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1 MICHAEL HANEKE E O OLHAR Reflexões sobre a visualidade n'O vídeo de Benny Ana Paula PENKALA 1 Resumo O artigo que aqui apresento traz uma reflexão a respeito das visualidades no filme O vídeo de Benny (Benny's video), filme de 1992 dirigido por Michael Haneke. O filme, que é o segundo longa-metragem do diretor alemão, faz uma complexa e requintada crítica através da história de um adolescente que vive rodeado de telas, de fitas de vídeo que ele mesmo grava e cujo crime que comete ele registra em sua câmera. A abordagem que aqui faço usa como embasamento teórico aquilo que a filosofia do século XX produziu de mais significativo em que pese a análise e crítica sobre o olhar, as imagens e, especialmente tomando os conceitos de Guy Debord e Michel Foucault, da sociedade do espetáculo e da vigilância. Trata-se, ao fim, de uma análise fílmica que usa O vídeo de Benny como ponto de partida para pensar a visualidade em nossa sociedade. Palavras-chave: Michael Haneke. Vídeo. Visualidade. Midiatização. Olhar. 1 INTRODUÇÃO A primeira vez que tomei contato com o trabalho do diretor alemão Michael Haneke foi com Violência Gratuita 2 , filme de 1997, por conta de um convite para debatê-lo. Foi assim que comecei a estudar mais especificamente a violência no cinema e que Haneke passou a fazer parte de minha admiração científica. No ano em que lança a refilmagem de Violência Gratuita (2007) 3 , eu começo as minhas primeiras pesquisas de tese de doutorado, tendo alguns de seus filmes no centro de minhas análises. Não muito conhecido nos circuitos comerciais, O vídeo de Benny 4  (1992), segundo longa-metragem de Haneke para o cinema, é o objeto de estudo que abordo neste artigo. O filme faz parte de minha pesquisa de doutorado pois nele o cineasta aborda a questão da violência, da espectatorialidade e do olhar das câmeras (e as visualidades de forma geral) de maneira que é possível tensionar, nisso, meu objeto de pesquisa, que é a expressão do real no cinema. Em O vídeo de Benny, Haneke exacerba as suas duas temáticas favoritas, reiteradas na maioria de seus filmes e normalmente 1 Doutoranda do PPG em Comunicação e Informação da UFRGS, mestre em Ciências da Comunicação da UNISINOS, Jornalista pela UCPel. 2 http://www.imdb.com/title/tt0119167/ 3 http://www.imdb.com/title/tt0808279/ 4 http://www.imdb.com/title/tt0103793/

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MICHAEL HANEKE E O OLHARReflexões sobre a visualidade n'O vídeo de Benny

Ana Paula PENKALA1

ResumoO artigo que aqui apresento traz uma reflexão a respeito das visualidades no filme O vídeo de Benny (Benny's video), filme de 1992 dirigido por Michael Haneke. O filme, que é o segundo longa­metragem do diretor alemão, faz uma complexa e requintada crítica através da história de um adolescente que vive rodeado de telas, de fitas de vídeo que ele mesmo grava e cujo crime que comete ele registra em sua câmera. A abordagem que aqui faço usa como embasamento teórico aquilo que a filosofia do século XX produziu de mais significativo em que pese a análise e crítica sobre o olhar, as imagens e, especialmente tomando os conceitos de Guy Debord e Michel Foucault, da sociedade do espetáculo e da vigilância. Trata­se, ao fim, de uma análise fílmica que usa O vídeo de Benny como ponto de partida para pensar a visualidade em nossa sociedade.

Palavras­chave: Michael Haneke. Vídeo. Visualidade. Midiatização. Olhar.

1 INTRODUÇÃO

A primeira vez que tomei contato com o trabalho do diretor alemão Michael 

Haneke   foi   com  Violência  Gratuita2,   filme  de  1997,  por   conta  de  um convite  para 

debatê­lo. Foi assim que comecei a estudar mais especificamente a violência no cinema 

e que Haneke passou a fazer parte de minha admiração científica. No ano em que lança 

a refilmagem de Violência Gratuita (2007)3, eu começo as minhas primeiras pesquisas 

de tese de doutorado, tendo alguns de seus filmes no centro de minhas análises.

Não   muito   conhecido   nos   circuitos   comerciais,  O   vídeo   de   Benny4  (1992), 

segundo longa­metragem de Haneke para o cinema, é o objeto de estudo que abordo 

neste artigo. O filme faz parte de minha pesquisa de doutorado pois nele o cineasta 

aborda   a   questão  da  violência,   da   espectatorialidade   e   do  olhar   das   câmeras   (e   as 

visualidades de forma geral) de maneira que é possível tensionar, nisso, meu objeto de 

pesquisa, que é a expressão do real no cinema. Em O vídeo de Benny, Haneke exacerba 

as suas duas temáticas favoritas, reiteradas na maioria de seus filmes e normalmente 

1 Doutoranda do PPG em Comunicação e Informação da UFRGS, mestre em Ciências da Comunicação da UNISINOS, Jornalista pela UCPel.

2 http://www.imdb.com/title/tt0119167/3 http://www.imdb.com/title/tt0808279/4 http://www.imdb.com/title/tt0103793/

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articuladas entre si: a violência e o olhar das câmeras. Neste artigo faço uma reflexão 

sobre os sentidos depreendidos a partir da exploração desta última temática.

