matheus soldi hardt

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS MATHEUS SOLDI HARDT OS DETERMINANTES QUE INFLUENCIAM NA ADESÃO AOS REGIMES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS São Paulo 2014

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Determinants that influence the membership to international human rights regimes

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    INSTITUTO DE RELAES INTERNACIONAIS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM RELAES

    INTERNACIONAIS

    MATHEUS SOLDI HARDT

    OS DETERMINANTES QUE INFLUENCIAM NA ADESO

    AOS REGIMES INTERNACIONAIS DE DIREITOS

    HUMANOS

    So Paulo 2014

  • 2

    UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    INSTITUTO DE RELAES INTERNACIONAIS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM RELAES

    INTERNACIONAIS

    OS DETERMINANTES QUE INFLUENCIAM NA ADESO AOS REGIMES INTERNACIONAIS DE DIREITOS

    HUMANOS

    MATHEUS SOLDI HARDT Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Relaes Internacionais do Instituto de Relaes Internacionais da Universidade de So Paulo, para a obteno do ttulo de Mestre em Cincias Programa de Ps-Graduao em Relaes em Internacionais.

    Orientador(a): Profa. Dra. Janina Onuki

    So Paulo 2014

  • 3

    Sumrio

    Agradecimento.................................................................................................................. 4

    Resumo ............................................................................................................................. 5

    Abstract ............................................................................................................................. 6

    Introduo ......................................................................................................................... 7

    Artigo I: Evoluo histrica dos estudos sobre regimes internacionais ........................... 9

    Interesse Estatal e adeso a regimes internacionais ...................................................... 9

    Liberalismo e fatores domsticos ............................................................................... 13

    Paz Democrtica ......................................................................................................... 14

    Adeso aos tratados internacionais de Direitos Humanos .............................................. 16

    Concluses preliminares ................................................................................................. 20

    Os Determinantes Que Influenciam Na Adeso Aos Regimes Internacionais De Direitos

    Humanos: Uma Anlise Emprica .................................................................................. 22

    Resumo ........................................................................................................................... 24

    Abstract ........................................................................................................................... 25

    Introduo ....................................................................................................................... 26

    Hiptese .......................................................................................................................... 29

    Tratados internacionais de direitos humanos.................................................................. 30

    Metodologia .................................................................................................................... 34

    Velocidade de adeso aos regimes de direitos humanos ................................................ 37

    Anlise das regresses xtlogit ......................................................................................... 38

    Concluso da anlise quantitativa .................................................................................. 43

    Referncias Bibliogrficas .............................................................................................. 44

    Apndice I: Codebook .................................................................................................... 48

    Apndice II Sumrio do Banco de Dados ................................................................... 52

  • 4

    Agradecimento

    AGRADEO CAPES, AOS MEUS PAIS, AO PEDRO E ESPECIALMENTE AO RAPHAEL,

  • 5

    Resumo

    O estudo de adeso a regimes internacionais se desenvolveu na dcada de 1990 e a partir

    de ento seu crescimento se deu majoritariamente no campo emprico, principalmente nos

    estudos sobre regimes de direitos humanos. No entanto, sua fundamentao terica

    permanece nas teorias clssicas de Relaes Internacionais. Portanto, antes de

    apresentarmos em quais circunstncias poltico-sociais que levam um pas a aderir um

    regime de direitos humanos. Iremos primeiro discorrer sobre a fundamentao terica das

    anlises sobre adeso aos regimes internacionais, notadamente os de direitos humanos.

    Isso porque, a depender da linha terica que se segue, a adeso aos tratados internacionais

    ocorre por diferentes interesses e por presso de grupos polticos ou civis diversos. Essas

    interpretaes abrangem um espectro amplo, partindo do realismo ao idealismo, passando

    pelo teoria crtica e construtivismo, entre outras. Enquanto os realistas argumentam que

    a adeso a um tratado internacional ocorre pela presso de um Estado hegemnico. As

    anlises liberais sobre adeso se desenvolveram com um foco nas caractersticas

    domsticas dos Estados. Um brao investigativo que surgiu a partir dos estudos liberais

    foi a agenda de pesquisa da Paz Democrtica (Democratic Peace DP). Com base nestas

    teorias seria interessante examinar quais so os determinantes que influenciam a adeso

    aos regimes internacionais de direitos humanos. Assim seria possvel estabelecer uma

    relao causal entre as variveis independentes e a adeso ao tratado varivel

    dependente. No prximo artigo tentaremos avanar com essa agenda de pesquisa.

    Adeso regimes, Direitos Humanos, Realismo, Idealismo, Paz Democrtica

  • 6

    Abstract

    The studies of accession to international regimes developed in the 1990s and since then

    its growth was mainly in the empirical field, especially in studies on human rights

    regimes. However, its theoretical foundation remains in the classical theories of

    International Relations. Therefore, before presenting in which political and social

    circumstances that lead a country to join a human rights regime. We will first discuss the

    theoretical basis of the analysis of accession to international regimes, notably those on

    human rights. This is because, depending on the theoretical argument that follows,

    accession to international treaties occurs for different interests and pressure from

    politicians or various civic groups. These interpretations cover a broad spectrum, starting

    from realism to idealism, through the critical theory and constructivism, among others.

    While realists argue that accession to an international treaty takes place by the pressure

    of a hegemonic State. The liberal analyzes of accession developed with a focus on

    domestic characteristics of the State. An investigative agenda that came from the liberal

    studies was the research agenda of the Democratic Peace. Based on these theories, it

    would be interesting to examine what are the determinants that influence accession to

    international human rights regimes. Therefore, it would be possible to establish a causal

    relationship between the independent variables and accession to the treaty - dependent

    variable. In the next paper, we will try to move forward with this research agenda.

    Accession to International Regimes, Human Rights, Realism, Idealism, Democratic

    Peace

  • 7

    Introduo

    O estudo de adeso a regimes internacionais se desenvolveu na dcada de 1990 e a partir

    de ento seu crescimento se deu majoritariamente no campo emprico, principalmente nos

    estudos sobre regimes de direitos humanos1. Segundo Simmons (2010), graas aos

    esforos de organizaes internacionais, tanto estatais quanto no governamentais, de

    grupos de estudos e de agncias governamentais, atualmente, os dados empricos para as

    anlises quantitativas so mais extensos e mais informativos do que nos anos anteriores.

    Para alm dessa constatao, Simmons (2010) aponta que quanto mais o campo de estudo

    de adeso aos regimes internacionais amadurece, mais os estudos tendem a analisar os

    aspectos domsticos que levaram adeso de uma norma internacional e quais as

    implicaes polticas de seguir ou no um determinado regime. Movendo, dessa forma,

    de uma anlise estato-cntrica sobre adeso para um modelo que abarca a influncia dos

    atores no estatais nesta rea.

    Tendo em vista esse panorama geral, esta dissertao de mestrado pretende analisar quais

    as circunstncias poltico-sociais que levam um pas a aderir a um regime de direitos

    humanos, no perodo de 1966 a 2012. Com uma metodologia quantitativa tentaremos

    apontar quais fatores e sob quais situaes os incentivos para a adeso so gerados.

