Celui -Ia n 'e st pas ne a genoux,pensa -t -el le , comme ce viei l abbe. Dieul qu' Il es t la id .A diner, julien nosait pas regarder mademoiselle de LaMole , mai s el le eot l abonte de lui adress er la parole. Ce jour -la , onattendait beaucoup de monde, elle I'engagea a rester. ..

    Uma manba em que 0 abade traba lhava com Julien. na b ib lioteca domarques, no eterno processo de Frilair:- S enhor , d ls se Jul ien de repen t e, j an t ar t odo s o s di as c om a senhoramarquess e urn dos meus deveres Oil e l ima bondade que se tern por mim?_ f ': uma grande bonra l- respondeu 0 abade , e scanda lizido . - Nuncao senhor N. .. . o acade rn ico. que , desde hfI quinze anos faz uma corte assldua,pode bter e sse favor para 0 s eu s o b r in h 0,0 senh or Tan b ea u .- "para mim, senhor, a parte mais penosa do rneu emprego, Aborre-cia-me menos no seminar;o. Vejo bocejar ils vezes ate a senhori ta de La Mole,que . no entan to , deve estar acostumada as amabiiidades dos amigos da casa,T enho medo de adorme ce r, Po r f av or , ob te nha -me a p ermi ssao de i r j an t a rpor quarenta centavos num atbergue quatquer,o abade, verdadeiro a"i~iSla. era muito sensfvel a honra de jantar comurn grande senhor, Enquanro se esforcava em tazer compreender este sen ti-men lo a Jul ien, u rn Iigei to ru Ido as fez volta r a cabeca, Julien viu a senhoritade La Mole que escutava, Enrubesceu. Ela bavia vindo buscar urn livre e tinhao u v id Q t ud o; t ev e en tao certa consid era~io par J u lien. ESs e ai mio nasee" dejoelhos. pensou, como 0 vetho abade. Deus. como e feio!DIlran Ie 0 jan ta r, J" l ien n ;io o u s ou 01ha rpa ra a senhori tad e La Mole,mas -e la t ev e a bond ad e de l Il e d ir ij ir a pal av ra Esse di a e spe ra vam mui lagen ie , e e la inc itou -o para que fica sse..

    Esta cena faz par te , como Oidi to , dos sucessos que servemde base e prepararn ur n entrecho amqroso passional e extrema-mente tragico. A sua funr;io e 0 seu valor psi co l6gico nio sersodis cutidos aqui, pois excedem nosso objet ivo, 0 que nes ta cena nosinteressa eo seguinte: seria quase completamente incompreensivelsen!0 conhecimento mais exato e detaihado da sit~tIo polit ica. d aestrati fica~io social e das condi~Oes econOmicas de urn momentohist6r ico muito de6nido, a saber, a Fran,a pouco antes d a Revo-lu~1o de julho, d e acordo com 0 subtltulo do romance (aposto peloeditor): Chroni4ue de 1830. ja 0 n f a d o a mesa e nos wOes desta

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    familia da alta aristocracia, acerca do qual julien se queixa, nlo eurn enfado comum; nilo provern da casua l es tupidez pessoal dosse res humanos que al i se encontram; ha ent re e les tambern algunsa ltamente inst ru idos , e spir it uosos, at e irnpor tanres , eo senhor dacasa e in te ligenre e amavel ; t ra ta -s e, com este enfado, mui to mai sde urn fenorneno polit ico e socio-his torico da epoca da Restauracso,No seculo XVII ou a te no seculo XVIll , os s aloes cor respondenteseram tudo, menos aborrecidos. Mas 0 ensaio empreendido pelogoverno bourbOnico, com meios insufi ci en tes, para reimplanta rcondieoes def in it ivamente superadas e condenadas faz ia tempopelos acon tecimentos. cria nos circulos oficiais e dirig entes dosseus adeptos uma a tmos fe ra de rne ra convencso, de fal ta de libe r-dade e de afeta~ao, contr a a qual 0espirito e a bo a vontade d a spessoas irnplicadas j!ram impotentes. Nesses saloes nlo se devefalar daquilo que interessa a todo mundo, do s problemas polit icos ereligiosos e, consequenrernente, tar npouco da maioria dos temasl ite ra rios da epoca ou do passado i rnedia to ; quando mui to , podem.se r d it as f ra ses ofic ia is. que sao ti lo rnent irosas que urn .homem degosto e de tato prefere evita-las. Que diferen,a com a ousadiaespiritual dos famosos sal6es do seculo XVlll , que, evidenternente,n em sonhavarn com os per igo s que desencadeavarn contra a suapropria existencial Agora conhecem-se os perigos, e a vida edominada pelo temor de que a catas trofe de 1793 se possa repetir.Devido a consciencia que se tern de que nilo rn ais se acreclita nacau sa que se representa, e de que ela seria vencida em qualquerdiscussao publica. prefere-se falar somente do tempo, de rnusica oudos rnexericos da corte; e existe a obrigacao de admitir comoaliados pessoas snobs e corruptas dos circulos da burguesia enrique-cida, as quais , pela desavergonhada baixeza dos seus afl ls e pelo zelopela for tuna mal ganha , acabam por deter iorar comple tamente aatmosfera. Baste isto quanto ao enfado.

    Mas tarnbem a rea~1o de juli en e, rna is absolu tamente, a suap re se n ce , a ss ir n como a do antigo diretor de seminario, 0 AbadePirard, na casa do Marqu~s de La Mole , 56 si lo cornpreensive is apartir da constelacao politico-social do instante hist6rico contempo-ranro . A natureza apaixonada e fantasiosa de jul ien entus ia smou--se, desde muito jovern, pel as grandes id eias da Revo lUl;io e deRousseau . pelos grandes acontecimentos da epoca napoleonica.Desde a sua primeira juventude, nilo sente outra coisa sensorepugnancia e desprezo pela mesquinha hipocrisia e pela corrupcaornent irosa das cl ass es que dominam 0 pais desde a queda deNapoleso. E demasiado fantasioso, demasiado ambicioso e sequiosode dominio , para se sat isfazer com uma exis t~nc ia mediocre no se ioda burguesia. como 0 seu amigo Fouquet Iho propae; a partir daobserva~ilo ~e que urn homern de or igem pequeno-burguesa 56pode atingir uma posi,:1o de dominio atraves da igreja, quaseonipotente , tornou-se de plena consc ienc ia urn hip6cr it a; e 0 seugrande talento assegurar-lhe-ia urna briIhante carreira eclesiistica,

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    se os seus verdadeiros sentirnentos pessoais e politicos, 0caraterimediatamente passional da sua natureza, nio irrornpessern emmementos decisivos, Urn tal instante de autodelacao existe tambemaqui, quando confia ao seu antigo mestre e protetor, 0 AbadePirard, os seus sentimentos no salilo da rnarquesa, pois a liberdadeexpiritual que neles se documenta nilo e concebivel sem umarnistura de altivez espir itual e de sentimento interne de superiori-dade, 0 que nla rica nada bern num jovem clerigo e protegido dacasa. (Neste caso espedfico, a sua sinceridade nilo !he acarretaqualquer dano, pois 0 Abade Pirard e seu amigo, e sobre a casualespreitadora a declaracao de julien causa uma irnpressao total-mente diferente daquela que seria de terner), 0Abade e des ignadoaqui como vrai parvenu, que sabe apreciar altarnente a honra decomer junto a urn grande senhor e Que, portanto, censura adeclaracao de jul ien; para just ificar a censura, Stendhal poderiatambem ter aduzido 0 fa to de Que a subrnissao isenta de cri tica aomal desre mundo, ou plena consciencia de que se trata do mal, euma ati tude t lpica dos jansenistas severos ; eo Abade Pirard e urnjansenista. Sabemos , das partes anterior es do romance que, comodire to r do serninario de Besancon , teve de suportar mui tas perse-guicoes e arbitrariedades, devido il.sua posicao de jansenista e il.suadevocao severa, inacessivel a qualquer intriga, pois 0 clero da suaprovincia estava sob a influencia dos iesuitas . Por ocasi llo de urnprocesso que 0 seu poderoso rival, vigario-geral do bispo, Abadede Frilair, movia contra 0 Marques de La Mole , este ultimo teve aopor tunidade de ganhar para s i, como seu homem de confianca, 0Abade Pirard, tendo assim podido apreciar a sua inteligencia eretidao. De tal forma, finalmente, para livra-lo da sua insustentavelsituacao em Besancon, 0 marques conseguiu para 0 padre umapar6quia em Paris e, pouco mais tarde, aco!heu em sua casatarobem 0 discipulo prefcrido do Abade , julien Sorel, como secre-tario particular.. Os caracteres, as atitudes e as relacoes das personagensatuantes esrso, portanto, estreitarnente Iigados il.scircunstancias dah istoria da epoca, As suas condicoes po li ticas e socia is da hist6riacontemporanea estao enredadas na a(ao de uma forma tllo exata er eal, como jarnais ocorr era anreriormeme em nenhum romance,a lias em nenhuma obra l iteraria em geral, a ni lo ser naquelas que seapresentavam como escritos politicos-satlricos propriamente ditos.o fato de encaixar de forma tilo fundamental e conseqaente aexistencia tragicarnente concebida de urn ser humano de tilo baixaextracso social, como aqui a de julien Sorel, na mais concretahistoria da epoca, e de desenvolve-la a partir dela, constitui urn

    fenomeno total mente novo e extremamente importante. Com amesma precisao com Que acontece com a rnansao de L a Mole,rambern os ou tros cir culos vi ta is , nos quais jul ien Sorel se rnov i-menta - a familia do seu pai, a casa do burgomest re M. de Renalem Varrieres, 0 serninario de Besancon - , esrso detecminados

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    sociologicameme segundo 0momento historico; e nenhuma perso-nagem secundaria, como, por exemplo, 0ve!ho Chelan ou 0diretordo dep(Jt de mendicit, Valenod, seria concebivel, da forma comosao apresentados aqui, fora da situatllo hist6rica especif ica de epocada Restauracao. A mesma fundarnentacao na historia conternpora-nea encontra-se tambern nos demais romances de Stendhal: aindairnperfeita e limitada a urn quadro demasiado estreito, em Annance,mas completarnente desenvo lvida nas obras pos terior es, tanto naChartreuse de Parme que, evidentemente, apresenta urn cenarioainda pouco atingido pela evolucso modema, de tal forma. que 0livro i l . s vezes produz 0efeito de urn romance hist6r ico, quanta emLucien Leutoen, urn romance da epoca de Luis Filipe, que Stendhaldeixou inacabado. Na forma em que este ultimo se nos apresenta, 0clemento conternporaneo-po li tico prepondera ate demais, nemsempre se integra no andamento da atllo e e apresentado, emrelacao ao tema principal . demasiado rninuciosamente. Talvez nareelaboracao definitiva Stendhal tivesse atingido uma articulacao-orgsnica do conjunto. Finalmente, tarnbern os escritos autobiogra-ficos, apesar do "egot ismo" capr ichoso e erra tico da sua pos i,i Ioestilisrica, estilo l igados ao politico. sociologico e economico daepoca muito mais estreita, essencial, consciente e concretamentedo que, por exemplo, os escri tos correspondentes de Rousseau oude Goethe. Sente-se que a hist6ria grande e real a tacou Stendhal deforma mu it o d if er en te do que Rousseau ou Goethe. Rousseau jAnao a viveu e Goethe soube tirar 0corpo fora dela e ate, se forpermitida esta expressiio, 0 corpo do seu espir ito,

