microdrenagem urbana
DESCRIPTION
Analisa os vários momentos do processo de urbanização realizado na maioria das cidades e estuda a questão da água no município. Mostra ao administrador a necessidade de elaboração e implementação de um plano diretor de drenagem urbana, apresentando uma proposta de sistemas compostos de macro e microdrenagem. Traz também uma proposta de minuta de projeto de lei sobre microdrenagem municipal.TRANSCRIPT
Mariana Moreira
coordenação
São Pau lo , 2006
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Ivan Fleury Meirelles
FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA - CEPAM. Microdrenagem urbana, coordenado por Mariana
Moreira. 2. ed. São Paulo, 2006.
68p.
Co-autores: Célia Ballário, Reynaldo Silveira Franco Júnior, Ualfrido Del Carlo
1. Plano de drenagem urbana. 2. Controle das águas. 3. Águas pluviais. 4. Projeto de lei – Modelo.
I. Moreira, Mariana, coord. II. Ballário, Célia. III. Franco Júnior, Reynaldo Silveira. IV. Carlo, Ualfrido
Del. V. Título
CDU: 626.86:711.16
© da Fundação Prefeito Faria Lima – Cepam
Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal
1a
edição: 2002 – 500 exemplares
A cidade, no momento de intensas precipitações de águas de chuvas, é
vítima de vários desastres, não apenas para suas construções e equipamentos
urbanos, mas, sobretudo, para a sua população, que sofre a perda de seus bens e,
não raro, de suas vidas.
As chuvas são, em um primeiro momento, um enorme benefício. Entretanto,
é preciso estabelecer formas de controle dessas precipitações, a fim de não
comprometer a estrutura urbana, as plantações e a qualidade de vida dos habitantes.
Este manual de Microdrenagem Urbana foi concebido com base nessa
preocupação. Trata-se de demonstrar como e por que é importante para as cidades
e também para a zonas rurais o controle das águas sem necessidade da implanta-
ção de grandes estruturas para captação das águas pluviais.
É imperioso conhecer o processo de urbanização realizado na maioria das
cidades, responsável que é pela impermeabilização do solo, o que impede o escoa-
mento natural das águas. Esse processo é apresentado na primeira parte, que
analisa os vários momentos em que isso se deu, percorrendo várias décadas.
Em seguida, na segunda parte do manual, estuda-se a questão da água no
município, enfocando as enxurradas e o planejamento municipal, o caminho natu-
ral das águas, os novos hábitos de consumo, o controle da qualidade das águas de
chuva e, por último, uma comparação entre o sistema pré e pós-urbanização.
A terceira parte pretender sensibilizar o administrador para a necessidade de
ser elaborado e implementado um plano diretor de drenagem urbana, examinando a
A P R E S E N TA Ç Ã O
macro e a microdrenagem e como esta é desenvolvida no mundo. Para a realização
desses sistemas é preciso também considerar a sustentabilidade das cidades no
sentido de que a água é um bem precioso e que não deve ser desperdiçado.
Com essas idéias, o plano diretor deverá ter em conta a re-infiltração das
águas de chuva e os solos. Por fim, apresenta, nessa parte do manual, uma
proposta de sistemas compostos de macro e microdrenagem.
Na quarta parte, visando auxiliar na concepção do plano diretor de drena-
gem, o manual destaca a necessidade de situar cada um dos municípios dentro
de sua correspondente bacia hidrográfica. Para tanto, apresenta um quadro das
Unidades de Gerenciamento Hídrico do Estado de São Paulo.
Na quinta e última parte deste trabalho, são desenvolvidas algumas consi-
derações de natureza jurídica, envolvendo a propriedade urbana e o direito de
edificar, para demonstrar a competência municipal de estabelecer normas urba-
nísticas com vistas ao controle das águas de chuva. Nesse sentido, traz o manual
uma proposta de minuta de projeto de lei sobre microdrenagem municipal, que
poderá, com as adaptações necessárias, ser editado pelo município.
Com essas considerações, a Fundação Prefeito Faria Lima – Cepam espera
contribuir para que os municípios desenvolvam mais do que um plano de drena-
gem. Esperamos induzi-los a repensar a atuação municipal no que respeita ao
necessário controle das águas com sustentabilidade e com a visão de que a água
constitui um patrimônio essencial para a vida, merecendo um tratamento mais
cuidadoso por se tratar de um bem finito.
FFFFFundação Pundação Pundação Pundação Pundação Prefeito Frefeito Frefeito Frefeito Frefeito Faria Lima - Cepamaria Lima - Cepamaria Lima - Cepamaria Lima - Cepamaria Lima - Cepam
APRESENTAÇÃO
O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO 77777
Momento Sanitarista (1890-1934) 15
Momento Tecno-Burocrático (1934-1963) 16
Momento Econômico-Financeiro (1963-1980) 17
Momento Ambiental (a partir de 1980) 19
A QUESTÃO DA ÁGUA NO MUNICÍPIO 25
Enxurradas e Planejamento Municipal 30
O Caminho Natural das Águas 31
Novos Hábitos de Consumo 32
Controle da Qualidade das Águas de Chuva 33
Comparação entre os Sistemas de Pré-urbanização e Pós-urbanização 35
A NECESSIDADE DE SE TER UM
PLANO DIRETOR DE DRENAGEM URBANA 39
Macrodrenagem 40
Microdrenagem 43
Microdrenagem no Mundo 45
Questões de Sustentabilidade 47
S U M Á R I O
Re-infiltração das Águas de Chuva 47
Solos 53
Sistemas Compostos de Macrodrenagem e Microdrenagem 55
BACIAS HIDROGRÁFICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO 57
ASPECTOS JURÍDICOS DA MICRODRENAGEM 59
Modelo de Projeto de Lei no
... 63
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO
...nem tudo é verdadeiro; mas em todo lugar e a todo momen-
to existe uma verdade a ser vista, uma verdade talvez ador-
mecida, mas que, no entanto, está somente à espera de nos-
so olhar para aparecer, à espera de nossa mão para ser
desvelada...
Michel Foucault1
As formações urbanas brasileiras foram, desde o princípio da colonização, decor-
rentes da evolução de uma estrutura dinâmica do País e desprovidas de um planejamen-
to de interação do homem com o desenvolvimento. Dessa maneira, com uma irregular
distribuição espacial da população, reformulam-se os papéis sociais e transforma-se o
cenário de vida das cidades.
As primeiras unidades de povoamento foram as grandes propriedades rurais, onde
donatários, colonos e trabalhadores ficariam instalados quando se estabeleceu uma polí-
tica para uma economia reprodutiva, em 1528, com o sistema de Capitanias Hereditári-
as. Até então, alguns brancos haviam se agrupado no País apenas para a exploração
grosseira dos recursos naturais.
A importância da navegação para a época favoreceu a localização das propriedades
nas regiões litorâneas ou com acessos fluviais, especialmente para facilitar a comunicação e
o transporte de mercadorias. Como conseqüência, o aparecimento da camada social urbana
1. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1988. 296 p.
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deu-se nos pontos onde, pelo desenvolvimento da economia, os produtos permaneciam à
espera da partida das frotas de comércio.
Os encargos da instalação da rede urbana na maioria dos primeiros núcleos foram
transferidos para donatários e colonos, com o estímulo da Metrópole, mas sem a partici-
pação desta. Antes da instalação do Governo-Geral, em 1548, no litoral brasileiro já
havia cerca de 16 vilas e povoados que exportavam mercadorias para a Metrópole.2
Segundo Holanda, embora não sendo uma civilização agrícola, a origem foi, sem
dúvida, uma civilização de raízes rurais e, portanto, as cidades dependentes delas.3
Muitas cidades eram, inicialmente, denominadas Vilas de Domingo. Durante
a semana os habitantes retornavam para suas fazendas e quase todas as casas fica-
vam vazias. Residiam nas cidades os mecânicos, que exerciam seus ofícios, os mer-
cadores e os oficiais de justiça, de fazenda e de guerra. A cidade tinha vida nos dia de
missa, nos domingos, durante as festas e, sobretudo, durante a novena do santo
padroeiro do núcleo.
Um conselho de cidadãos importantes compunha a Câmara, que, entre suas
atribuições, tinha a competência de partir as terras e conceder pequenas sesmarias,
passadas ao concessionário pelo tabelião, que antes andava sobre a terra perguntando
em voz alta se alguém tinha a posse do terreno.
Às Câmaras competia determinar as posturas e o controle das mudanças na orga-
nização espacial dos núcleos e, para tanto, utilizavam os conhecimentos dos mestres e
engenheiros existentes. Apenas com sua autorização podiam ser construídos os alicerces
das construções ou serem abertas portas para a rua.
2. REIS FILHO, Nestor Goulart. Contribuição ao estudo da evolução urbana no Brasil (1500 – 1720).São Paulo: USP, 1968. 235p.
3. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 13. ed. Rio de Janeiro: J.Olímpio, 1979. 154p.(Documentos Brasileiros)
9
Microdrenagem Urbana
Todas as determinações constavam em papéis públicos, porém, cada proprietário
construía seu imóvel de acordo com seus interesses e comodidades.
As irregularidades nas construções também existiam. Desde o princípio, eram co-
muns a invasão de ruas com alpendres e as promessas de demolição das irregularidades.
Constata-se a importância das Câmaras em relação ao processo de urbanização
em alguns documentos relatados nos estudos de Reis Filho:
� contratação de um prático em agrimensura para a Câmara, em 1570;
� 19 referências à abertura, calçamento e alinhamento de ruas, no final do século
XVII, em Salvador;
� documento da Câmara de Minas, de 5/3/1712: “... ordenamento que toda
pessoa que levantar rancho sem dita licença seja condenado na postura do
conselho e se mande botar a baixa a sua casa de modo a endireitar as ruas ...”;
� legislação da Câmara de Salvador sobre a aparência das construções em mea-
dos do século XVIII.4
Para a instalação das primeiras vilas foram adotados os sítios elevados. As ruas
eram adaptadas às condições topográficas mais favoráveis, eram estreitas, pouco regu-
lares e entendidas, quase exclusivamente, como elemento de ligação e percurso entre
os domicílios e os pontos de interesse coletivo. Anos mais tarde, quando desaparece-
ram as preocupações em relação à locação em sítios elevados, foram adotados os traça-
dos relativamente regulares para as ruas, tendendo ao xadrez, como em quase todas as
cidades novas da América Latina, tanto espanholas como portuguesas.
A atividade urbana mais característica era a procissão, cuja participação dos cida-
dãos era obrigatória.
4. REIS FILHO, Nestor Goulart. Ob. cit.
Fu n d a ç ã o Pr e f e i t o Fa r i a Li m a – Ce p a m
10
As construções públicas e os edifícios de maior importância ganhavam imponência,
situando-se em largos ou praças. A importância das igrejas paroquiais devia-se as suas
funções administrativas no núcleo, e eram causa de concentração da população e de
movimento do povoado nas reuniões públicas, de comércio e de política.
Os conventos eram mais importantes que as igrejas, possuindo um número eleva-
do de sacerdotes, irmãos leigos e escravos, e neles desenvolviam-se atividades culturais,
artísticas e de ensino.
A prisão, quase sempre, era o mais belo edifício da cidade, porque representava
uma das marcas essenciais de civilização.5
Vários fatos contribuíram para a intensificação da vida urbana, que ocorreu a partir
de meados do século XVII. Entre eles:
� Em 1649, D. João IV criou a Companhia Geral do Comércio do Brasil, estabe-
lecendo privilégios para algumas companhias e para os comerciantes portugue-
ses, o que provocou uma divergência de interesses entre os proprietários rurais
e a Metrópole;
� A queda do preço do açúcar no mercado promoveu atividades econômicas de
subsistência desligadas dos interesses de exportação;
� Iniciou-se uma política de centralização comercial e administrativa, consolidan-
do as camadas dos comerciantes, administradores civis e militares;
� Houve uma diversificação dos grupos sociais, aumentou a população residente
nos núcleos e multiplicaram-se as irmandades religiosas.
