mercosul – algumas consideraÇÕes sobre sua origem, formaÇÃo … · 2019-11-12 · formação...

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MERCOSUL – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE SUA ORIGEM, FORMAÇÃO E ESTRUTURA Rodolfo Francisco Soares Nunes 1 Maria de Fátima Silva do Carmo Previdelli 2 RESUMO: O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) constitui a mais recente tentativa de formação de um bloco econômico de alguns países da América do Sul embora as primeiras negociações para a sua concretização datarem de meados do século passado. A compreensão de tais negociações para a formação de um bloco regional na região é o tema do presente artigo que busca abordar as etapas tomadas na sua concretização e apresentar os avanços obtidos em relação aos seus objetivos iniciais. Para tal, o estudo baseia-se na análise dos documentos, principalmente tratados, e informações oficiais dos governos participantes, disponibilizados em sites oficiais. Palavras-chaves: Mercado Comum do Sul, MERCOSUL, Integração Regional. Blocos econômicos, América do Sul ABSTRACT: MERCOSUR is the latest attempt to form an economic bloc of some South American countries, although the first negotiations for its completion date from the middle of the last century. The understanding of these negotiations for the formation of a regional bloc in the region is the theme of this article that seeks to address the steps taken in its implementation and present the progress achieved in relation to its initial objectives. For this, the study is based on the analysis of the documents, mainly treaties, and official information of the participating governments, made available on official websites. Keywords: Common Market of the South, MERCOSUR, Regional Integration. Economic blocs, South America. 1. INTRODUÇÃO Os processos de integração regional em geral começam a partir de acordos bilaterais, de cunho econômico, e evoluem para formas mais amplas de participação conjunta, com vistas a intensificar a liberalização de comércio entre países. Nesse contexto, ao negociarem um acordo, os países buscam ampliar o acesso a seus produtos nos mercados dos parceiros. Esse benefício se traduz em melhorias nas condições de acesso aos produtos nos mercados das partes contratantes, preços mais competitivos, margens de lucro ampliadas, estímulo ao aumento da capacidade produtiva instalada, entre outros. 1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico PPGDSE/UFMA 2 Professora Adjunta do Departamento de Economia (DECON/UFMA)

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MERCOSUL – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE SUA ORIGEM, FORMAÇÃO E

ESTRUTURA

Rodolfo Francisco Soares Nunes1 Maria de Fátima Silva do Carmo Previdelli2

RESUMO: O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) constitui a mais recente tentativa de formação de um bloco econômico de alguns países da América do Sul embora as primeiras negociações para a sua concretização datarem de meados do século passado. A compreensão de tais negociações para a formação de um bloco regional na região é o tema do presente artigo que busca abordar as etapas tomadas na sua concretização e apresentar os avanços obtidos em relação aos seus objetivos iniciais. Para tal, o estudo baseia-se na análise dos documentos, principalmente tratados, e informações oficiais dos governos participantes, disponibilizados em sites oficiais. Palavras-chaves: Mercado Comum do Sul, MERCOSUL, Integração Regional. Blocos econômicos, América do Sul ABSTRACT: MERCOSUR is the latest attempt to form an economic bloc of some South American countries, although the first negotiations for its completion date from the middle of the last century. The understanding of these negotiations for the formation of a regional bloc in the region is the theme of this article that seeks to address the steps taken in its implementation and present the progress achieved in relation to its initial objectives. For this, the study is based on the analysis of the documents, mainly treaties, and official information of the participating governments, made available on official websites. Keywords: Common Market of the South, MERCOSUR, Regional Integration. Economic blocs, South America.

1. INTRODUÇÃO

Os processos de integração regional em geral começam a partir de acordos bilaterais,

de cunho econômico, e evoluem para formas mais amplas de participação conjunta, com

vistas a intensificar a liberalização de comércio entre países. Nesse contexto, ao negociarem

um acordo, os países buscam ampliar o acesso a seus produtos nos mercados dos parceiros.

Esse benefício se traduz em melhorias nas condições de acesso aos produtos nos mercados

das partes contratantes, preços mais competitivos, margens de lucro ampliadas, estímulo ao

aumento da capacidade produtiva instalada, entre outros.