    Nisto estso irnplicitas, ao mesmo tempo, as circunstmciasque .fizeram desperrar, ne sre ins tante e num homem de sra epoca, 0realisrno rnoderno, tragico e historiramente fundament ado: era 0pri rneiro dos grandes movirnentos dos tempos modernos, do Qualparncipavarn conscienternente as grandes rnassas hurnanas, a Revo-lutllo Francesa , com todas as agitacoes que s e esp alh aram p elaEuropa intei ra e que foram suas consequencias, Diferencia-se domovimento da Refnrrna, nllo menos violento e que nllo agitoumenos as massas, pelo tempo muitlssiino mais tApiJo da suadifusao, do seu efeito sobre as rnassas e das mudancas praticas davida num espaco relativamente amplo; pois os progresses tecnicos,a lcancados s imultanearnente no campo dos t ransportes e da tr ans -missao de inforrnacoes, assim como a difusao do ensino elementarresult ante das tendencies da propria Revolucao, possibili taram urnarnobiliz acao dos povos relarivarnente rnuito mais rapida e maisuniforme no seu sentido. Todos foram atingidos rnuito mais rapida,mais consciente e rnais uniformemente pelos mesmos pensamentose acontecimentos. Comecava, para a Europa, aquele processo deconcentracao temporal, tanto do s acontecimentos hist6ricos em sicomo do conhecimento deles por 10000s ;urn processo que, de Iipara ca, fez. enormes progresses e que permite profetizar umauniforrniza(io da vida do s homens sobre toda a terra, a qual, em

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    certo sentido, ja foi atingida, Vma tal evolucao estrernece oue nt ra qu ec e t od as as ordens I.' c1assificru;l'Jes da vida vigentes ateen[w; 0 tempo das r n od i fi c ac o es e x ige urn esforco cons tante eext remarnente di fici l em prol de uma adaptacao interns , assimcomo provoca violentas crises de adaptacao, Quem pretender da r asi pr6prio razao da sua vida real, da sua JXlSi"iIodentro da sociedadehurnana, e obr igado a faze-In sobre uma base pratica rnu ito maisampla e dentro de urn contexte t emporal mui to maior do queou tror a, para manter a consciencia constante de que 0chao socialsobre 0 qual se vive nl io esta em repouso em nenhum ins tante , mase modif icado incessantemente pelos rnais multiples estrerneci-mentos.

    Poder-se-ia pergun tar como se deu 0 fato de a modernaconsciencia da realidade ter se con f ormado literariamente pelaprimeira ve z na obra de Henri Beyie, de Grenoble. Beyle-Stendhalfoi urn homem espi rituoso, v ivaz, inter iormente independente ecorajoso, mas nao propriamente uma grande figura. Os seus pensa-mentes slioarniude energicos e geniais, mas sao tambern erratieos earbi tr ariamente apresentados e , apesar de toda a sua osten tacao de.audacia, 0.10 t ern seguranca nem coesao internas. Todo 0 seu sertern algo de f ragrnentario, A rnudanca ent re a abertura real is ta noconiunto e 0 nescio ocultarnento no pormenor, entre 0 (rio doml-nio de si mesmo, 0 ardoroso abandono aos prazeres dos sentidos I.' ainsegura 1.', por vezes , sentimental vaidade, nao e sernpre Mcil desuportar. A sua formulacao linguistica e muito impression ante einconfundivelmente original, mas tern 0 folego curto, e desigualnos seus hitos, I.' so rararnente apreende e retem 0 seu obieto deforma total. Mas precisamente assim, do ieito que era, entregou-seao momento; as circunstancias pegaram-no, jogararn-no de cl parala, confiararn-Jhe um dd;tino inesperado I.' singular; forrnaram-node tal m o d o que se viu obrigado a se entender corn a realidade deuma forma que ninguern antes conhecera.

    Quando eclodiu a Revolucao, Stendhal era urn menino desels anos de idade; ao abandonar sua cidade na ta l, Grenoble, e afamilia solidamente burguesa I.' reacionaria, que, apesar de sornbria-mente amuada, era ainda com as novas circunstsncias muitoabastada , para se di rig ir a Pari s, t inha dezesseis anos de idade. Lachegou imediatamente ap6s 0golpe de Estado de Napoleao; u rn seuparente, Pier re Darn , era urn influente colaborador do primeirocOnsul: Stendhal fez, depois de algumas vacilacoes I.' interrupcoes,uma carreira brilhante na administracao napoleonica, Viu a Europadurante as campanhas de Napoleao; tornou-se homem, alias urnhomem do rnundo muito elegante; tornou-se, tambem como pare 'ce, urn funcionar io administrative muito apto I.' urn organizador deconfiano;a, cujo sangue-frio nao 0 deixava perder a calma nem nosmornentos de perigo. Quando a queda de Napoleao 0 fez cair docavalo estava no trige sirno segundo ano de sua vida. A primeiraparte da sua carre ir a a tiva, bern sucedida I.' br ilhante, tinha pas-

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    sado . Desse momenta em diante naa tern rnais qualquer prof iss llo,nem qualquer lugar ao qual pe rtencer. Pode ir para onde quiser,enquanto tiver dinheiro suf iciente, I.' enquanto as desconfiadasautor idades da epoca pos-napoleonica nada tenham a objetar contraa sua perrnanencia. Mas as suas condicoes econ6mica s pioramgradativarnente; em 1821 e expulso pela po lic ia de Mettemich dacidade de Mili lo , onde se havia instalado num primeiro momento;vai a Pari s I.' ali v ive durante nove anos, sern profi ssso, sozinho ,com rneios muito parcos. Depois da Revolucao de Julho, os seusarn igos the conseguem urn pos to no service diplomarico. Como osaustr iacos the negaram 0 exequatur para Trieste, deve ir comoconsu l a Civi ta Vecchia, uma cidadezinha portuaria ; esta e umaresidencia triste, 1.', por vezes, lntrigaram-no quando estendiad er na is s ua s v is ita s a Rorna- contudo p6de passar alguns anos deferias em Par is, enquanto urn dos seus pro te tores e Ministro dasRelacoes Exteriores. Finalmente adoece seria men te e m CivitaVecchia; concedem-Ihe novamente ferias em Paris, onde morre em1842, acometido por urn ataque de apop lexia, no meio da rna , commenos de sessenta anos de idade . Esta e a segunda parte de suavida; neste tempo adquire a fama de urn homem espirituoso,excentr ico, polit ica e moralmente indigno de confianca; duranteeste tempo comeca a escrever. Primeiro escreve sobre rnusica,sobre a Ital ia I.' a arte italiana, sabre 0 amor; 56 em Paris, 80Squarenta I.' tres anos, em meio ao f1orescimento do movimentorornant ico (no qual interveio a seu modo), Stendhal publ ica 0 seuprirneiro romance.Este esboco da sua vida pretende mostrar que 56 tornouconsciencia de si rnesmo e 56 se dedicou ao ohcio de escrever deforma rea lista, quando procurava, "nau(rago num barqu inho " ,urn porto seguro e quando descobriu que para 0 seu barquinho na ohavia porto apropriado nem seguro; quando, embora nilo estivesse,de modo algurn, cansado ou desacorcoado, - nilo deixava de seru rn qaarentao, cuia primeira e bri lhante carre ir a ficara para t ras,urn homern sozinho e relativamente pobre - chegou a sentir comtodo rigor que nllo pertencia a lugar algum. S6 entio 0 mundosocial que 0circundava tornou-se para ell .' urn problema; 0senti-mente de ser diferente dos demais, que ate entio carregara leve eorgulhosarnente, rransforrnou-se em seu interesse predominante 1.',finalmente, 0 t ema recorr ente de sua atividade art ls tica . A l itera-tura realista de Stendhal brotou do seu mal-estar no mundop6snapole6nico, assim como da consciencia de nio pertencer aomesmo I.' de nao ter nele urn lugar certo. 0 mal-estar' no mundodado I.' a incapacidade de se incorporar a ell.' s a o , evidentemente,elementos rousseauniano-romanticos, e e provavel que Stendhal japossulsse a1go disso na sua juventude; haa lgo semelhante na suanatureza, e a hist6ria da sua iuventude 56 pode ter fonalecido taisinclinacoes que, por assirn dizer, correspondiam a moda da suageracao. Por outro lado, escreveu suas mem6rias de juventude, a

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    Vied' Henri Brulard, 56 nos ano s trin ta, e e possiveJ que. vistos daperspectiva da sua evolu cso posterior, da perspective de 1832 ,tenha acentuado tai s motives de i so lamento individual is ta . 0 cer toif! que os motivos e as rnanifestacoes do seu isolamento e da suaposi,,110problernatica perante a sociedade silo totalmente diferentesdos fenomenos co rrespondentes em Rousseau au nos seus segui-dares do primeiro Romantismo.Stendhal rinha, em contraste com Rousseau, inclinacao e.cerrarn ente, tarnbem eapacidade para a vida pratica; asp irava aIrui,1Io sensorial da vida como tal; nao se subtrai, de inlcio, arca lidade prat iea,

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    smith; considere-se quso mais exata e profundamente dedica-se asc o nd ic o es r ea is da sua epoca do que Voltaire, Rousseau e a obrarealista da juventude de Schiller, e como e mais larga a base sobre aqual se ap6ia do que a de Saint -Simon que, embora numa edi r;1amui to incompleta , a (mica entso acessivel, l ia ass iduamente, Namedida em que 0 realismo modemo serio nao pode representar 0homern a nao s e r eng as t ad o numa realidade politico-socio-economi-ca de conjunto concreta e em constante evolucac - como ocorreagora em qualquer romance ou filme -, Stendhal e 0 seu fun-dador.

    Contudo, a ideologia, segundo a qual Stendhal apreende 0acontecer e procura r eproduzir as suas engrenagens, apresentaainda pouca influencia do historicismo: este ultimo penetrou,durante 0 sell tempo, na Franca, mas pouco 0 afetou; precisamentepor isto, embora tenhamos falado, nas ultimas paginas, de perspec-tivisrno historico e da constante consciencia das rnudancas e abalos,nao falarnos de uma cornpreensso das evolucoes. N

