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Maximiliano Beschoren:
o explorador do
Alto Uruguai
Universidade Regional Integrada do Alto
Uruguai e das Missões REITOR Luiz Mario Silveira Spinelli PRÓ-REITOR DE ENSINO Arnaldo Nogaro PRÓ-REITOR DE PESQUISA, EXTENSÃO E PÓS-GRADUAÇÃO Giovani Palma Bastos PRÓ-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO Nestor Henrique de Cesaro CÂMPUS DE FREDERICO WESTPHALEN Diretora Geral Silvia Regina Canan Diretora Acadêmica Elisabete Cerutti Diretor Administrativo Clóvis Quadros Hempel CÂMPUS DE ERECHIM Diretor Geral Paulo José Sponchiado Diretora Acadêmica Elisabete Maria Zanin Diretor Administrativo Paulo Roberto Giollo CÂMPUS DE SANTO ÂNGELO Diretor Geral Gilberto Pacheco Diretor Acadêmico Marcelo Paulo Stracke Diretora Administrativa Berenice Beatriz Rossner Wbatuba CÂMPUS DE SANTIAGO Diretor Geral Francisco de Assis Górski Diretora Acadêmica Michele Noal Beltrão Diretor Administrativo Jorge Padilha Santos CÂMPUS DE SÃO LUIZ GONZAGA Diretora Geral Dinara Bortoli Tomasi CÂMPUS DE CERRO LARGO Diretor Geral Edson Bolzan
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Breno A. Sponchiado Organizador
Maximiliano Beschoren:
o explorador do Alto Uruguai
SÉRIE CEDOPH - VOLUME 4 - CENTENÁRIO DA COLÔNIA GUARITA (1917-2017) -
Frederico Westphalen
2016
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Organização: Breno A. Sponchiado Digitação: Raquel Listkovski Franco Revisão Linguística: Wilson Cadoná Revisão metodológica: Diego Bonatti Capa/Arte: Laís Giovenardi da Rocha Projeto gráfico: Tani Gobbi dos Reis
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Permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
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M419
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai [recurso eletrônico] /
Organizador Breno A. Sponchiado. – Frederico Westphalen : URI – Frederico Westph, 2016.
160 p. – (Série CEDOPH. v.4. (Coleção Centenário da Colônia Guarita (1917-2017)).
ISBN 978-85-7796-191-7 Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: www.fw.uri.br/site/publicacoes 1. Maximiliano Beschoren – biografia e bibliografia. 2. Colonização – Província do Rio Grande do Sul. I. Sponchiado, Breno A. Título.
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Bibliotecária Gabriela de Oliveira Vieira
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Impresso no Brasil Printed in Brazil
Sumário
APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... 8
BRENO A. SPONCHIADO
PARTE I
MAXIMILIANO BESCHOREN: BIOGRAFIA E BIBLIOGRAFIA .......................... 10
BRENO A. SPONCHIADO
UMA SINA: DAS ACADEMIAS DA PRÚSSIA PARA OS SERTÕES DO ALTO URUGUAI .............................................................................................................. 11
UM TRÁGICO FIM................................................................................................ 18
ATUAÇÃO PROFISSIONAL DE MAXIMILIANO BESCHOREN .................... 22
A PERCEPÇÃO DE BESCHOREN SOBRE A COLONIZAÇÃO ....................... 56
MEDIÇÕES E AGRIMENSURA ........................................................................... 59
O ESCRITOR E DIVULGADOR DO ALTO URUGUAI ..................................... 67
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 79
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
7
PARTE II
TEXTOS DE MAX BESCHOREN ............................................................................. 82
TEXTO I - RELATÓRIO SOBRE A EXPLORAÇÃO DE UMA PICADA QUE
SEGUE O RINCÃO DA FORTALEZA PAR A O RIO URUGUAY ......................... 83
TEXTO II - RESUMO DOS DADOS E RESULTADOS COLHIDOS NA
EXPLORAÇÃO E ABERTURA DA PICADA. QUE, PARTINDO DO “RINCÃO DA
FORTALEZA”, SEGUE ATÉ O “PASSO DA BOA ESPERANÇA”, NA MARGEM
ESQUERDA DO RIO URUGUAY, N’UMA EXTENSÃO DE 38 QUILÔMETROS E
330 METROS. .......................................................................................................... 105
TEXTO III - O TERRITÓRIO DO ALTO URUGUAY ........................................... 112
TEXTO IV - NOTA EXPLICATIVA SOBRE A PLANTA DO MUNICÍPIO DE
SANTO ANTÔNIO DA PALMEIRA COM O DISTRICTO DE NONOHAY, PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL – 1887. ..................... 127
TEXTO V - RELAÇÃO DAS POSSES E CONCESSÕES LEGITIMADAS E
LEGALIZADAS NO MUNICÍPIO DE STº ANTÔNIO DA PALMEIRA E NO
DISTRITO DE NONOHAY (MUN. DE PASSO FUNDO). .................................... 144
POSFÁCIO ............................................................................................................... 158
BRENO A. SPONCHIADO
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 161
Apresentação
Breno A. Sponchiado
Dando sequência à Série CEDOPH de publicações que o Centro de
Documentação e Pesquisas Históricas, pertencente à URI-FW, por conta da passagem
do Centenário da Colônia Guarita, comemorado em 2017, estamos lançando esta
primeira obra, abrindo a coleção Centenário da Colônia Guarita.
Entendemos que nada mais justo em estrear com um estudo que evidencie o
significado da vida e da obra do engenheiro alemão Maximiliano Beschoren, que por
décadas recruzou o território do Alto Uruguai, quando inexplorado, tanto
cientificamente quanto economicamente, levando ao público e às academias suas
potencialidades.
São unânimes os historiadores e biógrafos que se ativeram a dimensionar o
pioneirismo e empreendedorismo de Beschoren em enaltecer sua figura e admitir que
não fora ainda suficientemente reconhecido pela historiografia e pela região que ele
tanto procurou tirar do ostracismo. Motivado pela aventura, e desejo de descobrir
novos lugares, abandonou uma zona de conforto na Prússia para conhecer regiões
interioranas, com todas as suas vicissitudes. Cremos, pois, que com esta modesta
publicação, estamos pagando parte desta dívida.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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Procuramos, na primeira parte deste estudo, trazer os dados biográficos que nos
chegaram de Max Beschoren. Descrevemos algumas facetas mais representativas da
sua obra profissional, enquanto cientista e engenheiro-agrimensor. Frisamos a sua
diversificada atuação como meteorologista, topógrafo, cartógrafo, agrimensor... Mas
nos atemos a analisar a sua preocupação maior: a colonização. Procuramos
contextualizar o período da segunda metade do século XIX, quanto às percepções
sobre os projetos colonizatórios na Província do Rio Grande do Sul. Percebe-se que
Beschoren fazia parte de um grupo de intelectuais, empresários e políticos, quase todos
de origem alemã, que defendiam um povoamento sistemático, baseado numa
agricultura moderna dos sertões do Alto Uruguai, preferentemente com europeus.
Usavam com habilidade os meios de comunicação, como jornais e a tribuna, como
instrumentos de convencimento e de propaganda para seus empreendimentos.
É nesse processo que se deve situar a obra e as publicações de Beschoren.
Transcrevemos aqui alguns trabalhos de Beschoren que buscamos nos Arquivos do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que foram parcialmente utilizados por Pe.
Arlindo Rubert em seu livro A diocese de Frederico Westphalen. Outras encontramos
de segunda mão, na obra Notícia Descritiva da Região Missioneira, de Evaristo
Afonso de Castro e nos Anuários de Graciano de Azambuja.
Oxalá estes textos contribuam para conhecermos ainda mais esta terra para
torná-la mais promissora, como ardentemente obrou e sonhou Beschoren.
Parte I
Maximiliano Beschoren:
biografia e bibliografia
Breno A. Sponchiado
UMA SINA: DAS ACADEMIAS DA PRÚSSIA PARA OS SERTÕES DO ALTO URUGUAI
As informações que nos chegam sobre a procedência de Max Beschoren
foram elaboradas pelo seu amigo - e podemos, a julgar pelo profundo
conhecimento dos sentimentos de nosso biografado - um seu confidente C. V.
Koseritz. Muito em comum, aliás, tinham eles: homens da Ciência, gosto pela
ilustração em seu sentido genuíno derivado de Iluminismo; dedicação à
investigação e sua ampla publicização; desejo de levar o progresso para as
regiões mais recônditas, que oportunizasse às populações, tanto autóctones
quanto, as vantagens da técnica e da modernidade racionalista que acreditavam
apanágio de todos os males; motivava-os uma viva preocupação com os seus
patrícios teutos que vislumbravam dias melhores na América. Mas as
semelhanças param aí. Ao passo que Koseritz ganhou notoriedade e fortuna pela
atuação política partidária, empreendedorismo na imprensa e jornalismo
combativo na capital, Beschoren limitou-se a uma vida interiorana, sumido nas
obscuras selvas da Província, sujeitando a si e sua família aos parcos recursos
advindos dos trabalhos de agrimensura. Um morre na fama e rico. O outro nada.
Quiçá a militância de Koseritz e o convívio com políticos o tornaram
“abrasileirado” (por exemplo, foi Liberal e Conservador!)1, ao passo que
Beschoren não perdeu seu modus prussiano?
1 “Com o passar do tempo - diz Weizenmann - a realidade social, política e econômica, aos olhos de Koseritz, não era mais compreendida pelas concepções de um recém-chegado imigrante, mas de alguém que soube compreender as especificidades da terra, também em transformação, que o acolhera–um cidadão brasileiro. (WEIZENMANN, 2015, p. 201).
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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Koseritz elabora o Necrológio de Beschoren para sua publicação no
Annuario da Província do Rio Grande do Sul, dirigido pelo também amigo
Graciano de Azambuja. O líder da comunidade teuto-brasileira não economiza
palavras para enaltecer a figura do engenheiro. Chama-0 de “meu illustrado
amigo Maximiliano Beschoren um dos seus distinctos colaboradores, o qual
deixa vácuo diffícil de preencher-se porque em sua especialidade de meteorólogo
e observador, não contava muitos rivaes na província. Accedendo ao pedido do
digno director do Annuario, cumpro um dever, dedicando algumas linhas á
memoria do meu finado amigo e fiel companheiro de trabalhos”. (KOSERITZ, in
ANNUARIO 1890, p. 143-146). Sobre a família e estudos, nos informa:
Maximiliano Beschoren nasceu em 6 de Julho de 1847 em Eisleben2 na província prussiana da Saxonia, onde seu pai era conceituado negociante. Maximiliano cursou a escola elementar em Meissen e o gymnasio em Zwickau, para onde fora removido o seu pai, na qualidade de director de minas. Destinando-se ao commercio entrou Maximiliano aos 14 annos como aprendiz na livraria de Kichter em Zwickau e passou depois a servir na grande livraria de F. A. Brockhaus em Leipzig3. Max. Beschoren não nascera para o commercio e á medida que n'aquella livraria colossal, familiarisava-se com a litteratura, sentiu nascer o desejo de percorrer longínquas terras, não como simples touriste, mas como pontoneiro da sciencia. Mas antes de tudo era necessário preencher as lacunas em sua educação scientifica e por isto seguiu para Annaberg afim de cursar as aulas superiores do respectivo gymnasio. Tal era a sua applicação, tal o fervor e o talento com que se atirou aos commettimentos litterarios, que ainda alumno, já occupava lugar na imprensa scientifica. Depois de feitos os seus exames de preparatorios, seguiu para Dresden onde cursou com máximo proveito a escola polytechnica. Tirado o curso d'ella, frequentou ainda a Universidade de Halle e terminados os seus estudos deixou os amantes pais e a patria querida, afim de visitar a terra dos seus sonhos, este Brazil tão protegido pela natureza e ainda tão pouco explorado pela sciencia. Em 1868 embarcou Beschoren directamente para esta provincia, que escolhera para alvo de sua digressão scientifica (KOSERITZ in ANNUARIO, 1890, p. 143-146).
Henri Lange, no prefácio da obra Beiträge, acrescenta que o pai de
Beschoren era gerente de uma mineração em Zwickau. E que “Aos catorze anos
dedicou-se ao comércio de livros, porém sua inclinação pela leitura era maior do
que comercializá-los. Foi através da literatura que passou por suas mãos, que se
tornou um entusiasta pela investigação científica” (BESCHOREN, 1989, p. 7).
2 No prefácio de H. Lange na obra Beiträge, cita como cidade natal Sachsen, Província prussiana (BESCHOREN, 1989, p. 7). 3 Foi afamada editora, onde foi publicada a “melhor enciclopédia da língua alemã”, segundo Júlia S. Teixeira (BESCHOREN, 1989, p. 11).
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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Nas suas crônicas que enviava para publicação em jornais na Alemanha e
no Deustche Zaitung de Porto Alegre, Beschoren memoriza as dificuldades dos
primeiros tempos no Brasil:
Vindo da Alemanha, cheguei a Porto Alegre, em 15 de fevereiro de 1869. Como a maioria dos jovens que viajam para um país estranho, cuja língua não entendem, onde tudo é desconhecido, também passei por uma difícil experiência. Somente em junho de 1871, consegui uma ocupação de meu agrado, relacionada com a agrimensura, na Colônia Santa Cruz (BESCHOREN, 1989, p. 14).
Veja-se que ele não menciona a estreia no magistério, talvez por não ser
do seu agrado? Pois Barreto afirma sua primeira colocação profissional foi como
professor, onde atuou por pouco tempo, pois “aceitou o convite para passar a
agrimensor em várias colônias alemãs” (BARRETO, 1975, p. 132). Novamente
Koseritz revela que contraiu núpcias no Mundo Novo, “com uma gentil filha do
meu honrado amigo Sr. Guilherme Koerndoerffer”; Barreto fala em Taquara-RS.
Mozart Pereira Soares informa sobre a descendência de Beschoren. Do seu
casamento com Isabel Koerndorffer nasceram um filho, que faleceu na infância e
mais 4 filhas. Do paradeiro de cada um, damos a palavra a Soares, lembrando
que datam de 1974:
Margarida, solteira, viveu em Cruz Alta; Melina, casada com Guilherme Blauth; Julia, casada com Hugo Schülz e a caçula Gabriela, casada com Álvaro Reis, Professora em Cruz Alta. Vive presentemente [1974] nesta última cidade, Otto Beschoren, neto adotivo de Maximiliano, criado por Gabriela, que o adotou após ter enviuvado sem filhos, quando ele tinha dois meses de idade. Cabe-lhe, assim, guardar o nome do ilustre engenheiro. (SOARES, 1974, p. 321).
Sobre a atividade profissional de Beschoren, lemos no citado necrológio:
Depois, mudou-se para Santa Cruz e ahi trabalhou como agrimensor, dedicando-se sempre a estudos de naturalista e fazendo desde então observações meteorológicas constantes e de verdadeiro valor scientifico. Já então collaborava activamente no jornal Deutsche Zeitung, então de minha redacção e até o dia de sua morte continuou a ser meu collaborador, escrevendo magnificas cartas de viagem, cheias de valiosas pesquizas scientificas (KOSERITZ in ANNUARIO, 1890, p. 143-146).
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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Deste primeiro período temos um testemunho. Franz Reckziegel, em suas
memórias cita o engenheiro, quando se estabelecia em Linha Emília, município
de Venâncio Aires, em 1873. A impressão deixada por Beschoren no pioneiro é
favorável:
Cada um dos imigrantes adquiriu uma colônia por 600 Mil réis que deveriam ser pagos em cinco anos. Como não havia suficiente terra medida e demarcada, o nosso diretor Richter nos mandou o agrimensor Max Beschoren, um homem muito bom. Então aqueles que ainda não haviam recebido a sua colônia, tiveram que ajudar na medição. Por causa da medição e da constante chuva, somente muito tarde nos foi possível iniciar a derrubada do mato.4
Mas o sonho de aventura e novos voos falaram mais alto e Beschoren
tinha que se encontrar com o Alto Uruguai.
Embora me sentisse muito bem nessa Colônia [Santa Cruz], centro das colônias alemãs, havia dias em que o desejo de conhecer o interior da Grande Província, na Região Montanhosa, da Campanha, tornava-se cada vez mais intenso. Inesperadamente, no início do mês de setembro de 1874, surgiu uma oportunidade para a realização do meu desejo: uma colocação em levantamento topográficos, de vários concessionários de terras no Alto Uruguai, estabelecidos pelo Governo Central à algumas Companhias. O propósito exigido era o de seguir viagem imediatamente (BESCHOREN, 1989, p. 14).
Em 19 de setembro de 1874 recebe o Eng. Schmitt, a quem o governo
entregara a Direção Geral das Medições e que já trabalhava na Serra e ultimaram
os preparativo. Parte dia 21 com tropa de burros para o transporte em cangalhas
das bagagens. A comitiva era formada por Beschoren, Schmitt e seu amigo
Carlos Trein Filho (administrador da Colônia, que iria até a fronteira), um velho
caboclo “Juco”, seu filhinho Isidro, mais 4 companheiros alemães. As peripécias
da viagem ocupam páginas de seu Beiträge.
4 Traduzido do alemão por Wolfgang Collischonn – “Os austríacos do Vale do Sampaio”. O Informativo - Edição 8081.
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Figura 01: Passo Fundo – Rua do Comércio em 1882.
Fonte: Desenho de Maximiliano Beschoren que ilustra a capa da obra Beiträge e em sua tradução Impressões, em 1989.
Colocou-se em Passo Fundo, trabalhando alguns meses na zona sul do
município e no de Soledade. Em junho de 1875 fez viagem a Nonoai, onde teve
longos contatos com os indígenas Coroados, hoje chamados Kaingang, que
descreve seu modo de vida em suas crônicas. Reconheceu o Rio Uruguai no vale
do Goyo-En, lugar de passagem das tropas de mulas para a Província do Paraná.
Realizou medições, ao que parece no triângulo Nonoai-Rio Peperi-Guaçu e Rio
Chapecó (SC), que veremos mais adiante.
A distância de Passo Reiúno [Goio-En], até a foz do Rio Chapecó (Província do Paraná), onde há pouco se descobriu uma fonte de águas medicinais, importa em dez e meia léguas. Quando as águas estão no nível médio, podem ser percorridas num dia. Até a foz do Peperi-Guassu, o rio que estabelece o limite entre Corrientes e a Província do Paraná, é de trinta e sete e meia léguas. (...) Estende-se um sertão inóspito, num comprimento de trinta e cinco léguas até o “Salto de Mucunã” [hoje chamado de Salto do Iucumã]. (BESCHOREN, 1989, p. 48).
Em março de 1876 viajou para Campo Novo, ao que parece para ver a
zona de fronteira, onde o Governo podia fazer concessões de terras para
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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colonização e havia interessados. Mas estas motivações o engenheiro não
explicita em suas descrições, preferindo narrar acidentes geográficos e
acontecimentos históricos, talvez pra cair no gosto dos leitores.
A “Picada do Pari” é muito importante. Forma a fronteira leste do Alto Uruguai, dando concessão à colonização. A picada foi aberta por uma comissão, nos anos cinquenta, sob a ordem do governo, cujo objetivo era reconhecer até onde se formava a fronteira entre o rio Uruguai e Corrientes (Argentina) (BESCHOREN, 1989, p. 58).
Após demorar-se três meses em Campo Novo ruma para as Missões, até o
Passo de São Xavier, província de Missiones. Em junho de 1876 retorna a Santa
Cruz e Porto Alegre para descansar.
Porém, poucos meses depois, fui convidado pelo Engenheiro Schmitt para novamente ir até o Alto Uruguai, com a finalidade de acompanhar a “Comissão Russa”, que percorria, como representante de uma população emigrante de meio milhão de almas (alemães-russos do Volga), por conta do governo central, para nas Províncias do Sul, escolher terras apropriadas para seus conterrâneos. Aceitei com alegria o convite e assim eis-me novamente no “far oeste” [sic] (BESCHOREN, 1989, p. 66).
Em Cerro Pelado, atual Porto Xavier, faz excursões, “para que o Sr.
Müller e Meier (?) se familiarizassem com a região”. Vadearam o rio Uruguai e
chegaram a Corrientes, e visitam as ruinas jesuíticas de São Francisco Xavier.
Em janeiro de 1877 encontra-se pela quarta vez nas Missões, em Santo
Ângelo. Fascina-se com as monumentais ruínas. Atravessou o rio Juhi Guassú,
acima do Passo da Colônia. Chega a São Nicolau, São Luiz, São Lourenço, São
Miguel e São João. Em Santo Ângelo presenciou a festa do Divino Espírito
Santo, cuja cerimonia que inclui novenas, fogos, cavalhadas, bailes, descreve.
Beschoren se diz agnóstico:
O espírito de religiosidade e devoção, no meu entender não estão presentes nestas festas, que como “Festas populares” são bonitas e divertidas, mas como “Festas religiosas”, são um tanto mundanas. Contudo: “Cada terra com seu uso. Cada roca com seu fuso”. (...) Nós achamos tudo isso bem ridículo, consideramos uma idolatria. Porém o povo não pensa assim. É o “Espírito Santo” que entra em suas casas, trazendo sorte e prosperidade (BESCHOREN, 1989, p. 73).
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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Percebe-se que o engenheiro tem dificuldade de compreender o sentido
religioso da população e rebaixa as manifestações como mero folclore. Mas
respeita e tolera o outro diferente.
Em meados de fevereiro de 1877 está na Vilinha da Palmeira,
acompanhado do eng. Schmitt, por dois meses. “Agora estou quase naturalizado
e desejo e espero ainda por muito tempo ser um morador provisório da região”
(BESCHOREN, 1989, p. 78). Acha que pode viver ali muito bem, não fosse a
competição partidária. Faz medições na margem esquerda do rio Inhacorá.
Descreve a seca e grande incêndio que devastou florestas, ervais, roças, até
Campo Novo.
Numa descrição do Rincão de Inhacorá, Beschoren revela para quem
trabalhava. “Apenas a menor parte desse afluente do rio Uruguai, cai na
concessão de Pereira & Duval. A projeção da linha de demarcação desses
terrenos em direção a leste passarão, aproximadamente, uma légua acima de sua
foz. (...) O Rincão é pouco habitado e pertence em grande parte à fazenda
Mont’Alvão, propriedade do Barão do Ibicuí (BESCHOREN, 1989, p. 81-82).
Permaneceu em Palmeira até outubro de 1880, e de janeiro de 1882 até
janeiro de 1884. Ai armou seu “Wigwan” (barraca, cabana), servindo de base
para determinar a altitude de uma série de pontos da região. Em excursão ao rio
Fortaleza, confirmando que não deságua no Rio Uruguai, como era confundido
com o Rio Pardo. Elogia a fertilidade de seu solo e a qualidade da erva-mate.
“No entanto, a população é pobre, pobre junto aos recursos que não se esgotam.
O município está muito distante dos grandes centros comerciais, isolado e
abandonado no longínquo noroeste da Província” (BESCHOREN, 1989, p. 87).
Em março de 1879 fez uma viagem de estudos pela selva até o rio Uruguai
para procurar um caminho que tornasse mais próximo com a Província do
Paraná. O Relatório minucioso dessa devassa encontra-se nesta obra. O Capítulo
VII de Beiträge é todo dedicado à “Viagem de pesquisa pela selva do Rio
Uruguai (Município de Palmeira)” (BESCHOREN, 1989, p. 97-114), com
variantes da versão reproduzida na obra de Evaristo Afonso de Castro. Outra
crônica de Beschoren ocupa-se de uma das três viagens de Palmeira até Santa
Cruz, em julho de 1877 (BESCHOREN, 1989, p. 89).
Tantas andanças deixaram Beschoren expert em viagens: “Mais de 2.000
léguas percorri até setembro de 1874, e 900 léguas até maio de 1876, só em
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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viagens e excursões. Atravessei a Serra Geral dezesseis vezes, em sete pontos
diferentes, assim que trechos de 100 léguas não me preocupam mais. Não faço
grandes preparativos, estou pronto para a partida em 24 horas” (BESCHOREN,
1989, p. 11).
Outro périplo deu-se em fevereiro de 1883. Estando em Passo Fundo
recebeu um emissário de Santo Ângelo convidando-o para uma divisão de uma
grande fazenda no Passo de Garruchos no rio Uruguai. Na cidade fez as atas da
medição. Revisitou sete anos depois as ruínas das Missões. Lá chegando, o juiz
municipal resolveu adiar a medição. O engenheiro retorna em maio com um
acompanhante e o seu companheiro preto, “de muitos anos, o “Sexta-feira” – que
por mim foi alforriado, como recompensa pela sua lealdade e afeição”
(BESCHOREN, 1989, p. 121-122). Júlia S. Teixeira na publicação traduzida do
Beiträge informa:
O preto, por ele alforriado, recebeu o nome de Carlos Beschoren, e sempre o acompanhou pelas suas andanças. Mas Beschoren comprou o escravo numa feira onde deixou-se penalizar pelo negrote. (BESCHOREN, 1989, p. 122, nota rodapé.).
Percebe-se que nosso biografado não se revela um antiescravagista, mas o
fez na prática, mostrando sua capacidade de inculturar-se.
UM TRÁGICO FIM
Mas a vida lhe reservava momentos difíceis, que não menciona em seus
escritos. “Lutando contra a miséria, já com poucas medições, a vida ia-se lhe
tornando cada vez mais difícil. E são esses revezes financeiros que o levam a
uma profunda neurastenia e finalmente ao suicídio, em 1887”, (KOSERITZ in
ANNUARIO, 1890, p. 143-146), informa o citado biógrafo.
Mas em meio de todos estes trabalhos scientificos, que nada lhe rendiam e aos quaes dava entretanto o melhor do seu tempo e de sua intelligencia, corria-lhe difficillima a vida com uma já numerosa família. E' duro dizel-o, mas é real: Maximiliano Beschoren luctou constantemente contra a miséria e para reunir o grande material scientifico, que ahi jaz hoje desaproveitado, porque falta-lhes a mente, que devia construir com elle admirável obra, impôz-se innumeras privações a si e á sua familia. Recrudesceram as contrariedades nos últimos a n n o s : Os filhos cresciam e precisavam de educação, mas o trabalho diminuía; não havia quasi medições a fazer e em vão
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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esforçava-se Beschoren (e esforçavam-se os seus amigos) para obter algum emprego, que lhe desse os necessários meios de vida. Finalmente parecia ter conseguido o seu fim: o Sr. barão de Capanema, o empregara nos trabalhos da commissão de limites e, terminados elles, promettêra-lhe outro emprego. Mas a fatalidade desencadeara-se sobre a cabeça do meu infeliz amigo; não sei o que foi que tão profundamente desnorteou-o. Mas é certo que em um estado de sobreexcitação nervosa, que já o privara do uso da razão, pôz termo á sua existência, deixando em grande pobreza a família, que idolatrava e em abandono todo o grande material scientifico que reunira em 19 annos de não interrompido trabalho. Eis, pois, o homem que por uma verdadeira fatalidade foi roubado á sciencia e que com seu longo e acurado trabalho prestou tantos serviços á província. A revista do Dr. Umlauft publicou uma biographia do finado e estampou o seu trabalho, tecendo os mais merecidos elogios ao meu pobre amigo. A provincia perdeu n'elle um dos seus homens mais úteis e eu cumpro um dever prestando-lhe esta ultima homenagem (KOSERITZ in ANNUARIO, 1890, p. 143-146).
Doutra parte, o historiador palmeirense Mozart Pereira Soares em sua obra
Santo Antônio da Palmeira, reproduz a versão acima da morte de nosso
biografado:
Empobrecido, endividado e doente, caiu numa profunda melancolia que o levaria ao suicídio, em Palmeira, no fim do ano de 1887, aos 40 anos de idade. Na região se conhece, em sua memória, apenas uma rua em Nonoai (SOARES, 1974, p. 322).
E acrescenta um depoimento de um familiar, provavelmente em forma
escrita:
Uma versão familiar do suicídio de Beschoren, narrada por seu Neto adotivo: “Aproximava-se o inverno de 87. Os nevoeiros intensos da região do Alto Uruguai onde trabalhava, não lhe permitiam ultimar os trabalhos que havia contratado com o Barão de Capanema. Preferiu a morte à falta de cumprimento da palavra empenhada” (SOARES, 1974, p. 322).
Sílvio Marcus de Souza Correa chega a aventar certo mistério sobre a
morte de Beschoren, sem dizer de onde partem os indícios dessa versão:
Sobre sua morte, ainda pairam dúvidas. Devido ao seu serviço de agrimensura é muito provável que indígenas desconfiassem de um projeto colonizador em Nonoai, aliás, local de sua morte e de uma reserva indígena. A tensão era grande nessa região, e Beschoren fez referência em seu diário sobre inamistosos contatos com indígenas. (CORREA, 2005, p. 237).
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
20
Pereira Soares, historiador palmeirense também menciona o parco espólio
deixado por Beschoren; e uma curiosidade:
Foi seu testamenteiro em Palmeira e tutor das filhas menores, Guilherme Fetter. Em seu inventário verifica-se o endividamento para com João Issler, de Passo Fundo. Os escassos bens deixados, estão quase todos comprometidos com essa dívida. Este documento (Arquivo público do Estado, Feito 180, maço n. 6, Estante 60) relaciona os livros deixados por Beschoren. Abrem a lista 30 volumes encadernados das “Obras completas do grande Poeta Alemão Goethe” (SOARES, 1974, p. 322).
Na edição brasileira de sua Beiträge, encontramos: Beschoren, com apenas
40 anos de idade, pôs termo a existência. Foi encontrado morto na barraca de
serviço, em Nonoai, no dia 22 de setembro de 1887, quando fazia a demarcação
do Triangulo, no trecho Nonoai, Peperi e Chapecó (BESCHOREN, 1989, 1ª
orelha).
Já o historiador eclesiástico Pe. Arlindo Rubert, em sua obra A Diocese de
Frederico Westphalen, muito utilizou do material deixado por Beschoren, do qual
tirou fotocópias no Arquivo Histórico e Geográfico Brasileiro no Rio de Janeiro.
Abre a primeira parte do livro com “um mapa inédito do abalizado agrimensor
alemão Maximiliano Beschoren, com as preciosas anotações que ele nos deixou
sobre a região de que nos ocuparemos” (RUBERT, 1972, p. 13). Situa a planta
anterior ao ano de 1887, “pois terminou as anotações em janeiro desse ano”.
Sobre a Nota Explicativa que acompanha o mapa, diz “que trai o espírito
pioneiro de seu autor, prendado de verdadeira capacidade profissional”.
(RUBERT, 1972, p. 13). E passa a citar o material preexistente que o engenheiro
lançou mão para a confecção do histórico mapa (que pode ser visto no texto desta
mesma publicação).
Interessante que Rubert, em nota de rodapé, traça um perfil biográfico de
Beschoren, “graças às informações cedidas, gentilmente, pelo amigo Dr.
Abeillard Barreto, em obra de sua autoria ainda inédita”. E ao final, opina:
O dia em que forem coligidos seus artigos, esparsos em periódicos do Brasil e da Europa, e aproveitadas as anotações de sua pesquisa científica, teremos excelente material histórico sobre as origens e situação geográfica de diversas regiões do nosso Estado. Mas teremos também substrato para melhor avaliar sua vigorosa personalidade (RUBERT, 1972, nota p. 13).
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
21
Após reproduzir ipsis literis partes e mais partes dos estudos Beschoren,
Pe. Rubert conclui: “Impressiona lermos, após quase um século, uma descrição
tão bem feita sobre a região do Médio Alto Uruguai, cujo potencial econômico
foi previsto pelo ilustrado agrimensor. Hoje está plenamente confirmada sua
previsão das coisas, pois a região que ele descreve é uma das mais ricas e
produtivas de todo o Estado, galardoada pelo Criador com belíssima natureza,
com clima saudável e com elemento humano de excelentes qualidades”
(RUBERT, 1972, p. 22).
E finaliza dizendo “Pena que tão ilustre pioneiro tenha sido esquecido e
não haja iniciativa de lhe perpetuar o nome e o mérito!” E puxa a nota de rodapé:
Somos da opinião que Maximiliano Beschoren bem merece que seu nome figure em alguma rua de Palmeira, em alguma estrada do Alto Uruguai, em alguma escola... Têm a palavra as autoridades! (RUBERT, 1972, p. 23).
Mozart P. Soares cita esta passagem (ele que não trata diretamente da
presença da igreja católica na história da região): “Concordamos com ele. É
tempo de tirarmos este nome para Abeillard Barreto comparável ao de Saint
Hilaire, do injusto esquecimento” (SOARES, 1973, p. 320).
A descendente de Beschoren Júlia Schütz Teixeira procurou divulgar o
nome e a presença de seu antepassado. Em 1986, no 7º Simpósio da Imigração e
Colonização Alemã no Rio Grande do Sul, em São Leopoldo, apresentou
trabalho com traços biográficos e atividades do engenheiro, que foi publicado em
seus Anais (BESCHOREN, 1989, p. 12). É dela também a iniciativa de publicar
a tradução de Beiträge no seu centenário, em 1989, resgatando a versão original
no Instituto Ibero-Americano de Berlin, cuja biblioteca detém todas as
publicações de Max Beschoren. Colaboraram na tradução a professora Ernestine
Marie Bergamann e o Cônego Wiro Rauber.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
22
Figura 02: Capa do livro Impressões de
viagem na Província do Rio Grande do Sul,
organizado por Júlia S. Teixeira, em 1989.
Foto: Livro disponível no Centro de Documentação e Pesquisa História do Alto Uruguai. CEDOPH – URI/FW
ATUAÇÃO PROFISSIONAL DE MAXIMILIANO BESCHOREN
Quanto à atuação como profissional e cientista na região do Alto Uruguai,
podemos dividir a ação de Beschoren em três momentos ou perspectivas
distintas, embora estivessem em tempos simultâneos: o estudioso da geofísica, o
propugnador da colonização do Alto Uruguai e o trabalho de divulgador da
região.
Contribuição à climatologia
Barreto frisa a presença de Beschoren pela sua colaboração ao surgimento
da climatologia no Rio Grande do Sul.
Ciência sempre descuidada, demandando observações constantes e metódicas, somente a perseverança de alguns particulares é que supriam de informações a incipiente climatologia, de que a Áustria era
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
23
o paradigma na segunda metade do século XIX. Começam também no RGS, com os estrangeiros aí chegados, as observações meteorológicas. Além das escassas informações nos diários das duas demarcações de limites, quem primeiro concatena dados num período mais longo é Friedrich Sellow, que deixa um registro dos anos 1823-1827 recolhido ao “Museum für Naturheilkunde”, de Berlim. Depois, de 1831 a 1852, há a coletânea de Aimé Bonpland, dispersa em Paris e Buenos Aires. Mas é somente com Max Beschoren que começa uma pesquisa cientifica a respeito, servida já com instrumentação mais ou menos adequada. (BARRETO, 1975, p. 134).
