mensagens de mensagem, de fernando pessoa

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N de Aluno: 23401

FACULDADE DE CINCIAS SOCIAIS E HUMANAS

Maria Isabel Tavares Coelho

ME SAGE S DE ME SAGEM, de Fernando Pessoa

Dissertao de Mestrado em Estudos Portugueses

Orientadora: Professora Doutora Manuela Parreira

SETEMBRO, 2010

1

DECLARAES

Declaro que esta dissertao de projecto o resultado da minha investigao pessoal e independente. O seu contedo original e todas as fontes consultadas esto devidamente mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia.

A Candidata,

_____________________________________________

(Maria Isabel Tavares Coelho)

Lisboa, _____ de __________________________de 2010

Declaro que esta Dissertao se encontra em condies de ser apresentada a provas pblicas.

A Orientadora

_____________________________________________

(Doutora Professora Manuela Parreira)

Lisboa, _____ de_______________________ de 2010

2

Agradeo Professor Doutora Manuela Parreira, pelo seu profissionalismo e, acima de tudo, pela disponibilidade infinita, dedicao e humanidade demonstradas, a quem no podia deixar de prestar o meu mais profundo

agradecimento.

3

Dedico o meu trabalho s minhas filhas, Ldia e Marisa, que sempre me incentivaram e muitas horas ficaram sem a minha ateno para que eu pudesse fazer este trabalho.

4

RESUMO

O que se pretende com esta dissertao , a partir do ttulo da obra Mensagem, de Fernando Pessoa, explorar alguns sentidos que este poder ter. Comea-se por explorar, a partir de apontamentos deixados pelo prprio Pessoa, os estudos que ele fez sobre o ttulo da mesma. Depois, foi seleccionado o valor simblico dos nmeros, tendo-se feito um estudo da ocorrncia dos mesmos ao longo da obra. Este estudo levou em linha de conta a estrutura externa da obra, diviso em partes e subpartes, nmero de poemas por partes/ subpartes, nmero de estrofes por poema, nmero de versos por poema e outras repeties numricas pertinentes, como a repetio de palavras, procurando encontrar mensagens hipoteticamente escondidas nesses nmeros. De seguida, foram seleccionados alguns heris, atendendo sua importncia na obra, analisando-se os nmeros que estavam a eles associados. Para alm dos nmeros dos heris, foram igualmente tratados os nmeros dos profetas. Atendendo ao interesse que Fernando Pessoa sempre demonstrou pelo ocultismo, que permite que o leitor faa uma abordagem segundo uma via que se pode talvez chamar esotrica, este trabalho segue precisamente esta via, com a inteno de se proceder a uma anlise mais profunda e melhor perceber a obra em questo. Dentro das vrias possibilidades de se seguir uma anlise esotrica, foram escolhidos os nmeros e o seu significado simblico, por se detectar, a partir de uma anlise cuidada e aprofundada da obra pessoana, o modo como Fernando Pessoa lhes dedicou ateno. Este interesse pelos nmeros no meramente circunstancial, mas inscreve-se dentro de uma tradio cultural, que vem da antiguidade e qual Pessoa era sensvel e profundo conhecedor.

5

SHORT RECORDWith this work on the book Mensagem, by Fernando Pessoa, we really intend to explore some meanings it might hide. Starting with the notes left behind by Fernando Pessoa we may begin to explore the thinking he did on the title of the book. Then the symbolic value of the numbers was selected. We did a deep study of the different times they occur along the book. In this study we have considered the external structure of the book. Such as: division in parts, number of poems in each part, number of stanzas in each poem, number of lines in each poem and other numeric important repetitions. Such as: the repetition of words, where we can try to find out hypothetical hidden messages in those numbers. Then we have selected some heroes according to their importance in the book. We have considered the numbers they are associated with. Besides the numbers of the heroes we have also considered the numbers of the prophets. Considering the importance Fernando Pessoa always showed for occultism, the reader is allowed to look at the book from a different point of view, we may say esoteric. Indeed, in this book, we have really adopted this second point of view. As we have real intention of studying it as deeply as possible, in order to understand it better. Among the various possibilities of following an esoteric study, we have chosen the numbers and their symbolic meaning. This because through a careful and deep study of the writings by Fernando Pessoa, we have detected the special attention Fernando Pessoa had towards them. This care for the numbers is, in no way, a circumstantial one. Indeed, it is in the cultural tradition which comes from the antiquity which Fernando Pessoa was so deeply involved with and he knew so well.

6

DICE

I INTRODUO .

9

II O TTULO DA OBRA .....

12

III A LINGUAGEM DOS NMEROS ... 3.1. Estrutura tripartida da obra e subdivises . 3.2. Nmeros presentes na obra .... 3.2.1. Um, princpio e revelao ... 3.2.2. Dois, a ambivalncia 3.2.3. Trs, a perfeio divina 3.2.4. Quatro, a totalidade . 3.2.5. Cinco, unio e harmonia . 3.2.6. Seis, a perfeio em potncia .. 3.2.7. Sete, concluso e renovao 3.2.8. Dez, concluso e incio 3.2.9. Doze, o universo .. 3.2.10. Os poemas irregulares

18 20 25 25 29 34 37 38 43 44 45 47 48

IV OS NMEROS DOS HERIS .. 4.1. Ulisses .... 4.2. O incio da Dinastia de Avis .. 4.2.1. D. Joo I, o Mestre de Avis 4.2.2. D. Filipa, a Princesa do Graal ... 4.3. Nuno lvares Pereira, o Santo Condestvel . 4.4. O Infante D. Henrique, o Navegador 4.5. D. Sebastio, o Desejado ..

52 53 58 60 64 67 77 82

7

V OS NMEROS DOS PROFETAS . 5.1. O Bandarra 5.2. Padre Antnio Vieira 5.3. O Sujeito Potico Fernando Pessoa (?) ..

90 91 96 98

VI CONCLUSO ...

109

VII BIBLIOGRAFIA ..

111

VIII ANEXOS . 8.1. Anexo 1 . 8.2. Anexo 2 . 8.3. Anexo 3 .

116 116 117 118

8

I - I TRODUO

O presente trabalho segue uma via, que se pode chamar esotrica, saindo um pouco dos cnones tradicionais dos estudos literrios acadmicos e precisamente por ser uma via pouco procurada, que coloca alguma dificuldade, que acaba por ser encarada como um desafio, sendo ainda mais aliciante devido ao facto de existirem poucos trabalhos acadmicos sobre a vertente esotrica da obra de Fernando Pessoa. O conhecimento que se tem da obra pessoana, tanto a dita como ainda a indita, autoriza uma abordagem desta natureza. So diversos os exemplos de documentos do esplio de Pessoa que do conta do seu interesse pelo ocultismo. Numa carta escrita sua tia Anica, no dia 24 de Junho de 1916, Pessoa fala do desenvolvimento da sua capacidade medinica, a vrios nveis como a escrita automtica, ou uma forma de sensibilidade que o levava a pressentir determinados acontecimentos, ou ainda a capacidade de ver o que ele chamava aura magntica, quer sua, quer de outras pessoas, como comprovam os excertos a seguir apresentados:

A por fins de Maro (se no me engano) comecei a ser mdium. Imagine! Eu, que (como deve recordar-se) era um elemento atrasador nas sesses semiespritas que fazamos, comecei, de repente, com a escrita automtica. () H momentos, por exemplo, em que tenho perfeitamente bocados de viso esotrica - em que vejo a aura magntica de algumas pessoas, e, sobretudo, a minha, ao espelho e, no escuro, irradiando-me das mos.1

Alm do exemplo apresentado, encontram-se outros documentos escritos por Pessoa sobre Maonaria, Templrios, Rosa-Cruz, Alquimia, Profecias, etc. Pessoa chegou a manifestar a inteno de fazer um Tratado de Astrologia, tendo criado, inclusivamente, uma personalidade fictcia, um astrlogo, a que deu o nome de Rafael Baldaya. Pessoa publicou igualmente contos de carcter esotrico, como o conto O Peregrino, publicado no nmero 23 da revista Mealibra,em 2009. Para este conto,

1

Pessoa, Fernando, Cartas, Lisboa Assrio & Alvim, 2007, pp 145/ 147

9

Pessoa elaborou vrios esquemas, alguns deles de carcter numerolgico, semelhana do que fez para o ttulo da obra Mensagem. A obra Mensagem foi a nica que Pessoa publicou em portugus, j no final da sua vida, apesar de se ter ocupado na sua realizao desde 1913, tal como afirma Antnio Quadros:

Praticamente, a Mensagem comeou a ser escrita em 1913 com o projecto de um livro que se intitularia Gldio e do qual parece s ter escrito o poema com esse nome, depois nela integrado com o ttulo de D. Fernando, Infante de Portugal. 2

Esta obra iniciada em 1913, foi terminada em 1934, o que implica que Pessoa lhe dedicou muito tempo (cerca de vinte e um anos). Numa carta escrita a Adolfo Casais Monteiro, no dia 13 de Janeiro de 1935, Pessoa disse:

Comecei por esse livro as minhas publicaes pela simples razo de que foi o primeiro livro que consegui, no sei porqu, ter organizado e pronto. () O meu livro estava pronto em Setembro, e eu julgava, at, que no poderia concorrer ao prmio, pois ignorava que o prazo para entrega dos livros, que primitivamente fora at fim de Julho, fora alargado at fim de Outubro. 3

Na mesma carta, Pessoa d conta da publicao da obra na altura mais propcia, afirmando:

Precisamente porque esta faceta em certo modo secundria da minha personalidade no tinha nunca sido suficientemente manifestada nas minhas colaboraes em revistas (excepto no caso de Mar Portugus, parte deste mesmo livro) precisamente por isso convinha que ela aparecesse, e que aparecesse agora. Coincidiu, sem que eu o planeasse ou o premeditasse (sou incapaz de premeditao prtica), com um dos momentos crticos (no sentido original da palavra) da remodelao do subconsciente nacional. O que fiz por acaso r se completou por conversa, fora talhado, com Esquadria e Compasso, pelo Grande Arquitecto. 4

J na parte final da carta a A. Casais Monteiro, quando este pergunta a Pessoa se acredita no ocultismo, a resposta que recebe :

Pessoa, Fernando, Mensagem e Outros Poemas Afins, Introduo, organizao e bibliografia actualizada de Antnio Quadros, Mem Martins, Publicaes Europa-Amrica, Ld, 1990, pp 43/ 44 3 Pessoa, Fernando, Cartas, Rio de Mouro: Assrio & Alvim, 2007, p 418 4 Ibidem, pp 418/ 419

2

10

Creio na existncia de mundos superiores ao nosso e de habitantes desses mundos, em existncias de diversos graus de espiritualidade, subtilizando-se at se chegar a um Ente Supremo, que presumivelmente criou este mundo. 5

Quando questionado, por A. Casais Monteiro, sobre a hiptese de pertencer maonaria, Pessoa nega, referindo o poema por si escrito Eros e Psique, esclarecendo:

A citao, epgrafe ao meu poema Eros e Psique, de um trecho (traduzido, pois o Ritual em latim) do Ritual do Terceiro Grau da ordem Templria de Portugal, indica simplesmente o que facto que me foi permitido folhear os Rituais dos trs primeiros graus dessa Ordem, extinta, ou em dormncia, desde cerca de 1888. 6

Todos estes aspectos autorizam que se faa uma leitura da obra Mensagem, segundo uma via esotrica. Com este trabalho pretende-se mostrar at que ponto h uma construo desta obra que obedeceu a uma sistematizao numerolgica precisa (dentro duma tradio a que Fernando Pessoa era muito sensvel) e at que ponto a obra joga com smbolos e encerra uma mensagem que se esconde por detrs de uma aparente glorificao da ptria, maneira de Cames. Na revista guia, em 1912, Fernando Pessoa anunciava j a vinda de um supra-Cames e, sem que ele (Pessoa) tivesse agido propositadamente, tudo parecia conjugar-se para esse aparecimento.