    Tambm analisaremos como as democracias de terceira onda em diante

    (HUNTINGTON, 1991), denominadas novas democracias, se comportam no que se

    refere adeso aos regimes de direitos humanos.2 Observar no estudo quantitativo esse

    grupo de pases justifica-se pelo fato de eles terem um comportamento prprio quando se

    trata de aderir a regimes de direitos humanos. Esse dado foi levantado por Landman

    (2005), que desconfiou que houvesse nveis de adeso diferentes a depender da natureza

    do regime governamental. Segundo Landman, as democracias aderem mais rapidamente

    do que as autocracias aos regimes de direitos humanos, e as democracias de terceira onda

    1 Os regimes internacionais de direitos humanos tm aspectos peculiares se comparados aos regimes

    internacionais de segurana, de comrcio e de meio-ambiente (BAYEFSKY, 2001; HATHAWAY, 2002,

    2007). Isso porque ao contrrio destes ltimos os regimes internacionais de direitos humanos no visam

    prevenir disputas externas s fronteiras do Estado, mas sim garantir um tratamento digno e humano aos

    cidados. Portanto, como os Estados geralmente possuem baixo interesse no tipo de tratamento que

    cidados estrangeiros recebem em seus Estados de origem, o conceito de reciprocidade acaba no se

    aplicando a essa rea, diminuindo os benefcios de um acordo mtuo entre Estados. 2 De acordo com Huntington (1991), a terceira onda de democracia teve incio em 1974 com a Revoluo

    dos Cravos em Portugal, pondo fim ao regime ditatorial do Estado Novo vigente desde 1933. Desde essa

    revoluo, dezenas de outros Estados passaram por transies democrticas (mais de 30 pases), mais que

    dobrando o nmero de democracias no mundo.

  • 8

    em diante aderem mais prontamente e com menos reservas do que as democracias

    consolidadas.

    Com o perodo de anlise definido, as variveis independentes que sero examinadas para

    verificar sob quais circunstncias o Estado adere aos regimes de direitos humanos so: se

    o pas ou no uma nova democracia; o ndice dos direitos da integridade fsica (CIRI -

    Physical Integrity Rights Index); a regio do pas; a orientao poltica (esquerda ou

    direita) do governo de situao, entre outras variveis. Por fim, cinco regimes de direitos

    humanos sero analisados: o Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e

    Culturais de 1966, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Polticos de 1966, a

    Conveno sobre a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra a Mulher

    (CEDAW) de 1979, a Conveno contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruis,

    desumanos ou degradantes (1984) e a Conveno do Direito das Crianas de 1989.

    A relevncia deste estudo est em verificar em quais circunstncias estes dois campos de

    estudos sobre adeso de tratados internacionais de direitos humanos, que at ento esto

    descolados, so vlidos: o primeiro deles aponta que as elites polticas democrticas

    aderem a regimes de direitos humanos para assegurar que as atrocidades cometidas pelos

    regimes ditatoriais no ocorram no futuro (MORAVCSIK, 2000; MANSFIELD &

    PEVEHOUSE, 2006; 2008; HAFNER-BURTON et al, 2008). A segunda corrente afirma

    que a presso para a adeso a esse tipo de tratado bottom-up e tem origem nos

    movimentos sociais e ONGs nacionais inseridas em uma rede transnacional de ONGs,

    estabelecidas principalmente em democracias consolidas (BRYSK, 1993; KECK &

    SIKKINK, 1998; RISSE et al., 1999; WIIK, 2002; CARDENAS, 2004; 2008;

    NEUMAYER, 2005; FRANKLIN, 2008; SIMMONS, 2009).

    Enfim, esta dissertao de mestrado est estruturada da seguinte forma, em um primeiro

    artigo, apresentaremos a evoluo das teorias de relaes internacionais e como elas

    trabalham com o tema de regimes e tratados internacionais. Essa primeira parte

    importante por delinear os principais embates tericos que existem e quais so as

    variveis relevantes a serem observadas na parte emprica. Em seguida, em um segundo

    artigo, exporemos o modelo quantitativo, que visa entender quais so os determinantes

    domsticos e internacionais que influenciam na adeso aos tratados e regimes

    internacionais.

  • 9

    Artigo I: Evoluo histrica dos estudos sobre regimes internacionais

    A depender da linha terica que se segue, a adeso aos tratados internacionais ocorre por

    diferentes interesses e por presso de grupos polticos ou civis diversos. Essas

    interpretaes abrangem um espectro amplo, partindo do realismo ao idealismo, passando

    pelo teoria crtica e construtivismo, entre outras. Nesta seo analisaremos as principais

    abordagens tericas para entendermos melhor quais so os mecanismos que afetam a

    adeso a regimes internacionais e como eles agem. Por fim, escolheremos a teoria Liberal

    Republicana e da Paz Democrtica para analisarmos quais so os determinantes que

    influenciam na adeso aos tratados internacionais de direitos humanos.

    Interesse Estatal e adeso a regimes internacionais

    Alguns tericos postulam que a adeso a um tratado internacional ocorre pela presso de

    um Estado hegemnico. Dentre esses marcos tericos esto trs correntes realistas3 de

    relaes internacionais, que examinaremos a seguir. A primeira onda de realistas buscava

    compreender a relao entre a ascenso e queda econmica de uma nao e sua respectiva

    importncia militar no perodo. Assim sendo, a analogia que esses primeiros tericos

    buscavam estabelecer era entre a varivel econmica e a militar. Nesse sentido, a adeso

    a um tratado internacional estaria relacionada com a capacidade de um Estado

    hegemnico, militar ou economicamente, em pressionar outros Estados a ratificar uma

    norma internacional.

    J a segunda onda de realistas procurou entender como a mudana no poder relativo gera

    uma mudana na poltica externa. Essa preocupao sutil os diferencia dos tericos da

    primeira gerao, uma vez que estes no se preocupavam com a possibilidade, muito

    menos com o processo, de perda ou ganho de poder no plano internacional. Um exemplo

    da pesquisa feita por tericos da segunda onda realista o estudo de caso de Friedberg

    (1988) sobre a ascenso e queda da Inglaterra. Nessa obra, o autor busca entender em que

    3 Os tericos realistas argumentam que as relaes entre Estados ocorrem pela lgica de soma-zero (o ganho

    de um ator, inexoravelmente, decorre da perda de poder de outro ator). Essa lgica aplicada a estrutura do

    sistema internacional promove uma busca incessante por poder, resultando no aumento de conflitos

    armados e limitando os possveis ganhos decorrentes das trocas comerciais (MEARSHEIMER, 2007).

    Partindo de um outro ponto de vista, do neorealismo defensivo, Kenneth Waltz (1979; 1986) sustenta que

    a preocupao central do Estado com sua prpria sobrevivncia no plano internacional.

    Consequentemente, o sistema tenderia ao equilbrio, pois os pases estariam mais preocupados com sua

    autopreservao do que com a expanso do seu poder.

  • 10

    momento o declnio militar britnico comeou a afetar o comportamento externo do pas.

    Ao analisar este caso, Friedberg observou que as decises tomadas pelos britnicos

    durante o perodo de declnio militar no eram racionais. Isso ficava evidente, uma vez

    que os tomadores de deciso ingleses muitas vezes ao agirem ignoravam a crescente

    incapacidade militar ou ao tentarem corrigir alguns defeitos da poltica externa, acabavam

    por criar novos e mais perigosos problemas. Para explicar a postura irracional dos atores

    no plano internacional, Friedberg teve que encontrar fatores domsticos para alm da

    capacidade relativa. Assim sendo, fatores institucionais, organizacionais e da poltica

    domstica foram adicionados anlise.4 Dessa forma, para os tericos dessa corrente, a

    adeso a um tratado pode ser influenciada erroneamente por um hegemon em declnio,

    que posteriormente no ter capacidade de enforcement, ou por um pas que est com seu

    poder relativo mundial em ascenso.