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    Florence. Finalrnente, vi: 0 homem individual mui to menos comoproduto da sua siluat; ilo his tories e como coadiuvanre da mesma doque como urn atomo den tr o dela, 0 homem parece ter sido jogadoquase fortuitarnente no ambiente em que vive; e urn obstaculo como qual se pode dar bern ou mal; n llo e propriamente urn solo nutriz,com 0qua l est ei a unido organicamente . Alem dis so , a concepcaostendhaliana do homem e, no seu conjunto, preponderantementemater ia l is ta e sensual is ra . Uma excelente i lust ra t; il o des se fatoencontra-se em Henri Brulard (26): "rapPe/Ie caractere d'unbomme sa maniere babitue ll e d 'a il er d fa chasse du bonheu r, entermes plus clairs, mais mains qual ificatif, I 'ensemble de se shabitudes morales ". Mas a fel ic idade, mesmo quando, no caw dosseres humanos mais altamente organizados, 56 pede ser encontradano esp lr ito , na arte, n a paix so ou na fama, conserva em Stendhalsernpre uma tonalidade rnais sensual e terrena do que nos roman-t icos, A sua averSiio pela eficiencia da burguesia provinciana,contra 0 t ipo de bourgeois que est ava a se formar, t arnbem poder iaser r omsntica, mas u rn r omanr ico dificilr nente encerr ar ia umadescrit ;ao da sua avers ilo pelas arividades lucrativas com as seguin-tes palavras: j'aj eu le rare p la is ir de faire louie ma vie d peu prJrce qui me pla isai t (Brulard, 32 ). A sua concepcao do esptr it o eda l iberdade e a inda , tot al mente , a do seculo XVIII pre -revoluc io-nario, embora 56 possa torna-la real na sua propria pessoa medianteesf orco e urn tanto convulsiv amente. Ele deve psgar a liberd adecom pobreza e com solidao interior e ate tambern com solidiloexte rior, e 0 esprit t orna -s e fac ilmente paradoxal, amargo e rnor-daz: tsne garte qu i jai t peur (BTUlam, 6). 0 seu esprit nilo maispossui a autoconfianca da epoca de Voltaire; nllo domina com amestria de u rn grande senhor do ancien regime nem a sua exi st en-c ia social, nem uma par te' e spec ia lrnente impor tante da mesma, assuas relat;Oes sexuais, chegando mesmo a dizer que cultivava 0 espritapenas porque qu e ri a o c u lt a r sua paixao por uma mulher que nilop oss ulra - c e t te p e u r, mille fois rept t ee , a e t, d an s le fait, Iepr inc ipe dirigeant de ma vie pendant d ix an s (Egottsme, Cap. 1 ).Tais traces fazern-no parecer alguern nascido demasiado tarde, queprocura em vilo tornar realidade a forma de vida de uma epocapassada, Outros elementos da sua natureza, a desconsiderada obje-tividade da sua for t;a realista, a cor ajo sa au to-afirmacso da suapessoa diante do t rivi al jus te mil ieu que estava em ascensilo, eout ras coi sas mai s, rnost ram-no como precursor de cer ta s formasposteriores de espirito e de v ida. Mas ser npr e sente e vivencia arealidade do s eu tempo como urn obs taculo. Por i sso mesmo 0 seurealismo, embo ra n ilo tenha sur gido de modo algum, ou 56 muitotenuernente, de uma compreensso genetica amorosa dos desenvol-vimento s, isto e, de uma ideologia h istor ica, esta too ener gica eestreitamenle ligado a sua existencia - 0 realismo desle chevalombrageux e urn produto da IUlapela sua auto-afirmati lO. e a parti rdis to explica-se que 0nivel estilistico < l o s seus grandes romancesrealistas se apr oxime muito mais do antigo conceito grande e

    heroico do tragico do que aquele da maior ia dos realistas poste-riores: Julien Sorel e muito mais "her6i" do que as figuras deBalzac ou de Flaubert.

    A partir de urn outro ponto de vista, que ja acabamos deinsinuar, e evidente que esra mui to pr6ximo dos seus contempod-neos roman tlco s: na luta con tr a as f ronteiras estilisticas en tr e 0rea li st a e 0 trag ico. Nisto ate o s sob repuia, pois e muito maisconseqUente e legitimo e com base nesta coincidencia the foipossivel, tambem, em 1822, aparecer como partidario da novatendencia.

    E : fato conhecido que a regra est ili st ica c la ssi ca , que exc lu latodo e qualquer realismo material das ob ras tragico-serias, ja seafrouxara durante 0 seculo XV111; tratarnos disso nos dois capituiosprecedentes. Mesmo na Franca , est e a frouxamento e percept lvel j ana prime ira metade do seculo XVIl l. Durante a segunda metade foisobretudo Diderot quem propagou, tanto teorica como praticamen-t e, um nivel esr il is ti co medic , s em ultrapassar , contudo, 0 bur-gues-comovente . Nos seus romances, e spec ia lmente no Neveu deRameau, apresenta personagens da vida quotidiana e da c1assemedia, quando nllo baixa, com uma certa seriedade, Mas estaseriedade lernbra rnais 0 moralis ts e sat irico do Duminismo do queo Realismo do seculo XIX. Na figura e na obra de Rousseau hadec id idamente urn ger rne de evolucso poster ior. Rousseau podia .como diz Meinecke no seu livre sobre 0 his tori ci smo (U, 390),, 'mesmo sem penetrar ate 0pensamento cabalmente his t6rico,aiudar a despertar 0 novo senso dO individual. somente pelodesvendamento da sua pr6pr ia e incomparivel individualidade".Meinecke fal a aqui do pensamento his t6rico; coisa semelhantepoderia ser dita do Realismo, Rousseau nio e propriamente realls-t a; t ra ta dos seus temas, sobretudo da propria vida, com urninteresse t30 fortemente a po lo ge ti co e critico-moral, 0 se u julzoacerca de s acontecimentos est:!. tlo fortemente detenninado peloss eus princ lp ios de direi to natura l que a rea lidade do .mundo soc ia lnllo se toma imediatamente urn objeto para ele, Contudo, 0exemplo das Conjessions, que procuram representar a propriaexistencia na sua situat; iIo real com respeito .t vida conternporanea,e i rnport an te como modelo esti ll sti co para aqueles esc ri tores quepossulam mais sentido para a realidade dada do que ele. Maisimpor tante, t alvez , na sua inluo! lnci amediat a sobre 0 realisrnoserio, e a sua pclitizacao do conce ito idi li co da natureza: e la c riouuma imagern ideal para a conlormacso da vida, que , como e sabido,exer ceu forte inf lu encia, e que se acreditava pudesse ser tor nadarea lidade de forma irnediat a. Esrava em oontraste com a realidade:hist6r ica his tori camente est abelecida , e est e contras te tomava-s etanto mais forte quanto mais cJaramente se evidenciava que arealizao;iIo do ideal estava fadada ao fracasso. Desta forma, arealidade pratica, hist6 rica, converteu-se em prob lema de urnamanei ra antes desconhecida , mais coneret a e mais proxima .

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    Nos primeiros decenios.apos a rnorte de Rousseau, no p r e --romantismo frances, 0 efeito daquela terrivel desilusao oi, eviden-temente, total mente contrario: apresenrou-se, jus tamente no casode s escritores mais importantes, uma tendencia para a fuga darealidade contemporanea, A Revolm;iIo, 0 Imperio e, ainda, aepoca da Restauracao s1l0 pobres em obras l iterarias realistas . Oshero is do s romances pre- roman tico s revelam uma aversao porvezes quase rnorbida a ent ra r em conta to com a vida conte rnpord-nea, J Ii para Rousseau, a contradicao entre 0 natura], que desejava,e 0 rea] h istoricamen te fundamen tado, com que se deparava,torna ra -se t ragica ; mas est a contrad icao inc it ara-o para a Juta pelonatural . N ilo mai s v iv ia quando a Revolucao e Napoleao cri ararnuma s ituacao totalmente nova, nao uma si tua~ ilo natura] no senti -do de Rousseau , mas a inda uma si tua{ao l igada his tori camente, Agera~ao seguinte, p rofundarnente impressionada com os seuspensamentos e com as suas esperancas, viveu a res is tencia vitoriosado his torico-real, e precisarnenre aqueJes que mais profundamentesentiram a sua in fluencia encon trarn-se num rnundo novo, quedest ru ira tot al rnente as suas esperancas, e no qua l n llo puderam sesentir a vontade . Opuserarn-se ou dele se a fast aram. Da heranca deRousseau guardar am somente a cisilo interna, a tendencia par a afuga da soc iedade , a necess idade de se , i so la r e de f icar sozinho; 0outre lado da natureza de Rousseau, 0 lado revolucionario ecombatente, este eles perderam. As circunstancias enemas quedest ru lram a unidade da vida espir it ua l e a inf luencia dominadorada l ite ra tura na Franca tambern contr ibui ram para est a evoIuCl io .D if ic ilmente se enconrrara uma obra l lt erar ia ' impor tanre, desde aeclosso da Revolucao ate a queda de Napoleao, na qual nilo se:apresenrern sintomas desta fuga do real e conternporaneo, e mesmoent re os grupos romanticos pos te riores a 1820 tai s sintomas est il o-muito difundidos. Ell's se apresentam da maneira mais pura ecomple ta em Senancour . A relacao da maior ia dos pre -romanti coscom a realidade social do seu tempo e , j us tamente no seu carat ernegative , muito rna is se ri amente problerna ti ca do que a da soc ie -. dade . il uminis ta. 0 movimento rousseauniano e a grande decepr; iloque sofreu foram pressupostos para 0 surgimento da vis llo modernada rea lidade , Na medida em que Rousseau contrapunha com paixaoo estado natur al do homem e a realid ade ex istente da vida deter-minada histor icamente , convert eu esta u lt ima em problema pra -tico; sornente entao desvalorizou-se a representacjo historicamenteaproble rnat ica e imovel da vida, no es ti lo do seculo XVl ll ,o Rornant ismo, que se desenvolvera mui to antes na Alema-nha e na lngla te rra, e cujas t endenc ies h ist6r icas e Indiv idua li st asestavam se preparando tambem na Franca fazia muito tempo,chegou a se desenvolver por complete ap6 s 1820 e, como se sabe,foi precisarnente a principio da mistura de est ilos aquilo que VictorHugo e seu s amigo s levantaram como grito de guerra p r6p rio doseu movimento ; nel l' s e manifest ava da manei ra mai s evidente 0

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    conrras te com 0ratamento c la ssi co dos temas e com a l inguageml it erar ia cl as si ca . Mas ja na formula r; lIo de Hugo se apresenta a lgode demasiado exacerbadamente antitetico: trata-se, para ele, darni stura do sublime com 0 grotesco. Ambos sao p6los est il ls ticosque nllo tomam em consider acao 0 real. De fato, nllo tinha ainten(i lo de represcntar a rea lidadc dada de forma compreens iva;antes res sa lt a, nos t emas hist6r icos ou contemporaneos, os p6losestillsticos do' sub lime e do grotesco ou tambem outras contra-dicoes eticas ou esteticas, e 0 faz com tanto vigor que des seent rechocam com violencia; dest a forma , embora surj arn 'e fe itosfor tes, pois a for ca de expr essjo de Hugo e poderosa e sugestiva,s llo inverosslrneis e, como reproducao da vida humana, fa lsos,

    Dutro escr ito r d a geracao r om an tica , Balzac, que possu iatanta capacidade criadora e muito maior proximidade do real,tomou a representacso da vida con tempor anea como uma tarefapessoa l e pode ser conside rado . junta rnente com Stendha l, como 0criador do realismo modemo. E dezesseis anos mais novo do que"este, mas os seus prirneiros romances caracterist icos aparecemquase sirnultanearnente com os de Stendhal, isto e, ao redor de1830. Como exernplo da sua manei ra de representar mos traremos,prirneiramente, 0 retrato de Mme Vauquer, a dona da pensao doromance Le Pere Conal, surgido em comecos de 1834 . .Antecede-ournadesc ri cso rnuito exa ts do bai rro em que se encont ra a pensso,da casa em si, do s dois apo sen tos do terreo ; deste conjunto todoresul ta l ima impressso in tensa de desconsolada pobreza , desgas te erancidez, sendo que, juntamente com-a descricso material, ' sugere--se rambern a atmosfera moral . Depois da descricao da instalal, :i lo dasa la de janta r, apa rece , f inalmente, a dona da casa, em pessoa:

