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25 REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 25: 25-38 NOV. 2005 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 25, p. 25-38, nov. 2005 Luís Felipe Miguel IMP ASSES DA  ACCOUNTABILITY : DILEMAS E AL TERNA TIV AS DA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA 1 Recebido em 26 de setembro de 2004 Aprovado em 12 de outubro de 2005 1 Este texto inclui resultados iniciais da pesquisa “Mode- los alternativos de representação política”, apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e T ecnológico (CNPq) com u ma bolsa de Produtividade em Pesquisa. Uma versão inicial foi apresentada no Grupo de Trabalho “Controles democráticos e cidadania”, no 27º Encontro Anual da Associação Nacional de Pesqu isa e Pós- graduação em Ciências Sociais, realizado em Caxambu (MG), entre 21 e 25 de outubro de 2003. Agradeço as críticas e sugestões de Fábio Wanderley Reis, Paulo D’Ávila Filho, Cláudio Gonçalves Couto, Fernando Lattman- Weltman e demais participantes do grupo. Também agra- deço a leitura atenta e os comentários de Regina Dalcastagnè. Os erros e omissões, como de praxe, continuam sendo de minha inteira responsabilidade . Um elemento crucial das democracias eleitorais é a accountability, que garantiria o vínculo entre repr esen- tantes e representados. Mas as esperanças depositadas nela não encontram ma is do que uma pálida efetivação na prática política. A capacidade de supervisão dos constituintes sobre seus representantes é reduzida, devido a fatores que incluem a complexidade das questões públicas, o fraco incentivo à qualificação  política e o controle sobre a agenda. Diante dessa situação, surgem propostas de transformação radical dos mecanismos representativos, que resgatam a idéia de “representação descritiva” e enfraquecem ou mesmo abolem a accountability. É o caso, notadamente, da represe ntação de grupos e da substituição das eleições  por sorteios. Embora prescindindo de instrumentos formais de responsividade dos governantes em relação aos governados, as formas propostas gerariam um corpo de representantes mais assemelhado ao conjunto da população e ampliariam a rotatividade nos cargos decisórios. O presente artigo analisa as propostas de representação descritiva sob o ângulo da relação entre representantes e representados. Embora muitas vezes padeçam de sérias fragilidades e pareçam inviáveis para implementação efetiva, essas propostas incorporam críticas importantes e que merecem ser levadas em consideração, a respeito do funcionamento da representação eleitoral e, em particular, da accountability. PALAVRAS-CHAVE: repres entação política; democracia; accountability; democracia radical. I. INTRODUÇÃO Onde quer que situemos o início da busca por uma ciência da política – em Aristóteles, em Maquiavel ou em Hobbes, para citar apenas três precursores comumente considerados –, um tema central é a constituição e a manutenção do poder político. Conforme vai-se desenvolvendo o esforço de construção do conhecimento sobre a política, antes e depois da emergência da Ciência Política em sua feição contemporânea, esse tema desdo- bra-se em discussões sobre o problema da “obri- gação política”, tão caro à tradição liberal 2 ; sobre a “legitimidade” da dominação, na célebre formu- lação weberiana; sobre a “hegemonia”, que se tor- nou uma das grandes preocupações do pensamen- to marxista (e cuja referência crucial é, evidente- mente, Gramsci, 2000 [1932-1934]); sobre a “governabilidade”, conceito de enorme penetra- ção, que tem sua origem no pensamento mais conservador (CROZIER, HUNTINGTON & W A T ANUKI, 1975) e tanta s outr as. É legítimo afirmar que, em grande parte da Ciência Política contemporânea, o tema da for- mação e da manutenção do poder se transmuta no tema da organização democrática. A partir da II Guerra Mundial, num processo contínuo, a de- mocracia vem ganhando legitimidade universal. Nos países do Ocidente, é o único regime político capaz de garantir a aceitação dos governados. Em todo o mundo, os mais diferentes regimes busca- 2 Para uma resenha crítica, ver Pateman (1985).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 25: 25-38 NOV. 2005

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 25, p. 25-38, nov. 2005

Luís Felipe Miguel

IMPASSES DA ACCOUNTABILITY :

DILEMAS E ALTERNATIVAS DA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA1

Recebido em 26 de setembro de 2004Aprovado em 12 de outubro de 2005

1 Este texto inclui resultados iniciais da pesquisa “Mode-los alternativos de representação política”, apoiada peloConselho Nacional de Desenvolvimento Científico eTecnológico (CNPq) com uma bolsa de Produtividade emPesquisa. Uma versão inicial foi apresentada no Grupo deTrabalho “Controles democráticos e cidadania”, no 27ºEncontro Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Ciências Sociais, realizado em Caxambu(MG), entre 21 e 25 de outubro de 2003. Agradeço ascríticas e sugestões de Fábio Wanderley Reis, Paulo D’ÁvilaFilho, Cláudio Gonçalves Couto, Fernando Lattman-Weltman e demais participantes do grupo. Também agra-deço a leitura atenta e os comentários de Regina Dalcastagnè.Os erros e omissões, como de praxe, continuam sendo deminha inteira responsabilidade.

Um elemento crucial das democracias eleitorais é a accountability, que garantiria o vínculo entre represen-tantes e representados. Mas as esperanças depositadas nela não encontram mais do que uma pálida efetivaçãona prática política. A capacidade de supervisão dos constituintes sobre seus representantes é reduzida,devido a fatores que incluem a complexidade das questões públicas, o fraco incentivo à qualificação política e o controle sobre a agenda. Diante dessa situação, surgem propostas de transformação radical dosmecanismos representativos, que resgatam a idéia de “representação descritiva” e enfraquecem ou mesmo

abolem a accountability. É o caso, notadamente, da representação de grupos e da substituição das eleições por sorteios. Embora prescindindo de instrumentos formais de responsividade dos governantes em relaçãoaos governados, as formas propostas gerariam um corpo de representantes mais assemelhado ao conjuntoda população e ampliariam a rotatividade nos cargos decisórios. O presente artigo analisa as propostas derepresentação descritiva sob o ângulo da relação entre representantes e representados. Embora muitasvezes padeçam de sérias fragilidades e pareçam inviáveis para implementação efetiva, essas propostasincorporam críticas importantes e que merecem ser levadas em consideração, a respeito do funcionamentoda representação eleitoral e, em particular, da accountability.

PALAVRAS-CHAVE: representação política; democracia; accountability; democracia radical.