Contribuiu para a continuidade da relação de dependência entre as cidades e as
áreas rurais a penetração no sertão, que ocorreu a partir do século XVII, em busca de
metais preciosos, e, depois, nos séculos XVIII e XIX, com as lavouras canavieira e cafeeira,
5. DEFFONTAINES, Pierre. Como se constituiu no Brasil a rede de cidades. São Paulo: FAU/USP. 34p.
11
Microdrenagem Urbana
respectivamente. As variadas formas de circulação de pessoas e mercadorias, primeiro
com o tropeirismo e depois com a estrada de ferro, foram a causa da origem das aglome-
rações, de tal maneira que as cidades desenvolveram-se em torno do ponto de descanso
das tropas ou da estação do trem, ou, ainda, ao longo de um percurso que se transformou
na rua principal, aquela que a atravessava de um extremo ao outro.6
Com o desenvolvimento, os núcleos adquiriram, além do seu papel principal, uma
função comercial e de prestação de serviços, razão pela qual, muitas vezes, as Câmaras
concediam vantagens aos comerciantes úteis, mecânicos e hoteleiros, que eram, em
geral, os que abrigavam os novos colonos.
O espaço urbano foi submetido a um processo de mudança em que a fragilidade
da vida era decorrente do predomínio político dos produtos rurais até a revolução de
1930, quando ocorreu uma crise fundamental para o Brasil agrário, com a modernização
e a industrialização. A partir de então, processou-se uma valorização do espaço pela sua
carga simbólica, pelos equipamentos, pelo comércio, pelo lazer e, principalmente, pela
tecnologia oferecida aos seus moradores.
O deslocamento da população sobre o espaço corresponde, em última instância, à
reordenação de oportunidades econômicas e sociais. Dessa forma, é possível observar, na
Tabela 1, a relação numérica da dinâmica da população brasileira nos períodos e relacioná-
la com a ocupação que se processava no território: no final do século XIX e início do século
XX, com o elevado crescimento provocado pela migração para as atividades rurais e,
depois, com a industrialização; em uma segunda etapa, com a queda na média de
crescimento a partir de 1970, que coincide com a inversão das taxas de população
urbana e rural.7
O processo de urbanização no Brasil ocorreu sem definição da forma de ocupação
do território e, principalmente, sem prever os resultados da ocupação do solo sobre a
drenagem urbana.
6. DEFFONTAINES, Pierre. Ob. cit.
7. A partir de 1940, foram coletados os dados sobre a população brasileira, urbana e rural.
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O grau de complexidade organizacional dos centros urbanos foi resultado das
múltiplas relações entre a esfera pública e a esfera privada na produção e distribuição de
bens e serviços, que configurou a maximização de interesses imediatos e particulares
com os índices de população urbana mundial que, no início do século XX, representavam
aproximadamente 15%.
São determinantes as relações entre os expressivos índices de ocupação urbana e
o declínio da qualidade de vida da população nas cidades: insuficiência das estruturas de
saúde e educação; ausência do suprimento nos serviços básicos de energia elétrica,
água, coleta e tratamento de esgoto, coleta e destinação final de lixo.
Também são expressivos os efeitos do aumento da impermeabilização do solo
com o processo de urbanização, que gerou problemas de qualidade de vida devido à
Tabela 1 – Evolução da População Brasileira de 1872 a 2000
Ano do Censo PopulaçãoTaxa Anual de
Crescimento (em %)
1870 9.834.000
1872 9.930.478 0,49
1890 14.333.915 2,06
1990 17.438.434 1,98
1920 30.635.605 2,86
1940 41.236.315 1,50
1950 51.944.397 2,34
1960 70.070.457 3,18
1970 93.139.037 2,74
1980 119.002.706 2,4
1991 146.825.475 1,93
1996 157.070.163 1,36
2000 169.799.170 1,97
Fonte: IBGE
13
Microdrenagem Urbana
8. RUTKOWSKI, Emília. Desenhando a bacia ambiental: subsídios para o planejamento das águasdoces metropolitan(izad)as.Tese (Doutorado) - FAU/USP, São Paulo 1999. 160p.
Tabela 2 – Percentual da População Urbana e Rural no Brasil de 1940 a 2000
Ano do Censo
População
Número total Urbana Ruralde habitantes (em %) (em %)
1940 41.236.315 31.23 68.77
1950 51.944.397 36.15 63.85
1960 70.070.457 44,67 55.33
1970 93.139.037 55.92 44.08
1980 119.002.706 67.59 32.41
1991 146.825.475 75.59 24.41
1996 157.070.163 78.35 21.65
2000 169.799.170 81.25 18.75
Fonte: IBGE
poluição dos corpos d’água e do lençol freático: produção de lixões ao longo dos corpos
d’água das cidades; esgoto in natura correndo ao longo de faixas lindeiras com as ruas;
águas pluviais drenadas para locais que provocam inundação; drenagem de dejetos in-
dustriais para os corpos d’água.
Especificamente em relação ao recurso água, qualquer função urbana é dele de-
pendente para atender suas finalidades. As águas doces percolam as cidades impondo
sua dinâmica – benéfica ou maléfica.
O ciclo hidrológico, na sua fase terrestre, tem como elemento fundamental a bacia
hidrográfica, que compreende a área de captação natural das águas precipitadas, cujo
escoamento se dirige para um único ponto de saída – o exutório.8
As intervenções urbanas fragilizam a estabilidade do ecossistema hidrográfico com
alteração da sua dinâmica. “As regiões urbanizadas, apesar de normalmente ocuparem
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áreas reduzidas em uma grande bacia hidrográfica”9
, provocam alterações de tal exten-
são, modificando desde o comportamento de cursos d’água como também reduzindo a
evapotranspiração e provocando alterações nas taxas de escoamento superficial e daquele
drenado pelo solo.
A mudança na superfície terrestre, principalmente com a impermeabilização, au-
menta o fluxo de escoamento superficial, pois não há percolação para os depósitos sub-
terrâneos, provocando enchentes e erosão com carreamento de toda sorte de resíduos
sólidos. Além disso, a diminuição da recarga dos depósitos subterrâneos pode afetar
gravemente outras regiões distantes, no local de afloramento das águas.
Para atender às diversas funções do uso da água (higiene, alimentação, transpor-
te, lazer, recreação, construção e processos produtivos industriais, comerciais ou agríco-
las), os desenhos hidrográficos são antropizados e reconfiguram a drenagem do espaço
ocupado pela população.
Desde os princípios da civilização, o homem consegue realizar modificações de
grande porte no ciclo das águas com relativa facilidade, o que contribui, entre outras
coisas, para que sejam raros os sistemas de drenagem naturais nos espaços urbanos.10
A normatização para o uso das águas, durante muito tempo, não ocupou a agenda
política governamental, principalmente pelo quadro de abundância de água no território
brasileiro. Tal fato contribuiu para que, em 1861, houvesse um colapso no abastecimen-
to público de água no Rio de Janeiro. A solução do problema foi identificada como respon-
sabilidade do Império e, em conseqüência, foram criadas, por ordem de D. Pedro II, as
Florestas da Tijuca e das Paineiras para proteger e aumentar o volume dos mananciais
abastecedores da capital do Império.
O vínculo histórico se repete na trajetória da administração da gestão das águas
doces, refletindo o próprio processo de desenvolvimento da administração pública brasileira.
9. RUTKOWSKI , Emília. Ob. cit.
10. RUTKOWSKI, Emília. Ob.cit.
15
Microdrenagem Urbana
Rutkowski define os vários momentos da seguinte maneira: sanitarista, tecnoburocrático,
econômico-financeiro e ambiental.
MOMENTO SANITARISTA (1890-1934)
Corresponde ao período em que, por conta da industrialização, promoveu-se a
migração da população do campo para a cidade, ocasionando crescimento populacional
urbano e tornando as aglomerações urbanas focos irradiadores de doenças, devido às
péssimas condições sanitárias.
Os novos comportamentos da sociedade com relação à questão sanitária foram
determinados pelos agentes da qualidade de vida nas cidades, os engenheiros e a admi-
nistração pública.
A saúde tornou-se uma questão econômica para o País, por conta da população
que constituía a força de trabalho. Para tanto, os objetos de ação foram os esgotos, o
sistema de drenagem e a distribuição de água.
Nesse período foi exposta uma teoria epidemiológica que analisava a insalubridade
urbana “...numa perspectiva organicista, a partir do modelo da circulação sangüínea de
Harvey, que induz ao imperativo do movimento do ar, da água, dos produtos. Tal fato
modelou uma estratégia sanitária que atribuiu grande importância à circulação das mas-
sas – movimentar representava uma ação contrária à insalubridade. A virtude imputada
à circulação incitou às canalizações, às drenagens, à retificação dos rios, apontando para
um futuro mais civilizado, para um caminho salubre para as cidades”.11
Nesse primeiro momento as administrações públicas urbanas, basicamente, se
preocuparam em levar água potável às cidades e delas retirar seus dejetos. Protegiam os
mananciais e davam início à transformação dos fundos de vales em avenidas sanitárias.
11. RUTKOWSKI, Emília. Ob. cit.
Fu n d a ç ã o Pr e f e i t o Fa r i a Li m a – Ce p a m
16
As questões foram tratadas com uma série de ações isoladas, que passaram a
afetar o entorno das regiões e provocaram o redesenho das bacias hidrográficas. Como
exemplo, dois projetos pioneiros na administração das águas da região de São Paulo
evidenciam essa situação:
� A organização, por um grupo de empresários paulistas, da Companhia Cantareira
de Águas e Esgotos na cidade de São Paulo em 1877, que depois de se trans-
formar em empresa de capital misto foi estatizada, tornando-se a Repartição de
Águas e Esgotos (RAE). A RAE completou aduções dos hídricos da Serra da
Cantareira, iniciou a captação de águas do rio Tietê e iniciou os estudos para
aproveitamento das bacias dos Rios e Cotia;
� O projeto de produção energética pela reversão de bacias, do engenheiro Hyde,
da São Paulo Tramway, Light & Power Co. Ltd., empresa que, pela Lei 2.249,
de 27/12/1927, e Decreto Estadual 4.487, de 9/11/1928, recebeu a incum-
bência do Estado de São Paulo para construção de represas, eclusas e estações
elevatórias com linhas transmissoras de energia elétrica, bem como construção
de usinas geradoras auxiliares nos rios Guarapiranga e Alto Tietê.
Inéditos, nesse momento, foram os conceitos para facilitar soluções sanitárias que
se opunham à rigidez geométrica do traçado urbano adotada desde o século XVII. O
engenheiro Saturnino de Brito, membro da Comissão Construtora para a nova capital de
Minas Gerais, propôs que fossem adotados alguns traçados sinuosos para ruas e aveni-
das, seguindo os cursos das águas naturais, porém, sua proposta foi rejeitada e ele se
retirou da Comissão.
MOMENTO TECNO-BUROCRÁTICO (1934-1963)
A partir da década de 1920, as políticas sanitárias foram sobrepujadas pelas
políticas de geração de energia elétrica por causa do modelo de desenvolvimento capita-
lista urbano-industrial.
17
Microdrenagem Urbana
A intervenção do Estado na ordem econômica, após o colapso do liberalismo em
1929, consolidou-se com a Constituição de 1934, que estabelecia como competência
da União legislar sobre riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, energia elétrica, caça
e pesca, florestas e águas.
A administração das águas foi disciplinada no Código das Águas, pelo Decreto
Federal 24.643, de 10/7/34, para permitir ao Poder Público controlar e incentivar o
aproveitamento industrial das águas.
O Código das Águas marcou a legislação brasileira com o enfoque do valor econô-
mico das águas para a coletividade, e por caracterizar prioritariamente o abastecimento
humano. Entretanto, houve um direcionamento legal ágil para instituir o gerenciamento
das águas para fins hidrelétricos, enquanto os demais setores ficaram na dependência de
regulamentação dos dispositivos propostos.