2 O VÍDEO DE BENNY, OS VÍDEOS DE HANEKE

O  vídeo  de  Benny  conta   a   história   de  um  pré­adolescente   alemão  que  vive 

rodeado dos mais modernos aparatos de imagem e som, e que gosta de gravar imagens e 

assistir vídeos (caseiros, filmes que aluga, etc.). Quando fica dois dias sozinho em casa, 

atrai uma menina de sua idade e, após mostrar seu quarto e os aparatos de que dispõe 

(câmera, vídeos, televisões), mata a menina com uma arma feita para abater animais. A 

visualidade é a base formal e diegética desse filme. Aqui, como é regra geral entre os 

filmes   de   Haneke,   os   cotidianos   familiares   mais   monótonos,   pequeno­burgueses   e 

tipicamente pós­modernos são transformados por uma repentina ou inusitada violência 

até que esta chegue a um ponto em que não apenas seja impossível à vida um retorno ao 

que   era,   como   torna­se   impossível   ao   espectador   qualquer   (retorno   ao)   conforto. 

Principalmente porque em seus filmes Haneke tensiona justamente a situação do olhar, a 

ponto de fazer dos espectadores parte de seus filmes. A violência no conjunto da obra 

do alemão, no entanto, não é apenas a violência narrada. Ela é psicológica, é gráfica e, 

quase sem exceção, faz do espectador uma de suas vítimas. A mídia, principalmente a 

audiovisual, também é onipresente na maioria de seus filmes. Uma onipresença grave, 

que não se agudiza, mas que é, por isso mesmo, incômoda e central nas tramas.

Mais que a centralidade da mídia, na obra de Haneke as câmeras e as telas são 

tema recorrente. No quarto de Benny existem duas televisões, aparelhos de som e vídeo 

de última geração, uma câmera e muitas fitas (VHS) espalhadas pelas estantes, onde ele 

coleciona   vídeos   de   todos   os   tipos.   A   alienação   de   Benny   está   expressa   em   seu 

isolamento do mundo e na pouca diferença que faz entre uma reportagem de TV sobre 

uma guerra e um programa de variedades.

Quando Benny está em seu quarto, o plano predominante é o que enquadra a 

mesa onde o adolescente estuda. Sobre ela e em seu entorno o que vemos são vários 

aparelhos de som e vídeo; prateleiras repletas de fitas de vídeo; uma televisão pequena 

que mostra o movimento da rua, captado por uma câmera sobre um tripé apontada para 

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a janela; e uma televisão grande, onde Benny assiste aos filmes que aluga ou que grava 

com sua câmera, e ao que é oferecido pelos canais de TV.

3 O OLHAR E AS VISUALIDADES

É central em O vídeo de Benny a referência ao visual, que se manifesta mesmo 

em cenas como a da família sentada à mesa de jantar: em torno da mesa as paredes são 

repletas de quadros e posters, alguns dos quais evidenciando ícones das artes figurativas, 

como  A  Monalisa, obra de Leonardo Da Vinci e ícone da arte erudita ocidental, e a 

Marilyn Monroe de Andy Warhol, ícone da pop art. O que é central para este trabalho, 

no entanto, é que o filme em si engloba a audiovisualidade da TV e do vídeo. Benny 

vive cercado de vídeos, produz vídeos e enquanto em um dos aparelhos de TV vê as 

imagens ao vivo captadas por sua câmera (cuja objetiva capta o movimento da rua, a 

partir da janela do quarto do adolescente), no outro assiste a programas de variedades, 

noticiários e todo o caldo a que chamamos programação televisiva. O interesse deste 

trabalho é analisar e compreender quais os sentidos que essas visualidades pronunciam; 

como, pelo tensionamento desses mil olhares, Haneke constrói sentidos.

3.1 Sociedade do espetáculo, sociedade da vigilância, século das imagens

Em artigo anterior (PENKALA, 2008, no prelo), ao trabalhar a questão do olhar 

em  Caché,   fiz   uma   breve   recuperação   histórica   e   filosófica   que   repito   aqui   por 

considerá­la primordial. Ao analisar O vídeo de Benny, no entanto, estarei considerando 

os conceitos de sociedade do espetáculo e de sociedade da vigilância de forma muito 

mais direta, embora breve. Este filme de Haneke nasce justamente desse tensionamento, 

algo real em nossa pós­modernidade entre todas as espetacularizações – incluindo a da 

própria violência – e a neurose da vigilância. Se não, vejamos:

O princípio de nossa pós­modernidade parece estar centrado no olhar. Já dizem 

os teóricos, os empiristas, os intelectuais e os cronistas de nossa era: o século XX foi o 

século das imagens. Tecnicamente, vimos nele a popularização do cinema, que nasceu 

em 1895, e a difusão da fotografia, que é da década de 30 do século XIX. Depois do 

advento do som no cinema e da invenção do rádio (anos 20 do século passado), o mundo 