5 6

Ibidem, p 424 Ibidem, p 425

11

II O TTULO DA OBRA

Na descodificao da obra Mensagem, um dos aspectos mais pertinente e fundamental poder ser aquele que se prende com o/s significado/s que o ttulo poder ter assumido (no passado, para Fernando Pessoa), pode, ou poder assumir (no presente e no futuro, para os leitores). Mensagem no foi o ttulo inicialmente escolhido por Pessoa. Na sua mente, estive inicialmente o ttulo Gldio, que era em simultneo o ttulo de um poema escrito em 1913, facto j referido e que Antnio Apolinrio Loureno tambm destaca:

De 1913 data o poema Gldio, que deveria ser tambm o ttulo de um livro de poesia centrado na exaltao dos valores e dos heris portugueses. 7

Mais tarde, Pessoa pensou em dar sua obra o ttulo Portugal, tendo surgido Mensagem como uma terceira e definitiva escolha.

O meu livro Mensagem chamava-se primitivamente Portugal. Alterei o ttulo porque o meu velho amigo Da Cunha Dias me fez notar a observao era por igual patritica e publicitria que o nome da nossa ptria estava hoje prostitudo a sapatos, como a hotis a sua maior Dinastia. Quer V. pr o ttulo do seu livro em analogia com portugalize os seus ps? Concordei e cedi, como concordo sempre que me falam com argumentos. Tenho prazer em ser vencido quando quem me vence a Razo, seja quem for o seu procurador. Pus-lhe instintivamente esse ttulo abstracto. Substitu-o por um ttulo concreto por uma razo E o curioso que o ttulo Menagem est mais certo parte a razo que me levou a p-lo, de que o ttulo primitivo.8

Percebemos, atravs de apontamentos deixados por Pessoa, que muitas foram as interpretaes da palavra mensagem por ele exploradas (ver Anexo 1). Em Mensagem e Outros Poemas Afins, so feitas referncias a documentos dispersos de Pessoa e so apresentadas reflexes, que exploram os vrios sentidos que a palavra mensagem poder ter, tendo Antnio Quadros declarado:

Loureno, Antnio Apolinrio, Fernando Pessoa, Lisboa: Edies Apolo 70, 2009, p. 72 Pessoa, Fernando, Portugal, Sebastianismo e Quinto Imprio, Obra em Prosa de Fernando Pessoa, prefcio, introduo, notas e organizao de Antnio Quadros, Mem Martins: Livros de Bolso EuropaAmrica, 1986, p. 568

7

12

uma pgina de apontamentos encontrada no esplio, vemos como o poeta explorou ao mximo as possibilidades filolgicas, semnticas, por assim dizer mgicas e operativas do termo, no sentido de que a poiesis um fazer um fazer pela palavra, pelo versos e pelo ritmo encantatrio. 9

Em primeiro lugar, pegando no significado da palavra, mensagem uma missiva, que tem como objectivo a transmisso de um pensamento, novidade, ou significado, pelo que, logicamente, podemos concluir ser esta a inteno do poeta. Quando se tenta, ento, descodificar o significado da Mensagem, verificamos que no se limita a uma simples difuso de uma comunicao, tendo esta que ser captada em diversos planos do entendimento. Um caminho explorado por Pessoa, como se pode comprovar atravs dos citados documentos deixados por Pessoa, tem a ver com o facto das palavras Mensagem e Portugal serem compostas por oito letras, como se pode constatar no esquema que se segue:

M 1 P

E 2 O 3 R

S 4 T

A 5 U

G 6 G

E 7 A

M 8 L

O nmero oito , universalmente, o nmero do equilbrio csmico. () A tradio crist () faz do oito uma concluso, uma completude. () Depois do 7 dia, vem o 8 dia, que indica a vida dos justos e a condenao dos mpios.() Quanto ao oitavo dia, que se segue aos seis dias da criao e ao sabbat (descanso), ele o smbolo da ressurreio, da transfigurao de Cristo. () Se o nmero 7 o nmero do Antigo Testamento, o 8 corresponde ao ovo Testamento. Anuncia a bem-aventurana do sculo futuro num outro mundo.10

Atendendo ao facto do nmero oito poder simbolizar equilbrio, concluso, completude e bem-aventurana, poder ser associado ao anncio do V Imprio, que ser tratado mais tarde, j que Pessoa preconiza o surgimento de um imprio futuro espiritual, cuja fundao ser da responsabilidade de Portugal.

Pessoa, Fernando, Mensagem e Outros Poemas Afins, Introdues, organizao de Antnio Quadros, Mem Martins: Publicaes Europa-Amrica, 1990, p.120 10 Chevalier, Jean e Gheerbrant, Alain, Dicionrio dos Smbolos, Trad. de Rodriguez, Cristina e Guerra, Artur, Lisboa: Editorial Teorema, 1994, pp.483,484

9

13

O nome desta nao (Portugal), composto por oito letras, remete precisamente para a ideia de uma bem-aventurana, situada num tempo futuro, num mundo com uma outra dimenso (espiritual, no terrena), sendo Portugal o grande responsvel pela sua concretizao. Tendo como ttulo a palavra mensagem, tambm ela constituda por oito letras, poder ento esta obra ser tomada como veculo usado para transmitir esta boa nova, sendo o seu autor o emissrio e profeta sobre quem recaiu a responsabilidade de difundir a mensagem. Uma outra interpretao, relativamente ao ttulo da obra, adiantada por Pessoa, prende-se com a mitologia greco-latina e fundamenta-se na histria de Eneias e Anquises, heris presentes na obra Eneida, de Virglio.Eneias fugiu de Tria levando consigo o pai Anquises, cego e paraltico, s costas. () Durante mais de sete anos andou errante sobre o mar procura de uma costa e enfrentou as tempestades e a clera das divindades. () Chegado, por fim, s costas da Itlia, a Cumas; desceu ao inferno guiado pela Sibila. 11

Nesta descida ao Inferno, Eneias reencontrou o seu pai que, entretanto, falecera. Anquises explicou a Eneias como o mundo estava organizado, tendo celebrizado a expresso Mens agitat molem. A expresso Mens agitat molem, que quer dizer a mente move a massa/matria, ter sido aproveitada por Pessoa para explorar mais um significado do ttulo da sua obra. Mensagem seria o resultado da contraco da mensagem enviada por Anquises ao seu filho, como se pode verificar atravs do esquema:

ME S AGITAT MOLEM| V | V

ME SAGEMAssim sendo, conclumos que, tambm para Pessoa, fundamental acreditar-se na importncia do esprito (da mente) sobre a massa (matria), podendo ser esta massa o prprio povo portugus.11

Schmidt, Joel, Dicionrio de Mitologia Grega e Romana, Trad. De Domingos, Joo, Lisboa: Edies 70, 2005, pp 99/ 100

14

Este princpio importante para se compreender a dimenso e a natureza do anunciado V Imprio e tambm o peso dado criao dos vrios mitos na obra pessoana e crena nos mesmos. Um outro esquema, que se encontra nos apontamentos de Pessoa, apresenta Mensagem como sendo o resultado da reorganizao das letras da expresso Ens Gemma, que se pode traduzir por ente em gema, ou em ovo.

E 2 3

S 4

G 6

E 7

M 8

M 1

A 5

M

E

S

A

G

E

M

A simbologia da palavra gema (joyau) inseparvel da palavra jia (bijou).

A nuance que as diferencia vem, sem dvida, do facto de a joyau pedra pura, produto directo do ventre etoniano da terra constituir esta preciosa manifestao do insondvel insconciente colectivo que o bijou, obra humana, glorifica e celebra ao engast-la. 12

Jia a pedra j engastada, j trabalhada pela mo humana e que representa a obra humana, que glorifica e celebra o consciente colectivo. Gema o essencial antes do existencial, que a jia; gema o potencial antes do actual (jia).O nascimento do mundo a partir de um ovo uma ideia comum a Celtas, Gregos Egpcios, Cananeus, Tibetanos, Hindus, Vietnamitas, Chineses, Japoneses, povos siberianos e indonsios, bem como a muitos outros.() O ovo uma realidade primordial que contm em germe a multiplicidade dos seres. () Por isso, o ovo muitas vezes uma representao do poder criador. () Mas ele surge, geralmente, no caos, como um primeiro princpio de organizao. () O ovo aparece igualmente como um dos smbolos de renovao peridica da natureza. () O smbolo que o ovo encarna no se relaciona tanto com o nascimento como um renascimento, repetido e segundo o modelo cosmognico O ovo confirma e promove a ressurreio que no um nascimento, mas sim um retorno, uma repetio. 13

Chevalier, Jena e Gheerbrant, Alain, Dicionrio dos Smbolos, Trad. de Rodriguez, Cristina e Guerra, Artur, Lisboa: Editorial Teorema, 1994, p 349 13 Ibidem., pp 497/499

12

15

Quando pensamos na obra de Pessoa, qualquer uma das interpretaes (gema ou ovo) faz sentido. Gema poder representar o ente lusada no seu melhor, quer tomado numa acepo de ente primordial, isto , a alma lusitana original, inconsciente e primria, quer num conceito de ente j trabalhado e consciente, que pretende, tal como sugerido atravs da simbologia do ovo, um retorno a essa pureza original. Aps o caos apresentado no final da obra, o que se anuncia ou se incentiva que este novo ente lusada faa surgir uma renovao e uma nova organizao. O que vemos na obra Mensagem tambm o desejo de se recuperar o Portugus grandioso e glorioso de outros tempos e que poder ser o fundador de um novo imprio. Outro estudo, que Pessoa fez do ttulo da sua obra, apresenta-a como a mesa das gemas, partindo do aproveitamento da expresso Mens gemmarum.

ME SA GEMMARUMA palavra mensa poder ser interpretada como mesa, altar ou Ptria. A mesa poder ser igualmente denominada de tbua, ou tvola.

A tbua (mesa), no sentido mais vulgar da palavra, evoca a refeio comunial. o que acontece com a Tvola Redonda dos Cavaleiros do Graal. Devendo receber o Graal no seu centro, a mesa , neste caso, a imagem do centro espiritual. Ela faz lembrar, claro est, os doze apstolos em volta da mesa do Cenculo, mas tambm, pela sua forma, os doze signos do Zodaco.14

Ao pensarmos que mensa poder ser o altar, um outro simbolismo se encontra a ela associado.

Microcosmos e catalizador do sagrado. Para o altar convergem todos os gestos litrgicos, todas as linhas arquitectnicas. O altar reproduz em miniatura o conjunto do templo e do universo. o lugar onde o sagrado se condensa como mximo de intensidade. sobre o altar, ou junto do altar, que se realiza o sacrifcio, isto , o que o torna sagrado. Por isso ele elevado (altum), em relao a tudo o que o rodeia. Rene igualmente em si o simbolismo do centro do mundo: o fulcral da espiral que sugere a espiritualizao progressiva do universo. O altar simboliza o lugar e o instante em que um ser se torna sagrado, onde se realiza uma operao sagrada. 15

14 15

Ibidem., p 626 Ibidem., pp 57/58

16

Ligando estes smbolos obra, possvel pensarmos que a Mensagem uma espcie de altar da Ptria Portuguesa, onde esto expostas as melhores gemas, isto , os melhores portugueses, um lugar onde se assiste elevao do simples ser humano dimenso de heri, num ritual quase sacralizado. De facto, na sua obra, Pessoa no conta uma histria, mas apresenta, como numa galeria de retratos, os vrios heris que foram importantes na Ptria Portuguesa. Ainda a propsito do ttulo, Pessoa aborda um outro caminho, que consiste em interpretar o significado da Mensagem a partir da reorganizao das palavras que compem a expresso meam gens.