1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico – PPGDSE/UFMA 2 Professora Adjunta do Departamento de Economia – (DECON/UFMA)

As razões que levam à formação de blocos econômicos, segundo Maia (2006, p.217)

englobam desde o desejo de desenvolver o comércio de determinada região ao protecionismo

das economias do bloco frente ao mercado internacional.

As primeiras tentativas no sentido de formação de blocos econômicos datam do século

XIX onde o exemplo mais emblemático foi a União Alfandegária dos Estados Alemães,

fundada em 1834 (Deutscher Zollverein) que levou à posterior unificação alemã. Já o exemplo

de maior repercussão na atualidade é a União Europeia cujo processo de formação data de

meados do século passado.

No caso do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) a origem do processo de sua

formação data também de meados do século XX. E nosso objetivo neste artigo é apresentar

como tal processo se deu, qual a estrutura e principais entraves ao seu avanço.

2. FORMAÇÃO DO MERCOSUL

O Mercado Comum do Sul, conhecido como MERCOSUL, oficializado através do

Tratado de Assunção, em 26 de março de 1991, se constituiu em uma das maiores formas de

integração regional do mundo. Seu processo de formação, porém, vem de muito antes da

assinatura do referido tratado.

Autores atribuem o início desse processo de integração para antes da década de 1990.

Para estes, o começo das discussões situam-se na década de 1950, onde as estratégias de

desenvolvimento da região latino-americana eram definidas através da Comissão Econômica

para América Latina e Caribe (CEPAL), onde, também, se desenvolveram políticas que

promoveriam a integração econômica regional, evitando, dessa forma, que as economias

estudadas não tivessem seu crescimento interrompido pelo que foi definido como

dependência dos países. (PINTO, 2010, p. 52)

Membros da CEPAL, ainda na década de 1950, já apresentavam a integração das

economias da região como uma necessidade para o desenvolvimento destas. (VERSIANI,

1987, p. 27)

Portanto, para atender às ideias propostas pela CEPAL, em fevereiro de 1960 foi

assinado o Tratado de Montevidéu onde Argentina, Brasil, Chile e Uruguai participaram da

criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC). Este era um mecanismo

embrionário que buscava a fomentação de uma zona de livre comércio na região.

Outra tentativa de integração se deu após a substituição da ALALC, pela Associação

Latino-Americana de Integração (ALADI), que entrou em vigor após a assinatura do novo

Tratado de Montevidéu, em agosto de 1980. Versiani explica o objetivo mais geral era o de

compatibilizar a tendência anterior a acordos bilaterais ou sub-regionais, em um processo de

integração econômica “por convergência” (VERSIANI, 1987)

Destaca-se, no entanto, que os dois processos de integração citados anteriormente,

ocorreram em um contexto totalmente diferente ao do MERCOSUL, o que se espera destacar

aqui, porém, é a sinalização da integração como forma de manutenção das economias latino-

americanas, frente às transformações no sistema capitalista. É justamente nesse

entendimento que se insere a constituição do MERCOSUL, uma vez que este se deu na ótica

do rearranjo da economia mundial perante a financeirização da economia.

Em novembro de 1985, durante a inauguração da Ponte Tancredo Neves, na divisa

entre Brasil e Argentina, foi estabelecida a Declaração do Iguaçu onde se criou uma Comissão

Mista de Alto Nível para Cooperação e Integração Econômica Bilateral encarregada de propor

programas e projetos que contribuiriam para a integração regional entre os dois países.

Desta Comissão Mista de Alto Nível foi estabelecido o Programa de Integração e

Cooperação Econômica (PICE) disposto na Ata para Integração Brasileiro – Argentina,

assinada em Buenos Aires, em 1986 e que deu início ao processo de aproximação entre os

dois países. Futuramente tal processo seria consolidado através do Tratado de Integração,

Cooperação e Desenvolvimento (1988), estabelecido por esses dois países. Dentre os

processos apresentados, o PICE é o que estabelece uma relação mais próxima à criação do

MERCOSUL.

Através deste tratado de 1988 ficou estabelecida uma Área de Livre Comércio entre

Brasil e Argentina e, posteriormente, através da Ata de Buenos Aries (1990) ficou estabelecido

que a forma de integração entre os dois países se daria através de um Mercado Comum.

Contudo, todas as tentativas anteriores ao MERCOSUL contribuíram, algumas de

forma mais intensas e outras de cunho apenas normativo, para dar início ao maior projeto de

integração da América do Sul.

