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MEDIDAS DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE: O
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL COMO ÚLTIMA FERRAMENTA DA
PROTEÇÃO INTEGRAL
Albert Vinicius Icasatti1
Bruno Almeida de Souza2
Fabiano Abdo3
RESUMO:
O sistema de proteção e garantia dos direitos das crianças e adolescentes é regido, dentre
outras legislações, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8069, de 13/07/90), em
cujo teor se encontram as diretrizes para efetivação dos direitos nela preconizados. Foi
inspirado na Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembleia das Nações Unidas
de 20 de novembro de 1959 e ratificada pelo Brasil, através do art. 84 da Constituição Federal
de 1988. O ordenamento instituído passa a enxergar crianças e adolescentes como sujeitos de
direitos e mais, a considerá-los pessoas vulneráveis e expostas a todo tipo de violações de
modo que necessitem de proteção especial do Estado e da sociedade em geral. O princípio da
proteção integral revela-se amplo e elevado grau de importância. Como forma de atender o
princípio da proteção integral a legislação ora estudada apresenta em seu artigo 101, algumas
medidas que o estado pode utilizar para socorrer menores de situações de agressão,
priorizando e prestigiando a convivência familiar. Contudo, em que pese a posição de
destaque da convivência familiar a lei prevê a possibilidade da realização do acolhimento
institucional de menores em situação de risco, caracterizando-o como medida excepcional e
provisória. O presente trabalho apresentará, numa abordagem analítica, o acolhimento
institucional como ferramenta para garantia da dignidade como direito humano, com a
intenção também de demonstrar ao leitor os motivos pelo qual deve ser utilizado como
derradeira alternativa na missão de salvaguardar os interesses de infantes cujos direitos e
garantias estão negligenciados.
Palavras-chave: Medidas de proteção – acolhimento institucional – proteção integral –
convivência familiar.
1 INTRODUÇÃO
1 Discente programa de mestrado em Fronteiras e Direitos Humanos oferecido pela Universidade Federal da
Grande Dourados – UFGD. Pós-graduando em direito das famílias e sucessões pela Academia Brasileira de
Direito Constitucional. 2 Discente programa de mestrado em Fronteiras e Direitos Humanos oferecido pela Universidade Federal da
Grande Dourados – UFGD. Servidor Público Estadual ocupante do cargo de Assessor de Defensor Público. 3 Analista Judiciário no TJMS, graduado em Direito pela UCDB. Pós-graduado em Direito do Trabalho e
Processo do Trabalho pela AMATRA-XXIV em parceria com UNAES.
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Já se sabe que a vida familiar não é bem representada pelo famoso “comercial de
margarina”. Todas as famílias possuem suas dificuldades e peculiaridades. Apesar disso,
nenhum contexto familiar ou social pode ter crianças e adolescentes vivendo em situação de
risco e violação de direitos. Dessa forma, para garantir o direito à dignidade dos infantes,
dentre outros, a legislação exige que se dê proteção especial a eles, a qual deve ser garantida
pelo Estado, bem como pela comunidade em geral.
A legislação, contudo, não é suficiente para extirpar as ameaças às quais os menores
estão suscetíveis, sendo diversas as situações que colocam a integridade física e psicológica
deste público em condições de vulnerabilidade. É para este cenário de violação que servem as
ferramentas a disposição do Estado para intervir e salvaguardar os interesses dos menores.
Dentre tantas medidas que o Estado pode utilizar para a defesa dos direitos dos
infantes tem sido mais habitual o amparo àquelas arroladas no art. 101, do Estatuto da Criança
e do Adolescente, onde está prevista a figura do acolhimento institucional. O presente
trabalho pretende esclarecer o motivo pelo qual a medida de acolhimento institucional,
embora tenha sua finalidade social, deve ser cautelosamente adotada e como última opção.
2 MEDIDAS DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE: O
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL COMO ÚLTIMA FERRAMENTA DA
PROTEÇÃO INTEGRAL
As relações jurídicas entre crianças e adolescentes e a família, sociedade e Estado
são disciplinadas pela Constituição Federal, assim como pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei 8.069, de 13 de julho de 1990), ambos em consonância com a Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança, que foi promulgada em nosso país, por meio do
Decreto de execução n. 99.710, de 21 de novembro de 1990, após ser aprovada internamente
pelo Decreto legislativo n.28/1990, integrando, dessa forma, o Sistema de Proteção dos
Direitos da Criança e do Adolescente.