Ainda o autor de Bibliografia Rio-grandense enaltece a figura de
Beschoren mostrando os seguidores de sua obra no estado gaúcho:
Antes mesmo do desaparecimento prematuro desse vulto singular, seu exemplo frutificara com as contribuições de Karsten, Draenert, Lange e Breintenbach, seguidos mais tarde por Minssen, Wetzel, Voss e outros mais e, principalmente, com a instituição da Inspetoria de Praticagem da Barra do Rio Grande, em 1877, que começa suas observações continuadas pela Comissão de Melhoramentos das Obras da Barra instalada em substituição àquela. O antigo Liceu Rio-Grandense de Agronomia, de Pelotas, passa também a elaborar seus quadros meteorológicos, acionado por Minssen, mas é sobretudo o Dr. Graciano de Azambuja – um dos maiores espíritos que já produziu o Rio Grande do Sul – quem dá ênfase e método à investigação climática, divulgando a partir de 1888, no “Anuário”, os elementos colhidos primeiramente no Rio Grande, depois em Pelotas, S. Francisco de Paula, Santa Cruz e Porto Alegre, o que resultaria na fundação do Instituto Coussirat de Araujo. (BARRETO, 1975, p. 134).
Pode parecer estranho a ação de uma sistemática coleta de dados, como
temperatura, chuvas, relevo, altitude, latitude... que exigia um esforço constante e
metódico. Mas, destes dados resultam as constatações que servem de base de
novas pesquisas, estudos de grande relevância para a sociedade.
João Lima Sant’Anna Neto, em seu estudo sobre a história da
climatologia5 no Brasil, analisa as primeiras obras que trataram do clima e do
tempo, lembra que entre os pioneiros nos estudos atmosféricos nessa época havia
5 Frederico Draenert, assim definiu o que constituiria o campo de estudo da climatologia: “Demonstrar como o período de um anno se revela nos phenomenos da vida sobre a terra, sob as formas do movimento e repouso, da evolução prodigiosa e do retrahimento acanhado, do nascimento e da morte; como az zonas de latitude se distinguem nas suas multiplas sub-divisões pela evolução peculiar das mesmas e de diversas formas de vida, constitue o assumpto da climatologia”. (DRAENERT, Frederico M. O clima do Brazil. Rio de Janeiro: Typographia Carlos Schmidt, 1896. 63 p., aqui p. 5, citado por SANT’ANNA, 2001, p. 9).
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
24
uma complementariedade entre meteorologistas, politécnicos e geógrafos.6
Sant’Anna Neto (2001, p. 6) cita Ferraz:
No Brasil, as primeiras actividades meteorologicas, como seria de esperar, restringiram-se às observações climatológicas fundamentaes. Pequenas series aqui e acolá, sem grande uniformidade de methodos e de equipamentos, porém, conduzidas, algumas, com notável esmero e carinho. No último quartel do século passado e no começo do actual, apontam as primeiras organisações meteorológicas, sempre com o mesmo objectivo limitado da climatologia, cujas séries maiores já são manipuladas pelos grandes mestres estrangeiros, interessados nos estudos mundiaes”. E acrescenta em seguida “A não ser uma ou outra pesquisa especial conduzida no Observatório Astronômico do Castello, a cuja brilhante plêiade de scientistas muito deve a meteorologia brasileira, todas as atenções estavam viradas para a climatologia” (FERRAZ, 1934, p. 20 apud SANT’ANNA, 2001, p. 6).
No Quadro 3, constante de sua tese, Séries temporais de dados
meteorológicos conhecidos no Brasil nos Séculos XVIII e XIX, Sant’Anna Neto
(2001, p. 68) menciona a contribuição de Beschoren.
1869 - Rio Grande do Sul Max Beschoren Dados diários de temperatura
Coube a Graciano de Azambuja a dar a maior divulgação aos estudos
climáticos de Beschoren em solo gaúcho, através do seu Annuario da Provincia
do Rio Grande do Sul. No Annuario para o ano de 1885 escreveu “Elementos
para o estudo e determinação do clima no Rio Grande do Sul” (p. 218-230).7
Nele, emerge a figura de Beschoren como um pioneiro na climatologia. As ideias
estampadas nos ajudam a compreender o estado da arte daquela ciência.
Azambuja procura didaticamente explicar aos seus leitores as razões de inserir
listas de observações meteorológicas em seu Anuário:
Considero importantíssimo o conhecimento do clima de qualquer paiz ou região para aquelles que nelle habitam. Sem tal conhecimento é impossivel estudar com vantagem as suas necessidades agrícolas e hygienicas, os progressos possiveis na industria e na vitalidade ou torça da população. As culturas e as acclimatações dependem do clima. Os phenomenos athmosphericos ou climatericos determinam uma grande parte das condições vitaes em que se desenvolvem as plantas, os
6 SANT’ANNA NETO, João Lima. História da Climatologia no Brasil: gênese, paradigmas e a construção de uma Geografia do Clima. Tese de Livre-Docência. Presidente Prudente: FCT/UNESP, 2001. 7 Annuario da Provincia do Rio Grande do Sul para o Anno de 1885 - Publicado sob a Direcção de Graciano A. De Azambuja. Porto Alegre: Editores: Gundlach Cia, Livreiros, 1884, p. 218-230.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
25
animaes e o homem. Si a physiologia, a pathologia e a psychologia rio-grandenses dependem por um lado da natureza do solo e dos antecedentes característicos das raças que o occupam, não, se pode negar que são, por outro lado, essencialmente influenciadas pela atmosfera que as cerca. Desde que a atmosphera fornece elementos necessários á vida não se deve fechar os olhos ao seu estudo a menos que se não queira desconhecer as condições em que se vive. A importância da meteorologia – a sciencia da atmosfera – é hoje geralmente reconhecida por todos os que estudam com um espirito verdadeiramente scientifico, porque, sem fallar em outras razões de utilidade practica, se generaliza cada vez mais a convicção de que a meteorologia é que poderá dizer a ultima palavra sobre muitos phenomenos e problemas physicos. (AZAMBUJA, 1884, p. 218-230).
A seguir, o autor lamenta o atraso em que se encontrava a meteorologia
em relação a outros países, pela falta de observações numerosas simultaneamente
feitas em muitos lugares diversos. “O Brazil quase nada tem feito em favor do
progresso da meteorologia. Nem ao menos tem procurado conhecer a sua
climatologia, os climas de suas varias zonas e províncias” (AZAMBUJA, 1884,
p. 219).
Lembra que quando em 1881 escreveu o Catalogo da Exposição
Brazileira-Allemã e se deparou com o memorial e quadros de observações
meteorológicas realizadas pelo Dr. H. Blumenau na colônia do mesmo nome, na
província de Santa Catarina, entendeu que “seria utilíssimo para atrair a
immigração estrangeira, a quem esse catalogo é também dedicado, dar uma idéa
ligeira, porém exacta, do clima do Rio Grande do Sul” (AZAMBUJA, 1884, p.
219).
Parcos, pois, eram os dados disponíveis que o diretor passou a publicar em
seu Annuario da Provincia: observações meteorológicas feitas na cidade do Rio
Grande no sextenio de 1877 a 1882 pelo serviço da Conservação do Porto da
mesma cidade sob a direção do engenheiro Dr. Lopo Netto, “e na villa do Passo
Fundo no anno decorrido de novembro de 1880 a outubro de 1881 pelo Sr.
Maximiliano Beschoren, cujo amor por estas couzas não pode ser assaz louvado”
(AZAMBUJA, 1884, 1890, p. 220).
Reproduzimos os três quadros das observações do Dr. Maximiliano
Beschoren, quando residente em Passo Fundo, do Annuario Azambuja. Os três
últimos referem-se á um ponto no centro da zona septentrional e são deduzidos
das observações diurnas de um só anno. Os últimos registram apenas a
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
26
temperatura do ar, pressão atmosférica e aspectos do céu, com indicação dos dias
de chuva e de trovoadas.
Beschoren reclama dos poucos dados disponíveis para fazer uma descrição
climática da região, e repete Azambuja, ao dizer que “Ainda não temos no Brasil,
uma rede de estações meteorológicas organizadas e financiadas pelo governo,
que se estenda por todo o Império” (BESCHOREN, 1989, p. 179).
Refere-se ao Barão de Capanema, quando diretor do Serviço Telegráfico,
em 1874 mandou instalar equipamentos meteorológicos, no que resultou na
Província somente em uma estação em Porto Alegre.
Melhorou a situação quando a Comissão de Melhoramentos da Barra do
Rio Grande distribuiu os instrumentos mais imprescindíveis e coube a Beschoren
três que complementou o seu equipamento em sua estação: um pluviômetro, um
máximo e um mini-termômentro e um aneroide.
Mostra do profissionalismo de Beschoren nas suas pesquisas
meteorológicas encontramos neste trecho:
Quero acentuar que as pesquisas de temperatura realizada em Passo Fundo, São Luiz Gonzaga e Palmeira (1879-1887) foram feitas com um bom termômetro, completamente protegido contra a incidência direta ou indireta dos raios solares. Para a observação da pressão atmosférica empreguei um aneroide de Feiglstock, Viena (n. 50.806) regulado no Instituto Central em Viena. Em 1886, iniciei as observações com intervalos de 2 horas. (BESCHOREN, 1989, p. 181)
As figuras abaixo (03, 04 e 05) apresentam os quadros de Beschoren,
contendo suas observações meteorológicas, realizadas em Santo Antônio da
Palmeira, nos anos de 1879, 1880, 1881, 1886 e 1887.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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Figura 03: Quadro de observações meteorológicas de Beschoren, realizadas em Santo Antônio da
Palmeira (1879-1880; 1886-1887).
Fonte: Livro Beiträge e reproduzidas em Beschoren (1989, p. 185).
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Figura 04: Quadro de observações meteorológicas que compila informações do período de 1880, 1881,
1886 e 1887 (parte I).
Fonte: Livro Beiträge e reproduzidas em Beschoren (1989, p. 186).
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Figura 05: Quadro de observações meteorológicas que compila informações do período de 1880, 1881,
1886 e 1887 (parte II).
Fonte: Livro Beiträge e reproduzidas em Beschoren (1989, p. 187).
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
30
No quadro 06, observamos os dados meteorológicos coletados por
Maximiliano Beschoren em Passo Fundo nos anos de 1880 e 1881.
Figura 06: Dados meteorológicos, de Passo Fundo, nos anos de 1880 e 1881
Fonte: Annuario da Provincia do Rio Grande do Sul. (AZAMBUJA, 1884, p. 228).
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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Figura 07: Quadros de observações de Beschoren, da temperatura em Passo Fundo, nos anos
1880 e 1881.
Fonte: Annuario da Provincia do Rio Grande do Sul (AZAMBUJA, 1884, p. 229).
Figura 08: Quadros de observações meteorológicas de Beschoren, pressão atmosférica em
Passo Fundo, nos anos de 1880 e 1881.
Fonte: Annuario da Provincia do Rio Grande do Sul. (AZAMBUJA, 1884, p. 230).
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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Fica-nos evidente, pelas indicações de Azambuja, que a intenção
primordial de Beschoren na coleta de dados atmosféricos e climáticos era o de
fornecer subsídios, que permitissem a conclusão que o clima da região que
analisava apresentava boas condições para a fixação de colônias formadas por
alemães, portanto com um clima semelhante ao da Europa, que permitiria uma
fácil adaptação e assimilação da população transplantada.8 Queria provar e
convencer também que o meio físico do Alto Uruguai pesquisado era favorável
para a saúde pública, a salubridade. O que estava em jogo, no fundo, era a
questão da imigração e colonização, temas vitais e da ordem do dia do
engenheiro. O pensador alemão Friedrich Ratzel (1844-1904), o precursor desta
teoria do determinismo geográfico, dizia que o homem seria produto do meio, ou
seja, as condições naturais é que determinam a vida em sociedade. O homem
seria escravo do seu próprio espaço. Assim, não faltava quem apregoasse
preconceitos do “mal dos trópicos” e da natural “superioridade” do homem do
mundo temperado. Como observa Sant’Anna:
Afrânio Peixoto, médico carioca que sempre foi intransigente contra esta postura preconceituosa em relação aos trópicos. Em uma de suas obras, “Les Maladies Mentales dans les Climats Tropicaux”, publicada em 1905, em coautoria com Juliano Moreira, demonstrou a inexistência de qualquer dependência entre as variações meteorológicas e os números de casos de alienação e demência, como se afirmava na Europa e nos Estados Unidos, considerando os aspectos sazonais do clima do Rio de Janeiro. (SANT’ANNA, 2001, p. 12).
Como se vê pela citação na época, estava instalado um debate sobre o
“determinismo geográfico”, ou seja, a influência dos climas nas características
dos povos. Beschoren esforça-se para provar a excelência do clima e do relevo
do Alto Uruguai para a instalação de propriedades agrícolas e pecuárias.
8 À frente do Serviço de Meteorologia da Secretaria de Agricultura de São Paulo, Belfort de Mattos, em 1910, publicou uma polêmica nota “Em defesa do clima de São Paulo”, quando procurava, de forma bastante engajada com a política de imigração do governo estadual, demonstrar as vantagens do clima paulista para o estabelecimento de imigrantes europeus e para o desenvolvimento da agricultura. Neste artigo, comparava o clima de São Paulo com o de Palermo – na Itália – argumentando que as médias anuais da capital paulista oscilavam entre 17,5oC e 18oC e, por isso, configurava-se como um clima “quase” europeu (SANT’ANNA, 2001, p. 16).
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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Propugnador da colonização
Outra faceta de Beschoren é uma pessoa decididamente interessada em
povoar regiões inóspitas que ele via como um Eldorado para quem se propusesse
a produzir, criar, desenvolver. E ainda Koseritz que nos lança luzes sobre um
desses empreendimentos:
Quando iniciou-se n'esta capital a mallograda empreza da colonisação das Missões (de José Innocencio Pereira, Duval & Comp.), seguiu Maximiliano Beschoren com a commissão d'engenheiros dirigida por meu amigo Dr. Gustavo Schmitt e desde então começou uma nova epocha de sua vida, fértil em grandes resultados para a sciencia. Maximiliano, ardente admirador d'aquella incomparável natureza é alma de poeta, apaixonou-se por essa região ainda desconhecida e tornou-se o seu melhor e mais habilitado explorador scientifico. Vivendo primeiro em Passo-Fundo e posteriormente na Palmeira, vivia das medições que fazia por conta de particulares, e empregava todo o resto do seu tempo em explorações scientificas, E’ assim que explorou todo o sertão do curso superior do Uruguay, tomando-se o seu melhor conhecedor (KOSERITZ, in AZAMBUJA, Annuário do ano de 1890).
Já se denota que tanto Beschoren, Koseritz, cientistas, intelectuais e outros
empresários, brasileiros e alemães, formavam um grupo de interessados na
colonização de regiões do Rio Grande do Sul ainda não povoadas (por não
índios) no final do século XIX. Importa aqui, pois, analisar quem formava este
grupo de empresários com foco em colonização de terras novas e qual era a sua
percepção quanto ao modelo de colônia proposto. Para tanto, na inexistência de
uma mais ampla exposição do que as rápidas passagens em que Beschoren se
refere ao tema (e que podemos ver nos seus escritos), recorremos ao pensamento
mais explícito de Koseritz, certos que havia uma comunhão de ideias, pois, como
veremos, obravam em conjunto.
Koseritz dava muita importância às questões sobre colonização, que
constituíam um tema de relevante dentro de suas atividades profissionais e seu
programa político.9 Vinculado à colonização estava a questão étnica, ou o
processo de integração do elemento teuto em solo brasileiro. Koseritz vai ocupar,
9 Valiosa fonte para conhecer o pensamento de Kosertitz sobre imiração e colonização sào os seus relatórios apresentados ao Presidente da Província quando ocupou o cargo de Agente Intérprete e de de Diretor Geral das Colônias Provinciais, entre 1867 e ..... WEIZENMANN, Tiago. “Sou, como sabem...” : Karl von Koseritz e a imprensa em Porto Alegre no século XIX (1864-1890). Tese (Doutorado) – PUCRS – Porto Alegre, 2015. Disponível em: <http://tede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/2524/1/467187.pdf. >
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
34
como colaborador e depois como redator, o Deutsche Zeitung e depois outros
jornais seus para defender suas ideias nesse aspecto. Para ele, o elemento alemão,
confiante em si mesmo, deveria fazer-se respeitar, como qualquer outro povo,
tornando-o capaz de representar o “vértice e a base da pirâmide social da
germanidade na província”. Afirmava que os “interesses do Brasil são hoje os
nossos, é nossa segunda, mas é dos nossos filhos a única pátria.”
(WEIZENMANN, 2015, p. 108). Essa postura lhe granjeou a confiança da
colônia germânica que o guindou a deputado da Assembleia Provincial (em
1883). Sua luta era a de dar cidadania aos estrangeiros aqui fixados, ou seja,
garantir-lhes não só o direito a seu modus vivendi (cultura) original, mas a
efetiva participação política.
Mesmo naturalizados, encontravam-se protegidos, mas sem direito. Era necessário, portanto, reinventar o papel dos imigrantes no Brasil, pela via da integração política. Nesse processo, como declarava o Deutsche Zeitung, os Brummer tiveram papel importante na tarefa de fortalecer o elemento alemão e atribuir-lhe mais inteligência, como se fazia ver, por exemplo, na presença de uma classe de agricultores mais instruídos. Pelo engajamento dito espontâneo no campo dos direitos e na imprensa livre, homens como Koseritz pleiteavam pela igualdade de direitos entre os brasileiros católicos e os imigrantes. (WEIZENMANN, 2015, p. 115).
O mesmo autor entende que Koseritz mantinha uma perspectiva histórica
para o processo, composta por três fases, das quais a última é a que estamos
analisando:
A primeira colonização havia sido concretizada pelo Império, com a criação dos núcleos coloniais existentes no 1º Distrito. A segunda, efetivava-se sob responsabilidade da província, o que deu origem a núcleos como o de Santa Cruz, Santo Ângelo, Nova Petrópolis e Monte Alverne. E havia uma terceira fase, cuja ação se dera por conta da iniciativa particular. Sendo assim, Koseritz valia-se de discursos inflamados para dar cabo a uma quarta etapa, que julgava que seria a mais propícia fase de colonização, concretizada pela utilização de capital estrangeiro para comprar terras e nelas fundar colônias [grifo nosso]. Ao olhar para todo o processo de colonização das décadas anteriores, compreendia que importantes entidades haviam contribuído para que a imigração alemã alcançasse os bons resultados que até a década de 1880 ela atingia. Lembrava-se de tempos difíceis para a colonização, quando propagandas contra o Brasil circulavam na Alemanha ou quando um decreto oficial prussiano restringia a emigração para o Brasil, em 1859. (WEIZENMANN, 2015, p. 147).
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
35
Relevante nessa análise é ver a rede internacional e de diferentes grupos
(políticos, empresários, intelectuais) em que participava. Destaque à Sociedade
Central de Geografia Comercial de Berlim, responsável por criar o seu órgão
impresso, o Export, pelo qual se lançava uma forte divulgação do Brasil na
Europa, além de organizar exposições internacionais inter-brasileiras e alemães,
permitindo uma aproximação entre os dois países. Koseritz entendia que seu
trabalho de divulgação também antecipava esse mesmo rumo, fato que incluía o
trabalho que desenvolvia em seus próprios jornais (WEIZENMANN, 2015, p.
148).
Outra era a Deutscher Kolonialverein – Sociedade Colonial Alemã, que
paralelamente à Sociedade de Berlim, desenvolvera-se, chegando, conforme suas
palavras, ao número de mais de quinze mil sócios. Prossegue Koseritz:
[...] capitais de muitos milhões de Reichsmark e que tem a sua frente um dos mais considerados membros do Reichstag alemão e da casa alta do parlamento alemão, o príncipe de Hohenlohe Langenburg, esta associação, digo, entendeu que não bastava tratar diretamente das questões de colonização, que era também necessário promover de forma prática a colonização em terras estrangeiras, enviando então os seus emissários a visitar diferentes países. (WEIZENMANN, 2015, p. 149).
Interessante que a Sociedade Central de Imigração (criada em
28.11.1883), agregava entre seus objetivos que incluíam o debate sobre a
imigração europeia ao Brasil, a criação de representações provinciais da
sociedade, as condições dos colonos, a nomeação de representantes para cada
colônia, a elaboração de planos para criação de colônias em áreas devolutas. Em
5 de outubro de 1884 surge a Sociedade Central de Imigração de Porto Alegre,
passando a ter obrigações que passavam a priorizar as demandas imigratórias
provinciais, da qual também Koseritz passava a ter importante atuação.
Como se vê, Koseritz propagandeava em favor de uma colonização que
previsse uma participação de capitais estrangeiros, o que, certamente, fez com
que a Sociedade Colonial viesse a investir em uma colônia, também com
indicações de Hermann von Ihering.10
10 Koseritz, segundo Weizenmann, citava Hermann von Ihering como amigo, um ilustre naturalista, que há tempos já vivia no Rio Grande do Sul, e que publicou na Europa uma importante obra sobre esta mesma província.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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Em 1885, inicia-se a colonização da colônia Provincial de São Feliciano,
adquirida pela Sociedade Hermann, ligada à Sociedade Colonial de Berlim, e da
qual Koseritz era representante no Rio Grande do Sul, onde esperava que ela
tornar-se-ia uma região produtiva. Contudo surgem na imprensa de língua alemã
em Porto Alegre e na Alemanha fortes oposições condenando o empreendimento.
E o projeto fracassou.
Evaristo Affonso de Castro11, em 1887, foi outro grande propagandista da
colonização da região missioneira. Em sua Noticia descritiva da região
missioneira coloca suas esperanças nas ramificações que o projeto incluía:
Temos fundadas esperanças de que a colonização do Uruguai se realizará num futuro próximo; porque a Sociedade de Geografia Comercial de Berlim tem tomado interesse em que a ideia se traduza num fato. O incansável propugnador de nossos interesses e progresso, o Sr. Carlos von Koseritz, não se descuida um só momento de ativar os meios de que podem trazer-nos os melhoramentos materiais e intelectuais, e em Berlim, onde atualmente se acha, impulsiona e procura conseguir os meios para que a colonização 153 alemã se estenda pelas margens do Uruguai e muito tem já conseguido para este fim. (CASTRO, 1887, p. 299).
Ele mesmo empreendeu no ramo comercial de colonização.
Estabeleceu em Cruz Alta um comércio de venda, especialmente a partir da a erva-mate. Com a ajuda do irmão, fez o negócio crescer e espalhar credibilidade por toda a região, possibilitando também o início de seus investimentos no ramo das empresas de colonização das terras devolutas da região. Desta forma, fundou a empresa colonizadora Castro e Silva LTDA, em sociedade com Francisco Claro da Silva e adquiriu uma colônia de terras localizada na divisa dos municípios de Cruz Alta e Passo Fundo. Para a ocupação de tal colônia, divulgou os lotes aos colonos vindos das colônias velhas. A ação de colonização ora descrita, não tem apenas relação com sua vida econômica de próspero investidor, mas se complementa com as características políticas que fazem parte de sua trajetória. (STREIT, 2011, p.4).
11 Evaristo de Afonso Castro era promotor público no município de Cruz Alta. Publicou nas duas últimas décadas do século XIX: Notícia descritiva na região missioneira, Gigante missioneiro, 3 ed. Cruz Alta: Serrana, 1951, História de um crime emocionante (descreve o assassinato de Otto Kliemann, acontecido na colônia Saldanha Marinho) e Histórico do Club Literário Aurora da Serra, Typografia do Commercial de Cruz Alta, 1887. Nasceu na Freguesia de Santa Maria de Âncora, Distrito de Braga, Província de Minho, litoral de Portugal, em 17.10.1852. Com 12 anos chega ao porto de Rio Grande, onde tratou de seus estudos num internato de uma ordem religiosa católica nesta mesma cidade durante alguns anos. Em 1884, casou com Veridiana da Silva Prado, na cidade de Cruz Alta, deixando quatro filhos; faleceu em 21.09.1910, na colônia Saldanha Marinho. Em Cruz Alta, Evaristo, juntamente com um grupo de apoio, funda, em 1882, o Clube Literário Aurora da Serra (ROCHA, 1980, p. 30). Participou na Revoluçào de 1893 ao lado das forças.
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Figura 09: Mapa constante da obra de Evaristo Affonso de Castro Notícia descritiva da região missioneira.
Fonte: O Mergulho no Seculum: exploração, conquista e organização espacial. Por Artur Henrique Franco Barcelos. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=nqgYAgAAQBAJ&printsec=frontcover&dq=inauthor:%22Artur+Henrique+Franco+Barcelos%22&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwiR-9OxsejLAhUCDJAKHYvBBJMQ6AEIHTAA#v=onepage&q&f=false.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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Figura 10: Mapa de los yerbales de las reducciones orientales, possivelmente elaborado pelo padre Joseph Tolu, no final do séc. XVII.
Fonte: O Mergulho no Seculum: exploração, conquista e organização espacial. Por Artur Henrique Franco Barcelos. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=nqgYAgAAQBAJ&printsec=frontcover&dq=inauthor:%22Artur+Henrique+Franco+Barcelos%22&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwiR-9OxsejLAhUCDJAKHYvBBJMQ6AEIHTAA#v=onepage&q&f=false.
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No modelo de colonização particular implementado no final do império e
inícios da república, podemos identificar grupos com funções distintas. Um braço
era o econômico, que alocava recursos financeiros para o empreendimento,
estrangeiros e/ou nacionais, quase sempre em vistas de lucros. Encontramos, em
tempos mais remotos, Blumenau, a Sociedade Herman von Ihering, José
Innocencio Pereira, Duval & Comp., Herman Mayer12 (Panambi, Xingu e Erval
Seco), Luce Rosa & Cia. (região de Erechim)... Houve vezes que a gleba foi
adquirida por indenização por parte do governo, como Antônio Teixeira do
Amaral (área na foz do Rio Fortaleza no rio Guarita). Outros empreendimentos
foram patrocinados por Associações criadas para o fim de colonização, como foi
a Wolksfarrein, que colonizou Cerro Azul e Porto Novo, hoje Itapiranga-SC.
Temos outo modelo na Companhia Jewish Colonization Association, bancado
com dinheiro do banqueiro judeu Barão Hirsch, com sede na Inglaterra,
organizou-se para promover a imigração de hebreus de vários pontos da Europa e
Ásia para diferentes regiões da América. Fundou a Colônia Philipson em Santa
Maria e Fazenda Quatro Irmãos (1909), próximo a Erexim. Há quem quer ver
uma motivação humanitária neste empreendimento.
A gleba da Colônia Xingu foi a primeira aquisição que Meyer fez no
Estado, através de seu agente Carlos Dhein, sediado em Cruz Alta. O nome
Xingu deve-se foi dada por este em homenagem a lembrança à região do Mato
Grosso, para onde fizera três expedições. A compra se efetivou em novembro de
1897, sendo vendedora a viúva Maria Rita do Espírito Santo. A carta em que
Dhein noticia seu chefe da aquisição nos é reveladora:
(...) de Palmeira fui seguindo a estrada que vai para o Paraná, nas margens do rio da Várzea, ali onde foi planejada para passar a estrada de ferro. (...) Ali comprei uma posse de uma senhora por 15.500 mil
12 Herrmann Meyer nasceu em 1871 em Hidburghausen, Alemanha. Seu avô fundara na cidade Gotha um periódico que evoluiu no Instituto Bibliográfico, onde destaca-se uma enciclopédia de projeção universal. Além do tino comercial, Herrmann detinha pendor a pesquisas sobre povos aborígenes primitivos. Daí sua vinda ao Brasil em 1896, passando por Porto Alegre, seguindo para Pinhal (próximo a Santa Maria) para contratar Carlos Dhein para seu capataz em sua planejada expedição às cabeceiras do Rio Xingu, com o objetivo de pesquisas geológicas, botânicas, zoológicas e etnográficas. Neste encontro nasceu o plano de montarem um empresa colonizadora no sul do Brasil. Esteve visitando suas posses em Panambi em 1898 e 1900. Interessante anotar que Meyer em 1900 rescindiu o contrato da Sociedade de Capital e Indústria que fizera em 1898 com Dhein. O prof. Lietzig – profundo conhecedor do assunto e responsável pelo arquivo histórico do município de Panambi - nos confidenciou que a motivação teria sido o mau gerenciamento do dinheiro por Dhein, o que o levou a apossar-se da casa da empresa na Colônia Xingu.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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réis. (...) A escritura dessas Terras foi feita em seu nome. A área é de 18.182.812 m2. Conforme os preços das terras praticados por aí, a área comprada parece cara. Mas é que não podia esperar mais. Minha casa já está sendo assediada de interessados compradores. Se eu começar a vender os lotes coloniais, já haverá retorno do dinheiro. Prometi vender as primeiras colônias por 700 mil réis. E quando tiver vendido de 10 a 15 colônias, pretendo aumentar o preço para 1.000 mil réis, subindo depois gradativamente. (...) Pretendo mandar dividir as terras em lotes de 48 hectares. Vai dar umas 40 colônias. Em volta dessa área ainda existem terras particulares e para alguns já fiz proposta de compara. Mas aquela gente ainda não quer vender à primeira vista. Mas eu agora tenho tempo. Posso pressioná-los, tomar chimarrão com eles e fazer propostas. (...) Por enquanto nem vou divulgar tanto, até que eu disponha de algumas centenas de colônias. (...) Investi meu dinheiro todo em animais: mulas, cavalos e outras coisas necessárias para tocas os nossos negócios. Pretendo reaver esse dinheiro e comprar terras.13
Estas linhas são suficientes para evidenciar que as transações de terras
tinham um objetivo precipuamente financeiro. Ou teria alguma filantropia? Ou
um patriotismo germânico? Ou, ainda, um misticismo ou espírito exótico? Pois,
se sabe, que ambos os empresários tinham um gosto acentuado por coisas
“exóticas”. Na mesma carta em parte transcrita, Dhein, informa Meyer que
depois da próxima viagem mandaria notícias dos “índios coroados” – Kaingáng –
seus vizinhos na Colônia em fundação. Da mesma forma, informa que estava
encaminhando um texto de seu diário na expedição ao Xingu – MT. Seria
publicado no Almanaque Kozeritz (novamente este nome!)14.
No que se refere à Colônia Xingu, importa dizer que seu desenvolvimento
foi um tanto moroso e sem muita expressão, talvez porque em fins de 1897 e
começo de 1898, Carlos Dhein ainda sonhava com núcleos de colonização na
costa do Uruguai e, também porque a partir deste ano os parceiros viriam a
concentrar sua atenção na área da futura Neu-Wuerttemberg – Panambi. Cabe
recordar, igualmente, que Dhein se equivoca ao achar que a estrada de ferro fosse
passar próxima à sua gleba.
Outro ramo era o político, cuja função era levar os interesses de
colonização até os agentes públicos e convencê-los dos benefícios da empreitada.
Agiam também após o povoamento, demandando verbas para a viabilidade e
13 Carta de 17.11.1897, de Cruz Alta para Dr. Herrmann Meyer. Anais do Arquivo Histórico. Nº 152, tradução de Eugen Leitzke – diretor do Museu Municipal de Panambi, onde se encontra farta documentação derivada do Escritório de Meyer. A série de cartas em questão são muito elucidativas para entender os reais interesses em jogo nestas negociatas de terras. 14 Trata-se do Koseritz Deutscher Volskalender, de Porto Alegre, o histórico foi publicado na edição de 1898. Leitzke traduziu-o e publicou em periódico de Panambi.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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desenvolvimento da obra colonizadora, como estradas, escolas. Atuavam nas três
esferas, como deputados ou vereadores. Koseritz é o tipo clássico; Haensel,
deputado provincial. Temos na Câmara Municipal de Cruz Alta Antônio Pinheiro
Machado e Hemetério Velloso da Silveira15; em Palmeira das Missões o Cônego
Teodósio de Almeida Leme. As associações com fins de colonização podem ser
colocadas nesse grupo, pois detinham poder “intelectual” e material de intervir a
favor dos projetos16. Caso da Sociedade Central de Imigração, acima citada.
O terceiro braço era formado pelos publicitários da causa, os que faziam a
função de divulgação e propaganda da colonização, procurando mostrar as
vantagens da aquisição de lotes. Através de pesquisas de campo queriam
demonstrar a excelência do solo e clima para determinadas culturas e de fácil
adaptação para a população transposta, caso típico de Maximiliano Beschoren.
Outros produziam peças de convite, diríamos hoje marqueteiros. Homens de
imprensa e de academias. Aqui encontramos Koseritz que usava o Deutsche
Zeitung e depois seu Koseritz Deutscher Volskalender de Porto Alegre. Faziam
ligações com divulgadores da causa na Europa, como Avè Lallement17. Também
Azambuja com seu Annuario da Provincia do RS e Evaristo Affonso de Castro.
Uma ação prática e relevante de Koseritz e companheiros pró-imigração
de alemães, foi a criação da Sociedade Central de Imigração – Centralverein für
Einwanderung -, em 1883, junto com Herrmann Blumenau e Hugo Gruber. Era
composta, de forma geral, por líderes da sociedade cujas ideias gozavam de
grande notoriedade nos círculos políticos e intelectuais do século XIX. Seus
15 Hemetério José Velloso da Silveira por muitos anos ocupou o posto de vereador e presidente da Câmara do município de Cruz Alta. (SILVEIRA, 1909, p. 326). 16 Por exemplo, temos uma “pretensão da Companhia Hamburg Sudamerikanisch Dampfchiffahrts Gesellchaft e da Associação Colonisadora Hamburgueza de 1849 [1894, cremos], requerendo, por seu representante Arnold von Zanthier, terras no Alto Uruguai, a fim de colonizar, sem ônus para o Estado. Respondeu, em junho de 1896, que faria a concessão, porém, não no Alto Uruguai, mas à margem do Rio Pelotas” conforme consta no Relatório dos Negócios das Obras Públicas, de 1896 (BESCHOREN, 1989). Diz ainda, que em 1860 uma Comissão Russa, após percorrer as três províncias do Sul do Império, disse no seu Relatório ao ministro da Agricultura: “O território melhor para nós, tanto pelo clima, como pela uberdade das terras, é na província do Rio Grande do Sul, na região entre os rios Piratini e Nhacorá” (BESCHOREN, 1989). - Fala, outrossim, de um tal de Sr Sellin, como um interessado pela colonização da mesma região (BESCHOREN, 1989). 17 Evaristo Afonso de Castro, refere-se a Roberto Avè Lallemant, que escreveu em 1874 a Kozeritz, de que o governo brasileiro devia reaver toda a região do Alto Uruguai e fundar estabelecimento coloniais ... (CASTRO, 1887, p. 343). Também em uma conferência feita a 11 de dezembro de 1878, na Sociedade Central de Geografia em Berlim, “que o governo devia tratar de reaver todo o distrito da margem do Uruguai, fundando assim o seu projeto de colonização” (CASTRO, 1887, p. 344).