M1

E2

A5

M8

G6

E7 3

S4

M

E

S

A

G

E

M

Meam gens poder ser entendido como querendo dizer da minha gente, ou da minha famlia. Poder-se- ver a obra Mensagem como um espao, onde so apresentados os heris da Ptria que Portugal e, por pertencerem todos mesma nao, se poder considerar que so uma famlia nica, a Famlia Portuguesa. Ao deixar, para os vindouros, todos esses documentos sobre a gnese do ttulo da sua obra, Pessoa parece querer oferecer-nos vrias pistas de leitura. No fundo, como vimos, elas no se excluem umas s outras: so complementares e apontam, por isso, numa mesma direco preciso fazer de Mensagem uma leitura transtextual, procurar o seu sentido velado.

17

III A LI GUAGEM DOS MEROS

Um dos aspectos privilegiado neste trabalho o significado oculto dos nmeros. Desde a antiguidade que os nmeros exerceram um fascnio especial sobre o homem:

Tudo comea, de facto, no Egipto. Os Egpcios possuam, indubitavelmente, um Cnone sagrado. O conhecimento profundo desse Cnone e das suas aplicaes ao homem e sociedade, s artes e s tcnicas, ao culto e governao, numa palavra, a toda a gama das actividades e criaes humanas, possibilitou civilizao egpcia, nas palavras de Plato, uma estabilidade que durou mais de dez mil anos. 16

Tudo girava volta dos nmeros e estes tudo condicionavam e explicavam. O homem a quem era dada a possibilidade de atingir o conhecimento dos nmeros e das suas relaes tinha acesso aos princpios divinos que tudo regiam (os objectos e os seres vivos):

Cada deus, cada eter, cada ritmo csmico, cada energia natural, cada princpio vital, numa palavra, cada nume, significava-se por um nmero, em relao directa com o seu nome, e dele decorria o dimensionamento do seu templo, o nmero de versos dos hinos que lhe eram dedicados e todos os ritos e atributos prprios. 17

Os Gregos, que deixaram uma forte herana cultural ao Ocidente, absorveram dos Egpcios estes conhecimentos sobre o valor dos nmeros, bem como os Judeus:

Aos mistrios egpcios foram depois beber os Gregos, de cujo pensamento e de cuja arte se nutriu grandemente o Ocidente medievo e moderno Outros transmissores foram os Judeus, que haviam aprendido, primeiro na Caldeia e depois no Egipto, os valores numerais secretos e que guardam na rvore sefirtica a chave de leitura dos seus livros sagrados e da magia das transmutaes, atravs do estudo da Kabbalah, empreendido no s pelos judeus europeus, mas tambm por filsofos e sbios cristos, e tambm atravs do esoterismo joanita, a tradio judaica marcou igualmente de modo decisivo o Ocidente e a modernidade 18

16 17

Freitas, de Lima, Pintar o Sete, Lisboa: Ed. Imprensa Nacional Casa da Moeda, p. 89 Ibidem., p.90 18 Ibidem., p. 90

18

Atravs do conhecimento dos nmeros, conseguia-se chegar chave da harmonia dos mundos, garantindo a beleza, a euritmia, a perfeio, a justia e a paz.

Filolau, o mais celebre discpulo de Pitgoras afirma que sem o nem conhecido; o essncia. 19

mero nada pode ser pensado mero o

mero ensina-nos tudo o que era desconhecido e incompreensvel; o

inteligvel das coisas, o seu conhecimento o conhecimento do que une todas as manifestaes sua prpria

O neopitagrico Cornlio Agrippa, no livro De Oculta Philosophia, destaca a importncia do nmero, capaz de permitir ao homem alcanar os dons de Deus e dos espritos. Na realidade, tudo depende do nmero. Ele serve para medir o tempo e serve para tudo unir. Ainda na opinio de Lima de Freitas, um grande estudioso moderno do Pitagorismo:

O

mero aspecto do

ume.

ele arde o fogo secreto que une todas as coisas, visveis e invisveis, mero tambm ome: nome impronuncivel, mero preexiste forma e

passadas, presentes e futuras, daqui e de toda a parte. determina-a. 20

indizvel e secreto que a razo no pode inventar mas que inventa a razo o

Igualmente Marie-Louise Von Franz, discpula de Carl Jung, evidencia a importncia dos nmeros como fazendo parte de uma chave capaz de desvendar mistrios que se encontram escondidos, podendo estes ter diversos significados e cita o mestre:

Dans ce contexte je suis toujours tomb sur lnigme du nombre naturel. Jai le sentiment prcis que le nombre est une cl du mystre, puisquil est autant dcouvert quinvent. Il est quantit aussi bien que signification; 21

C. G. Jung via os nmeros como um arqutipo, podendo servir de instrumento da nossa conscincia:

Si lhypothse que la partie inconsciente de la psych possde de une relation spciale avec lunivers des nombre devait se confirmer, cela aiderait comprendre que C.G. Jung ait vu prcisment dans les nombre

19 20

Ibidem., pp 91/92 Ibidem., p. 145 21 Franz, Marie Louise Von, ombre Et Temps, psychologie des profondeurs et physique moderne, Paris: 1998, pp. 32-33

19

naturels llment qui ordonne ensemble le domaine de la psych et celui de la matire, et comment le nombre peut servir dinstrument notre conscience, pour rendre conscients de tels arrangements communs. 22

Como j foi referido na introduo, impossvel ignorar-se a componente esotrica na obra Mensagem, de Fernando Pessoa. Nos ltimos anos, tm-se dado passos no sentido de se fazer um estudo mais aprofundado da obra pessoana e no apenas em superfcie. Na impossibilidade de se tratar todos os elementos que seriam susceptveis de uma abordagem esotrica, optou-se por analisar os nmeros, observando-se determinados aspectos e questes numricas associadas, quer estrutura da obra e dos poemas, quer a alguns heris e aos profetas.

3.1. Estrutura tripartida da obra e subdivisesMensagem uma obra que apresenta grande unidade estrutural, podendo ser vista como um nico e longo poema, no qual o poeta tenta combinar, de modo o mais harmonioso possvel trs gneros literrios diferentes: lrico, dramtico e pico. O livro inicia-se com uma epgrafe em latim Benedictus Dominus Deus oster

Qui Dedit Signum, (Bendito Deus Nosso Senhor Que Nos Deu O Sinal), o que evidencia uma propenso proftica, na qual o poeta o intrprete de uma mensagem divina. No final do livro, encontramos, a seguir ao ltimo verso do ltimo poema, uma exortao rosacruciana (Valete, Frates). O nmero trs ocupa um lugar de relevo na obra Mensagem. Segundo o Dicionrio de Smbolos:

O nmero trs , universalmente, um nmero fundamental. Exprime uma ordem intelectual e espiritual, em Deus, no cosmo ou no homem. () o 3 como nmero, o primeiro nmero mpar, o nmero do Cu, o 2 o nmero da Terra, porque o um anterior sua polarizao. () para os cristos, a perfeio da Unidade divina: Deus Um em trs pessoas. () O tempo triplo: passado, presente e futuro.23

Ibidem., P. 48 Chevalier, Jena e Gheerbrant, Alain, Dicionrio dos Smbolos, Trad. de Rodriguez, Cristina e Guerra, Artur, Lisboa: Editorial Teorema, 1994, pp 654 - 65723

22

20

Lima de Freitas, na sua obra Pintar o Sete, explora a simbologia de alguns nmeros e um deles precisamente o nmero trs:

Porque o Um Absoluto e o Dois Insondvel; o prprio Paraso j um vu ou uma obscuridade sobre essa Luz primeira reflectida no Espelho segundo. S a partir do Trs se entra no Concebvel, sem o que mistrio se dissipe. O Trs a instantnea intimidade do Eu e do Tu, que se revela s (ou oos) O Trs j o Filho:

fio de luz unindo o Ver ao Visto, o Visto Viso, a Viso ao Ver. O Trs Morte e a Ressurreio onde se fixam para todos os tempos do termos agnicos e rejubilantes e tudo o que , foi e ser S o Trs sabe o que o Um e o Dois sem ele no podem saber, ainda que sab-lo seja o privilgio do Um e o milagre do Dois. 24

Marie-Louise Von Franz, referindo-se ao nmero trs, considera-o o centro das simetrias, ritmo e dinamismo, o que lhe permite a formao de parmetros espaciais e temporais, sendo a partir do nmero trs que tudo se desenrola. O nmero trs ento smbolo de um processo dinmico.

Sur le plan purement formel, le trois possde les proprits suivants : il est le premier nombre impair e le premier nombre premier impair, de mme que le premier nombre triangulaire, (le un mis part), cest-dire quil est gal la somme des nombres prcdents commenant par un. Cest un nombre parfait et il est souvent tenu pour le premier nombre nombrant. 25

Nos contos populares e nas histrias mitolgicas, o nmero trs tem um papel fundamental. O heri poder ter que ultrapassar trs obstculos, h trs personagens, etc.

Dans les mythes et les contes, le hros arrive souvent, au course de sa qute, en face de trois situations ou endroits intermdiaires identiques ou analogue (il rencontre trois ermites, trois sorcires, va vers le soleil, la lune et le vent de la nuit etc.) aprs quoi laction dcisive se droule en un quatrime endroit. Ces triades de situations indiquent, ici encore, le droulement dynamique de lvnement. 26

Jos Eduardo Franco e Jos Augusto Mouro, a propsito da influncia de Joaquim de Flora, abade cisterciense do final do sculo XII e incio do sculo XIII, na Europa e, mais concretamente, em Portugal, destacam a importncia do nmero trs, por

Freitas, Lima de, Pintar o Sete, Ensaios sobre Almada egreiros, o Pitagorismo e a Geometria Sagrada, Lisboa: Casa da Moeda, p 146 25 Franz, Marie-Louise Von, ombre Et Temps, psychologie des profondeurs et physique moderne, Paris, 1998, p 115 26 Ibidem., pp 117/ 118

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estar associado s Idades do Mundo, sendo a terceira e ltima a Idade do Esprito Santo, que surge na sequncia das Idades do Pai e do Filho.

sobre este pano de fundo exegtico e histrico que se inscreve a doutrina das Trs Idades do mundo governadas por cada uma das trs Pessoas Divinas, encontrando-se a humanidade nas vsperas da instaurao da terceira idade, a do Esprito Santo, em que estar em vigncia um Quinto Evangelho, o Evangelho Eterno ou Evangelho do Esprito Santo, alimento da Igreja Espiritual. 27

Ainda a propsito do nmero trs, Joaquim de Flora fala da histria da Igreja e da humanidade, destacando a importncia deste nmero j que, para ele, tudo so trades, sendo a mais importante a da Divina Trindade. Refere uma trade dos homens (casados, clrigos e monges), uma trade da doutrina (poca do Antigo Testamento Idade do Pai; poca do Novo Testamento Idade do Filho; poca do Evangelho Eterno Idade do Esprito Santo) e uma trade relativa maneira como os homens vivem (segundo a carne pai; segundo a carne e o esprito filho; segundo o imprio do Esprito) Assim sendo, Joaquim de Flora apresenta um sistema tripartido de trs eras, que seriam antes da Lei, sob a Lei e sob a Graa. A primeira era corresponde criao e foi iniciada pelo Pai. A segunda era inicia-se com a Encarnao do Cristo Messias, o que marca a instituio da Igreja dos nossos dias, pelo que foi iniciada pelo Filho. A terceira era vai levar todos os homens a converterem-se justia de Deus, sendo uma era verdadeiramente espiritual, iniciada pelo Esprito Santo. Trata-se de uma era que ainda est para vir, que pertence a um tempo futuro, pelo que a viso de Joaquim de Flora francamente optimista e assenta na esperana.