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assistiu ao nascimento da televisão,  fenômeno de massas que hoje está  no cerne de 

algumas questões sociais e filosóficas e é objeto de complexos estudos científicos. O 

vídeo acompanha a evolução da televisão e, em certo momento histórico, faz parte da 

própria   evolução  do  cinema,  que,   em fins  do   século  XX,  assiste  ao  surgimento  da 

captação digital  das  imagens. Logo depois das  imagens digitais,  é  a vez da Internet 

transformar o modo como percebemos e lidamos com o visual e o registro. Não é por 

acaso que “o pai da psicanálise”, Sigmund Freud, figura emblemática do século XX, vai 

examinar   o   que,   segundo   afirmou   Arlindo   Machado   (1996),   seu   discípulo   Jacques 

Lacan, mais tarde, chamou de “pulsão escópica”.  “[...] Essa pulsão compõe­se de um 

objetivo (ver), uma fonte (o sistema visual), enfim, um objeto. Este último, o meio pelo 

qual   a   fonte   alcança   seu   objetivo,   foi   identificado   por   Jacques   Lacan   com   o  olhar.” 

(AUMONT, 2006, p. 125, grifo no original)

A tese de Freud sobre a pulsão escópica5 já era dada quando Guy Debord, no anos 

60, falou da sociedade do espetáculo (DEBORD, 1998). Dizia Debord (1998) que a vida 

das sociedades regidas pelos modos modernos de produção era formada por espetáculos, 

uma vez que tudo o que se vivenciava antigamente, hoje é percebido ou recebido através 

das   representações.  O  espetáculo,  diz   ainda  o   autor,   enquanto   inversão da  vida,  é  um 

movimento do não­vivo. A imagem, para a teoria da sociedade do espetáculo desse autor, é 

central. O espetáculo é imagem, o espetáculo é mediatizado, o espetáculo é essa relação 

social mediatizada pelas imagens. Debord (1998) vê o espetáculo como o fazer ver pelas 

mais  variadas  mediações.  O espectador  se  aliena  em função daquilo  que contempla,  e 

absorve daquilo que vê os atos de uma vida que não é mais vivida e nem é mais sua.

O momento histórico em que Debord (1998) pensa essa sociedade é o mesmo que 

serve   de   contexto   para   Paul   Klee   quando   este   diz   que   agora   os   objetos   o   observam 

(VIRILIO, 1996). O movimento de Debord é pensar a sociedade que olha, enquanto o que 

Klee diz faz a ligação entre a sociedade que olha, e que um dia apenas olhou, e a sociedade 

que agora é olhada, a sociedade vigiada que Michel Foucault (2008) pensou nos anos 70 e 

que tem na origem e tecnologia da coerção:

5 Cf. FREUD, Sigmund. Os  Instintos e suas Vicissitudes (1915). Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas, v. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1974.

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Ao   lado   da   grande   tecnologia   dos   óculos,   das   lentes,   dos   feixes luminosos, unida à fundação da física e da cosmologia novas, houve as pequenas técnicas das vigilâncias múltiplas e entrecruzadas, dos olhares que devem ver   sem ser  vistos;  uma arte  obscura  da  luz  e  do  visível preparou em surdina um saber novo sobre o homem, através de técnicas para sujeitá­lo e processos para utilizá­lo. (p. 144)

Talvez  no  mesmo caminho  de  Foucault,   o   também filósofo   Jean­Paul  Sartre 

pensou o olhar, que segundo ele era “[...] uma força que penetra no ser olhado, ferindo­

o,   tolhendo a sua  liberdade,  esvaziando­o,  dessangrando­o,   tangendo­o para o nada” 

(BOSI, 2006, p. 80). O olhar, assim, é um ato de objetificação e também de constituição 

de   sujeito,   uma   vez   que   quem   olha  exerce  poder   e   quem   é   olhado   perde   a   sua 

transcendência (ver SARTRE, 2005). Vivemos o século das imagens, é verdade, mas 

não apenas da grande produção delas, e nem do grande avanço das tecnologias que as 

produzem, mas principalmente de uma compreensão das complexas dimensões que a 

visualidade tem. Nunca as imagens foram tão sistematizadas no pensamento filosófico 

quanto no século XX.

A ensaísta norte­americana  Susan Sontag, no mesmo sentido do pensamento de 

Sartre e Foucault, afirmou sobre as fotografias: “As fotos objetificam: transformam um fato 

ou uma pessoa em algo que se  pode possuir”   (SONTAG, 2003,  p.  69).  Sontag  (2003) 

ultrapassa a relação dupla pensada por Freud entre  voyeur/exibicionista e chega ao tipo 

perverso de espectador. A propósito da obra de Haneke, essa perversidade é trabalhada de 

forma tão violenta que a espectatorialidade do universo narrado é um reflexo reconhecido 

de perversidade e é nesse contexto que o espectador se vê como tal, se enxerga enquanto, 

também, perverso. No cerne dessa filosofia – que engloba desde Freud até Sontag, e que se 

fundamenta nas teses de Debord, Foucault e Sartre – está a constituição do sujeito de nossa 

era, que é espectador e objeto, é sujeito e sujeitado. E o cinema – tratado agora mais como 

uma audiovisualidade ampla que na especificidade do suporte da película – é  o grande 

ícone dessa socialidade que se dá pelo espetáculo.