    Por fim, dentro da corrente realista, surgiram os realistas neoclssicos, que so a terceira

    onda, e organizaram os avanos tericos das duas ondas anteriores.5 Esse avano terico

    acumulado utilizado para explicar um maior nmero de casos distribudos por um

    espao temporal maior6. Quanto ao tipo de anlise elaborada, a maioria das pesquisas

    feitas por realistas neoclssicos, ao analisar como as grandes potncias respondem a

    queda ou aumento do poder relativo, qualitativa. Exemplos dessas anlises vo desde

    os estudos de caso elaborados por Fareed Zakaria (1998) e Thomas J. Chirstensen (1998)

    sobre os Estados Unidos at o estudo de Willian Curti Wohlforth (1993) sobre a Unio

    Sovitica.

    Em relao varivel dependente, os realistas neoclssicos tentam explicar a variao do

    poder relativo de um Estado. No entanto, cada terico dessa corrente define esse conceito

    de uma maneira diferente. Incluindo ou excluindo o que so as capacidades e recursos

    que devem ser analisados. Apesar de no haver uma nica definio de interesse do

    4 Ao contrrio de Friedberg que analisou o caso de declnio no poder relativo, Melvyn Leffler, outro terico

    dessa segunda onda, estudou o caso dos Estados Unidos e sua ascenso no plano internacional. (LEFFLER,

    1992). 5 Para os realistas neoclssicos, o sistema anrquico internacional no hobbesiano nem benigno, mas sim

    um cenrio subjetivo, cabendo aos Estados fazerem a leitura e interpretao das circunstncias, se de paz

    ou de escassez de recursos. Portanto, os realistas neoclssicos esto entre os tericos estruturalistas, que

    acreditam que h uma ligao direta entre os limites sistmicos e o comportamento dos Estados, e os

    construtivistas, que acreditam que o sistema anrquico o que os Estados fazem dele, ou seja, uma

    construo social. 6 Como os trabalhos feitos por Fareed Zakaria (ZAKARIA, 1998), por exemplo.

  • 11

    Estado nesta corrente, os tericos concordam que todo Estado quer aumentar sua

    influncia externa at o limite de sua capacidade.

    Essa falta de clareza sobre poder relativo, est na incapacidade emprica de se testar o

    conceito poder, j que a depender do perodo histrico, diferentes elementos que

    constituem o poder Estatal teriam pesos diferentes, como afirma Wohlforth:

    "Power cannot be tested; different elements of power possess different utilities

    at different times; the relation of perceived power to material resources can

    be capricious; the mechanics of power are surrounded by uncertainty; states

    possess different conversion ratios and comparative advantages; the perceived

    prestige hierarchy and the military distribution may not coincide for prolonged

    periods; states adopt asymmetrical strategies to maximize their positions and

    undercut rivals; signals get confused among allies, rivals, and domestic

    audiences" 7

    A hiptese central dos realistas neoclssicos que os recursos materiais definem no longo

    prazo as ambies da poltica externa de cada Estado. Nesse sentido, a depender do

    aumento ou diminuio do poder relativo, os pases iriam ajustar sua busca por influncia

    externa conforme flutua seu poder relativo.

    Para entender a variao do poder relativo, os tericos dessa corrente procuram entender

    duas variveis intervenientes. A primeira como o poder do Estado convertido em

    polticas eficazes que visam aumentar o prprio poder do Estado. A segunda varivel

    interveniente para os realistas neoclssicos a noo de poder estatal e como ela

    aplicada nas relaes internacionais. Assim sendo, h um componente domstico e

    internacional na anlise feita pelos realistas neoclssicos. Isso fica evidente na anlise

    feita por Zakaria ao estudar o caso da ascenso estadunidense no Ps-Primeira Guerra

    Mundial, em que o autor tenta entender por que este pas demorou para adotar uma

    postura mais ativa e expansionista. Zakaria ficou intrigado com o fato dos Estados Unidos

    perderem oportunidades de atuar de uma maneira mais agressiva, na tentativa de ampliar

    sua influncia no mundo, apesar de ter se tornado uma das naes mais ricas no

    entreguerras. Aps analisar diferentes oportunidades perdidas e contrap-las com

    diversas teorias, o autor conclui que a poltica externa depende do meio que os polticos

    7 WOHLFORTH, William C. The Elusive Balance: Power and Perceptions During the Cold War. Cornell

    University Press, 1993, pp. 306-7.

  • 12

    esto inseridos. O autor no nega a importncia da capacidade nacional como varivel

    explicativa das intenes de um Estado, mas adiciona anlise a varivel poder estatal

    para explicar a relao entre capacidade material e comportamento dos decisores.

    (ZAKARIA, 1998).8

    Ou seja, os tericos realistas neoclssicos preferem uma anlise que comece no plano

    internacional, mas que se atenha a detalhes micros como a capacidade nacional de

    transformar poder relativo em poltica externa efetiva. Essa preocupao metodolgica

    aproxima os realistas neoclssicos dos idealistas, como por exemplo Robert O. Keohane

    (1986). Uma vez que o prprio Keohane advoca no sentido de que no haveria uma

    disputa entre um modelo parcimonioso e outro contextual, mas esses dois modelos

    representariam estgios. Dessa forma, os modelos parcimoniosos serviriam como guias e

    posteriormente se adicionariam variveis especficas aumentando a complexidade do

    modelo, ao mesmo tempo em que se controla a sua capacidade preditiva. O ponto que

    distancia realistas neoclssicos e idealistas justamente o peso que cada um deles aloca

    em um lado da balana: o modelo macro (parcimonioso) versus o modelo micro

    (detalhista).9

    Dada a assimetria de poder e a falta de informao plena dos tomadores de deciso, os

    Estados aderem aos regimes internacionais de acordo com a posio do Estado

    dominante. Assim sendo, para os tericos realistas as normas internacionais seriam o

    reflexo do interesse estatal do hegemon e a adeso a essas normas estaria sujeita

    capacidade do Estado dominante em coagir/intimidar os outros Estados.

    8 A capacidade material de uma nao so todos os recursos dentro de um Estado. Por sua vez, o poder

    estatal uma frao desse poder nacional, a poro em que o governo pode utilizar, modificar e/ou

    remodelar conforme os tomadores de deciso bem entenderem). Dessa forma, Zakaria se aproxima da

    anlise feita por Peter Evans, e sustenta a importncia de um Estado forte, com uma burocracia eficiente

    que possa traduzir a capacidade nacional em poltica externa de uma maneira hbil e rpida. (EVANS,

    1985). 9 Outro ponto que distancia os realistas dos idealistas a disponibilidade de informao que o tomador de

    deciso possui. Nesse tpico, Keohane (1986) comenta sobre o pressuposto racionalista utilizado pelos

    realistas para unir a estrutura sistmica de poder internacional e o curso de ao do ator estatal. Assim

    sendo, os lderes polticos decidem de maneira racional com informao plena, ou seja, conseguem fazer

    uma leitura da distribuio de poder global e essa leitura convertida em poltica externa. Portanto, para os

    tericos sistmicos, a leitura do plano internacional por lderes polticos um processo bastante coerente e

    sem maiores obstculos. Ao contrrio, os realistas neoclssicos no concordam com essa premissa sistmica

    e argumentam que os tomadores de deciso no tm informao plena do cenrio internacional e por isso

    podem agir de maneira no racional. De modo que, a ligao entre capacidade e comportamento nacionais

    irregular e caprichosa e muitas vezes no estratgicas, como um modelo estrutural prediria.