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membros reivindicavam ser uma nova força na vida brasileira: “um grupo de
classe média consciente de seus interesses próprios e donos de uma crítica
coerente e cabal da sociedade tradicional brasileira”.18 No dia 5 de outubro de
1883 os três líderes citados publicaram um manifesto às classes dirigentes do
país nos seguintes termos:
A crise de desemprego que atinge o país, convence-nos de que é chegada a hora de dar primazia de atendimento à pequena propriedade em detrimento do latifúndio. Só pela pequena propriedade se consegue extrair da terra toda a sua riqueza. Somos forçados a olhar para a América do Norte que, em situação idêntica, chamou para seu território grandes massas de imigrantes, pois lá imperava a convicção de que só com elas seria possível levar o país ao desenvolvimento, o que realmente aconteceu. O mesmo programa poderá ser executado no Império, desde que sejam removidos alguns obstáculos que ora impedem sua concretização, quais sejam, os entraves para a grande naturalização, para o casamento civil, para a igualdade civil e a regularização dos direitos eleitorais dos naturalizados. A iniciativa privada deve intervir na imigração de europeus, notadamente na capital do Império, e a colaboração dos jornalistas, capitalistas, deputados e estatísticos é indispensável. (Koseritz Deutsche Zeitung, 8/11/1883. Tradução de Steyer. Cf. STEYER, Aspirações da população de origem alemã..., op. cit., p. 23-24. apud WESNMMAN, 2015, p. 129).
Koseritz argumentava que seria inevitável a subdivisão das grandes
propriedades de terras, diante do que denominava como transição inerente à
substituição natural da indústria pastoril pela agrícola, época de transição
necessária, infalível, pela qual haviam passado todos os povos, fazendo vingar a
pequena propriedade rural. Seria o trabalho do lavrador responsável por “encher
de ouro o erário público, é ele que fornece os alimentos a todos, é ele ainda, [...],
quem levanta o nosso comércio e dá-lhe vida e existência”.
Weizenmann faz ver que Koseritz na sua luta a favor da imigração e
colonização e defesa das demandas das colônias enfrentava acirrado debate com
deputados que pensavam diferente e/ou tinham uma pauta para outras
representações (WEIZENMANN, 2015, p.154). Enquanto o político defensor das
comunidades teuto-brasileiras acusava a “segregação destes núcleos pela
ignorância absoluta do idioma do país”, outros alegavam que seus projetos
tinham por resultado sobrecarregar as forças orçamentárias da província.
18 Hall citado por WEIZENMANN. HALL, Michael M. Reformadores de classe média no Império brasileiro: a Sociedade Central de imigração. Revista de História, São Paulo, n. 175, p. 147-171, 1976, p. 153.
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Estabelece-se, pois, uma polarização étnica na assembleia, colonialistas X
nativistas ou entre teuto-brasileiros e luso-brasileiros:
Assim, encontramos presente no debate que se fez entre José Bernardino da Cunha Bittencourt, Koseritz, Haensel e outros deputados, em sessão do dia 25 de abril de 1884, iniciada a respeito do pronunciamento em favor da petição enviada por Bittencourt em benefícios aos habitantes de Passo Fundo, observando que parte da província ocupada por “brasileiros”, especialmente localizados na Serra, era mal servida de vias de comunicação. O contrário, segundo ele, podia ser observado nas colônias alemãs, onde os governos imperial e provincial demandavam maior atenção. (Conforme Anais da Assembleia da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, 1884, p. 117, in WEIZENMANN, 2015, p. 119).
Bittencourt levantou outros problemas que reivindicava serem resolvidos
pelo governo da província: falta de instrução, bem como a recusa por parte dos
colonos alemães, em falar a língua vernácula ou ainda pela defesa da pronta
naturalização, no momento da chegada do imigrante, para que fosse, de fato, um
brasileiro.
Quanto à fixação de colônias na parte extrema do Norte do Estado,
Koseritz se posicionava contrário e inviáveis, pelo menos naquele momento, o
ano de 1867. Em seu Relatório deste ano, ao Presidente da Província, na
condição de Agente Intérprete da Colonização e Diretor Central das Colônias da
Província do Rio Grande do Sul, coloca sua opinião:
Outras 2 colônias, creadas pela Lei n. 407 de 19 de Novembro de 1859, na Serra de S. Francisco de Assis e nas margens do Uruguay, ainda não forão levadas à efeito, e talvez não o sejão tão cedo, pela razão muito justa das extremas dificuldades de communicação, que encontrarão os colonos n’esssas matas virgens do Alto Uruguai; enquanto tivermos terras disponíveis em lugares menos afastados dos centros commerciaes, será uma injustiça colocar-se colonos em aquellas alturas (KOSERITZ, 1867, p. 14).
O pragmatismo de Koseritz, como se vê, contrastava com o idealismo e
voluntarismo de Beschoren, como veremos.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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Figura 11: Carl von Koseritz.
Fonte: WEIZENMANN, 2015, p. 9.
Uma tentativa de colonização malograda
Nesta parte vamos analisar uma tentativa de colonização no Alto Uruguai
que malgrado não tenha saído do papel nos permite verificarmos como se
processaria o empreendimento de povoação. Em texto de Beschoren publicado na
Alemanha em 1880, referido por Barreto (1975), com o título Das Waldgebiet
des oberen Rio Uruguy in der brasilianischen Provinz São Pedro do Rio Grande
do Sul. Von Max Beschoren. (Mit einer Karte und Profil, Taf. IV), in “Zeitschrift
der Gessellschaft für Erkunde zu Berlin”. 1880, Bd. 15, p. 195-210, Tf. IV,
traduzido e editado no livro de Evaristo Affonso de Castro, encontramos essa
passagem que fala do empreendimento em que esteve envolvido e que não
frutificou.
Já duas vezes tentou-se a colonização dos terrenos do Uruguay. Em 1850, foram medidos e demarcados na barra do Ijuhy-Grande diversos prazos coloniais, porem nunca foram povoados, não só por haver n’aquella epocha, na Serra-Geral, lugar para milhares de colonos, como pela má direção dada ao serviço.
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Há annos foi concedida a sociedade Pereira & Cª., 100 leguas de terras para o estabelecimento de colônias, á esta sociedade pertenciam influencias alemãs, porem nada fizeram. Intrigas politicas fizeram abortar este grandioso projecto, porque mais tarde o governo decidio que eram 4 e não cem léguas, a concessão feita, e a sociedade abandonou seu projecto protelando-se desta forma por muitos annos a colonização do Uruguay. (CASTRO, 1887, p. 356).
Koseritz também faz alusão ao malfadado projeto, do qual deve ter
tomado parte. Necrológio de Beschoren afirma:
Quando iniciou-se n'esta capital a mallograda empreza da colonisação das Missões (de José Innocencio Pereira, Duval & Comp.), seguiu Maximiliano Beschoren com a commissão d'engenheiros dirigida por meu amigo Dr. Gustavo Schmitt e desde então começou uma nova epocha de sua vida, fértil em grandes resultados para a sciencia. Maximiliano, ardente admirador d'aquella incomparável natureza é alma de poeta, apaixonou-se por essa região ainda desconhecida e tornou-se o seu melhor e mais habilitado explorador scientifico. Vivendo primeiro em Passo-Fundo e posteriormente na Palmeira, vivia das medições que fazia por conta de particulares, e empregava todo o resto do seu tempo em explorações scientificas, E’ assim que explorou todo o sertão do curso superior do Uruguay, tomando-se o seu melhor conhecedor (KOSERITZ in Annuario 1890, p. 143-144).
As informações que nos chegam sobre a tentativa de implantar uma
colonização no Alto Uruguai em 1874 nos chegam do Jornal A Nação, da capital
do Império, na seção Parlamento - Câmara dos deputados, sob o título
“Concessão de Terras no Alto-Uruguay”. A razão da matéria foi uma celeuma
surgida quando Silveira Martins fez “grave censura ao honrado ex-ministro da
agricultura por ter autorizado a concessão de 10 léguas em quadro de terras
devolutas na fronteira do Alto-Uruguay”, ao passo que asseguram ser apenas 4. E
o periódico, para provar, publicou a íntegra do aviso de 19 de fevereiro de 1874,
no qual, é “autorisada a concessão de terras gratuitas no Alto Uruguay a vários
cidadãos que o haviam requerido, se estabelecera não excederem as conceções a
que fora dada à Ed. Serwank por aviso de 3 de dezembro 1873 e esta limitara-se
a 4 legoas quadradas” (Jornal A Nação, 1875, p. 2) .
O assunto ganha a imprensa rio-grandense, e enquanto o jornal A
Reforma, de Porto Alegre,
fundava-se no aviso por nós publicado para censurar o honrado ex-administrador do Rio-Grande do Sul por haver concedido 10 e não 4 léguas em quadro a José Innocencio Pereira e Friderico Duval, o Rio-Grandense, ponderando com razão que não somos governo,
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argumentou para defender o acto da administração com os termos do aviso existente na secretaria do governo. (JORNAL A NAÇÃO, 1875, p. 2).
No discurso do ex-ministro da agricultura e conselheiro Costa Pereira,
prestado no parlamento e transcrito no jornal lemos:
Tendo alguns cidadãos residentes nessa provincia requerido, em fins de 1873, ao governo imperial, terras devolutas nas fronteiras do Alto Uruguay, de conformidade com a 2ª parte do art. 1º da lei de 18 de setembro de 1850, e art. 85 do regulamento de 30 de janeiro de 1854, para nellas estabelecerem immigrantes, expedi aviso á presidencia da mesma provincia, em data de 19 de fevereiro do anno passado, autorisando a conceder as terras requeridas aquelles de entre os peticionários que quizessem effectivamente colonisal-as, contanto que fossem observadas as condições constantes do aviso do 13 de dezembro 1873, que deferira a Eduardo Serwank, proponente a igual empreza no município de Taquary e a que as conceções não excedessem as que foram feita ao mesmo Serwbank. Eis aqui os termos do aviso, que aliás o nobre deputado pelo Rio Grande do Sul acabou de ler. (JORNAL A NAÇÃO, 1875, p. 2).
E transcreve o aviso:
Directoria central. — Ministério dos negócios da agricultura, commercio e obras publicas, 19 de fevereiro de 1874. —Illm. e Exm. Sr. Attendendo ao que me requereram José Innocencio Pereira, Frederico Duval, José Felizardo & C., José Ladisláo de Barros Figueiredo e a Francisco Pereira da Silva Lisboa, para que lhes sejam concedidas terras gratuitas nessa provincia, afim de colonisal-as, resolveu o governo imperial, á vista das informações prestadas por V. Ex. em oficio de 27 de setembro e 28 de outubro ultimo, a autorisa-lo a conceder aquelles dentre os supplicantes, que queiram effectivamente promover a colonisação Das terras requeridas, sendo observadas as condições expressas no aviso de 3 de dezembro findo, sob n. 14, em relação a Eduardo Serwank, do que tudo se lavrará termo com as formalidades legaes; não excedendo as concessões á que foi feita ao mesmo Serwank. - Deus guarde V. Ex. etc. (JORNAL A NAÇÃO, 1875, p. 2).
Segue dizendo que houve um engano no aviso: “foi expedido em vez das
palavras: não excedendo as concessões à que foi feita a Eduardo Serwank, as
seguintes: não excedendo as condições à que foi feita ao dito Serwank”. E cita o
aviso para provar que se trata de 4 léguas quadradas.
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Reproduzimos a seguir o aviso enviado ao Presidente da Província, onde
encontramos as condições e os detalhes da concessão das terras e o projeto de
colonização:
Aviso ao presidente da província do Rio-Grande do Sul. - N. 14 - Em 3 de dezembro de 1873. Illm. Exm. Sr. Attendendo ao que requereu Eduardo Servank, resolveu o governo imperial que o preço das terras sitas no município do Taquary, a que se refere a informação contida em officio dessa presidência, de 29 de novembro do anno passado, seja pago pelo mencionado Serwank na razão de meio real por braça quadrada e o prazo de 5 annos, observadas, porém, as seguidas condições, do que tudo se lavrará termo com as formalidades legaes. I. - Serão as ditas terras colonisadas pelo comprador dividindo-as em lotes de 387,200 metros quadrados e vendendo-o medidos e demarcadas esses lotes, com casa provisoria, immigrantes morigerados e laboriosos, por preço nunca excedente a seis réis por braça quadrada, comprehendidas as despezas da demarcação e preparo dos mesmos lotes. II.- Obriga-se o concessionário a importar, no periodo de 5 annos, 200 familias de nacionalidade belga, agricultores, podendo ser 10 % do numero total de profissões diversas que entendam com as necessidades da lavoura. III.- No transporte dos immigrantes serão observadas as disposições do decreto n. 2,168 de 1 de maio de 1858, sob pena de não se contar a expedição em que forem transgredidas. IV - A procedência, idoneidade e a nacionalidade dos immigrantes, serão justificadas por documentos passados pelas autoridades civis dos logares de sua residência, autenticadas pelo respectivo tabellião, reconhecidos pelo agente consular brasileiro ahi residente e ratificados pelo agente do governo nos portos da província do Rio Grande do Sul, onde desembarcarem. V - Antes de embarcarem, os immigrantes assignarão perante o agente consular brasileiro, e na sua falta perante a autoridade local, declararão em duplicata de terem conhecimento das condições dos contratos que celebrarem com o concessionario para a sua importação no Império, com cláusula expressa de não virem por conta do governo imperial, do qual em tempo algum e sob qualquer pretexto, nada poderão reclamar além da protecção que as leis garantem aos estrangeiros laboriosos e morigerados. VI - Os contractos que o concessionario celebrar com os immigrantes serão authenticados por tabelião ou notario publico, e reconhecidos pelo cônsul ou agente consular brasileiro na localidade do contrato. Este agente representará ao governo quando os referidos contratos comprehenderem cláusulas onerosas ao Estado ou contrarias aos interesses geruos da colonização ou immigração, e o governo resolverá si deverão ou não ser modificadas depois de ouvido o concessionário. VII - Pela dívida que o immigrante contrahir, proveniente da compra do prazo colonial e dos adiantamentos que lhe forem feitos para passagem, transporte de bagagem e sustento, quer durante a viagem quer depois de seu estabelecimento, não poderá o conceccionário exigir juros nos dous primeiros anos, nem findo esse prazo, cobrar mais do que 6% anualmente, nem reclamar o seu embolso antes de 5 annos anos, contados da data do estabelecimento do immigrante.
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VIII.- No prazo declarado o concessionário deve construir á sua custa, no logar que fôr designado para centro da povoação, capella ou casa de oração, segundo a communhão a que pertencerem os colonos; e casas para escolas destinadas ao ensino de primeiras letras na lingua nacional aos meninos de um e outro sexo, contratando capellão, pastor e professores; bem como terá enfermaria para os doentes, dirigida por medico competentemente habilitado e provida de pharmacia. IX - A venda de lotes de terras aos colonos, a prazo de cinco annos, será feita mediante titulo provisório que será substituído por outro definitivo de propriedade, quando a sua importância estiver paga. X - O pagamento do preço dos lotes não se poderá tornar effectivo senão depois de ter o concessionário entrado para a thesouraria de fazenda com o valor das terras, e obtido o competente titulo de domínio, sob pena de considerar-se nulla a transação feita. XI - Si findos os 5 annos prefixados para o pagamento das terras, o concessionário não tiver effectuado a introducçao das 200 famílias na forma estipulada, pagará a preço de 6 rs. por braça quadrada a porção de terra que faltar á razão de 80,000 braças por familia que deixar de introduzir. XII - Si decorridos três annos, não tiver o concessionário importado e estabelecido 150 famílias, pelo menos, considerar-se-ha caduca esta concessão, volvendo as quatro léguas quadradas ao domínio do Estado, por conta do qual se arrecadará a importância dos lotes ocupados pelos colonos, não cabendo ao concessionário direito de indemnização alguma e sob qualquer titulo ou fundamento. XIII - Julgar-se-ha também rescindido, si o concessionário não tiver pago o preço das quatro léguas quadradas um mez depois de extincto o prazo de cinco annos, ou si deixar de cumprir a obrigação das clausulas 5, 6, 8,11, e a que se refere ao preço pelo qual o concessionário não poderá exigir dos immigrantes mais de 6 rs. pelos lotes coloniaes medidos e preparados. Deus guarde a V. Ex. José Fernandes da Costa Pereira Junior. (JORNAL A NAÇÃO, 1875, p. 2-3).
A presidência da província do Rio-Grande do Sul deferiu a dois dos
peticionários, o comendador José Inocêncio Pereira e Frederico Duval,
concedendo-lhes dez léguas em quadro de terras no Alto Uruguay, extensão a
que se refere o regulamento de 1854. Com efeito, no seu art. 85, em relação ao
que dispõe a 2ª parte do art. 1º da lei de 18 de setembro de 1850, autoriza nas
fronteiras a concessão de terras, cuja área seja equivalente a 10 léguas em quadro
sendo para cultura, isto para cada colônia de 1.600 pessoas; além de um subsidio
para auxilio da empresa, regulado conforme as dificuldades que essa oferecer.19
Em inicios de 1875, a presidência da província comunica o Ministro de
uma representação da respectiva Assembleia Legislativa, em que pedia
providencias a respeito da medição das terras concedidas a Pereira e Duval, na
extensão das dez léguas em quadro, “por julgal-a prejudicial á população local, 19 RIO GRANDE DO SUL. Secretaria da Agricultura. Coletânea – Legislação das Terras Públicas do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Secretaria da Agricultura, 1961.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
49
privando-a de hervaes e campos de uso comum”. O ministro respondeu em
junho, declarando que o governo imperial, mantendo sua resolução, quanto às
concessões, recomendava que as medições “fossem feitas de maneira que se não
offendessem direitos de terceiros; devendo ser legitimadas as posses ali
existentes que estivessem nas condições legaes e preferidos, para compra das
terras, os que as ocupassem, attendendo-se quanto possível às razões de equidade
que houvesse em favor dos posseiros”. E busca amparo na legislação:
A respeito de hervaes o que consta é que, por aviso n. 2 de 20 de maio de 1861, o governo imperial, em virtude de representação da assembléa legislativa do RGS, declarou permitir a concessão de pequenos lotes de 250.000, 125.000 e 62.000 braças quadras, conforme as forças de cada família, aos cultivadores de herva mate, na zona das fronteiras, devendo a presidência da provincia organisar um regulamento para semelhantes concessões, sujeitando-o, porém, previamente a approvação do governo, o que não foi cumprido até hoje. Si os campos de que se trata são de uso commum e estão comprehendidos nas disposições do § 4º do art. 5° da lei de 18 de setembro de 1850, é bem de ver que serão respeitados, pois que o meu aviso determina que as medições sejam feitas sem offensa de direitos de terceiro.
Assim, vemos que o ministro acompanhou o entendimento do deputado
Silveira Martins “no desejo que S. Ex. manifesta de serem devidamente
attendidos e honrados os bravos voluntários da pátria que tão alto ergueram o
pavilhão nacional nos campos de batalha”. Não podemos averiguar nesta
proposição qual a relação entre os ervateiros e os ditos heróis. E lembra a causa
da colonização:
Mas S. Ex. me ha de permittir que, comparticipando deste seu sentimento, não deixe de considerar também de muita utilidade e dignas de toda a protecção do governo as tentativas sérias que se fizerem para povoação das terras existentes no Alto Uruguay. São obvias as vantagens que podem resultar para a provincia e para todo o Imperio desta empreza, nao sendo das que menos se devem esperar as que se referem á segurança daquella nossa importante fronteira. Ora, os concessionários comendador José Innocencio Pereira e Frederico Duval, com quem aliás não tenho a satisfação de entreter relações são pessoas que se acham em condições muito favoráveis para realisação da empresa.
Neste momento do pronunciamento, Silveira Martins faz um aparte: —
“As pessoas são boas, não contesto”. Ao que Costa Pereira corrobora:
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
50
O primeiro é um dos mais importantes capitalistas e proprietários da cidade de Porto Alegre, e pessoa de distinctos créditos; e o segundo é também vantajosamente estabelecido e conceituado no commercio da mesma cidade. Isto posto, devo dizer francamente que as 4 léguas quadradas a que se referiu o meu aviso de 10 de fevereiro de 1874 me parecem insuficientes, uma vez que os emprezarios tenham de estabelecer nas longinquas regiões do Alto Uruguay, não as 200 famílias, ou cerca de 1,000 immigrantes, numero fixado na concessão Serwank, e sim 1,600, nos termos do art. 85 do regulamento de 30 de janeiro de 1854, sendo que não recebem subvenções, e é da acquisiçao, das sobras das terras que podem tirar remuneração para os trabalhos e dispendios da empreza. O Sr. Silveira Martins: O que devia ter sido então considerado. O Sr. Costa Pereira: Refiro-me ao maior numero de immigrantes que tenha de ser estabelecido, e bem ponderadas as dificuldades da empresa em tão remotas regiões. Eis, Sr. presidente, as explicações que devo dar acerca do objeto do requerimento do nobre deputado pela provincia do Rio Grande do Sul. O Sr. Silveira Martins: Explicou muito bem. (JORNAL A NAÇÃO, 1875, p. 2).
Importa anotar que essa colonização fracassou, pelo menos parcialmente,
como não fluiu a que Beschoren estava envolvido e depositava muita confiança,
não sabemos se foi somente a redução da área de 10 para 4 léguas em quadro.
Eduardo Serwank traspassou o titulo de propriedade das quatro léguas de terras
no município de Taquari a ele concedidas para colonização, em aviso de 6 de
Setembro de 1878 a José Francisco dos Santos Pinto, e com a sua morte foi
solicitada a transferência para sua esposa D. Margarida Carolina dos Santos
Pinto. E não podendo realizar esse fim da concessão, quis ficar proprietária
dessas terras sem os ónus que lhe foram impostos. O Ministério da Guerra, pelo
Tenente Antônio José Ferreira Júnior, assim despachou:
Já estariam de certo povoadas essas terras por colonos á vista da sua excellencia, se o Estado não as tivesse cedido tão descuidamente aos antecessores da supplicante e a ella, que não só embaraçaram aos colonos a acquisição delias, como declararam-se impossibilitados de cumpriras obrigações que contrahiram. É esta mais uma prova de ser pernicioso a systema seguido de ceder, terras publicas a particulares para colonisa-las, demonstrando-se mais uma vez, que ao governo é que incumbe preparar as terras publicas melhor situadas para accommodação dos colonos. Indefiro o presente requerimento. Expeça-se aviso ao presidente da província do Rio Grande do Sul para mandar passar á supplicante titulo de propriedade, tão somente dos 155 lotes coloniaes ocupados pelas 142 familias que nelles estão estabelecidas, reservando para o Estado os demais terrenos, livres de todo o compromisso e sem direito a qualquer indemnisação. Procedimento este que, deve guardar para com todos os outros possuidores de terras em idênticas circumstancias, devendo para este
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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fim mandar examinar o estado de todas as concessões feitas pelo governo imperial naquella província, com toda a urgência. — Tenente Antonio José Ferreira Júnior. Selle o memorial. (Revista de Engenharia, 1883, p. 34).
Beschoren, resignado, lamenta o fracasso desse empreendimento, que
depositava muita esperança:
Há anos foi concedida a sociedade Pereira & Cª., 100 léguas de terras para o estabelecimento de colônias, a esta sociedade pertenciam influencias alemãs, porém nada fizeram. Intrigas políticas fizeram abortar este grandioso projeto, porque mais tarde o governo decidiu que eram 4 e não cem léguas, a concessão feita, e a sociedade abandonou seu projeto protelando-se desta forma por muitos anos a colonização do Uruguay. (CASTRO, 1887, p. 356).
Contribuição na cartografia
Outra faceta das atividades profissional de Beschoren foi a de cartógrafo,
na coleta de dados e elaboração de mapas. Aqui sua contribuição foi deveras
relevante, situando com precisão pontos até então desconhecidos ou erradamente
marcados. E critica este atraso:
O naturalista Dr. Reinhold Hansel visitou a Província em 1865, e revendo as provas cartográficas sobre a região montanhosa, no arquivo de Porto Alegre, chegou à conclusão: ser melhor elaborar um mapa com base nas informações dos tropeiros (BESCHOREN, 1989, p. 169).
Admite a existência de dois mapas na Província chamados “oficiais”, mas
“ambos – escreve – são incompletos, inexatos, porque o material existente, se
limitava à orla marítima e à região colonial” (BESCHOREN, 1989, p. 168). No
tocante à cartografia da região norte, onde mais dedicou seus estudos, observa:
Para a confecção do primeiro mapa [na escala de 1:720.000, 1857-1868], foi empreendida uma exploração do rio Uruguai, com a abertura da Picada do Parí, no município de Palmeira, sob a direção do tenente-coronel José Maria. (...) Aquela expedição custou centenas de contos de réis. No referido mapa oficial, os dados foram aproveitados tão levianamente, que aparecem diferenças de 4 a 10 minutos. Creio que isto dispensa qualquer comentário e determina o valor do mapa (BESCHOREN, 1989, p. 168).
Para Beschoren as circunstâncias melhoraram nos anos seguintes, quando
conseguiu material abrangente e seguro para o mapeamento da região
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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montanhosa. As informações seguintes dão conta de como se processou a
discriminação das terras do Alto Uruguai no período imperial. Recordando que
por centenas de vezes participou destes trâmites, como se vê pela listagem de
propriedades em que levantou a área, determinando o que era campo e mata:
Esse material, rico em conteúdos, se deve ao cumprimento firme da “Lei” de 1854, que exigia a legitimação das propriedades privadas e a delimitação das terras devolutas. Ninguém deu atenção a essa lei, que foi recebida com desagrado pelos grandes latifundiários, e com desconfiança pelos pequenos, embora ela só possa regular a situação da posse de terras. Mas, com o impulso da colonização, e a valorização da terra, os proprietários reconheceram a necessidade da demarcação e as vantagens decorrentes da lei. O pessoal técnico encarregado de executar a obra, pelo menos na região montanhosa, constava só de alemães, ao lado do juiz-comissário, que examinava os direitos dos posseiros e vizinhos e lavrava as atas da medição (BESCHOREN, 1989, p. 169).
O grupo de engenheiros teutos que monopolizavam as medições de terras
nas colônias antigas da Serra e na região missioneira contava com o Beschoren, o
Eng. Schmidt (trabalhou, inclusive com Beschoren, em Passo Fundo, desde o
Passa Sete, limite com Rio Pardo – até Nonoai; em 1876 fez medições em
concessões no Alto Uruguai), Carlos Trein e Bartholomy.
A figura a seguir apresenta posições astronômicas de diversos municípios
que Beschoren utilizou na confecção do seu Originalkarte, de 1886. O
consciencioso engenheiro fez constar os observadores responsáveis: M. P. Cunha
Reis, Comissão do Tte. Cel. José Maria e Félix do Amaral.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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Figura 12: Relação de posições astronômicas de diversos municípios que
Beschoren utilizou na confecção do seu Originalkarte, de 1886.
Fonte: O quadro consta no Beiträge de 1889 e na tradução Impressões (1989, 170).
Os mapas elaborados por Beschoren, segundo Abeillard Baretto são:
1 – Zur Geographie der Provinz Rio Grande do Sul, aus einem Schreiben
na Dr. Henry Lange von M. Beschoren, in “Zeitschrift der Gesellschaft für
Erkunde zu Berlin”, 1878, Bd. 13, p. 417-431.
A carta foi datada de Santo Antônio da Palmeira, junho de 1878. O autor faz referencia à cartografia citada por Reinhold Hensel, mas alude a seu pouco valor quanto ao interior do R.G.S. Reporta-se a uma missão geodésica encarregada de traçar uma “carta itinerária” do Império que dois anos antes, chefiada pelo Dr. Weinelt, havia começado seus trabalhos no R.G.S., mas que 1 ½ anos após regressara ao Rio de Janeiro sem divulgação qualquer, por fatores estratégicos. Informa que o engenheiro Schimitt já há 6 anos (e com quem trabalhara em 1874-1875) fazia levantamentos no município de Passo Fundo e reunira abundante material, assim como, juntamente com o
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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engenheiro Trein, colecionara um rico documentário sobre as colônias alemães. Descrição de Rio Pardo, Cachoeira e Santa Cruz. (BARRETO, 1975, p. 137).
2 – Planta dos terrenos legitimados no Campo novo, Guaryta e Herval
Secco, Município de Sto. Antº da Palmeira, Província de São Pedro do Rio
Grande do Sul. Organizada e desenhada pelo agrimensor Maximiliano
Beschoren, 1886. Mss., colorida. 0,m446 x 0,m556. Acha-se no Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, Mapoteca 3, 1, 18. Diz Baretto
“Trabalho minucioso, em que se aprecia o levantamento metódico de toda a zona
cartografada”.
3 – Planta do Município de Stº Antº da Palmeira com o Districto de
Nonohay, Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul. Organizada e desenhada
por Maximiliano Beschoren. 1886. Manuscrita, colorida, original (com assinatura
autografa), 0.m,621 x 0.m,655. Acha-se no IHGB, Mapoteca 3, 1, 24.
Anexo a este mapa, existe um manuscrito de Beschoren, do qual observa
Baretto:
Em autógrafo de 13 pgs. escritas, assinado no fim: “Santo Antônio da Palmeira, janeiro de 1887. Maximiliano Beschoren, agrimensor”, existe no arquivo do mesmo IHGB (lata 133, doc. 14) uma “Nota explicativa sobre a Planta no Município...”, que complementa esta carta, com várias coordenadas, histórico das colônias, alturas, dados meteorológicos, apontamentos geográficos etc. É, talvez, o último trabalho elaborado por Beschoren antes do suicídio e a letra do manuscrito parece demonstrar a neurastenia de que já estava possuído. (BARRETO, 1975, p. 136).
Este documento é transcrito na segunda parte desta obra.
4 – Originalkarte des nordwestlichen Teiles der brasilianischen Provinz
São Pedro do Rio Grande do Sul. Nach den neuesten Materialien und mit
Benutzung eigener Aufnahme entworfen und gezeichnet von Max Bechoren.
1886.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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Figura 13: Detalhe do Mapa constante da obra “Beiträge...” com a região do Alto Uruguai.
Fonte: Anexo do livro Impressões de Viagem na Província do Rio Grande do Sul, 1989.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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A PERCEPÇÃO DE BESCHOREN SOBRE A COLONIZAÇÃO
Pinçamos algumas passagens de seus escritos que revelam seu
entendimento quanto ao povoamento da região. Lembrando que outros são
encontrados nos textos transcritos nesta obra.
Quando Beschoren sobe pela primeira vez o “Cima da Serra”, em 1874, na
localidade serrana de Lagoão (longe 9 léguas de Soledade), toma contato com a
população, e constatou uma inaptidão à agricultura:
Durante minha permanência na região montanhosa, notei nos moradores certa versão e desprezo pela agricultura. (...) Pelo fato da Província do Rio Grande sempre se dedicar somente a criação de gado, houve um atraso em relação à agricultura. Devido à expansão da colonização, aos poucos se valorizou o solo, fazendo-se notar também o desenvolvimento da indústria, como consequência natural por determinadas culturas. Só criando gado, nunca teremos indústrias. O nosso campeiro, “verdadeiro rei da coxilha”, nunca será um indústria. (BESCHOREN, 1989, p. 28-29).
Vê-se que o viajante analisa a realidade sob certos pressupostos como o
determinismo, onde uma cultura é apta a tal cultura e outra não. Assim também
como a apologia à agricultura e lides ligadas ao solo, que explicam per si a vinda
da indústria. E a indústria frigorífica? E segue falando de sua proposta,
lembrando que a escrita é posterior aos fatos narrados (após 1883, 34):
O meu ponto de vista, na ocasião muito contestado, é que o Município de Soledade e o distrito de Lagoão terão grande desenvolvimento se forem colonizador por alemães. Não estou pensando em fundar colônias, Deus guarde!! Penso que, aos poucos, acontecerá o estabelecimento isolado de famílias coloniais. Serão os precursores e pioneiros na cultura do solo. Acharão boas terras, por preços baixos, e alcançarão ótimos resultados. “Lançada a primeira pedra”, pelos colonos, o resto virá por si. (...) Melhorando os meios de comunicação com a região baixa, poderá mudar-se a ideia generalizada de que a região de “Cima da Serra” se localiza no fim do mundo, coberta de campos e pinheiros, habitada por alguns maus elementos. O progresso da região será imediato, se houver participação mais adequada no setor agrícola. (BESCHOREN, 1989, p. 29)
Repete-se a mentalidade que vê na agricultura a panaceia de todos os
males; a redenção ou o ingresso do progresso fatal e infindável da região
dependeria, nesta visão de mundo, unicamente da opção pela lavoura em
detrimento da pecuária, tida como causadora do atraso.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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Talvez na cabeça do engenheiro a dinâmica da história era de que acabara
o ciclo da pecuária e alvorecia no seu lugar o ciclo da agricultura. O estancieiro
cedia o protagonismo ao lavoureiro. Em sua viagem de Passo Fundo a Campo
Novo, em março de 1876, nos deixou além da paisagem essa inconsciente noção:
Passamos por diversas estâncias, que por suas dimensões se parecem com “uma moradia senhorial”. As grandes estruturas, hoje estão em ruínas. A prosperidade passou. Extinguiu-se uma antiga e orgulhosa geração de estancieiros. (...) Assim como a casa, toda a redondeza está em ruínas. A mangueira, que pelo tamanho, deveria comportar grande numero de animais, transformou-se parcialmente, em gramado, prova de que poucas vezes é utilizada. (...) Pergunta-se pelos tempos de prosperidade e os motivos da decadência das estâncias? Sabe-se então que a tempestade da “Revolução Farroupilha”, durante dez longos anos, devastou a Província e a todos trouxe o naufrágio (BESCHOREN, 1989, p. 57).
Evidencia-se também no texto anterior que o autor não tem uma leitura
ingênua da economia. Ele via que sem a existência de boas vias de comunicação
com os centros maiores de consumo – a chamada região baixa -, a região estaria
fadada ao ostracismo.
Noutra passagem transparece a mentalidade iluminista, numa crença
absoluta na civilização. Ao visitar as ruínas de São Francisco Xavier, em 1876,
Beschoren narra nas crônicas que enviava para o jornal alemão Deustche
Zeitung, de Porto Alegre, a contenda que terminou com a destruição daquele
Pueblo. Lamenta a decadência do lugar, onde uma grande população trabalhava
pacificamente, e foi arrebatada pelo barbarismo. Por quatro vezes percorreu as
Missões. E profetiza:
Porém, as missões renascerão, rejuvenescidas, levantar-se-ão de suas ruínas. Uma vida nova, espiritual, radiante e animada ver-se-á por toda a parte. No lugar das igrejas e colégio de pedras, das construções jesuíticas e da teocracia absoluta, que aqui subjugou um grande povo, surgirão lugarejos aptos à industrialização. Homens livres, trabalhadores, em poucos anos dominarão a imensa selva, fazendo surgir uma nova e forte geração, educada na luz do esclarecimento (BESCHOREN, 1989, p. 69).
Nota-se que o autor não desmerece o trabalho dos jesuítas, pelo contrário
enaltece seus feitos e sobretudo as esplêndidas construções. Critica a postura
agressiva e destruidora dos portugueses e brasileiros, que fez cessar uma
proposta de desenvolvimento. Propõe, no entanto, como na lenda de Fênix, que
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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seja retomada a senda do progresso, mas em outras bases: não animada pela fé,
mas pela razão; não dirigida pelos jesuítas e baseada no trabalho servil, mas sim
pelo trabalho livre.