“A escopofilia, prazer de tomar o outro como objeto, submetendo­o a um olhar fixo e curioso, é um dos componentes principais da sedução no cinema.  O filme – qualquer   filme –  trabalha  fundamentalmente com essa perversão do olhar abelhudo que se satisfaz em ver o outro objetivado.” (MACHADO, 2007, p. 48)

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O vídeo de Benny  começa com seqüências gravadas em vídeo, assimiladas pelo 

filme6. Essas imagens – cuja textura denuncia sua feitura em mídia eletrônica – precedem 

os créditos iniciais, os quais informam o título do filme e evocam a autoria do vídeo: “O 

vídeo   de   Benny”   (“Benny's   video”).   A  passagem  da   gravação  em vídeo   para   o  filme7 

propriamente se dá por recurso tipicamente videográfico que, embora possível em filme, 

produz  um  tipo  de   ruído visual  que  o   identifica  e  o  diferencia  deste,   assinalando  sua 

enunciação específica. As últimas imagens do vídeo (e que antecedem a entrada do título 

do   filme)   são   operadas   em   câmera   lenta   (slow   motion),   o   que   provoca   o   efeito   de 

desaceleração do vídeo e uma distorção sonora e visual, que é seguida pelo “chuvisco” do 

fim da gravação. Já em sua apresentação, portanto, o filme usa a visualidade da visualidade 

por nos fazer ver um vídeo dentro de um filme (algo que Haneke vai repetir em Caché de 

forma ainda mais requintada). O vídeo de Benny, título sugestivo, é a história do espetáculo 

dentro do espetáculo, que acaba por propôr mesmo um tipo de sentimento incômodo de 

repercução   de   espectatorialidades:   nós  vemos   o  vídeo  de  Benny,   que  vê   os   vídeos   e, 

portanto, quem estaria nos vendo? Temos culpa pelo que aceitamos ver?

É  nessa lógica que o segundo longa­metragem de Haneke trabalha espetáculo e 

vigilância de forma tão complexa. Ambos se confundem e se perpassam, em um jogo de 

articulações que reproduz os efeitos de nossa sociedade atual. “A própria vigilância resulta 

também em espetáculo”, disse Arlindo Machado (1996, p. 226). O mundo de Benny é esse 

em que as câmeras, as imagens, as telas são onipresentes. É uma ciência das máquinas que 

prepondera sobre a experiência vivida, que media todas as relações. E a presença é a de um 

corpo inexistente, como bem nos lembra a câmera de vídeo sobre um tripé, através da qual 

Benny observa, vigia o mundo que está fora do lugar seguro em que se transforma seu 

quarto. A câmera é  a  janela  de Benny, a imagem é  a  existência  de Benny. O olhar da 

câmera, no entanto, é o “olhar sem corpo” de que fala Ismail Xavier (2006). Vivemos sob o 

olhar atento das objetivas, que nos objetificam e que são, elas mesmas, olhares desprovidos 

6 Um vídeo ou gravação em câmera digital é assimilado ao filme quando este faz daquelas imagens, suas   imagens.  As  imagens de vídeo o digitais passam a fazer  parte  do resto do filme,  que é  em película, ou seja, o filme as captura.

7 Aqui   filme   tem   a   acepção   de   película   mesmo,   o   suporte   filmográfico   onde   as   imagens   são impressionadas e, depois, reveladas.

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de corporificação. São olhares sem aura, como talvez diria Walter Benjamin (1980­1983), 

registros que não foram feitos por pessoas. Esse olhar que não nos devolve o nosso próprio 

olhar é o olhar do objeto que nos percebe, como já disse Klee (VIRILIO, 1996), é o “[...] 

desdobramento do ponto de vista, não sendo mais de ninguém o olho do outro, mas apenas 

uma virtualidade escópica que pode ser ocupada por qualquer um” (MACHADO, 1996, p. 

229, grifo meu).

A questão é  que,  uma vez que o dispositivo que cria  e eterniza  essa imagem   está   ausente   dessa   circunstância,   está   ausente   visualmente daquilo que representa, nós, que olhamos, somos a câmera, nós tomamos o lugar desse dispositivo, pois tomamos o lugar desse sujeito ausente quando ele não tomou seu lugar na imagem. Nós somos aqueles para quem a  câmera  oferece   seu   lugar  de   olhar.  (PENKALA,  2008,  no prelo)

3.2 O sujeito que olha

Esse olhar sem corpo é um olhar que também lembra daquele que deve assumir a 

operação dessa câmera, como dirá Ismail Xavier:

Há   entre   o   aparato   cinematográfico   e   o   olho   natural   uma   série   de elementos e operações comuns que favorecem uma identificação do meu olhar com o da câmera, resultando daí um forte sentimento da presença do mundo emoldurado na tela, simultâneo ao meu saber de sua ausência (trata­se de imagens e não das próprias coisas). (2006, p. 369)

O aparato  câmera  simula um “sujeito­do­olhar”, diz, ainda, o autor. Esse processo nada 

mais é  que aquilo a que  Aumont, Bergala e Marie  (1995) vão chamar de  identificação 

primária, experiência da qual não se prescinde no cinema e que consiste na identificação 

do olhar do espectador com o olhar da câmera. Ainda que o espectador sempre saiba que a 

mediação existe, que não está assistindo à cena sem esse intermediário (que é a câmera­

filme ou vídeo), esse processo oblitera as fronteiras entre a câmera, enquanto máquina, 

aparato técnico, e o sujeito (nós, os espectadores), transformando­os num só  sujeito da 

visão, como mencionam, ainda, Aumont, Bergala e Marie (1995).