Com efeito, uma das utopias de pendor milenarista mais interessante, mais importante e mais influente na histria da cultura ocidental a doutrina proftica das Trs Idades de Joaquim de Flora. 28

Fernando Pessoa era um conhecedor destas doutrinas, como comprovam alguns textos do seu esplio.

Franco, Jos Eduardo e Mouro, Jos Augusto, A Influncia de Joaquim de Flora em Portugal e na Europa, Escritos de atlia Correia sobre a Utopia da Idade Feminina do Esprito Santo, Lisboa: Roma Editores, 2005, p 12 28 Ibidem., 58

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Fazendo um estudo dos nmeros que mais frequentemente surgem na obra Mensagem, facilmente se constata que o trs o nmero mais vezes repetido, aparecendo mais de trinta vezes, ao longo do poema. Uma das ocorrncias do nmero trs, talvez aquela com mais significado, relaciona-se com a estrutura da obra, que apresenta uma diviso em trs partes, pelo que este nmero parece funcionar como a pedra basilar de toda a obra. A primeira parte, a que deu o nome de Braso remete para as ideias de passado e de princpio, porque aquilo a que se assiste, na primeira parte da sua obra, precisamente fundao do grande reino portugus, recordando heris que, no passado, foram importantes para que o Reino de Portugal surgisse, ou seja, so os pais fundadores da nacionalidade portuguesa. O braso que Pessoa apresenta na sua obra uma verso potica do braso de Portugal. Este destaca os seguintes elementos do braso: os seus sete castelos, as suas cinco quinas, a coroa e o timbre. Aos diversos elementos deste braso correspondem vrios heris, por exemplo os sete castelos so representados por sete heris. Pessoa parte dos heris mais longnquos, mas que tiveram um papel fundamental na formao da nacionalidade portuguesa e que deram um grande contributo na moldagem do homem portugus. Comeando com Ulisses, vai referindo heris que fizeram parte de momentos importantes, at chegar ao rei D. Joo II, ao Infante D. Henrique e a Afonso de Albuquerque, figuras que tiveram um contributo na conquista dos mares. Esta primeira parte remete para o elemento Terra, j que maioritariamente os seus poemas falam de heris que se destacaram no papel de fundadores e conquistadores de um espao terrestre, que corresponderia ao territrio continental do Reino de Portugal, no continente europeu. Os heris so os grandes guerreiros. Na ltima subparte (O Timbre), da primeira parte (BRASO), o poeta avana trs heris que sero fundamentais para a segunda parte (MAR PORTUGUS). A subparte final da primeira parte prepara a entrada na segunda parte. Este mesmo mtodo utilizado no final da segunda parte, na qual os dois ltimos poemas (A ltima Nau e Prece) servem de uma espcie de introduo da terceira e ltima parte (O ENCOBERTO). A primeira parte da obra tem por epgrafe Bellum sine bello (Guerra sem guerra). Trata-se da epgrafe que coloca mais dificuldades coloca na sua interpretao, partindo de um oxmoro, ou paradoxo. 23

No passado da histria de Portugal travaram-se batalhas da maior violncia e crueldade. A terra foi regada com sangue e o territrio portugus fundou-se ao som das armas e dos gritos, pelo que temos uma Guerra com Guerra. Uma questo, por isso, se coloca: O que pretende Pessoa com este paradoxo? O que se pretender transmitir s geraes futuras uma mensagem de paz e no de guerra. O passado de Portugal est repleto de episdios sangrentos, da que se pretenda que o seu futuro no seja marcado pela mesma violncia, mas sim pelo domnio do esprito sobre a matria, remetendo claramente para a ltima parte. A segunda parte est associada ideia de presente e de desenvolvimento. Com o Infante D. Henrique, Portugal parte para a aventura da conquista dos mares. Do elemento Terra, passa-se ao elemento gua. Nesta parte, desfilam os heris, que se notabilizaram no domnio dos mares e na construo de um imprio, que passou para l das fronteiras da Europa, espalhando-se pelos vrios continentes. Trata-se de um Portugal Alm-Mar. Os heris so os grandes navegadores. Esta parte tem a epgrafe Possessio maris (Posse do mar). A terceira parte remete para a ideia de futuro, associando-se ao anncio do V Imprio. O que se pretende j no a conquista da Terra, nem a conquista do Mar, mas a conquista do Cu, atendendo ao carcter particular deste ltimo grande imprio da humanidade, que se fundamenta sobretudo no esprito. Este o nico imprio que no tem bases materiais. A matria perecvel; podese conquistar, dominar, possuir e destruir. O esprito eterno; no se pode derrotar, aprisionar, nem destruir, apresentando maior durabilidade. Esta parte tem a epgrafe Pax in excelsis (Paz nas alturas), o que est relacionado com a conquista de um imprio espiritual e, mais uma vez, se pode ligar com a epgrafe da Parte I. No com guerras que este imprio ser alcanado, mas sim com a paz, nico meio capaz de conduzir a uma dimenso superior (alturas). Para ajudar a descodificar o significado de cada uma das partes em que dividiu a sua obra, Pessoa utilizou uma espcie de chave, que so as epgrafes com que abre cada uma das partes.

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3.2. meros presentes na obraNesta parte, sero apresentados os resultados apurados a partir de uma observao da estrutura da obra (subpartes) e da estrutura externa dos poemas (nmero de estncias e de versos). A estes resultados acrescenta-se uma reflexo relativamente ao significado simblico das diversas ocorrncias. A propsito, foi elaborado um esquema com os diferentes nmeros dos diversos heris, que se poder observar no Anexo 2.

3.2.1. Um, princpio e revelaoO primeiro nmero a ser analisado o nmero um, um nmero muito importante e com uma simbologia especial. De acordo com o Dicionrio de Smbolos, j anteriormente citado, um :

Smbolo do homem de p: nico ser vivo a gozar esta faculdade, a ponto de certos antroplogos fazerem da verticalidade um sinal distintivo do homem, ainda mais radical do que a razo. () O Um igualmente o Princpio. o manifestado, dele que emana toda a manifestao e a ele que

ela regressa, esgotada a sua existncia efmera; ele o princpio activo; o criador. O Um o lugar simblico do ser, fonte e fim de todas as coisas, centro csmico e ontolgico. Smbolo do ser, mas tambm da Revelao, que a mediadora para elevar o homem, atravs do conhecimento, a um nvel superior. O Um tambm o centro mstico, de onde erradia o Esprito, como um sol.29

Maria Louise Von Franz explorou igualmente a simbologia do nmero um:

Le un, premier des nombre, est une unit. Mais il est aussi lunit, lUn, le Tout-Un, lUnique, le on-Deux, non plus un nom de nombre, mas une ide philosophique, ou un archtype et un attribut de Dieu, la monade. 30

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Chevalier, Jean e Gheerbrant, Alain, Artur, Dicionrio dos Smbolos, Trad. de Rodriguez, Cristina e Guerra, Artur, Lisboa: Editorial Teorema, Lisboa, 1994, p 668

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Franz, Marie-Louise Von, ombre Et Temps, psychologie des profondeurs et physique moderne, Paris: 1998, p 58

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Este nmero muito pouco usado na obra. Ele aparece oito vezes, na totalidade, em trs tipos de ocorrncias diferentes. usado quatro vezes em estncias monsticas; no primeiro poema (O dos Castelos) da primeira subparte (Os Campos) e no terceiro poema (O Conde D. Henrique) da segunda subparte (Os Castelos), ambos pertencentes primeira parte (BRASO), onde se afirma, respectivamente:

O rosto com que fita Portugal. () Ergueste-a, e fez-se

O verso O rosto com que fita Portugal importantssimo, pela ideia que ele transmite de uma Europa espera, a todo o momento, de que algo de extraordinrio acontea, algo que j estava predestinado e que apenas aguarda o momento certo para se revelar, o que est relacionado com a simbologia do nmero um, que o princpio activo, a revelao e ainda um meio que conduz a um nvel superior. Portugal o rosto da Europa, o que prova a importncia de Portugal na Europa e no mundo.

A cabea, como j foi dito, a parte mais nobre do corpo, e a vista, o mais excelente dos sentidos. Ser Portugal a governar a toda a Europa. Ao servio de Portugal, cabea pensante, estar toda a Europa, como ao servio da cabea esto o tronco e os membros. 31

Quando se imagina que um acontecimento extraordinrio estar para a acontecer, facilmente se conclui que o executor desse acontecimento ter que ser obrigatoriamente Portugal, pela posio que ele ocupa no corpo da Europa. O que aqui se preconiza , na nossa opinio, o futuro e grandioso imprio espiritual, inquestionavelmente da responsabilidade do povo portugus. O verso Ergueste-a, e fez-se est associado ao conde D. Henrique, pai do primeiro rei portugus. O conde D. Henrique surge aqui como o grande agente que ser vital na fundao do reino de Portugal. Ele no um agente activo, nem consciente, uma vez que no foi ele que pegou na espada e que com ela fez surgir um novo reino, mas ele

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Cirurgio, Antnio, O Olhar Esfngico da Mensagem, Lisboa: Ministrio da Educao, 1990, p 46

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um agente passivo e inconsciente, que deu vida quele que, de facto, fundaria Portugal, D. Afonso Henriques, o primeiro rei portugus. Sem o conde D. Henrique, no haveria D. Afonso Henriques e, por consequncia, no haveria Portugal. Na terceira parte (O ENCOBERTO) e terceira subparte (Os Tempos), aparecem novamente estncias monsticas, no primeiro poema (Noite) e no quinto poema (Nevoeiro), que correspondem aos versos:

Mas Deus no d licena que partamos. () a Hora!

O verso Mas Deus no d licena que partamos. vital porque mostra, claramente, que a realizao de qualquer projecto que o homem tenha em mente no depende apenas da sua vontade. O primeiro agente e aquele de que depende tudo Deus. Se Deus no quiser (no der licena), o homem no poder concretizar o seu projecto (no poder partir). O ttulo do poema (Noite) transmite precisamente esta ideia, j que a noite simboliza o fim, a espera. Sem o amanhecer, o projecto no se tornar realidade. Neste poema, temos um homem que quer partir (de acordo com Antnio Cirurgio, o homem que pretende partir Vasco Corte-Real) para procurar os seus dois irmos, que foram para o mar, mas tal intento no autorizado pelo rei:

Tempo foi. em primeiro nem segundo Volveu do fim profundo Do mar ignoto ptria por quem dera O enigma que fizera. Ento o terceiro a El-Rei rogou Licena de os buscar, e El-Rei negou.

Mais frente, no poema, parece que esta busca j no ser pelos dois irmos que partiram, mas uma procura colectiva, no apenas de um homem, j que se passa para a primeira pessoa do plural. Parece tratar-se de um povo que procura a identidade que perdeu, pedindo a Deus permisso para ir sua procura, pedido recusado por Deus:

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Senhor, os dois irmos do nosso ome O Poder e o Renome Ambos se foram pelo mar da idade tua eternidade; () Queremos ir busc-los, desta vil ossa priso servil: a busca de quem somos, na distncia De ns; e, em febre de nsia, A Deus as mos alamos.