  • 13

    Liberalismo e fatores domsticos

    Em contraposio aos estudos realistas, os liberais focam sua anlise mais nas

    caractersticas domsticas dos Estados.10 Essa corrente de pesquisa tem como raiz o ramo

    da teoria liberal que advoga pela promoo de bens pblicos (exemplo: instituies

    polticas e identidade nacional) no plano domstico. Nesse sentido, diferentemente do

    realismo e do idealismo, os liberais republicanos focam sua anlise no plano domstico.

    Portanto, a assinatura de um acordo ou tratado internacional (assim como de acordos

    domsticos) ocorre em decorrncia de fatores domsticos e no to internacionais. Um

    exemplo fornecido pelos tericos dessa corrente se d quando o governo de situao quer

    travar locking-in uma determinada poltica. Para tanto o governante adere a um tratado

    internacional, dificultando ou mesmo impossibilitando futuras administraes

    retrocederem na matria.

    Da mesma forma, o governo de situao cria rgos independentes, como o banco central

    por exemplo, para insular uma poltica especfica de disputas porvindouras. Segundo

    Moravcsik (MORAVCSIK, 2000, p. 227), um tomador de decises racional deve

    contrabalanar dois elementos na hora de considerar delegar polticas a um corpo

    independente: (a) reduo da incerteza poltica domstica e (b) restringir a discrio do

    governo.

    Quanto ao primeiro ponto, Moravcsik afirma que os governos democrticos internalizam

    normas de direitos humanos criadas por entidades internacionais afim de criar um

    mecanismo jurdico confivel para constranger futuros governos no democrticos ou

    governos eleitos democraticamente, que tentem alterar o regime poltico uma vez no

    poder. Essa medida serve como um mecanismo de comprometimento de dois nveis,

    atando a mo dos futuros governantes e aumentando a credibilidade das polticas e

    instituies do governo de situao (EVANS et al, 1993).

    Quanto ao segundo ponto, reduzir a discrio do governo, pode ser interpretado como o

    custo de soberania no plano internacional, de acordo com Moravcsik. Seguindo a lgica

    proposta pelo autor, o governante intrinsicamente ctico quanto possibilidade de

    delegar polticas aos rgos independentes. Isso porque, no h nenhuma certeza que uma

    10 Corrente que faz parte das teorias de Innenpolitik (Rose, 1998). Innenpolitik (poltica domstica em

    alemo), como o prprio nome indica, a teoria que enfatiza a importncia da poltica domstica na

    formulao da poltica externa.

  • 14

    vez delegada a poltica, as aes do rgo independente vo seguir os interesses polticos

    do governo agency cost. Esse cenrio que j complicado no plano domstico, se torna

    mais tortuoso no plano internacional, uma vez que o agency cost passa a ser um clculo

    de custo de soberania. Tomando como exemplo os regimes internacionais de direitos

    humanos, o rgo independente transnacional ou internacional deve lidar com uma

    variao enorme da prpria natureza, objetivo e aplicao de normas em cada pas. Assim

    sendo, para um governante optar por delegar uma normativa para um rgo independente

    internacional muitas vezes no uma escolha de preferncia de primeira ordem.

    A chave para a Moravcsik est no primeiro ponto reduo da incerteza poltica

    domstica. Deste modo, para os liberais republicanos seriam as novas democracias, e no

    as democracias estabelecidas, os principais Estados interessados em ratificar tratados

    internacionais de direitos humanos.11 O autor chega essa concluso ao analisar as

    negociaes para a criao da Corte Europeia de Direitos Humanos (ECHR, em ingls).

    Todavia, o autor pontua que a teoria liberal republicana no explica sozinha a evoluo

    dos regimes internacionais de direitos humanos. Dessa forma, h a necessidade de se

    encontrar outras variveis que expliquem essa evoluo:

    Despite these important insights, however, the determinants of the evolution of human

    rights regimes are unlikely to be identical to the determinants of their founding and

    are therefore unlikely to be explained entirely by republican liberal theory.12

    Paz Democrtica

    Para investigar os determinantes domsticos que influenciam no comportamento estatal

    no plano internacional surgiu a agenda de pesquisa da Democratic Peace (DP). Essa

    corrente terica investiga se h uma diferena no plano internacional entre o

    comportamento das democracias em relao s autocracias. Fundamentalmente, a

    literatura da DP analisa se os regimes democrticos so mais pacficos do que as

    autocracias. Essa corrente terica tem como pressuposto que a interdependncia

    econmica e as caractersticas do sistema poltico domstico promovem a cooperao no

    11 Para os liberais republicanos, as democracias estabelecidas apoiariam outros pases, principalmente as

    novas democracias, a ratificar tratados internacionais, visto que essa medida poderia trazer maior

    estabilidade (democratic peace) a uma regio. Nessa situao, as democracias estabelecidas correm o risco

    de terem que ratificar o tratado, j que o esto promovendo, por isso Moravcsik argumenta que maior a

    chance do interesse nacional das democracias estabelecidas prevalecer. 12 (MORAVCSIK, 2000, p. 246)

  • 15

    plano internacional. Consequentemente, essa linha de raciocnio derivada do

    pensamento Liberal, todavia preza por uma anlise mais quantitativa para sustentar suas

    hipteses, ao estabelecer uma correlao entre sistema poltico domstico e

    comportamento internacional do pas. Fazem parte dessa linha de pesquisa autores como:

    Bueno de Mesquita, Robert Putnam, George Tsebelis, Helen Milner e Robert Keohane,

    dentre outros.

    A corrente Liberal teve forte ascenso no entreguerras, pois se acreditava que os Quatorze

    Pontos propostos pelo presidente estadunidense Woodrow Wilson fossem garantir a paz

    internacional, evitando assim novos conflitos motivados por ambies poltico-

    econmicas. As principais reivindicaes do presidente Wilson eram que os Estados

    deveriam: (a) abolir a prtica da diplomacia secreta; (b) eliminar as barreiras econmicas;

    e (c) criar a Liga das Naes. Essas medidas tinham o escopo de aumentar a

    interdependncia econmica e criar canais de dilogo diplomtico.

    Todavia com o advento da Segunda Guerra Mundial as bases do liberalismo se viram

    fortemente abaladas. As potncias ocidentais tentaram conter a expanso alem por

    diversas vias diplomticas. Um exemplo desse esforo foi o Acordo de Munique, em que

    a Frana e a Inglaterra concordaram em ceder o territrio do Sudetos, de maioria tnica

    alem, da Checoslovquia para a Alemanha, a contragosto do governo tcheco. Depois,

    com a invaso alem na Polnia, Frana e Inglaterra iniciaram um bloqueio naval para

    dirimir a capacidade de esforo de guerra alem.

    Essas medidas preliminares no foram suficientes para conter a expanso dos pases do

    Eixo, e posteriormente foram vistas como responsveis por permitir que a Alemanha

    ganhasse territrio e por prolongar a guerra por mais tempo. Como essas aes, que

    estavam amparadas na perspectiva idealista, ao priorizar o dilogo diplomtico e a

    interdependncia econmica, no foram capazes de solucionar o conflito, novas correntes

    tericas (ou correntes tericas existentes, mas com uma nova roupagem) surgiram no ps-

    guerra.