Para Machado, a  identificação primária é “[...] a assimilação pelo espectador do 

olhar  agenciador  do plano,  o  olho da  câmera  ou da   instância  vidente”   (2007,  p.  100). 

Quando esse olho sem sujeito capta o horror, a violência, a vitimização, é como se exigisse 

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de nós, sujeitos, a presença que lhe falta. É assim que tomamos o lugar de quem registra e é 

assim que nos  tornamos testemunhas daquele horror que se desenrola diante de nossos 

olhos. “[...]  A experiência é de dar náuseas.” (SONTAG, 2003, p. 53).

Quando o processo  de   identificação acontece,  o  espectador   toma  esse   lugar  de 

sujeito­do­olhar e se faz representar como sujeito de uma percepção total que dá sentido às 

coisas, segundo Xavier (2006). “Minha emoção está com os 'fatos' que o olhar segue, mas a 

condição de tal envolvimento é eu me colocar no lugar do aparato, sintonizado com suas 

operações.” (XAVIER, 2006, p. 377) Há  aí uma simulação de onipotência, diz o autor, a 

qual dá o nome de efeito­sujeito: “[...] a simulação de uma consciência transcendente, que 

descortina  o  mundo e   se  vê  no  centro  das  coisas,   ao  mesmo  tempo que   radicalmente 

separada delas, a observar o mundo como puro olhar” (XAVIER, 2006, p. 377). Mais uma 

vez   retornamos   a   Sartre   (2005)   e   a   privação   da   transcendência   dos   sujeitos   olhados. 

Quando se fala no cinema documentário, o sujeito da percepção total é chamado de “olhar 

de Deus” (LINS E MESQUITA, 2008). E Benny toma esse papel quando documenta tudo: 

desde o abate de um porco até o “abate” de uma menina que ele acabou de conhecer. Sua 

vida está espalhada pelas estantes, nos registros em VHS que ele faz com sua câmera, que 

quando não documenta o espetáculo sobre o qual Benny põe os olhos, vigia a rua.

O espectador, diz Jean­Louis Baudry (19708 apud MACHADO, 2007, p. 100), faz 

identificação antes com o que representa que com o que é representado.9 Nos identificamos 

e tomamos o lugar de um sujeito ausente, que existe nas imagens como lacuna, “[...] para 

que o espectador ocupe o seu lugar” (MACHADO, 2007, p. 20). O espectador assume “[...] 

o campo visual do Grande Ausente: a câmera e sua encarnação metafísica”10, que é um 

sujeito do enunciado.  “O sujeito do enunciado é um sujeito criado dentro do enunciado, 

parte integrante de sua lógica e seus processos, e que é reconhecível no mesmo nível dos 

sujeitos dentro da narrativa.” (PENKALA, 2007, sem paginação) Ele funciona agenciando 

o plano, nos dando a ver o que vemos, segundo Machado:  “[...] o fato puro e simples da 

existência   de   um   plano   já   pressupõe   o   trabalho   de  enunciação  de   um   sujeito   que 

8 BAUDRY, Jean­Louis. Cinéma: effets idéologiques produits par l'appareil de base. In:  Cinéthique, nos 7­8, 1970.

9 A identificação do espectador com o representado é chamada de identificação secundária (AUMONT, 1995).

10 Idem, p. 85.

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primordialmente o 'olhou' [...] para que ele pudesse ser finalmente contemplado por nós, 

espectadores”   (2007,  p.  11,  grifo  do  autor).  Vivian Sobchack  (2004)   trabalha  com um 

conceito muito próximo disso, que é  o de  sujeito­da­câmera11.  Este sujeito está  fora de 

campo, porém pode ser marcado formalmente no filme. As marcas do sujeito­da­câmera, 

segundo a autora, são “representações visíveis da visão”.

Nos anos 30, o soviético Dziga Vertov propõe um método (sua teoria é pragmática) 

que chamou de cine­olho,  um método de antropomorfização da câmera,  segundo Stam 

(2003), algo que transforma a objetiva em olho, um olho­máquina. Na época, esse olho­

máquina (ou melhor, essa máquina­olho) serviu aos propósitos da ideologia soviética, que, 

em última instância, seriam os de divulgar “a verdade” social (sobre isso, ver AUMONT, 

1995).  Esse olho mecânico, hoje mais olho­máquina, é o olho que vê e não é visto, é o 

olhar imperativo, o “Panóptico Universal”, como o chamou Machado (1996), em referência 

ao método disciplinar idealizado por Jeremy Bentham no século XVIII: um dispositivo que 

faz da visibilidade uma armadilha (FOUCAULT, 2008).