No governo de Juscelino Kubitschek consolidou-se o fornecimento de energia
para atrair indústrias, ao mesmo tempo em que se perdia água de qualidade e em
quantidade para uso no processo de produção e no abastecimento das cidades. Houve
uma destacada expansão, tanto no processo de industrialização brasileira como na
indústria da construção. “Assim, o esgotamento das reservas hídricas potáveis nas
localidades consolida a prática contínua de ‘caçar’ mananciais-fontes de águas limpas
para o abastecimento de água”.12
MOMENTO ECONÔMICO-FINANCEIRO (1963-1980)
Corresponde ao período da ditadura militar, quando houve um projeto
desenvolvimentista com captação de vultosos recursos no Exterior, viabilizado pelas polí-
ticas econômico-financeiras do governo militar. Houve uma aceleração da expansão urba-
na e concentraram-se os sítios industriais.
12. RUTKOWSKI, Emília. Ob. cit, p. 73.
Fu n d a ç ã o Pr e f e i t o Fa r i a Li m a – Ce p a m
18
Esse momento marcou o início da formação das manchas urbanizadas, onde as
mais altas taxas de crescimento populacional concentraram-se em torno dos mais eleva-
dos percentuais da produção industrial do País. Uma característica que se sobressaiu foi o
processo de desenvolvimento urbano rural ao longo das principais rodovias de acesso aos
pólos consumidores ou de ligação com as atividades portuárias.
O ciclo rodoviário, que ocorreu nesse período, significou avanço técnico-econômico
de um lado, porém, de outro, concorreu para a interferência na drenagem, cujas piores
conseqüências se manifestaram no quadro urbano. O rodoviarismo teve o primeiro surto no
País não como meio de transporte para competir com as estradas de ferro, mas para
favorecer o esporte e o turismo praticado pelos poucos proprietários de automóveis. Somen-
te a partir da Segunda Grande Guerra é que se formou uma rede de estradas cobrindo o País
do nordeste ao sul. A importância adquirida pelos veículos automotores na vida nacional
favoreceu o transporte e a impermeabilização das vias de circulação de veículos nas cida-
des, o que resultou em grande impacto nos sistemas das bacias hidrográficas.
Simultaneamente ocorria a centralização do poder no governo federal, que tornou
os municípios dependentes das verbas federais negociadas com empreiteiras, retirando a
capacidade municipal de investimento na infra-estrutura no exato momento em que se
manifestou uma maior expansão urbana no País.
Os investimentos se concentraram nas áreas mais desenvolvidas, priorizando
o abastecimento de água potável e não a execução dos necessários serviços de coleta
de esgoto.
A política de urbanização preocupou-se apenas institucionalmente com a ocupa-
ção e o ordenamento do território nacional, e foi a criação do Banco Nacional de Habita-
ção (BNH) e da sua rede de captação de recursos que possibilitou a uma área mais
dinâmica da economia operar os programas de desenvolvimento urbano.
A centralização do poder financeiro e normativo no BNH resultou em ações que refor-
çaram a setorização, a burocracia e a formação de núcleos tecnocráticos.
19
Microdrenagem Urbana
Os resultados mais expressivos do BNH foram os comprometimentos ambientais,
como relata Rutkowski:
� “a aparência urbana dos conjuntos, uma vez habitados, edificados sobre terra
de subsolo nua e estéril, (propiciam) graves ocorrências de erosões, comprome-
timento dos mananciais próximos (e) supressão da vegetação original, que se-
riam resgatados através de pavimentação e ajardinamento, espelhos d’água ou
fontes de condutos forçados e projetos paisagísticos, respectivamente”;
� ou pela política de desenvolvimento industrial baseada em indústrias
energointensivas e altamente poluidoras concentradas regionalmente.
As políticas governamentais, através de seus organismos para tratar o assunto do
uso das águas, encaram a questão ambiental e os bens naturais como fonte ilimitada de
matéria-prima, e, mais que tudo, consideraram a área tecnológica fundamental para tornar
o Brasil uma grande potência. A devastação dos recursos naturais assumiu grandes propor-
ções, no entanto, eram intocáveis as disputas pelos recursos hídricos quando confrontadas
com os “interesses nacionais”.
Com o mesmo descaso pelas questões ambientais, os Planos Nacionais de De-
senvolvimento não compreenderam a bacia hidrográfica como sistema, o que resultou em
comprometimento para um adequado gerenciamento, principalmente nas regiões com
maior densidade de urbanização.
O projeto desenvolvimentista desse período evidenciou o erro cometido em relação
ao uso das águas, sobretudo por ter ignorado a importância da relação entre a ocupação
urbana e as alterações nas taxas de escoamento superficial e daquele drenado pelo solo.
MOMENTO AMBIENTAL (A PARTIR DE 1980)
Nesse período, a questão ambiental começou a tomar corpo com uma política
mais consistente. Os problemas resultantes do processo de crescimento nas décadas
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anteriores provocaram um despertar da consciência nacional relativo aos danos causados
pelo homem ao meio ambiente.
Apesar de todos os avanços obtidos na construção das políticas ambientais, houve
um confronto de atuações na estrutura administrativa, que, na prática, continuou
segmentando a gestão das águas pelos vários setores da administração pública, embora
o instrumento de lei definisse o meio natural bacia hidrográfica como unidade de interesse.
A estrutura do Poder Público – federal, estadual e municipal – traduziu sua preo-
cupação com a criação de diversos organismos que definiam, normatizavam, administra-
vam e fiscalizavam a preservação e os danos ambientais.
As rodovias começaram a ser caracterizadas por moderna tecnologia, atendendo,
além dos padrões internacionais de segurança e conforto, às exigências de proteção ambiental:
com traçado que preservava no seu percurso as matas da região; com obras de paisagismo
e com desenho específico para facilitar a drenagem das águas durante as chuvas. O proces-
so de implantação de rodovias tornou-se mais exigente nos níveis de segurança e de prote-
ção ambiental, porém, ainda, sem preocupação com o sistema de drenagem das águas
para o subsolo, para evitar a sobrecarga do sistema de captação da bacia no entorno.
Depois da Constituição Federal de 1988, que impôs a avaliação de impacto
ambiental e a divisão de responsabilidade de preservação entre governo e sociedade,
várias leis foram sancionadas impondo limites e outorgando direitos de uso dos recursos
hídricos, leis estas, quase sempre, resultantes de um processo de negociação entre os
segmentos sociais interessados na questão e submetidas a audiências públicas.
O caráter centralizador do Poder Público continuou pautado pela representação
majoritária dos seus membros, assim como pela subordinação do município ao Estado e
deste ao Poder Executivo federal.
Até o início da década de 1990, a preocupação com as águas se restringiu, basica-
mente, ao uso com vistas para processamento de energia, abastecimento e poluição.
21
Microdrenagem Urbana
A transformação, que ampliou o enfoque das águas, principiou quando o Brasil foi
escolhido para sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvol-
vimento, envolvendo os governos dos países-membros da ONU, e criou-se a Agenda 21,
um quadro de referência técnico-política para orientar a definição de políticas governa-
mentais em nível internacional, regional ou local.
Através da Agenda 21, a sociedade e os governos reconheceram a água como um
dos elementos mais importantes da vida na Terra, as condições de degradação de sua
qualidade, com a poluição de fontes de superfície e subterrâneas, e a necessidade de
entendimento das conexões entre o desenvolvimento, manejo, uso e tratamento das
águas e dos ecossistemas aquáticos.
Foram então caracterizados como problemas mais graves: as políticas públicas
que atendiam prioritariamente interesses privados que visavam à exploração dos recur-
sos hídricos com perspectiva imediatista; os tratamentos inadequados dos esgotos do-
mésticos; o controle impróprio dos efluentes industriais; a destruição ou perda das bacias
de captação; a inconveniente localização de unidades industriais; os desmatamentos; a
ausência de controle da migração da agricultura; e as deficientes práticas agrícolas.
O resultado das propostas da Conferência para a gestão nacional das águas foi a
implantação de um sistema de gestão integrado para a formulação e execução de políticas
de meio ambiente e recursos hídricos com: um processo de avaliação que busque o
equilíbrio nos diversos usos das águas, pensando-se na prevenção e abrandamento dos
perigos promovidos pelo manejo delas; e decisões de ordenamento e ocupação territorial
que, diretamente, interferem no sistema das bacias hidrográficas.
Dessa forma, convencionou-se que a gestão das águas devia observar o planeja-
mento no espaço territorial onde há produção energética, irrigação, abastecimento públi-
co, drenagem natural e/ou antropizada, saneamento e, ainda, as questões particulares da
urbanização. Por isso, o critério da bacia hidrográfica não estabeleceu soluções estrita-
mente hidráulicas, hidrológicas e sanitárias, mas também as relações sociais, culturais,
políticas e econômicas.
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As relações ambientais no espaço territorial foram sendo alteradas pela forma de
vida, que passou a ser mais urbana que rural. Os elementos mais fortes das ações
antrópicas referem-se à construção de moradias, que envolvem:
Território da Bacia Hidrográfica
� Grandes desmatamentos para implantação de loteamentos;
� Extensas áreas alagadas por obstrução da drenagem natural;
� Caixas de empréstimos, em que morros inteiros são destruídos, junta-
mente com a mata natural neles estabelecida, em favor de aterros para
expansão urbana;
� Cursos d’água ameaçados devido à ocupação do seu entorno;
� Assentamentos humanos em expansão nas encostas, invadindo, por vezes, os
limites de áreas de preservação;
� Portos de areia clandestinos, ou em desacordo com a lei, às margens dos rios;
� Comprometimento da qualidade de vida da população com a contaminação do
lençol freático, dos rios, do mar, pela ausência de rede coletora condizente com
a demanda, assim como de sistemas de tratamento adequado para o esgoto
domiciliar e industrial.
Território do Perímetro Urbano
� O desenho urbano de avenidas e ruas com rigidez geométrica se contrapondo à
declividade natural do percurso das águas pluviais e promovendo grande velo-
cidade e volume de água nas áreas baixas;
� O alto índice de impermeabilização das calçadas e ruas adotado nas cidades;
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Microdrenagem Urbana
� A prática da impermeabilização em alto índice percentual na área do lote não
ocupada pela habitação;
� A utilização de construção subterrânea ocupando a totalidade da área do lote
nos empreendimentos multifamiliares ou comerciais;
� O despejo das águas pluviais incidentes nas áreas dos lotes na via pública de
circulação;
� O adensamento da ocupação urbana com redução da área útil por habitante;
� A canalização e retificação dos rios e córregos.
A solução para resolver os problemas decorrentes da evolução da estrutura dinâ-
mica do País com relação à drenagem urbana pode ser efetivada com novas formas de
atuação política, de planejamento e de tecnologia, englobamento de todo o território mu-
nicipal, urbano e rural.
Nesse contexto, a drenagem urbana deixa de ser tratada pontualmente na malha
urbana, pois as transformações dos terrenos originais mudam as direções das águas de
seu curso natural, da mesma forma que a quantidade e a velocidade dessas águas sofrem
influência das modificações provocadas na vegetação original.
Os graves problemas de enchentes enfrentados pelas administrações municipais
quase sempre decorrem exclusivamente da consolidação do assentamento humano. Ve-
rifica-se um mosaico de telhados e quintais, calçadas e ruas pavimentadas, cujas
águas acumuladas são exportadas para as várzeas, terrenos baixos e periferia. O
aumento do volume d’água, assim como da sua velocidade, ocasionam erosão, des-
moronamento e enchentes.
Considerando que são comuns as chuvas com precipitações superiores a 100
mm nos municípios brasileiros, podemos calcular que, num lote de 250 m2
, o acúmulo
de água representa 25 m3
, que, somados às precipitações na calçada e na rua, chega a
um valor de 30 m3
, equivalente a 750 caminhões-pipa de 10 m3
. No caminho percorrido
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pela percolação dessa água são provocadas erosões, deslocamento de casas, morte de
pessoas e animais, tal como apresentado nos noticiários de TV.
Nas cidades, o sistema de bueiros e canalizações de águas pluviais provoca o
que se chama de enchente projetada, além de promover o carregamento de materiais
que, depositados nos rios, provocam a extinção da vida animal. Quando esses veículos
condutores de água apresentam problemas de assoreamento ou entupimento, provo-
cam enchentes localizadas, erosão, aluviões e acidentes de grandes proporções para a
população local.
As águas precisam, portanto, ser controladas de forma a diminuir a velocidade de
escoamento, aumentar a absorção pelo solo e ser armazenada para que o escoamento se
processe em período mais longo de tempo. O ecossistema urbano deve ser estudado para
absorver a água, evitar erosões e desbarrancamentos, filtrar os poluentes e reavivar as
nascentes e riachos.