I. INTRODUÇÃO

Onde quer que situemos o início da busca poruma ciência da política – em Aristóteles, emMaquiavel ou em Hobbes, para citar apenas trêsprecursores comumente considerados –, um temacentral é a constituição e a manutenção do poderpolítico. Conforme vai-se desenvolvendo o esforçode construção do conhecimento sobre a política,antes e depois da emergência da Ciência Política

em sua feição contemporânea, esse tema desdo-

bra-se em discussões sobre o problema da “obri-gação política”, tão caro à tradição liberal2; sobrea “legitimidade” da dominação, na célebre formu-lação weberiana; sobre a “hegemonia”, que se tor-nou uma das grandes preocupações do pensamen-to marxista (e cuja referência crucial é, evidente-mente, Gramsci, 2000 [1932-1934]); sobre a“governabilidade”, conceito de enorme penetra-ção, que tem sua origem no pensamento maisconservador (CROZIER, HUNTINGTON &WATANUKI, 1975) e tantas outras.

É legítimo afirmar que, em grande parte da

Ciência Política contemporânea, o tema da for-mação e da manutenção do poder se transmuta notema da organização democrática. A partir da IIGuerra Mundial, num processo contínuo, a de-mocracia vem ganhando legitimidade universal.Nos países do Ocidente, é o único regime políticocapaz de garantir a aceitação dos governados. Emtodo o mundo, os mais diferentes regimes busca-

2 Para uma resenha crítica, ver Pateman (1985).

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ram adaptar o rótulo de “democrático” para sipróprios – gerando uma miríade de democraciasadjetivadas, das “democracias populares” do Lesteeuropeu à “democracia islâmica” da Líbia e do Irã– ou, ao menos, afirmavam ser etapas necessári-as para a edificação da democracia, como as dita-duras de segurança nacional na América do Sul.

Assim, no campo da teoria política, ao menosa partir da segunda metade do século XX, a teoriada democracia torna-se a preocupação dominante(secundada pela discussão sobre a justiça). A de-mocracia também é uma das questões centraisnos estudos empíricos da Ciência Política, querde maneira direta, quer indireta (estudos sobre elei-ções, sobre processos decisórios, sobre elites).De maneira talvez um pouco simplificada, mas

ainda assim sustentável, pode-se dizer que a de-mocracia é, já há algumas décadas, o horizontenormativo – explicitado ou implícito – de quasetoda a Ciência Política.

Falou-se há pouco das “democraciasadjetivadas”. Há, em contraposição a elas, umademocracia não-adjetivada, o regime político queé geralmente aceito como democrático, pelo sen-so comum e também pelas Ciências Sociais. Noentanto, tal regime afasta-se, e muito, do sentidoetimológico da democracia e das característicasda democracia clássica grega, da qual herdamos

não apenas a palavra como boa parte do imaginá-rio associado a ela. Por um lado, o povo não exerceo poder, a não ser, no máximo, de uma formabastante mediada. Por outro lado, as instituiçõescentrais das democracias contemporâneas – oprocesso eleitoral e o parlamento como colégiode representantes – são estranhas ao experimentogrego. Até o século XVIII, eram consideradas in-trinsecamente aristocráticas3.

Nossas democracias são, portanto, democra-cias representativas e constatar a impossibilidadeda democracia direta nas sociedades contempo-râneas é algo banal. Nossos estados são muitoextensos para que todos reúnam-se e muito po-pulosos para que se possa imaginar um diálogoque incorpore cada um de seus cidadãos. As ques-

tões políticas são complexas demais para que dis-pensemos a especialização dos governantes e, porsua vez, os afazeres privados absorvem demaiscada um de nós, reduzindo ao mínimo o tempopara a participação política. A incorporação de tan-tos grupos ao demos – trabalhadores, mulheres,imigrantes – ampliou a profundidade das clivagensem seu seio, tornando indispensável a existênciade alguma forma de mediação. Enfim, seja qualfor a justificativa, não resta dúvida de que a re-presentação política é incontornável para qualquertentativa de construção da democracia nos esta-dos nacionais contemporâneos.

Mas a familiaridade com que a expressão “de-mocracia representativa” é recebida não deve obs-curecer o fato de que ela encerra uma contradi-

ção. Trata-se de um governo do povo no qual opovo não estará presente no processo de tomadade decisões. De maneira um pouco mais sistemá-tica, é possível observar que a construção de umaordem democrática, qualquer que seja ela, colocauma série de desafios – a relação entre as prefe-rências individuais e uma hipotética “vontade co-letiva”, isto é, como permitir a livre expressão dosinteresses em conflito e ainda assim manter umaunidade mínima, sem a qual nenhuma sociedadepode existir; a capacidade diferenciada que os in-divíduos têm de determinar seus próprios interes-

ses, de acordo com os recursos cognitivos de quedispõem, ou seja, o fato de que a igualdade formalde acesso às decisões não resolve os problemascolocados pelas desigualdades reais que existemna sociedade; ou, ainda, a possibilidade de mani-pulação da determinação da “vontade coletiva”,por meio do uso estratégico das normas de agre-gação de preferências.

São desafios que estão presentes mesmo emsituação de “democracia direta”. Mas a necessi-dade de representação política coloca um novo egigantesco conjunto de problemas, tão ou mais

grave que o primeiro. São ao menos três proble-mas fundamentais, estreitamente ligados entre si:

(1) a separação entre governantes e governa-dos, isto é, o fato de que as decisões políticas sãotomadas de fato por um pequeno grupo e não pelamassa dos que serão submetidos a elas;

(2) a formação de uma elite política distanci-ada da massa da população, como conseqüênciada especialização funcional acima mencionada. O“princípio da rotação”, crucial nas democraciasda Antigüidade – governar e ser governado,

3 Segundo Montesquieu (1951 [1748], p. 242), “o sufrá-gio por sorteio está na natureza da democracia; o sufrágiopor eleição está na da aristocracia”. O mesmo aparece emRousseau (1964 [1757]). Sobre o ponto, ver Manin (1997).

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o veredicto popular sobre essa prestação de con-tas. É algo que depende de mecanismosinstitucionais, sobretudo da existência de eleiçõescompetitivas periódicas, e que é exercido pelopovo7. Já a responsividade refere-se à sensibili-dade dos representantes à vontade dos represen-tados; ou, dito de outra forma, à disposição dosgovernos de adotarem as políticas preferidas porseus governados.

À primeira vista, a distinção entre os dois con-ceitos é inóxia, já que a disposição dos represen-tantes para respeitar as preferências dos constitu-intes (responsividade) depende da possibilidadeque estes dispõem de premiar ou punir o compor-tamento dos tomadores de decisão(accountability). Trata-se de algo que está na base

da construção das instituições dos regimes cons-titucionais modernos: não confiar na bondade dosgovernantes e, ao contrário, estabelecer um siste-ma de controles sociais sobre eles, tanto horizon-tais (divisão de poderes) quanto verticais (eleiçõesperiódicas). Mas a diferenciação entre os concei-tos ganha maior utilidade – como será visto adi-ante – quando entram em cena propostas de am-pliação da responsividade por meio de mecanis-mos que minimizam ou ignoram a accountability.