De Passo Fundo, ocupa-se em descrever a presença teuta, que
compreendia, segundo seus cálculos, em um terço de seus 1200 habitantes de
famílias alemãs e outro terço de “famílias brasileiras de origem alemã”; isso em
1883:
O elemento alemão, é portanto, fortemente representado, e possui em qualquer tipo de negócio, seja de profissão ou indústria, uma posição dominadora e de destaque. A colônia brasileira, de origem alemã, é uma das mais favorecidas dentro da cultura germânica na Província. Felizmente essa cultura não está perdida, mesmo que em alguns aspectos poderia ser aperfeiçoada. Com raras exceções, o que falta aos alemães é o espírito comunitário, o interesse pelo geral. Somente em ocasiões muito especiais, os amáveis camponeses são levados a um entrosamento comum. (BESCHOREN, 1989, p. 35).
Percebe-se claramente o pangermanismo nas palavras de Beschoren,
ufana-se em destacar a ascendência dos seus patrícios às demais etnias. Infere-se
igualmente que o engenheiro defendia a preservação do modus germânico de ser,
mesmo em terra estrangeiras. Como se vê ao lamentar a perda do espírito
comunitário por parte dos teuto-brasileiros. Mas devemos reter que o autor
escreve diretamente para leitores da Alemanha, onde esperava convencer e
recrutar imigrantes para a região.
O escrito segue mostrando a preocupação com a falta de escolas públicas e
a incapacidade de os professores particulares atenderem as 200 crianças, por que
“sofriam com a predominância da verbalização alemã”. O que fez Beschoren
enviar um artigo ao Export em 1882, que provocou interesse na terra natal.
Recebeu resposta por parte da Associação das Escolas Alemãs, mas já tinha
deixado Passo Fundo. Mais tarde o cenário mudara:
Atualmente, duas escolas públicas foram abertas, mas o ensino limita-se ao estritamente necessário e está abaixo do que a nossa juventude precisa. Sempre lamentei que não conseguissem um professor alemão competente, que saiba lecionar o português, para que a aplicação e a energia dessa crescente geração não se percam. (BESCHOREN, 1989, p. 35).
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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Outras notas sobre a compreensão da região quanto a sua vocação agrícola
e do seu empenho em povoá-la, encontramos no relatório sobre a produção do
solo que Beschoren redigiu para a Exposição alemão-brasileira em Porto Alegre
em 1881, da qual fez parte como presidente de uma delegação de alemães de
Passo Fundo. Viu a “oportunidade de tornar conhecidas as preciosidades naturais
e as riquezas do município, chamando a atenção da Província, para este afastado
e desconhecido pedaço de terra” (BESCHOREN, 1989, p. 38). No seu Relatório,
Beschoren dá atenção especial para o vale do Goyo-En, no Rio Uruguai: “É o
lugar mais privilegiado da natureza, não só pela fertilidade da terra. Mas também
pelo excelente clima”. Onde, segundo ele, produz-se cana-de-açúcar, “capaz de
abastecer toda a província com açúcar”; o café, arroz, farrinha de mandioca,
trigo. E “produtos florestais”, citando sassafrás, casca de Goimbé, fibras da
Urtiga brava, mamona, algodão, linho, frutas, fumo e pedras ágatas. Descreve
essas espécies e suas utilidades. Cita a “indústria dos índios é representada por
peneiras, cestos, chapéus de Criciúma, arcos e flechas feitos de Taquara e
Goimbé”! (BESCHOREN, 1989, p. 40).
Pode nos causar estranheza hoje as últimas referências de Beschoren para
uma exposição, organizada pela Associação Comercial e Geográfica de Berlim e
filial de Porto Alegre, mas devemos situar que o autor com seu veio científico
sabia que esses artigos exóticos chamavam a atenção de um público de
acadêmicos, naturalista, etnólogos e cientistas interessados em novas espécies e
objetos de culturas ditas “primitivas”. Aliás, é de se observar que Beschoren,
sendo geógrafo, não detinha um olhar mais acurado sobre a zoologia e mesmo a
botânica, o que lhe renderia muitas descobertas. Quarenta anos depois o Padre
Jesuíta de naturalidade austríaca Johannes Evangelista Rick, considerado “pai da
micologia brasileira”, faria essa exploração no que se refere a fungos.
MEDIÇÕES E AGRIMENSURA
Já dissemos que logo após a chegada ao Brasil, Beschoren aceitou um
convite para passar a agrimensor em várias colônias alemãs. Nessa qualidade,
informa Barreto, percorreu mais de 3.000 léguas em 18 anos, no NE e no NO do
R. G. S. Acrescenta Barreto:
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Com a possibilidade de melhoras econômicas, aceita uma comissão oferecida pelo seu admirador Barão de Capanema20 na zona da serra, o que por outro lado, lhe proporciona maior contato com a natureza em área pouco explorada. No desempenho das novas funções; segue para Passo Fundo e, logo, após para Palmeira das Missões, encarregado de triangular as terras de Nonoai, Peperi e Chapecó. Diz o seu citado biográfico que “enquanto ia reunindo preciosíssimo material cartográfico e geodésico, determinava as alturas de toda a serra, estudava-lhe a vegetação, as condições geológicas, a história e os dados etnológicos, reunindo assim um imenso e valiosíssimo arquivo científico, reforçado por suas constantes e perfeitas observações meteorológicas, que eram publicadas tanto na Europa como no Brasil. (BARRETO, 1975, p. 133)
Já Lange enfatiza a participação nesta empreitada como causadora do seu
trágico fim.
Participação no Litígio Territorial em torno de Palmas
Em 1876, quando ainda não estavam fechadas as cicatrizes do duro enfrentamento diplomático entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires, decorrente da recusa brasileira em apoiar a Argentina na sua reivindicação sobre o Chaco Boreal, fracassou a tentativa de retomar as negociações sobre a definição de limites. Esse resultado decorreu da recusa do governo imperial em aceitar a proposta argentina, por não respeitar o uti possidetis e “tendia a levar a fronteira pelos rios Chapecó e Chopim”7 Na realidade, o governo argentino manifestava dúvidas sobre a localização dos rios Pepiriguaçu e Santo Antônio e, em 1881, “colocou em questão a localização exata dos rios Pepiri-Guaçu e Santo Antônio, Chapecó ou Pepiri-Guaçu e Chopim ou Santo Antônio Guaçu, no território que o governo argentino considerava litigioso com o Brasil”. Surgia, assim, a questão chamada de Palmas pelo brasileiro e de Missões pelo lado argentino, em que estava em jogo 30.621 quilômetros quadrados. (DORATIOTO, 2012, p. 40-41).
20 Guilherme Schüch, Barão de Capanema, Naturalista, Engenheiro e Físico (* Ouro Preto, MG (17/01/1824 - + Rio de Janeiro, RJ (26/08/1908) foi responsável pela instalação da primeira linha telegráfica do Brasil. Recebeu o título de Barão em 26 de fevereiro de 1881 por decreto de D.Pedro II. O engenheiro Schüch comandou a instalação das primeiras redes telegráficas do norte do Brasil. Posteriormente, em homenagem à sua mediação no conflito entre Brasil e Argentina pela posse região do Rio Iguaçu, uma localidade do Paraná recebeu o nome de Capanema.
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Figura 14: Mapa da área litigada.
Fonte: In Obras do Barão do Rio Branco I: Questões de Limites República Argentina (Introdução): Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012. Disponível em: http://funag.gov.br/loja/download/969-Obras_do_Barao_do_Rio_Branco_I_Questoes_de_Limites_-_RepUblica_Argentina.pdf.
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Figura 15: Mapa da Comarca de Palmas.
Fonte: In Obras do Barão do Rio Branco I: Questões de Limites República Argentina (Introdução): Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012. Disponível em: http://funag.gov.br/loja/download/969-Obras_do_Barao_do_Rio_Branco_I_Questoes_de_Limites_-_RepUblica_Argentina.pdf.
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Importa anotar, para a compreensão da formação e colonização do
território do Alto Uruguai em seu cenário mais amplo que em 1859 o governo
imperial criara duas colônias militares com o objetivo de intensifica o
povoamento da província do Paraná, mas somente em outubro de 1880 foram
nomeadas duas comissões para explorar os Campos de Palmas e propor locais
para a instalação dessas colônias. Em 14.03.1882, é fundada a Colônia Militar de
Chapecó nas margens do rio de mesmo nome e a Chopin a 27.12.1882, perto da
confluência do rio anônimo na sua confluência com o rio Iguaçu. A presença
castelhana afrontava os planos geopolíticos do império do Brasil:
A atenção dada pelo Império à região de Palmas se explica, de um lado, porque o espaço territorial é requisito para a existência do Estado e este, em condições normais, não abre mão sequer de uma porção dele. Por outro lado, a ideia da consolidar como espaço nacional brasileiro o território herdado da expansão colonial portuguesa era elemento de construção do entendimento intraelites. Por último, os Campos de Palmas de posse argentina criaria uma vulnerabilidade militar para o Império do Brasil, pois representaria uma cunha, quase alcançando litoral atlântico, praticamente separando o sul do sudeste do Brasil. Os militares brasileiros e argentinos trabalhavam com a hipótese de guerra entre os dois países e, com a posse de Palmas, as tropas da Argentina poderiam cortar rapidamente a ligação terrestre entre essas duas regiões, ao ocupar o estreito corredor litorâneo que ficara de posse do Brasil, o que levaria à queda do Rio Grande do Sul na mão dos “invasores”. Ademais, o eixo Rio de Janeiro – São Paulo, centro político e econômico do país, estaria ameaçado pelo “inimigo argentino”, afetando a segurança do Império. Manter a soberania sobre o território de Palmas era, portanto, na perspectiva do Estado monárquico, vital para sua segurança. (id. 41-42). Em 28 de setembro de 1885, os representantes dos governos do Império e da Argentina, respectivamente Leonel M. de Alencar e Francisco J. Ortiz, assinaram, em Buenos Aires, um tratado para esclarecer a real localização de rios em Palmas e explorar o território litigioso, cujas ratificações foram trocadas no Rio de Janeiro, em 4 de março de 1886. Cada parte nomearia três comissários e três ajudantes, acompanhados de escoltas com igual número de soldados, comandados por oficiais com patente idêntica ou equivalente. A tarefa dos comissários era fazer o “reconhecimento ou exploração dos dois rios 43 brasileiros, dos dois argentinos e do território entre eles compreendido” e a isso “devem limitar-se, sem entrar em questões de direitos ou de preferência”, o que caberia ser feito pelos dois governos, para evitar equívocos ou incompreensões. Os três membros da Comissão brasileira eram o barão de Capanema (1o comissário), o capitão-de-fragata José Cândido Gillobel (2o comissário) e o tenente-coronel do Corpo de Engenharia Dionísio Evangelista de Castro Cerqueira (3o Comissário). (DORATIOTO, 2012, p. 43).
Importa concluir que os trabalhos da comissão não tiveram resultados
satisfatórios na solução da contenda. Mais tarde:
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Os governos argentino e brasileiro concordaram em implementar o Tratado de 1889, tendo como árbitro o presidente Cleveland, dos EUA. A missão enviada a Washington para defender a posição brasileira era composta por dois delegados, um consultor técnico e dois diplomatas de apoio. O delegado principal era o experiente diplomata barão Aguiar de Andrada; o segundo delegado era o general Dionísio Cerqueira, profundo conhecedor do território disputado; já o consultor técnico era o contra-almirante José Candido Guillobel; e os dois diplomatas eram os segundo-secretários Olyntho de Magalhães e Domingos Olimpio. Aguiar de Andrada faleceu em 25 de março de 1893 e, para substituí-lo, o marechal Floriano Peixoto; à frente da presidência da República, nomeou José Maria Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco. (DORATIOTO, 2012, p. 45).
Agora vejamos a participação efetiva de Beschoren nesse episódio. O
Barão de Capanema convidou o eng. M. Beschoren para fazer parte da comissão
de demarcação. Como assinala Koseritz “Finalmente parecia ter conseguido o
seu fim: o Sr. Barão de Capanema o empregara nos trabalhos da comissão de
limites e, terminados ele, prometera-lhe outro emprego” (ANNUARIO, 1890, p.
144-145). Já Abeillard Barreto acrescenta que Beschoren “aceita uma comissão
oferecida pelo seu admirador Barão de Capanema na zona da serra” (BARRETO,
1975, p. 133). Interessante que podemos encontrar uma conjunção de amizades
que explicaria a presença do engenheiro nessa questão.
Doratioto ocupa-se em apurar as razões que pesaram no ânimo do
marechal Floriano Peixoto para a nomeação de Rio Branco para defender a causa
brasileira em Washington. Cita Araújo Jorge que apresentou duas versões
explicativas,
sendo a primeira a de que o barão foi indicado por Serzedelo Correia, ministro das Relações Exteriores de fevereiro a junho de 1892, a Floriano Peixoto o qual, por sua vez, também teria ouvido o nome de Graciano Alves de Azambuja [grifo nosso], amigo de Rio Branco, assim como pelo conselheiro Sousa Dantas, presidente do Banco do Brasil, que acatou a indicação proposta anteriormente por Joaquim Nabuco. A segunda versão, “menos aceitável”, é de que a indicação do nome de Rio Branco foi feita pelo representante brasileiro em Londres, conselheiro Sousa Correia, que declinara de convite para essa função. (DORATIOTO, 2012, p. 45).
Já vimos sobre a amizade e comunhão de pensamento e interesses entre
Beschoren e Azambuja. Não teria sido o diretor do Annuario da Província do RS
quem indicou ao Barão de Capanema o engenheiro Beschoren (?) ou ao próprio
Barão do Rio Branco?
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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Quanto aos trabalhos de Beschoren, parece-nos que ficaram mais adstritos
ao estudo da Bacia do Rio Uruguai, onde havia muita confusão de nomes e
imprecisão de posições geográficas. Para termos uma ideia do que representava
estes serviços de demarcação em termos de esforços, vemos no Protocolo de
1900 do Tratado de 1898 na mesma Questão de Palmas, instruindo os objetivos e
os trabalhos da nova comissão mista demarcatória:
(...) farão a demarcação da parte da fronteira não demarcada, levantando plantas circunstanciadas dos rios Uruguai e Iguaçú. Mais adiante deliberava que: “(...) cada engenheiro de uma das comissões deverá ter como companheiro de serviço topográfico, geodésico ou astronômico um e engenheiro da outra e as notas das cadernetas de serviço deverão ser conferidas, a fim de não haver diferença nos elementos do cálculo. (CARDOSO, 2011, p. 5-6).
Para Golin, como um trabalho de campo, podemos assinalar também que a
fixação dos limites das fronteiras acarretava o aperfeiçoamento de uma “ciência
da demarcação” (GOLIN, 2002, p. 11 apud CARDOSO, 2011, p. 7).
Dada a sua complexidade, envolvia pessoal técnico especializado, muitas
vezes removidos de suas funções, bem como a utilização de diversos
instrumentos científicos topográficos e geodésicos.
A metodologia empregada envolvia a aplicação do processo e métodos de triangulação, caminhamento e poligonização, da utilização de instrumentos técnico-científicos, tais como o podômetro, a bússola e o aneróide, além do registro diário do itinerário percorrido. Havia uma estreita relação entre vários saberes e os trabalhos de delimitação, como a aplicação da astronomia de posição. A este exemplo, na localização de um ponto terrestre, a cartografia valia-se do conhecimento astronômico por meio do sistema de coordenadas de latitude e de longitude (VERGARA, 2006 apud CARDOSO, 2011, p. 7).
Sobre o papel desempenhado pelo demarcador de fronteiras, segundo o
sócio da Sociedade de Geografia, o engenheiro Luiz Felipe Castilhos Goycochea:
(...) O demarcador de fronteiras desempenha papel complexo singular, misto de conhecimentos vários resultados de sabedoria universal. Tem, por isso, de possuir o destino do batedor dos sertões, a estratégia do soldado de ofício, o instinto do pioneiro, cultura cientifica generalizada, capacidade para comandar e para dirigir, a habilidade de um diplomata de carreira. Ele não é somente sertanista que intenta varar terras desconhecidas, numa ou noutra função, nem o explorador que tem em mira apenas conhecer ou reconhecer sítios ínvios, paragens perdidas, assinalando-lhes as posições, marcando-lhes as
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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características essenciais (GOYCOCHEA, 1943, p. 103 apud CARDOSO, 2011, p. 7).
O que é certo é que esta empreitada significou uma opção para Beschoren
que implicaria em seu trágico desfecho. E parece que o engenheiro anteviu essa
temeridade. Como observa H. Lange no prefácio à obra do colaborador Beiträge,
em 1889:
Conservou-se um hábil técnico, tanto que o chefe da Comissão da Fronteira no Uruguai [equivoco, pois trata-se da Argentina], Sr. Barão de Capanema, em meados de junho de 1887, o encarregou da demarcação do Triangulo, no trecho Nonoai, Peperí e Chapecó; um trabalho que Beschoren teria depreciado ao se engajar, devido às dificuldades do terreno. Seis meses decorreram sem conseguir concluir o extenuante trabalho nas densas matas do terreno montanhoso, sob temperatura extrema. A triangulação planejada, que deveria ser realizada por Emil Odebrecht21 e pelo Tenente da Marinha Vicente Moubes, não se concretizou. Um dia encontrou-se Beschoren morto em sua cabana de serviço. (BESCHOREN, 1989, p. 8).
Observa-se como o geógrafo na Alemanha acompanhava nos detalhes a
obra de Beschoren. Provavelmente o Necrológio de Koseritz no Annuario para o
ano de 1890 tenha sido calcado sobre o prefácio de Lange, que foi publicado um
ano antes.
Quanto ao citado Odebrecht – tido como o “Rondon do Sul” -, sabe-se, via
Wikipédia, que era muito ligado à Blumenau e ao Barão de Capanema. Torna-se
em 1884 a primeira pessoa a fazer o reconhecimento da foz do Rio
Periperiguaçu. Faz o levantamento geográfico do Rio Uruguai, desde a foz do
Rio Passo Fundo até e Salto Manomá e a expedição da foz do Rio Ivaí, Guaíra,
Foz do Piquiri, foz do São Francisco e do Iguaçu. Em 1887 é nomeado auxiliar
de Capanema na Comissão de Limites Brasil – Argentina para por fim à Questão
de Palmas.
21 Emil Odebrecht (1835-1912) engenheiro-geodésico e cartógrafo que emigrou de Greifswald, Pomerânia, no norte da Alemanha em 1856, e se estabeleceu na Colônia São Paulo de Blumenau, onde se tornou uma das mais destacadas figuras da história regional.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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O ESCRITOR E DIVULGADOR DO ALTO URUGUAI
Informa Koseritz no necrológio de Beschoren:
Ao passo que ia reunindo preciosíssimo material cartographico e geodetico, determinava as alturas de toda a serra, estudava-lhe a vegetação, as condições geológicas, a história e os dados etimoló-gicos, reunindo assim um immenso e preciosíssimo material scien-tifico, reforçado por suas constantes e perfeitas observações meteo-rológicas, que eram publicadas na “Deutsche Eundschau für Geographie und Statistik” do professor Umlauff em Vienna. Para o meu jornal escreveu a matéria de diversos volumes, em que ia depositando os fructos de seus estudos e explorações e este trabalho não está perdido, porque está sendo editado em volume na Allemanha. Elle virá a ser precioso auxilio para a sciencia. Na Revista de nossa Sociedade de Geographia em Berlim, publicou Beschoren duas importantes monographias: “A colonia Santa Cruz na provincia brazileira do Rio Grande do Sul (acompanhada de um mappa geographico)” e “A região florestal do curso superior do Uruguay na provincia brazileira do Rio Grande do Sul (também acompanhada de mappa geographico)”, dous trabalhos de grande fôlego e importância scientiíica. No “Export”, órgão da Sociedade de Geographia Commercial em Berlim, escreveu o meu finado amigo larga série de artigos sobre assumptos missioneiros e sobre a colonisação do Alto Uruguay que era o seu sonho dourado. Ao mesmo tempo prestava-se a importantes trabalhos para a câmara da Cruz-Alta e fornecia apontamentos para o livro sobre as Missões, recentemente publicado pelo Sr. Affonso de Castro.
Note-se o círculo de vínculos que o engenheiro detinha, incluindo o
escritor Evaristo Affonso de Castro, no qual encontramos alguns de seus textos.
O geógrafo alemão Henry Lange também vai reconhecer a
excepcionalidade e elogiar o lado literário de Beschoren ao prefaciar sua obra
póstuma Beiträge, em 1889 em Berlin: “Entre os muitos agrimensores e
engenheiros alemães, que há trinta anos atuam no campo da topografia no sul do
Brasil, poucos se manifestaram como escritores. Depois de árduo trabalho na
selva e no campo, supõe-se não ser fácil encontrar tempo disponível para
escrever sobre os acontecimentos e conhecimentos adquiridos.” (BESCHOREN,
1989, p. 7).
Observa ainda que “a inclinação para a carreira de escritor, manifestou-se
quando ainda era estudante” (BESCHOREN, 1989, p. 7). Refere-se ao fato de
aos 14 anos ter se dedicado ao comércio de livros e depois optou em não só
vender mas produzir: “Foi através da literatura que passou por suas mãos, que se
tornou um entusiasta pela investigação científica”.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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Adiante lista as contribuições do engenheiro em tornar o território em que
trabalhava conhecido no além-mar:
Beschoren tornou-se conhecido na Europa, através de artigos e tratados na “Revista Geográfica de Berlin”, na “Export” (Exportação), “Órgão da Associação Central para Geografia Econômica & Cia” e outros. Em Porto Alegre, fornecia ricas contribuições para o “Deutsche Zeituns” (jornal alemão) e “Von Koseritz Zeitung. Eu pessoalmente, devo agradecer ao autor as inúmeras notas de grande utilidade, para minha obra sobre o sul do Brasil. Prontamente concordei com o convite do Sr. Professor Dr. Supan em ordenar e preparar os manuscritos deixados por Beschoren, após sua trágica morte. (LANGE in BESCHOREN, 1989, p. 7).
As observações biográficas e historiográficas de Graciano A. de
Azambuja, que dirigia o Anuário mostram novas facetas de Beschoren.
Azambuja, no suplemento ao necrológio elaborado por Koseritz, volta-se para a
questão da publicização póstuma da produção do engenheiro, que ele conhecia
muito bem e sabia que estava ainda restrita ao público leitor do Zaitung, do seu
Annuario e na Alemanha. Ele aproveita o ensejo para dirigir um pedido, “em
nome da província”. “De cartas – diz Azambuja - que recebi do finado Max.
Beschoren se deprehende que elle tinha dous livros a publicar sobre esta
província: I) Contribuição para o conhecimento da parte noroeste do Rio Grande
do Sul. II) Impressões de viagem na província do Rio Grande do Sul”.
(AZAMBUJA, 1888, p. 145).
E reproduz o teor da uma correspondência de Beschoren de 8 de julho de
1886, que descrevia seus projetos literários:
Fico-lhe obrigado pelo juizo favorável que V. emittio a respeito do meu livro, no qual ainda estou trabalhando. O seu titulo será somente - Contribuição para o conhecimento da parte noroeste do Rio Grande do Sul - para que não prometta mais do que pôde dar. Uma descripção exacta, que satisfaça todas as exigencias, julgo por hora impossível. Qualquer trabalho que appareça não ha de ser mais do que uma pedra para a construcção do edifício. “O livro vai ser acompanhado dos perfis que representam a estrada que segue do Campo do Meio para o Povo de S. Xavier (Uruguay), Leste-Oeste, e a estrada que segue de Villa-Rica para Palmeira até o passo da Boa Esperança (Uruguay), o ponto final da minha picada de exploração, na direcção geral Sul-Norte, dando assim uma idéa geral da topographia da parte noroeste da provincia pelos cortes principaes S-N e L-O. Sei muito bem que determinações de alturas pelo barómetro não correspondem a uma rigorosa exactidão scientifica, porém n'um paiz novo como o nosso, onde tudo e tudo ainda está por explorar e por estudar, creio que hão de ter sempre um certo valor.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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São trabalhos estes da ordem d'aquelles para os quaes é necessário ter-se gosto e inclinação enthusiasta, porque resultado pecuniario ou alguma outra vantagem não se pode e nem se deve esperar. “Acompanharão o livro um mappa original na escala de 1/1.000.000 e as vistas das grandiosas ruinas do templo de S. Miguel. Já mandei para Allemanha o manuscripto de 11 capítulos, faltando agora a remessa de mais 6 capítulos, cujo manuscripto, porém, já está prompto em sua maior parte.” (AZAMBUJA, 1888, p. 145-146).
Pouco tempo depois, em carta de 10 de outubro do mesmo ano, Beschoren
envia nova missiva, revelando detalhes de outra publicação:
Animado por duos geógrafos, que são capacidades, o Dr. H. Lange (de Berlim) e o Dr. Bateis (de Munic.) estou tratando de publicar em um volume as Impressões de viagem que durante anos escrevi para a Deutsche Zeitung. Resumindo n'umas partes, augmentando n'outras esforçar-me-hei por dar uma descripção tão completa quanto permitte o material que existe e que colligi. Conhecendo só a parte septentrional da provincia, é só dessa parte que se occupam as Viagens e estudos. (AZAMBUJA, 1888, p. 146).
Azambuja mostra-se preocupado em não deixar-se perder esse valioso
material e apela ao amigo Koseritz e os patrícios do engenheiro:
Parece pois claro que se trata de dous livros que quando Maximiliano morreu já deviam estar ambos promptos, e que em consequência da sua morte pódem deixar de ser publicados. Ao nosso amigo C. von Koseritz pedimos para intervir junto ás suas numerosas relações na Allemanha, taes como o Dr. Lange, os principaes socios da Sociedade de Geographia Commercial em Berlim e outros, afim de que façam editar e publicar os citados livros que muito contribuirão para augmentar, na Allemanha, o conhecimento das condições agrícolas e sociaes da provincia do Rio Grande do Sul. As conscienciosas observações meteorológicas de Beschoren sabemos também que eram regularmente publicadas na revista allemã Zeitschrift fiir Meteorologie, de Vienna. Quando o Sr. Robert H. Scott, secretario da repartição meteorológica de Inglaterra, pedindo-me a remessa do Annuario, offereceu-me a sua Memoria sobre o estado das observações meteorológicas na superficie do globo em 1884, por elle escripta quando presidente da Sociedade Real Meteorológica de Londres, tive o pezar de ver que pouco ou quasi nada se sabe na Europa sobre a meteorologia do Brazil, figurando no emtanto como mais conhecida a meteorologia da nossa provincia, graças á actividade e dedicação de Maximiliano Beschoren, por quem foram divulgados naquella parte do mundo os resultados das suas observações e das observações de outros amadores, que pôde colligir. (AZAMBUJA, 1888, p. 146).
E encerra com uma espécie de epitáfio: “É realmente deplorável e
vergonhoso para nós que um homem nas condições de Maximiliano Beschoren
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
70
tivesse morrido por assim dizer desempregado, desaproveitado e pobríssimo”
(AZAMBUJA, 1888, p. 146).
Com efeito, é graças ao interesse Koseritz, em conjunção com o Dr. Henry
Lange, que este consegue concatenar e editar um volume póstumo de Beschoren,
com estratos das narrações aparecidas no periódico porto-alegrense, em 1889.
Reeditada no centenário por esforço de Julia Schütz Teixeira
Correa observa que Beschoren “direcionou seus escritos para aquilo que
os alemães chamam de Erdkunde” (CORREA, 2005, p. 237). O destinatário do
seu livro era, portanto, o leitor alemão, notadamente geógrafos e “amigos da
geografia”, como indicou Henri Lange no prefácio da obra (CORREA, 2005, p.
237).
Quanto aos escritos de Beschoren, mostram um estilo ameno, sem muitos
rebusqueios, embora constem passagens mais sofisticadas. Cientista, procura
revelar com precisão as suas pesquisas, dentro do método das ciências exatas.
Como narrativa de viagens, usa uma linguagem na primeira pessoa. Uma
passagem de suas Impressões revela que costumava fazer anotações num diário:
“As reportagens escritas no decorrer de alguns anos, sobre ‘Impressões de
viagem’, conforme a elaboração do diário, reuni em três segmentos que enviei
para o jornal alemão” (BESCHOREN, 1989, p. 66).
Gosta de usar termos próprios do povo da região e dos indígenas,
colocando o significado dos termos e frases indígenas denominam algum local,
chegando a compor um vocabulário indígena. Quanto aos Kaingáng, diga-se que
os textos revelam relações amistosas, mas de mútuo respeito:
Encontrei-os muitas vezes na floresta [em Nonoai] e com eles fiz amizade (...). Uma característica dos selvagens é a desconfiança com os estranhos. Quando se quer saber alguma coisa sobre hábitos, passado, pareceres religiosos, etc. tem que se agir com muita diplomacia, para não acontecer como ao Vigário de Santo Ângelo. (BESCHOREN, 1989, p. 44; 64).
Denota um homem que sabia ouvir para captar o pensamento dos
interlocutores. Buscava na medida do possível informações para se inteirar sobre
as origens e fatos do passado dos lugares por onde passava. Quando as
encontrava, fazia questão de citar seus nomes. Um exemplo é da figura do Barão
de Antonina, que descobriu os campos do Bugre Morto e morreu aos 92 anos.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
71
Aliás, Beschoren parece nutrir uma admiração. “Mais adiante terei oportunidade
de me referir a esse personagem notável, a respeito de ousadas expedições, no
início do século, e das quais tomei conhecimento através de um irmão do
falecido Barão.” (BESCHOREN, 1989, p. 41).
Podemos perceber uma identificação entre o Barão e Beschoren, enquanto
disseminadores da civilização e fascinados por aventuras e desvendar novos
lugares. Quiçá não foi inspirado em que Beschoren se decidiu a abrir a picada
ligando os Campos de Fortaleza ao Rio Uruguai, numa verdadeira epopeia?
Por vezes, talvez já mais familiarizado com a região, arrisca alguma
dedução, como no caso da origem da Vilinha da Palmeira: “Não encontrei, em
nenhuma crônica, apontamentos sobre a fundação do povoado, porém, posso
muito bem imaginar como sucedeu”. (BESCHOREN, 1989, p. 83).
Mas não deixava de consultar a bibliografia existente. As indicações no
texto dão conta que possuía uma vasta biblioteca: de Dr. Reinhold Hensel
(BESCHOREN, 1989, 40); sobre a presença jesuítica no Paraguai, cita os autores
alemães Avé-Lallement e Waldemar Schultz. Mas conhece autores do século
XVII e XVIII, os autores de língua francesa Orbigni e Martin de Moussy; em
português prefere a obra do Cônego Gay. Sobre as escaramuças das Missões traz
longas transcrições, inclusive do Pe. Sepp. Extraiu também informes dos “Anais
da Província de São Pedro” (Paris, 1839), citando relatos do Visconde de São
Leopoldo.
Relação das publicações de Beschoren
Por fim elencamos as obras do engenheiro com alguns comentários de
Abeillard Barreto22. Para o estudioso, as observações meteorológicas de
Beschoren, publicadas todas em revistas europeias, são as de maior apreço,
porque conduzidas com grande método e por estarem vinculadas e outros gêneros
de investigações realizadas igualmente nos vinte anos de convívio conosco.
1872 – (Zur Klimatologie der Ostküste von Süd-Amerika) in
“Zeitüschrift der österreichischen Gesellschaft für Meteorogie”, Wien,
1872, Bd. VII, pp. 296-298. 22 Abeillard Barreto. Bibliografia. Sul – Riograndense. (A contribuição portuguesa e estrangeira para o conhecimento e a integração do Rio Grande do Sul). Volume I. A – J. Conselho Federal de Cultura. Rio de Janeiro, 1975.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
72
Observações feitas de novembro de 1869 a maio de 1871, em
Taquara e S. Leopoldo.
1874a – Beitrag zur Klimatologie der Provinz São Paulo do Rio
Grande do Sul (Süd-brasilien). Von Max Beschoren, in “Zeitschrift der
österreichishen Gessellschaft für Meteorologie”, Wien, 1874, Bd. IX, pp.
21-24.
Observações em Santa Cruz desde Agosto de 1872 a outubro de
1873, com outros dados sobre a localidade.
1874b – Relatório duma série de Observações meteorológicas feitas
na região das colônias alemães ao norte do Rio Jacuhy, província de São
Pedro do Rio Grande do Sul. Apresentado aos Illmos. e Exmos. Sres.
Membros do Instituto Geográfico do Rio de Janeiro por Maximiliano
Beschoren. Santa Cruz 1874. Mss., com capa desenhada pelo autor, 3 pgs.
descritivas, tab. I-VIII e mapas gráficos I e II, em 12 pgs. IHGB, Arquivo
lata 67, doc. 2.
Reúne dados de novembro de 1869 a agosto de 1874, da
temperatura em Santa Cruz do Sul e Porto Alegre.
1876a – (Zum Klima von Südbrasilien) in “Zeitschrift der
österreichischen Gesellschaft für Meteorologie”, Wien, 1876, Bd. 11, pp.
39-42.
Faz referencia a observações feitas em Pelotas por um amigo,
observações essas (janeiro a junho de 1875) publicadas no “Deutsche
Zeitung”, de Porto Alegre. Menciona que o governo central instalara uma
estação meteorológica em julho de 1873 na capital da província, anexa à
estação telegráfica. Trata algumas considerações sobre a pluviometria e
fornece os dados colhidos em Santa Cruz (outubro de 1873 a agosto de
1874) e Porto Alegre (setembro de 1873 e abril de 1874).
1876b – Uruguay-Colonisation. Von, Max Beschoren (mit Karte) in
“Koseritz deustscher Volkskalender für die Provinz Rio Grande do Sul auf
das Jahr 1877”. Porto Alegre, 1876, Jg. IV, pp. 177-186, 1 mapa.
Trabalho verdadeiramente precursor sobre a colonização do Alto
Uruguai, cremos ser o primeiro dado à luz pelo ilustre agrimensor a
respeito deste assunto, que foi constante nos últimos anos de sua vida.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
73
1876c – Nonohay und Goyoen, von Mas Beschoren, in
“Mittheilungen der Kais, und Kön, geographischen Gesellschaft in Wien”,
Wien, 1876, Bd. 19. (N. F. DB. IX), pp. 624-638.
Transcreve o relatório publicado ao “Deutsche Zeitung”, de Porto
Alegre.
Beschoren se havia dirigido em outubro de 1875 ao extremo
noroeste da província. Traça o histórico administrativo da zona e os
primórdios de sua colonização, assim como a vida dos índios no seu
aldeamento. Além da soma de valiosos informes, refere-se a um relatório
sobre o Alto Uruguai publicado em 1875 no mesmo jornal (Deustschte
Zeitung) e escrito por Bartholomay.
1878 a – Zur Geographie der Provinz Rio Grande do Sul, aus einem
Schreiben na Dr. Henry Lange von M. Beschoren, in “Zeitschrift der
Gesellschaft für Erkunde zu Berlin”, 1878, Bd. 13, pp. 417-431.