25
Microdrenagem Urbana
A QUESTÃO DA ÁGUA NO MUNICÍPIO
A água é um bem vital para a vida e a sobrevivência dos seres vivos do planeta e, para
que isso possa continuar acontecendo, é necessário que se crie um novo paradigma para
sua utilização.
Do volume total da água existente no mundo, 94% é de águas salgadas; 1% está
na atmosfera em forma de vapor; 2% é de águas doces sólidas (gelo), e somente 3% é de
águas doces, sendo que 98% do volume das águas doces está em depósitos subterrâne-
os e 2% é de águas superficiais.
No Brasil, que possui, em seu território, aproximadamente, 8% do total de águas
doces do mundo, a utilização da água sempre se baseou no fato da existência de água em
abundância e de que este seria um recurso ilimitado.
Porém, a distribuição territorial da água se faz de maneira inversamente proporci-
onal a de sua utilização.
Na região amazônica, onde o contingente populacional representa 5% do total do
País, concentra-se 80% do volume das águas doces, ficando os outros 20% distribuídos
pelo restante do território.
Assim, muito embora com enorme potencial hídrico, o País tem problemas de
distribuição territorial da água, provocando, com isso, enormes disparidades regionais
nos aspectos econômico e social.
As ações antrópicas, o parcelamento e a ocupação do meio urbano, têm gerado
importantes mudanças no processo de transferência das águas precipitadas. Essas
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modificações não se limitam às áreas atingidas e os impactos negativos são sentidos nas
áreas a jusante, representando prejuízos materiais e afetando a qualidade de vida.
Compete ao Poder Público municipal adotar medidas para preservação dos ma-
nanciais e tomar providências para evitar o aumento da inundação devido à impermea-
bilização do solo e à canalização dos rios e córregos.
Pode-se definir como nascente ou manancial o local onde a água doce, que tem
origem em lençóis subterrâneos e as águas superficiais concentram-se naturalmente e
são mantidas pelo sistema de proteção da vegetação em seu entorno.
Os excedentes aqüíferos dos mananciais formam riachos, ribeirões e rios, criando,
assim, uma rede hídrica de cursos de água doce chamada de bacia. As regiões dos
mananciais são de vital importância para a formação das cadeias hídricas.
Os mananciais estão, na maioria das vezes, localizados fora das áreas urbanas e,
para que a sua preservação seja assegurada, é importante que se instituam instrumentos
de ordem administrativa e legal.
A manutenção de uma faixa de vegetação natural ao longo dos rios e córregos e,
em especial, das nascentes; a utilização de técnicas agrícolas adequadas na preparação
do solo e plantio, e a utilização correta de agrotóxicos irão garantir a qualidade das águas
do manancial.
A conservação da quantidade e da qualidade da água para abastecimento da
cidade depende de uma política preservacionista dos mananciais. Quanto maior for o
esforço para preservação dos mananciais, maior será a qualidade da água obtida.
Práticas que dificultem a infiltração das águas de chuva para o reabastecimento
dos lençóis freáticos comprometem a quantidade das águas dos mananciais.
Conforme a origem das águas, os mananciais podem ser definidos em três tipos:
a) de águas de chuva (cisternas);
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Microdrenagem Urbana
b) de águas do subsolo ou subterrâneas (poços, cacimbas, fontes);
c) de águas das superfícies (açudes, rios, lagoas).
Os rios têm papel importante no processo de urbanização, pois muitas cidades
nasceram enfileiradas em suas margens.
Os córregos e rios são um patrimônio da cidade, devendo, portanto, ser protegidos
e não tratados como valas de esgoto a céu aberto, como temos feito. Suas nascentes, sua
água, suas margens, sua vida aquática, devem ser preservadas e melhoradas. É dever do
Poder Público local preservar, implementar melhorias e, ao mesmo tempo, conscientizar
a população da importância do rio, para se engajar na preservação da qualidade do meio
ambiente urbano do qual a água faz parte.
Figura 1 – Córrego em área urbanizada
Para que fosse possível a ocupação de novas áreas no processo de urbanização,
foram adotadas técnicas de retificação e canalização de rios e córregos. Essas áreas, que
antes possibilitavam a infiltração ou armazenamento das águas pluviais, a partir da ocu-
pação que em geral ocorre de forma acelerada, impossibilita a infiltração natural das
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águas pluviais que, cada vez em maior volume e com maior rapidez, são conduzidas para
as redes pluviais, que, na maioria das vezes, não está dimensionada para receber tama-
nho fluxo, vindo a ocasionar enchentes e alagamentos em áreas antes seguras.
Figura 2 – Córrego em área urbanizada
Quando ocorrem chuvas por longos períodos de tempo e o solo já não consegue
mais absorvê-las, os canais de escoamento passam a não dar vazão ao excessivo volume
precipitado, ocorrendo o transbordamento dos mesmos, que passam a ocupar a faixa
lateral extra ao seu leito, o qual chamamos de várzea. Esse é um processo natural e já
ocorria muito tempo antes da urbanização.
No Brasil, são comuns os assentamentos de baixa renda localizados nessas áreas,
sujeitando as populações ribeirinhas a constantes inundações em suas casas, que provo-
cam perdas incalculáveis.
As enchentes constituem um processo mais crítico do que as inundações, pois
ocupam uma área maior do que as várzeas dos rios. Os rios, mesmo que sejam largos e
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Microdrenagem Urbana
profundos, não conseguem dar vazão ao volume precipitado, ocorrendo a enchente. Esta
tem um caráter bastante esporádico, podendo ocorrer uma vez a cada 30 ou 40 anos.
São decorrentes de precipitações raras, com grandes volumes de chuva em um tempo
muito curto e de forma muito intensa.
Nos municípios podemos prever as áreas sujeitas a enchentes, o nível máximo
das águas e até o aumento das enchentes causado pela impermeabilização do solo urba-
no, retificação de rios, mudanças do clima urbano.
Segundo Tucci13
, as enchentes que ocorrem nas áreas urbanizadas podem ser
classificadas de duas formas:
� Enchentes devido à urbanização: são caracterizadas pelo aumento da freqüên-
cia e da magnitude das enchentes devido a uma crescente impermeabilização
do solo urbanizado e do seu uso acima da capacidade máxima de vazão dos
canais de escoamento.
Vez por outra também encontramos obstáculos à vazão das águas, tais como
pontes, obstruções nos canais, assoreamento, lixo urbano, aterros e edificações.
� Enchentes em áreas ribeirinhas: são as enchentes naturais que atingem a
população que ocupa o leito expandido do rio. Ocorrem de forma natural, quan-
do a calha do rio, devido ao volume excessivo de chuvas, não consegue dar
vazão às águas, passando a ocupar o leito maior do rio.
Os loteamentos em encostas com ruas perpendiculares, com curvas de nível que
recebam água das travessas, de bocas de lobo insuficientes ou assoreadas, são causas
comuns das enchentes projetadas. Os desmoronamentos, as erosões e as enchentes
têm como causas o aumento da velocidade, a quantidade e a concentração das águas das
chuvas torrenciais.
13. TUCCI, Carlos E.M. Drenagem urbana. Porto Alegre, Brasil: ABRH - Editora da UFRGS, 1995.
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As práticas tradicionais de engenharia dos projetos de loteamentos,
arruamentos e drenagem não levam em conta os efeitos globais das chuvas, pois
não projetam a microdrenagem de maneira a propiciar a absorção d’água da chuva
junto ao local da precipitação.
Adotar soluções para o controle das enxurradas deve ser uma exigência para os
municípios. Além disso, a formulação de estudos e propostas de microdrenagem urbana
em todos os novos empreendimentos imobiliários pode ser a solução para esses proble-
mas, resultando em diminuição nos custos de implantação, menores riscos para as
populações e maior grau de sustentabilidade no contexto da cidade.
ENXURRADAS E PLANEJAMENTO MUNICIPAL
Quando a chuva atinge a superfície do solo encontra um filtro que é de grande
importância para determinar o caminho que a água percorrerá até atingir um córrego ou
rio. O caminho e a intensidade das águas determinam muitas das características da
paisagem, exigindo que o uso do solo pelo homem seja baseado em estratégias visando
ao gerenciamento correto do ambiente para o controle e a conservação das características
ambientais da bacia hidrográfica.
O conhecimento das precipitações fornece dados para o planejamento municipal
pelas seguintes razões:
1. Oferece dados para previsão de enxurradas e erosão no município;
2. Permite a execução de mapas de regiões com formação dos lençóis e áreas
sujeitas a enxurradas e erosões;
3. Define áreas onde devemos providenciar microdrenagem;
4. Determina os excedentes e deficiências hídricas do município;
5. Permite a previsão dos efeitos do desflorestamento e urbanização;
31
Microdrenagem Urbana
6. Permite o controle dos efeitos das precipitações devido à implantação de
estradas;
7. Determina o custo dos danos provocados por enchentes, desmoronamentos, etc.
O conhecimento da quantidade de água necessária para a saturação do solo é
outro dado importante para o projeto de microdrenagem municipal, pois permite diminuir
as dimensões da drenagem convencional, levando a custos e impactos humanos e
ambientais menores.
As avaliações das precipitações pelos planejadores podem fornecer as limitações e
conseqüências da implantação de projetos urbanos, permitindo evitar problemas e cus-
tos desnecessários em futuros empreendimentos.
As análises das precipitações também podem ser um instrumento para a legisla-
ção de zoneamento urbano.
É importante que os planejadores se familiarizem com os mapas de precipitações
em conjunto com mapas topográficos, geológicos e de uso do solo, complementados por
dados obtidos a partir de pesquisa de campo.
O CAMINHO NATURAL DAS ÁGUAS
O processo de urbanização, tal como é concebido no Brasil, não possui visão do
ambiente como um todo. Tem caráter pontual e pretende apenas resolver problemas
localizados, e, em geral, é feito a partir do lote para com a totalidade da cidade, salvo nas
cidades planejadas, onde o desenho pré-concebido é que dá definição à ocupação urba-
na, estabelecendo usos e coeficientes.
Com a promulgação da Lei 10.257, de 10/7/2001 – Estatuto da Cidade – que
estabelece, entre outras coisas, a exigência da elaboração de PD (Plano Diretor) para as
cidades com mais de 20.000 habitantes, fica instituído um importante instrumento para
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que o Poder Público municipal tenha ferramentas indispensáveis ao planejamento e à
administração da cidade.
Nos grandes centros urbanos tem-se notado um aumento da freqüência de inun-
dações em áreas antes seguras e que hoje têm sido atingidas pelas águas. Tal feito pode
ser atribuído, em primeiro lugar, a uma diminuição das áreas de infiltração por um pro-
cesso crescente e contínuo de impermeabilização das superfícies, possibilitando, assim,
que um volume maior de água seja transportado, cada vez mais rápido, pela superfície,
atingindo as áreas mais baixas da cidade. Em segundo, o material descartável e o lixo
urbano não coletados são transportados pelas águas, dificultando seu escoamento.
Em outros países, uma coerente e eficaz política de seguros garante aos proprietá-
rios atingidos pelas enchentes o ressarcimento integral dos prejuízos.
No Brasil não existe uma política que possibilite a cobertura por parte das com-
panhias seguradoras para eventos dessa natureza, cabendo ao proprietário ou ocupante
das áreas inundadas suportar de forma integral os prejuízos provocados pelas enchen-
tes e inundações.
NOVOS HÁBITOS DE CONSUMO
Com a adoção, a partir dos anos 90, de novos padrões de consumo baseados na
política de descartáveis e não duráveis, o ambiente como um todo passou a receber uma
grande carga de poluentes e elementos poluidores: garrafas plásticas, latas de aço e de
alumínio, pneus, vidro, embalagens do tipo tetrapack, pilhas, além daqueles que são
habitualmente descartados, como madeira, papelão, borracha, tecidos e outros.
A falta de um padrão de educação ambiental que preserve o ambiente e determine
um destino adequado aos elementos poluidores resulta em seu abandono na natureza,
passando, então, a ser transportados através das águas e depositados nos córregos e rios,
favorecendo a ocorrência de enchentes e alagamentos.