    O realismo comeou a ganhar fora neste perodo, justamente por colocar em xeque a

    prerrogativa idealista de cooperao internacional sustentada por uma instituio

    supranacional. Apesar da preponderncia das teorias realistas no ps-guerra, os estudos

    liberais continuaram sendo desenvolvidos por tericos concernidos com a capacidade das

  • 16

    instituies internacionais, nominalmente a Organizao das Naes Unidas (ONU), em

    solucionar potenciais conflitos (ONUKI, 2013).

    Adeso aos tratados internacionais de Direitos Humanos

    Feito o levantamento terico das teorias que explicam o comportamento do Estado no

    plano internacional, optou-se pela teoria liberal republicana e sua vertente Paz

    Democrtica para explicar a adeso a tratados internacionais de direitos humanos. Isso

    porque acreditamos que essa literatura abrange no s um maior nmero de variveis,

    mas principalmente, por acreditarmos que a temtica de direitos humanos

    substancialmente diferente das outras temticas. Essa diferena est no fato de que ao

    contrrio de outras temticas, direitos humanos envolve a preocupao com o ser humano,

    independentemente se ele est no interior das fronteiras do Estado ou no. Por isso,

    anlises construdas para se entender a lgica da ascenso econmica ou militar de um

    Estado no so to teis para a nossa pesquisa.

    Com a escolha terica elaborada, a literatura sobre adeso aos tratados de direitos

    humanos possui duas vertentes explicativas das variveis domsticas que levam

    assinatura do regime internacional. A primeira corrente afirma que h uma correlao

    positiva entre o processo de democratizao do pas e o aumento na participao deste

    pas em tratados e organizaes internacionais de direitos humanos. Portanto, para estes

    autores, o regime poltico uma varivel relevante para se compreender o comportamento

    do Estado na arena internacional. Enquanto que a segunda vertente de estudos aponta para

    processo mais bottom-up, em que a participao de movimentos sociais e ONGs de

    direitos humanos decisiva na alterao do comportamento estatal no campo

    internacional de direitos humanos. A lgica desse raciocnio est no efeito do

    bumerangue espiral (RISSE et al., 1999), que segundo estes autores parte da estratgia

    de mobilizao da vergonha (shaming) feita pelas redes transnacionais de ativistas em

    direitos humanos com o intuito de apontar um Estado alvo como sendo um Estado no-

    civilizado, j que este no segue as normas internacionais de direitos humanos. Esta

    presso acaba por minar a credibilidade internacional do Estado alvo frente comunidade

    internacional, bem como estremece a legitimidade domstica do regime, fazendo com que

    este ceda e internalize algumas normas internacionais de direitos humanos.

  • 17

    Na literatura da primeira vertente, o principal fator que envolve a transio democrtica

    nas democracias recm-formadas a incerteza poltica, gerando problemas de

    credibilidade e confiabilidade quanto ao novo regime. Esta incerteza derivada em parte

    pela falta de histrico no compromisso com reformas democrticas, o que pode criar

    reformas polticas e institucionais incompletas que beneficiam os novos grupos que

    acenderam ao poder. Outra fonte de incerteza poltica, que no exclusiva deste grupo

    de pases, mas que devido instabilidade poltica sofre um incremento, a possibilidade

    de haver preferncias temporalmente inconsistentes (MANSFIELD; PEVEHOUSE,

    2006). E segundo estes autores, a questo da credibilidade importante para as novas

    democracias, uma vez que:

    A inabilidade dos Estados em democratizao de realizarem compromissos

    crveis pode gerar vrios problemas. As elites frequentemente desconfiam

    umas das outras no perodo transicional e temem que o novo regime no sirva

    aos seus interesses. De forma mais ampla, se a populao no acreditar que os

    esforos anunciados de reforma poltica so sinceros, pouco provvel que ela

    apoie o novo regime. Essa falta de apoio da sociedade pode ameaar a

    consolidao democrtica. Alguns grupos podem se opor de forma ativa ao

    regime, at mesmo recorrendo a medidas violentas ou se aliando com outros

    grupos descontentes na sociedade. A falta de apoio societal tambm pode levar

    o governo a tomar aes que desafiam a democracia (...) Em suma, como

    Whitehead argumenta, se cada setor poltico concluir que o compromisso

    democrtico do outro pequeno isso reduzir a motivao de todos, e assim

    perpetuar a condio de fragilidade. (MANSFIELD; PEVEHOUSE, 2006, p.

    141).

    Tendo este pano de fundo de incerteza poltica, os autores da primeira vertente divergem

    em duas correntes quanto s solues encontradas pelas novas democracias para dirimir

    esse quadro. A primeira delas a dos mecanismos de lock-in e a segunda, a necessidade

    de sinalizar tanto para o plano domstico quanto para o internacional seu real

    compromisso com as reformas democrticas. Os mecanismos de lock-in, segundo

    Moravcsik (2000), servem para diminuir as incertezas polticas nas democracias recentes.

    Dessa forma, os atores governamentais se dispem a delegar parte da autoridade para uma

    entidade internacional. Caso as normas desta entidade sejam descumpridas por grupos

    antidemocrticos no futuro gerar um custo poltico e um constrangimento internacional,

    atando as mos dos lderes polticos e prevenindo a ocorrncia de retrocessos da ordem

    democrtica. A segunda corrente, que postula o mecanismo da sinalizao

  • 18

    (MANSFIELD, PEVEHOUSE 2006; 2008 e HAFNER-BURTON et al. 2008), afirma

    que alm de servir como mecanismo de lock-in, a adeso s normas internacionais de

    direitos humanos visa sinalizar para a comunidade internacional e nacional o

    comprometimento dos atores governamentais com as reformas institucionais para a

    democracia.

    A segunda vertente de autores, que partem de uma abordagem bottom-up, se concentram

    em avaliar o papel das redes transnacionais de ativistas de direitos humanos e seu impacto

    na adeso s normas internacionais pelo Estado-alvo. J que somente a presso de

    movimentos sociais e ONGs nacionais encontravam dificuldade em pressionar seus

    governantes para aderirem tratados internacionais de direitos humanos, acabavam por

    procurar aliados internacionais, principalmente movimentos sociais e ONGs de direitos

    humanos estabelecidos em pases com democracia consolidada (SIKKINK, 1993;

    BRYSK, 1993; KECK; SIKKINK, 1998). A partir desta rede transnacional, estes atores

    usam a estratgia da vergonha (shaming) para abalar a imagem do Estado-alvo na

    comunidade internacional, criando uma presso poltica suficiente para que os lderes

    governamentais acenem com algumas concesses, como internalizar normas

    internacionais de direitos humanos. O foco nas condicionantes domsticas destes estudos

    quantitativos tenta explicar o comportamento da poltica domstica frente presso da

    opinio pblica e da comunidade internacional em relao ao cumprimento de normas

    internacionais de direitos humanos (HATHAWAY, 2002; 2007; LANDMAN, 2005;

    CARDENAS; 2004; 2007; FRANKLIN, 2008; POWELL & STATON, 2009;

    SIMMONS, 2009).