A Sociedade Global, principalmente após as consequências trágicas da 2ª Guerra
Mundial, reuniu-se em busca duma sociedade justa, livre e solidária. Nesse percalço
produziram textos/acordos que extrapolam os limites territoriais de seus países, exigindo uma
postura mais ativa dos signatários de tais documentos. É o que ocorre, por exemplo, com a
Convenção sobre os Direitos das Crianças e com a Declaração Universal dos Direitos do
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Homem (1948), dentre outras que tratam sobre direitos humanos, já incorporadas no
ordenamento nacional.
A necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial foi enunciada na
Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança e na Declaração dos Direitos da
Criança adotada pela Assembleia Geral em 20 de novembro de 1959. Ademais, foi
reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos (em particular nos Artigos 23 e 24), no Pacto Internacional de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (em particular no Artigo 10) e nos estatutos e
instrumentos pertinentes das Agências Especializadas e das organizações internacionais que
se interessam pelo bem-estar da criança.
Por meio dos direitos humanos pretende-se tutelar os direitos dos diversos grupos
vulneráveis, tais como, mulheres, grupo LGBT, negros, crianças e adolescentes, pessoas com
deficiência, comunidades indígenas, idosos, dentre outros.
Assim foi pensado o Estatuto da Criança e do Adolescente, que representa um marco
nacional de consolidação dos direitos desse grupo. As crianças e adolescentes não podem
mais ser considerados meros objetos de proteção, mas sim verdadeiros sujeitos de direitos,
que, além de serem titulares das garantias expressas a todos os brasileiros, também dotam
direitos essenciais, inerentes à sua condição, como é o direito de ter uma família, viver com
sua família natural, assim como brincar, etc.
Para tutelar os interesses desse grupo, levando em consideração o ordenamento
internacional sobre o tema (Convenções e Declarações sobre os direitos da criança e do
adolescente), a legislação brasileira prescreveu no art. 101, da Lei 8.069/90 (ECA), medidas
protetivas, representadas por ações de natureza assistencial, que podem ser aplicadas de forma
isolada ou cumulativamente, quando o infante estiver em situações que ofereçam risco à sua
integridade física e/ou psicológica.
Segundo Valter Kenji Ishida (2016), verificando-se que uma criança ou adolescente
encontra-se em situação irregular, de direitos violados, o juiz da Vara da Infância e Juventude
poderá utilizar das medidas previstas em rol meramente exemplificativo, prescritas no art.
101, do ECA.
As medidas de proteção aplicáveis a crianças e adolescentes em situação de risco
estão dispostas no livro II, título II, da Lei 8.069/1990. Sobre o que vem a ser situação de
risco, Guilherme Freire de Melo Barros (2014) leciona que são hipóteses em que os direitos
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consagrados aos menores são desrespeitados, inobservados, postos em cheque, pois ameaçado
ou violados. Segundo o especialista,
“Quando se verificar que algum direito da criança ou do adolescente está ameaçado
ou foi violado, tem-se a situação de risco que permite a aplicação de medidas de
proteção. O objetivo das medidas de proteção, naturalmente, é sanar a violação do
direito ou impedir que tal ocorra”. (BARROS, p.128)
Dentre outras características a medida de proteção de acolhimento institucional é
dotada de excepcionalidade e provisoriedade, haja vista que deve durar o menor tempo
possível, ou seja, apenas o imprescindível ao retorno do infante à sua família natural. Isso
porque, o acolhimento é utilizável como transição para a reintegração familiar e, somente se
esta não for possível, como colocação em família substituta (BARROS, 2012, p.134).
Importante destacar que, no Estatuto da Criança e do Adolescente, o direito à
dignidade é tratado no art. 18. Acerca do tema, pontua o procurador de justiça Roberto João
Elias, autor do livro “Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente”, que o direito de
respeito e de dignidade da criança e do adolescente significa uma exigência de ausência de
ação que possa atingi-la ou feri-la de alguma maneira, seja física, psíquica ou moralmente.