Tambm o imprio espiritual s surgir na terra, depois de Deus assim o desejar e quanto este autorizar. Por enquanto, ainda no a hora do seu surgimento. O verso a Hora! parece anunciar a chegada do momento to desejado, aquele momento em que, finalmente, o imprio espiritual tomar forma. Estes quatro versos monsticos parecem estar, curiosamente, relacionados uns com os outros e apresentar uma determinada ordem lgica. Primeiro, necessrio surgir a ideia, o sonho, o rosto que fita, o que pertence ao domnio do pensamento, da idealizao. Em seguida, necessrio que surja um elemento activo, que torne real esse sonho, a espada que se ergue. Havendo o sonho e um agente activo, ambos dependem da vontade divina. Deus tem de dar licena. Finalmente, necessrio que se aguarde o tempo certo, preciso que chegue a hora. Somente uma subparte composta por um poema apenas. Trata-se da V subparte (A Coroa), da primeira parte (BRASO), dedicada ao Nuno lvares Pereira, nico heri a merecer esta distino. Embora no sendo de sangue real, lvares Pereira foi o grande responsvel pela subida ao trono de D. Joo I; provavelmente, por esta razo, -lhe dedicado o poema que, curiosamente, tem o ttulo de A Coroa. de salientar que Nuno lvares Pereira o nico heri que , em simultneo, guerreiro e santo, unindo os opostos. H ainda trs poemas compostos por uma estncia apenas; os poemas O Infante D. Henrique e Afonso de Albuquerque, ambos na V subparte (O Timbre), da primeira parte (BRASO) e o poema Epitfio de Bartolomeu Dias, V poema da segunda parte (MAR PORTUGUS).

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No que diz respeito ao Infante D. Henrique e de Afonso de Albuquerque, mais frente, no ponto O nmero dos heris, ser explorada a ideia de que estes esto associados a um nmero simblico. J em relao a Bartolomeu Dias, o nmero um, associado s ideias de princpio e revelao, mostra como Bartolomeu Dias desempenhou um papel de destaque nos descobrimentos. Ele foi aquele que dobrou o Cabo das Tormentas, mais tarde designado de Cabo da Boa Esperana. Durante anos, este cabo apavorou e encheu o imaginrio do povo, chegando-se a pensar que este jamais seria ultrapassado. A dobragem do cabo deu novo nimo s descobertas martimas, provando ao marinheiro portugus que, afinal, era possvel enfrentar-se o mar e ter sucesso. Numa viagem posterior, o cabo que deu fama a Bartolomeu Dias acolheu o seu corpo, depois de um naufrgio de que resultou a morte de Bartolomeu Dias, dai no poema se usar a expresso epitfio. No poema Epitfio de Bartolomeu Dias afirma-se:

Jaz aqui, na praia extrema, O Capito do Fim. Dobrado o Assombro, O mar o mesmo: j ningum o tema!

3.2.2. Dois, a ambivalncia

Smbolo de oposio, de conflito, de reflexo, este nmero indica o equilbrio realizado ou de ameaas latentes. o nmero de todas as ambivalncias e desdobramentos. a primeira e mais radical das divises ( o criador e a criatura, o preto e o branco, o masculino e feminino, a matria e o esprito, etc.) aquela de que derivam todas as outras. E entre as suas temveis ambivalncias, est o tanto poder ser germe de uma evoluo criadora como de uma involuo desastrosa. 32

Chevalier, Jean e Gheerbrant, Alain, Dicionrio dos Smbolos, trad. De Rodriguez , Cristina e Guerra, Artur, Lisboa : Editorial Teorema, 1994, p 270

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Marie-Louise Von Franz refere o facto do nmero dois ser o primeiro nmero par, podendo multiplicar-se e dividir-se a si mesmo, sendo o nico nmero cuja adio e multiplicao por si mesmo d exactamente o mesmo resultado.

Considr comme rythme de mouvement, le deux peut tre vu comme une rptions, une oscillation ou une pulsation, formant la base de notre perception du temps (mais non encore celle-ci), et constitue vraisemblablement lide du rapport entre le nombre et le temps, qui na cess dtre postule dans le pass. 33

Em Mensagem, o nmero dois aparece dezoito vezes. H apenas uma subparte composta por dois poemas, intitulada Os Campos e que a primeira subparte, da primeira parte (O BRASO). Observando atentamente esta subparte, verificamos que ela tem a ver com a fundao de Portugal. O primeiro poema desta subparte (O dos Castelos) ser desenvolvido na subparte II (OS CASTELOS), que apresenta sete poemas, numa clara referncia aos sete castelos conquistados aos Mouros e que fazem parte do braso de Portugal. Temos aqui aluses aos feitos blicos, que conduziram formao inicial do territrio portugus, pelo que podemos afirmar que tem a ver com a matria/ terra. O segundo poema desta subparte (O das Quinas) ser desenvolvido na subparte III (AS QUINAS), que apresenta cinco poemas, referindo cinco mrtires que se associam, mais uma vez, ao braso portugus. No temos aqui heris que pegaram na espada para lutarem, mas mrtires que foram sacrificados, podendo-se afirmar que esta subparte remete para o esprito. Uma vez que o nmero dois um nmero ambivalente, podendo dar lugar a uma evoluo, ou a uma involuo e estando estes poemas associados ao incio, podemos concluir que todo o incio incerto, nunca se sabendo, partida, o resultado final. Neste caso, o dois acabou por ser sinnimo de uma evoluo, visto ter surgido um reino que desempenhou funes vitais no mundo, como mostra a segunda parte da obra, mas cuja misso no mundo ainda no se esgotou. Diz Antnio Cirurgio:Em certo sentido, poder-se-ia dizer que o campo dos castelos, sede dos fundadores da ptria,

Franz, Marie-Louise Von, ombre Et Temps, psychologie des profondeurs et physique moderne, Paris: 1998, p 108

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corresponde vida activa, e o campo das quinas, sede dos mrtires, corresponde vida contemplativa. 34

Esta evoluo s foi possvel pela harmonizao entre a parte material (Castelos - conquistadores) e a parte espiritual (Quinas - mrtires). Encontramos quinze poemas compostos por duas estncias. Na primeira parte (BRASO), temos os seguintes poemas: D Afonso Henriques, D Dinis e D. Filipa de Lencastre (V, VI e VII poemas da II subparte Os Castelos), D Duarte, Rei de Portugal, D. Pedro, Regente de Portugal, D. Joo, Infante de Portugal e D. Sebastio, Rei de Portugal (I, III, IV e V poemas, da III subparte - As Quinas), D. Joo o Segundo (Uma asa do grifo- II poema da V subparte - O Timbre). Na segunda parte (MAR Portugus), esto os poemas: Os Colombos (VI poema), Ascenso de Vasco da Gama (poema IX) e Mar Portugus (X poema). Na terceira parte (O ENCOBERTO), encontram-se os poemas: D. Sebastio (I poema da I subparte Os Smbolos), O Bandarra (I poema da II subparte Os Avisos), Tormenta e Antemanh (II poema e IV poemas da III subparte - Os Tempos). Na primeira subparte, verifica-se que a quase totalidade dos poemas referente a reis portugueses, exceptuando-se o poema D. Joo, Infante de Portugal. Mais uma vez, a ambivalncia do nmero dois poder ser aqui observada. Em cada reinado iniciado, poder-se- assistir a uma evoluo criadora, como nos reinados, por exemplo, de D. Afonso Henriques, D. Dinis, D. Joo II, etc., ou a uma involuo desastrosa, como o caso do reinado de D. Sebastio. Na segunda parte, j no encontramos reis, mas figuras que foram importantes para o desbravamento dos mares, como o caso de Cristvo Colombo e de Vasco da Gama. De destacar que no se fala em Cristvo Colombo, mas em Colombos. Em primeiro lugar, Colombo um dos poucos heris presentes nesta obra de Pessoa (h dois, Ulisses e Colombo) que no ser portugus, mas um estrangeiro. No entanto, sobre Colombo, tm-se colocado dvidas sobre a sua verdadeira nacionalidade, no havendo consenso entre os vrios estudiosos. Se partirmos do princpio de que Colombo era um estrangeiro, interrogamo-nos sobre a razo que ter levado Pessoa a coloc-lo numa obra nacionalista. Talvez pretendesse mostrar que os portugueses foram

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Cirurgio, Antnio, O Olhar Esfngico da Mensagem, Lisboa: Ministrio da Educao, 1990, p 38

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os primeiros a partir para a aventura martima, mas os seus passos foram seguidos por outros povos europeus. O que est aqui em causa no um heri individual, mas o que este heri simboliza: nada mais, nada menos que todos aqueles (portugueses ou no) que, inspirados pelos feitos portugueses, se lanaram no mesmo sonho da conquista dos mares. O povo portugus no apenas o agente activo, mas a fonte de inspirao, o modelo a ser imitado por outros povos. Pode-se, novamente, ver a ambivalncia do nmero dois, uma vez que no se pode adivinhar o resultado destas aventuras martimas, podendo os seus resultados ser totalmente opostos. O mesmo conceito se aplica ao caso de Vasco da Gama, cuja viagem se iniciou com algumas certezas mas, sobretudo, com muitas dvidas. O poema Mar Portugus apresenta o mar como ambivalente: ele o abismo, ele o lugar da perdio, onde muitos marinheiros perderam a vida, mas igualmente o lugar da glorificao e da elevao, onde muitos ganharam honra e fama:

Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele que espelhou o cu.

H apenas um estncia composta por dois versos (dstico), que a terceira estncia do primeiro poema que abre a obra:

Fita, com olharsfngico e fatal,O Ocidente, futuro do passado.

Comeando na primeira palavra com que se inicia (fita), o verbo fitar indica um olhar mais fixo, mais atento e mais profundo. Trata-se de um olhar enigmtico e misterioso. Esta ideia reforada pela utilizao do nome olhar, que est adjectivado com as palavras sfngico e fatal. O adjectivo fatal leva a pensar-se tambm num destino a ser cumprido. H uma aurola de transcendncia envolvendo esta imagem da esfinge. A esfinge e o olhar fixo denotam passividade, mas uma passividade apenas fsica, em contraste com uma actividade frtil ao nvel da espiritualidade. Temos a sensao de que a esfinge se encontra numa espcie de viglia, detentora de um mistrio que est apenas espera que chegue o momento oportuno para

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ser revelado. Esse momento no se sabe quando chegar, mas tem-se a certeza de que h-de chegar. Ao mesmo tempo, a esfinge parece simbolizar toda a Europa, com Portugal na cabea, olhando para o Ocidente. Pessoa apresenta a Europa humanizada, transfigurada numa esfinge, que se encontra deitada, numa posio de repouso, como algum que est numa espera longa, numa espcie de morte aparente, ou num estado de vida latente, at porque o verbo utilizado jazer. No ocidente est o oceano Atlntico, o que nos pode levar a pensar que a esfinge olha atentamente para o passado do povo portugus, relacionado com a conquista dos mares. Claro que, quando os Portugueses iniciaram as viagens martimas, o que eles queriam no era ir para o ocidente, mas sim para o oriente, no entanto, para chegarem ao oriente tinham primeiro que rumar para o ocidente. Enigmaticamente, este ocidente o futuro do passado, o que poder querer dizer que a misso do povo portugus no se esgotou no passado, havendo ainda uma outra misso a cumprir-se no futuro. Indo mais longe, pode-se ainda pensar que Oriente e Ocidente podero estar usados num outro sentido, que no o geogrfico. De acordo com muitas tradies:

Ocidente e Oriente podem ter um sentido no geogrfico, mas sim metafsico e espiritual. Por oposio ao oriente espiritual, o Ocidente o mundo das trevas, do materialismo, da imoralidade, da decadncia e da decomposio. 35

Noutra acepo, Ocidente poder estar relacionado com a ltima parte da obra de Pessoa, onde nos apresentado um Portugal deriva, mergulhado numa imensa escurido, decadente e quase moribundo, mas vivendo na esperana de um novo ressurgimento, mais glorioso e brilhante que nunca. Mais uma vez, para se chegar ao Oriente se tem que passar pelo ocidente; para se atingir a espiritualidade e a transcendentalidade, necessrio experimentar o materialismo e a decadncia. Pode-se ver aqui o to anunciado imprio espiritual. Novamente, nesta dualidade, podemos encontrar a ambivalncia do nmero dois.Chevalier, Jean e Gheerbrant, Alain, Dicionrio dos Smbolos, trad. De Rodriguez , Cristina e Guerra, Artur, Lisboa : Editorial Teorema, 1994, pp 491/49235