    Cette piece est dan s tout son lu stre au moment ou, vers septh eures du malin, le chat d e Mme Vauquer precede sa maitresse,s au te sur l es buf fe ts, y f la ire l e la it que conti ennent p lusi eurs [at te scouvertes dassiettes et fait entendre son ronron matinal , BientOt 1aveuve se montre, att ifee de son bonne t de tul le sous Iequel pend untour de faux cheveux mal mis: elle marche en trainassant sespantoufles grirnacees. Sa face vieil lotte, grassouil lette, du mil ieu delaquelle sort un nez ~ be e de perroquet; ses pet ites mains porelees,sa personne dodue comme un rat d'eg lise, son co rsage trop p lein etqui flotte, son t en harmonie avec cette salle ou suinte Ie malheu r,ou s'est blo ttie la specu lation , er dont Mme Vauquer resp ire I'airchaudement Iet ide sans en e tre ecoeuree , Sa f igure f ra ifhe commeune premiere gelee dautomne, s es yeux r ides , dont "express ionpasse du souri re present aux danseuses ~ I 'amer renfrognernent deI 'e scompteur , enfin route sa personne explique la pension , commela pension implique sa personne. Le bagne ne va pas sans I 'argou-sin, vous n'imagineriez pas I'un sans I'autre. L'embonpointblafard de cette petite f emme est Ie p roduit de cene vie, comme I etyphus est l a consequence des exhalai sons d 'un hepit al. Son jupon

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    de laine t ri co tee , qui depas se sa premie re jupe fait e avec une vie il lerobe, e t dont l aouate s ' echappe par l es fen tes de I 'erof fe lezardee,resume Iesa lon, l a sa ll e a manger , Ie j ardine t, annonce la cuisine-e t fai t press enri r l es pensionna ires, Quand die est la, ce spectacleest cornplet. Agee d'environ cinquante ans, Mme Vauquerressemble a tomes les femmes qui ont eu des malbeurs. Elle a l'oeilv it reux , l' ai r innocent d 'une ent remetteuse qui va se gendarrne rpour se f aire payer plus cher , mais d 'ailleu rs prete a t ou t pouradouc ir son sort, ;I . livrer Georges ou Pichegru, si Georges ouPichegru etaient encore 11livrer. Neanrnoins elle est bonne femmeau fond, disent les pensionnair es, qui la croient sans f ortune enI'entendanr gelndre et tousser comme eux. Quavait ete M. Vau-quer? Elle ne sexpliquait j amai s sur Iede funt . Comment avai t- ilperdu sa for tune? "Dans les malheu rs" , repondait-elle, lis' etaitmal conduit envers elle, ne lui avait laisse que les yeux pourpleurer, cette maison pour vivre et Ie droit de ne compatir 11aucune infortune, parce que, d isa it -el le , e1leava it souf fe rt tou t cequil est possibIe de sou ffrir.

    Este comod 0esla em todo 0 seu esp lendor quando, perto das sete horasde manha, 0 gato d e Mme Vauque r p re ce de sua don a, sal ta sab re os apara-dores para f a r e j a r 0 Ic l t e con l id o em vii ria s j arr a s co be r las co m pires e [azouvir 0 s eu r on ro m matinal. Logo a viuv~ a pa re ce , a ta vi ad a com a suatouca de tule, sob a Qua lpende uma mecha de cabelo postico , mal colocada;c ia an da a rr as tan do seus ch in elos tortes. 0 rosto velhusco, recbonchudo ,d ome io do qu al su rge u rn n ar iz d e b l eo d e pa pa ga io; as pe que na s mAosrol i-cas , a figur a r edonda como um r ato de igreja, 0 corpete demasiado cheioe flu tuan t e, e ~t io em ha rm 0nIa com e SI3 sala ond e r es s ur n a a d es d ita, ondese acacapa a es peculacao, e cujo ar momamenl e fetido a Mme Vauquerrespira scm repugnancia, Sua [igura, fresca como uma prirnolra geada outonal,os o lhos enrugados, cuja expressao passa do sornso presc ri to is danca rinasao franl.imento amargo do usu rarlo, enfirn, toda a sua pessoaexplica a pensao,c~mo a pe!,du impfica a sua pessoa, NAo exlste gales sem sentenciados,nan pensane rs nessas sern aqueles, A gordura l>a~adessa pequena mulher e 0produ to desta v ida, como 0 tifo oS a consequencia das exala~oes de um hospi-tal. A su a an a g u a de Iii trice Id a, q ue so b ressa ida sua s a i a , feit a de urnvelho vestido, cujo recheio escapa petos rasgos do tecido pu(do, resume 0$aI30. a sal a de jantar, jardinzinbo, anuncia a cozinha e fa~ pressemir ospcn~ionislas. QuandO cla C"3 I;i , ('stc cspct~culo c,tii complcto. Com ccrca decinq iien l a an os , Mme Vauque r pa rece ' se c om tod as a s mu the re s que live-ram dergr

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    comparacoes sugestivas; oao sao provas nem tentativas para tanto.A fa1 ta de o rdern e 0 desleixo racional do texto sao conseqll!nciasda pressa com que B a l z a c t raball iava, mas, mesmo assirn, n a o sA ocasua ls, pois a propr ia press a e , em bo a parte, urn result ado da suaobsessio poe imagens sugestivas. 0 mot ivo da unidade do meioapossou-se do pr6prio Balzac com tanto Impeto que os obietos e aspessoas que constituem um meio ganham para eJe, freqUente-mente, uma espec ie de segunda signif icacao , d iferente da s ip-c~w rac iona lmente cognosc ivel , mas muito mai s essencial: umasignj6c~w que e definida, da melhor maneira posslvel, peloadjetivo "demoniaco". Na sala de jantar, com os seus m6veis eapetrechos gastos e mesquinhos, mas que nllo deixam de sectranqu ilo s e ino fensivos para uma men te n ilo inOuendada pelafantasia , " re ssuma a desgraca, acacapa-se a especulacao " - emrneio a est a quotid ianidade t rivia l, ocult am-se bruxas a legori cas, eno lugar da viuva rechonchuda e desordenadamente vest ida, ve-sesurgir, por urn in stante, urna ratazana, Trata-se, portanto, daunidade de urn espaco vit al dete rminado, s entida como uma visoode conjunto demonlaco-organica e desc ri ta com meios ext rema-mente sugestivos e sensories.

    A parte seguin te do nosso texto, na qual 0 motivo daharmonia nao mais e mencionado, ocupa-se do carater e da hist6riapregressa de Mme Vauquer. Mas seria urn erro ver nesta~!o entre, poe urn lado, a aparencla e, pelo outre, 0 ca rat er ea hist6 ria pregr essa, urn principio proposita! de composicao.Mesmo nes ta s egunda par te aparecem ainda carac te ris ti cas f is icas(l'oeil viJreux) e , mui to f reqi ientemente , Balzac tarnbem ordena deforma diferente, ou mistura totalmente entre si os elementosl is icos , morais e his t6ricos de urn retrato. 0tratamento do caratere da hist6ria pregressa nllo tern, no nosso caso, a finalidade deesc la rece r a lgo disso tudo, mas serve para colocar a obscur idade deMme Vauquer "sob uma luz apropriada", isto e, so b 0 lusco--fusco do dernonismo subalterno e trivial. No que se refere ihist6r ia pregres sa , a dona da pensso in tegra a categor ia das mulhe-res aproximadamente cinqaentonas qui ant eu des mllheurs( plural!). Balzac n!o d .1 exp licacllo alguma acerca da sua vidapregr essa, mas rep roduz, parcia1men te em d iscur so ind ir eto , atagarel ice informemente plangente, perdidarnente coloquial , quee la mesma s6 i apr esentar diante de inquiricw compadecidas.Tambem aqui apresenta 0 plural suspeito, que se ex ime da inf or-~ilo precisa: 0 seu falecido marido teria perdido a sua for tunadllns les malbeurs; de forma totalmente seme!hante iquela em que ,mais tarde, outra viuva suspeita ind ica que seu marido, que tinhas ido conde e general , morre ra su r les champs de bataille. A istocorresponde 0 ba ixo demonismo do carater de Mme Vauquer;parecebonnejemme llufond, parece sec pobre, mas possui, como edito mais tarde, urna bela fortuninha, e e capaz de qualquer baixezavulga r para melhora r urn pouco a pr6pr ia sorte - a lirnit~1o baixa

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    e vu lg ar das metas deste egolsmo, a rn istura de t oli ce , as tUcia eforca vital escondida, dll inovamente a impressso de alga repulsiva-mente fantasmag6r ico; novamente lmpoe-s e a comparacjo com urnrata ou CO IJ l wn outro animal que tern sabre a forca irnaginativa< l o s homens urn efeito denioniaco e vii. A segunda parte dadescriCao e, portanto, uma complementacso da primeira: depois deMme Vauquer ter sido apresentada, na primeira parte, comoslntese da unidade do espaco vit al por e la dominado, na segunda,aprohmda-se a opacidade e- a balxeza do seu ser que deve agir nomencionado espaco.

    Em toda a sua -obra, como neste texto, Balzac sentiu osmeios, por mai s d iferentes que fos sem, como unidades org in icas,demoniacas a te e t en tou t ransmi ti r e sta s en~l Io ao lei tor. Ele oliosomente local izou os seres cujo des tine contava se ri amente , na suamoldura his t6rica e social perfeitamente determinada, como 0 faziaStendhal , mas tambern conside rou est a rel ac llo como neces sa ria :todo espaco vital torna-se para ele uma atmosf er a moral e lisica,cuia pai sagem, habit~1I0 , m6vei s, acess6r ios, vestua rio , corpo ,carater, t rato, ideologia. atividade e destine permeiam 0 sec hurna-no, ao mesmo tempo que a sit~Ao historica geral aparece,novamente. como atmosfera que abrange todos o s espacos vitaisindividuais. E digno de nota que conseguiu isto da maneira m a : i sper fe ita e l eg it ima com referencia aos c ircu los da burguesi a media epequena de Pari s e da provinc ia , enquanto que a sua represent~l Ioda sociedade distinta e amiude rnelod ramatica, ilegitirna e, a svezes, ate de um ef eito c&n ico con trario i\s suss intenes. Emgeral, Balzac nao esttt isento de exagero s rnelodramaticos; mas,enquanto i sto s6 raramente pre judica a legi ti rn idade do coniuntonas esIecas baixas ou medias, 0 1 1 0 e capaz de c ri ar a a tmosfera cer tapara aszonas mais elevadas da vida ' - inclusive para as intelectuais.o real ismo a trnosfer ico de Balzac e urn produto da sua e p o c a ,e ele proprio parte e produto de uma atmosfera. A mesma formaespiritual - isto e, a rornantica -, que comecava a percebersensivelmente com tanta intensid ade a un id ade atmosferica deestilo das epocas anteriores, que descobria a Idade Media, Renascirnento e tambern a forma his toricamente peculiar da s cultu-cas estrangeiras (Espanha, 0Oriente), esta mesma forma espiritualdesenvolveu tambem a compreensao orgin ica para a pecul ia rldadea tmos fe ri ca da propr ia epoca , em todas as suas var iadas formas. 0hisroricismo e 0 realismo atmosfericos estao em estreita correlacao;Michelet e Balzac sao arrastados pelas rnesmas corren tes. O sacontecimentos que t iveram lugar na Franca , precis amente ent re1789 e 1815 , e as suas conseq tl& ldas no s anos sucessivos trouxe-ram como seque la 0 fato 4 e sec precisamen te na Franca onde 0realisrno modemo contemporsneo chegou mai s cedo e mai s.for te -men te se desenvo Jveu , e a un id ade politico-cultural do pais < l e u -- lhe, nes '' '' sent ido, urn avanco impor tante com respeito .. A lema-nha, A reaIidade francesa podia sec abrangida. em toda a sua vane-

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    dade, como urn todo. Em grau nlo menor do que a sirnpatiaromsntica pela totalidade atrnosferica do s e spac os vitais, tambernurna outra cor rente romanti cs contr ibuiu para 0 desenvolvimentodb realismo modemo, a saber, aquela da qual j~ falamos tilarepetidarnente: a mistura de estilos, Foi ela que permitiu quepersonagens de qualquer classe social, com todos os seus entrelaca-mentes vitals pratico-quotldianos , tanto Julien Sorel como 0velhoGor io t ou Mme Vauquer , se tornassem objetos da representacsoliteraria seria,

    Est as conside racoes gerai s parecern-me evidentes ; e rnuitomais dificil descrever com alguma exatidiJo a ideologia que dominaprecisamente a especial maneira de representar de Balzac. Asindicacoes que ele pr6prio faz a respeito silo numerosas e dilot ambem mui tos pontes de apoio , mas silo confuses e contradit6rias.Por mai s que e le s ej a rico em id eias e em imagin~iIo, nao possui aqualidade de separar entre s i os diversos elementos da sua propriaideologia, nao e capaz de represar a irrup.;ao de imagens e eompa-r~Oes sugestivas, mas carentes de clareza, em meio a analisesracionais e, em geral, nllo con segue ado tar uma posi~iIo criticadiante da cor rente da sua propr ia inspi r~ iIo. Todas as suas ana li sesracionais , embora estejarn cheias de ooservacoes isoladas agudas eorig inal s, l evam a urna famas iosa macroscopia , que lembra 0 seucontemporAneo Hugo. No enranto, para urna explic~iIo de suaa rte rea lis ta , e neces sa ri a, precis amente , uma nit ida separacao dascorrentes que nela confIuem.