No Quadro 01 apresentamos, de forma resumida, os principais documentos que

serviram como base no processo de integração da América Latina e, consequentemente, de

constituição do MERCOSUL.

Quadro 01 – Principais documentos sobre a integração dos países da América Latina Data Documento Descrição

18 de fevereiro de

1960

Tratado de Montevidéu

Criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), aconteceu por influência da CEPAL e três anos após a criação da Comunidade Econômica Europeia (1957). Membros: Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru e Uruguai.

12 de agosto de 1980

Novo Tratado de Montevidéu

Criação da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), retirava a “cláusula da nação mais favorecida” presente na ALALC. Trouxe a possibilidade de apenas duas ou mais nações fecharem acordos de comércio. Membros: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, Mexico, Paraguai, Peru, Uruguai, Venezuela e, posteriormente, Cuba (1999).

30 de novembro de

1985

Declaração do Iguaçu

Tratado estabelecido por Argentina e Brasil trazendo um elo simbólico entre os dois países e o estabelecimento de uma integração física entre os países além de apresentar a discussão sobre a necessidade de uma integração entre os países do Cone Sul.

29 de julho de 1986

Ata para Integração Brasileiro - Argentina

Estabelecimento do Programa de Integração e Cooperação Econômica (PICE) que foi criado com o intuito de se iniciar uma nova rodada de integração latino-americana e garantia do comércio livre entre Brasil e Argentina, conforme estabelecido na Declaração do Iguaçu

29 de novembro de

1988

Tratado de Integração,

Cooperação e Desenvolvimento

Tratado entre Argentina e Brasil que estabelecia um espaço econômico comum entre os dois países que se daria através da liberalização integral do comércio de ambos além da eliminação de tarifas e demais obstáculos ao comércio entre os dois países.

06 de julho de 1990

Ata de Buenos Aires Estabelece um Mercado Comum entre Brasil e Argentina com um prazo de cumprimento até dezembro de 1994. O processo se daria através da redução gradual das tarifas e comandado por um Grupo de Trabalho Binacional.

26 de março de 1991

Tratado de Assunção

Criação do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), criado com o objetivo de se estabelecer uma livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os Estados-Membros. Membros: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai e, posteriormente, Venezuela (2003).

Fonte: Elaborado pelos autores.

A seguir, apresentaremos as principais características e objetivos estabelecidos

através do Tratado de Assunção e os demais tratados e protocolos que corroboraram no

processo de constituição do MERCOSUL.

3. O TRATADO DE ASSUNÇÃO E OS PRINCIPAIS PROTOCOLOS

O Tratado de Assunção constitui um texto simples, com vinte e quatro artigos, divididos

em seis capítulos, além de contar com cinco anexos que dão tratamento a alguns pontos

definidos no texto base.

Em seu texto, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, chamados de “países-membros”,

acordam com a constituição do MERCOSUL onde este tem como objetivo a livre circulação

de bens, serviços e fatores produtivos entre os Estados-Membros, além da restrição das

barreiras alfandegárias e tributárias. É estabelecida, também, uma tarifa externa comum e a

adoção de uma política comercial e alfandegária comuns entre os países para com países

terceiros ao bloco.

Baumann (2001) sintetiza os objetivos do Tratado de Assunção:

O Tratado tinha como objetivos: a) promover uma inserção mais competitiva das economias dos quatro países no cenário internacional; b) favorecer economias de escala e, portanto, aumento de produtividade; c) estimular fluxos de comércio com o resto do mundo, tornando mais atraentes os investimentos na região; d) promover esforços de abertura das economias dos quatro países; e e) balizar as ações do setor privado, principais motores do processo de integração (BAUMANN, 2001, p. 22 e 23)

Se tomado de forma isolada, o Tratado de Assunção não apresentava força suficiente

para atender e balizar aquilo que foi proposto em seu texto, para isso, então, foram

estabelecidos alguns protocolos3, que auxiliaram a condução do processo de formação do

MERCOSUL.

No corpo do texto do Tratado de Assunção não foram instituídas regras específicas

para a efetivação da integração dos países-membros tampouco foram criadas estruturas

institucionais encarregadas da condução do processo de formação de um Mercado Comum.