33
Microdrenagem Urbana
O processo de urbanização gera novas fontes de poluição da água. Nas cidades, a
sujeira das ruas, o lixo doméstico, os detergentes, poluentes, resíduos de combustíveis e
o óleo já utilizado pelos motores e descartado pelas oficinas são levados pelas chuvas
para os rios e lagos. Para estes, os efluentes industriais, o lixo hospitalar, dejetos quími-
cos, óleo, esgotos e lixo sem tratamento são os maiores poluidores. Lixos potencialmente
perigosos, como os da limpeza de fornos e os solventes de tinta gerados em casas e
apartamentos são descartados nos canais e riachos.
As fossas sépticas, embora não se caracterizem como um novo elemento, poluem
tanto as águas subterrâneas quanto as águas de superfície. As mineradoras, o garimpo e
a retirada de areia e cascalho contribuem em muito para a poluição das águas. Na zona
rural, resíduos de pesticidas, fertilizantes e hormônios usados na agricultura infiltram-se
no solo ou escorrem para os rios, riachos e lagos.
CONTROLE DA QUALIDADE DAS ÁGUAS DE CHUVA
Existem inúmeros procedimentos técnicos para controle da qualidade da água das
chuvas, que serão apresentados a seguir. Entretanto, a melhor maneira de controle é a
infiltração no entorno da precipitação.
Os métodos de controle são:
- Sedimentação;
- Flotação;
- Filtragem;
- Infiltração;
- Adsorção;
- Filtro biológico;
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- Conversão biológica; e
- Degradação.
� Sedimentação é a remoção pelo efeito da gravidade de partículas em suspensão
na água. A velocidade de sedimentação depende das características de viscosida-
de e densidade da água e da forma e dimensão das partículas. Partículas peque-
nas e com altas viscosidades podem necessitar de dias e até semanas para
sedimentar. Partículas muito finas, como argilas, continuam em suspensão no
líquido, tendo um limite de concentração aproximado de 10 mg/l, abaixo do qual
não ocorrerá a sedimentação.
� Flotação é a separação de partículas mais leves que a água. Essas partículas podem
ser separadas das águas da chuva por redes, ralos, etc., sendo posteriormente remo-
vidos por processo mecânico ou manual. Papel, folhas, embalagens plásticas, isopor,
etc., são exemplos de materiais que podem ser separados por flotação.
� Filtragem é o processo de remoção de partículas em suspensão na água pela passa-
gem da água por um meio poroso. Os meios porosos mais comumente usados para
filtragem são: areia, pedriscos, pedras, vermiculita, cerâmica porosa, etc. O processo
de filtragem depende de um grande número de variáveis físicas, tais como: tamanho e
forma das partículas a serem filtradas, velocidade da água passando pelo meio poroso,
tamanho dos poros do meio filtrante.
� Infiltração é a ação do fluído que se embebe nos interstícios de corpos sólidos, sendo
o mais eficiente dos meios de controle das chuvas torrenciais, pois reduz o volume das
águas evitando as enxurradas e conseqüentes erosões, desmoronamentos, arrasto de
detritos, enchentes, etc. A infiltração não é aplicável em todos os sítios urbanos. Os
solos impermeáveis, encostas de pedra ou de baixa estabilidade e alagados não admi-
tem infiltração.
35
Microdrenagem Urbana
� Adsorção é a incorporação de uma substância à superfície de outra. Esse fenômeno
pode ocorrer quando a infiltração de água das torrentes contendo metais pesados
encontra solos ricos em argila, incorporando as partículas de metais pesados, que
podem deteriorar a qualidade do solo. Entretanto, quando sob controle, pode ser um
método para separar os metais pesados.
� Filtro biológico é a utilização de microorganismos para controle de nutrientes orgâni-
cos e metais pesados arrastados pelas chuvas. Normalmente, os filtros biológicos são
utilizados em lagoas, represas e mangues. É conhecida a propriedade dos aguapés de
absorver metais pesados, meio dos mais eficientes e mais econômicos para controle
desses metais. Às vezes, esses fenômenos agravam a qualidade da água pela grande
quantidade de nutrientes arrastados pelas chuvas, facilitando a reprodução de algas e
gerando problemas de qualidade da água potável.
� Conversão biológica é a transformação por bactérias de produtos tóxicos e alérgicos
em componentes inofensivos à saúde. A conversão biológica pode reduzir a toxicidade
das águas de chuva provocada pela poluição por vetores patogênicos.
� Degradação é a destruição ou transformação de produtos diluídos ou em suspensão
nas águas da chuva em substâncias inócuas. Nas lagoas de retenção podemos contro-
lar a degradação pela volatilização, ação de raios ultravioleta, hidrólise, e de materiais
orgânicos, como, por exemplo, herbicidas e pesticidas.
COMPARAÇÃO ENTRE OS SISTEMAS DE PRÉ-URBANIZAÇÃO E PÓS-URBANIZAÇÃO
No sistema natural de pré-urbanização há uma retenção de 40% do volume das
águas da chuva nas copas das árvores, e que serão evaporadas, favorecendo o aumento
da umidade do ar. Nesse sistema, 50% das águas precipitadas são absorvidas pelo solo,
alimentando o lençol freático, e apenas 10% são escoadas na superfície. (Figura 3)
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Nas áreas pós-urbanizadas, entretanto, o panorama se transforma: do volume
total das águas de chuva, praticamente nada é armazenado na superfície; o escoamento
superficial é de 32%; o sistema de captação de águas pluviais e esgotos é responsável
por 30%; 25% passa pelo processo de evapotranspiração, e somente 13% do volume
total precipitado é absorvido pelo solo. (Figura 4)
A diminuição da parcela da chuva absorvida que passa de 50% (pré-urbanizada)
para 13% (pós-urbanizada) é responsável pelas enchentes e erosões nas áreas urbanas,
provocando assoreamento de córregos e rios.
Na área rural, modificada em razão das atividades agrícolas e pastoris, o percentual
de água pluvial retido nas copas das árvores é de quase 0%. Do volume total, 25% é
evaporado; 40% é infiltrado no solo e, aproximadamente, 35% é escoado na superfície.
(Figura 5)
Essa situação provoca erosão e, conseqüentemente, a perda de áreas agriculturáveis,
bem como o assoreamento de córregos e rios.
Figura 3 – Características do balanço hídrico. Bacia pré-urbanizada
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Microdrenagem Urbana
Figura 4 – Características do balanço hídrico. Bacia urbanizada
Figura 5 – Características do balanço hídrico. Área rural comatividades agricultáveis e pastoris
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A complexidade desse processo exige uma nova postura municipal para que o
ciclo hidrológico tenha um controle de maneira a evitar as enxurradas, erosões, poluição
das águas e a concomitante perda de vidas humanas e aumento dos custos da adminis-
tração do município.
Controlando as águas, o município evita degradações como erosões, desmorona-
mentos, enchentes. O aproveitamento dos recursos hídricos amplia seu potencial econô-
mico, ambiental, turístico e humano.
Nas cidades é necessário absorver as águas o mais perto possível de sua precipi-
tação, utilizando as técnicas da microdrenagem.
No campo, também utilizando as técnicas de microdrenagem, é importante
aumentar a permeabilidade do solo, cultivar em curvas de nível, preservar as matas
ciliares e parte significativa das matas nativas, controlando, assim, a velocidade e o
fluxo d’água.
39
Microdrenagem Urbana
A NECESSIDADE DE SE TER UM PLANO
DIRETOR DE DRENAGEM URBANA
Os processos de urbanização das cidades brasileiras têm se caracterizado pela falta
de planejamento, tanto sob o aspecto socioeconômico quanto espacial. Isso provoca
impacto significativo sobre a população e o meio ambiente.
Quanto à drenagem urbana, esses impactos têm causado grandes prejuízos de
ordem econômica e deteriorado a qualidade de vida da população devido ao aumento da
freqüência das inundações. Essa situação é causada pela forma como as cidades se
desenvolveram, por sistemas inadequados de drenagem urbana e pela ocupação de áreas
de risco.
As cidades vêm se desenvolvendo sem estabelecer critérios de sustentabilidade
ambiental, causando um descompasso entre homem e ambiente; os sistemas de drena-
gem urbanos têm como filosofia escoar a água o mais rápido possível da área em que ela
se precipitou, e as áreas de risco vêm sendo ocupadas por edificações e aterros, reduzin-
do a capacidade de escoamento dos rios.
Para que se possa reverter esse quadro, se faz necessário adotar princípios e
mecanismos que controlem as enchentes e que considerem os seguintes aspectos:
� A drenagem urbana deve ser entendida dentro de um contexto de bacia
hidrográfica e não somente nos limites dos municípios;
� A vazão superficial de uma área urbanizada deve ser igual a de uma área equiva-
lente sem urbanização, não sendo possível a transferência de impactos a jusante;
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� A recuperação da capacidade de infiltração natural da bacia deve ser priorizada,
com o objetivo de reduzir os impactos causados;
� A bacia hidrográfica deve ser o contexto de avaliação dos impactos causados
por novos empreendimentos;
� O horizonte de avaliação deve prever futuras ocupações urbanas;
� As áreas ribeirinhas somente poderão ser ocupadas se isso estiver previsto em
zoneamento que contemple as condições de enchentes, e
� As medidas de controle devem ser preferencialmente não-estruturais, simples
e de baixo custo.
Para que possam ser implantados padrões de controle que tenham como objetivo
o desenvolvimento harmônico e sustentável da cidade, torna-se necessária a elaboração
de um Plano Diretor de Drenagem Urbana que trate de temas como: caracterização do
desenvolvimento de um local, planejamento em etapas, vazões e volumes máximos para
varias probabilidades, localização, critérios e tamanhos de reservatórios de detenção e
condições de escoamento, medidas para melhorar a qualidade do escoamento, regula-
mentações pertinentes, desenvolvidas em consistência com os objetivos secundários,
como recreação pública, limpeza, proteção publica e recarga subterrânea. (ASCE)14
O Plano Diretor de Drenagem Urbana deve contemplar a macro e a microdrenagem.
MACRODRENAGEM
Entende-se por macrodrenagem o conjunto de soluções de engenharia formado
por sistemas de captação pluvial, composto de obras estruturais que objetivam o
14. ASCE. American Society of Civil Engineers. Design and construction of urban storm water system.Manual of Practice n. 77. New York, USA: ASCE - American Society of Civil Engineers, 1992.
41
Microdrenagem Urbana
encaminhamento das águas pluviais para os córregos e rios. A macrodrenagem favorece
o escoamento e não a infiltração.
A sociedade brasileira há muito tempo tem como costume levar para a periferia
do município todos os seus dejetos e as populações de baixa renda, produzindo lixões,
esgotos in natura, águas drenadas, dejetos industriais, favelas, loteamentos clandesti-
nos, etc., que geram problemas de qualidade de vida, doenças, saúde pública, en-
chentes, desmoronamentos, erosões, mortes, poluição do lençol freático, etc. O caos
urbano engloba todos esses fatores, tornando a periferia um verdadeiro inferno social. É
dentro desse contexto que devemos inserir a questão das condições de drenagem, que
não pode mais ser tratada pontualmente na malha urbana, resolvendo-se o problema
localmente, porém, exportando-o para as várzeas, terrenos baixos e periferia, onde
normalmente moram as populações de baixa renda.15
Só com políticas, planejamento e
tecnologias16
não excludentes é que poderemos enfrentar e resolver melhor as questões
da drenagem urbana.17
Nos municípios brasileiros, depois do assentamento consolidado, o que vemos é
um mosaico de telhados e pavimentação de quintais, calçadas e ruas.
Todas essas transformações no terreno original mudam a direção das águas de seu
curso natural para as áreas de drenagem, reservatórios naturais, árvores e plantas que,
normalmente, controlavam a velocidade e a quantidade de água.
Todos os loteamentos e construções causam impacto sobre as condições de
escoamento e drenagem no município.
15. IBAMA. Infra-estrutura e integração regional – Subsídios à elaboração da agenda 21 brasileira – MacroObjetivo 3. Drenagem Urbana. Brasília 2000, p.129.