Nos estudos sobre democracia, aaccountability ganha destaque por prometer um

grau razoavelmente alto de controle do povo so-bre os detentores do poder político, mas de umaforma exeqüível em sociedades populosas, exten-sas, complexas e especializadas como as contem-porâneas. Ela apresenta um modelo mais sofisti-cado e atraente das relações entre representantese representados do que as visões antitéticas do“mandato livre” e do “mandato imperativo”.

Uma visão ingênua da representação políticatende a considerar o representante como delega-do de seus constituintes, cabendo-lhe apenas ex-pressar, nos fóruns decisórios, a vontade majori-tária de sua base. É a idéia de “mandato imperati-vo”, que, no limite, reduz o representante à posi-ção de um emissário. Quando muito, ele poderianegociar soluções de compromisso, que, no en-tanto, precisariam ser referendadas pelos repre-

sentados – como costuma ocorrer na representa-ção sindical. No primeiro caso, o representante-emissário cumpre função mecânica e, em rigor,com o avanço das tecnologias de comunicação,chega a ser dispensável. No segundo, o represen-tante-negociador retém recursos de poder impor-tantes, sobretudo na medida em que combina ca-pacidade de interlocução (externa) com liderança(interna), mas o processo decisório torna-se ex-cessivamente moroso, exigindo múltiplas rodadasde negociação e de assembléias de base. Não éum modelo viável para a representaçãomultifuncional, em caráter permanente, nas com-plexas sociedades contemporâneas.

Em oposição ao mandato imperativo, há a idéiade “mandato livre”, que triunfou nas democracias

representativas e que foi formulada com clarezaexemplar na segunda metade do século XVIII, porEdmund Burke (1942 [1774]). No famoso “Dis-curso aos eleitores de Bristol”, o pensador inglêsalinhou dois argumentos principais para justificara autonomia dos representantes em relação a seuseleitores. O primeiro diz respeito à natureza darepresentação: o deputado representa a nação, nãoseu distrito em particular, muito menos só aque-les que sufragaram seu nome. O parlamento, dizele, não é “um congresso de embaixadores quedefendem interesses distintos e hostis”, mas a

“assembléia deliberante de uma nação, com uminteresse: o da totalidade” (idem, p. 312). O se-gundo argumento está ligado à competência. Alémde serem escolhidos por suas qualidades distinti-vas, os deputados são colocados em uma posiçãoque lhes permite compreender melhor as ques-tões públicas, graças às informações a que têmacesso, às discussões no próprio parlamento e àespecialização na tarefa legislativa. Burke enfatizaque o legislador não age com base na vontade,mas na razão – uma resposta a Rousseau que,anos antes, n’O contrato social, escrevera que a

representação política era inadequada porque nãoé possível representar a vontade.

A doutrina burkeana permite responder à céle-bre crítica platônica ao governo popular, garan-tindo a expertise dos tomadores de decisão.Compatibiliza a democracia com a “liberdade dosmodernos”, focada na vida privada, própria doliberalismo, que Benjamin Constant exaltava; gra-ças à divisão do trabalho político, a maior parte dapopulação pode (e deve) dedicar-se quase exclu-sivamente a seus assuntos pessoais, enquanto a

7 É curioso observar que se afirma que “o governo éaccountable”, mas evidentemente o exercício daaccountability, no sentido apresentado aqui, pertence aosgovernados.

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minoria cuida dos assuntos de governo. Especia-lização e expertise, aliás, são duas faces de umasó moeda: uma leva à outra.

No entanto, o mandato livre que Burke preco-

niza não concede nenhum espaço à interlocuçãodos representantes com os representados; a estesúltimos resta um papel predominantemente passi-vo. É possível ver, então, a accountability comouma espécie de “termo médio” entre o mandatolivre e o mandato imperativo8. O representantenão está preso às preferências expressas de seusconstituintes, mas idealmente deve decidir da for-ma que eles decidiriam caso dispusessem das con-dições – tempo, informação, preparo – para deli-berar. Esse vínculo hipotético é resgatável a qual-quer momento, já que o mandatário deve estar

pronto para responder aos questionamentos dopúblico. E é o público quem decide o quão con-vincente foram suas explicações, pronunciando-se nas eleições seguintes.

Trata-se de uma descrição engenhosa do fun-cionamento da accountability, mas é necessárioabordar com maior cautela os diversos obstácu-los à sua efetivação. O mais crucial deles está li-gado ao fato de que a representação política nassociedades modernas é multifuncional, ou seja, omandato concedido, tanto no poder Executivoquanto no poder Legislativo, abrange uma quanti-

dade indeterminada de questões. O mandatáriopossui poder de decisão sobre os temas mais di-versos e, tipicamente, ao longo de seu termo, par-ticipará de centenas de diferentes processosdeliberativos. Os custos de informação para oseleitores tornam-se altos, sobretudo porque, pordefinição, eles podem dedicar às questões públi-cas apenas uma pequena parcela de seu tempo ede sua atenção.

A multifuncionalidade da representação impli-ca múltiplas prestações de conta; o eleitor devenão apenas ser capaz de acompanhá-las – na me-dida de seu interesse – como dar a cada uma seu

 justo peso no momento de produzir uma avalia-ção global do desempenho do governante. É fre-qüente, então, a adoção de estratégias de reduçãodo significado da accountability, transformandoa interlocução sobre as alternativas políticas emmera avaliação impressionista do impacto da ação

governamental sobre a vida de cada indivíduo,como faz Downs (1957). Ou, então, limitando aaccountability a formas de controle sobre acorrupção, exilando de vez a apreciação de políti-cas substantivas, o que aparece, por exemplo, emdocumentos do Banco Mundial (WORLD BANK,1999) ou influenciados por sua perspectiva(SHAH, s/d; AFONSO, 1999).

São estratégias que tornam mais fácil aefetivação da accountability, mas ao preço de re-baixar o sentido da democracia, na medida emque abrem mão da idéia de governo popular. Casoeste valor seja resgatado, as exigências tornam-semuito maiores. O bom funcionamento daaccountability vertical dependerá da existênciainstitucional de sanções efetivas sobre os repre-

sentantes, da provisão de informação adequada eplural (não apenas sobre a atuação dos governantes,mas sobre o mundo social de modo geral) e dointeresse pela política disseminado nos diferentesgrupos da população.