Salienta ainda, que a integridade física não é atacada apenas com maus tratos e lesões, mas
também com a privação de tudo o que é necessário para a preservação e o desenvolvimento
do corpo.
Contudo, várias são as intempéries encaradas em regiões fronteiriças que
obstaculizam a celeridade do acolhimento, amarrando a atuação dos profissionais que atuam
na proteção dos menores, o que, por sua vez, implica na impossibilidade de garantir o direito
da criança de conviver com a sua família natural ou substituta, assim como outros que
deveriam ser garantidos.
Conforme prescreve o art. 4º, da Lei 8.069/90, é dever da família, da comunidade, da
sociedade em geral e do Poder Público, assegurar com absoluta prioridade, a efetivação dos
direitos das crianças e adolescentes. Isso porque o bom trato com as gerações mais prematuras
é uma verdadeira previdência social para o futuro, haja vista que a realidade local pode ser
alterada com o “tratamento” das crianças que passam por sérias dificuldades na infância,
evitando-se inclusive a delinquência.
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Levando tudo que foi dito acima em consideração, bem como reconhecendo que a
criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no
seio da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão, a comunidade
internacional estipulou diversas cláusulas que devem ser respeitadas por todos os países que
fossem signatários da Convenção sobre os Direitos da Criança, de modo que se garanta de
maneira mais abrangente possível os direitos inerentes à infância.
Embora a instituição de acolhimento revele um cenário bastante diferente do que se
vislumbra num lar convencional, ela deve assegurar ao menor o gozo de todos os direitos a ele
cabível, de modo este possa ter uma vida digna, ainda que acolhido.
Lazer, educação, saúde, integridade física e mental, moradia, alimentação, dignidade
são palavras e, mais do que isso, são direitos que nem sempre fazem parte do vocabulário e da
vida de muitas crianças e adolescentes da nossa comunidade.
Não é rara a transmissão nos noticiários e outros meios de comunicação, de casos
sobre menores que tiveram seus direitos mais elementares violados ou que estão diariamente
expostos todo tipo de risco (abandono, abuso sexual, mendicância, etc). Em alguns desses
casos faz-se necessária a intervenção estatal e a adoção da medida de proteção denominada
acolhimento institucional.
O objetivo desta espécie de proteção, portanto, é salvaguardar os indivíduos que
estavam em situação de risco, assegurando-lhes direitos declarados constitucionalmente,
restabelecendo vínculos e referências familiares e comunitários e também promover inclusão
social, sem olvidar que o acolhimento deve ser excepcional e, principalmente, provisório, no
prazo mais curto e breve possível.
No entanto, observa-se no dia a dia que o recurso utilizado pelo poder público como
instrumento de garantia de direitos deste grupo vulnerável (acolhimento institucional) se
depara com diversos obstáculos o que, por sua vez, pode torná-lo, em alguns momentos,
sujeito violador dos direitos que deveria afiançar, ou seja, o próprio “vilão”.
Isso porque, embora intervenção seja apta a extirpar o perigo imediato no qual os
menores estejam submersos, no decurso do prazo do abrigamento outras espécies de
violências podem se sobressair, em virtude de problemas advindos tanto do tempo da
institucionalização como da própria característica do estilo de vida coletiva ou ainda de
déficits do sistema de proteção.
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Assim, diversos fatores, tais como a própria localização geográfica da região
(fronteira com outro país), dificuldades financeiras, falta de equipe especializada, podem
tornar o acolhimento mais longo, ineficaz e inadequado, fazendo com que surja a dúvida se o
acolhimento institucional (abrigamento) é uma medida útil que deve continuar existindo no
sistema de proteção ou se na verdade tem se revelado uma alternativa falida, insustentável,
onerosa e de pouca utilidade na satisfação dos interesses do grupo vulnerável em questão.
Amartya Sen, ganhador do prêmio nobel de economia em 1998, apresenta em suas
diversas obras que o desenvolvimento de um país está essencialmente ligado às oportunidades
que ele oferece à população de fazer escolhas e exercer sua cidadania. E isso inclui não
apenas a garantia dos direitos sociais básicos, como saúde e educação, como também
segurança, liberdade, habitação e cultura.