16. IBAMA. Infra – Ciência e tecnologia para o desenvolvimento sustentável – Subsídios à elaboraçãoda agenda 21 brasileira. Brasília, 2000.
17. IBAMA. Redução das desigualdades sociais – Subsídios à elaboração da agenda 21 brasileira.Brasília, 2000.
Fu n d a ç ã o Pr e f e i t o Fa r i a Li m a – Ce p a m
42
O aumento da velocidade de escoamento das águas, devida às atividades huma-
nas, é a causa principal das erosões, dos desmoronamentos e das enchentes.
Segundo GUY18
, quando efetuamos trabalhos de terraplenagem, a erosão aumen-
ta até 40.000 vezes em relação ao terreno original.
A legislação existente, assim como as soluções tradicionais da engenharia, têm se
mostrado ineficientes no controle das enchentes e da erosão nos municípios.19
O controle deve ser feito a partir de um estudo detalhado das condições de preci-
pitações, relevo, solos, áreas para reservatórios, índices de impermeabilização do solo,
etc., seguidos de projeto e legislação adequados à realidade do município. É importante
conscientizar a população de que é possível controlar as enchentes desde que mudemos
as posturas políticas, técnicas e sociais em relação ao problema.
Exemplificando, são comuns em boa parte dos municípios brasileiros chuvas com
precipitações acima de 100 mm em curto período de tempo. Em lotes de 250 m2
isso
representa 25 m3
de água, que, somados às precipitações nas calçadas e ruas, chegam
facilmente a 30 m3
. Quando imaginamos um loteamento de 250 lotes, estamos pensan-
do em 30 x 250 m3
, ou seja, 7.500 m3
de água morro abaixo em apenas alguns minutos
(7.500 toneladas de água ou 750 caminhões-pipa de 10 m3
). No caminho essa água
provoca erosão, arrasta casas, mata pessoas e animais, como temos assistido diariamen-
te em noticiários de televisão.
Toda essa água precisa ser controlada sob a forma de diminuição da velocidade de
escoamento, absorção pelo solo, armazenagem para ser escoada em períodos mais lon-
gos de tempo e de preferência no lote e nas ruas onde houve a precipitação.
18. HAROLD, P. Guy. Sediment Problems in Urban Areas – Circular 601-E. Geological Survey. Washing-ton DC, 1970.
19. SECRETARIA DA HABITAÇÃO E DESENVOLVIMENTO URBANO DA CIDADE DE SÃO PAULO. Restri-ções da legislação de uso e ocupação do solo.
43
Microdrenagem Urbana
Os movimentos de terra para arruamento, abertura e manutenção de estradas
levam a mudanças nas condições de escoamento e drenagem, tanto urbana como rural.
Boa parte da legislação urbana e das normas de escoamento tem agravado os
problemas, pois tende a causar aumento da velocidade de escoamento, provocando en-
chentes em áreas baixas do município, e, em nível regional, exportam-se enchentes de
um município a montante para os municípios a jusante.
A qualidade da água dos rios que atravessam diversos municípios tem se deteri-
orado com a urbanização e a industrialização, provocando a extinção das diversas formas
de vida, como é o caso do rio Tietê, no trecho da Região Metropolitana de São Paulo, do
rio dos Peixes e do rio Paraíba, entre outros. Os bueiros e as canalizações de águas
pluviais, obras decorrentes da macrodrenagem, têm como objetivo escoar a água em
direção aos rios o mais rapidamente possível, provocando o que podemos chamar de
enchentes projetadas.
Essa água corre rapidamente para fora do município, podendo provocar rio abaixo
enchentes em municípios vizinhos. A água descartada pode vir a faltar em meses de
estiagem, provocando racionamentos e piora na qualidade do abastecimento de água.
Esses mesmos bueiros, que normalmente estão em áreas de baixo índice de
absorção, quando assoreados, podem provocar enchentes localizadas, erosões, aluviões
que podem carregar tudo que encontrarem em seu caminho.
A legislação deve ser eficaz para exigir medidas tanto na concepção dos projetos
de construção como na sua implantação, devendo atuar também após a consolidação do
uso do solo.
MICRODRENAGEM
A microdrenagem urbana pode ser definida como o conjunto de técnicas a serem
aplicadas para a contenção e o controle do escoamento superficial das águas de chuva
Fu n d a ç ã o Pr e f e i t o Fa r i a Li m a – Ce p a m
44
nas áreas dos lotes e dos loteamentos. São mecanismos simples, classificados como não
estruturais, cuja missão é a de controlar as vazões.
Um assunto ainda pouco conhecido e que necessita de muitos estudos é a ques-
tão dos ecossistemas urbanos capazes de absorver a água, evitar erosões e
desbarrancamento, filtrar os poluentes, reavivar as nascentes e riachos e, finalmente,
drenar vagarosamente a água das chuvas no município.20
Sendo a água pura um bem escasso e caro, devemos administrá-lo em nosso
proveito, evitando que se torne um inimigo, como temos presenciado em quase todos os
municípios brasileiros. A drenagem urbana deve ser pensada dentro de um contexto
amplo, em que a água é um bem e não um problema, devendo ser administrada e
venerada como uma dádiva da natureza. Dentro desse contexto, os esgotos devem ser
tratados, aproveitando-se posteriormente seus efluentes, não devendo jamais ser mistu-
rados in natura com as águas da chuva, como praticado por boa parte da população em
todos os municípios brasileiros que possuem rede de esgotos.
As chuvas torrenciais no Brasil vêm deteriorando a qualidade da água potável,
infernizando a vida daqueles que moram em áreas sujeitas a inundações, provocando
perdas incalculáveis para os municípios e degradando o leito dos rios. Isso vem ocorrendo
mesmo em áreas com drenagem urbana convencional.
O que podemos dizer é que o controle moderno da microdrenagem urbana é o
único caminho para resolver esses problemas.
Para controlar a drenagem podemos propor, por exemplo, grandes reservatóri-
os de água da chuva para obtenção de água durante todo ano, drenos urbanos junto
às ruas pavimentadas e não pavimentadas, lagoas de retenção em áreas verdes e
valas de infiltração.
20. EPA. Preliminary data summary of urban storm water – best management practices. Disponível em:http//ww.epa.gov/ost/stormwater/
45
Microdrenagem Urbana
Nas áreas dos lotes podem ser utilizadas caixas de contenção, também denomi-
nadas microrreservatórios (MR), que são estruturas de amortecimento colocadas no inte-
rior dos lotes urbanizados e que visam garantir que as condições de vazão existentes na
etapa de pré-urbanização sejam mantidas.
MICRODRENAGEM NO MUNDO
No Japão, governo e autoridades municipais tornaram obrigatória, nos anos 70, a
construção de reservatórios de retenção nos lotes a fim de minimizar os efeitos de um
processo crescente de impermeabilização das áreas urbanizadas, que vinha causando o
aumento das enchentes.
Esses tanques de retenção estão localizados em lotes residenciais (62%), lotes
industriais e comerciais (14%), áreas de lazer e recreação (11%), escolas (3%) e outros
(10%). (TSUCHIYA21
)
Existem outras experiências concretas no Japão, relatadas por SUGIO et al.22
e
também na cidade de Hildesheim na Alemanha (SHILLING23
), que mostram que a ado-
ção dos microrreservatórios pode vir a garantir uma eficiência superior a 50% nas estru-
turas tradicionais.
O‘LOUGHLIN et al.24
realizaram estudos na cidade de Sidney, Austrália, onde os
microrreservatórios foram utilizados para o controle de retenção das águas de chuva nos
locais de precipitação. Os autores citam que, em 1991, apenas dois municípios adotavam
21. TSUCHIYA, A. Evaluation of on-site storm water detentions methods in urbanized area. London,Inglaterra: Urban Storm Drainage,1978.
22. SUGIO,S. et al. Use of house storage to decrease and delay park point in storm water discharge
from small urbanized basin. Lyon, França: Novatech, 1995.
23. SHILLING, W. Cisterns against storm. Southampton, Inglaterra: Urban Drainage Systems, 1982.
24. O’LOUGHLIN et al. On-site storm water detention systems in Sydney. Lyon, França: Novatech, 1995.
Fu n d a ç ã o Pr e f e i t o Fa r i a Li m a – Ce p a m
46
o sistema e que esse número subiu para 40 por volta de 1995. Dados informam que
existem, somente em Sidney, cerca de 3.500 microrreservatórios instalados, sendo 40%
deles de construção recente, com volumes entre 200 e 500 m³/hectare.
Em uma análise mais detalhada desses estudos, os pesquisadores demonstram
vantagens na adoção dos microrreservatórios (MR), tais como:
� Não se transfere o problema para jusante, como ocorre com a maioria
dos sistemas;
� Previne a formação de enxurradas decorrentes do crescente índice de
impermeabilização das superfícies no processo de urbanização;
� Quando adotado o processo de infiltração, garante as condições primitivas de
reabastecimento dos lençóis freáticos;
� O sistema é eqüitativo, pois define como responsável pelo controle e pelos
custos de implantação aquele que realiza a urbanização e, conseqüentemente,
beneficia-se dela;
� Regras simples e claras devem ser desenvolvidas a partir de modelos
experimentais;
� A adoção dos microrreservatórios pode vir a ser um instrumento importante no
controle de qualidade da água.
Todavia, um dos maiores problemas na adoção massiva dos microrreservatórios é
sua manutenção, cujos custos recaem, exclusivamente, sobre os proprietários dos lotes.
Além disso, os microrreservatórios (MR) apresentam pouca eficiência no controle de al-
guns poluentes (metais pesados), principalmente aqueles agregados aos sedimentos.
Diante das considerações apresentadas sobre a utilização de microrreservatórios
podemos afirmar que o sistema, caso adotado, torna-se ferramenta importante para
minimizar ou controlar o escoamento superficial, uma vez que ele resolve os problemas
gerados pela urbanização sem transferi-los para outro ponto da cidade.
47
Microdrenagem Urbana
QUESTÕES DE SUSTENTABILIDADE
A ausência de políticas públicas baseadas em modelos sustentáveis resulta
em conflitos entre municípios no tocante à forma de compartilhar os recursos hídricos
e de buscar soluções conjuntas para questões como esgotos, transporte urbano e
aterro sanitário.
A fim de preservar e afirmar a sustentabilidade da cidade, novos paradigmas
devem ser adotados para encontrar soluções para a drenagem urbana.
Para tanto, é indispensável adotar o princípio de que todo volume de água que
precipite na área do lote deve ser infiltrado ou contido na área do próprio lote. Isto é, o lote
deve ter um índice de infiltração zero ou próximo a zero para o conjunto das redes pluvi-
ais. Os modelos tradicionalmente adotados de drenagem urbana não consideram a
macrodrenagem como solução capaz de atender às demandas.
Entretanto, há estudos que demonstram a possibilidade da reutilização da água.
Se a água precipitada no lote for direcionada para um reservatório, poderá ser totalmente
aproveitada em atividades que não exigem água tratada, a exemplo de: água para sanitá-
rios, lavagem de veículos e de pisos, rega de jardins. Tal postura representa, além do uso
sustentável da água, também a diminuição do consumo de água tratada e, conseqüente-
mente, a economia de valores no consumo mensal.
RE-INFILTRAÇÃO DAS ÁGUAS DE CHUVA
Outra maneira de executar a microdrenagem é a a re-infiltração das águas, que
traz grandes benefícios aos aqüíferos naturais.
O alto custo de construção e de operação dos sistemas tradicionais de drena-
gem permite concluir que a água de chuva não deve ser conduzida a locais distan-
tes, mas re-infiltrada no local onde ela se precipita. A infiltração da chuva é um
processo natural nos terrenos permeáveis, que impede o rompimento do aumento
Fu n d a ç ã o Pr e f e i t o Fa r i a Li m a – Ce p a m
48
das superfícies impermeabilizadas que acarretam diminuição do fluxo de realimenta-
ção dos lençóis freáticos e maiores dificuldades para recarga natural dos aqüíferos. Os
custos cada vez maiores na implantação de sistemas de escoamento pluvial não
estão mais sendo suportados pela Administração Pública, sendo ilógico levar a água
para fora do terreno em que ela se precipita.