    Diferentemente do modelo bumerangue de Keck e Sikkink de 1998 que sugeriu que o

    papel das redes transnacionais sobre os Estados violadores de direitos humanos era

    indireto, sendo mediado pela presso da comunidade internacional e das organizaes

    internacionais sobre o Estado-alvo, o trabalho de Franklin (2008) aponta para um papel

    mais direto destas redes13. Neste estudo Franklin analisa sete pases da Amrica Latina14

    entre 1981 e 1995, e argumenta, atravs de uma anlise quantitativa, que a estratgia da

    vergonha eficaz em pases com fortes laos econmicos com outros Estados, mas que a

    13 Segundo Franklin, a presso das redes transnacionais de ONGs de direitos humanos, grupos religiosos e

    governos estrangeiros mais eficaz do que a presso de organizaes internacionais. 14 Os sete pases analisados so: Argentina, Brasil, Chile, Guatemala, Mxico, Nicargua e Venezuela.

  • 19

    durao desta capacidade de impacto relativamente curta, sendo estimada em menos de

    seis meses pelo autor. Segundo Franklin:

    The overall amount of human rights criticism was found to have a strong

    positive relationship with the magnitude of political repression. This most

    likely reflects the fact that human rights criticism tends to target governments

    that have used repression in the past, which are then more likely to use

    repression in the future. However, human rights criticism tends to significantly

    decrease subsequent repression for countries that receive greater amounts of

    foreign aid and foreign investment. Thus, countries with greater ties to the

    outside world, and hence more to lose, tend to be more sensitive to their

    international human rights reputation. This finding holds up in the face of

    multiple controls for domestic factors and despite the fact that human rights

    criticism does not necessarily target the reactive repression studied here. This

    result suggests that human rights criticism will become more effective as the

    current trend in economic globalization continues. (FRANKLIN, 2008, p.

    207).

    Partindo de uma perspectiva mais institucional, mas tambm condicional, Neumayer

    (2005) afirma que o grau de democratizao de um pas influencia no resultado da adeso

    a um regime internacional de direitos humanos. De acordo com este autor, quanto mais a

    sociedade civil de um pas participar de movimentos sociais e de ONGs de direitos

    humanos, mais efeitos benficos sero produzidos pela internalizao de uma norma de

    direitos humanos. No caso de pases com baixo grau de democratizao e sem uma

    sociedade civil ativa com vnculos internacionais a adeso no traz benefcios, muito pelo

    contrrio, pode at se associar com um aumento das violaes de direitos humanos. O

    autor conclui afirmando que:

    In most cases, for treaty ratification to work, there must be conditions for

    domestic groups, parties, and individuals and for civil society to persuade,

    convince, and perhaps pressure governments into translating the formal

    promise of better human rights protection into actual reality. Hafner-Burton

    and Tsutsui (2005) are right in suggesting a positive role of civil society

    strength on human rights, but it is the interaction with treaty ratification that

    often matters. Neumayer (2005)

  • 20

    Concluses preliminares

    A anlise sobre adeso a regimes internacionais tem embasamento terico nas diferentes

    teorias de relaes internacionais, desde o realismo ao idealismo, passando pelo

    construtivismo e a teoria crtica. Dessa forma, a depender da teoria empregada, a unidade

    de anlise e os interesses dos agentes envolvidos na adeso aos tratados internacionais

    so distintos. Alterando todas as motivaes e consequncias que a adeso a um tratado

    internacional acarreta para o Estado. Tendo esse panorama em vista, esse artigo teve como

    objetivo examinar a origem e as caractersticas das principais correntes tericas que

    versam sobre adeso a regimes, mais especificamente aos regimes internacionais de

    direitos humanos.

    Os estudos com pressupostos do realismo argumentam que a adeso a um tratado

    internacional ocorre pela presso de um Estado hegemnico. Dentre esses tericos esto

    trs correntes realistas de relaes internacionais, a primeira onda de realistas buscava

    compreender a relao entre a ascenso e queda econmica de uma nao e sua respectiva

    importncia militar no perodo. A segunda onda de realistas procurou entender como a

    mudana no poder relativo gera uma mudana na poltica externa. Diferenciando-os dos

    tericos da primeira gerao, uma vez que estes no se preocupavam com a possibilidade,

    muito menos com o processo, de perda ou ganho de poder no plano internacional. Por

    ltimo, surgiram os realistas neoclssicos, que so a terceira onda, e organizaram os

    avanos tericos das duas ondas anteriores. Esse avano terico acumulado utilizado

    para explicar um maior nmero de casos distribudos por um espao temporal maior.

    Em contraposio aos estudos realistas, as anlises liberais sobre adeso aos regimes

    internacionais se desenvolveram com um foco nas caractersticas domsticas dos Estados.

    Essa corrente de pesquisa tem como raiz o ramo da teoria liberal que advoga pela

    promoo de bens pblicos (exemplo: instituies polticas e identidade nacional) no

    plano domstico. Portanto, a assinatura de um acordo ou tratado internacional ocorre por

    fatores domstico e no to internacionais. Um brao investigativo que surgiu a partir dos

    estudos liberais foi a agenda de pesquisa da Paz Democrtica (Democratic Peace DP).

    Tendo como objetivo investigar os determinantes domsticos que influenciam no

    comportamento estatal no plano internacional. Dentro desse arcabouo analtico, uma das

    perguntas mais intrigantes que os tericos da Paz Democrtica fazem discutir se h

  • 21

    diferena no plano internacional entre o comportamento das democracias em relao s

    autocracias. Apesar deste raciocnio ser derivado do pensamento Liberal, o avano

    metodolgico proposto pela DP utilizar mtodos quantitativos para sustentar suas

    hipteses. Dessa forma, a inteno destes estudos descobrir se h causalidade entre o

    sistema poltico domstico de um Estado e seu comportamento internacional.

    Com base nas teorias mencionadas previamente seria interessante examinar quais so os

    determinantes que influenciam a adeso aos regimes internacionais de direitos humanos.

    Assim seria possvel estabelecer uma relao de associao entre as variveis

    independentes e a adeso ao tratado varivel dependente. No prximo artigo tentaremos

    avanar com essa agenda de pesquisa.

  • 22

    UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    INSTITUTO DE RELAES INTERNACIONAIS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM RELAES

    INTERNACIONAIS

    MATHEUS SOLDI HARDT

    OS DETERMINANTES QUE INFLUENCIAM NA ADESO

    AOS REGIMES INTERNACIONAIS DE DIREITOS

    HUMANOS: UMA ANLISE EMPRICA

    So Paulo 2014

  • 23

    UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    INSTITUTO DE RELAES INTERNACIONAIS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM RELAES

    INTERNACIONAIS

    OS DETERMINANTES QUE INFLUENCIAM NA ADESO AOS REGIMES INTERNACIONAIS DE DIREITOS

    HUMANOS: UMA ANLISE EMPRICA

    MATHEUS SOLDI HARDT Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Relaes Internacionais do Instituto de Relaes Internacionais da Universidade de So Paulo, para a obteno do ttulo de Mestre em Cincias Programa de Ps-Graduao em Relaes em Internacionais.

    Orientador(a): Profa. Dra. Janina Onuki

    So Paulo 2014

  • 24

    Resumo

    O estudo de adeso a regimes internacionais se desenvolveu na dcada de 1990 e a partir

    de ento seu crescimento se deu majoritariamente no campo emprico, principalmente nos

    estudos sobre regimes de direitos humanos. Para alm dessa constatao, quanto mais o

    campo de estudo de adeso aos regimes internacionais amadurece, mais os estudos

    tendem a analisar os aspectos domsticos que levaram adeso de uma norma

    internacional e quais as implicaes polticas de seguir ou no um determinado regime.