Assim, deve-se correlacionar sua teoria com a experiência diária das casas de
acolhimento. Na obra “desenvolvimento como liberdade” o autor menciona que:
A privação de liberdade pode surgir em razão de processos inadequados (como
violação do direito ao voto ou de outros direitos políticos ou civis), ou de
oportunidades inadequadas que algumas pessoas têm para realizar o mínimo do que
gostariam (incluindo a ausência de oportunidades elementares como a capacidade de
escapar de morte prematura, morbidez inevitável ou fome involuntária). (SEN, 2000,
p.31)
Na obra “A era dos direitos”, de Noberto Bobbio, o autor aduz que “os direitos de
liberdade só podem ser assegurados garantindo-se a cada um o mínimo do bem-estar
econômico que permite uma vida digna” (2004, p. 206-207).
As características do acolhimento institucional, provisoriedade e a excepcionalidade,
nem sempre são ou podem ser observadas, o que por sua vez, acabam por comprometer o
direito maior das crianças e adolescentes da convivência familiar. Um exemplo disso é
quando o acolhimento deixa de ser provisório e se prolonga no tempo, situação que obriga
crianças e adolescentes a viverem coletivamente, distantes de um ambiente familiar, seja da
família natural ou de uma substituta.
É preocupante, portanto, que, dentre as várias dificuldades apresentadas pelas
entidades para o seu reordenamento institucional, encontra-se também a fragilidade nos
processos e instrumentos de gestão (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2009).
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Isso porque, embora diante de todo um arcabouço legislativo, a cultura institucional
não muda automaticamente em resposta às leis que vão surgindo. As casas de acolhimento
encontram dificuldades para processar a mudança para o paradigma da proteção integral,
incluindo, além das dificuldades financeiras, segundo Liziane Vasconcelos Teixeira Lima e
Maria Lúcia Miranda Afonso (2016):
dificuldades para mudar a cultura tradicional sobre abrigos; ausência do estudo
diagnóstico que deveria antecipar a aplicação da medida protetiva; falta de clareza
no motivo do acolhimento institucional; parca sistematização em relatório das
atividades realizadas; recursos humanos insuficientes; ausência de formação
continuada para os recursos humanos; inexistência de metodologia para o trabalho
social com as famílias; fragmentação das ações com a rede de serviços e na relação
com o SGD; falta de cobertura das políticas setoriais; financiamento insuficiente; e
fragilidade nos processos e instrumentos de gestão.
Ressalta-se que o objetivo é proporcionar proteção integral aos indivíduos em
situação de risco, promover a inclusão social, assegurar seus direitos, e,
principalmente, restabelecer vínculos e referências familiares e comunitários.
Segundo o que dispõe o artigo 19, do Estatuto da Criança e do Adolescente, “toda
criança ou adolescente tem o direito a ser criado no seio de sua família e, excepcionalmente,
em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária”. Este dispositivo dá
um norte a como deve ser a ação das instituições de acolhimento, as quais devem tentar
preservar os vínculos familiares entre a criança e sua família natural ou favorecer a sua
recepção numa família substituta, onde receberá amor e carinho.
Aos abrigos são atribuídas responsabilidades que se revelam ainda maiores que as
inerentes ao poder familiar dos pais biológicos, tendo em vista que além de auxiliar as
crianças e adolescentes nas necessidades materiais, emocionais, educacionais, religiosas, de
saúde etc., devem oferecer-lhes a oportunidade de convivência com a comunidade e com a
família, bem como dar suporte a essas famílias para que possam superar os reveses encarados
e possam receber os filhos de volta, além de relatar a situação de cada criança, por meio de
avalições psicossociais a serem realizadas periodicamente a cada de seis meses, ao juiz
competente.
Segundo Enid Rocha Andrade da Silva e Luseni Maria Cordeiro de Aquino (2004),
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), há uma cobrança contemporânea às
instituições de acolhimento, em especial:
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“a revisão e a mudança de práticas, no sentido de superar o enfoque assistencialista,
fortemente arraigado nos programas de atendimento, e implantar modelos que
contemplem ações emancipatórias, com base na noção de cidadania e na visão de
crianças e adolescentes como sujeitos de direitos em situação peculiar de
desenvolvimento.