A carta foi datada de Santo Antônio da Palmeira, junho de 1878. O
autor faz referencia à cartografia citada por Reinhold Hensel, mas alude a
seu pouco valor quanto ao interior do R.G.S. Reporta-se a uma missão
geodésica encarregada de traçar uma “carta itinerária: do Império que dois
anos antes, chefiada pelo Dr. Weinelt, havia começado seus trabalhos no
R.G.S., mas que 1 ½ anos após regressara ao Rio de Janeiro sem
divulgação qualquer, por fatores estratégicos. Informa que o engenheiro
Schimitt já há 6 anos (e com quem trabalhara em 1874-1875) fazia
levantamentos no município de Passo Fundo e reunira abundante material,
assim como, juntamente com o engenheiro Trein, colecionara um rico
documentário sobre as colônias alemãs. Descrição de Rio Pardo,
Cachoeira e Santa Cruz.
1878b – (Zun Klima von Südbrasilien) in “Zeitschrift der
österreichischen Gesellschaft für Meteorologie”. Wien, 1878, Bd. 13, pp.
78-79.
Fornece dados climatológicos gerais, de Pelotas, de janeiro a
dezembro de 1875.
1880a – Das Waldgebiet des oberen Rio Uruguy in der
brasilianischen Provinz São Pedro do Rio Grande do Sul, von Max
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
74
Beschoren. (Mit einer Karte und Profil, Taf. IV), in “Zeitschrift der
Gessellschaft für Erkunde zu Berlin”. 1880, Bd. 15, pp. 195-210, Tf. IV.
O autor faz referencia a uma carta escrita, em 16-1-1874, de
Lübeck, pelo Dr. Robert Avé-Lallement, a Koseritz, com um plano de
colonização da bacia do rio Uruguai e cita o relatório de 1876 da comissão
russa que veio estudar as três províncias meridionais do Brasil para
emigração, a qual, em relatório ao Ministro da Agricultura, concluíra por
escolher o Alto Uruguai como zona ideal para a iniciativa. Menciona uma
palestra de Sellin, de 11-12-1878, na Central-Verein für
Handelsgeographie, em Berlim, e um livro de Lange e passa a descrever a
“Waldgebiet”, entre os rios Passo Fundo e Ijuí-guaçú e entre esses e o
Piratinim.
O mapa que ilustra esse trabalho se intitula:
1880b – Karte des oberen Rio Uruguay mit den angrenzenden
Theilen der Municipien Passo Fundo, Palmeira und Sto. Angelo, Provinz
Rio Grande do Sul, von Max Beschoren. 1879.
1880c – (Zur Meteorologie von Südbracilien) in “Zeitschrift der
österreichischen Gesellschaft für Metereologie”, Wien, 1880, Bd. 45, pp.
404-407.
Observações em Palmeira, de janeiro a dezembro de 1879, com
uma série de informações climatológicas do Estado, referindo-se a
observações feitas em Nova Petrópolis pelo Dr. F. Heinsen.
1881 – (Zur Klima von Südbrasilien) in “Zeitschrift der
österreichischen Gesellschaft für Meteorologie”, Wien, 1881, Bd. 16, p.
202.
Dados gerais, de Palmeira, de janeiro a agosto de 1880.
1883a – (Zun Klima von Südbrasilien) in “Zeitschrift der
österreichischen Gesellschaft für Meteorologie”, Wien, 1883, Bd. 16, p.
301.
Divulga observações feitas em Passo Fundo de novembro de 1880 a
outubro de 1881, bem como a média da temperatura em Nova Petrópolis,
em 1880, levantada pelo Dr. Heinsen.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
75
1883b – Höhenmessungen na der Nordgrenze der Provinz Rio
Grande (Brasilien), in “Das Ausland”, München, 1883, (26, II.), Nr. 9, pp.
178-179.
Reproduz da “Gazeta de Porto Alegre” as altitudes verificadas no
norte do R. G. S., acrescidas de outras observações do autor.
1885 – “Zur Lage in der brasilianischen Provinz Rio Grande do
Sul”, in “Export”, Berlin, 8-9-1885, Jg. VII, Nr. 36, pp. 629-361.
Artigo anônimo, que atribuímos a Beschoren, então incursionando
no território do Alto Uruguai, em função de seu cargo na Comissão
Capanema, de estudos sobre a bacia desse rio. Corrobora essa impressão o
fato de ser o artigo datado de S. Luís de Gonzaga e referir-se logo de
inicio ao projeto do Dr. Pinheiro (?) de desmembramento de uma parte do
R.G.S. para constituir a Província do Alto Uruguai. A soma de
conhecimentos que o autor demonstra, justifica igualmente a atribuição de
autoria. Além disso, contém o trabalho uma boa descrição da então vila de
S. Luís de Gonzaga.
1886a – Planta dos terrenos legitimados no Campo novo, Guaryta e
Herval secco, Município de Sto. Antº da Palmeira, Província de São Pedro
do Rio Grande do Sul. Organizada e desenhada pelo agrimensor
Maximiliano Beschoren, 1886. Mss., colorida. 0,m446 x 0,m556.
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro,
Mapoteca 3, 1, 18.
Trabalho minucioso, em que se aprecia o levantamento metódico de
toda a zona cartografada.
1886b – Planta do Município de Stº Antº da Palmeira com o
Districto de Nonohay, Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul.
Organizada e desenhada por Maximiliano Beschoren. 1886. Manuscrita,
colorida, original (com assinatura autografa), 0.m,621 x 0.m,655. IHGB,
Mapoteca 3, 1, 24.
Em autógrafo de 13 páginas escritas, assinado no fim: “Santo
Antônio da Palmeira, janeiro de 1887. Maximiliano Beschoren,
agrimensor”, existe no arquivo do mesmo IHGB (lata 133, doc. 14) uma
“Nota explicativa sobre a Planta no Município...”, que complementa esta
carta, com várias coordenadas, histórico das colônias, alturas, dados
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
76
meteorológicos, apontamentos geográficos etc. É, talvez, o último trabalho
elaborado por Beschoren antes do suicídio e a letra do manuscrito parece
demonstrar a neurastenia de que já estava possuído.
1887 – Determinação da altura sobre o nível do mar de diversas
localidades na parte noroeste da Província do Rio Grande do Sul. Por
Maximiliano Beschoren, sócio da Sociedade de Geographia do Rio de
Janeiro, in “Revista da Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro”, tomo
III, ano de 1887, Rio de Janeiro, 1887, pp. 113-119.
O autor comunica as alturas que encontrou, em várias viagens, de
91 localidades do RGS. É muito mais amplo do que o idêntico aqui
registrado como 1883b.
1889a – Beiträge zur nähern Kenntnis der brasilianischen Provinz
São Pedro do Rio Grande do Sul. Reissen und Beobachtungen während
der Jahre 1875-1887 von Max Beschoren. Mit einer Originalmente.
(Ergänzungsheft Nr. 96 zu “Petermanns Mitteilungen”), Gotha, Justus
Perthes, 1889, IV-91 pgs., 1 mapa.
Além do prefácio de Henry Lange, com uma ligeira biografia do
autor e o esquema de suas andanças, os 15 capítulos compreendem as
observações feitas naqueles doze anos, crescidas de notas históricas,
topográficas, cartográficas, meteorológicas, estatísticas, econômicas etc.
As “Beiträge...”, que foram colecionadas pelo prefaciador, é um
dos mais importantes trabalhos até hoje publicados sobre extensa área do
R.G.S., tanto no aspecto cientifico, como no informativo de caráter geral.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
77
Figura 16: Capa da obra Beiträge, publicado na
Alemanha em 1889, reproduzida na versão em
português.
Fonte: BESCHOREN, 1989, p. 6.
1907 – Topographia da região missionaria, por Max Beschoren.
(Traduzido do alemão por A.C.), in “Annuario do Estado do Rio Grande do Sul
para o ano de 1908”. Porto Alegre, 1907, p. 122-134.
Constituem traduções, respectivamente, de um trecho e do cap. XI da
obra 1889 a. (Referencias em Canstatt (Oscar), 1876g; Castro (Evaristo Affonso
de) 1887; Hann; Lange 1876, 1880 b, 1888 a; Zitlow).
A obra Beiträge zur nähern Kenntnis der brasilianischen Provinz São
Pedro do Rio Grande do Sul. Reissen und Beobachtungen während der Jahre
1875-1887 von Max Beschoren. Mit einer Originalmente. (Ergänzungsheft Nr.
96 zu “Petermanns Mitteilungen”), Gotha, Justus Perthes, 1889, IV-91 p., 1
mapa. Foi traduzida e publicada.
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Parte II
Textos de Max Beschoren
Figura 17: Maximiliano Beschoren: engenheiro alemão naturalizado brasileiro, explorador do Alto Uruguai, primeiro grande estudioso da natureza palmeirense.
Fonte: Consta na primeira orelha da obra Impressões (1989).
TEXTO I
RELATÓRIO SOBRE A EXPLORAÇÃO DE UMA PICADA QUE SEGUE O
RINCÃO DA FORTALEZA PAR A O RIO URUGUAY23
APRESENTADO A ILLUSTRISSIMA CAMARA MUNICIPAL DE
SANTO ANTÔNIO DA PALMEIRA24 PELO AGRIMENSOR MAXIMILIANO BESCHOREN.
INTRODUÇÃO
Nos últimos cinco anos25 os trabalhos da minha profissão levaram-
me diversas vezes a diferentes pontos do vale do rio Uruguay, do maior
rio da nossa província, e tive ocasiões de conhecer a extraordinária
23 Este texto é extraído da obra de Evaristo Affonso de Castro, Notícia descritiva da Região Missioneira, Tipografia do Commerrcial, Cruz Alta, 1887. Artigo VII, p. 300-318. O autor, à pg. 299, informa que o trabalho lhe foi enviado por Beschoren para fazer parte de sua publicação (mais em p. 357). Uma versão com outros detalhes foi enviada para a Alemanha que constam na obra póstuma Beiträge..., que foi traduzida e publicada em 1989, com o título Impressões... Constitui o capítulo VII “Viagem de Pesquisa pela selva do Rio Uruguai (Município de Palmeira)”, p. 97-114. 24
As atas da Câmara Municipal de Palmeira do último quartel do século 19 atestam a viva preocupação do legislativo em abrir comunicações com o interior selvático da comuna. Por exemplo, na prestação de contas enviada ao Governo provincial consta um orçamento, para o ano de 1877, de 13:531$000 (Treze contos, quinhentos e trinta e um mil réis) para o conserto na estrada de Campo Novo, quatrocentos para a picada do Rio da Várzea e quatrocentos para melhoramentos para a picada da Fortaleza ao Rio Uruguai. O historiador palmeirense Mozart Pereira Soares acrescenta sobre essa suposta vereda que nos interessa nesse estudo. “Esse pique permitia, apenas, a passagem de homens montados, em geral em lombo de muares. A mataria, à época, praticamente intacta, oferecia somente essa estreita vereda, numa extensão de mais de trinta quilômetros para se atingir ao Rio da Várzea, e deste, o Uruguai... Seria, mais tarde, o caminho trilhado pelos primeiros povoadores e banhistas das águas termais do Iraí” (Santo Antonio da Palmeira, p. 158). - Infere-se que a exploração levada a efeito pelo Eng. Beschoren na mesma região em 1879, ou não percebeu esse pique, o que é pouco provável, dada sua marcante honestidade intelectual, visível nos seus escritos, ou, como insiste o engenheiro, havia apenas entradas “perdidas”. Esta quantia constante do orçamento de 1876 é a mesma que Beschoren aceitou? Muito provavelmente si. Beschoren nos dá uma informação que parece resolver o impasse. Le-se em seu Relatório que ele escolheu para a entrada no sertão um ponto “que fica um pouco mais para o Norte do ponto por onde, há dois anos, penetrou a Comissão que no fim de 32 dias de internado no sertão, retirou-se sem resultados algum” (dia 28.02). Se fosse dois anos antes, nos dá o ano de 1877. Como não houve sucesso, não preenchendo a cláusula do edital, é de se supor que não percebeu soma alguma. - No Relatório da Câmara de Palmeira, enviado à Assembleia Provincial com a justificativa da receita e despesa para o ano de 1877, constante do “Ofício da Câmara de Vereadores da Vila de Santo Antônio da Palmeira ao Governo da Província” (AHRGS), em 26 de junho de 1877, é novamente pleiteado recursos para a abertura de uma picada que comunique a Fortaleza com o Rio Uruguai (SOARES, 1974, p. 159). 25 Entre 1875 e 1879, após percorrer as regiões de Passo Fundo e Soledade, realizou em junho de 1875 a viagem até Nonoai, “há muito planejada” (BESCHOREN, 1989, p. 41). Em março de 1876 rumou para Campo Novo (BESCHOREN, 1989, p. 53).
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
84
fertilidade das terras banhadas por esse majestoso rio e de todos os seus
tributários; fiquei convencido da grande importância que, n’um futuro
não muito remoto, terão as ditas terras. Sou testemunha ocular d’esse
paraizo adjacente às margens do Goyo-En26, onde os moradores, com
pouco trabalho, fazem uma fortuna só com o cultivo da cana que, nesse
lugar abençoado pela natureza, vegeta de uma maneira extraordinária27;
vi ali, pela primeira vez em minha vida, cafeeiros tão desenvolvidos que
asseguram um resultado certo, logo que sejam convenientemente
cultivados28; admirei plantações abundantes de todas as espécies, tanto
das que são próprias da zona tropical, como das temperadas, ostentando
tanta vida como em nenhuma outra parte da província.
Contemplei cheio de admiração essas matas que orlam o Alto
Uruguay, cuja vegetação gigantesca extasia o observador: e que
desconhecem inteiramente a potencia do braço humano erguendo-se para
lançá-las em terra; são representantes de uma vegetação secular e mais;
são matas ainda virgens.
Todos esses terrenos fertilizados pelo rio Uruguay compreendidos
entre este e as ditas matas, na sua margem, possuem naturalmente todos
os elementos essenciais para um brilhante futuro. Se a navegabilidade do
Alto Uruguay opõe muito obstáculos, não podendo ser ela franca e
desembaraçada, todavia esses obstáculos desaparecem durante nove
meses no ano, pelas cheias; permitindo em parte a navegação durante os
três meses restantes. A fertilidade de suas terras é já tão conhecida que
desnecessário é torná-la saliente; seu clima é mais suave e saudável que
qualquer outro da província.
O futuro dos municípios de Santo Ângelo das Missões e de Santo
Antônio da Palmeira, cujas divisas abrangem a maior parte do território
de que trato, não pode deixar de ser grandioso, e serão os mais ricos da
região que se denomina “Cima da Serra” logo que o Governo reconheça
esta verdade, e para eles chame a sua atenção, desenvolvendo os 26 Palavra indígena que significa “grande água”. O engenheiro trabalhou oito semanas aí nas margens do rio o Uruguai (BESCHOREN, 1989, p. 47). 27 Nas Impressões o autor reafirma que a principal plantação no Vale do Goyo-En é a cana-de-açúcar. Era usada para fazer cachaça, melado e rapadura. 28 “No vale, há plantações de café, que dão grande lucro aos moradores”. O primeiro cafeeiro plantado no vale do Rio Uruguai foi em terras do município em 1861 (Annaes. OLIVEIRA, 1990, p. 22).
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
85
elementos naturais que possui, e atraindo assim a população da província
para estes pontos tão ricos naturalmente quanto esquecidos e descurados
do Governo.
Franquie-se à civilização e ao progresso o vasto sertão do Alto
Uruguay; abram-se as portas à cultura dos campos que a colonização será
consequente e espontaneamente, quer de nacionais quer de estrangeiros.29
A parte desse sertão, limitada pelo rio da Guaryta e pelo rio da
Várzea, pertencente ao município de Santo Antônio da Palmeira, só pelos
indígenas tem sido explorada30. Demandando o rio Uruguay, por diversas
vezes se tem feito estradas no fundo do Rincão da Fortaleza, porém sem
resultado algum, pois não tem sido possível alcançá-lo.
No orçamento da Câmara Municipal d’esta vila, para este ano
[1879], foi votada uma verba de quatrocentos mil réis para o
melhoramento do pique que segue do Rincão da Fortaleza, para o rio
Uruguay; verba esta criada sem fundamento algum, porque tal pique não
existe e como melhorá-lo?!
Todas as entradas feitas em demanda da margem do Uruguay
foram perdidas, como já o disse.
Influído desde a primeira vez que vi o rio Uruguay, tencionei
ajudar, por minha parte, o quanto me fosse possível os trabalhos
necessários para fazer conhecida a importância desse rio, e as riquezas de
seu sertão; resolvi-me a fazer, em consequência do edital publicado pela
Câmara Municipal a minha proposta: se houvesse já um pique, obrigava-
me a melhorá-lo, mediante a quantia de quatrocentos mil réis, segundo o
edital; foi esta a minha proposta, pois sem auxilio não podia eu
29 O texto até aqui foi reproduzido por Beschoren na seu manuscrito “Nota explicativa sobre a planta do Município de Santo Antônio da Palmeira... 1987”, que transcrevemos adiante. 30 Com efeito, numa crônica que Beschorem remeteu ao conhecido Carlos von Koseritz publicar em seu Deutsche Zeitung: “A extensa área é quase sem caminhos e atalhos. Quando muito encontra-se antigos caminhos, pouco usados, trilhados pelos índios, para chegarem aos lugares de caça e pesca. Os índios observam rigorosamente uma marcha dentro da floresta, um atrás do outro, motivo que esses atalhos são bem estreitos, mas como atalhos silvestres são bem marcados”. (BESCHOREN, 1989, p. 103). Aliás, também foram os indígenas os informantes para o agrimensor. Nos relatos, no dia 16.03, ele se refere aos índios que lhe tinham dito que o Rio da Fortaleza não desaguava no Uruguai... Igualmente nas “Impressões”, informa que “Os índios me afirmaram que o Rio Fortaleza...”, (BESCHOREN, 1989, p. 108). Outra passagem que mostra explorador em busca de auxílio dos indígenas consta na descrição da excursão pelo Rio Uruguai (27.03) onde reconheceu o “Passo do Vau”, onde “os índios, em tempos remotos, atravessavam o rio e do qual Fongue muitas vezes me falou” (BESCHOREN, 1989, p. 111; 156).
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
86
empreender tal exploração. Não existindo então pique algum; não tendo
certeza da distância e da direção; ignorando os obstáculos à vencer,
previa que a verba determinada pela Câmara não equilibrava-se com as
despesas a fazer, e muito menos para compensar, em parte, o meu árduo
trabalho e perda de tempo, sem resultado pecuniário; contudo resolvi-me
a fazer o trabalho tendo em vista o serviço que prestava ao município, e
em geral a Região Missioneira; deixando que dessem ao meu trabalho o
valor que ele merecesse pelo difícil de sua execução.
Não me limitei a abrir um pique de medição que só permitisse
trânsito à cargueiros; levantei a planta competente e fiz o nivelamento de
toda a estrada percorrida. Para este fim trouxe de Santa Cruz, dois
barômetros e aneroides, que tinham sido empregados com bom resultado
em diversos serviços pelos meus amigos, os ilustrados Engenheiro
Carlos Trein Filho e Frederico Guilherme Bartholomay; estes dois
instrumentos estão marcados com os números 50803 e 50806, e foram
certificados e confrontados com os barômetros normais do Instituto
central para magnetismo terrestre e meteorológico em Viena. Limito-me
apenas a nomear os instrumentos que empreguei, por não ser esta a
ocasião de expor as observações que fiz, e os complicados cálculos que
resolvi.
Não quis limitar a minha exploração somente a esta picada, no
sertão entre o Rincão da Fortaleza e o Rio Uruguay, fui mais além, fiz
também o reconhecimento do grande rio da Várzea a respeito de sua e
navegabilidade. Nenhuma exploração se tinha ainda deste importante rio,
ninguém havia ido até a sua barra com o Uruguay, e por isso julguei de
interesse geral fazê-lo, contratei o Sr. Frederico Gomes, e mais dois
companheiros para descerem n’uma canoa grande, o rio da Várzea e o
Uruguay até encontrar-nos, para depois subirmos até o Passo da Estrada
que desta Vila segue para a freguesia de Nossa Senhora da Luz de
Nonohay.
No dia 25 de Fevereiro do corrente ano segui desta Villa para o
Rincão da Fortaleza a fim de fazer aí os preparativos necessários para tão
penoso serviço. Julguei deparar aí com todos os recursos de que
necessitava; porque diziam os moradores, que tomavam o maior interesse
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
87
pela exploração, que trar-lhes-ia uma nova via de comunicação e de
comércio, e sendo assim, mais facilidade em adquirir trabalhadores,
mantimentos e o mais necessário, contando encontrar aí auxiliares que de
boa vontade se prestassem e facilitassem a execução de meu plano, por
eles tão almejado. Fui completamente iludido na minha ideia, só deparei
com homens que só os move o interesse e que prevalecem-se da ocasião
para demonstrarem o quanto são inúteis a si e a sociedade; que só visam
o lucro e esse gordo. Com grande custo pude reunir pessoas
indispensáveis para o serviço; pois que não podia sujeitar-me a grandes
salários. Tive em resposta muitas vezes o seguinte: É o nosso dinheiro
mesmo, o nosso suor; são os direitos que pagamos e agora é ocasião de
ganhá-lo! Se avaliassem o alcance e importância do trabalho e o
comparassem com a exiguidade da quantia concedida, tal não diriam;
porém infelizmente, entre nós, poucos pensam com a retidão e boa fé,
que só pode surgir da boa educação e da indispensável instrução. Não
compreendiam ou faziam não compreender que grande parte do dinheiro
que tinha de dispender saía do meu bolso, por isso que a quantia votada
estava muito aquém da necessária, e se insistia a levar a efeito a
exploração era porque ia prestar um serviço ao município. Só uma
exceção encontrei na pessoa do Sr. Martins Ayres, que,
desinteressadamente, foi incansável em empregar os meios para reunir os
trabalhadores precisos, remover todas as necessidades e dificuldades.
Ordena a gratidão e o dever que torne bem saliente o meu
reconhecimento pela maneira nobre e patriótica, com que desfez todas as
dificuldades que se apresentavam para a realização da exploração. Meu
eterno agradecimento a tão distinto cidadão. Temos no Sr. Martins Ayres
o antídoto contra a indolência e o indiferentismo que caracteriza uma
grande parte do nosso povo.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
88
Figura 18: Mapa do Município de Santo Antônio da Palmeira e Distrito de
Nonoai, datado pós 1900, ano da fundação da Colônia New Wüttemberg (atual
Panambi, no quadro em destaque), de propriedade de Hermann Meyer, que
organizaram o mapa, calcada sobre a “Planta” do Agrimensor Beschoren, de 1886.
Destaque para a “Picada da Exploração”, que parte de Fortaleza (atual Seberi) até o
Rio Uruguai, aberta em 1879. - Veem-se também as denominações de localidades e
rios, além de grandes proprietários.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
89
Figura 18: Mapa do Município de Santo Antônio da Palmeira e Distrito de Nonoai, datado pós 1900
Fonte: Centro de Documentação e Pesquisas Históricas. CEDOPH.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
90
A 28 de Fevereiro, depois de ter ultimado os preparativos
indispensáveis para a exploração, acampei no fundo do Rincão da
Fortaleza, a tarde fiz ainda uma diligência para o último fundo do
mencionado Rincão a fim de fazer um reconhecimento, e determinar o
ponto da entrada no sertão, que fica um pouco mais para o norte do ponto
por onde, há dois anos, penetrou a comissão que no fim de 32 dias de
internada no sertão, retirou-se sem resultado algum.
Do mapa da província, organizado pelo ilustrado engenheiro, Dr.
Eleutherio de Camargo, atualmente membro da Assembleia Geral
Legislativa, e de outro mais moderno (1876), organizado pelo Ministro
da Agricultura, como de diversos roteiros que tenho em meu poder, e as
informações que colhi, há alguns anos, combinei um rumo geral, que me
conduziria pelo caminho mais curto, a meu desejado fim, acompanhando,
mais ou menos, a coxilha mestra, evitando os terrenos dobrados nas
caídas para o rio da Várzea e o da Fortaleza. Segui o rumo de 18º para
Noroeste magnético, e foi tão acertado que o poderia seguir na extensão
de mais de 20 quilômetros.
No 1º de Março entrei no sertão com 8 pessoas, 4 cargueiros e um
cavalo encilhado. Abrimos n’esse dia 2.100 metros em terreno favorável,
tendo apenas, logo na entrada uma descida meia forte, que se inclina para
um pequeno arroio, denominado Arroio da Entrada, que deságua no rio
da Fortaleza; do outro lado o terreno sobe um pouco, formando em
seguida um chapadão, que desce suavemente para um banhado que
deságua para Oeste, subimos depois uma pequena elevação de terreno
descampado até 1.450 metros, para outro banhado, que forma cabeceiras
tanto para Leste como para Oeste.
Determinei nesse dia, por meio do Aneroide nº 50.806 a altura de
5 pontos, isto é, a altura sobre o nível imaginário, onde a pressão
atmosférica é 762 mm., para depois confrontar estes resultados com os
correspondentes feitos no meu observatório em Santo Antônio da
Palmeira; calcular a diferença de altura desses pontos com este nível.
No dia seguinte abrimos, sempre no mesmo rumo de 18º Noroeste
magnético, 2.100 metros, cruzando cinco vertentes que deságuam todas
para o N. E., o que prova que o rumo seguiu muito bem pela coxilha
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
91
mestra. O terreno era pouco ondulado, com declives mais fortes, porém
unicamente para os lados das vertentes. São estas caídas do terreno
favorecidas pelo xaxim de espinhos uma Monocotylidom, que se
encontra em toda a província.
O mato é branco, misturado com pinheiros, Araucaria braziliensis.
Determinei a altura de doze pontos para a construção do nivelamento
geral do traço percorrido.
No dia 3 de Março abrimos em terreno mais dobrado do que os
anteriores, somente 1.600 metros, porque a tarde a chuva impediu o
trabalho. Cruzamos uma vertente que nasce de uma lagoa grande, que
fica em um chapadão, pouco a esquerda da picada e depois de termos
passado mais dois coxilhões descemos para um lajeado, que corre para
Leste, subindo em seguida uma coxilha, denominada Coxilha do
Macaco.
Fizemos pouso nesse dia do lado direito do mencionado lajeado,
que denominado Lajeado dos Tigres, por ter muitos rastos destes animais
nas suas imediações. Neste dia desapareceram os pinheiros: e o mato é
muito branco, muito forte e levantado e fechado de taquaras e taquaras-
assú de uma grossura enorme. A jabuticaba, da família das mirtáceas,
Eugenia canliflora encontram-se em diversas manchas; as terras são
todas boas para qualquer cultura, e nos chapadões encontra-se urtigas
bravas, de um crescimento que não se dá igual em outra parte; prova de
que as geadas nesse lugar não fazem mal a vegetação, pois que esta
planta é muito sensível aos efeitos d’este inimigo capital do reino
vegetal. Determinei n’esse dia a altura de 7 pontos.
O dia 4 foi para nós muito trabalhoso e sem resultado equivalente
a nossos esforços; só abrimos 1.350 metros porque tivemos que
atravessar por uma derrubada feito pelo vento e cheio de Criciúma ou
taquara-póca, que dificultou muito o serviço. Determinei a altura de 7
pontos, e acampamos nas cabeceiras de uma vertente muito barrancosa,
que denominei Sanga-feia.
O dia seguinte, 5 de Março, foi-nos também muito desfavorável,
porque a Criciúma era tão basta que, com muito custo, abrimos 1.550
metros. Determinei a altura de 8 pontos. Passamos nesse dia uma sanga e
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
92
um lajeado, que corre para Oeste; a descida para esse lajeado é muito
suave, e suas margens apresentam uma várzea alegre e bonita; foi
denominado Lajeado alegre.
No dia 6 de Março, seguindo sempre o mesmo rumo de Noroeste
e 18º magnético, abriu-se 2.250 metros em terras pouco ondulosas e
matos brancos, favorável. Chegamos, logo ao princípio, em um lajeado,
que corre para Leste, e subindo depois 250 metros, chegamos no alto de
um chapadão, onde deparamos com uma grande lagoa “Lagoa da
Jabuticaba”; d’aí, seguimos sempre pelo chapadão mais 500 metros até
outra lagoa “Lagoa das Antas” onde completamos 1 ½ légua de entrada
no mato. Denominou-se esta coxilha “Coxilha das lagoas”. Descendo
este chapadão encontramos uma sanga não muito profunda e mais umas
cabeceirazinhas, que todas desaguam para Oeste; abrindo nesse dia a
picada até o alto de uma coxilha pequena.
Fomos mais felizes no dia 8, encontrando terreno muito limpo e
grandes porções de uma espécie de capoeira alta em terreno pouco
onduloso. Atravessamos nesses dias dois lajeados: o dos “Palmitos” e o
dos Saltinhos, que correm para N.O., e circulam a coxilha dos Palmitos,
o chapadão mais lindo que encontramos. Não se pode deparar com um
lugar mais aprazível para habitação do homem: a alegria da natureza, a
fertilidade do solo, abundancia d’agua, em fim tudo quanto precisa o
homem laborioso para a sua felicidade e prosperidade, aí depositou a
natureza. N’esse dia com a abertura de 2.400 metros completamos as
duas léguas. Determinei a altura de 7 pontos para a construção do
nivelamento; pontos principais.
Continuamos o serviço no dia 8 de Março, varando uma vertente
logo no princípio, que se dirige para Oeste e subindo uma coxilha,
chegamos a um chapadão estreito, no qual, bem no cimo, mandei a um
dos trabalhadores trepar num pau, bastante elevado, para observar o
terreno; podendo-se assim reconhecer que à esquerda seguia-se uma
canhada muito funda paralela a nossa picada, e a pouca distância o
canhadão do “Lajeado do Saltinho”, cruzado por nós no dia anterior; que
o terreno em nossa frente abaixava-se para formar a canhada, que se
juntava com a primeira um pouco à esquerda da direção de nossa picada;
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
93
que do outro lado d’essa canhada, bem na nossa frente, parecia que se
estendia um chapadão muito comprido, porque não se avistava mais
coxilha alguma, que só muito longe, talvez na distância de três léguas,
aparecia um serro muito alto, ficando esse serro um pouco à esquerda da
direção de nossa picada; julguei que esse serro estaria nas proximidades
do Uruguay, deste ou do outro lado. Demos á esta coxilha o nome de
“Coxilha da Boa Vista”. Deste alto, o terreno desce muito suavemente
até um lajeado, que toma a direção de Oeste; dando-lhe a denominação
de “Lajeado das Tunas” por haver nesse lugar grande quantidade destas.
Aqui acampamos por alguns dias, porque foi-nos preciso mandar uma
parte da gente com cargueiros para o campo afim de prover-nos de mais
mantimentos, que se achavam no nosso depósito, pela impossibilidade de
os podermos fazer quando nos internássemos mais. Descasamos o dia
seguinte, que era um Domingo; divertindo-se o pessoal na caça e em
melar, e não foram baldados os seus esforços: logo abaixo do nosso
acampamento o lajeado forma dois grandes saltos, e daí em diante suas
margens são guarnecidas em grande extensão de altos paredões de pedra.
À tarde e durante a noite caiu copiosa chuva: apesar de estar o mato
muito molhado continuamos no outro dia a nossa exploração, porém
fomos obrigados a parar, pela copiosa chuva que caiu ao meio-dia,
voltando para o acampamento, molhados e fatigados. O mau tempo não
permitiu que voltassem os companheiros que tinham ido buscar
mantimentos; e tendo adoecido dois dos nossos, resolvi demorar-me
neste acampamento o dia seguinte 11 de Março.
No dia 12 prosseguimos no nosso serviço de abrir a picada,
trabalhando num solo pouco dobrado e em matos favoráveis, passando
diversas vertentes que se dirigem todas para Oeste, e que sem dúvida são
afluentes do rio Guaryta, que nesta altura faz confluência com o rio
Fortaleza. Completamos n’esse dia 18 quilômetros de picada. Voltando
para o acampamento encontramos com os companheiros, que se achavam
de volta do campo, com os quatro cargueiros carregados de mantimentos.
No dia seguinte levantamos o acampamento, que já ficava muito
distante do lugar em que estava o serviço.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
94
Estabelecemos ele num lajeado bonito, que corre para Oeste.
Demos-lhe o nome de “Lajeado dos Tigres” porém esse nome foi logo
substituído por outro, como depois narrarei o fato. A tarde continuamos a
abertura da picada até o tope da “Coxilha Alta” onde fincou-se a estaca
que marca 3 léguas de extensão. No dia seguinte quando nos
dispúnhamos para continuar os trabalhos, vi-me obrigado a repreender
um dos companheiros, por não querer sujeitar-se à disciplina
indispensável num serviço desta ordem e no sertão; ele manifestou-se
ofendido, desejando regressar, sendo com ele concordes mais 3
companheiros, que sem dúvida já se achavam possuídos de cansaço e
procuravam motivo para despedirem-se!! Não posso deixar de declinar o
nome destes quatro trabalhadores que já tinham patenteado a sua má fé,
por isso que logo no terceiro dia de exploração, queriam forçar-me a
elevar o jornal, que comigo tinham ajustado, quando nos achávamos
ainda no campo, e nessa ocasião ficando concordes, discordavam agora
que tínhamo-nos internado no mato. Vendo eles que me não sujeitava a
imposições, ameaçaram-me. Para não interromper o trabalho, apenas
iniciado, tinha-lhes prometido uma gratificação, além do salário, quando
chegássemos no Uruguay, à qual eles tinham perdido o direito a vista do
procedimento irregular que haviam tido. Os seus nomes são: João
Antônio de Oliveira, Claudino Ponço [Poncio], um filho deste, José
Ponço [Poncio], e mais um neto, todos moradores do Rincão da
Fortaleza. Disse-lhe que decididamente não me sujeitava à imposições,
que a picada estava franca e que podiam retirar-se. Com esta minha firme
resolução abandonaram o serviço, retirando-se.
A retirada de quatro homens foi com efeito um grave incidente
para a continuação do serviço; porém, preferi lutar mais algum tempo
para conseguir o meu fim, do que perder a força moral, e abrindo assim
um mau exemplo para os outros, que mais tarde fariam o mesmo, tornar-
se-iam também indisciplinados, e colocar-me-iam em sérias
contingências. Cortei a cabeça a hidra, firmei a disciplina e o respeito;
retemperei-me e prossegui na exploração. Denominei a esse lajeado
“Lajeado dos 4 desertores”.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
95
Fiquei com apenas quatro homens; porém que valiam tanto como
se fossem os oito: decididos a acompanhar-me (expressões deles) até o
fim do mundo. Realmente o pessoal tornou-se insuficiente para um
trabalho tão árduo e fatigante. Por vezes julguei impossível a realização
do meu fim; porém confiando no brio, na coragem e no poder da vontade
que se manifestava nos que ficaram, não desanimei, e pelo contrário
cresceu de ponto a minha resolução de chegar às margens do suntuoso
Uruguay.