    Tendo em vista esse panorama geral, esta dissertao de mestrado pretende analisar quais

    as circunstncias poltico-sociais que levam um pas a aderir um regime de direitos

    humanos, no perodo de 1966 a 2012. Para tanto, analisamos cinco tratados

    internacionais: o Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais

    (1966), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Polticos (1966), a Conveno sobre a

    Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra a Mulher (1979), a Conveno

    contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruis, desumanos ou degradantes (1984)

    e a Conveno do Direito das Crianas (1989). Os resultados indicam que a varivel que

    mais impacta a adeso o tipo de regime poltico do Estado. As democracias tendem a

    aderir mais aos regimes internacionais de direitos humanos do que as autocracias. O que

    refora a teoria da Paz Democrtica, que investiga se h uma diferena no plano

    internacional entre o comportamento das democracias em relao s autocracias.

    Direitos Humanos, Regimes Internacionais, Regime Poltico, Paz Democrtica

  • 25

    Abstract

    The studies of accession to international regimes developed in the 1990s and since then

    its growth was mainly in the empirical field, especially in studies on human rights

    regimes. In addition to this observation, the more the study of membership to international

    regimes field matures, the more the studies tend to analyze the domestic aspects that led

    to the membership of an international norm and to understand the political implications

    to comply or not with a particular regime. Given this overall picture, this dissertation aims

    at examining the political and social circumstances that lead a country to join a human

    rights regime, from 1966 to 2012. Therefore, five international treaties were analyzed:

    the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights (1966), the

    International Covenant on Civil and Political Rights (1966), the Convention on the

    Elimination of All Forms of Discrimination against Women (1979), the Convention

    against Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment (1984)

    and the Convention of the Rights of Children (1989). The results indicate that the variable

    that most impacts the membership is the political regime of a state. Democracies tend to

    adhere more to international human rights regimes than autocracies. This reinforces the

    theory of Democratic Peace, which investigates whether there is a difference at the

    international level between the behavior of democracies in relation to autocracies.

    Human rights, International regimes, Political regime, Democracy peace

  • 26

    Introduo

    Entender quais so as caractersticas que influenciam a adeso de um Estado um tratado

    internacional um desafio novo nas relaes internacionais. Moravcsik (2000) relaciona

    os incentivos dos governos de participarem de regimes de direitos humanos a clculos

    instrumentais na poltica domstica.15 Nesse sentido, este artigo da dissertao de

    mestrado tem como objetivo analisar quais so as caractersticas que influenciam o Estado

    a aderir aos tratados internacionais de direitos humanos.

    Um exemplo de situao que impulsiona os lderes polticos a aderir a estes tratados so

    perodos de transies polticas. Esses momentos so exemplos clssicos de situaes que

    geram incertezas no que remete aos seus resultados. Para reduzir a incerteza poltica

    futura, os atores governamentais esto dispostos em situaes como essas a adotar normas

    e novos comprometimentos internacionais, entre eles os relativos a direitos humanos. Em

    resposta percepo de ameaa de fato ou potencial recorre-se ao mbito

    internacional como um mecanismo de defesa frente ao possvel opositor domstico. Os

    novos compromissos assumidos internacionalmente blindam e protegem as mudanas

    feitas na poltica, ajudando a consolidar um projeto poltico interno, j que aumentam as

    dificuldades de que os opositores ou futuros sucessores possam modific-lo.

    No caso de regimes autoritrios e repressivos, Risse et al. (1999), e tambm Keck e

    Sikkink (1998) oferecem a ideia do modelo bumerangue para se pensar a atuao do plano

    domstico no comportamento estatal. Nesses casos, as estruturas internas so controladas

    por um Estado altamente centralizado que se apresenta como provedor das necessidades

    dos cidados, e que conta ainda com instituies e uma cultura poltica que concentram o

    poder no Executivo, o qual goza de grande independncia do Legislativo. Segundo Keck

    e Sikkink (1998), frente ento represso e falta de responsividade do Estado rompem-

    se os vnculos entre o Estado e os atores internos, e pe-se em marcha o padro

    bumerangue de influncia, caracterstico das redes transnacionais de ativismo: em lugar

    de se dirigir a seu Estado, as ONGs nacionais buscam diretamente aliados internacionais

    15 Segundo ele, comprometimentos institucionais internacionais so, como os comprometimentos institucionais domsticos, mecanismos auto-interessados para o trancamento (locking-in) de certas polticas domsticas preferidas (...) em face da futura incerteza poltica (MORAVCSIK, 2000, p. 226).

  • 27

    para conseguir que se exera presso sobre este a partir do exterior (Keck e Sikkink,

    1998, p. 415).

    Risse et al. (1999) argumentam, nesse sentido, que o estabelecimento de fortes e

    duradouros vnculos entre os grupos de oposio internos e as coalizes internacionais de

    ativismo e influncia pode ter um efeito importante nos processos de abertura e

    democratizao. As redes oferecem, dentre outros recursos, poder de negociao,

    informao e com frequncia dinheiro aos grupos internos de oposio, cujas demandas

    muitas vezes conseguem ser amplificadas pela existncia desses contatos internacionais.

    Isso porque, as ONGs internacionais que compem a rede ao interpretarem as demandas

    locais apelam s normas internacionais para legitimar e reverberar as queixas e esforos

    dos ativistas domsticos.

    Assim, Risse et al. (1999) argumentam que mais factvel que se produzam mudanas

    internas duradouras em matria de direitos humanos quando os grupos de oposio e as

    ONGs internas formam redes com as ONGs internacionais que operam no mbito

    transnacional,

    [A]s quais, por meio de estratgias de comunicao, conseguem mobilizar as

    instituies internacionais, a opinio pblica ou os governos ocidentais para

    impugnar, pressionar ou persuadir os regimes que violam as normas para que

    aceitem a validade das mesmas, ao ratificar os acordos internacionais mais

    importantes, incorporar nas suas leis regras relativas aos direitos humanos e

    reconhecer tais normas em suas prticas discursivas. (Risse et al., 1999, p.

    389).

    Todavia, para alm das estruturas internas, que condicionam as formas de ao e

    estratgias das redes transnacionais e dos grupos polticos de oposio, h ainda de se

    lembrar do papel da institucionalizao internacional das normas concernentes aos

    direitos humanos. Risse et al. afirmam que quanto mais as relaes interestatais forem

    reguladas por instituies internacionais, mais intensas sero as atividades transnacionais

    e menor ser a capacidade do governo para restringi-las. Em outras palavras, as

    instituies internacionais e as normas que elas carregam consigo facilitam o acesso dos

    atores transnacionais aos processos de formulao das polticas internas (Risse et al., p.

    395).

  • 28

    As normas internacionais empoderam e legitimam as redes e coalizes transnacionais

    que as promovem (Khagram et al., 2002, p. 16) porque atores no estatais que de outra

    forma seriam fracos podem explorar a legitimidade inerente s normas internacionais para

    construir redes transnacionais e transformar concepes at ento prevalecentes. Risse et

    al. afirmam, nesse sentido, que [o]s regimes e organismos internacionais aumentam o

    nmero de canais aos quais os atores transnacionais podem recorrer para influenciar as

    polticas dos governos. As instituies internacionais facilitam o lobby que realizam as

    redes transgovernamentais e as ONGs internacionais (Risse et al., pp. 395-396).