Apenas duas instituições foram estabelecidas, a saber: a) Conselho do Mercado

Comum (CMC); e b) Grupo do Mercado Comum (GMC). Cabe ressaltar que estas instituições

não são consideradas supranacionais. Conforme explica Baptista (1996), tais instituições

foram criadas no sentido da teoria institucional de Hauriou ou a de Santi Romano e não na

tentativa de se criar organismos supranacionais, como na experiência europeia (BAPTISTA,

1996).

Mais à frente, detalharemos as funções e os objetivos destas instituições, assim como

suas transformações causadas pelo Protocolo de Ouro Preto, cujas funções e instituições

foram por este protocolo.

A primeira necessidade encontrada, após a assinatura do Tratado em 1991, foi a

criação de regras que solucionassem as controvérsias oriundas da interpretação, aplicação

ou não cumprimento dos artigos dispostos do documento de fundação, sendo assim, no

mesmo ano, em Brasília, no dia 17 de dezembro, foi assinado, o denominado Protocolo de

Brasília para a Solução de Controvérsias.

O protocolo esteve em vigência até 18 de fevereiro de 2002, quando foi assinado o

Protocolo de Olivos, com o objetivo de dar maior segurança nas regras utilizadas na resolução

das controvérsias. Foi através desde protocolo que foi criado o Tribunal Permanente de

Revisão (TPR), o que seria um embrião para a criação de uma corte permanente para solução

dos conflitos ocasionalmente gerados. Cada país-membro ficou encarregado de designar um

árbitro, tendo hoje um total de cinco membros. No mesmo documento são estabelecidos os

procedimentos que deverão ser seguidos pelos reclamantes e pelos árbitros na solução das

controvérsias.

No entanto, o TPR não foi a única instituição criada através de protocolo. Considerado

por alguns autores como o ato que propiciou a efetiva formação do MERCOSUL, em 17 de

dezembro de 1994, foi assinado o Protocolo de Ouro Preto (POP) que criou definitivamente a

3 Protocolo é uma denominação dada ao ato internacional considerado menos formal que o tratado mas como todo ato internacional o mesmo possui base legal e amparado pelos conjuntos de leis que compõe o direito internacional.

base institucional do MERCOSUL, atribuindo assim uma personalidade jurídica para o bloco,

o que possibilitou as negociações intra e extrabloco.

Ao contrário do Tratado de Assunção, ato rígido em sua estrutura, o POP traz uma

estrutura flexível apresentando uma estrutura administrativa com a qual seria possível a

condução da integração entre os países, conforme proposto no Tratado. Além de trazer

atribuições para as instituições existentes o Protocolo cria novas instituições e define suas

atribuições (BAPTISTA, 1996).

O Protocolo de Ouro Preto adicionou à estrutura existente mais quatro instituições a

saber: 1) Conselho do Mercado Comum (CMC); 1) Grupo Mercado Comum (GMC); 3)

Comissão de Comércio do MERCOSUL (CCM); 4) Comissão Parlamentar Conjunta (CPC); 5)

Foro Consultivo Econômico Social (FCES); e 6) Secretaria Administrativa do MERCOSUL

(SAM). A partir de então, o Conselho, estabelecido no topo da hierarquia, passou a ser

designado como o órgão superior do MERCOSUL com a função da condução política do

processo de integração (MERCOSUL, 1994).

No mesmo protocolo, ficou clara a importância do estabelecimento de uma União

Aduaneira como uma etapa necessária para se alcançar o Mercado Comum ficando, então, o

CMC encarregado da condução do processo de integração através das novas diretrizes

estabelecidas. Com sua estrutura institucional estabelecida, alguns protocolos adicionais se

fizeram necessários a fim de cobrir áreas específicas como é o caso do Protocolo de Ushuaia,

de 24 de julho de 1988, onde se estabeleceu a chamada Cláusula Democrática, que afirma:

“A plena vigência das instituições democráticas é condição essencial para o desenvolvimento

dos processos de integração entre os países-membros do presente Protocolo.” (MERCOSUL,

1998, p. 1)

Neste protocolo ficou determinado que toda a ruptura da ordem democrática ocorrida

em qualquer país-membro do presente protocolo4 será passível de sanções no que diz

respeito a suspensão do direito de participar do processo de integração e das benesses

oriundas do MERCOSUL. Cabe destaque, no entanto, que em 19 de dezembro de 2011 foi

assinado o Protocolo de Montevidéu sob o título de Compromisso com a Democracia no

MERCOSUL, mais conhecido como USHUAIA II, com a finalidade de reforçar a Cláusula

Democrática.