Abrimos nesse dia, memorável na história da nossa exploração,
1.250 metros; uma parte no chapadão da mencionada “Coxilha Alta”
onde deixamos a “Lagoa das Palmeiras”, outra parte em descidas fortes e
terreno cheio de obstáculos para o serviço. Para dar passagem a nossos
cargueiros tivemos de abrir um trilho num solo pedregoso; quebrando
pedras e removendo-as. Passamos um lajeado quase seco e fomos fazer
pouso em um outro lajeado muito espraiado, do lado esquerdo, também
com pouca água que se achava depositada em alguns poços.
No dia 15 de Março, deixando o nosso acampamento nesse lugar,
continuamos o pique pelo lado direito do mesmo lagoão; subimos um
coxilhão muito alto e de forte descida; ainda que convencido da
impossibilidade de transitar por esse lugar com cargueiros, prossegui, e
completei 22 quilômetros no alto da coxilha, que denominamos “Coxilha
das Ortigas” pela quantidade e dimensões extraordinárias desses vegetais
nessa coxilha. As caídas desse chapadão são tão bruscas e talhadas tão
perpendicularmente que quase se tornava impossível continuar nelle o
pique; contudo dificilmente descemos até o fundo de uma acanhada
muito estreita, onde existe um lajeado seco. Resolvi seguir por esse
lajeado seco abaixo até o lajeado do nosso acampamento, e abrir a picada
para cargueiros por ele até o acampamento.
No dia seguinte mudamos o acampamento para o novo ponto, com
o intuíto de prosseguir nos trabalhos, depois de descobrir o traçado que
me parecesse melhor adotar. Tínhamos deixado uma parte dos
mantimentos no penúltimo acampamento para facilitar a nossa marcha,
resumindo a bagagem. Este fato deu a esse lajeado o nome de “Lajeado
do depósito”.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
96
Achava-me em dúvida quanto ao “Lajeado de depósito”, isto é,
qual a sua direção, e onde iria desaguar. Observando o rumo geral era-se
levado a crer que ele não desaguava nem no rio da Guaryta nem no da
Fortaleza, porém no Uruguay. Consultando o mapa da província acha-se
acima da barra do rio da Guaryta do rio da Fortaleza, denominado na sua
foz Rio Pardo, porém como os índios e outras muitas pessoas me tinham
dito, o rio da Fortaleza não deságua no Uruguay e sim no Guaryta, de
sorte que a barra de que se trata, do rio Fortaleza ou Pardo, deve ser de
um outro arroio grande, e nesse caso podia ser o “Lajeado de Depósito”
cujo leito é já grande neste lugar, e deverá formar uma barra muito larga.
A verificar-se a minha hipótese, convinha mais seguir por este
lajeado abaixo que transpor uma serra muito alta; e nesse caso mandei
dois homens para procederem a exploração do lajeado. O resultado não
foi muito satisfatório: os exploradores voltaram no dia 17, dizendo-me
que pelo que tinham observado o lajeado deveria fazer barra com o
Uruguay, porém que a sua acanhada tornava-se tão estreita que em
muitos lugares os paredões chegavam até o barranco; que era impossível
abrir por ali a picada. Ao mesmo tempo procedi a exploração do espigão
em nossa frente, e verificando que dava trânsito para cargueiros decidi-
me a seguir outra vez o primeiro rumo de 18º N. O. magnético.
No dia 18 de Março continuamos o serviço, subimos com
facilidade ao alto do espigão e transpondo um comprido chapadão, eis
que de repente abre-se em nossa frente uma canhada muito funda,
guarnecida dos lados de paredões altos, e sem poder descobrir um
desvio. Descemos até um lajeado seco, e seguimos por ele abaixo até a
barra do “Lajeado do Depósito”; lugar este lindíssimo, de ricas pastagens
para animais, e daí voltamos pelo Lajeado acima até o nosso
acampamento.
Crítica tornou-se então a nossa situação, animado pelo grande
desejo de levar a completo fim a nossa exploração, fomos frustrados na
nossa esperança pelos obstáculos que, naturalmente, íamos encontrando,
obstáculos impossíveis de serem removidos por falta de pessoal. Não nos
faltava a força moral; porém a física se tinha abatido diante de tantos dias
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
97
de pesado trabalho e privações de alguns cômodos que são
indispensáveis à saúde.
Um dos nossos companheiros quase que já não podia mais
caminhar, e ainda assim estava pronto a empregar os últimos esforços, e
dizia repetidas vezes: havemos de chegar a margem do Uruguay, ainda
que lá caíamos mortos de fadiga e privações. O que posso afirmar é que,
com tais companheiros não se desanima, não; morre-se com obrigação e
coragem. Honra e glória a tão fortes espíritos, a tão denodados patriotas.
No dia 19 abrimos o caminho para cargueiros desde o “Lajeado do
Depósito” até a “Barra Alegre”, numa extensão de 1.354 metros,
seguindo diversos rumos, como se pode ver no resumo que se acha junto
a este relatório. Fizemos pois o nosso acampamento nesse ponto “Barra
Alegre”, deixando toda a bagagem, animais, etc. etc, na “Lagoa do
Deposito”; levando apenas os objetos indispensáveis e mantimentos para
quatro dias.
Íamos todos bem carregados, é só quem conhece o trabalho d’esta
ordem é que pode fazer uma ideia do que se passa no sertão, e quais as
privações e fadigas que se suportam.
O brio e a dignidade é tudo, o homem que possui estas qualidades
prefere a morte a mostrar-se indigno do fim social a que foi destinado.
Abrimos nesse dia do rumo Norte 840 metros da picada
fraldeando um serro muito alto, com caídas fortes para Leste, e
pousamos numa pequena vertente.
No dia 20 de Março mudei o rumo para 30º N.O. afim de alcançar
o chapadão do serro, subindo 400 metros por um terreno muito elevado
até que chegamos ao alto, continuando depois o trabalho, abrimos mais
373 metros em terreno pouco inclinado. Para alcançar outra vez a altura
do primeiro rumo 18º N. O. magnético, tomei a direção do Norte
verdadeiro (variação 5º para Leste) abrindo mais de 400 metros em
terreno pouco inclinado. Dificilmente podemos achar um lugar
conveniente para fazer pouso, por que havia muita falta d’água,
denotando não ter havido chuvas, pois até as folhas das árvores do mato
estavam murchas ou secas. Determinei a altura de 6 pontos.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
98
No dia 20 continuamos pelo chapadão, porém subindo sempre e
no rumo do Norte verdadeiro, percorrendo a distância de 1.700 metros.
Determinei a altura de cinco pontos.
Esse dia trouxe-me muita esperança; porque para mim não havia
dúvida que o grande chapadão em que estávamos não podia deixar de
descambar para o Uruguay.
Continuamos no dia 21 com o serviço, e depois de 350 metros
chegamos ao ponto mais culminante, donde se gozava de uma vista
deliciosa, limitada por um vasto horizonte. Estávamos no cimo da serra
do Uruguay; porque era este o mais alto de todos os espigões que se
avistavam; porém não podíamos bem reconhecer a canhada do Uruguay
– o fim de nossas fadigas! Descemos desse ponto para um lajeadinho que
alcançamos com 1.030 metros; sesteamos servindo-nos do pouco
mantimento que nos restavam e que tão pouco era, que foi-se todo nessa
ocasião.
Com a certeza que tinha que o Uruguay não podia distar muito, e
desejando dar animação aos companheiros, convidei-os a deixar do
serviço e irmos em procura do dito rio; ficando a abertura da picada para
depois de o havermos encontrado e reconhecido.
Seguimos por um lajeadinho que corre para Leste, e depois de
passarmos por dois saltos muito altos, chegamos a um lajeado; seguimos
por ele abaixo, e só encontramos alguns poços com pouca água e alguns
montes de peixes mortos; razão porque foi ele denominado “Lajeado dos
peixes mortos”. A tarde tivemos a felicidade de matar um bugio, que nos
forneceu uma boa ceia, por isso que a não tínhamos melhor; porque,
como já disse, ficamos baldos de mantimentos.
No dia seguinte, Domingo 23 de Março continuamos a marcha
pelo lajeado abaixo, e muito nos alegrou e animou o murmúrio de uma
cachoeira que feria os nossos ouvidos, anunciando-nos que o Uruguay
estava próximo; assim prosseguimos até as 11 horas, quando de repente
ouvimos grande bulha d’água numa volta muito perto; fenômeno este
que só poderia ser produzido pelas águas do Uruguay! Então já não
caminhávamos, corríamos sem respeitar os espinhos e criciúmas que
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
99
cerravam completamente o mato, e assim nos conduzimos até abordar a
margem do Uruguay!!
A nossa alegria foi indescritível. Fizemos ecoar nesse lugar o
ribombo de nossas armas, anunciando a essas matas seculares que
homens civilizados ali se achavam, cheios de júbilo por terem
conseguido o fim de sua exploração, e admirá-los por tantas belezas
naturais, completávamos o grandioso espetáculo que só a mão do Criador
do Universo pode patentear ao homem, na imponente cena em que lhe
descortina o majestoso Uruguay. Se há momentos na vida que o homem
nunca pode esquecê-los, este é um deles!
A animadora presença do Uruguay, o imponente murmúrio de
suas águas e um pouco de sua refrigerante linfa, fizeram-nos esquecer
dos sofrimentos e privações que suportamos durante os 23 dias que
percorremos o sertão em procura d’esse importantíssimo rio; pode dizer-
se que é o Eldorado da Região Missioneira; o futuro celeiro da nossa
província, por que pode produzir para abastecê-la de tudo, e ainda para
exportar.
Como ficou dito estávamos reduzidos a não ter mais o que comer
por haver-se esgotado todo o nosso provimento de comestíveis, e só
apelávamos para as caças, que abundam nesse sertão; porém desde que
nos podemos mirar nas aguas do Uruguay desapareceu todo o nosso
receio de mitigar a fome com a carne de bugio.
Resta-nos ainda um pouco de sal; pescaremos os habitantes destas
águas e com o sal que temos faremos um delicioso prato; tomaremos
depois o nosso mate de folhas de Camboim, com a límpida água do
Uruguay, aquecida na nossa original chaleira de gomos de Taquaruçu, e
a noite dormiremos tranquilos e embalados com o ruído das cachoeiras
que se despenham. Assim dito por mim e aceito pelos companheiros,
depois de descansarmos um pouco, lançamos as linhas n’água e filamos
um Dourado, Coriphono, que pesava quase dezesseis libras!
Para chegarmos ao cúmulo do contentamento só nos faltava
encontrar os companheiros a quem determinei que descessem em uma
canoa pelo rio da Várzea a fazerem junção conosco no lugar em que nos
achávamos. Tinha ciência que o sr. Francisco Gomes, a quem incumbi
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
100
dessa missão, tinha embarcado no dia 14 de Março com mais dois
companheiros; porém não tinha certeza se puderam efetuar a descida. Os
moradores do Rincão da Fortaleza me tinham dito que essa empresa era
inexequível, por causa de um grande salto, que tem o rio; todavia tal
notícia não me desanimou, o que me fazia duvidar do bom êxito desse
empreendimento era o estado de seca em que se achava o Uruguay,
trazendo muitos óbices à navegação. Cumpria-nos esperar por eles, pelo
menos 8 dias, e se nesse lapso de tempo não tivéssemos o prazer de os
ver e apertar a mão a tão intrépidos navegantes, poderíamos tirar a triste
conclusão de que não puderam vencer as dificuldades; não conseguiram
descer, e só nos restaria a esperança de vê-los no nosso regresso. Neste
acordo mandei a gente necessária ao acampamento da “Barra Alegre”
para conduzir os mantimentos que aí tínhamos deixado, e que
presentemente nos faziam falta.
O tempo que até esse dia tinha-nos favorecido com belos dias e
serenas noites, toldou-se, e à noite choveu abundantemente, causando-
nos um mal estar, porque não tínhamos o abrigo necessário para suportar
copiosas chuvas, e assim é que passamos uma noite bem incômoda;
porém tínhamos conseguido o nosso almejado fim; estávamos satisfeitos
e contentes, e já acostumados aos sofrimentos, encarávamos as
decepções com resignação e coragem.
No dia 24 de Março mandei três pessoas ao acampamento
referido, ficando eu e um companheiro, passamos muito mal esse dia e o
seguinte, pois que continuou o mau tempo e nos estávamos expostos sem
meios de minorar o seu rigor, tendo por alimentação peixe assado
acompanhado do singular mate ou chá de Camboim!
O dia 26 de Março raiou para nós cheio de esperanças, que se
realizaram: ao meio dia chegaram os companheiros com os víveres que
lá se achavam depositados; e aprontamos logo um almoço melhor que os
dois anteriores. Nesse interim avistamos uma canoa! Uma canoa,
exclamaram todos!! É realmente uma canoa! Disse eu. Que agradável
surpresa! A nossa alegria tocou ao extremo do contentamento! Ansiosos,
esperávamos abraçar os companheiros.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
101
A canoa evitando uma corredeira e procurando atalhar uma volta
do rio, dirigiu-se para a margem oposta a em que estávamos, bem em
nossa frente; trocaram-se então as demonstrações de regozijo: nós
atroando os ares com salvas e vivas, que era correspondidos no auge do
entusiasmo pelos tripulantes da canoa. Nestas ocasiões o tempo nos
parece moroso em sua marcha, e o desejo veemente de abraçar aqueles
por quem ansiosamente esperávamos, impeliu a meus companheiros a
abraçar os que tripulavam a canoa, e lançando-se ao rio foram juntar-se a
eles; e em triunfo, com vivas e urras conduziram a canoa ao “Passo da
Boa Esperança” onde desembarcaram. Eram os três intrépidos e ousados
navegantes, que há 13 dias desciam pelo rio em demanda do Uruguay;
eram os três argonautas que depois dos maiores sacrifícios, vencendo
com a coragem, quando se lhes antepunha a seu intento; expondo até a
própria vida, abraçavam os seus companheiros de fadigas e labores, e no
transporte [transborde?] da mais expansiva alegria viam coroado o seu
desejo, e terminada a sua importante e difícil missão!!
A minha satisfação foi completa: consegui e de um modo feliz e
brilhante aquilo que outros não poderão obter, e convenci-me ainda uma
vez o quanto é potente a força de vontade.
Cuidamos logo em levantar um rancho que nos abrigasse das
intempéries do tempo, que parecia querer transtornar-se; fizemos uma
grande limpa, derrubando quanto nos pudesse interceptar a vista, e
ocultar a nossos olhos o memorável “Passo da Boa Esperança”! O Sr.
Gomes, chefe da exploração fluvial, fez-me ver que era impossível subir
o rio pela circunstância da seca, pois que a descida já tinha sido muito
penosa; tendo de, por vezes, arrastar a canoa por sobre as corredeiras, e
muitas vezes por grande extensão. Conversamos sobre a navegabilidade
do rio da Várzea, e é elle de parecer que este rio não tem tantos
obstáculos a vencer-se como o Uruguay; que passaram dois saltos em
que foi preciso descarregar a canoa, para facilitar a passagem; isso
porque o rio achava-se com pouca água, porém que logo que haja água
regular a navegação se faz com muito menos dificuldades do que no
Uruguay. As margens do rio da Várzea, quatro léguas acima da barra são
todas planas, e de terras fertilíssimas, sem uma só serra. Do lado direito
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
102
de suas margens está a maior barra do “Lajeado Grande”, quase igual a
do rio da Várzea, e na margem direita, a do “Arroio do Braga”; quatro
léguas acima da barra com o Uruguay.
Os nossos audazes navegantes gastaram 7 dias de viagem,
compreendidos do dia em que se embarcaram até alcançarem o Uruguay
no “Passo da Boa Esperança”, percorrendo a distância de 16 léguas, e
fazendo pouco mais de 2 léguas por dia (2 2/7 léguas).
Senti ter perdido a ocasião de reconhecer a barra do rio da
Fortaleza, denominado na sua foz “Rio Pardo”, pois deparei com tantos
obstáculos que impossível tornava-se a descida pelas suas águas.
No dia 27 de Março fomos rio acima a distância de ¾ de légua até
um pequeno salto, que julgo ser a corredeira denominada pelos
navegantes, dos “Macacos brancos”, e pelos indígenas o “Passo do vau”.
A seca tinha produzido nesse lugar quadros bem interessantes: O rio
tendo em toda a sua extensão a largura média de 300 metros, estreitara-se
nesse lugar, tendo apenas a largura media 10 metros: formando um
profundo canal pelo qual cursavam suas águas; descortinando ao
observador a base de seu leito, seco em parte e em outros pontos
formando lagos e rochedos.
À margem que limita a província do Paraná existe uma larga
várzea, e mais acima, depois de alguns pequenos saltos, vê-se umas
coxilhas altas, que se inclinam para o rio. O solo é pouco onduloso e em
grande extensão alagadiço, e só na barra do “Passo da Boa Esperança” o
rio muda de direção, dirigindo-se para N. O. descortina-se um alto
espigão que vem morrer nas costas do Uruguay.
No dia 28 do dito mês tratamos da retirada: atamos a canoa num
galho de uma árvore alta; guardamos os remos e mais objetos que não
podíamos transportar, e continuamos a abrir uma picada pelo “Lajeado
despraiado” acima; executando esse trabalho na extensão de 3.030
metros em rumos diversos, como se pode ver do resumo que está junto a
este Relatório. Seguimos sempre o lajeado pela margem esquerda, até a
sua barra como “Lajeado dos Peixes”, e aí fizemos pouso. Os dias
chuvosos e tempestuosos que tínhamos tido anteriormente impediu-nos
de pescar e preparar alguns peixes para o regresso, de maneira que nessa
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
103
noite dormimos sem receio de sermos acometidos por alguma indigestão
ou apoplexia. Preferíamos dormir com o estômago vazio a comer o resto
do arroz que tínhamos com um pouco de sal, lembrando-nos do dia
seguinte. O sono modificaria em parte a nossa fome.
Seguimos no dia 29 do mesmo mês pelo “Lajeado dos Peixes
Mortos” abrindo uma picada de 2.870 metros; matamos felizmente uma
anta, tapirus americanos, que nos forneceu bastante carne para alimentar-
nos. No dia seguinte continuando o mau tempo, e impossibilitando-nos
de abrir a picada, prosseguimos mesmo assim, sem picada até o lajeado
onde tinha parado com a medição no dia 22; e seguindo a picada formos
ter ao acampamento, onde tínhamos todos os recursos.
Encontrei neste lugar dois homens que tinham vindo com o fim de
se contratarem para o serviço, e pouco depois chegaram mais três com o
mesmo fim. Depois da exploração concluída é que apareceram
trabalhadores, que se tivessem vindo 14 dias antes ter-nos-iam poupado
muitos sacrifícios e suavizado o serviço, porque teria sido feito por maior
número de pessoas, e por conseguinte com menos esforços para cada um.
Raiou o dia 1º de Abril com suas peças e petas, e não ficamos
isentos, pois pregou-nos o logro de ficarmos detidos na barraca e nos
ranchos pela torrencial chuva com que nos obsequiou.
No dia 2 concluímos o resto da picada que faltava. Principalmente
o serviço nesse dia do lugar em que havíamos deixado a medição no dia
22 de Março, e medimos em três rumos diversos 1.475 metros,
desviando os fortes paredões que ficaram a nossa direita; passando por
duas vertentes, fomos ter no “Lajeado dos Peixes Mortos”. Nesse mesmo
dia seguimos pelo lajeado baixo 515 metros, e fizemos pouso. À noite
voltou a chuva bastante forte e molhou-os completamente, e neste estado
vimos o amanhecer do dia três. Matamos nessa mesma madrugada um
leão, Felisconlor. Acompanhando o lajeado abrimos nesse dia em 6
rumos diversos 2.337 metros de picada, isto é, até o ponto em que
tínhamos deixado a medição no dia 30 de Março, ficando assim
concluído o serviço. Voltamos nesse mesmo dia para o acampamento,
alcançando-o já perto da noite. No dia quatro de Abril principiamos a
regressar; pousando de noite no “Lajeado das Tunas”, e na tarde do dia 5
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
104
chegamos, com feliz viagem, no campo do “Rincão da Fortaleza”, depois
de 36 dias de internação pelo mato.
TEXTO II
RESUMO DOS DADOS E RESULTADOS COLHIDOS NA
EXPLORAÇÃO E ABERTURA DA PICADA. QUE, PARTINDO DO
“RINCÃO DA FORTALEZA”, SEGUE ATÉ O “PASSO DA BOA
ESPERANÇA”, NA MARGEM ESQUERDA DO RIO URUGUAY,
N’UMA EXTENSÃO DE 38 QUILÔMETROS E 330 METROS.
Transcrito da obra Evaristo Affonso de Castro, Notícia descritiva da
Região Missioneira, Tipografia do Commerrcial, Cruz Alta, 1887. Capítulo VII,
p. 319-324.
A picada está aberta pelos rumos seguintes:
1. N. O. 18º magnetico 21.275 metros
2. “ 41º “ 1.161 “ Acompanhando o
Lajeado do
Depósito.
3. S. O. 64º “ 40 “
4. N. O. 62º “ 128 “
5. “ 87º 30’ “ 38 “ “
6. S. O. 81º “ 239 “ “
7. N. O. 77º “ 91 “ “
8. “ 77º “ 204 “ “
9. “ 61º 30’ “ 117 “ “
10. N. O. 69º “ 100 “ “
11. “ 32º “ 37 “ “
12. N. E. 21º 30’ “ 27 “ “
13. N. O. 20º “ 55 “ “
14. “ 88º “ 119 “ “
15. “ 48º “ 159 “ “
16. Norte magnetico 840 “ “
17. N. O. 30º “ 773 “ “
18. “ 5º “ 2.880 “ “
19. N. E. 13º “ 808 “ “
20. “ 42º “ 530 “ “
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
106
21. “ 51º “ 137 “ “
22. N. E. 11º magnetico 350 metros Acompanhando
23. N. O. 2º “ 165 “ o “Lajeado dos
24. N. E. 48º “ 227 “ Peixes Mortos”
25. N. O. 22º 30’ “ 640 “ “
26. “ 28º 30’ “ 400 “ “
27. N. E. 28º 30’ “ 515 “ “
28. N. O. 17º 30’ “ 228 “ “
29. N. E. 18º 30’ “ 367 “ “
30. N. O. 32º “ 100 “ “
31. N. E. 4º “ 330 “ “
32. “ 37º “ 280 “ “
33. N. O. 24º “ 360 “ “
34. “ 39º “ 300 “ “
35. “ 9º “ 550 “ “
36. “ 16º ” 530 “ “
37. “ 4º “ 420 “ “
38. “ 74º “ 360” “ Acompanhando o
39. Oeste magnetico 250 “ “Lajeado
40. N. O. 82º “ 260 “ Despraiado.”
41. “ 65º “ 380 “ “
42. “ 85º “ 500 “ “
43. S. O. 85º “ 120 “ “
44. “ 72º “ 320 “ “
45. N. O. 66º 30’ “ 340 “ “
46. N. E. 5º “ 220 “ “
47. S. E. 74º “ 170 “ “
48. “ 16º “ 190 Até o Passo da
Boa Esperança.
Para a construção do nivelamento geral do traço percorrido
ou do perfil do terreno, entre “Rincão da Fortaleza” e o “Passo da
Boa Esperança”, foram determinados 97 pontos a respeito da altura;
estas determinações foram feitas com os barômetros holosteriques
50.803 e 50.806, sendo feitas as observações com o primeiro por
pessoas competentemente habilitadas, no meu observatório
meteorológico em Santo Antônio da Palmeira; e as com o outro
foram feitas por mim mesmo, durante a exploração. Estes pontos
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
107
podem ser divididos em duas classes: 1.º: aqueles cujas observações
foram feitas na mesma ocasião (48 pontos); 2.º: aqueles que foram
determinados por uma só observação, cuja observação ficou
reduzida ao ponto anterior da primeira classe; sendo o intervalo
entre as duas observações menor que uma hora (49 pontos). 12
pontos determinei-os por diversas observações correspondentes,
servindo-me esta de base certa para todos os cálculos respectivos.
Reduzido ao nível do meu observatório em Santo Antônio da
Palmeira o ponto 0 de entrada no mato está situado mais baixo
114/3 metros; o ponto 97, no “Passo da Boa Esperança” 436
metros, sendo a diferença entre estes dois pontos principais 321/8
metros.
Tomando por base o ponto final nº 97, o nível do “Passo da
Boa esperança”, como está feito na planta que vai junto, e traço de
nossa picada de exploração tem o ponto mais alto com 387/88 no
chapadão acima da serra do rio Uruguay.
O terreno presta-se nas três primeiras léguas à abertura de
uma estrada, por isso não há obstáculos a vencer, oferecendo
comunicação franca, podendo ela seguir o traço marcado por meu
pique até o ponto 71, isto é, até a descida da “Coxilha Alta”. A
descida do ponto 71 até 74 é forte; porém pode-se vencer esta
descida com facilidade dando algumas voltas, como nós o fizemos
quando por aí transitamos com quatro cargueiros, sem maior
dificuldade. Acompanhando o “Lajeado do Depósito” entre os
pontos 74 e 79, o caminho não precisa ser cruzado tantas vezes
como nós o fizemos com o pique de exploração, o que fizemos
unicamente para facilitar o serviço. O terreno na costa desse lajeado
é quase todo plano e só em alguns lugares se observam fortes
caídas e barrancos.
O terreno menos favorável para uma boa estrada, e que dê
franca comunicação está compreendido entre os pontos 79 á 81 e 90
a 95, isto é, a subida e descida da “Coxilha Alta” denominada
“Cima da Serra do rio Uruguay”. Tanto a subida como a descida
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
108
não tem obstáculos invencíveis: traçando o caminho mais para
Oeste, para alcançar o “Lajeado dos Peixes Mortos”, mais abaixo.
Achando-se explorado este sertão, que até este trabalho era
completamente desconhecido, é fácil escolher-se nesses lugares
melhores traçados. Não pude fazer mais, por falta de pessoal, como
também por ser esse trabalho feito a minha custa com muito
sacrifícios, perda de tempo, privações e prejuízos.
Quanto a descrição geológica da serra explorada, posso dizer
que é formada de Diorito ou Trappe de Melafite formas plutônicas,
e quanto às rochas das costas do Uruguay são da formação
basáltica. Quanto à fertilidade dos terrenos, é ela demonstrada pelos
caracteres geológicos que apresentam. A decomposição de rochas
graníticas formão terrenos de medíocre fertilidade. Os produzidos
pelo Trapp são riquíssimos. Esta fertilidade extraordinária consta
melhor ainda da vegetação. Comparando os matos das outras partes
da província, principalmente os das colônias alemães na Serra
Geral, os matos de nosso sertão não têm muitos representantes de
espécies novas de vegetais; porém a vegetação aqui é mais cheia de
vida e robusta; a produção mais abundante. Limito somente a tratar
aqui das árvores mais importantes e dignas de serem mencionadas
por sua utilidade, denominando-as com a nomenclatura pelo seu
valor científico.
A família das laurineas e das mirtáceas, são as que têm mais
representantes.
À primeira pertence as canelas, canela do brejo, canela preta
e as diversas qualidade de louros (nictandra corhirsus e nictandra
mollis).
À segunda pertencem: o araçá (psidium araça), a guabiroba
(compomanesia crenata) a jaboticaba (eugenia conliflora), a pitanga
(eugenia pitanga).
Além destas mencionarei: o ipê (tecono ipé), pertencente às
begônias; canela de veado (actinum lanceolatum), pertencente às
euforbiáceas; cedro (cedralia brasiliensis), canjerana (capalia
cangerana), açoita cavalo (lubia grandiflora); e na família das
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
109
acácias: canafístula, angico, guajuvira, guarapiapunha, cereja e
batinga.
São estas as principaes árvores que, conjuntamente com as
palmeiras, formam o mato que cobre com suas copas, um segundo
mato, quase que impenetrável, de arbustos de todas as espécies,
sobressaindo a infinita variedade de cipós, taquarassus e parasitas.
Unicamente na beira dos campos encontraram-se pinheiros,
(araucaria brasiliensis) xaxim e samambaia, indícios de terra menos
produtiva. Daí até o rio Uruguay, estende-se a região mais
apropriada à agricultura, tanto para os produtos tropicais, como dos
climas temperados, cana, café, algodão, cereais, legumes de toda a
espécie.
Felizmente não encontramos ervais; digo felizmente, porque
julgo que os ervais nacionais, que o povo diz nosso, são a causa da
má preparação da erva-mate, devido ao abandono em que se
conservam tais ervais, tirando deles o povo o maior proveito que
pode, sem cuidar de sua conservação, com a ideia de que pertence a
todos, como se pode ver em todas as partes.
Seja-me permitido dar aqui a minha opinião sobre a melhor
maneira de utilizar o serviço feito por mim, conciliando com a
economia dos cofres municipais e interesse geral.
O município de Santo Antonio da Palmeira precisa para a
sua futura prosperidade de dois motores: desenvolvimento da
agricultura e colonização do sertão do rio Uruguay e de estradas
que facilitem a comunicação com a província do Paraná.
A Ilustríssima Câmara Municipal está autorizada a requerer
um patrimônio, e até hoje não o tem feito, e por conseguinte não
pôde dispor de terreno algum, nem fazer concessões de terras e
muito menos das que estão ocupadas por posse mansa e pacifica.
O serviço, pois, que a Ilustríssima Câmara pode prestar é
requerer o patrimônio, isto é, toda a picada por mim feita, tendo ¼
de légua para cada lado, e depois de dividida em lotes coloniais de
300 metros de frente distribuir a quem quiser estabelecer-se nelas,
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
110
ficando os concessionários obrigados a conservarem a estrada
sempre limpa, dando franco trânsito em uma largura determinada.
É este um meio de fornecer cômodo e trabalho a uma grande
parte dos que não têm propriedade sua e por conseguinte trabalho
próprio. É este o único meio de utilizar e povoar este importante
sertão, que convenientemente povoado por agricultores que no
decorrer do tempo pôr-se-iam em comunicação com a província
vizinha, abrindo uma estrada para por ela transportar o produto de
seu trabalho.
Sei, porque tenho ouvido por muitas vezes dizer, que esses
terrenos foram concedidos ao povo, como julga a Ilustríssima
Câmara Municipal; porém o contrario diz o aviso nº 2 de 20 de
Maio de 1861 que só permitiu distribuir, mediante certas condições,
os matos da Nação na zona de 10 léguas da fronteira da província
de São Pedro do Rio Grande do Sul.
A fronteira termina em frente à barra do Pepery-Guassú ou
até onde desemboca a Picada do Pary, pelo menos 8 léguas abaixo
do Passo da Boa Esperança, abaixo ainda do rio Guaryta, de forma
que os matos de que se trata são muito distantes daquela zona de 10
léguas da fronteira.
Achando-se povoado o sertão do rio Uruguay, e aberta a
comunicação com a província do Paraná, o município de Santo
Antônio da Palmeira há de ser o mais rico da Região Missioneira.
Tenho chegado ao fim de meu trabalho. Fiz quanto pude e
estava ao alcance de minha inteligência, força e do auxílio dos
meus companheiros.
A verba concedida pela Câmara, da quantia de 400$000
gastei-a com as despesas da exploração, tanto terrestre como
fluvial; dispendo além dela mais 300$000 do meu bolso, praticando
assim este trabalho com beneficio do município, sem outro
interesse a não ser o de prestar um serviço. Trinta e seis dias de
internação num sertão desconhecido, exposto aos rigores do tempo
e as privações dos cômodos da vida e entregue a um trabalho
severo e duro, tendo só em mente a prosperidade desta rica região.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
111
Demonstrei que os filhos adotivos também podem ser úteis à
nova pátria que adotaram. Quis patentear ao braço forte do homem
que quer trabalhar, que no sertão do rio Uruguay encontrará ele
tudo quanto precisa para sua prosperidade futura.
Maximiliano Beschoren.
TEXTO III
O TERRITÓRIO DO ALTO URUGUAY
O próximo texto da autoria de Max Beschoren foi publicado na Alemanha com
o título Das Waldgebiet des oberen Rio Uruguy in der brasilianischen Provinz São
Pedro do Rio Grande do Sul31. Von Max Beschoren. (Mit einer Karte und Profil, Taf.
IV), in “Zeitschrift der Gessellschaft für Erkunde zu Berlin”. 1880, Bd. 15, pp. 195-
210, Tf. IV. Posteriormente foi transcrito em português por Evaristo Afonso de Castro
na sua obra Notícia Descritiva da Região Missioneira, 1887, p. 341, traduzido do
alemão por D. Maria Izabel da Silva. Transcrevemos a seguir a introdução que Castro
fez para o texto.
Como deixamos demonstrado, a pródiga natureza dotou a Região Missioneira com todos os seus dons. São incalculáveis as riquezas tanto do reino animal como vegetal e mineral; porém toda essa opulência natural jaz até o presente quasi que no estado embryonario, por falta de vias de communicação e facilidade de transporte que garantam á colonização industriosa o consumo prompto de seu labor, exportando os productos de sua actividade para os centros consumidores. A extensa região de que nos occupamos no presente livro, atingiria a um gráo de desenvolvimento invejável, se: 1º Uma via férrea, que partindo da cidade de Santa Maria, seguisse á cidade da Cruz Alta, centre de toda a região do norte, e d’ahi ao Salto Grande do Uruguay, procurando entroncar-se na estrada do Paraná. 2º Se estabelecessem núcleos coloniais, com nacionais e estrangeiros, em todos os municípios, ligando-os entre si por estradas de rodagem, para cujo fim são muito favoráveis os terrenos. Ficarão assim com rápida via de communicação todos os municípios centraes, e os que margeam o Uruguay com facíllima communicação pelo mesmo rio. A via férrea, levada até o Salto Grande do Uruguay, tem a dupla vantagem de ser estratégia e o interposto commercial de toda a riquíssima zona que se estende ao Passo do Goyoen ao Salto Grando do Uruguay, porque o Uruguay é navegável desde o dito passo até aquelle salto. Os colonos virão com seu trabalho methodico e aperfeiçoado trazer o estimulo ao nosso povo. 3º O estabelecimento de engenhos centraes, para cujo fim, como deixamos demonstrado, possue a região lugares apropriadíssimos. Concluindo o presente livro, apresentamos em seguida o grandioso projecto de colonisação, publicado na Allemanha, pelo Sr. Maximiliano Beschoren, que o mesmo Sr. Forneceu-nos para fazer parte da presente publicação. (CASTRO, 1887, p. 341).
31 “A área de floresta do Alto Rio Uruguai na província Brasileira de São Pedro do Rio Grande do Sul”.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
113
Um profundo conhecedor do Brasil, Roberto Avé Lallemant, o
qual percorreu no ano de 1858, a província do Rio Grande do Sul,
escreveu de Lubeck, a 16 de Janeiro de 1874, ao Sr. Carlos Kozeritz,
redator do jornal alemão em Porto Alegre, o seguinte:
O governo brasileiro devia reaver toda a região do Alto Uruguay,
e fundar os seguintes estabelecimentos coloniais:
1º A colonização de Quarahy, compreendendo a principal cidade –
Uruguayana.
2º A colonização de Ibicuhy, compreendendo a cidade de Itaquy.
3º A colonização do Camaquã, comprehendendo a cidade de São
Borja.