A re-infiltração das águas de chuva é um processo natural e auto-sustentável. A
ruptura desse processo acarreta danos irreversíveis ao meio ambiente.
A exploração acentuada dos lençóis freáticos pela extração de quantidades cres-
centes de água para abastecimento urbano, irrigação e processos industriais, pode ser
atenuada pela re-infiltração de águas pluviais, a fim de favorecer a realimentação dos
lençóis, contribuindo para um equilíbrio maior entre extração e reposição.
A forma mais fácil de se estabelecer a infiltração é a superficial, em que a água
retorna ao subsolo de forma natural. Porém, nem sempre ela é a mais eficiente, pois, com
a saturação da superfície de infiltração, a água permanece mais tempo nessa superfície,
originando um processo de alagamento.
Uma forma de minimizar esse problema seria a adoção de mecanismos que per-
mitissem uma melhor infiltração das águas, que serviriam como um indutor de infiltração
e favoreceriam o escoamento e a re-infiltração.
Outra técnica que pode ser adotada em terrenos que não apresentem condições
favoráveis à re-infiltração é a adoção de um reservatório no qual as águas pluviais armaze-
nadas no momento da precipitação possam ser posteriormente liberadas por mecanis-
mos de retardo e devolvidas às redes pluviais no momento em que o seu volume não
comprometer mais a rede instalada.
As técnicas de microdrenagem no Brasil ainda se encontram em um estágio em-
brionário. Entretanto, são desenvolvidas pesquisas em diversos institutos, entre eles o
Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
49
Microdrenagem Urbana
(UFRGS) e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), onde
estão sendo testados modelos de instalações de microdrenagem.
Entre os modelos podemos destacar:
Microrreservatórios:
� Para re-utilização da água;
� Para re-infiltração da água;
� Com mecanismos de retardo.
Dreno de infiltração:
� Horizontal;
� Vertical.
Trincheira de infiltração
Áreas de retenção temporária (abertas)
Microrreservatórios: São reservatórios em geral, construídos em alvenaria, enterrados ou
não, que servem para armazenar as águas captadas das áreas de telhado ou das áreas
impermeabilizadas.
A água armazenada poderá ser reutilizada para lavagem de pisos, carros, rega de
jardins, uso industrial de resfriamento, atividades nas quais a qualidade da água não é o
elemento determinante para sua utilização.
O microrreservatório também permitiria coletar a água, que seria re-infiltrada ao
lençol freático, com a utilização de drenos horizontais ou verticais.
Uma terceira utilização é a de que o microrreservatório sirva como um de-
pósito para as águas coletadas, que seriam posteriormente liberadas à rede pluvial
Fu n d a ç ã o Pr e f e i t o Fa r i a Li m a – Ce p a m
50
por mecanismos de retardo de tempo, não comprometendo a eficiência da rede instala-
da. (Figuras 6 e 7)
Figura 6 – Caixa de retenção(modelo experimental – IPH/UFRGS)
Figura 7 – Caixa de retenção(modelo experimental – IPH/UFRGS)
51
Microdrenagem Urbana
Drenos de infiltração: são mecanismos que possibilitam uma melhor e mais rápida
infiltração das águas pluviais. A utilização de drenos horizontais ou verticais estará condi-
cionada à tipologia do terreno. Quando o lençol freático for profundo, deve ser utilizado o
dreno horizontal (Figura 8), mas, quando o lençol freático for muito superficial, a exemplo
das regiões litorâneas ou alagadas, deverão ser utilizados drenos verticais.
Figura 8 – Dreno de infiltração horizontal
Trincheiras de infiltração (Figuras 9 e 10): São utilizadas para a infiltração de volumes
maiores de água, podendo ser dimensionadas conforme a área de contribuição, como, por
exemplo, grandes áreas de cobertura ou áreas de pátios de estacionamento, em que o
volume de contribuição é mais significativo.
São constituídas de valetas, preenchidas com material granular com coeficientes
de porosidade acima de 40% (brita 1, 2, 3, seixo rolado, etc.) e revestidas de material
geotextil que, além de servir de elemento estrutural, protege contra a entrada de partícu-
las finas, agindo como elemento anticontaminante e dificultando a colmatação prematura
da valeta.
Fu n d a ç ã o Pr e f e i t o Fa r i a Li m a – Ce p a m
52
Segundo Nascimento25
, as vantagens de sua utilização podem ser:
� Diminui ou mesmo elimina a rede de microdrenagem local, pois substitui vári-
os drenos;
� Evita a reconstrução de rede de captação pluvial a jusante;
� Reduz o risco de inundação;
� Reduz a poluição das águas superficiais, pois funciona como um pré-filtro;
� Ajuda na recarga do lençol freático;
� Pode ter uma integração homogênea com o espaço urbano, não sendo um
elemento determinante na paisagem.
25. NASCIMENTO, N.O. Curso: Tecnologias alternativas de drenagem urbana. Escola de Engenharia –UFMG,1996.
Figura 9 – Modelo experimental de trincheira deinfiltração (IPH/UFRGS)
53
Microdrenagem Urbana
Como condições para a sua utilização, salientamos:
� Lençol freático a, no mínimo, 1,20 m da cota de fundo da vala;
� Classificação de solos classe A ou B;
� Não deve ser construído sobre áreas de aterros ou com grande declividade.
Figura 10 – Trincheira de infiltração – esquema de Schueler26
26. SCHUELER, T.R. Controlling urban runoff: a practical manual for planning and designing urban.BMPs,1987.
SOLOS
O projeto de drenagem urbana passa por uma análise criteriosa de elementos
determinantes como: precipitações, topografia, urbanização e características morfológicas
dos solos.
Obras de drenagem superdimensionadas ou ineficientes poderão ser construídas
caso essa análise não seja suficientemente criteriosa. As incertezas climáticas e o
descumprimento da legislação urbanística determinam que os valores e critérios admiti-
dos nos projetos serão sempre aproximados.
Fu n d a ç ã o Pr e f e i t o Fa r i a Li m a – Ce p a m
54
Definido um local, o seu uso e ocupação, assim como a taxa de impermeabilização,
é possível prever, para um determinado índice de precipitação pluviométrica (mm/chu-
va), o coeficiente de escoamento superficial, determinando a vazão de pico, o volume e o
tempo de retorno, em função desses valores.
Os solos do município devem ser classificados em Grupos, em função de sua
capacidade de drenagem.
Grupo A: Solos arenosos, com profundidade mínima de 1,5 m, sem adensamento,
com um total de argilas inferior a 8%, não possuindo camadas argilosas
ou rochas. Nesses solos o teor de húmus não atinge 1%.
Grupo B: Solos arenosos, com profundidade máxima de 1,5 m, sem adensamento,
com teor de argilas inferior a 15%, não possuindo camadas de argila ou
rochas até a profundidade de 1,5 m. Nesses solos o teor de húmus é
menor que 1,2%. No caso de solo de terra roxa, em função de sua
porosidade, os teores de argila sobem para índices de até 20%, e o teor
de húmus é inferior a 1,5%. Não pode haver pedras ou camadas argilo-
sas até a profundidade de 1,5 m, podendo apresentar adensamento
nas camadas inferiores.
Grupo C: Solos barrentos com teor de argila entre 20% e 30%, mas sem cama-
das impermeáveis de argila, podendo conter camadas de pedras até
1,20 m de profundidade. No caso de terra roxa, o teor de argila deve ser
menor do que 40% e a profundidade de 1,5 m. Esses solos normal-
mente apresentam camadas densificadas à profundidade de 60 cm,
mas ainda apresentam boa absorção de água.
Grupo D: Solos argilosos (30% a 40 % de argila) e ainda com camadas densificadas
a partir de 50 cm de profundidade. Estão também nesse grupo os solos
arenosos, como no caso do grupo B, mas com camada argilosa quase
impermeável ou horizonte de seixos rolados.
55
Microdrenagem Urbana
SISTEMAS COMPOSTOS DE MACRODRENAGEM E MICRODRENAGEM
O sistema urbano “ideal” de drenagem deve ser composto de uma rede de esgo-
tamento sanitário (exclusiva), estações de tratamento, rede de macrodrenagem pluvial
(exclusiva) e mecanismos de microdrenagem propostos ao nível do lote ou do loteamento.
Somente com a implantação desse conjunto de ferramentas, de forma harmônica
e integrada, serão garantidos os padrões de escoamento e qualidade que permitirão, no
futuro, uma qualidade de vida sonhada para a cidade sustentável.
BACIAS HIDROGRÁFICAS
DO ESTADO DE SÃO PAULO
São Paulo é um estado rico em recursos hídricos e está dividido em 22 bacias
hidrográficas. Essa riqueza traz problemas de excesso de chuvas em muitas regiões,
ocasionando enchentes, erosões, desbarrancamentos, enxurradas, etc. Essa riqueza deve
ser controlada e aproveitada pelos municípios, sendo que atualmente esse aproveitamen-
to é pequeno em relação ao seu potencial global.
A microdrenagem é um poderoso recurso disponível para o controle pontual e
global das águas das chuvas dentro do município.
Para o estudo da microdrenagem, é necessário que o município situe-se regional-
mente dentro de suas bacias hidrográficas. No Estado de São Paulo, de acordo com o artigo
5o
da Lei 9.034, de 27 de dezembro de 1994, as bacias hidrográficas estão organizadas
em 22 unidades de gerenciamento de recursos hídricos, conforme lista a seguir:
UGRHI 01 MANTIQUEIRA UGRHI 12 BAIXO PARDO/GRANDE
UGRHI 02 PARAÍBA DO SUL UGRHI 13 TIETÊ/JACARÉ
UGRHI 03 LITORAL NORTE UGRHI 14 ALTO PARANAPANEMA
UGRHI 04 PARDO UGRHI 15 TURVO/ GRANDE
UGRHI 05 PIRACICABA/CAPIVARI/JUNDIAÍ UGRHI 16 TIETÊ/BATALHA
UGRHI 06 ALTO TIETÊ UGRHI 17 MÉDIO PARANAPANEMA
UGRHI 07 BAIXADA SANTISTA UGRHI 18 SÃO JOSÉ DOS DOURADOS
UGRHI 08 SAPUCAI/GRANDE UGRHI 19 BAIXO TIETÊ
UGRHI 09 MOGI-GUAÇU UGRHI 20 AGUAPEÍ
UGRHI 10 TIETÊ/ SOROCABA UGRHI 21 PEIXE
UGRHI 11 RIBEIRA DE IGUAPE/LITORAL SUL UGRHI 22 PONTAL DO PARANAPANEMA
ASPECTOS JURÍDICOSDA MICRODRENAGEM
Por tudo que foi dito acerca da microdrenagem urbana, resta aduzir algumas conside-
rações de ordem jurídica, que fundamentarão a ação municipal no que respeita à imposi-
ção de normas legais para coibir o uso inadequado das propriedades urbanas que, como
vimos, é causa de muitos dos efeitos desastrosos das águas de chuva.
É preciso fixar, logo de início, que as áreas urbanas são, por natureza, voltadas
para servir a construções destinadas à moradia, ao lazer, ao trabalho e à circulação das
pessoas. Todavia, não é apenas na cidade que se edifica. Também no campo ou em áreas
rurais a intervenção do homem na natureza visa à adequação dessas áreas para o plantio
e criação de animais para consumo e tais atividades devem ser controladas a fim de
garantir a sustentabilidade. Vale dizer, tanto nas áreas urbanas como nas rurais, a edificação
deve ser limitada pela lei, a fim de que se possa garantir perfeita adequação entre as
necessidades humanas e a manutenção das condições naturais.
O direito de construir insere-se no conceito jurídico de direito de propriedade, no
qual concede-se ao particular o poder legal de usar, gozar e dispor dos seus bens, confor-
me determina o Código Civil em seu artigo 524. Todavia, esse mesmo direito encontra
limitações quanto ao uso nas disposições da Constituição Federal, que exige que toda
propriedade cumpra sua função social, como princípio inscrito no Capítulo da Ordem
Econômica e Financeira, artigos 182 e 183.