Uma   das   maiores   ironias   sobre   a   articulação   irrevogável   do   espetáculo   e   da 

vigilância é a popularização do programa de TV Big Brother, cujo nome também carrega 

uma ironia. Formato vendido para vários países, no Brasil o  Big Brother  tem forte apelo 

popular e mercadológico e é alvo de forte crítica ao mesmo tempo. Sua ironia reside no fato 

de ser assim chamado por conta da obra literária de George Orwell12 da década de 40, que 

cria uma sociedade onde o olhar totalizante e absoluto do Grande Irmão (Big Brother) 

recria, via aparatos modernos de tele­visão, o Panóptico, não mais como arquitetura de uma 

prisão modelo,  mas de um mundo modelo. No mundo que Orwell cria,  é  praticamente 

impossível saber quando o olho está nos enxergando. Esse olho é representado por uma 

tela, colocada na casa de cada pessoa, e que serve como input – informando sobre regras e 

procedimentos – e output – vigiando a boa obediência a essas regras e procedimentos.

A “fábula” de Orwell  não apenas serve como alegoria  de nossos  tempos como 

anuncia esta era, como uma síntese. Publicado no final da década de 40, o romance 1984 

11 Cf. também RAMOS (2004) e NICHOLS (1997).12 ORWELL, George. 1984. 29a ed. São Paulo: Ibep Nacional, 2003.

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carrega o contexto histórico de um mundo que passa a ser televisionado (e cada vez mais, 

na década de 50). Não deixa de ser irônico também que Fritz Lang, considerado um dos 

gênios do cinema alemão, lance o filme que encerra sua carreira, Os mil olhos do doutor  

Mabuse, em 1960, de quando é datado o “nascimento” do vídeo (DUBOIS, 2004). O filme 

de Lang explora a figura da sociedade da vigilância e controle ao mesmo tempo em que 

problematiza o olhar total. Não é por acaso que o “total” olhar nesse tipo de sociedade 

imaginada – antes criada por grandes artistas da literatura e do cinema, hoje quase uma 

realidade tal qual como na ficção – está sempre atrelado a um totalitarismo do pensamento, 

a um tipo de autoridade totalizante. De forma requintada, Haneke nos oferece uma história 

de   nosso   tempo   sobre   alguém   que   nasce   dentro   da   tirania   do   visual,   vive   através   da 

espetacularização das relações sociais e vigia a vida que transcende a fortaleza de telas, 

câmeras,   vídeos   que   é   seu   quarto.   Uma   fábula   sobre   Benny,   alguém   que,   vazio   de 

experiência, carente de relações afetivas concretas, “vivencia” o primeiro contato com o 

sexo aposto numa reconstituição de um dos vídeos que guarda em sua estante: do abate 

videografado do porco que abre o filme de Haneke, Benny passa à  experiência real de 

matar uma menina, morte esta que no fim das contas, ainda assim, é representada dentro da 

tela, captada pela objetiva da câmera.

O abate do porco videografado: câmera lenta, distorção sonora, textura

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4 O VÍDEO DE BENNY: UMA REFLEXÃO

O primeiro contato que temos com o personagem Benny acontece após o vídeo 

do abate do porco. Benny assiste a um vídeo de uma festa realizada por sua irmã mais 

velha. Depois, na TV, assiste a um noticiário, cujo som em off permanece enquanto o 

adolescente ouve sua mãe falar. A partir daqui compreendemos a experiência da vida do 

jovem através das imagens, provenientes dos vídeos que grava ou tem gravados em suas 

fitas. Seu conhecimento a respeito do mundo também passa pela mediação das câmeras, 

através da programação televisiva, da qual o som em off prepondera sobre a conversa 

que a mãe tem com o filho. Por ironia e em função de uma simbologia quase banal, uma 

discussão de seus pais, com som em off, acompanha as imagens que Benny vê na TV, 

sobre a violência do ataque sérvio13. Quando, em outra cena, Benny está provavelmente 

fazendo algum trabalho escolar, uma música de heavy metal toca enquanto a TV ligada 

mostra   imagens  sem som e,  em um dos  cantos,  uma TV menor  mostra  a   rua  pela 

vigilância de sua câmera. Todo o cotidiano de Benny é construído nesse contexto das 

telas e câmeras, mesmo que ele não veja essas imagens.

13 Por ocasião da independência dos croatas, em 1991, ano anterior ao lançamento do filme.

O "chuvisco": autoria do vídeo

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Em vários momentos, reiterando o constante lugar de espectador que é de Benny, 

o   quadro   de   Haneke   sobre­enquadra   o   quadro   da   TV,   mostrando   aquilo   ao   que   o 

adolescente  assiste.  O som em  off  da  TV,  quando vemos  o   rosto  de  Benny,  e  a   já 

prontamente reconhecível luz azulada que o aparelho emite sobre sua pele, fazem da 

ausência da mídia televisiva algo impossível, ainda que materialmente fora de campo.