    No AVant-propos .t C om M ie h um am e (publicada em 1842),Balzac comeca a explicacao da sua obra com urna compar~ iIo ent reo reino animal e a sociedade humana, para a qual se deixa inspirarpelas teorias de Geoffroy Saint-Hilaire. Este biologo sustentava,sob a infIuencia da filosofia natural especulativa a1eml da epoca, 0principio da unidade tlpica na org~iIo, isto e, a ideia de que nao rgani~iIo das plantas (e do s anima is ) haver ia urn plano geral :Ba lz ac J em b ra , nesta ocasillo, o s s is tem as de outros mlsticos,f il os of os e b io lo g os ( Swe d en b or g, Saint-Martin, Leibniz, Buffon,Bonnet, Needham), para formular finalmente os seus pensamentosda seguinte forma:

    Le c reat eur ne s 'e st s ervi que d 'un seul e t m@mepa tron pourtous les etres organises. L'an imai eSI un prin cip e qu i prend saforme exterieure, 00, pour parler plus exactement, les differencesde sa forme , dans Ies mil ieux O U i I est appeJe a se developper ...

    o criador Dlo se serviu senio de um s6 modelo para todos os seresOl"ganizadQs. 0 animal ~ um prlncfpio que assume sua fonna exter ior, QU,para faJar mais exatamente, as diferen~as de sua fonna, nos meios onde ~chamado a se deseDvolver. . .

    Este princ lp io e transferido imediatamente * sociedade humana :

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    La Societe Iom rnaiu scu la, como pouco antes Natt l t"e J nefait-elle pas de I 'h omme, su iv ant Ies milieux O U son action sedeploie, autant d'hommes differents qu'i! y a de varietes enzoologie?

    A Sociedade na o f az do homem, segundo os mei os onde sua a,..ao sedesenvolve, tantos homens diferentes quantas ~o as varledades zoologicas?E depois compara as diferencas entre urn soldado, urn trabalhador,urn funcionar io , urn advogado, urn vadio , urn sabio , urn es tadi st a,urn cornercianre, urn rna rinhe iro, urn poe ta , urn pobre, urn sacer -dote , com asque exist em ent re lobo, le llo, bur ro , corvo , tubar iIo, eassim pot diante ...

    D isto se conclui , em prime iro lugar , que Balzac ten ta funda-rnentar as suas opiniOes acerca da sociedade humana (tipo humanodiferenciado pelo meio) mediante ana logias bio16gicas . A palavrameio (mi l ieu) , que aparece aqui pela primeira vez em senddosociologico, e it qual estava destinada uma tilo g rande carr eira(Taine parece t~-Ia recebido de Balzac), Balz.ac aprendeu -a delGeoffroy Saint- Hilaire, 0 qua l, por sua vez , a tinha t ransfer ido docampo da Flsica para 0da Biologia. Agora ela emigra 'da Bioiogiapara a Sociologia. 0bio logi smo que Balzac te rn em mente e, comopode ser dedurido do s nomes por ele cirados , mls tico, especulat ivoe vita li sta ; com isto , a representacso ideal , 0 principio "animal"ou "homem", nilo esta concebido, de 'modo a1gum, de formaimanente, mas como que uma ideia real platOnica. As diferentese sp e ci es e generos silo apenas/ormes exUrieures . E, alem do mais,etas pr6prias 0 1 1 0 silo vis tas como his toricamente mutantes, mascomo mas (urn soldado, urn t rabalhador e tc ., a ss im como urn leio,urn bur ro). A signif i~ iIo prOpr ia da ideia de "meio" , ass im oomoa aplicava na p r~ ti ca n os seus romances , Balzac nl o parece tHareconhecido totalmente aqui, NIo a palavra, mas a cow - 0 meioem sentido social - j.t exi stiu mui to antes dele; Mootesquieupossui esta ideia inconfundiveImente; ma s enquanto Montesquieuda muito maior consideracilo iscondies natural s (cl irna , solo) doque 4 s que surgir am da hist6 ria da humanidade, e enquanto seafana em construir os diferentes meios como representacoes m o d e -lar es inamoviveis, as quais e passive) aplicar , caso po r caso, 0modelo de const ituicso e de legis la~iIo apropriado para elas, B a I . z . a cest a, na prat ica, in te iramente sob sorti legio dos elementos estru-turais his toricos e constantemente mutantes do seu meio. E ne-nhum leito r chega po r si 56 II i deia que Balzac parece defender no

    I A v an t-p rr po s , o u s ei a, que que Ole int eres sa eo tipo "homem'on, a ti !' rnesmo, somente os t ipos espec ia is (" soldado", .' comer-ciantc'"): que se v~e a f igura indiv idua l, concret a, intemamente' to rpOtea e hist6r ica , surgida da imanencia da s it~1o hist6r ica,s o c ia l , a s ic a ~tf'~e em con s ta n t emu t e cs o ; n10 "0soIdado". mas ,pot exemplo, 0 Coronel Bridau em Issoudun (Ll kaboui l Jeuse) ,

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    exonerado ap6s a queda de Napoleao, desmora li zado e entregue aaventura.Apos a a udac i o sa c o r np a r ac a o entre a diferenciacao zool6gicae sociologica, Balzac s e e s lo rc a , c o nt ud o , em salientar a s p e cu li a ri -dades da Societe em c o nt ra st e com a Nature. Ele as ve, antes demais nada, na muito rnaior variedade da vida humana e do scos tumes hurnanos, a ssi rn como na poss ib i I idade , inexis tente noreino animal, de se t rans formar urna espec ie em out ra (L 'cpiCier...dev ient pai r de France , e t l e noble descend par /o is au der si er rangsocials; out ross im, ha 0 acasalarnento de especies diferentes (10femme d'un marchand est quelquefois digne d'are celle d'unprince ..... dans 10 Societe 10 femme ne se t rouue pas toujour s e tr e 10femelle d'un mtIle); tarnbern s~o rnencionados os dramatieos confli-'tos arnorosos , rararnente existentes no reino animal e os diferentesgraus de i nt el igencia de diferentes s eres hurnanos. A oracao queresume tudo diz : L 'Ba t social a des basards que ne se permes pas'1 0 Nature, car il est la Nature pius 1 0 Societ. Por mais inexato emacro sc6p ico que seia este per iodo, por mais que so fra por causado proton pseudos ( fa ls idade in ic ia l ) da comparacao que lh e servede fundamento, n~o deixa de conter uma compr een sso historicainstintiva (Ies habitudes , les vetements , les paroles , les demeures . ..changent au sr e des civilisations) e a1go de dinamismo vitalista (siquelques savants n 'admettent pas encore que J ' Animali te se trans-borde dans l'Humani te par t sn immense courant de v ie . .. ) . Nao sefala nas possibi lidades de cornpreensao especiais de que 0 homemd ispOe frente ao homem; tambern mio em uma formulil"w nega-t iva, i sm e, que , cornpa rados com ele, os anima i s n ilo a pos suem;pelo contrario, a s implicidade relat iva da vida social e espiritual do sanima ls e colocada como [ato obiet ivo, e 56no f im encontra-se umainsinuac;iIo do carater subjerivo de tais conhedmentos: .. .leshabitudes de cbaque animal sont, d nos yeux du mains, cons-tamment semblables en tout t emps . ..

    Depois desta transfusao do biologico ao his torico-humano,Balzac prossegue com uma polemica contra a histor iograf ia habi-tual, a qua l Ianca em ros to t er negligenciado a te ent ilo a histor iados cos tumes; es ra se ri a a t arefa a qual ele ter-se-is avocado. Comisto, n~o menciona os ensaios de his t6ri a do s cos tumes que foramfeir os a partir do seculo XVI II (Voltair e) ; por tan to n llo se chegatambern a uma analise que explicasse a diferenca entre a suarepresenracao dos costumes e a dos seus eventuais predecessores ;sorn en te menciona Petronio. Ao obser var as dificuld ades da suatarefa ( urn dr ama com tres ou quatr o m il p ersonagens), sente-seencorajado pelo exernplo dos romances de Walter Scott ; movimen-tame-nos, estritamente, no mundo do h istoricismo romintico.T ambem aqui a dareza do pensamento ve-se preiudicada peiasformular;Cies cheias de efeitos e fantasia; por exemplo, /o ire con-currence d i'Etat-Civil e in(ompreens ivel , e a f ra se Ie hasord est Ieplus grand romancier du mQnde necessi ta , denlro de uma mentali-

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    dade hist6rica, ao menos de urn comentario. Contudo, a lgunsmot ives s igni fi ca tivos e ca ract er is ri cos emergem com ~xi to ; antesde mais nada a concepcao do romance de costumes como his t6ria610566ca e, em geral , a mterpretacso energicamente sustentada porBalzac ta mb er n e m o ut ra s partes, de que a sua atividade deve serconside rada como his toriogra fi a (ainda vol ta remos a est e ponte ),ou trossim, a justificac;w de todas as especies e de todos os nlveisest ili st icos e rn obras des te genero; e . f inal rnente , a sua int encao desuperar Walter Scott, na rnedida em que encerra todos os seusromances num co n junto unico, numa representacso global dasociedade francesa do seculo XIX, 0que volta a designar aquicomo obra historica,

    Mas com isto 0 se u plano noo se esgota; quer prestar contaspormenori zadas, a inda , acerca de l es rai sons ou la rai son'de ceseifets sociaux, e se teve ~xito pelo menos na p rocu ra de ce moteursocial, quer finalmente tambern mediter sur les principes naturels etvoir en quoi les Societes s'Ica rtent ou se rapprochen t de fa regieeternel le, du vrai, du beau? N~o e necessario que insis tamos acercada sua incapacidade de tecer consideraeoes teoricas, fora dos l imitesde uma nar racso, nem acerca do fato de que , por tanto, 56 poder iatentar a realizacao do s seus piano s em forma de romances. Aquisomente int eres sa constat ar que nilo the bast ava a f ilosofi a " ima-nente" dos seus romances de costumes, e que esra insatisfacao 0i nduz aqui, ap6s t an ta dis cussso bio logica e his t6ri ca , a emprega rimagens modelares class icas - 10 r~gle eiemeile, le ura i, le beau-; categorias que nilo mais pode aproveitar de forma pratica emseus romances.