Dessa maneira, o uso das propriedades, especialmente as imobiliárias urbanas,
Fu n d a ç ã o Pr e f e i t o Fa r i a Li m a – Ce p a m
60
deve atender, em primeiro lugar, a um interesse geral, para depois atender ao interesse
privativo de seu titular. Resulta dessa disposição que o exercício do direito de construir
encontra limites definidos nas leis locais de edificação, posturas e urbanísticas
(parcelamento do solo, zoneamento e uso e ocupação do solo), que conformam esse
direito também aos interesses da coletividade.
Diga-se, ademais, que o desenvolvimento urbano que tem por objetivo ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade depende de um instrumento básico
definido como Plano Diretor, obrigatório para cidades com mais de 20.000 habitantes. A
função social das propriedades urbanas é cumprida quando atende às exigências expres-
sas no Plano Diretor.
Dessa forma, a questão da drenagem e da proteção do solo é um assunto a ser
ventilado no Plano Diretor municipal.
No direito de propriedade encontra-se o direito de construir. Isto é, toda propri-
edade imobiliária detém a possibilidade construtiva. Entretanto, tal faculdade encontra
limites de duas ordens: uma delas é privada, ou seja, decorre das restrições de vizi-
nhança e das normas civis; a outra é de ordem pública, que se consubstanciam nas
limitações administrativas.
Aquelas são voltadas à proteção da propriedade particular e resguardo da segurança,
sossego e saúde; estas são editadas como normas de ordem pública para o benefício do
bem-estar da comunidade, sendo legítimas quando representarem medidas de condicio-
namento do uso da propriedade, no interesse de todos, evitando um dano possível para
a coletividade.
A regra do Código Civil quanto ao uso da propriedade é a de que o proprietário tem
o poder de utilizar o subsolo e o espaço aéreo de seu imóvel até a altura e profundidade
úteis ao exercício do direito de construir. Quanto ao solo, as restrições civis são as referen-
tes à vizinhança.
As limitações administrativas, normas públicas, visam limitar as construções em
61
Microdrenagem Urbana
função de um interesse geral.
Por essa razão, a Constituição Federal outorgou aos municípios competência para
“promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso,
do parcelamento e da ocupação do solo urbano” (CF, art. 30, VIII). Quanto às águas, o
Decreto 24.643, de 10/7/34, denominado Código de Águas, cuida de determinar que,
ao se realizar obras em áreas superiores, tem o proprietário o dever de evitar o agravamen-
to das águas que descem para os terrenos inferiores.
Dessa forma, é o município o ente federal competente para editar normas legais
que compelem os administrados (particulares) à observância de regras para o escoamen-
to das águas superabundantes ou para a drenagem dos terrenos quando da implantação
de edificações ou empreendimentos, a fim de evitar danos futuros em benefício do bem-
estar geral.
O município é, portanto, o detentor do poder/dever de estabelecer regras e de
fiscalizar seu cumprimento, não apenas pelos particulares empreendedores, mas, igual-
mente, pelo próprio Poder Público quando da execução de obras e serviços sob sua
responsabilidade. Aliás, os Tribunais têm farta jurisprudência no sentido de entender que
há responsabilidade civil do Poder Público por danos causados em razão de negligência
na execução de serviços e obras públicas.
Apresentamos, a seguir, a jurisprudência coletada:
“INDENIZAÇÃO – Fazenda pública – Responsabilidade civil – Ato ilícito – Morte
de filhos menores, tragados por águas de bueiro, indevidamente destampado, durante
forte temporal – Incúria da Administração caracterizada – Pensão devida a partir do
instante em que as vítimas completariam doze anos, encerrando-se a obrigação no mo-
mento em que atingiriam vinte e cinco anos – Ininvocabilidade de culpa recíproca –
Sentença confirmada” (RJTJESP 124/139)
Sobre o Acórdão acima, reproduzimos abaixo trecho interessante da sentença
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recorrida proferida pelo juiz de Direito da Comarca de Santo André:
“Não se pode negar que São Paulo, Rio, Belo Horizonte e outras grandes metrópoles,
em contraste com obras suntuárias que fazem o orgulho derivado de uma falsa aparência,
padecem crônica insuficiência no que toca às obras de escoamento. O lixo se acumula
nas galerias de águas pluviais, os fundamentos das pontes mostram o efeito da retenção
dos despejos de toda a sorte, prejudicando o fluxo das águas e multiplicando o nível de
flagelo até chuvas de mínima duração. Considerar tais acontecimentos como caso fortuito
ou de força maior é absolver o homem dos seus crimes contra a conservação da natureza”
(José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, v. 2/805, 8. ed. Forense, 1987, p.
808/809)
No caso em tela não há lugar para se agasalhar a alegação de caso fortuito ou força
maior. Já foi o tempo em que a ocorrência de fortes chuvas elidia a responsabilidade do
Poder Público.
Hoje em dia, não há negar que as prefeituras estão dotadas de equipamentos e
homens suficientes para prevenir e enfrentar os desgastes produzidos pela chuva.
O que antes era imprevisível, é hoje – com o serviço meteorológico – antevisto e
esperado. E as prefeituras conhecem perfeitamente os locais onde costumam ocorrer
cheias, posto que o fato é repetido todos os anos. Portanto, à Administração, e somente
a ela, cabe a responsabilidade pelo evento danoso aos autores.” (in RJTJESP, 124/160)
“INDENIZAÇÃO – Responsabilidade civil – Enchente – Dano em propriedades
ribeirinhas – Comportas não construídas – Alegação de insuficiência de verbas –
Irrelevância – Incúria do órgão administrativo caracterizada – Verba devida – Recurso
provido.” (in JTJ, 145/110)
“RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – Enchentes – Transbordamento
de córrego – Insuficiência da seção de vazão – Obras de canalização não concluídas –
Demora – Ineficiência da administração municipal – Indenização apurada em perícia –
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Microdrenagem Urbana
Obrigatoriedade do ressarcimento com base nesta – Ação julgada improcedente – De-
cisão reformada.
A responsabilidade da municipalidade ré deflui de sua ineficiência administrativa,
demorando na realização das obras necessárias e, assim, permitindo que as inundações
se repetissem. Tanto assim é que, concluída a canalização, cessaram os desbordamentos.”
(in RT, 690 61/62)
“RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – Indenização – Prejuízos causa-
dos, em razão de fortes chuvas, a veículo estacionado em via pública – Fato da natureza
conexo à ação ou omissão administrativa, consistente na falha de construção dos escoa-
douros de água na área inundada – Nexo de causalidade caracterizado – Verba devida ao
administrado pela municipalidade.
Ementa da redação: Se além das fortes chuvas, que causaram prejuízos em veícu-
lo de propriedade do administrado, estacionado em via pública, há ação ou omissão
administrativa conexa ao fato da natureza, consistente na falha de construção dos escoa-
douros de água na área inundada, caracterizado resta o nexo de causalidade, surgindo,
então, o dever de indenizar da municipalidade.” (in RT, 766/220)
Apresentamos, a seguir, um modelo de Projeto de Lei para o controle do escoa-
mento das águas pluviais, que deve ser iniciado pelo Poder Executivo, tendo em vista o
Plano Diretor municipal, que poderá estabelecer outras regras.
MODELO DE PROJETO DE LEI No
...
Estabelece normas para a microdrenagem
das águas pluviais no território urbano e rural do município.
Art. 1o
– Todo projeto de edificação e de parcelamento do solo deve considerar a
topografia do terreno e os caminhos naturais de escoamento das águas, para a definição
e alocação das vias públicas, dos lotes e das construções.
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Art. 2o
– O escoamento das águas deverá ocorrer por meio de caminhos naturais
que deverão ser preservados por meio de sistemas de drenagem.
Parágrafo único – A utilização de galerias pluviais dependerá de autorização espe-
cial expedida pela Prefeitura Municipal.
Art. 3o
– Os empreendedores de loteamentos e desmembramentos deverão proje-
tar, aprovar e executar sistemas estruturais e de infiltração, retenção ou retardamento do
fluxo das águas pluviais de acordo com as especificações fornecidas para cada empreen-
dimento pela Prefeitura Municipal.
Art. 4o
– Na execução de passeios, a pavimentação impermeável somente será
admitida até a metade de sua largura, sendo que o restante deverá apresentar superfície
porosa a fim de garantir a drenagem no local.
§ 1o
– Se utilizada vegetação, esta deverá ser aquela indicada pela Prefeitura
Municipal, não podendo, em qualquer hipótese, impedir ou dificultar o trânsito de pedestres.
§ 2o
– Será admitida a execução de caramanchões ou latadas que avancem sobre
os passeios no limite de ¾ (três quartos) da largura e altura mínima livre de 2,50m (dois
metros e meio) e desde que não dificulte ou impeça o trânsito de pedestres e cargas.
Art. 5o
– Na execução, pública ou particular, de rotatórias, praças e demais áreas
institucionais deverão ser utilizados materiais porosos de modo a garantir a absorção de
uma precipitação de chuva de 50 mm (cinqüenta milímetros) em 1 (uma) hora.
Art. 6o
– As condições de absorção de parte das águas pluviais, precipitadas no
lote ou terreno não ocupado, deverão ser preservadas, após a ocupação, pela manutenção
de, no mínimo, 20% (vinte por cento) da área dos mesmos, vegetada e livre de constru-
ção ou pavimentação.
§ 1o
– Sobre a área impermeabilizada deverá ser executado um dreno absorvente
com capacidade de 5mm (cinco milímetros) de absorção por metro quadrado.
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§ 2o
– Nas áreas onde o atendimento das condições do caput deste artigo se
apresentar impossível ou inconveniente, deverá o proprietário, sob a supervisão técnica
da Prefeitura Municipal, projetar, aprovar e executar obras de infiltração, retenção ou
retardamento do fluxo das águas pluviais precipitadas, garantindo, no mínimo, as condi-
ções previstas no caput e a constante do § 1o
deste artigo.
Art. 7o
– Nos lotes já ocupados por construções e em áreas previamente definidas
pela Prefeitura Municipal, poderão ser criados incentivos fiscais aos proprietários que
instalarem estruturas destinadas à infiltração, retenção ou retardamento do fluxo das
águas pluviais neles precipitadas, sob a orientação da Prefeitura Municipal.
Art. 8o
– A execução de obras públicas para a construção de estradas deverá
observar o fluxo natural das águas pluviais de forma a evitar ocorrência de erosão, alaga-
mento e enxurrada, devendo, preferentemente, ser adotados sistemas de absorção no
local de precipitação.
Art. 9o
– As águas pluviais precipitadas nas propriedades rurais não poderão ser
conduzidas, em nenhuma hipótese, para as estradas públicas.
Art. 10 – Constitui infração a ação ou omissão que importe na inobservância dos
preceitos desta lei, bem como das demais normas dela decorrentes, sujeitando os infra-
tores, pessoas físicas ou jurídicas, às sanções pertinentes.
Art. 11 – São as seguintes as sanções de imposição municipal para a infração de
quaisquer condições previstas nesta lei, sem prejuízo das demais penalidades previstas
em lei estadual ou federal, especialmente as de natureza civil, que importem em apura-
ção de responsabilidade por danos:
I – notificação com fixação de prazo para a correção da irregularidade verificada;
II – multa diária no valor de 200 UFMs no caso de não atendimento dos prazos de
correção fixados e que permanecerá até que seja atendida a notificação;
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III – embargo da atividade na hipótese de desatendimento da notificação após 60
dias da imposição de multa diária.
Art. 12 – As multas previstas no artigo anterior serão duplicadas se a infração
resultar em riscos à saúde ou à vida e no perdimento de bens.
Art. 13 – Caberá recurso dirigido ao prefeito municipal da aplicação das penalida-
des no prazo de 15 dias contado do recebimento da notificação municipal ou da aplicação
da multa ou embargo.
Parágrafo único – A interposição de recurso não possui efeito suspensivo sobre a
sanção aplicada.
Art. 14 – O Executivo regulamentará esta lei no prazo de 30 dias, a fim de orientar
a atuação dos órgãos municipais no que respeita ao cumprimento de suas disposições.
Art. 15 – Os projetos em tramitação nos órgãos municipais competentes, para a
aprovação, deverão, no que couber, ser adequados aos dispositivos desta lei.
Art. 16 – Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.
..., .../.../...
assinaturas
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