A menina que Benny convida para sua casa – quando os pais não estão, já que 

foram   viajar   por   dois   dias   –   é   aquela   que   vemos   diante   da   TV   da   vitrine   da 

videolocadora (ela está do lado de fora da loja). Quando ela pergunta, já no quarto de 

Benny, o que é aquela imagem da TV que mostra a rua, ele responde: “A vista” – a vista 

da janela para o mundo – e ela questiona, então, se é “ao vivo”, indo conferir na janela 

se a câmera capta as imagens mesmo ao vivo. Esse jogo de janelas, vitrines e telas 

relacionado com essa menina sugere que ela ainda vive, em paralelo, a midiatização 

totalizante e a experiência do mundo palpável, situação que Benny vai transformar. Ele 

troca de canal, e o que aparece na TV que mostrava a rua são eles mesmos (pois a 

câmera agora está virada para dentro desse mundinho de Benny). Pela tela da TV vemos 

quando ele faz um close no rosto dela, para depois a vermos “ao vivo”. Primeiro vemos 

a imagem mediada para, então, vermos seu rosto com nossos próprios olhos, ao vivo 

(considerando que nossos olhos são a câmera de cinema, não a câmera de vídeo, já que 

tomamos o lugar desse ausente que é o sujeito­da­câmera do filme).

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Mais uma vez a câmera do filme – que já compreendemos ser nosso olhar, e que 

é o olhar de Haneke – enquadra a tela da TV, onde passa o vídeo do abate do porco. Em 

Quarto de Benny: mundo isolado das imagens espetaculares e vigilantes

Vigilância: com as janelas fechadas, Benny vê a "vista" do mundo do lado de fora

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off, os dois conversam, e ela pergunta se foi ele quem filmou aquilo (ele responde que 

sim). Aqui ele mostra à nova “amiga” aquilo que ele vê, que faz parte daquilo que ele é. 

É   como se  narrasse  algo  a  ela,   só  que  por  meio  das   imagens  que  ele  produziu.  A 

sociedade espetacular em que eles vivem apaga até mesmo a narração oral, experiência 

vívida de comunicação, e transforma o ato de contar uma história em uma mostração. 

De certa forma, algo que simboliza todos os meios (audio)visuais de narrativa. Logo 

depois Benny mostra a arma com que o porco foi morto, trazendo para o real aquilo que 

estava representado no vídeo. Aqui se dá a passagem da representação para o real: antes, 

ao mostrar o porco sendo morto, Benny diz que “é apenas um porco” e comenta que viu, 

num documentário, como eles fazem nos filmes, usando catchup em lugar do sangue. 

Na imagem que agora assistimos como se estivéssemos dentro do quarto de Benny, mas 

invisíveis (uma ironia: tudo vemos, mas não somos vistos, como no Panóptico relatado 

por Foucault), a arma é real e, ao fundo, a tela da TV mostra a imagem deles, que a 

câmera de vídeo de Benny, presa ao tripé, continua captando.

Ouvimos o disparo da arma e, a partir daqui, o que vemos é através da tela da 

TV. Não como se a câmera de vídeo de Benny fosse, agora, nossos olhos. Haneke evita 

Narração e mostração: Benny "conta" sobre o abate do porco mostrando o vídeo que fez

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essa confusão enquadrando a tela da TV, mostrando que a câmera do filme (nós, nossos 

olhos) está assistindo a essas imagens transmitidas pela TV e captadas pela câmera de 

vídeo. Isso nos dá uma dimensão cruel do lugar de espectadores que tomamos sempre e 

a real dimensão do que é a vida mediatizada, a vida que não se vive, mas se toma em 

imagens através  do espetáculo.  A violência que ocorre ao  nosso  lado,  ao vivo,  nós 

vemos através  da TV, através do olho da câmera de vídeo.  E Benny, que antes era 

apenas   espectador   da   morte,   que   cresceu   assistindo   ao   espetáculo   sangrento   da 

violência, que tomou as rédeas da vida, mas apenas para dirigir os vídeos que produz, 

continuando, ainda assim, a ser espectador, toma a vida ao vivo e participa da violência 

ele mesmo. Ele deixa de ser espectador, mas quando o faz, nos obriga ao lugar dele. O 

Benny a quem talvez julgamos, no início do filme como um jovem alienado da vida 

concreta   e  do  mundo  da   janela   (da  TV? Do vídeo?)  para   fora,  nos   transforma em 

alienados nas imagens que consumimos pela TV de seu quarto. É nesse processo que 

Haneke volta para nós a câmera em forma de espelho virtual, nos fazendo sentir como 

que pegos no flagra de nossa escopofilia. É assim que Haneke nos tira do conforto e nos 

joga, inadvertida e irrevogavelmente, para dentro do circo da representação e ao mesmo 

tempo do quadro, que nos seqüestra.

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Benny e a menina acabam saindo de quadro. Não vemos mais a violência, mas o 

som  em  off  –   o   que  demonstra,   por   reiteração,   que  Haneke   constrói   o   sentido  da 

audiovisualidade, não apenas da visualidade – da menina sendo morta. Diversas vezes 

Benny volta para o campo, para recarregar sua arma, e sai novamente de campo para 

desferir na menina mais um tiro, até que ela morre, afinal.

A cena que se segue, carregada de simbolismo, é a imagem da bolsa da menina 

sendo vasculhada por Benny (vemos a imagem como se nós mesmos o fizéssemos, pois 

assimilamos agora o olhar de Benny). O primeiro objeto de interesse é uma fotografia, 

um símbolo de visualidade que faz parte do círculo formado pelas imagens de arte na 

parede da sala de jantar (estas veremos a seguir no filme), pelos vídeos de Benny e da 

videolocadora, pelas imagens da TV. Ele volta a ser espectador da vida novamente. E 

depois, segura uma bola de madeira, a qual abre, vendo dentro dela outra bola menor, a 

qual, aberta, revela uma terceira bola, ainda menor. Haneke simboliza aqui a visualidade 

dentro da visualidade que está dentro do filme como uma supervisualidade.