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3.2.3. Trs, a perfeio divina

O nmero trs, que j foi tratado no que diz respeito estrutura tripartida da obra, , provavelmente, o nmero mais vezes repetido, sendo usado em ocorrncias diversificadas. Ainda no que diz respeito estrutura externa, h duas subpartes, que apresentam trs poemas. So elas a quinta subparte (O Timbre), da primeira parte (BRASO) e a segunda subparte (Os Avisos), da terceira parte (O ENCOBERTO). O nmero trs tambm se observa em relao ao nmero de poemas que so constitudos por trs estncias, num total de dezoito poemas, que so os seguintes: O das Quinas (Parte I, subparte I, 2 poema), Ulisses, Viriato, O Conde D. Henrique, D. Joo o Primeiro (Parte I, subparte II, 1, 2, 3 e 7 poemas), D Fernando, Infante de Portugal (Parte I, subparte III, 2 poema), Nunlvares Pereira (Parte I, subparte IV, 1 poema nico), O Infante, Horizonte, O Mostrengo, Ocidente, Prece (parte II, 1, 2, 4, 7 e 12 poemas), O Desejado, As Ilhas Afortunadas, O Encoberto (Parte III, subparte I, 3, 4 e 5 poemas), Antnio Vieira (Parte III, subparte II, 2 poema), Calma e Nevoeiro (Parte III, subparte III, 3 e 5 poemas). H apenas um poema composto exclusivamente por tercetos, que o poema D. Duarte, Rei de Portugal. Aparecem duas situaes em que se encontram poemas com estncias com variado nmero de versos, sendo uma delas um terceto. So os casos dos poemas O Conde D. Henrique e Ascenso de Vasco da Gama. H a salientar a existncia de estncias com seis e nove versos, que so mltiplos de trs. A este propsito, destaca-se o poema O Mostrengo, composto de trs nonas (igual a trs vezes trs) e os seus versos so hexasslabos (tm seis slabas mtricas, que tambm um mltiplo de trs 6 = 3 +3, ou 3 x 2), mas onde o nmero trs tambm usado ao nvel da estrutura interna do poemas: - O mostrengo fala trs vezes; - O homem do leme fala trs vezes; - A roda da nau voou trs vezes;

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- O mostrengo rodou trs vezes; - O homem do leme ergueu as mos trs vezes; - O homem do leme repreendeu o leme trs vezes; - O homem do leme tremeu trs vezes; - O ltimo verso de cada estrofe repetido trs vezes (El-Rei D. Joo Segundo!); H ainda a salientar o facto deste poema se situar a meio da obra, tendo antes vinte e um poemas e depois, vinte e um poemas. Se no nmero vinte e um adicionarmos o nmero dois ao nmero um (21 --- 2+1= 3), obtemos precisamente o nmero trs, o que nos parece revestir-se de grande importncia. O mostrengo est no meio do poema, simbolizando todos os obstculos que os portugueses tiveram de enfrentar na sua conquista dos mares mas, como o povo costuma dizer, terceira de vez, isto , o trs parece marcar o fim do domnio do mostrengo nos mares, que ser dado aos portugueses. As sucessivas repeties do nmero trs, no poema Mostrengo parecem marcar o final de um ciclo e o incio de outro. Era certo que uma mudana na ordem das coisas fosse surgir: era inevitvel que o mostrengo fosse derrotado e os portugueses prosseguissem a sua viagem rumo ndia. Curiosamente, este mostrengo no desaparece definitivamente da obra, como acontece em Os Lusadas, de Lus de Cames. Ele regressa no penltimo poema da obra (Antemanh) para recordar ao povo portugus como ele j foi capaz de realizar grandes feitos e para o incentivar a repetir esses momentos de glria e, mais uma vez ele fala num terceiro mundo a ser desvendado pelo povo portugus:

Quem que dorme a lembrar Que desvendou o Segundo Mundo, em o Terceiro quer desvendar?

quase como uma espcie de voz da conscincia, que pretende acordar o esprito adormecido do portugus das descobertas para voltar a engrandecer-se. H outras ocorrncias do nmero trs que podero apresentar aspectos interessantes. A quinta subparte (O Timbre), da primeira parte (BRASO), apresenta trs poemas, que so: A Cabea do Grifo (que o Infante D. Henrique), Uma Asa do Grifo (que D. Joo o Segundo) e A Outra Asa do Grifo (que Afonso de

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Albuquerque). Temos aqui uma trindade quase mgica e que foi de primordial importncia na construo do grande imprio martimo. Esta trindade surge coesa e indivisvel na forma de um grifo, figura mitolgica:

Ave fabulosa com bico e asas de guia e corpo de leo. () a realidade, participa tambm da terra e do cu. O que o torna um smbolo das duas naturezas humana e divina, de Cristo. Evoca igualmente a dupla qualidade divina de fora e de sabedoria. Se compararmos a simbologia prpria da guia com a do leo, podemos dizer que o grifo liga o poder terrestre do leo energia celeste da guia. Inscreve-se, assim, na simbologia geral das foras de salvao. 36

Uma situao interessante que se pode constatar atravs de uma observao mais atenta a seguinte: sempre que na sua obra, Pessoa apresenta subpartes com mais do que um poema, estes so numerados (exemplo: primeiro, segundo, etc., ou primeira, segunda, etc.) mas, neste caso, em que temos trs poemas numa subparte, no h qualquer numerao, o que d mais fora ideia de uma trindade indivisvel. A simbologia do nmero trs, nestes trs poemas, est associada simbologia dos nmeros um (os poemas O Infante D. Henrique e Afonso de Albuquerque tm uma estrofe), dois (o poema D. Joo o Segundo tem duas estrofes), quatro (o poema D. Joo o Segundo tem duas quadras), cinco (os trs poemas encontram-se na V subparte e o poema O Infante D. Henrique tem uma estrofe de cinco versos) e dez (o poema Afonso de Albuquerque tem uma estrofe de dez versos). Os nmeros quatro e cinco sero tratados nos pontos 3.2.4. e 3.2.5. No que se refere ao nmero dez e ao valor simblico do grifo, a questo retomada no ponto 3.2.8 A segunda subparte (Os Avisos) apresenta tambm trs poemas, que so os seguintes: O Bandarra, Antnio Vieira e Screvo meu livro beira-mgoa. Nesta situao, temos trs profetas, que so os arautos, escolhidos divinamente para serem os grandes responsveis da divulgao da grande nova. Eles (os profetas) so trs, pelo que os avisos que eles fazem so tambm trs. Os trs profetas sero alvo de uma ateno especial na parte V do trabalho (Os Nmeros dos Profetas).

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Ibidem, p 358

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3.2.4. Quatro, a totalidadeOs significados simblicos do quatro esto ligados ao do quadrado e da cruz. Desde pocas prximas da pr-histria que o 4 foi utilizado para significar o slido, o tangvel, o sensvel. A sua relao com a cruz fazia dele um smbolo incomparvel de plenitude, e universalidade, um smbolo totalizador. () O quatro simboliza o terrestre, a totalidade do criado e do revelado. Esta totalidade do criado ao mesmo tempo a totalidade do perecvel. () a Bblia, e principalmente no Apolcalipse, este nmero sugere tambm a ideia de universalidade. 37

Marie Louise Von Franz recorda que os Maias e os Incas, na antiguidade prcrist, seguiam uma orientao quartenria, que dominava todos os modelos do universo e as representaes divinas. Na Idade Mdia, com o reforo do cristianismo que implanta uma doutrina da Trindade (trs), o nmero quatro perdeu o seu valor, embora se tivesse mantido ainda, como, por exemplo, nos quatro elementos primordiais (fogo, terra, ar e gua).

Considr sue le plan formel, le quatre est le premier nombre non premier de la srie, le premier nombre carr et la premire puissance numrique. Il reprsente la somme des deux premiers nombres triangulaires (1+3). () Dans la gomtrie euclidienne quatre points engendrent les premiers corps trois dimensions Le quatre signifie par consquent comme Kerl Menninger la soulign une forme particulire de nombre.limite De mme, dans toutes les langues, les numraux jusqu quatre sont tymologiquement forms comme des adjectifs, mais jamais au-dessus. 38

Na obra de Pessoa, o nmero quatro aparece vinte e seis vezes. Encontramos cinco poemas compostos por quatro estncias: O dos Castelos(I poema da I subparte - Os Campos, da I parte - BRASO), D. Tareja (IV poema da II subparte - Os Castelos, da I parte - BRASO), Padro, Ferno de Magalhese a ltima Nau (III, VIII e XI poemas da segunda parte MAR PORTUGUS). H vinte e um poemas, que so compostos exclusivamente por quadras: O das Quinas, Viriato, D. Tareja, D. Afonso Henriques, D. Joo o Primeiro, D. Filipa de Lencastre, D. Joo, Infante de Portugal, Nunlvares Pereira, D. Joo o Segundo, O Infante, Padro, Epitfio de Bartolomeu Dias, Ocidente, Prece, D. Sebastio, O Desejado, O Encoberto, O Bandarra, Antnio Vieira, Screveo meu livro beira-mgoa e Tormenta.Ibidem, pp 554/556 Franz, Marie-Louise Von, ombre Et Temps, psychologie des profondeurs et physique moderne, Paris: 1998, pp 124/ 12538 37

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Uma das interpretaes que nos parece possvel aquela que se prende com o facto do nmero quatro poder remeter para a totalidade e para a revelao, por um lado, mas tambm para o perecvel, por outro. Os poemas acima referidos apresentam heris, ou situaes em que qualquer um destes resultados ter ocorrido (totalidade/ revelao: D. Afonso Henriques, Nuno lvares Pereira, D. Joo II) perecvel: (D Teresa, D. Sebastio); poder ainda ocorrer a totalidade e/ou o perecvel, embora pendendo para a totalidade: O Encoberto. Por outro lado, podendo o nmero quatro estar relacionado com a cruz, isto remeter para o divino. Toda a obra de construo do povo portugus, seja a conquista da terra, a conquista do mar e, futuramente, a conquista do cu, dependeu e depender da vontade de Deus, estando estes numa misso sagrada. Quando os portugueses fundaram o reino de Portugal e alargaram o seu territrio terreno, uma das motivaes foi conquistar as terras aos infiis e levar a palavra de Deus. A cruz estava presente nos escudos e nas bandeiras, quando os portugueses partiam para a batalha. O mesmo se passou no que diz respeito conquista do mar. Os portugueses partiram com a inteno de levar (tambm) a palavra de Deus (evangelizar) aos quatro cantos do Mundo. A mesma motivao se poder encontrar na conquista dos cus, agora ainda com mais relevncia, j que esta conquista ter que ser exclusivamente espiritual.

3.2.5. Cinco, unio e harmoniaO nmero 5 vai buscar o seu simbolismo ao facto de, por um lado, ser a soma do primeiro nmero par e do primeiro nmero mpar (2+3); e, por outro lado, ser o meio dos nove primeiros nmeros. sinal de unio, nmero nupcial, () nmero tambm do centro, da harmonia e do equilbrio. Ser, portanto, o nmero das hierogamias, o casamento do princpio celeste (3) e do princpio terrestre da me (2). ainda o smbolo do homem (braos afastados, o homem aparece disposto em cinco partes em forma de cruz: os dois braos, o tronco, o centro abrigo do corao , a cabea, as duas pernas) Smbolo igualmente do universo: dois eixos, um vertical e o outro horizontal, passando por um mesmo centro; smbolo da ordem e da perfeio; finalmente, smbolo da vontade divina que s pode desejar a ordem e a perfeio. Representa tambm os cinco sentidos e as cinco formas sensveis da matria: a totalidade do mundo sensvel.39

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Chevalier, Jean e Gheerbrant, Alain, Dicionrio de Smbolos, Trad. De Rodriguez, Cristina e Guerra, Artur, Lisboa: Editorial Teorema, 1994, p 196

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Para Marie-Louise Von Franz o nmero cinco representa o centro da terra:.