Para as pesquisadoras, as ações dos abrigos eram autônomas e independentes sem
que houvesse um protocolo comum a ser respeitado por todas as instituições, agindo cada
qual segundo sua visão do que seria melhor para as crianças e adolescente, em geral
fortemente apoiada na convicção religiosa ou filosófica da entidade mantenedora. Contudo,
ante as alterações nas leis foi exigida uma mudança na postura.
Atualmente se constata a necessidade de avançar na profissionalização do
atendimento, agregando à equipe, que deve ser composta também por assistentes sociais e
psicólogos, treinamento e qualificação para a lida diária com crianças e adolescentes com
experiência traumática ensejadoras de seu acolhimento.
Ademais, os abrigos devem se comunicar e estabelecer estreito relacionamento com
os conselhos tutelares, as varas da Infância e Juventude e o Ministério Público, de modo
estratégico visando facilitar sua atuação em prol dos abrigados.
Silva e Aquino (2004) sustentam que muitos deles já se aproximam desse modelo,
por outro lado, muitos outros têm enormes dificuldades para se adaptar ou porque têm uma
visão distanciada da lei do que seja o melhor para a criança, ou por falta de recursos materiais
e humanos, ou ainda porque são usados, de forma inescrupulosa, como fonte de renda pelos
dirigentes.
Como visto existem medidas diversas do acolhimento institucional que devem ser
priorizadas e adotadas antes do acolhimento propriamente dito, de forma preventiva e
objetivando o fortalecimento das famílias para evitar o rompimento do vínculo familiar que
pode ocorrer com a retirada abrupta do menor de seu ambiente doméstico, o que não significa
que o acolhimento não seja útil e necessário em determinadas situações.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, cautelosamente, concebe princípios que
norteiam as medidas de proteção e a atenção a tais princípios são de fundamental importância
para a aplicação das medidas.
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Assim, a pesquisa partiu da análise do princípio estabelecido no inciso X do art. 100,
do referido documento, que impõe:
prevalência da família: na promoção de direitos e na proteção da criança e do
adolescente deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem
na sua família natural ou extensa ou, se isto não for possível, que promovam a sua
integração em família substituta.
Decorre desse princípio a premissa de que, quando imprescindível a intervenção
estatal para que se realize o acolhimento da criança ou adolescente em situação de risco, o
período de acolhimento ocorra no menor tempo possível, sendo assegurada o direito a
convivência familiar.
Nesse contexto a Cartilha de Orientações Técnicas de Serviços de Acolhimento para
Crianças e Adolescentes do Conanda – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente - orienta que:
Nos casos em que o motivo que ensejaria a aplicação da medida de abrigo
referir-se à falta ou precariedade de condições de habitação da família, deve-
se recorrer a medidas que preservem o convívio familiar e mantenham a
família, a criança e o adolescente em condições de segurança e proteção,
como a inclusão imediata de todos seus membros conjuntamente em serviços
de acolhimento para adultos com crianças ou adolescentes e acesso à
moradia subsidiada, dentre outras. Paralelamente, deve ser providenciado,
junto às políticas de habitação e trabalho, e outras que o caso indicar, os
encaminhamentos necessários para alcançar soluções mais definitivas para a
situação.
Trilhando na mesma ótica, o sétimo parágrafo do artigo 101, do Estatuto da Criança
e Adolescente determina que:
O acolhimento familiar ou institucional ocorrerá no local mais próximo à residência
dos pais ou do responsável e, como parte do processo de reintegração familiar,
sempre que identificada a necessidade, a família de origem será incluída em
programas oficiais de orientação, de apoio e de promoção social, sendo facilitado e
estimulado o contato com a criança ou com o adolescente acolhido.
Possível reconhecer que a ideia de que o acolhido permaneça o mais próximo de sua
residência visa possibilitar continuidade à convivência familiar com a família natural, além de
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viabilizar a adoção de estratégias, pela equipe técnica da instituição junto com a família, que
visem reparar as situações que expõe a criança ao risco e ou a violação de seus direitos.