Praticamente não vemos mais a menina, embora seu cadáver esteja em um canto 

Sobrenquadramento: a TV pequena mostra o que a câmera de vídeo agora capta, e Benny agora encena seu próprio vídeo de abate

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do quarto enquanto Benny faz outras coisas. Vemos o lençol que tapa seu corpo, um 

lençol cheio de sangue que depois ele lava em uma banheira, onde a água avermelhada 

escorrendo pelo ralo nos faz lembrar Psicose, filme de Hitchcock de 1962.

Benny grava em vídeo (imagem que agora assimilamos, porque somos já os olhos 

de Benny) imagens do corpo da menina. Só vemos o sangue, mas não o ferimento. Quando 

a câmera mostra as pernas dela, a mão de Benny vem do fora de campo e arruma sua saia. 

Com   que   preocupação   Benny   evita   ver/mostrar/registrar   o   que   talvez   ele   considere 

obsceno? Ele dá um close no sangue que escorre da cabeça dela e, depois, vira seu rosto 

para a câmera. O que vemos depois é Benny assistindo a esse vídeo que acabara de fazer. 

Isso não demonstra que o lugar de quem registra se aparta do lugar de quem apenas vê, mas 

que Benny tenta, pelo controle que tem sobre as imagens do vídeo, ter controle sobre a vida 

novamente,  ao mesmo tempo que volta  a se  alienar  dela  olhando para as  imagens que 

gravou agora como somente um espectador. Ele rebobina a fita, como se voltasse no tempo. 

Deixa a fita voltando e sai de campo. Vemos que as imagens onde ele se despe no quarto 

agora são as imagens dele se vestindo. Como se tudo voltasse ao que era antes, em sua 

ingenuidade alienada de mera espectatorialidade. A previsão que fazemos é que a fita vai 

Imagem-cinema: o lençol branco esconde o corpo e mostra o sangue

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voltar ao ponto em que a menina ainda não havia sido morta. É onde Benny quer chegar. É 

onde   chega   quando,   na   cena   seguinte,   o   vemos   refletido   em   uma   vitrine,   como   que 

reencenando o olhar ingênuo da menina, mas também um lembrete de Haneke de que o 

consumo (é a vitrine de uma joalheria) também é espetacular e nessa sociedade somos, ao 

fim e ao cabo, espectadores o tempo todo.

Benny mostra  para   a  mãe  o  vídeo  que   fez  da  morte  da  menina.  Vemos  em 

seguida o rosto dele iluminado pela luz da TV, enquanto ouvimos em  off  o som do 

primeiro tiro. Depois ele mostra o vídeo também ao seu pai. Aqui temos a representação 

do que eu falava antes:  a comunicação entre as pessoas  passa a  ser  a  narrativa das 

imagens, que Benny mostra aos pais em lugar de confessar a eles o que fez em sua 

ausência. Os pais discutem sobre como resolver o que o filho fez e a decisão nos é 

mostrada quando vemos Benny em viagem com a mãe. Ele grava a viagem em vídeo. 

Quando está no hotel, vê televisão.

Imagem-vídeo: o corpo morto da menina é mostrado pela câmera

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Na volta  ao cotidiano normal,  o quarto de Benny  já  está   livre  do crime que 

cometeu.  A  janela   está   aberta  e  a  TV,  desligada.  Depois   tornamos  a  vê­lo   sobre  a 

Espéculo: Benny invade a intimidade da mãe no banheiro

Vigilância: a câmera da delegacia acaba de registrar a passagem de Benny, que sai dalí inocente, olhando para a câmera

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escrivaninha fazendo algum trabalho do colégio, enquanto toca heavy metal e, ao fundo, 

vemos uma TV ligada. Vemos novamente um vídeo de uma festa realizada pela irmã de 

Benny. Em seguida, a textura de vídeo que o filme (nossos olhos) assimila denota a 

gravação que Benny faz, na qual a imagem do quarto dele na penumbra é tomada do 

som em  off  de   seus  pais  discutindo  sobre  o  que   fazer   com o  corpo  da  menina.  O 

exercício de espectatorialidade mórbida de Benny agora se transforma na distorção que 

o adolescente provoca no curso da experiência. Com esse vídeo ele denuncia os pais, os 

acusando do assassinato que cometeu. Aqui Haneke questiona o estatuto de documento 

que as imagens possuem, em contraponto com a espetacularização do real sobre a qual 

nos faz refletir durante o filme todo. A culpa de Benny sequer é flagrada pela câmera de 

vigilância  da  delegacia,   cuja   imagem é   enquadrada  pelo   filme.  Em  off,  ouvimos  o 

noticiário falando sobre o crime: as notícias agora expõem “a verdade” documentada 

por Benny, a verdade que ele criou. Aqui se fecha o círculo crítico de Haneke, que não 

deixa   nenhuma   imagem   passar   sem   ser   questionada.   Não   deixa,   também,   nenhum 

espectador passar incólume.

Referências

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