Ainda na tentativa de reforçar acordos e dispositivos vigentes no MERCOSUL, foi

assinado em 18 de fevereiro de 2002, o Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias

no MERCOSUL. Este ato substitui o Protocolo de Brasília (1991), e aperfeiçoou o sistema de

4 Além dos países-membros pertencentes ao MERCOSUL (quatro à época), assinaram também a Bolívia e o Chile

na condição de Estados Associados (nesta condição desde 1996)

solução de controvérsias através da criação do Tribunal Permanente de Revisão no intuito de

se consolidar a segurança jurídica do bloco.

O Protocolo e, consequentemente, o Tribunal têm como alicerces toda a estrutura

originária dos textos fundacionais para a solução de controvérsias, porém agora utilizando as

novas instituições criadas em 1994, posteriores ao Protocolo de Brasília (1991).

Outro protocolo que constitui os textos fundacionais, foi assinado em 09 de dezembro

de 2005 e marca a constituição do Parlamento do MERCOSUL (PARLASUL), instituição que

teria como objetivo ser o órgão de representação dos povos dos países-membros que atuaria

de forma independente e autônoma. O Parlamento do MERCOSUL substitui a Comissão

Parlamentar Conjunta, criada através do Protocolo de Ouro Preto. A forma de escolha dos

representantes no PARLASUL fica a critério de cada país.

O Protocolo de adesão da República Bolivariana da Venezuela ao MERCOSUL (2006)

e o Protocolo de adesão do Estado Plurinacional da Bolívia ao MERCOSUL (2015), marcam

mais uma etapa de avanço da integração feita pelo MERCOSUL.

No Quadro 02, são apresentados os principais atos – a conhecidos como textos

fundacionais – que foram firmados com o intuito de consolidar a criação do bloco e balizar o

processo de integração e liberalização dos mercados propostos, originalmente, no tratado de

fundação do MERCOSUL, além destes, são relacionados também os atos que originaram a

adesão dos demais países nas condições de membros e associados.

Quadro 02 – Principais documentos que estruturam o MERCOSUL

Data Documento Descrição Aprovação no Parlamento

de cada Estado

26/03/ 1991 Tratado de Assunção

Assinado entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, cria um Mercado Comum com prazo de estabelecimento até 31/12/1994, com o objetivo de ampliar os mercados nacionais através da integração e, assim, acelerar o processo de

desenvolvimento dos países-membros.

Argentina: 15/08/1991 Brasil: 25/09/1991 Paraguai: 15/07/1991 Uruguai: 22/07/1991

17/12/ 1991 Protocolo de

Brasília

O Protocolo de Brasília para a Solução de Controvérsias estabelece procedimentos de solução para solucionar as controvérsias que surgirem entre os países-membros no que se refere a interpretação, aplicação ou não cumprimento

das disposições do Tratado de Assunção.

Argentina: 17/07/1992 Brasil: 25/09/1992 Paraguai: 02/07/1992 Uruguai: 23/03/1993

17/12/ 1994 Protocolo de Ouro Preto

Estabelece a base institucional do MERCOSUL e, assim, dotou o bloco de personalidade jurídica no âmbito do direito internacional. Afirma que a etapa de União Aduaneira deveria ser implementada como forma necessária para o estabelecimento de um Mercado Comum.

Argentina: 20/09/1995 Brasil: 15/12/1995 Paraguai: 15/06/1996 Uruguai: 01/09/1995

24/07/ 1998 Protocolo de

Ushuaia

Estabelecimento de uma Cláusula Democrática onde reconhece que a segurança das instituições democráticas é condição essencial para o desenvolvimento do bloco. Assinam o protocolo além de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, a Bolívia e o Chile, na condição de estados-associados.

Argentina: 04/08/1999 Brasil: 14/11/2001 Paraguai: 21/10/1998 Uruguai: 16/05/1999

18/02/ 2002 Protocolo de

Olivos

Revoga o Protocolo de Brasília (1991). Como forma de solução de controvérsias criou-se o Tribunal Permanente de Revisão no intuito de se consolidar a segurança jurídica do bloco.