Parmi les lments, le cinq reprsente la terre qui porte et centre toutes choses au milieu du fondement de ltre. La couleur jaune attribue ce centre-terre caractrise galement celui-ci comme principe spirituel Cest le centre des structures quartenaires de mandalas. Lun primordial devenu manifeste et son action progressive dorganisation sur la hirarchie numrique sont galement reconnaissables dans le nombre cinquante comme symbole de la grande expansion. 40

O nmero cinco usado em situaes igualmente diferentes, aparecendo dez vezes e tendo, tal como o nmero trs, uma importncia vital na obra. H trs subpartes, que so compostas por cinco poemas: a subparte III (As Quinas) da primeira parte (BRASO) e as subpartes I (Os Smbolos) e III (Os Tempos) da terceira parte (O ENCOBERTO). O facto da subparte III (As Quinas) da primeira parte (BRASO) ser constituda por cinco poemas relaciona-se com o ttulo da subparte, uma vez que as quinas so as cinco chagas de Cristo, sendo aqui apresentados cinco mrtires da ptria portuguesa, curiosamente todos eles pertencentes Dinastia de Avis. Estes mrtires encontram-se distribudos da seguinte maneira: dois reis nos extremos - D. Duarte e D. Sebastio - (1 e 5 poemas), um regente no meio D. Pedro - (3 poema) e dois infantes entre os reis e o regente D. Fernando e D. Joo (2 e 4 poemas). Destes cinco mrtires, apenas um (D. Pedro) no sofreu, nem morreu no norte de frica, vtima da Guerra Santa. Esta subparte surge na sequncia da subparte anterior, que apresenta os sete castelos conquistados aos reis mouros. Depois da conquista fsica, material, terrena, vem a conquista espiritual, que ir completar o ciclo, apresentando ento a unio do terreno, material, (castelos) com o espiritual, celestial (mrtires), que conduz perfeio. Em relao parte III (O ENCOBERTO), h duas subpartes que tm cinco poemas, a primeira e a ltima. A primeira subparte explora cinco smbolos, que comprovam a vinda do Encoberto, estando eles numa determinada ordem: comea-se por D. Sebastio, que encarna o mito do messianismo; em segundo lugar, passa-se para o anncio do V imprio; em terceiro lugar, exprime-se o desejo da vinda de um salvador, de um novo40

Franz, Marie-Louise Von, ombre Et Temps, psychologie des profondeurs et physique moderne, Paris: 1998, p 133

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Galaaz e a esperana de que, com ele, se concretize o V Imprio; em quarto lugar, referem-se as ilhas onde repousar o rei do imprio anunciado e que apenas espera que chegue o tempo certo para se revelar e, em quinto lugar, fala-se do Encoberto. O nmero cinco parece anunciar a vinda do Encoberto, que espera apenas a vontade divina para se dar a conhecer ao mundo, uma vez que ele pode simbolizar a perfeio e a unio entre o princpio terrestre e o princpio celeste, o casamento entre a terra e o cu. O que se vai ver mais frente no trabalho, a propsito do V Imprio, que este ter caractersticas de um imprio terreno, mas com uma componente espiritual muito forte. A terceira subparte apresenta igualmente cinco poemas, tambm estes numa determinada ordem. Inicia-se com a noite, que o momento do dia associado escurido, ao abismo, ao caos.

A noite simboliza o tempo das gestaes, das germinaes, das conspiraes, que desabrocharo em pleno dia como manifestao de vida. rica em todas as virtualidades da existncia. () Como qualquer smbolo, a noite apresenta um duplo aspecto: o das trevas onde fermenta o futuro, e o da preparao do dia, donde desabrochar a luz do dia. 41

Curiosamente, este o poema mais longo da obra, o que talvez possa indiciar um longo tempo de espera, sculos e sculos aguardando pela chegada do Desejado, uma espcie de noite interminvel, que parece no ter um amanhecer. No entanto, esta noite prepara o futuro (dia). Pode-se associar ideia de fermentao, de germinao, de preparao do novo dia que, inevitavelmente, fatalmente surgir. Em seguida, surge a tormenta, que mais parece ser uma tormenta de carcter espiritual do que uma tormenta tomada no seu sentido denotativo. Tradicionalmente, a tormenta pode evocar a glria e a fora divinas. A tormenta desenvolve uma aco criadora j que, depois do caos provocado pela tormenta, se assiste bonana e ao ressurgimento da vida. No poema Tormenta, o sujeito potico dialoga com Portugal, que foi atirado para o abismo e est espera de ressuscitar:

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Chevalier, Jean e Gheerbrant, Alain,ra, Artur, Dicionrio de Smbolos, Trad. de Rodriguez, Cristina e Guerra, Lisboa: Editorial Teorema, 1994, pp 473/ 474

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Que jaz no abismo sob o mar que se ergue? s, Portugal, o poder ser.

Esta ressurreio adivinhada na tormenta que violentamente surge no mar, quando aparece um relmpago. Este relmpago, manifestao divina, faz adivinhar o renascimento de Portugal, ou ento o nascimento do V Imprio. A violncia e o caos daro lugar criao de uma nova obra. No poema Tormenta, o sujeito potico afirma:

Isto, e o mistrio de que a noite o fausto Mas sbito, onde o vento ruge, O relmpago, farol de Deus, um hausto Brilha, e o mar scuro struge.

Nestes versos fala-se de uma espcie de fria divina (farol de Deus), que tem um efeito devastador (onde o vento ruge e o mar scuro struge) mas, ao mesmo tempo traz uma nsia pela luz e pela claridade (Um hausto/ Brilha) Em terceiro lugar, aparece a calma. Costuma-se dizer que, depois da tempestade, vem a bonana. No poema Calma o sujeito potico interroga-se:

O que que as ondas encontram E nunca se v surgindo? Este som de o mar praiar Onde que est existindo?

A calma deveria anunciar o fim da noite e o surgimento de um novo dia, um renascimento, uma renovao. Tal facto deveria querer dizer que a noite estaria prestes a terminar e, com ela, o perodo de trevas, que iria dar origem a uma idade de luz e de plenitude. Contrariamente ao que seria de esperar, a noite no d lugar manh, mas antemanh. De qualquer maneira, temos a certeza de que esse momento est para breve, porque, depois da antemanh, s poder surgir a manh. A noo de breve no se pode, no entanto, medir da mesma maneira como se mede o tempo na nossa concepo habitual do que um tempo breve. Este breve um tempo anunciado, que para o ser humano poder ser longo mas que, numa idade divina, poder no passar de uma nfima poro de tempo.

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No poema Antemanh, o sujeito potico coloca o mostrengo a incentivar os portugueses:O mostrengo que est no fim do mar Veio das trevas a procurar A madrugada do novo dia, Do novo dia sem acabar; E disse, Quem que dorme a lembrar Que desvendou o Segundo Mundo, em o Terceiro quer desvendar?

No ltimo poema, denominado Nevoeiro, parece que estamos j nessa manh to desejada, uma vez que se dizia que D. Sebastio regressaria numa manh de nevoeiro. O nevoeiro como o preldio das revelaes importantes: o momento em que as formas antigas no foram substitudas por novas, pelo que pode perspectivar uma evoluo. Sendo o nevoeiro um smbolo de que uma revelao importante est iminente, este poema sugere que o tempo dessa manifestao divina e de uma nova fase chegou, ou est muito prximo: falta apenas que o nevoeiro se dissipe e o Encoberto seja dado ao mundo, da que o sujeito potico proclame que:

a Hora!

H cinco poemas constitudos por estncias que so, exclusivamente, quintilhas: Ulisses, primeiro poema e D Dinis, sexto poema, ambos da segunda subparte (Os Castelos); D. Fernando, Infante de Portugal (segundo poema) e D. Sebastio, Rei de Portugal, (quinto poema) ambos na terceira subparte (As Quinas), da primeira parte (BRASO); O Quinto Imprio segundo poema, da primeira subparte (Os Smbolos) da terceira parte (O ENCOBERTO). Destes cinco poemas compostos exclusivamente por quintilhas, os quatro primeiros referem-se a heris e o quinto ao V Imprio. Comeando com Ulisses, logo se destaca a importncia do mito (O mito o nada que tudo). Ulisses o primeiro mito que apresentado na obra, sendo ele o primeiro grande responsvel pela alma portuguesa e pelo destino do povo portugus. Com Ulisses comea-se a falar da importncia do mito sobre a matria. A importncia do mito ser aprofundada no ponto 4.1. (Ulisses).

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O segundo heri, D. Dinis, um rei emblemtico, pelo que ele representou na sua poca (contributo dado no desenvolvimento das letras e dos estudos universitrios escreve um seu Cantar de Amigo) e pela importncia que teve nos tempos que se seguiram (involuntariamente, deu um grande impulso aos descobrimentos, mandando plantar o pinhal de Leiria, de onde, mais tarde, teria sido extrada a madeira com que se construram as naus, que sulcaram os oceanos - O plantador de naus a haver, ). O terceiro heri D. Fernando, sendo apresentado com o prottipo do cavaleiro de Cristo, destinado por Deus a usar a sua espada para servir os Seus desgnios e a por Ele ser sacrificado. Em quarto lugar aparece D. Sebastio, smbolo da loucura desejvel e do inconformismo prprio dos grandes sonhadores. Para fechar, temos o V Imprio, que se apresenta como um corolrio dos quatro heris apresentados, todos eles apresentando o carcter emblemtico e tpico do heri capaz de contribuir para a fundao deste V Imprio. Encontram-se na obra dois poemas, que so constitudos por cinco estncias, todos eles na terceira parte (O ENCOBERTO): O Quinto Imprio (segundo poema da primeira subparte (Os Smbolos) e Screvo meu livro beira-mgoa ( terceiro poema da segunda subparte (Os Avisos). O poema O Quinto Imprio o que mais explora o nmero cinco: ele aparece no ttulo do poema (V), no nmero de estncias (5 estncias), no nmero de versos por estncia (5 versos quintilhas) e nos imprios apresentados (5 imprios). bvio que o nmero cinco est directamente associado com o V Imprio, ltimo grande imprio da humanidade, espiritual, perfeito, divino e indestrutvel.