    Todos esses motives: biol6gicos, his toricos, dassicamentemorai s, encontram-se e fe tivamenreesparsos em sua obra, Gos ta,mu ito de comparacoes bio logicas; fala em fisiologia au zoologiamotivado por fenOmenos socials, fala da anatomie du coeurhumain; no te xt o a cim a c ita do , c orn pa ra o s e fe ito s d e determinadorneio soc ia l com as exa lacoes que produzem 0tifo e, numa out rapassagern do Pere Goriot, diz que Rastignac se teria en tr egue aose ns in ar ne nr os e s ed uc oe s do luxo avec l'ardeur dont est saisiI'impatient calioe d'un dattier femelle pour les fecondantespous s ie r e s de son hymenee . E desnecessario enumerar motiveshis t6ricos, pois 0 esplrito stmosterico-indivkfualizante do histori-cismo e 0 esplrito de toda a sua obra, mas quero citar pelo menosuma de muitas passagens, para mostr ar que era con stantemen teconsciente das concepcoes historicistas, A passagern consta do sellromance de provincia U1 vieille Pil le; t ra ta -s e de doi s senhores decerta idade que moram em Alencon; urn deles e urn tlpico ci--deuant, 0 outro, urn oportunis ta da revolur;i lo, fal ido:

    Les epoques deteignent sur l es hOmmes qui le s t rave rsent .Ce s deux personnages prouvaient la verite de cet axiome par

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    I 'opposition des teintes historiques empreintes dans leurs physic-nornies, dans leurs discours, dans leurs idees et leurs coutumes,As e poca s de s1> 0 iam so bre os horne n s que as at ravessam, Estas dua spersonage ns prov ava rn a verdade deste axioma pela oposi~lo das l inlas hls-loricas irnpressas ern ,U3\ f is ionomias , nas suas palavras, nas suas ldeias ecostumes.

    E, numa outra passagern do mesmo romance, tala, relativamente auma casa de Ak-ncon. do archetype que ela representar ia; aqui naost' rrutu do arqueripo . Ie um cote abst ra to h istorico, mas daqueledas maisons bourgeoises de uma grande parte da Franca, A casa,cuio saboroso carater local descreveu anter iormenre, rnereceria 0seu lugar nesra obra tanto mais ... qu 'it explique des moeurs etrepresent des i,/ ,'c, \' Ekml'llWS biol

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    mas do presente conternporaneo, que se estende, quando mui to ,por a lguns anos ou decadas no passado . Quando Balzac designs osseus Etudes des Moeurs IJU dix-neuuieme steele como hist6ria -de forma semelhante Stendhal j o l . t inha dado ao seu romance 1Rouge et le Nair 0 subtitulo Chroniquedu dixneuvieme siecle -,isto significa, em primeiro lugar, que considera a sua atividadecriativa e artistica como uma atividade historico-interpretativa, denatureza mesmo historico-filosofica, como ja podia ser apreendidono Avantpropos; em segundo lugar, sign ifica que considera 0presente como historia; isto e, 0presente e algo que ocorresurgindo da hist6ria. De fa to, os seus homens e os seus ambientes ,por mais presentes que sejam, estsc sempre represent ados comofencmenos que emanaram do s acontecimentos e das forcas histo-ricas, Bas ta re ier, por exemplo, a descri~ao da origem da fortuna deGrandet (Eugenie Grandet), ou a carreira de Du Bousqu ier (Laoieil le Pille), ou a do velho Goriot, para se aperceber disso; nadasemelhante tllo consciente nem exato se encontr-i em parte algumaantes do aparecimento de Stendhal e de Balzac, e este ultimoult rapassa 0 primeiro de longeno que se refere a l i~lIo organicaentre homem e historia. Uma tal conce~1I0 e uma tal pratica silototalmente historicistas.

    Voltemos ainda uma ve z ao segundo mot ivo - ce neserontpas desfaits imagitJIJires;ce sera ce gu i se passe par tou t : C om istof ica di to que a invencso n llo haure da l ivre forca i rnaginativa , masda vida real, tal como se apresenta em toda parte. Ora, Balzacpossui, diante desta vida, multiple, embebida de hist6ria, represen-tada sern rebucos , com tudo 0 que river de quotidiano, pratico, feioe comum, uma posi~iIo semelhante a que Stendhal ja possui ra :leva-a a serio e ate a considers tragicamente, nesta forma real,quo tidiana , int rahist6rica . Is to nl lo exist iu em parte a lguma naepoca posterior ao surgimento do gosto classico ; nem antes, nestaforma pratica e intrahist6rica, dirigida para uma auto-responsabi-lizao;iIo social do homem. A partir do Classicismo frances e,sobretudo, ap6s 0 absolutisrno, nllo sornente 0 t ra tamento doquotidianoreal tinha se tornado muito mais limitado e decoroso,mas tarnbem a atitude que se tinha diante dele privava-se, porassim dizer, fundamentalmenre, do tragico e do problematico.Tentarnos anali sar is to nos capi tulos precedentes ; urn objeto darealidade pratica podia ser tratado de forma comica, satir ica, dida-t ico-moralizante; certos ob je tos de campos bern cir cunscri ros e~ctcrminados do contcmporiineo e quotidiano atingiam ate 0 nlvelesti li st ico mediano docomovente; mas ni lo se ia alem, A vida real.quotidiana, mesmo das camadas medias da sociedade, era considers-da como de estilo baixo; 0 engenhoso e importante Henry Fielding,que toea tan tos problemas morais, estet icos e social s, manrern a .represent~iIo sempre nos limites do tom satlr ico-moralisra e diz noToo/ jones (l ivro XIV, Cap. I): . .. that kind of nooels which, Jikethis / am writing, is 0 / the comic class.

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    A irrupcao da ser iedade tragica e existencial no ReaIismo, talcomo a constatamos em Stendhal e Balzac, esta, sem duvida, emestreita correlacao com 0 grande ruovirnento romanrico da misturados estilos, design ad o pelo slogan' ' Shakespeare cont ra Racine", econsidero a forma de Stendhal e Balzac, a mistura do serio com areaIidade quotidiana, muito rnais decisiva, autentica, irnportante,do que a do grupo de Victor Hugo, que que r ia unir 0 sublime aogrotesco.

    A novidade da atitude e a nova especie de objetos que eramtratados ser ia, problernarica, tragicarnente, tiverarn como efeito 0desenvo lv imento progress iva de uma especie totalmente nova deestilo ser io ou, se se quiser, c1evado; nlio ser ia possivel transferir,para os novos obietos, sem rnais ~em rnenos, os ,ni~eis antigos,nem oscr istaos, nem os shakespearianos, nem as mveis r acuuanosde percepcao e de expressao; num prim~iro rno.mento rnostrava-seuma certa inseguranca nesta nova especie de ati tude grave.

    Stendhal, cujo real isrno surg ira a part ir de uma. r esi stenciacontra urn presente que lhe era d('~I?rezivc1,ainda conservou na sua;a ti tude muito dos ins tintos do seculo XVIII . Nos seus herois a inda-aparecem as espectros das lernbrancas de f iguras tais como Romeu,Don Juan, Valmont (das liaisons Dangeureses) e Sainr-Preux.,sobretudo vive nele a figure de Napoleao: os herois dos seusromances pensam e sentem contra 0 tempo , rebaixarn-se somentecom desprezo a s intrigas e maquinacoes do presente pos-napoleo-n ico: embora se imiscuam constan ternente mot ives que, segundoas concepcoes anteriores, teriarn carater cornice, nllo deixa deprevalecer para ele o conceito de que uma figura pela qual senteuma participacjo tragica, participacao qUE'tarnbem exige do leiter,deve ser urn heroi autentico, grande e audacioso nos seus pensa-meows e paixoes. A l iberdadc do coracao grande, a l iberdade dapaixao ainda te-ffi, no caw de Stendhal , mui to da ahura . ari st~r a-tica e do jogo com a vida que pertcncem, ames, ao ancten regImedo que a burguesia do seculo XIX.

    Balzac submerge os seus herois bern mais pro fundamente natemporalidade; com isto, perdcm-se-Ihe a medida e os lirnitesdaquilo que, anter iorrnentc, era considerado tragico; e a ser iedadeobjet i va diante da realidade modcma, que se desenvolveu maistarde , esta ele a inda nao possu i, Qualquer enredo, por mais tr ivialou corr iqueiro que seja , e por de tratado grandiloquenternente,como se fosse t ragico ; qualquer mania ( :por ele v ista como paix ilo.Esra sempre disposto a marcar qualquer infeliz como heroi oufomo santo; se se trarar de uma mulher, cornpara-a com u~ anjoou com urna madona. Demoniza todo e qualquer malvado vsgorosoe, em geral, qualquer figura ievemente sombria; e chega ate acharnar 0 coitado do velho Gorier ce Christ de 10 paternit.Correspondia ao seu ternperamento agitado, calido e carente decritica; correspondia tarnbern a moda de vida romantica, farejar pot

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    1 \ 1 < \ MANSAO DE LA MOLE32 433IMESIS

    toda par te forcas demoniacas secretas e exacerbar a expressao ate 0melodramatico.Na geracao seguinte, que faz sua aparicao nos anos cinquen-ta, apresenta-se, neste sentido, uma violenta reacao: com Flauberto realismo torna-se apartidar io, impessoal e objetivo, Num traba-Iho preparat6rio sobre "a imitacao seria do quo tidiano" , anali se]

    urn trecho de Matkme Bouary a partir deste ponte de vista, erepetirei aqui aquelas paginas, com poucas modif icacoes e abre-via,,5es, pois encaixam perfeitamente na atual corrente de ideias, eporque 0 local e a data da 'Sua publ icacao ( Istambul , 1937) devernter impedido que chegassern a ter muitos leitores. 0 trecho emquestw esta no Cap. 9 da primeira parte de M a do .m e B o ua r y e dizass im:

    . .

    a ficar adoentada, de tal fonna que 0 seu marido se decide a deixarTostes, pois acredita que 0dima nllo the faz bern.A propria passagern mostra urn quadro: marido e mulherjuntos, durante uma reie i"l Io . Mas este quadro nl lo e mostrado, deforma alguma, em si ou por si mesmo, mas esta subordinado aoobjeto dominante, ao desespero de Emma. Por isso mesmo tam-bern, nllo e apresentado ao leitor de forma imediata - eis duaspessoas sentadas A mesa, e M esta 0 leiter que as observa -, mas 0leiter ve, em prirneiro lugar, Emma, da qual muiro se falou naspaginas anteriores, e somente atraves dela e que ve 0 quadro. Deforma imediata, 0 leitor ve apenas 0 estado interne de Emma, e deforma mediata, a parti r deste estado , a lux da sua sensacao, ve 0processo da refei"iIo A mesa. As primeiras palavras do trecho: Matsc'etait sur/out aux beures des repas qu 'elle n 'en pouvail plus. __anunciam 0 t ema, e tudo 0 que se segue nllo passa de desenvolvi-mento do mesmo. Nao .s6 as dererminacoes dependentes de tkns eavec, que indicam as espacialidades, se constituem, com 0sellamontoado de pormenores do rnal-estar, num comentario para ellen 'e n p o uu a i: plus, mas tambern a oracso seguinte , que fa la do nojoque Ihe causam as cornidas, sujeita-se, no seu sentido e no seuritmo, A inten"lIo principal. Quando mais tarde se Ie: Charles etaitlong d manger, embora se trate grarnaticalmente de uma novaoracao, e. r itmicamente de.urn nOVOmovimento, nllo deixa de serapenas uma retornada, uma varianre do rnovirnento principal;somente a part ir do cont raste ent re 0 seu tranqailo comer e a suarepugnancia e os movimentos descritos logo a seguir, do seunervoso desespero, a orao ;l Io ganha a ' sua s igni fica"l Io propria. 0homem que come, despreocupado, torna-se ridlcu lo e algo espec-t ra l; quando Emma olha para ele , ass im como esta sentado e come,torna-se 0 motive principal propriamente dito do e lle n 'e n poutJ(litp lus ; pois tudo 0 mais que origina 0 desespero, 0 t ri ste r ecin to, acornida habi tual, a fa lta de toalha de mesa, 0 desconsolador docon junto todo, parece a ela e , por consegu inte, tarnbem ao leiter ,a lgo que tern a ver com Charles Bovary, que emana .dele , a1go queser ia totalmente diferente se ele fosse diferente.