Argentina: 09/10/2002 Brasil: 14/10/2003 Paraguai: 03/02/2003 Uruguai: 11/04/2003

09/12/ 2005

Protocolo constitutivo do

Parlamento MERCOSUL

Constitui o Parlamento do MERCOSUL com o objetivo de se estabelecer um órgão de representação dos povos onde cada país-membro determinará a forma de ingresso de seus representantes. O Parlamento atuará de forma independente e autônoma.

Argentina: 27/09/2006 Brasil: 12/09/2006 Paraguai: 26/05/2006 Uruguai: 27/11/2006

04/07/ 2006

Protocolo de adesão da

Venezuela ao MERCOSUL

Adesão da República Bolivariana da Venezuela ao Tratado de Assunção e aos demais protocolos que constituem a base legal do MERCOSUL. Porém o efetivo ingresso do país no bloco somente ocorreu em 2012.

Argentina: 06/12/2006 Brasil: 16/12/2009 Paraguai: 24/12/2013 Uruguai: 02/11/2006

07/12/ 2012

Protocolo de adesão da Bolívia ao

MERCOSUL

Protocolo que oficializa e dá fundamentação jurídica para que os demais países-membros votem em seus parlamentos sobre a adesão do Estado Plurinacional da Bolívia.

Argentina: 02/07/2014 Brasil: - Paraguai: 30/06/2016 Uruguai: 07/05/2014 Venezuela: 17/07/2013

[1] A aprovação se trata da data da deliberação legislativa de cada país-membro, conforme estabelecido no Tratado de Assunção.

Fonte: Elaborado pelos autores

Como todo o ato internacional deverá contar com a aprovação no Parlamento de cada

país, e como os representantes de cada país no MERCOSUL não possuem autoridade

suficiente para legislar sobre assuntos comuns ao bloco, o prazo para aprovação dos atos se

estende, muitas vezes, por mais de duzentos dias.

Uma análise dos prazos de aprovação para os tratados e protocolos em cada país-

membro, quadro 03 permite perceber como o processo se torna moroso. Os textos

fundacionais (documentos 1 ao 6), passam mais de 200 dias para aprovação nos parlamentos

dos países-membros. No caso brasileiro, por exemplo a aprovação do Protocolo de Ushuaia,

levou 1209 dias para ser aprovado no Congresso Brasileiro levou 1209 dias o que mostra a

falta de urgência que o assunto assume.

Quadro 03 – Prazo médio em dias para aprovação dos atos em cada país-membro # Atos Normativos ARG BRA PAR URU VEN[1]

1 Tratado de Assunção 142 183 111 118 -

2 Protocolo de Brasília 213 283 198 462 -

3 Protocolo de Ouro Preto 277 363 546 258 -

4 Protocolo de Ushuaia 376 1209 89 296 -

5 Protocolo de Olivos 233 603 350 417 -

6 Protocolo Parlamento do MERCOSUL 292 277 168 353 -

7 Protocolo de adesão da Venezuela ao MERCOSUL 155 1261 2730 121 -

8 Protocolo de adesão da Bolívia ao MERCOSUL 572 - 1301 516 222

Média de dias para aprovação dos atos [2] 256 486 244 317 -

[1] Venezuela subscreve todos os atos normativos anteriores a sua assinatura através do seu protocolo de adesão. [2] Média dos dias para aprovação dos protocolos (#) 1 ao 6 por se tratarem dos protocolos que compõem a estrutura institucional do bloco

Fonte: Elaborado pelos autores

A forma de ingresso ao MERCOSUL pode ser de três formas, a saber: a) Membros

Efetivos; b) Membros Associados; e c) Membros Observadores. Os Membros Efetivos são

aqueles que participam de forma ativa nos processos que envolvem o MERCOSUL. São

signatários de todos os acordos fundacionais e possuem direito a voto. Os Membros

Associados são aqueles países que participam do bloco com um grau de integração diferente

dos outros, não adotam a TEC e não participam de todas as pautas. Por sua vez, os Membros

Observadores são aqueles que apenas participam das reuniões como ouvintes, sem direito a

voto, apenas por manifestar interesses futuros em negociações.