Atualmente, os regimes considerados demo-cráticos garantem sanções de tipo eleitoral paraos governantes, mas falham, em maior ou menorgrau, nos demais quesitos. O pluralismo dos mei-os de informação é limitado, seja pelos constran-gimentos profissionais, seja pela pressãouniformizadora da concorrência mercantil; ou,

ainda mais importante, devido aos interesses co-muns dos proprietários das empresas de comuni-cação de massa, que, aliás, formam um mercadocada vez mais concentrado (BAGDIKIAN, 1997;MCCHESNEY, 1999). Vários indicadores – algunsdos quais serão discutidos na próxima seção –mostram que o interesse pela política, por sua vez,é em geral baixo. Mais grave ainda, é distribuídode modo muito desigual; via de regra, pessoaspertencentes aos grupos de menor poder político,como trabalhadores, mulheres ou minorias étni-cas, são também as que revelam menor interesse

pela política (demonstrando que o interesse é, aomenos em parte, função das oportunidades departicipação efetiva abertas pelo sistema político).

Cabe acrescentar um último critério para o bomfuncionamento da accountability: os representan-tes devem ter poder efetivo para a implantaçãodas políticas que preferem. O sentido do controlepopular fica comprometido quando parte signifi-cativa das decisões é determinada por entidadesexternas, não sujeitas às sanções determinadas peloeleitorado, sejam elas organismos multilaterais in-

8 É a posição que transparece no clássico estudo de Pitkin(1967).

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IMPASSES DA  ACCOUNTABILITY 

ternacionais (Organização das Nações Unidas,União Européia), agências de financiamento (Fun-do Monetário Internacional, Banco Mundial), gru-pos econômicos privados com forte poder dechantagem (o “mercado”) ou mesmo estados es-trangeiros. Se tais organismos têm a capacidadede bloquear alternativas, resta pouco espaço parao exercício da soberania popular. É claro que oprocesso de globalização complicou o exercícioda accountability, sobretudo nos países periféri-cos, que formam a ponta mais vulnerável da or-dem globalista.

É importante destacar que a discussão aquiesboçada enfoca apenas a delegação de poder dopovo a um conjunto de representantes eleitos. Noentanto, esta é apenas uma dimensão da repre-

sentação política, a mais evidente delas. Em soci-edades extensas, populosas e complexas, meca-nismos representativos estão necessariamente pre-sentes também no debate público, que ocorre emprimeiro lugar nos meios de comunicação de mas-sa, e nos espaços de geração de preferências coleti-vas (MIGUEL, 2003).

III. A CRISE DA REPRESENTAÇÃO

A idéia de uma “crise da democracia” ganhoucurso graças ao famoso relatório escrito porSamuel Huntington, Michel Crozier e Joji Watanuki

à Comissão Trilateral, em meados dos anos 1970.Segundo eles, as democracias tornavam-se“ingovernáveis”, por motivos intrínsecos ao pró-prio método democrático. Ele levou à destruiçãode todas as hierarquias sociais, à ampliação dasdemandas de todos os setores da população, àgeração de uma “cultura da contestação” e tam-bém à hiperpolitização da sociedade – um tema jáantes explorado por Huntington (1975 [1968]),mas que então entendia como restrito a paísesperiféricos em processo de modernização.

O relatório deve ser entendido dentro do con-

texto histórico em que foi escrito. Os anos 1960presenciaram um crescimento expressivo da ati-vação política nos países centrais. Nos EstadosUnidos, o movimento pelos direitos civis dos ne-gros continuava em ascensão, assumindo formascada vez mais impetuosas. A ele juntava-se amobilização contra a Guerra do Vietnã. Em 1968ocorreu, tanto na Europa quanto nos EUA, a ex-plosão da rebeldia juvenil; mais grave ainda, empaíses como França e Itália, com a adesão de fra-ções importantes da classe operária.

Parte da Ciência Política da época louvava aapatia como um componente importante para aestabilidade dos sistemas políticos. Lipset (1963[1960]), em uma afirmação bastante citada, diziaque altos índices de abstenção eleitoral indicavamalta satisfação da população – as coisas iam tãobem que as pessoas julgavam desnecessária suaintervenção. De maneira um pouco mais sofisti-cada, Almond e Verba (1963) postulavam que a“cultura política” ideal seria aquela em que os ci-dadãos combinassem um elevado sentimento desua eficácia política com raríssimas tentativas defazê-la valer. O relatório à Comissão Trilateral in-sere-se na mesma lógica, apresentando-a a con-trario: em lugar do elogio à apatia, o temor damobilização. Também o diferencia o tom de in-quietação, enquanto as obras de Lipset e de Almonde Verba, anteriores, exalam contentamento pelasituação do mundo capitalista desenvolvido e, so-bretudo, dos Estados Unidos.

O modelo que Huntington e seus colegas de-senvolvem tem como ponto de partida os anos deprosperidade econômica do período posterior à IIGuerra Mundial, uma prosperidade que, segundoeles, foi baseada na combinação entre livre mer-cado e gestão keynesiana da economia, a que sesomava a segurança social proporcionada pelosestados de bem-estar (CROZIER, HUNTINGTON

& WATANUKI, 1975)9

. Ao mesmo tempo, foramanos de democratização generalizada, isto é, daintrodução de padrões mais democráticos de rela-cionamento, não apenas na  polis, mas tambémem outros espaços, como famílias e escolas (cum-pre notar que as empresas permanecem de fora).A prosperidade econômica conduziu ao aumentodas expectativas; a democratização, ao declíniodos padrões de deferência aos superiores sociaise do respeito às hierarquias, o que Huntington(1975, p. 102) chama de “destempero democráti-co”. Isso leva ao incremento das pressões sociais

por melhorias localizadas. Como os políticos com-petem por votos, eles esforçam-se em atenderessas pressões, ampliando a intervenção estatalna economia e na vida social. Como a complexi-dade da gestão da sociedade aumenta, há maiornecessidade de controle social. Ora, esse contro-le é cada vez mais difícil, devido ao declínio da

9 A síntese feita nesta parágrafo acompanha Held (1996,p. 240-244).

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hierarquia. Ao mesmo tempo, o sucesso nas pres-sões sobre o Estado leva a novo aumento das ex-pectativas, portanto a mais pressões, gerando umcírculo vicioso. E a ampliação da presença estatalocasiona a redução do mercado capitalista, queseria a base da prosperidade.