4º A colonização de Piratini, com a antiga missão de São Nicolau,
como ponto central deste grande distrito. Assim teriam estas colônias o
seu centro comercial, e teriam todos rios navegáveis além do Uruguay,
onde teriam uma comunicação geral entre si.
O que podem ser estes territórios, está demasiadamente
demonstrado pelos jesuítas; eles os povoaram, e neles fundaram seus
estabelecimentos, dando-nos assim uma prova de seus talentos
colonizadores.
As estradas são fáceis de construir-se. Quando eu viajava por
aquelas regiões, apareceu na minha fantasia este grandioso projeto de
colonização.
Uruguaiana é um ponto magnifico, e as outras povoações
prometem grandiosos futuro.
A execução, porém, dum projeto tão grandioso, é de fácil
realização. Examinei bem o plano no mapa e viajei o Uruguay, e ficareis
maravilhados do meu projeto.
Até o rio Ijuhy, comprehendendo Santo Ângelo, que dorme em
suas ruínas, deve estender-se esta colonização, e um povo Pentechv terá
ali se formado.
É provável que publique o meu plano, no vosso jornal, e que
promova à província a colonização do território do Uruguay.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
114
Conheço perfeitamente, tanto o território de que trato, como seus
habitantes. O plano é, não só vantajoso, como de fácil execução.
Dois anos mais tarde a comissão russa, tendo percorrido as três
províncias do Sul do Império, disse no seu relatório ao Ministério da
Agricultura o seguinte:
“O território melhor para nós, tanto pelo clima, como pela
liberdade das terras, é na província do Rio Grande do Sul, na região entre
os rios Piratini e Nhacorá”.
Estas duas opiniões partem de diferentes pontos: a primeira, de
um homem cientifica e conhecido viajante; a segunda de agricultores
práticos, representantes de uma população de agricultores práticos,
representantes de uma população de mais de 500 mil almas, prontas para
imigrarem, cujas opiniões dão a mais favorável ideia das regiões
banhadas pelo majestoso Uruguay; mencionando estas terras como as
mais apropriadas para a futura colonização alemã, nesta província. Citei
estas insuspeitas opiniões para justificar o presente trabalho.
O Dr. Avé Lallemant recomenda, assim como o Sr. Sellin, na sua
conferência feita a 11 de Dezembro de 1878, na sociedade central da
geografia em Berlim, que o governo devia tratar de reaver todo o distrito
da margem do Uruguay, fundando assim o seu projeto de colonização.
A grande despesa a fazer para o governo adquirir estas terras, é
por enquanto desnecessária, porque concluída a estrada de ferro do norte
da província, os grandes proprietários dividirão seus campos, e os
venderão aos imigrantes.
Com o seguinte trabalho pretendemos chamar a atenção dos
leitores para a região do Uruguay, entre seus afluentes, Passo Fundo e
Piratini.
A região de que vamos tratar está situada nos municípios da
Palmeira, Passo Fundo, Santo Ângelo e São Luis, ocupando uma área,
pouco mais ou menos, de 12.000 quilômetros quadrados, enquanto que a
área dos quatro municípios regula por 56.000.
Pelo último recenseamento de 1872, Passo Fundo contava 7.287
habitantes com 1.002 fogos. Palmeira 6.640 habitantes com 1.020 fogos.
Santo Ângelo 10.865 habitantes com 1.682 fogos; a população vive
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
115
concentrada nas vilas e parte vive espalhada nos campos e perto dos
matos, porém estes estão completamente despovoados, tanto que há mais
de 10.000 quilômetros quadrados de matos virgens.
O Sr. Henrique Lange, na sua conhecida obra, faz uma descrição
geral do Uruguay, limitando eu por isso e meu trabalho, somente ao oste
do mesmo rio.
O território de que trato é dividido pelo rio Passo Fundo ou
Uruguay-mirim, que nasce ao Sudoeste da vila do mesmo nome, e corre
geralmente ao Nordeste.
Este rio perto de sua foz, é navegável para canoas, porem é de
pequena profundidade.
Na foz deste rio no Uruguay, que ainda conserva o nome de
Goyo-en, na estrada que segue para o Paraná e São Paulo, acha-se o
passo reúno ou do Goyo-en, cuja passagem é efetuada em barca ou
canoas, porque raras vezes baixa ao ponto de dar vau.
O vale do Uruguay neste lugar é ainda estreito, devido às serras
que o costeiam, sendo os declives muito fortes, quanto mais se vai
descendo, mais se alarga o vale, e a serra vai baixando, afastando-se do
rio.
Quatro léguas abaixo do Passo, aonde cheguei em 1875 com
trabalhos de medições, não encontrei mais vestígios de montanhas nas
duas margens, estendendo-se uma planície fertilíssima.
Até aí as margens são ainda pouco povoadas, e os habitantes
dedicam-se especialmente à cultura da cana de açúcar e em pequena
escada a do café.
O primeiro afluente de importância que deságua no Uruguay, é na
margem direita. O Chapecó, digno de menção, onde foram descobertas,
há poucos anos, em sua barra, fontes termais, e porque os nossos
vizinhos pretendem estender seu domínio até ali, alegando ser ele o
verdadeiro – Pepery-guassú.
O Uruguay, que até aí tem o curso geral de N.O., procura o rumo
de S.O. recebe na margem esquerda, o mais importante afluente, o Rio da
Várzea, curvando-se neste lugar, repentinamente para o Norte.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
116
O rio da Várzea - Uruguay-puitam ou Uruguay vermelho - que
nasce na Coxilha Grande, quando entra no mato é já navegável para
canoas. Na estrada que segue da Palmeira para Nonohay, tem ele a
largura de 88 metros, até aí o seu curso é determinado por diferentes
medições, enquanto que deste ponto para baixo é desconhecido, e até o
princípio deste ano não foi explorado.
Em Fevereiro desse ano, quando fiz uma exploração do sertão,
que se estende na parte setentrional do município da Palmeira, para
procurar um caminho para o Uruguay, levantei o véu do mistério deste
grande território, e como tinha intenção de explorar o dito rio, mandei
três homens embarcar em uma canoa, afim de descer até sua barra no
Uruguay, onde deviam esperar minha chegada.
Juntamo-nos felizmente, porém não pude realizar o meu projeto
relativamente à exploração do rio. Os navegantes declararam que o rio
não oferecia osbstáculos à navegação, com as águas médias.
No seu curso superior a serra aproxima-se formando grande
declive, porém quatro léguas acima da barra desaparece completamente,
e nas margens estendem-se terras fertilíssimas.
A margem esquerda, acima do passo da estrada geral, está
povoada, e os habitantes entregam-se à cultura da cana de açúcar e do
fumo.
Três léguas abaixo do Rio da Várzea, oferece o Uruguay um
grande baixio, que eu visitei na minha exploração. Julgo ser o ponto
onde, em tempos primitivos, os índios transitavam.
Três quartos de légua abaixo, encontra-se o Passo da Boa
Esperança, onde eu aportei acompanhado de quatro homens, no dia 23 de
Março, e alcancei o Uruguay, juntando-me a 26, com os navegantes que
tinham descido pelo rio da Várzea.
Nesse ponto curva-se o rio repentinamente do norte para oeste e
depois para o nordeste.
A largura aí do Uruguay é de 300 metros, o leito é formado de
basalto, contendo grandes baixios e profundos canais.
Seguindo para baixo encontra-se a barra do rio Pardo, confundido
em todos os mapas com o rio Fortaleza; este rio não deságua no
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
117
Uruguay, porém sim, no Guaryta, enquanto que o rio Pardo nasce dentro
do mato.
Acompanhei-os na minha exploração, em certa distância, com a
picada que fiz, abandonando-o devido às fortes ondulações do terreno em
suas margens.
O rio Guaryta, antigamente chamado Albery, depois de receber o
Fortaleza, torna-se um rio importante. Tanto um, como outro, são
navegáveis francamente para canoas, até sua entrada no mato, o resto de
seu curso é ainda desconhecido.
Seguindo o Uruguay, cheguei á barra do Pepery-guassú (rio da cor
de palha amarela) divisa do Brasil com a República Argentina, que
aquela república quer substituir pelo rio Chapecó.
A sua barra está situada aos 27º 9’ Latt. Sul e aos 10º 47’17” do
de Grenvich.
Aqui termina a picada feita no ano de 1860, por uma comissão de
engenheiros, sem ter este trabalho, que custou centenas de contos de réis,
dado resultado algum.
O ponto da entrada da picada chamada Pary, acha-se na parte
nordeste do Rincão da Guaryta; toda a sua extensão regula dez léguas,
hoje se acha intransitável e completamente despovoada.
Uma légua e um quarto abaixo do Pepery-Guassy acha-se o Salto
Grande do Mucunã, aos 27º 8’ 45” Latt. Sul e aos 10º 52’ 47” Long. ao
Oeste do meridiano do Rio de Janeiro.
Sobre a altitude desse salto há diversas opiniões que variam de 2 a
10 metros, todos, porém concordam, que nas cheias descem grande
barcas carregadas com 3.000 e mais arrobas.
Este ponto será por muito tempo um grande obstáculo à
navegação franca, porém não é obstáculo para colonizar-se as
fertilíssimas terras situadas acima dele.
O Uruguay, que até aí corre geralmente ao rumo de Noroeste e
Oeste, toma daí em diante o rumo geral de Sudoeste.
Os afluentes da margem direita são sem importância, devido à
pequena distância em que se acha do Paraná, com o qual corre
paralelamente. O afluente mais importante da margem esquerda é o rio
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
118
Turvo ou Cebolaty (Rio das Cebolas) que nasce da coxilha do rincão da
Guaryta, aos 27º 59’ 8” Lat. Sul e aos 10º 22’ 30”, Longitude ao Oeste
ao meridiano do Rio de Janeiro.
Flanqueia do Este o Campo Novo, onde forma uma ilha de
campos. No ponto onde penetra de novo no mato, é navegável para
grandes canoas; a primeira viagem por este rio foi feita pelo Major
Dumoncel, no anno de 1860.
No seu curso inferior a largura media é de 70 metros.
Duas léguas abaixo de sua foz, acha-se o Passo Grande do
Uruguay na estrada que segue do Campo Novo para Corrientes. A
largura do Uruguay neste ponto regula por 500 metros, e o terreno de
suas margens é muito onduloso.
Neste ponto acha-se presentemente um destacamento de guardas
nacionais e espera-se uma comissão de engenheiros para fundarem a
Colônia Militar do Alto Uruguay. O estabelecimento da colônia no Salto
Grande de Mucuña, seria mais vantajoso aos interesses comerciais,
porque ficaria sendo o centro do comércio dos territórios situados acima
do dito salto.
O arroio Herval Grande, que tem suas nascentes no Campo Novo,
deságua no Uruguay, três léguas abaixo do Passo Grande, este arroio não
tem importância.
O rio Nhacorá, que tem suas cabeceiras na coxilha de São Jacob,
rincão do mesmo nome, deságua, na sua entrada do mato, no rio Buricá,
sendo este, desde esse ponto, navegável em todas as estações para
grandes canoas.
Sobre a margem de um de seus afluentes, encontra-se o
aldeamento do Cacique Major Fongui.
Um importante afluente do Uruguay é o rio Santa Rosa, que tem
sua origem, não muito além das cabeceiras do Buricá; o seu antigo nome
é “Albutiahy”, e é sem duvida o que se encontra nos antigos mapas com
o nome de “Albulahy” (filho da filha). Antes de penetrar no mato é já
navegável, e tornar-se-á uma importante via de comunicação, logo que
sejam colonizadas as suas margens.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
119
O rio Santo Christo ou Pindahy (rio da pesca) e o rio Boa Vista
são, em grande parte navegáveis, assim como o rio Comandahy (rio do
feijão). Em frente a sua barra eleva-se o Serro do Monge, o mais alto da
região, no qual, há anos, vivia um monge italiano.
A uma e meia légua abaixo de sua barra aproxima-se, pela
primeira vez, o Uruguay ao campo, tendo em sua margem esquerda os
campos do Serro Pellado, que acompanham paralelamente o rio Ijuhy-
grande, em uma extensão de dez léguas, até o passo do Quaresma.
Aqui acha-se o Passo de São Xavier, ponto de trânsito pouco
frequentado para Corrientes; deve seu nome ao povo missioneiro, situado
na margem direita, meia légua da margem do Uruguay, cujas ruínas
acham-se cobertas de matos. Aí desaparece o campo na margem
esquerda, e uma orla de matos margeia o Uruguay até a barra do Ijuhy-
grande, o mais importante afluente até aí.
O Ijuhy Grande, sendo a maior arroio Palmeira, que tem suas
cabeceiras aos 28º 9’ 36” Lat. Sul, e aos 10º 9’ 11” Longitude Oeste do
Rio de Janeiro.
O principal afluente do Ijuhy Grande é o Ijuhysinho ou Ijuhy
Mirin, que tem suas nascentes no banhado de Tupaceretan, próximo a
antiga estância dos Jesuítas aos 29º 2’ 47” Lat. Sul e aos 10º 46’ 30”
longitude ao Oeste do meridiano do Rio de Janeiro. Deságua no Ijuhy
Grande ao Sudoeste de Santo Ângelo.
Apesar de muitas corredeiras que tem, o Ijuhy Grande, seria
navegável até Santo Ângelo, se não fosse o grande obstáculo do Salto do
Pirapó, que se acha quatro e meia léguas acima de sua barra. A largura
do rio, que até aqui regula por cem metros, é aí oprimido a menos da
metade e lança-se sobre uma colina muito oblíqua, na extensão de 180
metros.
Este rio tem diversos passos; mencionaremos aqui os seguintes: o
da Capella, do Quaresma e o novo Passo da Colônia.
O Ijuhysinho forma a divisa sul do sertão do Alto Uruguay,
porque os matos que o margeiam, e os que bordam o Uruguay, são
relativamente sem importância.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
120
Da barra do Ijuhy Grande á do Piratinim, tem o Uruguay quatro e
meia léguas, e encontram-se os Passos de Santo Izidoro e Santa Maria.
O rio Piratynim (peixe que ronca) é navegável, desde sua barra,
até a barra do Piraju, (rio do dourado).
Em ilhas e corredeiras, o Uruguay, é riquíssimo, do Salto Grande
para baixo; são digna de menção, a corredeira, na barra do Comandahy,
que tem um quarto de légua de comprimento, a de Santa Maria e Santo
Izidoro, as quais oferecem sérios obstáculos á navegação, porém de
muito fácil remoção, com o estabelecimento da Colônia Militar,
formando um entreposto comercial para a navegação, esta será sempre
possível até Nonohay, mesmo nas águas médias.
Nas enchentes já há uma forte navegação de Nonohay a São Borja
e Itaquy, feita com grandes barcos, que conduzem de uma a três mil
arrobas de carga.
TOPOGRAFIA
Da topografia do território que até hoje está pouco explorado, que
forma o grande Sertão, passo a dar somente uma descrição geral.
O território pertence em parte ao grande planalto do Sul do Brasil,
em suas chiadas para Uruguay e seus afluentes; enquanto que o planalto
da nossa província cai em declives fortes para leste, para o Oceano
Atlântico, e para o Sul para os campos a baixo da Serra, formando aí
campos de várias larguras, descambando depois suavemente para o
Oeste, para os campos de Missões e Uruguay.
As coxilhas, entre os principais afluentes do Uruguay, formam
suaves declives, sendo as fortes ondulações, nas proximidades do leito do
mesmo, que no seu curso superior, é estreito, relativamente ao curso
inferior.
Comparando as circunstâncias topográficas deste território, com
as da Serra geral, onde se acham situadas a maior parte das colônias da
província, são elas muito mais favoráveis, porque o terreno não oferece
verdadeiras serras, e sim somente terrenos ondulados.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
121
Não estão ainda determinadas altitudes acima do nível do mar, do
planalto da província, que nos pudesse servir de base para nossos
cálculos.
Determinei por meio do barômetro, a diferença d’altura de
diversos pontos em relação ao meu observatório meteorológico da
Palmeira. Segundo essas observações, o Passo da Palmeira, acha-se a
103 metros, o ponto da partida de minha exploração do sertão 114
metros, a coxilha acima da Serra do Uruguay 49 metros e o Passo da Boa
Esperança, no Uruguay, 436 metros, abaixo da Palmeira. Sobre a altura
absoluta da Palmeira, não posso dar, pelo enquanto determinação exata.
O resultado de sete observações, deram 712,0 m que corresponde
a uma altura aproximativa de 535 metros.
Quanto a constituição geológica do terreno, cito a opinião de um
entendido na matéria, o Sr. Bartholomay, residente em Santa Cruz, o
qual, em princípio de 1875 percorreu Missões, até o rio Comandahy, diz
o seguinte:
“O leito do Uruguay e todos os seus afluentes, os quais tenho
examinado, é de uma pedra escura, avermelhada e verde, a qual está
salpicada abundantemente, de cristal de Quartzo; esta pedra raras vezes é
solida, porém é de uma beleza extraordinária, e em sua maior parte de
uma porosidade irregular, contendo grandes depósitos de jaspe.”
A maior parte das rochas das margens dos rios, são formadas de
basalto.
As pedras que se encontram sobre as colinas, são de uma cor
escura avermelhada, cinzentas, e verdes escuras, e as vezes brancas, com
uma camada de cristal; se todas estas pedras pertencem ao jaspe,
(Melaphiren) não posso afirmar, porquanto o produto de sua composição
são diversos.
Em muitos lugares, principalmente entre os rios Ijuhy e
Comandahy, encontra-se na superfície do solo, coberta de Chalcedonia,
montanhas de cristal, cascalho de Quartzo e Achaten.
Sellon, afirma que toda a serra do Uruguay e Paraná, Entre Rios,
Missões e todo o cima da Serra, devem sua origem a Erupção de Basalto.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
122
Parece-me um pouco ousada esta afirmativa principalmente,
quanto à Serra do Uruguay, da qual especialmente me ocupo.
As montanhas de basalto se distinguem por sua especial forma,
elãs elevam-se, quase sempre em formas cônicas; e tais montanhas não
se encontram no Uruguay, ou são raras; portanto sou de opinião que o
basalto, aparece em grandes veios, mas raras vezes constituem serras ou
montanhas: com a descrição do Sr. Bartholomay, combinam minhas
observações.
Pelos metais, que por acaso foram achados, demonstram que o
território é abundante dos mesmos.
Não resta dúvida que os jesuítas em tempos primitivos tinham nas
suas missões, ricas minas; tais como as de ouro em São Thomé e São
João, de prata em São Lourenço, e de cobre, nas proximidades de São
Luiz e São Lourenço.
Há anos foi descoberta uma jazida de cobre no Campo-Novo
porém ninguém trata de a explorar.
Quatro anos antes desta descoberta, um morador da Palmeira, com
índios do aldeamento do Cacique Fongui, atravessaram o sertão entre os
rios Turvo e Guaryta, e trouxeram, diversos cristais, e uma regular
quantidade de pó de Ouro, os quais foram examinados na Cruz-Alta.
Entre os cristais foram encontrados dois pequenos diamantes,
assim como o pó de ouro foi reconhecido como tal.
A pessoa que fez o achado, não pôde indicar o lugar em que tinha
encontrado o dito metal, porque os índios tinham-no levado por lugares
que desconhecia.
Empreguei todos os meios de obter dos índios a indicação do
lugar, porém foram sem resultado, respondeu-me ultimamente um deles,
que o segredo pertencia à terra, e a terra devia conservá-lo.
No presente trabalho trataremos só do mato, porém não podemos
deixar de mencionar, os grande rincões de campos, que aparecem dentro
dos mesmos matos.
Entre o rio Passo-Fundo e as matas virgens da Várzea se estendem
os campos do Bugre-Morto, que foram descobertos e povoados em 1820.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
123
Os campos do Bugre-Morto, ligam-se aos de Nonohay, que distam
uma e meia légua do Uruguay, sendo aí o lugar em que o mato mais se
estreita, estendendo-se para o norte.
O Campo Novo é uma extensa campina rodeada de matos, que foi
descoberta em 1830, e cuja posse foi por muito tempo disputada aos
indígenas.
Os campos do Serro Pellado, também são inteiramente isolados;
são pedregosos, porém, de uma fertilidade espantosa, especialmente para
o trigo e cevada. O caráter de todos estes campos, é uniforme, assim
como o mato no qual unicamente, alguns capões, diferem, por serem de
madeiras diversas. Os campos de Passo-Fundo, Palmeira e Nonohay,
estão caracterizados, pelo grande numero de Pinheiros, e coqueiros, que
formoseiam os capões que neles se encontram.
Os campos do Bugre-Morto são, em grande parte, cobertos de
botiaseiros, isto é, uma Palmeira anã, que quanto muito se eleva a altura
de um homem.
Os campos de Nonohay e Campo Novo são cortados, aqui e ali,
por ralas florestas de timbó, entreveradas com o soberbo buruti, única
Palmeira de leque da província.
Os capões, geralmente dos campos missioneiros consistem em pau
ferro, (grundahy).
Duas espécies, porém, de árvores, são características de todo o
planalto do sul do Brasil, o pinheiro (Araucaria brasiliense) e a
Congonha, (Elex paraguaynsis).
A divisa ocidental do desaparecimento dos pinheiros é o rio
Turvo, para baixo da foz do mesmo não encontra mais esta árvore, e os
únicos exemplares, existem nas antigas quintas dos jesuítas
transplantados pelos mesmos.
Além do rio Turvo, formam-se extensas florestas de pinheiros,
que penetram no sertão, e igualmente os ervais, que oferecem à
população a subsistência. Infelizmente a erva-mate, em cujo fabrico se
emprega uma grande parte da população, não compensa o trabalho que
dá, e se esta se entregasse à lavoura seria prodigamente recompensada de
seus labores.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
124
As árvores que formam o sertão, são as mesmas que vegetam por
toda a Serra, tais como (Myrtaceen e Laurineen).
Da primeira há quatro espécies, as quais tanto pelas frutas, como
pela madeira, são apreciáveis, que são a Guabiroba (camponeane
crenata) araçá (psdium araçá) pitanga (eugenia pitanga), jaboticaba
(eugenia centiflora).
Como representantes da begoniaceen, apresenta-se o ipê (tecona
ipé) de diversas qualidades, digna de menção pela rigidez da madeira. Da
família das mimosaceen, aparece o angico, a acácia, em diversas
variedades, da euphorbiaceen, a canella de veado, (atinostemon)
lanceolatus; da malvaceem, o pau rei, (sterculia rex) em língua popular
farinha seca.
Mencionarei ainda, a canjerana (cabralea canjerana) o cedro
(cedrela brasiliensis) pertencente aos cedrelaceen, canna-fistula, ou
Angico branco, (cassia brasiliensis) importante para cortume e a
guajuvira, e grapiapunha.
O pau ferro, ou grundahy, encontra-se principalmente na parte
ocidental. Há duas espécies de palmeiras que são comuns na serra geral,
coqueiro e palmitos, a palmeira de leque, buriti e a palmeira anã,
guariganga, são estas as árvores mais abundantes no território que
descrevemos.
O mato baixo, que geralmente faz com que o sertão se torne
intransitável, é formado de diversas espécies de ervas, bambus, e
parasitas, pequenos representantes das mencionadas famílias.
Temos ainda a mencionar diversas qualidades de urtigas que
atingem à grandes dimensões, liamen ou cipó, de formas admiráveis,
entrelaçam-se nas árvores, os troncos e os galhos, conservam uma
luxuriante vegetação, e produzem as mais extravagantes e mimosas
flores. Das parasitas merece menção especial o Imbé ou Guaimbê que
possui inúmeros liames, que se enlaçam como um manto, nas árvores
onde vivem. Em muitos lugares, especialmente nas declividades e
regatos, o mato toma caráter especial: repentinamente depara-se num
bosquezinho de fato d’altura de um homem e mais. Há aqui duas
qualidades de feto, uma que no corte apresente as mais extravagantes
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
125
figuras, é formado dum tecido de fios lanudos, duma cor parda
aveludada; (xaxim) a outra, tamanbajá, ou xaxim de espinhos, é formado
de folhas, cobrindo uma as outras guarnecidas de espinhos.
Ainda que o mato de que no ocupamos, se pareça no geral como o
da Serra Geral, encontram-se algumas variantes, por ser composto de
árvores mais desenvolvidas e viçosas.
CLIMA
Em relação ao clima, temos duas zonas, inteiramente separadas, o
planalto, e os vales do Uruguay e seus afluentes.
Pelas minhas observações meteorológicas posso dar dados
positivos do clima do planalto da Serra.
Enquanto que ali, no inverno, cai gelo e geada, no Uruguay e seus
afluentes é desconhecida. Os grandes canaviais, das margens dos rios,
nada sofrem, assim como o cafeeiro que é muito sensível à geada.
Influem poderosamente para isso as neblinas, que se conservam
geralmente até 9 e 10 horas da manhã.
A urtiga brava, atinge a uma altura colossal nas margens do
Uruguay, e isto prova que a geada não prejudica aqui a vegetação.
As circunstâncias naturais do clima, são, neste grande território de
que nos ocupamos, mais favoráveis do que em qualquer outra parte da
província, embora em outros pontos, a agricultura, esteja mais
desenvolvida, em nenhum oferece as vantagens que oferecem aqui, nesta
zona privilegiada.
Eu não conheço em toda a província, lugar mais fértil e de mais
abundância, do que o vale do Goy-en em Nonohay, ali nunca há falta dos
produtos da lavoura, porque a terra produz todos os frutos, em qualquer
estação. Como em nenhuma outra parte da província, prosperam aqui, os
produtos tropicais e das zonas temperadas, aqui se vê, o cafeeiro, e a
cana de açúcar, ao lado da mandioca, da batata, do feijão, do fumo, e do
algodão. O que podem ser os vales do majestoso Uruguay e seus
afluentes, pode-se fazer ideia, um imenso território, coberto de mato
virgem, até hoje por explorar. Os índios que consideravam estes sertões
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
126
de sua propriedade, estão hoje reduzidos, a pequenas aldeamentos, em
Nonohay, e outros pontos dedicando-se à lavoura e ao fabrico da erva-
mate. Há anos que todos que conhecem estas terras as apontam como as
mais férteis de toda a província. Está reconhecido que em todo o Império
não há uma zona mais apropriada para a colonização alemã, do que a que
tratamos, não só pela uberdade da terra, como pelo clima.
Já duas vezes tentou-se a colonização dos terrenos do Uruguay.
Em 1850, foram medidos e demarcados na barra do Ijuhy-Grande
diversos prazos coloniais, porém nunca foram povoados, não só por
haver naquela época, na Serra-Geral, lugar para milhares de colonos,
como pela má direção dada ao serviço.
Há anos foi concedida a sociedade Pereira & Cª., 100 léguas de
terras para o estabelecimento de colônias, a esta sociedade pertenciam
influencias alemãs, porém nada fizeram. Intrigas políticas fizeram
abortar este grandioso projeto, porque mais tarde o governo decidiu que
eram 4 e não cem léguas, a concessão feita, e a sociedade abandonou seu
projeto protelando-se desta forma por muitos anos a colonização do
Uruguay.
Concluindo este trabalho afirmo com o Sr. Sellin, que todos que
conhecem este grandioso território, não podem deixar de tomar interesse
pela colonização deste ubérrimo solo, fadado pela natureza para um
brilhante e grandioso futuro; e seria de grande interesse que, a sociedade
de Geografia de Berlim, promovesse e abreviasse a colonização do Alto-
Uruguay, de acordo com o governo Alemão e Brasileiro.
Assim o grandioso projeto que aqui apresentamos seria uma
realidade.
TEXTO IV
NOTA EXPLICATIVA SOBRE A PLANTA DO MUNICÍPIO DE
SANTO ANTÔNIO DA PALMEIRA COM O DISTRICTO DE
NONOHAY, PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL
– 1887.
O texto a seguir de Maximiliano Beschoren, acompanhou o mapa que
aparece abaixo, foi assinado em Palmeira em Janeiro de 1887. O original
encontra-se no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Lata 133. Documento
14. Sobre este documento, assim escreve Abelard Barretto: “É talvez, o último
trabalho elaborado por Beschoren antes do suicídio e a letra do manuscrito
parece demonstrar a neurastenia de que já estava possuído”. (BARRETO, 1975,
p. 136).
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
128
Figura 19: Mapa do Município de Palmeira e Distrito de Nonoai, elaborado pelo agrimensor M. Beschoren, em 1887.
Fonte: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – RJ. 133, doc. 14.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
129
NOTA EXPLICATIVA SOBRE A PLANTA DO MUNICÍPIO DE
SANTO ANTÔNIO DA PALMEIRA COM O DISTRICTO DE
NONOHAY, PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO
SUL.
A “Planta do Município de Santo Antônio da Palmeira com Distrito
de Nonohay” foi organizado com o material seguinte:
1. Posições geográficas de diversas localidades, determinadas pela
comissão d’engenheiros sob a direção do Tent. Cel. José Maria de
Campos.
2. Plantas de 203 propriedades particulares legitimadas em virtude da
Lei das Terras de 1850.
3. Plantas dos lotes medidos e demarcados na “Colônia Militar do
Alto Uruguay”.
4. Plantas das diversas estradas levantadas por ordem do Governo
Geral ou Provincial ou por ordem da Câmara Municipal.
5. Levantamento “a coup d’oeilles” das outras estradas do município.
6. Carta topográfica da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul,
concluída sob a direção do Dr. A. E. de Camargo, engenheiro da
Província, 1868.
I
Como pontos fixos para a organização da planta servirão as seguintes
posições geográficas:
Villa de Sto. Ant. da Palmeira 27” 53’ 54” S.S. 10” 07” 2” O. R. S.
D.
Foz do Rio Passo Fundo 27 16 9 42
Foz do Rio da Várzea 27 14 10 12
Foz do Rio Pepery Guássu 27 9 23 10 47 17
Foz do Rio da Guarita 27 13 10 42
Salto Iucumã 27 8 19 10 52 47
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
130
II
Desde a publicação da lei das terras até o ano de 1874 no
território, que forma hoje o Município de Palmeira, foram
legitimadas somente 2 propriedades; uma posse de terras
d’agricultura com a área superficial de 8:345, 670 m² e uma
fazenda de criar com a área de 128:779,632 m².
No ano de 1874 o Governo Geral fez a Inocêncio Pereira e
Cia, em Porto Alegre uma concessão de 100 léguas quadradas de
terras devolutas na zona de 10 léguas da fronteira, com a condição
de medir e colonizar as mesmas terras, cuja concessão mais tarde
foi anulada. Então o Governo Provincial nomeou um “Juiz
Comissário ad hoc para a zona de 10 léguas da fronteira”, afim de
descriminar as posses, que se achavam estabelecidas dentro da
mencionada concessão.
Do território do município de Palmeira acha-se
compreendido “na zona das 10 léguas da fronteira” somente a parte
situada entre os Rios Nhacorá e Guarita. Daquele tempo para cá
foram legitimados pelo Juiz Comissário ad hoc ou pelo Juiz
Comissário do município 179 propriedades com a área superficial
de 175.425 hectares 51 ares e 52 m² e, incluindo o Distrito de
Nonohay, (que durante 5 meses fez parte do município e ao qual há
de pertencer outra vez) 203 propriedades com a área superficial de
201.950 h 54 a. e 28 m², sendo 107.636 h. 80 a. 50 m² de mato -
84.313 h. 73 a. 72 m² de campo.
Como mostra a “Planta dos terrenos legitimados no Campo
Novo, Herval Seco – Guarita”, as propriedades descriminadas
formam em parte territórios grandes.
III
A Colônia Militar do Alto Uruguay compreende o terreno
entre o Rio Turvo e o Arroio do Herval grande e limita ao Sul com
os terrenos legitimados de Campo Novo. Não foi levantada ainda a
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
131
planta do Rio Turvo e Arroio do Herval grande e sim somente do
Rio Uruguay, na cuja margem acha-se medida e demarcada a maior
parte dos lotes coloniais.
O atual Diretor, Major Palmeiro, concedeu-me licença de
copiar as plantas respectivas.
IV
Como auxílio grande para a organização da planta serviram-
me os levantamentos de 3 picadas, as quais na sua maior parte
atravessam terrenos incultos e despovoados.
1. Planta da estrada de rodagem de Campo Novo para a Colônia
Militar, cuja estrada foi explorada e construída por ordem do
Governo Geral.
2. Planta da estrada, que segue da Villa de Palmeira para a Freguesia
de Nossa Senhora da Luz do Nonohay, levantada por ordem do
Governo Provincial pelo Engenheiro Coelho no ano de 1876.
3. Planta da picada da exploração aberta por mim do Rincão da
Fortaleza até o Rio Uruguay. Esta picada, que tem a extensão de 38
km 530 m, abri por conta da Câmara municipal no ano de 1879. O
fim que tinha em vista tomar este serviço, foi de explorar aquela
parte grande do nosso município, completamente desconhecida
então, e dar a iniciativa para abrir uma nova via de comunicação
com a Província do Paraná, a qual, comparada com as outras
existentes, havia de oferecer muitas vantagens.
Levantei a planta da picada na escala de 1:20.000; fiz
também um nivelamento geral por meio de observações
barométricas do terreno percorrido e apresentei um relatório
minucioso tanto sobre o serviço como sobre os resultados obtidos à
Câmara Municipal de Palmeira [texto que reproduzimos acima].
Uma cópia deste relatório entreguei, à seu pedido, ao
Engenheiro Dr. Joaquim Saldanha Marinho Filho, quando no mês
de Dezembro de 1885 retirou-se desta Província para a Côrte, para
ser apresentado ao Exmo. Sr. Ministro d’Agricultura.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
132
V
Nas numerosas excursões, que fiz durante dez anos pelo
município, tomei nota tanto das estradas como de outros objetos
topográficos [ilegivel] centenas de rumos e distâncias, cuja exatidão
podia verificar em execuções posteriores. Assim coligi um material
suficiente para a organização do itinerário das mais estradas do
município os detalhes topográficos, que, junto com o material
acima mencionado, era suficiente para a reconstrução do mapa
geral do município.
VI
A “Carta topográfica da Província de S. Pedro do Rio
Grande do Sul” concluída em 1868 pelo Engenheiro Dr. A. E. de
Camargo, aproveitei somente no que diz respeito ao curso do Rio
Uruguay.
Aproveito o ensejo para dar mais alguns resultados dos meus
estudos e observações feitas durante a minha estada neste
município, se queres, julgar ou, não são destituídos de interesses.
I. Alturas sobre os níveis do mar.
Por meio das observações barométricas feitas no mesmo
tempo no meu observatório meteorológico na Vila de Palmeira e no
escritório da “Comissão de melhoramentos da barra do Rio Grande
do Sul” determinei a altura da Vila de Palmeira nuns 565 metros.
Estas notas serviu-me de base para as mais determinações
feitas no município, das quais menciono as seguintes:
Estrada do Passo da Palmeira para o Rincão da Fortaleza.