    Desta forma, a situao;iIo n~ e apresentada simplesmentecomo quadro, mas 0que e apresentado em primeiro Iugar e apersonagem Emma e, a traves dels , apresenta-se a s iruacao. Aindanito se trata, contudo, como em alguns romances em primeirapessoa e em outras obras posteriores do mesmo tipo, da simplesreproducao do conteudo da consciencia de Emma. daquilo quesenre e do modo como 0 sente. Embora seja dela que se irradie aIU7. que ilumina 0 quadro , e la propria n llodeixa de ser uma parte doquadro, situando-se em seu centro. Lembra assim 0 falante da cenade Petronio, no nosso segundo capitulo; .s6 que os meios queFlaubert emprega si lo di ferentes. N30 e Emma quem fala aqui , maso escritor, Le pne l e qui furnail, fa p()r te qui eriait, le s murs qui

    Mais cetai t surtout aux heures des repas qu ' eUe n 'en pouvaitplus, dans cet te peti te sal le au rez-de-chaussee, avec le poele quifumait, la porte qui criait, les murs qui" suintaient, les paveshurnides; louie I' amertume de l 'exisrence lui semblai t servie surson assiette, er, A l a fumee du bou il li , i lmonta it du fond de son arnecom me d'autres bouf fees d'affadissement . Charles eta it long amanger; elle grignotait quelques noisettes, ou bien, appuyee ducoude, s 'amusait , avec la pointe de son couteau, de fa ire des r aiessur la toile ciree.

    M~, ern sobretu do ~$ hora de Icfci~ao 'tile el~nao ~guentav~ mals,ncsta pequcna sala < . 1 0 andar terreo, corn a e st uf a que f u m e ~ 3 v a , a porta querangi a, 0 ' muros que re ssurnavam, a s la je s umi

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    suintaient, les paves bumides: certarnente Emma sente e v~ tudoisto, mas ela nlio seria capaz de ajunta-lo desta forma. TosteI'amertume de l 'exi stence lui semblai t sense sur son assiet te: elacertarnente tern uma tal sensacso , mas se qu isesse expr imi-la, nl ioo faria desta forma; para chegar a esra forrnulacao faltamlhe aagudeza e a fria honestidade que results de uma prestacso de contasconsigo mesmo. Todavia, nllo e de modo algurn a existencia deFlaubert , mas a de Emma a (mica que se apresenta nestas palavras;Flaubert nlio faz sense tornar linguisticamente maduro 0 materialque ela oferece , em sua p lena subjet ividade, Se Emma pudesseIa~-Io sozinha, n1lornais seria 0 que e, ter-se-ia emancipado de s imesma e. com isto, estar ia salva. Assim, ela nllo ve sirnplesmente,mas e ela propria vista como alguern que ve, e atraves disto, pelamera designacao nitida da sua existencia subjetiva, a par tir das suasproprias sensacoes, e julgada, Quando se Ie uma passagern pos-terior (2~ parte, Cap. 12): jamais Char les ne lui para issai t auss idesagreable, auoir les doig!s aussi carres, l 'esprit aussi lourd, les/a~ons si communes .. . pensa-se talvez por urn instante que estasingular [ustaposicao seja 0 resultado de urn amontoamento afetivodos mot ives que fazern jo rrar a aversao de Emma pelo marido; queseja ela pr6pr ia quem, por assim dizer, pronuncia intemamenteestas palavras; que setrate de urn caso de discurso indi re to . Masisro ser ia urn erro. Trata-se, de faro, de alguns motives paradigma-rices da aversao de Emma, mas foram concatenados mui to preme-ditadamente pelo autor, e nao por Emma, movida por suasernocoes. Pois Emma sente mui to mais, e de maneir a rnui to rnaisconfusa; ve tarnbem outras coisas, afora estas, no seu corpo , nosseus modos, nas suas vestimentas; misturam-se lembrancas, entre-mentes ouve-o dizer alguma coisa, senre talvez sua mlio, a suarespiracao. ve-o andar dedara la, bonachao, l imi tado , ins ipido edespreocupado; e urn semmimero de irnpressoes confusas. A unicacoisa que aparece com contornos nltidos e a repugnancia que sentepor ele, e que ,deve ocultar, Haubert transpoe a agudeza nasimpressoes: escolhe tres denrre elas, de forma aparenternente invo-,luntaria, mas que 5 1 1 0 tiradas de forma exemplar do flsico, doespi ri tual e do comportamento; e coloca-as ass im como se fossemtres cheques que atingern Emma urn ap6s 0 outre. Isto, evidente-mente, nlio e uma reproducao naturalista da consciencia, O scheques naturals ocorrem sernpre de forma totalmente diferente.Ha nisto a mao ordenadora do escritor, que compendia de formafechada a confusao do conteudo interne e 0 dirige no sentido emque ele pr6prio avanca: na direcao "repugn4ncia diante de CharlesBovary". Esra ordenacso do conteudo interno evidentemente naorecebe as suas escalas de fora, mas do pr6prio material de que seconstitui. E posto em ordem aquilo que deve ser empregado paraque 0 pr6prio cont6udo se transforme em linguagem, sem misturaalguma.

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    Quando se compara esta forma de, representacso com as deStendhal ou Balzac, deve-se expor preliminarrnente que tambemaqui podem ser encontradas as duas caracteristicas decisivas dorealisrno modemo; tarnbern aqui aq~nt~imentos quotidianos ereais de uma camada social baixa, da burguesia provinciana, saolevados muito a serio - ainda falaremos sabre 0 carater especialdesta seriedade - e tarnbern aqui os acontecimentos quo tidianosestao submersos muito exata e profundamente numa epoca h ist6-rico-contemporsnea determinada (a epoca da monarquia burguesa);embora isto ocorra de forma menos evidente do que no caso deStendhal ou de Balzac , n ilo deixa de ser incontes tavel. Nestas duascaracterlsticas fundamentais existe, em contraste com todo 0 realis-mo anterior, unanimidade entr e os t r~ escri to res; mas a pos i~ao deHaubert diante do seu objeto e to ta lmente di ferente. No caso deStendhal e de Balzac, ouv imos com frequencia , quase constan te-mente, alias, 0 que 0 autor pensa acerca das suas personagens e do sacontecimenlOs; Balzac acornpanha algumas vezes as suas nar-racoes com cornentarios comovidos, ou ironicos, ou morais, ouhistoricos, ou economicos, Ouvimos, tambern muito amiude 0 queas pr6prias personagens pensam ou sentem, e iSIO ocorre freqaente-mente de tal maneira que 0 autor se identif ica com a personagemnuma situaClio dada. Estas duas coisas faltam em Haubert quaseintei ramente . A sua op in iao sobre os acon tecimentos e as persona-gens nlio e expressa; e quando as pr6prias personagens se rnanifes-tam, isto nunca ocorre de tal forma que 0autor se identif ique coma sua opiniao, ou com a intencso de levar 0leiter a se identif icarcom ela. Embora oucamos 0autor falat, ele nilo exprime qualqueropiniao e n ilo cementa. Seu papel l irn ita-se a escolher os aconteci-memos e a traduzi-los ern linguagem, e i st o o c or re com a con-viccao de que qualquer acontecimento, se fo r poss lvel expr imi-lol impa e integralmente, interpre taria intei ramcnte a si p r6prio e osseres humanos que dele part ic ipassern; muito melhor e mais intei -r amente do que 0poderia fazer qualquer opini ilo ou juizo que lhefosse acrescentado. Sobre e s ta c o nv lc c so , isto e , sabre a profunda_confiant;a na verdade da linguagem empregada com responsabili-dade, honestidade e esmero , r epousa a arte de Flaubert.

    Isto e uma tradicao muito ant iga , c lassicamente fr ancesa. jano verso de Boileau sobre 0 poder da palavra bern empregada(acerca de Malherbe: d'un mot mis en sa place enseigna lepouvo;r) ha algo disto; consideracoes semelhantes encontram-seem La Bruyere. Vauvenargues disse: // n y tJurait point d'errearsqui ne perissent d'elles-mimes, exprimees clairement. A coniancade Fiaubert na l inguagem vai a lem da de Vauvenargues: acredi taque tarnbem a realidade do acontecimento se desvende na expressAolingUlstica. Aaubert e urn homem que t tabalha mui to consciente-mente e passui senso artlstico c rltico nurn grau pouco comum alena Fr3n\a. Por isso encontram-se em sua correspond~da, espe-

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    ciaJmente a dos anos 1852 a 1854, durante os quais escreveuMadllme Bovory iTroisieme Serie na Nouvelle edition augmenUeda Corre spond ence , 1927), muitas manifest~Oes esclarecedorasacerca < l a s suas intencoes artisticas, E1asdesembocam numa teoriaque e, em ultima analise, mistica, mas que repousa, na pra tica,C?m.o ! o d o verdadei~o mist ic is rno , sobre a razso, a experiencia e adisc ipl ina; u~a teona da submersao nos ob ie tos da realidade que seesquece de SI mesma, atraves da qual estes objetos ser iam transfer-mados. (par une chimie merueilleusey e evoluiriam ate atingir amatundade verbal. Desra forma , os obieros preenchem inteira-mente 0escritor, ele se esquece a si proprio, 0seu coracsoserve-lhe . ti lo-somente para sentir 0 dos outros; e quando esteestado, atingivel somente pela violencia de uma paciencia fanaticafor aIca~r;ado, a expressao Iinguistica plena, que ao mesmo tem~apanha integralmente 0 obieto em quest ilo e 0 iulga imparcialmen-te, apresenta-se de per si ; os ob je tos s40v is tos como Deus os v i!, nasua ve~dadeira realidade. A isto junta-se uma concepcao da misturade estilos que surge da mesma visao mistico-realista: n"aohaveriaobieros elevados e baixos; 0 universo seria uma obra de arte criadase~ parcia lidade,.o art ista r eali st s deveria imi tar os processos daCr t~OO, e cada objeto conteria, na sua peculiaridade, perante oolhode Deus , tanto a seriedade quanto a comicidade, tan to a d ign idadequanto a baixeza. Se fo r reproduzido cor re ta e exatamente entsotambern sen! atingido exatamente 0 n ivel de est ilo que the cor res-ponde; n40 e ~ecess;l. ria nem uma teoria geral dos niveis, pels qualos ob}et~ senam graduados segundo a sua dignidade, nem qual-quer analise por parte do escritor, que comente 0 objeto ap6s sua.apresentacao, para f ins de rnelhor compreensao e mais exata orde-nar; tloj tudo isto deveria surg ir por si proprio a part ir da represen-tar;4o do objeto.. E . evidente o. cont raste que existe ent re esta concepcao e i&evideoclar;oo granddoqUente e ostentat6ria do pr6prio sentimento ed a s esca la s por ele conferidas, tal como tinha surgido a partir deRousseau e por sua causa; uma interp retacso comparativa ent re afr~ de Flaubert : Notre coeur ne doit ltre bon qu '0 s entir ceisi deseatres, e a de Rousseau, no inicio das Confess ions: [e sens moncoeur, et ie connais les bommes, poderia representar exaustiva-mente a mudanca de posir;ao que acabava de se completar . Porem,da correspondencia tambern surge com dareza quw penosamente eC ? I l l que convulsionado esfo rco Flaubert chegou t l .s suas con-v~c.~. Os grande~ ob~tos e a ~tuar ;w livre e carente de responsa-bi lidades da fantas ia cnadora amda tern urn grande atr at ivo paraele ; deste pon to de vista, v e Shakespeare, Cervantes e ate Hugoco~ olhos to~almente romsnticos, e maldiz pot vezes 0 seu pr6prioobjeto, est re ito e pequeno-burgues, que 0 obriga a realizar urnt~abalho est ihst ico rn iniatur al dos mais penosos (dire 0 /0 loissimplement et p~opre.ment des chases fIU/gaires). l sto vai por vezestw longe que d iz coisas que cont radizem as suas posiCoes funda-