Em uma palavra, “as demandas crescem, en-quanto a capacidade de resposta do governo de-mocrático está estagnada” (CROZIER,HUNTINGTON & WATANUKI, 1975, p. 9). Nãoé difícil perceber as semelhanças desse modelocom outro, gerado na mesma época, mas do ladooposto do espectro político, ou seja, no marxis-mo e em seus arredores, que percebia uma crisefiscal e de legitimação no mundo capitalista. Tor-naram-se conhecidas as análises de O’Connor

(1973), de Habermas (1975 [1973]) e de outros;a melhor síntese talvez seja encontrada na elabo-ração de Claus Offe (1984 [1972]). Premido pelanecessidade de garantir a legitimação das institui-ções políticas e econômicas, bem como de suaprópria gestão, o governo deve conceder benefí-cios crescentes à maioria da população, na formasobretudo de mecanismos de bem-estar social.Como isso é necessariamente sustentado por meiode impostos, a taxação tende a aumentar, o quecompromete a outra tarefa do Estado capitalista,que é garantir a valorização do capital. Em suma,

as tarefas de legitimação e de valorização do capi-tal tendem a tornar-se contraditórias; é aí que re-sidem os motivos da crise.

As semelhanças não escondem diferenças ain-da mais importantes. Aquilo que Offe e outros au-tores vinculados à perspectiva marxista vêemcomo o conflito distributivo entre capital e traba-lho, Huntington e seus parceiros descrevem comosendo as exigências exageradas de um povo mal-comportado, que não percebe que, ao pôr em ris-co a economia de mercado, está matando a gali-nha dos ovos de ouro – em uma narrativa em que

são claras as ressonâncias da “rebelião das mas-sas”, de Ortega y Gasset10. A diferença funda-mental, no entanto, é que, naquele momento, Offe

 julgava que o problema estava no capitalismo, en-

quanto, para os teóricos da “ingovernabilidade”,o problema era a democracia.

Como as raízes da crise são o excesso de de-mandas e o declínio da autoridade, a solução é

menos demanda e mais autoridade. Isso significaduplamente menos democracia – aliás, Huntington(1975, p. 114) afirma expressamente que há ex-cesso de democracia e é necessário reduzi-la. Oscaminhos indicados são dois, complementares.Primeiro, o reforço das hierarquias (o que se con-trapõe à igualdade social, que é, como Tocqueville

 já observava em meados do século XIX, a maté-ria-prima da vida democrática), com o entendi-mento de que a posse de competências especiaisé também um critério para a atribuição de poder,tão legítimo quanto a democracia. Segundo, o in-

cremento da apatia política. O capítulo deHuntington, em especial, deixa claro que é neces-sário que certos grupos sociais permaneçam forado processo político e chega a lamentar que osnegros estadunidenses estivessem deixando suatradicional posição de marginalizados.

De certa maneira, é possível dizer que as pre-ocupações de Huntington e seus colegas encon-traram uma solução com a implantação do projetoneoliberal (cuja desconfiança em relação à demo-cracia nasce já nos escritos de Hayek, na primeirametade do século XX). As pressões sobre o Esta-

do são reduzidas pela diminuição da abrangênciado próprio Estado, isto é, o espaço das decisõestomadas por regras democráticas foi reduzido,ampliando-se a abrangência das decisões não-de-mocráticas, ou de caráter mercantil (o que é sin-tetizado na fórmula “menos democracia, maismercado”).

Após a queda do muro de Berlim, com a rápi-da incorporação da antiga órbita soviética ao mun-do do capitalismo liberal, ouviram-se manifesta-ções entusiásticas apontando o triunfo definitivodas instituições ocidentais (Fukuyama) ou, aomenos, sinalizando mais uma etapa na expansãoglobal da democracia (o próprio Huntington). Masnão tardou a acender um sinal amarelo. Se eraverdade que as instituições da democracia eleito-ral eram adotadas em mais e mais lugares do mun-do, elas também desfrutavam de legitimidade de-crescente nos próprios países centrais. Na for-mulação de Robert Dahl (2000), tratava-se de um“paradoxo democrático”: cidadãos apegados àsnormas democráticas, mas descrentes das insti-tuições que deveriam efetivá-las.

10 Nas primeiras décadas do século XX, o pensador espa-nhol já descrevia a erosão da hierarquia e o declínio dadeferência das massas para com o reduzido grupo daquelesque tornavam possível sua prosperidade, os “seletos”(ORTEGA Y GASSET, 1987 [1937]).

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IMPASSES DA  ACCOUNTABILITY 

Muitos estudos recentes buscaram mensurare analisar esse paradoxo, destacando-se os volu-mes organizados por Pippa Norris e por RobertPutnam e Susan Pharr. A pesquisa dirigida porNorris apresenta-se como uma atualização de TheCivic Culture – “It is The Civic Culture study 40years later”, diz a frase de Gabriel Almondreproduzida na capa –, isto é, seu foco está nasdisposições políticas dos cidadãos. Já a pesquisade Putnam e Pharr, que também foi comissionadapela Trilateral, busca dialogar com The Crisis of  Democracy, tendo por interesse principal as con-dições de estabilidade dos sistemas políticos.Como, no modelo adotado por autores de ambosos lados, cultura política e estabilidade institucionalestão intimamente relacionadas, são bastante si-milares não apenas os dados que apresentam (ossurveys do World Values Study, aplicados em ve-lhas e novas democracias eleitorais, são a fonteprincipal nos dois casos), como também a leituraque dele fazem.

Norris, expandindo categorias de David Easton,aponta cinco facetas da legitimidade política, re-ferentes ao apoio que se expressa à comunidade  política nacional, aos   princípios do regime, aodesempenho do regime, às instituições do regimee aos atores políticos. Como imagem geral, é pos-sível dizer que o nível de apoio às comunidades

políticas é alto, a satisfação com o desempenho évariada e a confiança nos políticos oscila. O maisimportante, porém, é o contraste entre a manu-tenção de índices elevados de adesão aos princí-pios democráticos e o declínio, em alguns casosmuito acentuado, da confiança nas instituições. Aautora interpreta-o como uma décalage entre apercepção de uma democracia ideal e a compre-ensão realista de seu funcionamento, ecoando for-mulações anteriores de Giovanni Sartori (1994[1987],  passim; NORRIS, 1999, p. 11). Mas épossível dizer, também, que se trata de um enten-

dimento bastante realista quanto ao fracasso dasinstituições atuais em realizar promessas funda-mentais da democracia, como a igualdade políticaentre os cidadãos e a soberania popular.

Com o foco mais restrito – a preocupação éapenas com a América do Norte, Europa Ociden-tal e Japão –, os estudos liderados por Pharr ePutnam observam uma onda generalizada de ceti-cismo ou mesmo cinismo em relação às institui-ções governamentais. Os dados revelariam, parauma grande maioria dos países, a queda na confi-

ança popular em relação aos políticos, aos parti-dos e às instituições (PUTNAM, PHARR &DALTON, 2000). Embora parte dos textos ex-plore a questão da perda de autonomia dosgovernantes, com a globalização, a ênfase maioré dada a problemas na relação entre representan-tes e representados, em especial a deterioração daliderança política, dos padrões de julgamento dosvotantes e/ou do capital social (no sentido dePutnam, isto é, o padrão de confiança interpessoaldentro da sociedade).