Passo da Palmeira 460 m
Coxilha do Passo 530 m
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
133
Coxilha do Marques 530 m
Encruzilhada da estrada para o Rincão da Guaryta 515 m
Lagoa do Bueno 505 m
Villa da Palmeira 565 m
Pº. do Rio da Fortaleza 480 m
Casa do Capt. Galvão 515 m
Entrada da minha picada de exploração 450 m
Nesta picada determinei por observações correspondentes a
altura de 97 pontos, dos quais menciono os seguintes:
Coxilha Alta 485 m
Barra Alegre 240 m
Cima da Serra do Rio Uruguay 515 m
Pº. da Boa Esperança no Rio Uruguay 130 m
Estes pontos são o perfil geral na direção do Sul ao Norte.
Para a determinação do perfil na direção geral do Leste ao Oeste
serviram [?] os pontos seguintes.
Cabeceira do Rio Ijuy grande 465 m
Encruzilhada da estrada para o Rincão da Guaryta 515 m
Lajeado do Lourenço 445 m
Coxilha 500 m
Pº. na Guaryta 430 m
Encruzilhada com a estrada geral 485 m
Cabeceiras do Rio Turvo 470 m
No Distrito de Nonohay determinei a altura dos pontos
seguintes:
Freguesia da Nossa Sra. da Luz de Nonohay 545 m
Pº. no Lajeado do Tigre 490 m
Coxilha da Rondinha 555 m
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
134
Última caída para o Rio Uruguay 460 m
Passo do Goyo-En 195 m
II. Condições climáticas; observações meteorológicas.
A respeito do clima distinguem-se 2 zonas: 1. O planalto ou
os terrenos de cima da serra e 2. As caídas para o Rio Uruguay e
seus afluentes.
Em quanto no planalto geadas fortes e neve durante o
inverno são frequentes, são completamente desconhecidas estes
fenômenos nas paragens do Uruguay e seus tributários.
Na Vila da Palmeira tenho feito com regularidade durante
dois anos observações no termômetro e barômetro. No ano passado
foram me enviadas pela “Comissão de melhoramento da barra do
Rio Grande” mais um aneroide, um termômetro de máxima-mínima
e um pluviômetro, achando-me agora habilitado de estender as
observações sobre mais assumptos.
Os resultados obtidos são os seguintes:
Mês Pressão Atmosférica 700 m. Temperatura (G)
(1887) 7h 1h 9h Méd. Máx. Mim. Ampli-
tude.
7h 1h 9h Méd. Máx. Mín.
Janeiro 8,89 7,95 8,24 8,36 12,02 3,99 8.03 - - - 27,6 38,5 15,5
Fevereiro 5,9 6,7 6,5 5,8 - - - 19,3 25,3 21 21,9 28 17
Março 6,9 7,9 8,5 8,4 16,4 5,3 19,5 19,7 23,2 20,4 21,4 31 14
Abril 12,7 10,9 12,1 12,2 16,8 7,1 8,9 13,1 17,9 12 14,3 22 8
Maio 13,9 13,8 13,9 13,7 17 7,8 9,7 12,5 20,1 14,1 15,6 24 5,5
Junho 15,1 10,3 15 14,8 18,5 10,9 7,9 8,5 16,7 10,2 11,8 28 1
Julho 14,8 13,6 14,9 14,3 21,6 9,3 12,3 12,5 19 14 15 26 75
Agosto 14,5 13,6 13,8 14 17,1 8 9,1 11,4 19,6 15,4 15,5 28 1
Setembro 14,2 13,5 13,7 13,8 18 6,1 11,9 11,9 22,3 15,3 16,5 30 1,5
Outubro 12,2 11,9 11,7 11,9 17,9 2,5 15,9 15,3 25,1 19,2 19,9 34 9
Novembro 9,5 8 8,9 8,6 12,1 3,3 9,0 18,3 28,2 20,5 22,2 34 12
Dezembro 8 8,1 8,3 8,1 13,9 2 16,9 19,8 29 21,3 23,1 33 4
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
135
Média do
ano
? ? ? ? ? 1 14,8 22,4 16,8 18 34 - 1
No vale do Rio Uruguay e dos seus afluentes a temperatura
alcança um grau maior e principalmente no inverno não baixa tanto
como nas outras partes; os grandes canaviais, plantação de café e de
outras plantas tropicais provam isso.
III. Aspecto Geral
Na parte septentrional e oriental estende-se as grandes matas,
povoadas somente na beira do campo numa extensão de 2 a 3
léguas.
O terreno nesta zona coberta de matas é mais montanhoso do
que na outra parte do município, porém oferecem declives fortes
somente nas caídas para os rios.
Pelas alturas determinadas vê-se que a ondulação do terreno
na direção geral do Sul a Norte, do Passo da Palmeira até o Rincão
da Fortaleza, move-se numa curva compreendida entre as alturas de
450 m a 565 porem daí até o Rio Uruguay entre os de 130 m. e
515m.
IV. Rios
O território é banhado por diversos rios, todos afluentes do
majestoso Rio Uruguay, são os seguintes: Rio Passo Fundo, Rio da
Várzea, Rio Pardo, Rio da Guarita, com o Rio da Fortaleza, Rio
Turvo, Arroio do Herval grande, Rio Nhacorá com o Rio
(Ponneira?), que correm todos na direção geral do SE-NO.
Outro afluente do Uruguay, que forma a divisa meridional
do município, é o Rio Ijuhy grande, cuja cabeceira mais alta é o
Arroio do Passo da Palmeira, ele corre do L. para O. e é sem
importância para o município.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
136
O Rio Passo Fundo (Uruguay mirim) forma a divisa oriental
do Distrito de Nonohay; ele é navegável por canoas grandes, porém
muitas corredeiras oferecem obstáculos à navegação.
O seu vale é estreito e as saídas para ele muito fortes.
Bem na sua foz está o Passo reúno ou Passo do Goyo-En,
muito frequentado pelos viajantes e tropeiros de São Paulo.
O Rio da Várzea (Uruguay puitan, Uruguay vermelho) é no
território de que tratamos, o mais importante afluente do Rio
Uruguay. Ele nasce 1 légua ao Oeste da Villa de Passo Fundo, corre
primeiro no Oeste e depois passo a NO. e N. Onde ele entra no
município já é navegável para canoas grandes e no passo da
estrada, que segue da Palmeira para Nonohay, tem uma largura de
88 m.
No tempo em que explorei os matos entre o campo e o Rio
Uruguay (1879) ainda ninguém tinha descido este rio até a sua foz e
por isso pretendi fazer um reconhecimento do curso dele. Mandei
três pessoas descer numa canoa grande até mais ou menos 4 léguas
abaixo da sua barra no Uruguay, porque calculei que a minha
turma, que ia por terra, havia de alcançar nestas imediações a vista
do rio, como de facto foi. Reunido com os navegantes, com os
quais encontrei um dia depois da nossa chegada no “Passo da Boa
Esperança” tinha de desistir da minha intenção de subir o Uruguay
e Rio da Várzea, porque a baixa das águas tinha chegado ao
extremo. Os navegantes declararam-nos que com águas médias o
Rio da Várzea era completamente navegável com lanchões e
gabaram muito a fertilidade extraordinária da planície que estende-
se nas margens do rio no seu curso de baixo.
O Rio Pardo é insignificante eu menciono-o somente para
corrigir um erro que tem sido transferido de mapa em mapa.
Na “Carta Topográfica” mencionada sob nº 6, está marcado
este rio como “Rio da Fortaleza”, denominado na sua foz Rio
Pardo e o rumo dele na continuação do Rio da Fortaleza, que nasce
na Villa da Palmeira. Porém este não tem barra com o Rio Uruguay
e sim com o Rio Guaryta. O rio Pardo é um lajeado grande, que
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
137
nasce dentro do sertão; e na minha exploração acompanhei em
parte um galho dele.
O erro explica-se assim. Em frente da foz deste lajeado tem
uns rochedos dentro e na margem do rio, que os navegantes, que
desciam de Nonoahy, chamam “Fortaleza”, por isso os
demarcadores julgaram que este afluente fosse idêntico com o Rio
da Fortaleza.
O Rio da Guaryta (Albery), junto com o Rio da Fortaleza,
forma um afluente importante, porém o seu curso debaixo é
desconhecido.
O Rio Turvo (Cebolaty) forma no Campo Novo dois saltos
bonitos, dali para baixo a sua largura média é de 70 m. Entre ele e o
Lajeado do Herval Grande está compreendido o território da
Colônia Militar.
2 léguas abaixo da foz do Lajeado do Herval grande
encontra-se a barra do Rio Nhucorá, o qual oferece quase obstáculo
nenhum à navegação; seu vale é largo e fertilíssimo.
V. As matas do Rio Uruguay
No relatório que apresentei no ano de 1879 à Câmara
Municipal da Palmeira diz o seguinte:
“Nos últimos cinco anos nos trabalhos da minha profissão
levaram-me diversas vezes para diferentes pontos do vale do Rio
Uruguay, do Rio maior da nossa Província e nestas ocasiões
conheci a fertilidade enorme das paragens deste rio majestoso e dos
seus tributários, fiquei convencido da importância que hão de ter no
futuro não muito remoto os territórios que ele banha. Eu vi em
Nonoahy aquele paraíso, que se estende nas margens do Goyo-En,
onde os moradores fazem uma fortuna só com plantações de cana,
que lá, naquele lugar abençoado pela natureza, alcança um
desenvolvimento admirável; vi lá pela primeira vez na minha vida
cafezais, se bem que em escala pequena, porém dando boa colheita;
vi lá plantações abundantes de toda a espécie, tanto de plantas
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
138
tropicais, como de florestas da zona temperada, juntas e vem se
desenvolvendo, como não se encontra em uma outra parte da
Província.
Eu tive o prazer imenso de ver aquelas matas na costa do
Alto Uruguay, onde uma vegetação gigantesca faz admirar o
observador, aquelas matas completamente intactas, verdadeiros
“matos virgens”, onde nunca o braço do homem ergueu o machado
para derrubar os representantes duma vegetação de séculos.
Os territórios que banha o Rio Uruguay desde Nonohay até
lá onde acabam os Mattos, até o Serro Pelado, possuem todas as
condições naturais para, porém esperam um grande
desenvolvimento. É verdade que o rio oferece muitos obstáculos à
navegação franca e desembaraçada; porém pelo menos durante 6
meses no ano este obstáculo não existe e durante o resto do tempo
ele sempre permite uma navegação limitada. A fertilidade das terras
do seu vale é tão conhecida que não precisa dizer uma palavra a
respeito disso; o clima também é mais [ameno?] e saudável do que
em qualquer outra parte da Província.
O futuro do município de Santo Ângelo e Santo Antônio da
Palmeira, os quais abrangem a maior parte do território, há de ser
grandioso, eles hão de tornar-se os municípios mais ricos, mais
importantes de toda a região serrana, logo que dirigir-se a atenção
do Governo para estes lugares, ainda tão pouco conhecidos, que se
abra este sertão imenso do Alto Uruguay à colonização e à
civilização, que se colonize as paragens deste rio, seja com
nacionais, seja com estrangeiros!”.
Daquele tempo para cá tenho trabalhado sempre neste
território do Alto Uruguay, tenho feito estudos e observações em
todos os municípios que ele banha: São Borja, São Luis, Sto.
Ângelo, Palmeira e Passo Fundo, e tenho ficado mais convencido
ainda que não pode haver território na Província que oferece tantas
vantagens para a colonização do que este do Alto Uruguay.
O carácter geológico do terreno explorado, tanto como pude
observar, fica determinado pelas formas de diorito ou trapp e do
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
139
melaphiro, formas plutônicas, em quando aos rochedos dentro e na
costa do rio pertencem à formação basáltica. À respeito da
fertilidade não pode haver dúvida: enquanto a decomposição das
rochas graníticas fornece terras de fertilidade medíocre, aquelas
produzidas pelo trapp são riquíssimas.
Esta fertilidade consta melhor ainda da vegetação:
Comparando com as matas da região das colônias alemãs na Serra
Geral, as do Alto Uruguay não mostram muitas espécies novas,
porém a vegetação aqui é mais forte e robusta, toda a produção
mais desenvolvida e viçosa. Limito-me de mencionar aqui somente
as árvores mais importantes por sua utilidade:
Cedro (Cedrela brasiliensis), Canjeirana (Cabralia
cangeirana), Araça (Psidium araça), Açouta cavalo (Luber
gramiflora), Canafístula (Cassia brasiliana), Canela do brejo
(Vicetandria), Canela preta (Vesctandra mollis), Canela do viado
(Actinostrem lomorolatum), Farinha Sacra (Sterenha Rex),
Guabiroba (Camponanesia remata), Ipê (Cecoma Ipé), Jabuticaba
(Eugenia cauliflora), Angico (Acacia), Pitanga (Stanicolia Mus),
Guajuvira, Grapiapunha, Cereja, Batinga.
Estas são as árvores principais que formam em parte
misturadas com Palmeiras, os matos as que sobram com as suas
copas um segundo mato menos alto e quase impenetrável composto
de arbustos de todas as espécies de Criciúma, Cipós, Espinhos,
Taquaras e Parasitas as mais diversas.
Só na beira do campo encontra-se o Pinheiro (Araucaria
brasieliensis), Xaxim e Samambaia, sinal de terreno de qualidade
inferior; de lá até o Rio Uruguay estende-se a região que é mais
apropriada para a agricultura, para a cultura de todos produtos,
tanto do fumo, algodão, cana de açúcar e café, como de milho,
feijão e mandioca.
Santo Antônio da Palmeira, Janeiro de 1887
Maximiliano Beschoren, agrimensor.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
140
Figura 20: Fac-símile da primeira capa da “Nota explicativa”, escrita pelo eng.
Beschoren, de 14 folhas.
Fonte: Cópia disponível no Centro de Documentação e Pesquisa História do Alto Uruguai. CEDOPH – URI/FW.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
141
Figura 21: Detalhe do Mappa geographico da Provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul organizado na Commissão do Registro Geral Estatistica des Terras Publicas e Possuidas, sob a Presidencia do Conseilheiro Bernardo Augusto Nascentes de Azambuja, pelos Engenheiros José Ignacio Coimbra e Tenente Coronel Conrado, Jacob de Niemeyer auxiliado pelo Engenheiro Geographo Galdino Alves Monteiro e mandado publicar pelo Ex° Sar. Conseilheiro Thomaz José Coelho de Almeida.
Fonte: Gallica. Disponível em: <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b530987029.r=mappa%20geographico%20da%20provincia%20do%20sul%20de%20S.%20Pedro%20do%20Rio%20Grande%20do%20Sul?rk=21459;2>.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
142
Imagem 22: Carta topográfica da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul organizada por A. E. de Camargo, engenheiro da Província, em 1868.
Fonte: Disponível em: <http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart325142/cart325142.pdf>.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
143
Imagem 23: Detalhe Carta topográfica da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul organizada por A. E. de Camargo, engenheiro da Província, em 1868.
Fonte: Disponível em: <http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart325142/cart325142.pdf>. Observa-se: O Arroio das Ariranhas que desaguam no Rio Uruguai, depois chamado “Rio do Mel”. O equivoco de denominarem “Rio Fortaleza” para o “Rio Pardo”, erro que Beschoren vai corrigir.
TEXTO V
RELAÇÃO DAS POSSES E CONCESSÕES LEGITIMADAS E
LEGALIZADAS NO MUNICÍPIO DE STº ANTÔNIO DA PALMEIRA E NO
DISTRITO DE NONOHAY (MUN. DE PASSO FUNDO).
PROVÍNCIA DE S. P. DO RIO GRANDE DO SUL
[Documentos localizado no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – RJ. Lata
338, doc. 35].
1. CAMPO NOVO
Nome do Legitimante Área Superficial
Campo Mato
Domingos Antº Pereira 7.383.400 m²
Mathias Bohnen 8.818.000 m²
Anacleto Chaves Nogueira 4.923.000 m²
Leonardo Fogaça 1.090.000 m²
Manuel Polyxeno de Souza 8.407.000 m²
João Soares da Silva 5.206.700 m²
José Perié 11.116.000 m²
Pedro Cassel 8.351.000 m²
Felippe Bindé Lassalle 22.141.700 m²
Manuel Babtista dos Santos 18.661.000 m²
Luciano Ferreira Martins 8.640.900 m²
Manuel Luis d’Oliveira 2.021.500 m²
Luís Mathias 6.558.800 m²
Albino Pinto do Amaral 3.785.000 m²
Carlos Lobo 12.880.600 m²
João de Souza Bueno 6.126.750 m²
A. J. Rabelo 7.888.900 m²
17 Propriedades 144.04.250
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
145
2. SERRA DO CAMPO NOVO, ENTRE OS RIOS NHACORÁ E
TURVO
Nome do Legitimante Área Superficial
Campo Mato
Francisco Staup 1.540.700 m²
Joaquim Rabelo 576.000 m²
Escolástica Corá de Moura 1.112.580 m²
Joaquim Marcelino Rodrigues 1.357.000 m²
João Antônio Lopes 6.283.080 m²
Jargutho José d’Almeida 13.053.000 m²
Venâncio Mendes Machado 5.079.000 m²
João A. Siqueira 6.013.150 m²
Felippe dos Santos 7.479.200 m²
Candida Maria Lemes 6.534.100 m²
Machado 4.529.400 m²
Manuel Antônio da Silveira 8.404.200 m²
Francisco Th. de Quevedo 10.169.600 m²
José R. dos Santos 6.789.000 m²
Miguel Correa de Paula 21.425.500 m²
Sabino Rosa 5.842.000 m²
Bernardo José de Quadros 6.484.400 m²
Antônio Joaquim do Amaral 4.309.000 m²
Manuel Polixeno de Souza (2) 10.976.000 m²
Antônio R. de Almeida 6.919.800 m²
Pedro Antero Batista 2.512.200 m²
Antônio Alves de Castro 6.919.400 m²
José Soares da Silva 7.025.000 m²
Gabriel dos Santos 6.751.000 m²
Emílio José dos Santos 4.448.000 m²
Monqueiro 5.392.700 m²
Januário Correa 6.016.600 m²
José Perié 8.487.600 m²
Rufino Augusto Barbosa 6.247.800 m²
Reginaldo José dos Santos 5.791.500 m²
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
146
Jerônimo Correa (2) 14.563.200 m2
Anacleto Chaves Nogueira 3.080.000 m²
Matias Bohnen (2) 10.080.700 m²
Inácio Bento de Souza 13.254.000 m²
Nunes Sagas 4.513.250 m²
Fazenda de S. Jacó 62.144.000 m² 50.000.000 m²
39 Propriedades 62.149.000 m² 292.523.180 m²
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
147
Figura 24: Fac-símile do documento manuscrito de Beschoren.
Fonte: Cópia disponível no Centro de Documentação e Pesquisa História do Alto Uruguai. CEDOPH – URI/FW.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
148
Figura 25: Mapa original de uma posse pertencente a Atanagildo Pinto Martins, do punho do
Engenheiro Maximiliano Beschoren.
Fonte: Cópia disponível no Centro de Documentação e Pesquisa História do Alto Uruguai. CEDOPH – URI/FW.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
149
3. SERRA DA MARGEM DIREITA DO RIO TURVO
Nome do Legitimante Área Superficial
Campo Mato
Conceição José do Espirito Santo 6.718.400 m²
Catharina M. Gonçalves 7.130.000 m²
Guilherme Shan (2) 7.595.300 m²
Felipe Bindé Lassalle 4.215.000 m²
João Antônio Brisola 13.157.100 m²
Benedito da Anunciação Brisola 14.383.800 m²
Salvador José Pinheiro 15.337.100 m²
Luciano Bueno da Fonseca 4.020.000 m²
José R. de Almeida (2) 20.481.100 m²
Manuel Antônio Gonçalves 7.665.600 m²
Antônio Leite de Miranda 8.484.000 m²
João Isaias de Sousa 1.478.000 m²
Olivério Antunes do Nascimento 12.619.400 m²
José Antônio dos Santos 1.768.460 m²
Maria Josefa dos Santos 6.143.000 m²
Peregrino José Ferreira 6.460.400 m²
Joaquim M. Bueno 9.336.200 m²
Manuel Joaquim Borges 6.493.000 m²
Atanagildo Pinto Martins 18.106.400 m²
José J. de Oliveira 4.871.000 m²
J. Florêncio M. Fagundes 18.461.800 m²
23 Propriedades 190.938.560
4. RINCÃO DA FORTALEZA
4.1 Caídas para o rio da Fortaleza
Nome do Legitimante Área Superficial
Campo Mato
Venâncio Pires de Lima 3.244.800 m²
Francisco Rodrigues da Rosa 1.445.800 m²
Rui Vieira de Sousa 14.658.800 m²
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
150
Domingos Padilha de Camargo 8.692.800 m² 9.027.100 m²
Vicente Antônio de Oliveira 6.470.800 m² 9.786.050 m²
Serafim de Moura Reis 4.784.100 m²
Justino de Sousa Bueno 11.921.500 m²
7 Propriedades 46.528.000 m² 23.503.750 m²
4.2 Cahídas para o Rio da Várzea
Nome do Legitimante Área Superficial
Campo Mato
José Marques Barbosa 2.681.890 m²
Rui Vieira de Sousa 8.061.000 m²
Galvão de Sousa Bueno 3.150.200 m² 4.468.200 m²
Manuel Ferreira Lopes 4.420.000 m ² 10.488.000 m²
Anastácio de Souza Bueno 1.710.600 m²
Laurinho Moreira do Amaral 3.054.200 m²
Francisco Gomes Branco 7.110.200 m²
Jordão de Lima Bueno 8.721.400 m²
Justino de Sousa Bueno 3.858.400 m²
João de Sousa Bueno 5.278.400 m²
10 Propriedades 7.570.200 m² 55.438.280 m²
5. POTREIRO BONITO
Nome do Legitimante Área Superficial
Campo Mato
Isaias José Silveira 730.240 m²
João Paulo de Vargas 1.277.850 m²
Francisco Modesto Franco 6.108.850 m²
Bento Pereira 2.524.200 m²
Miguel Rodrigues Vieira (2) 4.448.250 m²
Joaquim Vicente da Silva 3.513.650 m²
Francisco R. Vieira 7.246.200 m²
João Calisto Tobias 3.295.650 m²
Valentin R. Duarte 9.288.400 m²
Bento Domingos Lemes (2) 3.563.700 m² 3.507.800 m²
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
151
João de Lima e Camara 2.182.750 m²
Nicolau Casseng 2.216.900 m²
Taurino Jarguto da Cunha 819.800 m²
José Hilário Bueno 4.220.100 m²
Vicente Brisola e Irmãos 1.777.540 m²
Rafael José da Rosa 763.900 m²
João Pereira A... 2.750.600 m²
Modesto da Silva Moreira 1.467.000 m²
Santiago Tasco 887.700 m²
João Alberto Correa 9.889.000 m²
Tiburcio da Siqueira Pinto (2) 10.228.600 m²
Antônio Xavier Simões 2.268.700 m²
Francisco Pereira de Vargas 1.618.500 m²
José da Silva Conceição 9.302.900 m²
27 Propriedades 3.563.700 m² 89.431.280
6. BOI PRETO
Nome do Legitimante Área Superficial
Campo Mato
João Bento de Ramos (2) 7.302.200 m²
José Luis de Borba 8.556.300 m²
Marcolino Ribeiro Martins 2.899.500 m²
Antônio Galvão Pereira 9.170.500 m²
Salvador José Pereira 2.930.100 m²
Galvão de Sousa Bueno 42.976.170 m²
7 Propriedades 42.976.170 m² 30.762.600 m²
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
152
7. RINCÃO DA GUARITA E SERRA DO MESMO NOME
8. SERRA DO ERVAL SECO, ENTRE OS RIOS GUARITA E FORTALEZA
Nome do Legitimante Área Superficial
Campo Mato
José Gomes de Medeiros 12.836.000 m²
Manuel Leite de Azevedo 4.647.800 m²
Vicente do Amaral 4.307.200 m²
M. Antônio de Arruda 7.512.000 m²
Silvestre da Silva Gularte (4) 84.587.330 m²
José Mesquita Lobo 8.362.100 m²
Verissimo Alves do Amaral 4.785.100 m²
João A. de Borba 2.962.300 m²
Antônio Dias dos Aires 29.796.000 m²
Laurinda Maria Morais 1.840.220 m²
Policarpo José Prestes 2.726.300 m²
Francisco Machado Frazão 8.345.670 m²
Antônio José de Oliveira 10.314.500 m²
João Balbino Martins 3.862.600 m²
J. M. Pinheiro Toledo 4.950.550 m²
Antônio Joaquim da Silveira 7.030.600 m²
Mariana de Sousa Santos 3.596.940 m²
João Teixeira 4.890.600 m² 2.090.500 m²
21 Propriedades 34.686.600 m² 180.778.680 m²
Nome do Legitimante Área Superficial
Campo Mato
Antônio Novaes Coutinho 128.779.632 m²
Manuel Joaquim Borges 90.000.000 m² 29.876.300 m²
Francisco de Carvalho Leite
Ferreira
18.747.600 m²
Laurindo Ferreira de Lima 6.801.200 m²
João Antônio da Silva 6.648.000 m²
Atanagildo Pinto Martins 11.299.600 m²
6 Propriedades 218.779.632 m² 73.372.740 m²
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
153
9. PICADA DO RIO DA VÁRZEA PARA NONOAI
Nome do Legitimantes Área Superficial
Campo Mato
Maria Rita do Espírito Santo 3.364.800 m²
Faustino Caldeirão 6.682.000 m²
Serafim de Moura Reis 9.675.150 m²
Manuel Francisco de Moura 7.248.000 m²
Américo S. de Moraes 2.137.400 m²
Vicente Brisola 21.507.300 m²
6 Propriedades 50.454.650 ²
10. SERRA DO RIO IJUÍ
Nome do Legitimante Área Superficial
Campo Mato
Lourenço de Moraes Gomes 19.251.900 m²
Eleutério da Silva Prado 8.693.700 m²
Rita Balbina de Campos 6.387.500 m²
Atanagildo Pinto Martins 5.035.000 m²
Manuel Antunes Pereira 3.483.000 m²
Ana Demétrio Machado 15.269.980 m²
Joaquim de Paula e Sousa 5.871.700 m²
Manuel Inácio da Silva 3.634.700 m²
Antônio Pinheiro dos Santos 17.765.100 m²
João Francisco Almeida 7.456.200 m²
Jeremias Francisco Amado 1.987.300 m²
Basílio R. da Silva 16.959.800 m²
12 Propriedades 105.798.880 m²
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
154
11. DISTRITO DE NONOHAY
Nome do Legitimante Área Superficial
Campo Mato
Gertrudes Maria de Espírito 5.358.000 m²
Matias Muller 3.437.000 m²
Francisco T. de Oliveira 3.749.800 m²
Antônio João Fernandes 31.190.400 m²
Manuel Honório de Melo 9.758.500 m²
Eugênio Veloso Linhares 5.808.100 m²
José Pedro Sarmento de Melo 4.345.700 m²
José Lopes Vieira 27.610.800 m²
Manuel Joaquim Machado 7.433.400 m²
Inácio José de Oliveira 2.869.800 m²
Faustino José de Oliveira 2.583.600 m²
Flório José Bandeira 433.500 m²
Laurindo Cardoso dos Santos
Menezes
4.356.900 m²
Antônio Alves Pedroso (2) 6.050.800 m² 3.709.700 m²
Maria Lopes Vieira 8.113.350 m²
Joaquim Antunes Vaz 3.633.000 m²
João de Vergueiro 7.493.800 m²
Maria Delfina dos Santos 7.762.900 m²
Antônio José Laguna 10.656.300 m²
João Batista Lajus 3.421.000 m²
Manuel Batista Quevedo 44.472.500 m²
Vieira 39.929.800 m²
Cipriano Rocha Loires 124.872.000 m²
24 Propriedades 282.884.820 m² 82.365.450 m²
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
155
12. RESUMO
Sessões Propriedades de Campos Propriedades de Matos
n. n.
I 17 144.004.250 m² - -
II 1 62.149.000 m² 36 292.523.180 m²
III - - 23 190.938.560 m²
IV 5 46.528.000 m² 4 23.503.750 m²
V 3 7.570.200 m² 10 55.438.280 m²
VI 1 3.563.700 m² 24 89.431.280 m²
VII 1 42.976.170 m² 5 30.760.600 m²
VIII 2 218.779.632 m² 5 73.372.740 m²
IV 2 34.686.600 m² 17 180.778.680 m²
X - - 6 50.454.650 m²
XI - - 12 105.798.880 m²
XII 7 282.884.820 m² 17 82.365.450 m²
38 843.137.372 m2 165 1.176.368.050 m2
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
156
Figura 26: Mapa parcial do antigo Município de Palmeira das Missões. Detalhes das grandes posses e propriedades (em amarelo), com área e proprietários.
Fonte: Cópia disponível no Centro de Documentação e Pesquisa História do Alto Uruguai. CEDOPH – URI/FW.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
157
Figura 27: Detalhes das grandes posses e propriedades (em amarelo), com área e proprietários.
Fonte: Cópia disponível no Centro de Documentação e Pesquisa História do Alto Uruguai. CEDOPH – URI/FW.
Posfácio
Breno A. Sponchiado
Após percorrermos um rápido itinerário da vida e das ações mais relevantes de
Maximiliano Beschoren em terras gaúchas podemos fixar, como considerações finais,
algumas proposições sob o ponto de vista histórico.
Beschoren pertence ao seleto grupo de intelectuais europeus, muitos alemães,
que no século XIX partem para o Novo Mundo fascinados pelo que vislumbravam de
novidades científicas e possibilidades de vida melhor.
Viajantes ilustrados e cientistas de academia traziam uma bagagem intelectual
da época, marcadamente iluminista, no sentido de crença ilimitada na razão e na
ciência, na capacidade humana do conhecimento da natureza e transformação através
deste do mundo, em benefício da humanidade. Vinham embalados pelo paradigma do
Progresso, na experiência do Velho Mundo da Revolução Industrial, que acreditavam
seria apanágio de todos os males. Nutriam também uma confiança na força do
trabalho, mental e braçal, que permitiria transformar o ambiente natural, hostil e
desumano em paisagens amenas, tirando da terra seu sustento e desenvolvimento.
Professavam, por fim, uma mentalidade tipicamente europeia, um tanto
darwinista, da proeminência racial dos habitantes do velho Continente, acrescido, no
caso de Beschoren e seus patrícios, de um pangermanismo. O que se nota na descrição,
a partir de sua cultura, do outro, o diferente, o indígena, o caboclo.
Maximiliano Beschoren: o explorador do Alto Uruguai
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Com esse quadro teórico, podemos melhor avaliar a ação do nosso biografado.
Uma mente aberta ao novo e às aventuras, observador perspicaz e meticuloso.
Abandonando uma zona de conforto repisada pelos seus pares dos grandes centros
econômicos (Porto Alegre, Pelotas, São Leopoldo...), lança-se para terras recônditas,
que apareciam nos mapas como “Sertão incógnito”. Cerca-se de todos os instrumentos
modernos que permitem mensurar, esquadrejar o meio ambiente do Alto Uruguai,
ansioso decifrá-lo, domesticá-lo e por mostrar suas excelentes qualidades para a
implementação da colonização sistemática com adventícios germânicos e outros. Daí
suas facetas de geógrafo, meteorologista, cartógrafo, antropólogo e historiador.
Seu desejo de compartilhar suas peripécias com a Academia e leitores em geral
o faz escrever suas percepções em jornais de língua alemã no Rio Grande do Sul e
enviar crônicas para periódicos da Alemanha. Era seu lado publicisista e de escritor,
cultivada desde a tenra idade. Fazia, assim, um convite para seus patrícios seguirem
suas pegadas.
A maior obsessão de Beschorem, porém, foi a colonização. Preocupação
diuturna. Não admitia centenas de quilômetros de terras ubérrimas inaproveitadas e
multidões, no Brasil e no mundo, passando fome. O que faltava para transformar o
cenário de selvagem em civilização? Talvez uma visão um tanto romântica, ingênua
ou naturalista da realidade fazia Beschoren ignorar que nas questões de colonização
entram em jogo fortíssimos interesses geopolíticos, econômicos, étnicos. Aliás, parece
que o engenheiro não via que uma região afastada de maiores centros consumidores,
sem meios de comunicação, povoada somente por indígenas e parcos caboclos,
dificilmente atrairia a atenção de políticos influentes e de fortunas de investidores. De
tal modo que decênios iriam passar para consolidar a ocupação agrária da região. O
amigo Koseritz notara, a esse respeito, que a situação econômica sofrível de
Beschoren, nos últimos tempos, se devia a sua falta “de mente, que devia construir
com ele [o material científico], admirável obra”!
Por fim, uma palavra sobre a personalidade de Beschoren, o que possa talvez
trazer luzes sobre sua ação e obra. De que adianta dizer que era “prussiano”? Mas
alguns episódios refletem sua personalidade e denotam o que o Pe. Arlindo Rubert
diagnosticou como “vigorosa personalidade”. Quiçá por essa expressão fez referência
a sua tendência ao preciosismo, a um moralismo exacerbado. A ausência de citações
de seus familiares em seus escritos parece denunciar um espírito ensimesmado e
retraído. Um episódio retrata seu caráter inflexível: quando em meio a exploração de
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uma picada, em 1879, do Rincão da Fortaleza (hoje Seberi) até o Rio Uruguai, tendo
de enfrentar uma rebelião dos roçadores por aumento de salário, preferiu que
desertassem a perder a força moral. E ufanava-se pelo feito: “Cortei a cabeça a hidra,
firmei a disciplina e o respeito, retemperei-me e prossegui na exploração”. Resta saber
até onde esta teimosia e incapacidade de adaptar-se às novas circunstâncias influíram
na sua decadência financeira, depressão, neurastenia e .... suicídio. Aliás, narrando
esse fato, preconizara: “O brio e a dignidade é tudo, o homem que possui estas
qualidades prefere a morte a mostrar-se indigno do fim social a que foi destinado”.
Referências
BARRETO, Abeillard. Bibliografia. Sul – Riograndense. (A contribuição portuguesa e estrangeira para o conhecimento e a integração do Rio Grande do Sul). Volume I. A – J. Conselho Federal de Cultura. Rio de Janeiro, 1975. BESCHOREN, Maximiliano. Impressões de viagem na província do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1989. BESCHOREN, Maximiliano. Nota explicativa sobre a planta do município de Santo Antônio da Palmeira com o districto de Nonohay, província de São Pedro do Rio Grande do Sul – 1887. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Manuscrito. Lata 133. Documento 14. BESCHOREN, Maximiliano. Relação das posses e concessões legitimadas e legalizadas no município de Stº Antônio da Palmeira e no distrito de Nonohay (mun. de Passo Fundo). Província de S. P. do Rio Grande do Sul. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – RJ. Manuscrito. Lata 338, doc. 35. CASTRO. Evaristo Affonso de. Notícia Descritiva da Região Missioneira. Cruz Alta, Tipografia do Comercial, 1887. OLIVEIRA, Francisco. Annaes do Municipio de Passo Fundo, v. I, II e III. Passo Fundo, Gráfica e Editora UPF, 1990.
A presente edição foi composta pela URI, em caracteres Mongolian Baiti e Courier New,
formato e-book, PDF, em novembro de 2016.