3.2.6. Seis, a perfeio em potnciaPara Allency, citado no Dicionrio de Smbolos:o senrio marca essencialmente a oposio da criatura ao Criador num equilbrio indefinido. () Pode pender para o bem, mas tambm para o mal, para a unio a Deus, mas tambm para a revolta. o nmero dos dons recprocos e dos antagonismos, o do destino mstico. uma perfeio em potncia. () Mas esta perfeio virtual pode abortar e esse risco faz do 6 o nmero da prova entre o bem e o mal. () Segundo a anlise dos contos de fadas, o seis o homem fsico sem o seu elemento salvador, sem essa parte de si prprio que lhe permite entrar em contacto com o divino. ()

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O nmero seis , ainda, o do Hexmero bblico: o nmero da criao, o nmero mediador entre o Princpio e a manifestao. 42

O nmero seis usado sete vezes na obra. H seis poemas compostos apenas por estncias com seis versos (sextilhas), sendo eles: D. Pedro, Regente de Portugal, (terceiro poema da terceira subparte - As Quinas - da primeira parte BRASO); Horizonte (I poema), Os Colombos (VI poema), Ferno de Magalhes (VIII poema), Mar Portugus (X poema) e A ltima Nau (XI poema), todos pertencentes segunda parte MAR PORTUGUS. Se pensarmos na simbologia do nmero seis, que est associada ideia da perfeio em potncia, podemos pensar que estes poemas, maioritariamente situados na segunda parte (exceptuam-se D. Pedro, Regente de Portugal), podero ter a ver com o grande imprio martimo do povo portugus, imprio esse grandioso, mas no perfeito, pelo que se desmoronou, tendo servido de ensaio para a construo do imprio ideal, perfeito, em contacto ntimo com Cristo o V Imprio espiritual. Para alm de se tratar de poemas compostos por sextilhas, de destacar o facto de serem seis (repete-se o nmero 6) e de se situarem na segunda parte, que apresenta 12 poemas, o que corresponde a duas vezes seis (novamente o nmero seis presente). H apenas um poema que apresenta seis estncias. Trata-se do poema Noite, que se situa na terceira subparte (Os Tempos), da terceira parte (O ENCOBERTO). Relacionado este poema com o que foi dito relativamente aos poemas compostos por sextilhas, este poema parece surgir quase que na sequncia dos outros, isto , se os seis poemas falam de um imprio na terra, que ter servido de preparao para a fundao de um imprio celestial, ento o poema Noite poder indicar que o fim do tempo de espera poder estar para breve. A noite fecha um ciclo (ciclo das descobertas) para iniciar um novo ciclo, j que a noite d obrigatoriamente lugar a um novo dia.

3.2.7. Sete, concluso e renovaoO nmero sete muito pouco usado, surgindo apenas trs vezes. O nmero sete est presente na segunda subparte (Os Castelos), da primeira parte (BRASO), que composta por sete poemas. Na realidade, pode-se encontrar oito42

Ibidem, pp 591/ 592

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poemas, mas dois deles foram agrupados num s, como se fizessem parte de um s corpo. Trata-se dos poemas D. Joo, o Primeiro e D. Filipa de Lencastre, ambos numerados com o sete, talvez por se tratar de marido e mulher. Resultando o nmero sete da soma de quatro (terra) com trs (cu), este simboliza a totalidade do universo em movimento e precisamente isto que se observa na obra Mensagem. Na segunda subparte da primeira parte de Mensagem o sete remete para a conquista dos sete castelos aos reis mouros e simboliza a conquista da terra, a fundao do reino de Portugal, no espao europeu. um ciclo que chegou ao fim, uma obra que se conclui. De acordo com a tradio crist, Deus descansou ao stimo dia, depois de ter criado o mundo. Este descanso no significa que j no h obra para se fazer, mas apenas que necessrio restaurar-se as foras para se voltar a produzir nova obra, ou seja, o destino do povo portugus no se esgotou. H ainda muita obra a concretizar-se e um novo ciclo se iniciar. Este novo ciclo poder-se- adivinhar na terceira e ltima subparte, (Os Tempos) da terceira parte (O ENCOBERTO), onde se encontram dois poemas que so formados por estncias de sete versos ( stimas), sendo eles os poemas Calma (terceiro poema) e Antemanh (quarto poema).

3.2.8. Dez, concluso e incioO nmero dez usado apenas uma vez na obra. Ele aparece no poema D. Afonso de Albuquerque, na quinta subparte (O Timbre), da primeira parte (BRASO), que composto de uma estncia apenas, com dez versos (dcima). Afonso de Albuquerque , simbolicamente, a outra asa do grifo, j que foi ele que completou a obra iniciada pelo Infante D. Henrique, relacionando-se com o nmero dez, que um nmero que simboliza o regresso unidade, depois do desenvolvimento e concluso de um ciclo de nove nmeros. Na quinta subparte (O Timbre), encontram-se trs heris que simbolizam a criao do imprio ultramarino portugus. So eles o infante D. Henrique, D. Joo II e Afonso de Albuquerque.

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A cabea simboliza geralmente o ardor do princpio activo. Incluiu a autoridade de governar, de ordenar e de esclarecer. Simboliza igualmente o esprito manifestado, em relao ao corpo, que uma manifestao da matria.43

O infante D. Henrique a cabea do grifo, porque foi ele que concebeu a ideia do imprio martimo. Ele planeou, coordenou e instruiu os seus marinheiros, representando a parte espiritual.

As asas so, acima de tudo, smbolo do levantar voo, isto , do aligeiramento, da desmaterializao, da libertao seja de alma ou de esprito -, de passagem para o corpo subtil. () Em todas as tradies, as asas nunca so recebidas, mas sim conquistadas com o preo de uma educao inicitica e purificadora muitas vezes longa e perigosa. () As asas indicam tambm a faculdade cognitiva. () Portanto, as asas exprimiro geralmente uma elevao em direco ao sublime, um impulso para transcender a condio humana. () As asas indicam tambm, ao mesmo tempo, que sublimao, libertao e vitria. 44

D. Joo II uma asa do grifo, porque foi o rei que mandou executar essa ideia e Afonso de Albuquerque a outra asa do grifo, porque foi ele o seu executor. Pode-se afirmar que estes dois heris alcanaram a vitria por tantos desejada e que, por isso, ascenderam a uma condio superior simples condio humana. O grifo uma ave mitolgica, com cabea e asas de guia e um corpo de leo. interessante verificarmos que Pessoa, desta criatura mitolgica, apenas seleccionou os elementos pertencentes guia. No encontramos qualquer referncia as aspectos que tenham a ver com o leo. Apenas a cabea e as asas, que remetem para as caractersticas da guia tiveram esse privilgio:

Poderoso, soberano, smbolo solar e luminoso, o leo, rei dos animais, est carregado das qualidades e defeitos inerentes sua categoria. Se ele a prpria encarnao do Poder, da Sabedoria e da Justia, em contrapartida, o excesso do seu orgulho e da sua segurana fazem dele o smbolo do Pai, do Mestre, do Soberano, ofuscado pelo seu prprio poder, cego pela sua prpria luz, e que se torna tirano, ao julgar-se protector. Pode ser, portanto, to admirvel como insuportvel. 45

43 44

Ibidem., pp 136/ 137 Ibidem, pp 92/ 93 45 Ibidem, pp 4001/ 402

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Parece evidente que as caractersticas que fazem parte do leo se relacionam com a ideia de soberania, poder, sabedoria e justia, mas o leo ambivalente e tambm poder conter em si aspectos menos louvveis, como o orgulho e a tirania. Alm do mais, o leo mantm-se no nvel do terreno. Apenas a guia pertence ao domnio celestial e transcendental, razes provveis para Pessoa atribuir a estes trs heris os elementos que a caracteriza. Dez pois o nmero da concluso, porque com Afonso de Albuquerque encerram-se as conquistas no mar, fecha-se o ciclo martimo, mas tambm o nmero do regresso unidade, j que se deve iniciar um novo ciclo, aquele que ir dar incio ao imprio espiritual.

3.2.9. Doze, o universoO nmero doze est presente apenas duas vezes na obra, uma de maneira mais explcita, outra de um modo mais disfarado. Na primeira parte (BRASO), a subparte II (Os Castelos) apresenta sete poemas e a subparte III (As Quinas) tem cinco poemas. Estes poemas somados do o nmero doze. Estas duas subpartes parecem constituir um bloco, j que falam dos heris que contriburam para a conquista do territrio antes dos descobrimentos martimos. Para alm disso, castelos e quinas so dois elementos que se encontram representados no braso. O nmero doze poder aqui simbolizar a realizao de uma obra (construo do reino portugus; espao fsico/ terreno), o encerramento de um ciclo. a primeira pgina da histria de Portugal, que acabou de ser escrita. O nmero doze representa a igreja triunfante, podendo considerar-se que este ciclo da histria de Portugal que se concluiu implicou uma vitria da igreja, j que Portugal formou-se a partir da expulso dos Mouros, os infiis, do seu territrio. O nmero doze pode ainda simbolizar o universo complexo e numa evoluo espao-temporal cclica. A conquista do espao fsico, que fechou um ciclo, d lugar a um novo ciclo de conquistas, agora no mar. A segunda parte da obra (MAR PORTUGUS) a nica que no se encontra subdividida, apresentando unidade, sendo constituda por doze poemas. Esta parte

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dedicada construo do grande imprio martimo portugus, pelo que o nmero doze aponta, novamente, para a realizao da obra e o encerramento de um ciclo. A ideia de realizao, de concretizao de uma obra est, mais uma vez, implcita porque, que como dito no primeiro poema desta parte, O Infante:

Cumpriu-se o Mar, e o Imprio se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal!

A parte inicial do verso (Cumpriu-se o Mar) fala, precisamente, dessa realizao e a parte final (e o Imprio se desfez) j prepara o incio de um novo ciclo, at porque o poema termina afirmando Senhor, falta cumprir-se Portugal!, numa referncia clara a uma misso sagrada, divina, dependente da vontade de Deus (Senhor), que est subjacente ao destino do povo portugus (falta cumprir-se Portugal). O nmero doze, sob o ponto de vista cristo, riqussimo, estando associado Jerusalm celeste; o nmero do povo de Deus e da Igreja, pelo que se pode relacionar o verso final com uma predestinao do Povo Portugus (o povo eleito) para abrir um terceiro ciclo de conquistas portuguesas.

3.2.10. Os poemas irregularesH, na obra, um conjunto de cinco poemas que no apresentam regularidade estrfica, isto , no h um nmero certo de versos por estrofe. Esses poemas so os seguintes: O dos Castelos, primeiro poema da primeira subparte (Os Campos) e O Conde D. Henrique, terceiro poema da segunda subparte (Os Castelos), pertencendo os dois poemas primeira parte (BRASO); Ascenso de Vasco da Gama, nono poema da segunda parte (MAR PORTUGUS); Noite e Nevoeiro, primeiro e ltimo poemas da terceira subparte (Os Tempos), da terceira parte (O ENCOBERTO) Parece-nos que a ideia que est subjacente e comum a estes cinco poemas a ideia de indefinio e de incio. O poema O dos Castelos composto por quatro estrofes, sendo a primeira uma quadra, a segunda uma quintilha, a terceira um dstico e a quarta um monstico. No h portanto uma uniformidade estrfica. Este poema apresenta Portugal, numa

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atitude esttica e expectante. Aguarda-se o incio de algo novo que no se sabe ainda o que , nem quando comear. Poder-se- vislumbrar ainda mais uma mensagem, muito escondida, se somarmos os versos todos que compem este poema e os vermos como um todo, obtendo assim o nmero doze (4 + 5 + 2 + 1 = 12), deixando pressentir que, no futuro, Portugal poder concretizar a obra que o olhar esfngico e fatal deixa adivinhar. O poema O conde D. Henrique formado por trs estrofes, tambm elas totalmente diferentes. A primeira tem quatro versos, a segunda tem trs e a terceira tem um. O conde D. Henrique foi o responsvel directo pelo nascimento do primeiro rei de Portugal e o responsvel indirecto pela fundao do reino de Portugal, sendo tambm ele um heri involuntrio, sem conscincia da sua verdadeira misso, como se pode ver nos versos do poema O Conde D. Henrique:

Todo comeo involuntrio. Deus o agente. O heri a si assiste, vrio E inconsciente.

Com o conde D. Henrique, inicia-se o grande ciclo de conquistas terrestres portuguesas. Se procedermos de modo semelhante ao poema anterior e somarmos todos os versos, o nmero que surge o nmero oito (4 + 3 + 1), que o nmero do ttulo da obra (Mensagem) e tambm de Portugal, como j foi explanado no II captulo do trabalho (O Ttulo da obra). No deixa de ser interessante que aquele a quem foi concedido o Condado Portucalense e que deu vida ao primeiro rei portugus, responsvel pela fundao da ptria, tenha exactamente o mesmo nmero. O poema Ascenso de Vasco da Gama tem duas estrofes. A primeira tem sete versos e a segunda tem trs. Vasco da Gama um marco import