Assim, é possível perceber que a ativação po-lítica dos anos 1960 e 1970, que procuravadistender os limites das democracias ocidentais,foi substituída por um descrédito generalizado.Talvez por trás de atitudes diferentes permane-

çam sentimentos similares: há uma forte concor-dância quanto ao valor da democracia, na quali-dade de autogoverno popular, mas os cidadãosnão se sentem representados, isto é, estão enfra-quecidos os laços que idealmente deveriam ligaros eleitores comuns aos parlamentares, candida-tos, partidos e, de maneira mais genérica, aospoderes constitucionais. Mobilização extra-eleito-ral e apatia são respostas diferentes – a primeiraindica a esperança de mudança, enquanto a se-gunda revela ceticismo –, mas ambas opõem-se àadesão confiante no sistema político que o bom

funcionamento da representação deveria dissemi-nar.

IV. ABANDONAR A ACCOUNTABILITY ?

Os problemas da representação política nas de-mocracias eleitorais têm levado ao surgimento depropostas inovadoras, tais como a introdução dedeterminado grau de aleatoriedade na escolha dosrepresentantes ou a reserva de espaços para gru-pos considerados prejudicados (cotas). De ma-neira geral, tais propostas perseguem um ou maisdos seguintes objetivos:

(1) ampliação da representatividade miméticado corpo decisório, isto é, tornar os governantesmais parecidos com os governados;

(2) ampliação da pluralidade de vozes e pers-pectivas presentes nas esferas decisórias;

(3) ampliação da força política de grupos tra-dicionalmente marginalizados e

(4) ampliação da rotatividade nos cargosdecisórios, impedindo a cristalização de uma elitepolítica.

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Entre as críticas geralmente apontadas contratais propostas destacam-se o possível cerceamentoda liberdade do eleitor-cidadão, já que sua escolhaseria limitada por critérios prévios derepresentatividade de determinados grupos11 oumesmo descartada em favor de uma seleção alea-tória, e a provável redução da competência dosgovernantes, que levaria tanto à diminuição daefetividade da ação governamental quanto à am-pliação do poder das burocracias de Estado. Acrítica mais importante, porém, diz respeito à re-dução da accountability. Na medida em que o aces-so aos postos de decisão depende menos da von-tade dos governados – e mais de regras préviasde distribuição das vagas entre grupos ou da sorte–, a responsividade dos governantes à vontadepopular estaria seriamente comprometida.

A forma mais radical de transformação dosmecanismos representativos, que tem sido explo-rada por diferentes vias por teóricos políticos, é aintrodução de mecanismos aleatórios para o pre-enchimento de cargos públicos, recuperando umprocedimento próprio da democracia clássica(MIGUEL, 2000a). As múltiplas propostas de uti-lização de sorteio, no entanto, incluem sugestõesbastante moderadas, como a “pesquisa de opiniãodeliberativa” de Fishkin (1989), em que uma amos-tra aleatória da população estuda os problemas

políticos e debate-os com os candidatos, servin-do de subsídio para as escolhas dos eleitores12,ou a geração de câmaras consultivas, isto é, sempoder decisório, como o “minipopulus” propostopor Robert Dahl (1989, p. 122-125; 1990, p. 340),cujo único poder efetivo seria a “influência mo-ral” sobre a câmara eleita.

Em ordem crescente de radicalidade, temos a“votação lotérica” proposta por Amar (1984), emque cada candidato teria tantas chances de sersorteado quanto os votos que recebeu (como for-

ma de incentivar a participação política eleitoral);um sistema bicameral, com uma câmara legislativaeleita e outra sorteada, como a proposta deCallenbach e Phillips (1985); o complexo meca-nismo da “demarquia” de Burnheim (1985), comvários órgãos decisórios formados por sorteio,cada um decidindo sobre um único tema, e, porfim, a utopia de Barbara Goodwin (1992), de umasociedade em que todos os recursos sociais – enão apenas o poder político – são distribuídos porsorteio.

São propostas que se defrontam com três ob-  jeções básicas. A primeira – e que repercute demaneira mais intensa no senso comum – é a des-crença na premissa democrática da igualdade en-tre todos; o sorteio deixa de lado o caráter seleti-

vo do processo eleitoral. A segunda está ligada àidéia da eleição como autorização para que o re-presentante aja em nome dos representados, o quea seleção aleatória não contemplaria. Em rigor, essanão é uma objeção muito séria, já que hoje se con-sidera que a autorização é dada mesmo por aque-les que votaram nos candidatos derrotados. Ouseja, a participação no processo eleitoral signifi-caria que há concordância quanto à justeza doprocesso de escolha, o que poderia valer tambémpara o sorteio.

A terceira objeção refere-se à accountability,

isto é, o fato de que os representantes são res-ponsáveis perante seus constituintes. Ela seria eli-minada se os governantes não devessem seus man-datos à vontade expressa da maioria da popula-ção, mas ao simples acaso. Seria grave a ausênciada disputa eleitoral, quando os candidatos enunci-am seus pontos de vista, e, sobretudo, da sançãofacultada aos cidadãos, que é a possibilidade danão-recondução de seus representantes ao cargo.

Este é o ponto crucial, já que todas as propos-tas de reintrodução do sorteio estão ancoradas emum mesmo diagnóstico: a inoperância (ou, pelomenos, insuficiência) dos mecanismos deaccountability eleitoral. A busca da eleição e dareeleição não torna os políticos especialmente sen-síveis à vontade do cidadão comum mas sim àdos “grandes eleitores” – controladores de má-quinas políticas locais, grupos de meios de co-municação e financiadores de campanha. Por ou-tro lado, o papel limitado que o sistema concedeao simples cidadão, condenado a dissolver seuvoto em meio a milhares ou milhões de outros,não poderia promover a participação ativa visada

11 Este é o ponto destacado por Arato (2002 [2000]), emsua condenação sumária da representatividade descritiva.Outras críticas, como a relação entre a representaçãomimética e a “tradição dos sovietes supremos”, são desca-bidas. É contraditória a afirmação, no parágrafo final doartigo, de que é necessário complementar a accountabilitycom instituições de representatividade descritiva.

12 Tentativas de implantação do que passou a chamar-se“deliberative pollingTM” (“votação deliberativa”), como umempreendimento comercial-político-midiático-acadêmico,estão descritas em Fishkin (1997).

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IMPASSES DA  ACCOUNTABILITY 

por Stuart Mill, mas apenas, como de fato ocor-reu, o desinteresse e a passividade13.