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    menials: . .. et ce qu 'il y a de desolant, c ' est de penser que, mimereussi dI lns 10per fect ion, cela (Madame Bovary) ne peut t tre qtupassable et ne se ra jamais beau, 0 cause du fond mime. junra-seainda a isto 0 fato de ele, como tantos importantes artistas dos ec ul o X IX , odiar 0 seu tempo; vi! com grande agudeza os seusproblemas e as crises que estiIo em preparacao; v! a anarquiainterna, 0manque de base the%gique, 0 c om ec o d a m as si fic ac ao , 0historicismo corrompido e ecletico, 0dominio do chavao; noo ve,conrudo, qualquer solucso, qualquer escapator ia; 0 seu fanaticornisticismo artistico e quase como uma rel igi40 sucedanea, a qualSf aferra convulsivamente, e a sua honestidade lorna-Sf muitofreqiientemente resrnungona, mesquinha, coler ica e nervosa. Comisto sofre, por vezes, 0amor imparciai pelos objetos, cornparavel aoamor do criador. Todavia, a passagem que anali samos esta intatap or e ss as lacunas e debilidades do seu ser ; p e rm i te - no s ob se r va r 0eleito da sua inlenr;tlo artistica na sua pureza.

    A cena most ra marido e mulher, a mesa, a mais quotidianadas situacoes que possarn ser imaginadas; anter iorrnente, 56seriamconceb iveis li terariarnente como parte de uma farsa, de urn idHio,de uma sati ra . Aqui e urn retra to do mal-estar, a saber, n tlo de urnrnal-estar momentiineo e passageiro, mas de urn mal-esrar crenico,que domina inte ir amente toda uma existencia , a de Emma Bovary ,Embora, mais tarde, aparecam toda classe de acontecimentos,inclus ive h istories amorosas, ninguern podera ver nesta ceria amesa 56 uma parte da exposir;oo de uma hist6ria de amor, nemquerera designar Madame &vory como urn romance de amor. 0romance e a representacao de toda uma existencia humana semescapator ia, e 0 nosso trecho e uma parte disso, que contem,contudo, 0 todo em seu bojo. Nesta cena n40 aconlece nada deextraordinario, e nada de exrraordinario aconteceu no passadoimediato. E urn instante qualquer da hora regularmente recorrenteem que marido e mulher comem jun tos . Os dois ntlo brigam, m1 0se apresenta nenhurn conflito tangivel. Emma esta totalmentedesesperada, mas 0 seu desespero nso e causado. por qualquercatasr rof e deterrninada: nt lo ha nada de total mente concreto quetenha perdido ou desejado. Embora tenha muitos desejos, estes soototal rnente vagos: e legancia , arnor , uma vida cheia de variacces.Ur n t al desespero carente de concrecao pode ter exist ido sempre,mas antes nunca se pensou em leva-lo a serio em obras l iterarias .Urna t al t ragicidade carente de forma, se fo r possivel chama-la detragicidade, que e desencadeada pela pr6pria si tuacso como urntodo, s6 se tornou apreensivelli terariamente atraves do Rornantis-!po. Flaubert deve ter sido 0 primeiro a representa- la junto a sereshumanos de ba ixa formacao espiritua l e de baixo nivel social. Ecertamente e 0 prirneiro a apreender imediatamente 0 caratercircunsrancial dessa situar;w animica, Nada acontece, mas e stenada tornou-se urn alga pesado, surdo e ameacador . j;l .vimos comoFlaubert consegue iSlo: ordena, na linguagem, as confusas impres-

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    sOes do mal-estar que surgem em Emma pela observacso doreclnro, da comida e do marido, ate conferir-lhes uma densaunivocidade. Em geral tambern narra 56 raramente aconreclmentosque impelern rapidamente a ar;io; mediante uma serie de merosquadros, que lazem do nada do dia-a-dia indiferente uma duradourapresence do desgosro, do enfado, de lalsas esperaness, de decepcoesparalisantes e d~lastimaveis ternores, urn destine humano cinzentoqualquer arrasta-se lentamente para 0 seu f im.

    Tambem a interpretacao da siruar;io esra contida em simesma. Os dois est llo sentados juntos, a mesa; 0homem nadasuspeita do estado interne da mulher; t~m tao pouco em comum,que nem chega a haver uma disputa, uma discussao, urn conflitoaberto. Cada urn deles esta de tal modo encasulado no seu propriomundo, e la no desespero enos vagos sonhos deseiosos , e le na suatola satislar;io provinciana, que os dois estso total mente solitar ies.Nada t~m. em c omum , mas nada earnbem de proprio. por cujacausa valesse a pena ficar sozinho, Pois cada um tern para si urnmundo falso e nescio, que nao e possivel coadunar com a realidadeda sua siIar;lIo, de tal modo que cada um deles desperdica aspossibilidades da vida que se lhes oferecem. 0 que acontece comestes dois vale para quase todas as personagens do romance. Cadaum do s rnuiros seres humanos mediocres que nele se movimentamtern 0 seu pr6prio mundo de estnpidez nescia e mediocre. urnmundo de ilusoes, habitos, impulses e chavoes; cada um esta 56.nenhum pode compreender 0outro, nenhum pode ajudar 0outro aatingi r a compreensso. Nilo existe urn mundo comum do s sereshumanos, porque este sornente poderia surgir quando muitos delesencon~rassem o. caminho para a realidade autentica e propria,confenda a cada urn d ele s - realidade esra que ser ia t ambem,entao, a autentica realidade comum. Certamente os homens seencontram para os seus afazeres e diver timentos, mas este encontronllo da nenhum sinal de comunidade; torna-se esquerdo, r idicule,penoso, e esta carregado de incompreensao, vaidade, mentira eodio esnipido, 0 que seria realmente 0 mundo, 0 mundo do s"sabios ", isto Flaubert nunca nos diz. No seu Iivro 0 mundo eleito de mera estupidez, que nllo atina para a "verdadeira realidade,de tal forma que esta nem pode ria ser encontravel. Todavia, elaexiste, Existe na linguagem do escritor, que desmascara a estupidezpelo seu mero relato, A linguagem tern, pois, uma escala para aestupidez e, com isto, tern tarnbem parte daquela realidade dos. . sabios ", que nl lo aparece em nenhurna out ra forma neste l ivro .Tambem Emma Bovary, a figura principal do romance estaro ta lmente imersa na falsa reaIidade, na bitire humaine, assimcomo 0 "her6 i" do out ro romance real is ta de Aaubert , Fr edericMoreau, da Education sentimentale. Como encaixa a modalidadeda representar;lIo 'flaubertiana de tais pers()nagen.~ nas categoriastradicionais do "trtigico" e do "comico"? Sem duvida, a exis-teocia de Emma ~ apreendida em tOOa a sua profundidade, sem

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    duvidaas categorias intermediar ies, que antes existiram, como, potexernplo, "comovente" ou "satirico" ou ralvez "didatico" noosa o apl icaveis , e mui to amiude 0leiter e arrebatado pelo seudestine de uma forma que se parece muito com a compaixaot ragica . Mas ela n llo e uma autent ica heroina rr agica . A maneiracomo a linguagem desnuda 0olo, 0rnaturo, 0desordenado e ate 0r ni se ra ve l d es ta vida. no qual f ica presa (toule I'amertume deI 'existence lui semblait seroie sur son assiette) , exclui a ideia daaurent ica t ragicidade, eo autor eo lei to r nunca podem se sent ir det al lo rma unos com ela , como deve set 0 caso com 0 hero i tragico,E1a e sempre posta a prova, julgada e. juntamente com todo 0mundo em que esra presa, condenada, Mas tampouco e c6mica;oio 0 e, com roda certeza; para tanto. e compreendida rnuitopro fuodamente demais a part ir do envolvimento do sen destine,embora Flaubert nllo leve a cabo qualquer especle de "psicologia c iacom preensao" , mas deixe falar sirnplesmente os fates. Encontrouuma posicso diante da realidade c ia vida contemporanea que diferetotalmente das posicoes e dos niveis estil lsticos anter iores, mesmoos de Stendhal e de Balzac, alias, precisarnente desses dois. Poderiaser chamada mui to s irnplesmente de "seriedade ob jetiva". Isroparece estranho como denominacao estilistica para uma obra dearte l iteraria . Seriedade ob jet iva que procure penetrar a te as pro -fundezas das paixoes e enredos de uma vida humana, sem contudoentrar ela pr6pria num estado de excitacso, ou, pelo menos, semd e la ta r e s sa e x ci ta c ao : e st a E o uma posir ;io que se pode esperar maisde urn clerigo, de ur n educador ou de urn psicologo do que de urnart ist s. Mas estes querem agi r de fo rma imediatamente prat ica, 0que esta longe das intflnr;Oes de Flaubert, Atraves da sua atitude -pas de cris, pas de convulsion, rien que fa / ixiU d'un regard pensif- quer obrigar a linguagem a produz i r a v er da de a ce rc a do sobjetos da sua observacao: l es ty le etant d lui tou t seul une maniereabsolue de voir les cboses (CO"., II. 346). Em todo caso, atinge-setarnbem at raves d isto, no l im das contas, uma intencao pedag6gicae decrl tica do seu tempo; e noo se deve reeear d ize'lo., por mais queFlaubert lata questao de ser art is ta e nada mais que art is ta , Quantomais a genre se ocupa com Flauben, tanto rnais se evidencia aprofundidade da sua visllo da problematica e da socavacso dacul tura burguesa do secu lo XIX cont ida nas suas obras real is tas; emuitas passagens irnportantes da sua correspondencia confirmameste fa to, A demonisacso dos processos socia is , que se encon tra emBalzac, falta, evidentemente, em Flaubert de forma total e abso-lura. A vida nllo mais ondula e escuma, mas flui viscosa enesadamente. Para Aaubert, 0 peculiar do s acontecimentos quoti-d ianos e eontemporaneos nio parecia estar nas ar; lJese nas paixOesmuito movimentadas. nl lo em seres ou for~as demoniaeas . mas noque se fa]. p rt 'sente durante longo tempo . aqui lo cujo movimentosuperficial nl lo e senio burburinho vl lo; ent remcntes , por baixoocorre urn out ro movimento . quase impercept ivel, mas un iversal e

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    uunterrupto, de. tal fonna que 0 subsolo politico, econOmico esocial parece ser relativamente estavel, mas, ao mesmo tempo,parece tambem estar insuportavelmente carregado de tensso,Todos os acontecimentos parecem modifid-Io mui to pouco; mas,na concrecao da dur~ao, a qual Flaubert sabe suger