A cartilha do Conanda ut retro mencionada ainda aduz que:
Tão logo a criança ou o adolescente seja encaminhado para um serviço de
acolhimento deve ser iniciado um estudo psicossocial para a elaboração de um plano
de atendimento, com vistas à promoção da reintegração familiar. Esse planejamento
deve envolver de modo participativo a família de origem e, sempre que possível, a
criança e o adolescente, prevendo encaminhamentos, intervenções e procedimentos
que possam contribuir para o atendimento das demandas identificadas. Devem ser
delineadas medidas que contribuam para o fortalecimento da capacidade da família
para o desempenho do papel de cuidado e proteção, bem como para sua gradativa
participação nas atividades que envolvam a criança e o adolescente.
Enid Rocha Andrade da Silva (2004), servidora pública do IPEA – Instituto de
Pesquisa Econômica e Aplicada – conclui, após realização de algumas pesquisas, que “o
afastamento do convívio familiar pode ter repercussão negativa sobre o processo de
desenvolvimento da criança e do adolescente, considerando ainda que a retomada do convívio
familiar e reintegração a família de origem são processos complexos”.
Indubitável que o ambiente mais apropriado para regular desenvolvimento
psicológico de uma criança é o familiar, onde ele é tratado de acordo com suas
particularidades e individualidades, com rotina específica longe de toda abordagem coletiva,
tal como ocorre nos abrigos.
Outrossim, no ambiente familiar tem-se a presença da figura paterna e materna numa
só pessoa sem que ocorram trocas, alterações de turno e rotatividade, o que não se vislumbra
nas casas de acolhimento, onde a criança estabelece vínculo com os integrantes da equipe
técnica de apoio, devidamente composto por pessoas que podem ser trocadas periodicamente,
onde se alternam turnos, não havendo um referencial fixo para a criança e que não estão ali
para o exercício do poder familiar e sequer para manter vínculo afetivo com os abrigados.
Por isso, a importância da criança ou adolescente estarem inseridos num ambiente
familiar, seja junto à sua família natural ou, caso esta hipótese não seja possível, junto à uma
família substituta, razão pela qual a própria legislação já previu que a medida deve ser
provisória e excepcional, a fim de que ela não viole o direito à convivência familiar.
Deste modo, o acolhimento institucional, como medida de proteção apta a socorrer
crianças e adolescentes cujos direitos estão violados, não pode se confundir como medida
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permanente nem mesmo de longo prazo, sob pena do fator tempo ser o responsável pelo
rompimento severo e abrupto das relações familiares, o que, por sua vez, provocaria danos
irreparáveis ou de difícil reparação à criança ou adolescente a ele submetidos.
Após as explanações acima realizadas fica claro que a ordem adotada pelo legislador
ao arrolar as medidas de proteção no art. 101, da Lei 8.069/90, foi minuciosa e estratégica,
pois indica a quais são as medidas que devem ser adotadas em primeiro lugar.
Abaixo estão colacionadas as variedades de medidas de proteção previstas no ECA,
vejamos:
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade
competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino
fundamental;
IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e
promoção da família, da criança e do adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime
hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e
tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII - acolhimento institucional;
VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar;
IX - colocação em família substituta.
Analisando a norma de maneira sistemática depreende-se que o acolhimento
institucional foi indicado como uma das últimas alternativas para regularizar o cenário de
violência experimentado por crianças e adolescentes em situação de insegurança. Ou seja,
antes da ingerência por meio do acolhimento deve-se aplicar o a) encaminhamento aos pais ou
responsável, mediante termo de responsabilidade, b) orientação, apoio e acompanhamento
temporários, c) matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino
fundamental, d) inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio
e promoção da família, da criança e do adolescente, d) requisição de tratamento médico,
psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial, e) inclusão em programa
oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos,
conforme o caso concreto, claro.
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Evidente que as medidas de proteção acima mencionadas não são adequadas e
apropriadas para todo e qualquer tipo de situação. Cabe aos órgãos competentes analisarem o
caso a eles retratado para então decidir-se pela medida de proteção mais congruente a ser
utilizada evitando-se de antemão o emprego do acolhimento institucional.