O processo de adesão de países como Bolívia ainda precisam de aprovação do

Congresso Brasileiro. A aproximação dos demais países na condição de Membros

Associados faz com que o processo de integração avance de forma a consolidar o bloco como

um dos maiores do mundo no que se refere ao PIB, PIB per capita e população.

4. A TARIFA EXTERNA COMUM (TEC) DO MERCOSUL

Almejada desde a assinatura do Tratado de Assunção, onde sua criação consta dos

objetivos citados no primeiro artigo, a TEC é a ferramenta central para o estabelecimento de

uma União Aduaneira entre os países-membros, conforme proposto no Protocolo de Ouro

Preto. Instituída através da Decisão nº 22/94 do CMC, a Tarifa Externa Comum é baseada na

Nomenclatura Comum do MERCOSUL (NCM) que é um sistema que classifica de forma

pormenorizada, comercializada entre os país-membros e entre o Resto do Mundo. A

manutenção da NCM e da TEC é de responsabilidade do Setor de Assessoria Técnica da

Secretaria do MERCOSUL.

A homogeneização da classificação nas transações no MERCOSUL, feita através da

implementação da NCM, tem fundamental importância na aplicabilidade das tarifas

estabelecidas pela TEC ou por outros acordos firmados pelo bloco.

O processo de negociação da TEC constituiu uma das primeiras barreiras a serem

superadas pelos países-membros. BAUMANN (2001) explica que:

O processo de negociação dessa tarifa teve início em meados de 1993, sem que estivesse clara a metodologia a ser utilizada. [...] Ao final de 1993, a TEC já estava definida para a maioria dos produtos, embora o exercício só viesse a se completar em fins de 1994. [...] A definição da TEC contém as seguintes características: a) uma tarífa média de aproximadamente 11%; b) as alíquotas incidentes sobre insumos estão situadas entre 6% e 12%; e c) os produtos de consumo final têm tarifas da ordem de 18-20% (BAUMANN, 2001, p. 29)

É importante registrar que a estrutura das alíquotas da TEC sofreu diversas mudanças

ao longo desses anos, principalmente para atender os interesses do bloco, mas sempre

mantendo suas diretrizes e suas características principais. De acordo com as diretrizes

traçadas desde 1992 a TEC possui como intuito:

Incentivar a competitividade dos países-membros e seus níveis tarifários devem contribuir para evitar a formação de oligopólios ou de reservas de mercado. Também foi acordado que a TEC deveria atender aos seguintes critérios: a) ter pequeno número de alíquotas; b) baixa dispersão; c) maior homogeneidade possível das taxas de promoção efetiva (exportações) e de proteção efetiva (importação); d) que o nível de agregação para o qual seriam definidas as alíquotas era de seis dígitos. (MINISTÉRIO DA INDÚSTRIA, COMÉRCIO EXTERIOR E SERVIÇOS, 2017)

As exceções de aplicação de grupos de produtos, que são adotadas pelos países

desde a estrutura da TEC de 1994, chamada de Lista de Exceção Nacional, onde cada país

define as restrições de acordo com suas necessidades, sejam elas dotadas de motivos

protecionistas ou até mesmo para evitar impacto sobre os custos de produção. (KUME e

PIANI, 2011, p. 18)

A Lista de Exceção Nacional teria validade até 31 de dezembro de 2015, mas foi

prorrogada até 31 de dezembro de 2021. O Brasil e Argentina podem ter alíquotas

diferenciadas de até 100 produtos, o prazo para esses dois países também foi prorrogado

para o fim de 2025. Destaca-se que a estruturação de uma TEC que vá de acordo com a

necessidade de cada país-membro faz com que os países ainda possam utilizar essas

exceções com fins estratégicos.

5. CONCLUSÃO

Alguns pontos no que diz respeito à formação do MERCOSUL merecem destaque. O

primeiro é que a ausência de coordenação de políticas macroeconômicas, principalmente em

relação à política cambial, dificulta o processo de integração do bloco, o que vai de encontro

com o próprio objetivo do bloco, que é o de formar um Mercado Comum.