Com o sorteio, o escolhido deixa de dependerdos grupos poderosos, que perderiam influência

política. O contra-argumento é que, sem a sançãoda não-reeleição, o governante estaria muito maisexposto às tentações da corrupção e do exercíciodo poder em benefício próprio. A resposta, emparte, estaria em outro benefício esperado do sor-teio: o rodízio de cidadãos nos cargos de gover-no. Um dos problemas relacionados à democra-cia representativa é precisamente o fato de que osrepresentantes, ao especializarem-se nessa fun-ção, desenvolvem interesses particulares, diferen-tes daqueles de seus constituintes – o fenômenoque, há 90 anos, Robert Michels chamou, com

exagero retórico, de “a lei de ferro da oligarquia”.Com a escolha ao azar, deixa de existir o políticoprofissional. Cada mandato será, provavelmente,o único daquele indivíduo. Ou seja, seu interessea médio e longo prazos não é o interesse dogovernante, mas do governado que em breve vol-tará a ser. Esse era um elemento não-desprezívelna arquitetura da polis grega.

Com esse rodízio nas funções públicas, au-mentaria em muito o número daqueles que teriamalguma experiência de governo. Cada cidadão oucidadã já teria cumprido um mandato ou estaria

na expectativa de cumpri-lo. No seu ambiente demoradia e de trabalho, encontraria muitos outrosna mesma situação. Isso geraria o interesse e aqualificação políticas, que se contrapõem à apatiae à passividade próprias dos regimes eleitorais.

Uma última vantagem da seleção aleatória é agarantia de representatividade (no sentidomimético) da população. Com base na lei dos gran-des números, é possível afirmar que haverá umaproporcionalidade aproximada dos diferentes se-tores no corpo governante. A busca de umaproporcionalidade mais estrita, com a aplicação

de técnicas de amostragem, coloca problemasgraves – idênticos aos das cotas – já que teriamque ser definidas a priori tanto as clivagens soci-ais relevantes quanto a alocação de cada indiví-duo dentro dos grupos.

De todas as propostas de transformação dosmecanismos de seleção de representantes, o sor-teio é a que avança de forma mais decidida em di-reção a quatro dos objetivos citados acima, embo-ra ao custo de maiores perdas de autoridade para apopulação comum. Propostas envolvendo cotas têmimpacto pequeno, embora não nulo, no quarto ob-

 jetivo (ampliação da rotatividade entre governantese governados). Ao contrário da seleção aleatória,que levaria à melhoria da representatividade miméticados corpos decisórios, mas cujo procedimento ini-

cial é a atomização dos cidadãos, as cotas estãoligadas à idéia de representação de grupos.

Um dos principais problemas identificados narepresentação política contemporânea diz respeitoà sub-representação de determinados grupos soci-ais. O grupo dos governantes, em relação ao con-

 junto da população, tende a ser muito mais mascu-lino, muito mais rico, muito mais instruído e muitomais branco – uma observação que vale para oBrasil e para as democracias eleitorais em geral. Aexpansão da franquia eleitoral, com a incorporaçãode novos grupos, como as mulheres, os trabalha-

dores e os analfabetos à cidadania política, nãomodificou de maneira substantiva a situação. Comoobservou Anne Phillips (1999, p. 35), não bastaeliminar as barreiras à inclusão, como no modeloliberal: é necessário incorporar explicitamente osgrupos marginalizados ao corpo político.

A afirmação da relevância política dos grupossociais leva a uma ruptura com o individualismoabstrato que marca o pensamento liberal (e, porintermédio dele, o ordenamento constitucional dasdemocracias ocidentais). O rompimento com essatradição é embasado teoricamente por uma miríadede pensadores, que, no entanto, oscilam desde aexaltação à diferença de grupo, com o abandonode qualquer perspectiva unificadora, como IrisMarion Young (1990), até a busca de um com-promisso com o republicanismo cívico,enfatizando a necessidade de que as pessoas per-cebam os limites de sua própria posição diante“da comunidade mais ampla à qual todos em últi-ma análise pertencemos”, que é a posição da pró-pria Phillips (1993, p. 106).

O principal mecanismo da promoção da parti-

13 Pelo menos desde os anos 1940, com os trabalhos deSchumpeter e Lazarsfeld, há o reconhecimento da indife-rença “típica” do eleitor comum. A interpretação dada aofato varia: é um efeito da “natureza humana”, um compo-nente necessário à estabilidade do sistema político (que, deoutra forma, seria excessivamente tensionado) ou, em umaleitura mais crítica, a conseqüência de certos vieses estru-turais desse mesmo sistema. Para duas diferentes aborda-gens dessa última corrente, ver Bourdieu (1979, cap. 8) eOffe (1984 [1972]).

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cipação política de grupos subordinados é a ado-ção de cotas eleitorais (MIGUEL, 2000b; 2001).Embora por vezes elas sejam adotadas para pro-teger minorias étnicas, em especial grupos indí-genas, a maior parte das experiências de cotaseleitorais beneficia as mulheres (como aconteceno Brasil), que passam a ter uma reserva de ca-deiras no parlamento ou de candidaturas às elei-ções. A efetividade da medida – isto é, o aumentoreal da presença feminina nos fóruns decisórios –é influenciada por diversos fatores, notadamenteo sistema eleitoral14.

Há uma clara ligação entre essa perspectiva eaquilo que, em seu estudo hoje clássico, HannaPitkin (1967) descreveu (e criticou) como “re-presentação descritiva”, que concebe o parlamento

como uma espécie de mapa, no qual se vê a ima-gem perfeita, embora em tamanho reduzido, dasociedade. Com isso, o que os representantes fa- zem perde importância em relação a quem eles sãoe um aspecto valioso da representação política, aresponsividade dos eleitos para com seus eleito-res, é deixado de lado.

Ao defender o que prefere chamar de “políticade presença” das críticas de Pitkin e outros, AnnePhillips (1995) admite que ela nasce da desilusãocom a accountability vertical, que se mostrou in-capaz de proteger as minorias. No entanto, cum-

pre ressaltar que a ruptura promovida pela adoçãode cotas é muitas vezes menos drástica do que ada seleção lotérica. A reserva de vagas para inte-grantes de determinados grupos sociais não ex-clui a necessidade de que todos os representantespassem pelo processo eleitoral, respondendo aoscidadãos comuns.

V. CONCLUSÕES

Tanto as propostas de seleção aleatória dosgovernantes quanto as de reserva de vagas paragrupos marginalizados revelam descontentamento

com o funcionamento dos mecanismos deaccountability vertical. As sanções de que os cons-tituintes dispõem – e que se resumem, para todosos efeitos, ao poder de retirar ou manter os repre-sentantes em seus cargos a cada eleição – pareceminsuficientes para garantir a responsividade de suas

decisões. A representatividade mimética surge comouma aposta para prover responsividade sem ne-cessidade de accountability; em seu lugar, entra asimilitude. As decisões políticas poderiamcorresponder à vontade dos cidadãos comuns por-que seriam tomadas por pessoas similares a eles15.