Outra observação importante a ser feita é a de que as medidas que foram colocadas
na lei logo após o acolhimento institucional, nos incisos VIII e IX, na verdade não tem
natureza propriamente dita de medidas de proteção.
Isso porque, nessa etapa, os riscos a que as crianças e adolescentes estavam expostas
já devem estar contidos, contudo, como o acolhimento institucional tem caráter provisório, os
infantes necessitam regressar à sua família natural ou serem oportunizados a conviverem com
uma família substituta, com a finalidade exclusiva de garantir seu direito à convivência
familiar e, consequentemente, ao gozo de uma vida com dignidade.
A dignidade da pessoa humana é um princípio basilar do ordenamento jurídico
brasileiro e está devidamente inserido em nossa Carta Magna, documento este que é símbolo
da busca pela paz e do bem estar-social. Viver uma vida com dignidade é direito de todas as
pessoas, motivo pelo qual devem ser rechaçadas condutas que obstaculizam o gozo deste
direito.
Na verdade, a única finalidade das legislações que tutelam os interesses de crianças e
adolescentes, tal como as convenções internacionais e a lei 8.069/90, é garantir a este grupo
vulnerável o que lhes é de direito pelo simples fato de serem seres humanos, qual seja o
direito de viver com liberdade, igualdade e dignidade.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo que foi analisado, o que foi possível mediante estudo bibliográfico e
análise de documentos e dados estatísticos disponibilizados no meio eletrônico, resta
axiomático a nobreza em como a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional
abordam a tutela de crianças e adolescentes, em especial quando atribuem responsabilidade à
família em conjunto com o poder público e a sociedade.
Vislumbra-se que o instituto da família é amplamente protegido e o direito a que as
crianças e adolescentes vivam no seio de uma tem sido defendido de maneira colossal.
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Correlaciona-se este direito à dignidade da pessoa humana, para possibilitar que a criança se
desenvolva normalmente de forma livre e igualitária às demais.
Para exemplificar verifica-se que o art. 226, caput, da Constituição Federal dispõe
que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, e o § 8º, determina que
“o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando
mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.
Como forma de assegurar a operabilidade da legislação, o Estatuto da Criança e do
Adolescente, acrescentou dois princípios que devem ser acatados pelas normas e pelas ações a
serem desenvolvidas pela família, Estado e comunidade, que são a proteção integral e o
superior interesse da criança.
O princípio da prioridade absoluta acarreta efeitos no ordenamento jurídico como um
todo, determinando que os atos administrativos devam ser pensados e analisados em
compasso com o art. 227 da Constituição Federal, vez que a criança, o adolescente e o jovem
tem prioridade absoluta em seus cuidados.
Nesse diapasão devem ser criadas políticas públicas que visem a prioridade de fato
da criança e do adolescente, o que somente se dá com a a) primazia de receber prestação e
socorro em quaisquer circunstâncias, b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou
de relevância pública, c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais
públicas, d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a
proteção à infância e à juventude, conforme preconiza o art. 4, do ECA.
Por outro lado, o princípio do melhor interesse do menor pode ser interpretado de
acordo como as intervenções devem ser realizadas considerando o que é mais benéfico para o
menor.
Dessa forma, a fiel observância da ordem de utilização das medidas de proteção
determinada no art. 101, do Estatuto da Criança e do Adolescente, privilegia não somente a
proteção integral, mas também o melhor interesse das crianças, pois adota como último
recurso o acolhimento institucional priorizando sobretudo o fortalecimento dos vínculos
familiares.
Conclui-se, em razão disso, que o prolongamento da estadia de crianças e
adolescentes em casas de acolhimento acarreta na violação do direito à convivência familiar e
interfere danificando seu desenvolvimento físico e psicossocial.
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Em que pese os pontos negativos que podem ser atribuídos ao acolhimento
institucional, não se pode dizer que ele somente causa avarias, o que não é verdade. Tem-se
que ainda assim será necessária sua aplicação, em casos excepcionais, onde a intervenção
estatal deva acontecer de forma rápida para garantir às crianças e adolescentes todos os
direitos que lhes são inertes.
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