Para Giambiagi, a integração econômica só se intensificará com o rompimento da

união aduaneira imperfeita5 com a unificação monetária dos países do MERCOSUL, que se

dará através do estabelecimento de uma área monetária ótima, estabelecida através da

unificação da moeda ou da coordenação das diversas moedas regidas por uma política

cambial e monetária unificadas. (GIAMBIAGI, 1997)

De forma resumida, podemos considerar que o MERCOSUL é resultado de uma série

de acontecimentos históricos e agrupamentos que datam desde a década de 1950. Diversos

tratados foram estabelecidos com o intuito de integrar o continente sul-americano e, inclusive,

o latino-americano.

Como resultado dessas interações entre os países sul-americanos, o Tratado de

Assunção, de 26 de março de 1991, foi estabelecido com o intuito de promover a uma maior

e mais competitiva inserção dos membros no comércio internacional, através do estímulo às

economias de escala e liberalização comercial.

É importante ressaltar que o MERCOSUL é um processo de integração de países

assimétricos que buscam unir forças e obter vantagens frente a um mercado mundializado.

Sua formação é caracterizada por dois movimentos distintos e antagônicos: uma preocupação

com o aprimoramento de sua estrutura institucional; e uma morosidade na aprovação de seus

atos fundacionais.

5 Giambiagi (1997) afirma que o MERCOSUL constitui uma união aduaneira não plena por estabelecer exceções à Tarifa Externa Comum.

É clara a intenção de estabelecer um modelo de mercado comum – tanto no tratado

como no próprio nome – porém os avanços lentos quanto à abolição das restrições aos

movimentos de fatores produtivos6 ao longo destes 26 anos fizeram com que o MERCOSUL

se colocasse por muito tempo no modelo de União Aduaneira.

Além disso, o processo de consolidação do MERCOSUL como uma união aduaneira

se deu somente após o Protocolo de Ouro Preto7,que ofereceu uma nova estrutura

institucional ao bloco, definindo órgãos e estabelecendo funções para cada um destes.

(BAUMANN, 2001)

Tornou-se cada vez mais necessário observar o MERCOSUL através do debate latino-

americano das teorias de integração e das suposições de regionalismo. Há essa necessidade

de debate sui generis por parte de autores latino-americanos acerca do processo de

integração regional do MERCOSUL, assim como o de outros processos de integração que

possam se estabelecer no futuro.

Justamente nessa análise feita ao longo do tempo, é que os críticos tendem a pensar

que poucos avanços foram feitos com relação ao comércio internacional e demais relações

pelos países-membros. Porém os legisladores e participantes desse processo de integração

acreditam que avanços consideráveis estão sendo realizados. O que podemos afirmar, no

entanto, é que dado o processo de integração do Cone Sul, era de se esperar que este já

estivessem atingidos níveis bem mais avançados no que se refere a questões como a

mobilidade de fatores, volume de comércio e liberalização do mercado em comparação com

o nível que estamos hoje. (BAUMANN, 2009)

Todo esse processo de integração, incluindo sua estrutura e diretrizes, avançou de

forma considerável na década de 1990 até meados da década de 2000, quando tivemos a

inserção do mercado chinês nas transações comerciais com os países-membros,

principalmente o Brasil. Essa participação do mercado chinês fortificou o comércio e as trocas

comerciais do bloco, mas poucos avanços foram feitos na questão da mobilidade de fatores.

Após a crise de 2008, os Estados voltaram suas forças para soluções individuais,

esfriando mais uma vez os esforços de cooperação em blocos econômicos. No atual cenário

de acirramentos de conflitos e viradas em direção a extremos, não se sabe o futuro do

Mercado Comum do Sul, porém é inegável que sua origem não data da década passada, ou

sequer dos governos progressistas, mas sim de um esforço contínuo de mais de 50 anos das

6 Um amplo debate sobre a livre mobilidade de fatores produtivos foi estabelecido ao longo dos anos, avanços foram alcançados na transição de pessoas entre os países-membros, porém uma estrutura de normas trabalhistas e previdenciária díspares entre os países fazem com que a livre mobilidade do trabalho se torne cada vez mais complexa no âmbito do Mercosul. O capital ainda encontra problemas no transporte e em outros setores. 7 Estabelecido em 16 de dezembro de 1994 em conformidade ao Artigo 18 do Tratado de Assunção.

nações sul-americanas em busca de uma parceria que possa aumentar sua competitividade

econômica frente ao cenário internacional.

REFERÊNCIAS

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