No caso das cotas, a similitude é um comple-mento à accountability – os representantes conti-nuam dependentes do voto popular, mas os inte-resses de determinados grupos serão levados emconta graças à presença de um contingente de seusintegrantes nos espaços decisórios. No extremo,a accountability realizar-se-ia exclusivamente en-tre semelhantes, como se depreende da propostade Iris Marion Young (1990, p. 184-187) de con-ceder poder de veto aos representantes das mino-

rias, naquelas questões que as afetam16

.Já o sorteio, por sua lógica intrínseca, leva ao

abandono completo da accountability vertical, queé então substituída (e não apenas complementada)pela similitude. Talvez por isso, quase todas aspropostas de introdução de loterias nas democra-cias contemporâneas combinam-nas com proces-sos eleitorais, de modo a não eliminar de vez algu-ma forma de controle popular sobre os represen-tantes. Cabe ressaltar que o sorteio reforça asimilitude, na medida em que promove a rotaçãonos cargos públicos. Isto é, quem exerce o poder

decisório sabe que em breve voltará à condiçãode cidadão comum; a posição de governante, sen-do transitória, não criaria interesses duradouros,diferenciados de sua posição enquanto integrantedo povo.

Do ponto de vista prático, no entanto, essacontinua sendo a objeção mais forte contra a apostana similitude. Sem os freios e incentivos que ofe-rece a possibilidade de imposição de sanções, tan-to positivas quanto negativas, pelo povo comum,os detentores do poder decisório dificilmente re-sistiriam à tentação de prover seu benefício parti-cular, legislando em causa própria ou, então, ce-dendo à corrupção. O resultado seria ou o

14 Para discussões sobre os efeitos no Brasil e compara-ções com outros países, ver S. M. Miguel (2000) e tambémAraújo (1998; 2001).

15 O formalismo de boa parte da teoria democrática con-vencional tende a desprezar esse tipo de afirmação, que, noentanto, já estava bem presente (de diferentes maneiras)em pensadores sensíveis aos determinantes sociais da po-lítica, como Rousseau ou Tocqueville.

16 Em obra posterior (YOUNG, 2000), a autora recuou daproposta.

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descalabro ou o inchamento dos organismos decontrole, isto é, o reforço da accountability hori-zontal a expensas da vertical. De um jeito ou deoutro, é reduzida a soberania popular.

Do ponto de vista teórico, há outro problemagrave. Quando a vida política é pensada apenasem termos da promoção de interesses, como emgeral ocorre, fórmulas que visam a garantir a pre-sença de determinados grupos nas esferas de po-der perdem força. Afinal, os eleitores manifestamseu interesse por meio do voto. Se cada um é omelhor juiz de seu próprio interesse, como quer odogma utilitarista, então os grupos hoje margina-lizados elegeriam seus integrantes para os cargosdecisórios, sem necessidade de medida algumaalém da mera igualdade política formal, caso isso

fosse realmente a sua vontade. Por outro lado, seos indivíduos estão submersos na “falsa consci-ência” e encontram obstáculos para a identifica-ção de seus interesses verdadeiros, tais fenôme-nos de alienação continuariam presentes, indepen-dentemente do acesso de tais ou quais pessoas aopoder.

Nesse sentido, é interessante o deslocamentoproposto por Young (2000), que fala em “pers-pectiva social” em vez de “interesse”. O acessode integrantes de grupos marginalizados às deli-berações públicas é necessário não porque eles

compartilhem das mesmas opiniões ou interesses,mas porque  partem de uma mesma perspectivasocial, ou seja, um local de onde se vê o mundo,vinculado a certos padrões, socialmenteestruturados, de experiências de vida. A palavra ésignificativa: trata-se de um ponto de partida, nãode chegada. A idéia de perspectiva permite captara sensibilidade da experiência formada pela posi-ção do grupo, sem postular um conteúdo unifica-do (idem, p. 138-139). As mulheres, por exem-plo, podem conceber de diferentes maneiras seusinteresses – e esses interesses podem muito bem

ser defendidos por homens. Mas elas trazem paraa arena pública determinadas vivências comuns,vinculadas à posição subordinada que hoje ocu-pam nos diferentes espaços sociais, que dão for-ma a uma perspectiva que nenhum homem, pormais sensível que seja aos problemas femininos,é capaz de incorporar.

Young está ligada a uma visão algohabermasiana de “democracia deliberativa”, quebusca um ideal de diálogo desprendido e voltado

para o consenso, cedendo pouco espaço à noçãode interesse. Ainda assim, sua abordagem é im-portante, pois mostra que a necessidade da pre-sença das minorias na arena política não é supri-mida caso encontrem-se outras formas de prote-ger seus “interesses”, qualquer que seja a formapor que eles sejam concebidos.

Rousseau (1964 [1757], p. 429), em sua famo-sa condenação à representação política, afirmavaque não se pode representar a soberania, pois elaconsiste essencialmente na vontade (geral) e “a von-tade absolutamente não se representa”. É razoáveldizer que a perspectiva também não se representa– no máximo, é compartilhada. O que não significaque ela esgote o problema do exercício do podernas sociedades contemporâneas. Prosseguindo com

Iris Marion Young (2000, p. 134-136), ela observaque a representação envolve tanto interesses (aqui-lo que se considera necessário para que agentesindividuais ou coletivos alcancem seus fins) e opi-niões (valores e princípios que fundam os julga-mentos) quanto perspectivas.

Mecanismos representativos adequados devemenvolver essas três facetas. Para o bom funcio-namento da accountability vertical, que exige for-mas de empowerment dos cidadãos comuns, éimprescindível para que interesses e opiniões dosdiferentes grupos sociais estejam presentes nas

esferas decisórias; mas as perspectivas não sãocontempladas dessa maneira. Elas demandam pre-sença política; se integrantes dos diversos gruposnão participam do debate, os aspectos da realida-de aos quais eles tornaram-se sensíveis, com baseem suas experiências de vida, não serão levadosem consideração.

Instrumentos que promovam a responsividadede modo independente da accountability podemser importantes para garantir a presença das dife-rentes perspectivas sociais nos locais de discus-são e decisão política. É o que justifica a adoçãode cotas eleitorais, medida que o individualismoliberal é incapaz de assimilar. As propostas de sor-teio padecem de contra-indicações mais sérias;suas fragilidades são bastante evidentes e, de ma-neira geral, parecem inviáveis para implementaçãoefetiva, salvo, talvez, em nível local. Mas elas in-corporam críticas importantes, que merecem serlevadas em consideração, a respeito do funciona-mento da representação eleitoral e, em particular,da accountability.

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