    Cabe observar aqui que o cumprimento dos regimes internacionais de direitos humanos

    observado de maneira constante pelas ONGs internacionais, que tornam pblicas as

    violaes cometidas pelos governos e fortalecem os atores internos defensores dessas

    normas. O que faz ento o modelo bumerangue demonstrar justamente como as normas

    internacionais de direitos humanos fortalecem os grupos e organizaes transnacionais e

    domsticos, em oposio aos Estados violadores de suas disposies. As normas do

    poder a esses grupos, e legitimam suas reivindicaes, aumentando sua influncia

    potencial sobre as prticas estatais.

    No entanto, para Vreeland (2008) o modelo bumerangue e qualquer outro modelo, que

    tente explicar a capacidade de mudana de um regime poltico, deve levar em

    considerao a existncia ou no de grupos polticos opositores com certa capacidade de

    influncia no regime. A motivao que levou Vreeland a escrever o artigo foi o texto de

    Neumayer (2005), em que este autor afirma que h diferena qualitativa entre as

    democracias e as ditaduras que assinaram a Conveno contra a prtica de tortura. Mais

    especificamente, aps entrarem para essa Conveno as democracias apresentaram uma

    diminuio nos casos de tortura, enquanto que as ditaduras apresentaram piora nos casos

    de violao aos direitos humanos.

    A partir dos resultados deste paper, Vreeland conclui que h a necessidade de uma

    avaliao mais cuidadosa sobre as motivaes que os regimes ditatoriais tm para entrar

    na Conveno contra a prtica de tortura. essa pergunta que Vreeland tenta responder

    no seu artigo de 2008, que aponta a existncia de ruptura dentro dos regimes autoritrios

    como fator motivador dos ditadores para aderir a esta Conveno. Os achados de

    Vreeland enfatizam a importncia das instituies polticas domsticas para entender o

    comportamento dos Estados no plano internacional.

  • 29

    Esta dissertao pretende analisar quais so as caractersticas dos Estados associadas

    adeso aos tratados internacionais de direitos humanos. Para tanto, a estrutura deste artigo

    a seguinte, primeiro apresentaremos a hiptese da pesquisa. Depois descreveremos os

    tratados internacionais de direitos humanos que iremos examinar; em terceiro lugar

    apresentaremos a metodologia de pesquisa. Subsequentemente, faremos uma breve

    avaliao sobre a velocidade de adeso aos diferentes tratados internacionais analisados.

    Em seguida, exporemos os resultados da regresso xtlogit bem como a anlise destes. Por

    fim, apresentamos a concluso e a agenda de pesquisa futura.

    Hiptese

    Como debatido, h diferentes campos nos estudos das determinantes da adeso aos

    tratados internacionais de direitos humanos, que esto descolados. Essa dissertao de

    mestrado pretende analisar em quais circunstncias, entre 1966 e 2012, um Estado est

    mais propenso a internalizar normas internacionais de direitos humanos, seja pela

    iniciativa dos lderes governamentais ou pela presso de opositores polticos ou

    movimentos sociais. Utilizando uma abordagem quantitativa tentaremos apontar quais

    caractersticas dos Estados esto associadas adeso aos tratados de direitos humanos. A

    hiptese nula (h0) da pesquisa de que a adeso s normas internacionais de direitos

    humanos no possui nenhuma condicionante domstica para ocorrer. Tanto democracias

    como autocracias internalizam estas normas independentemente do tipo de regime

    poltico que o Estado possui. Essa hiptese tem embasamento terico na corrente realista

    das Relaes Internacionais, que afirma que o comportamento estatal tem explicaes no

    jogo de poder do plano internacional.

    h0: As caractersticas domsticas do Estado no influenciam na adeso aos regimes

    internacionais.

    A hiptese alternativa (h1) afirma que a adeso aos tratados internacionais de direitos

    humanos tem fortes condicionantes nas caractersticas domsticas do Estado. O estudo da

    hiptese alternativa (h1) tem duas estratgias: a primeira enfatiza o papel das elites

    polticas, a segunda dos movimentos polticos opositores e do nvel de violaes dos

  • 30

    direitos humanos.16 A primeira estratgia afirma que as elites polticas internalizam essas

    normas para diminuir a incerteza poltica tanto domstica quanto internacional. A

    segunda estratgia enfatiza o papel dos grupos polticos opositores e dos movimentos

    sociais como fundamental para a adeso de tratados internacionais de direitos humanos.

    h1: : As caractersticas domsticas do Estado influenciam na adeso aos regimes

    internacionais.

    Tratados internacionais de direitos humanos

    As atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial criaram um consenso nos lderes

    mundiais de que os direitos do Homem deveriam ser assegurados por mecanismos

    internacionais. Isso porque, as minorias nacionais poderiam e foram perseguidas por

    polticas nacionais. Dentro desse panorama, diferentes regimes internacionais de direitos

    humanos surgiram no plano internacional. Esta dissertao de mestrado pretende analisar

    seis dos principais instrumentos normativos internacionais de direitos humanos que esto

    sob a tutela das Naes Unidas (ONU).

    Tabela 1: Tratados internacionais de direitos humanos analisados:

    Sigla Nome do tratado Ano de

    criao*

    ECOSOC Pacto Internacional dos Direitos Econmicos,

    Sociais e Culturais 1966

    CIVPOL Pacto Internacional de Direitos Civis e

    Polticos 1966

    CEDAW Conveno sobre a Eliminao de Todas as

    Formas de Discriminao contra a Mulher 1979

    TORTURA

    Conveno contra a tortura e outros

    tratamentos ou penas cruis, desumanos ou

    degradantes

    1984

    CRIAN Conveno do Direito das Crianas 1984

    * Em ordem cronolgica

    Um exemplo destes tratados o Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e

    Culturais (PIDESC) adotado pela Assembleia das Naes Unidas no final de 1966. Esse

    16 Para maiores informaes sobre como mensurar violaes de direitos humanos ver: LANDMAN &

    CARVALHO, 2010.

  • 31

    tratado um dos tratados fundadores da ONU, juntamente com o Pacto Internacional de

    Direitos Civis e Polticos (PIDCP) e a Declarao Universal do Direito dos Homens. Com

    o fim da Segunda Guerra Mundial e o comeo da polarizao entre os EUA e a Unio

    Sovitica (Guerra Fria), o interesse dos lderes mundiais era evitar uma nova guerra entre

    as principais naes e proteger as minorias tnicas. Uma das preocupaes naquele

    perodo era limitar a capacidade de expanso territorial e preservar a autonomia dos

    Estados menos desenvolvidos, criando assim zonas satlites s duas superpotncias.

    Tendo esse contexto em vista, tanto o PIDESC como o PIDCP reforam, logo na primeira

    parte do texto, o direito autodeterminao dos povos e dos seus territrios, garantido a

    liberdade de escolha do regime poltico e assegurando o livre desenvolvimento

    econmico, social e cultural dos Estados membros tanto do PIDESC como do PIDCP.

    O Pacto Internacional de Direitos Civis e Polticos (PIDCP) de 1966 reune todos os

    direitos humanos tradicionais, que foram reconhecidos previamente pelas Constituio

    dos Estados Unidos de 1798 e pela Declarao dos direitos do Homem e do Cidado

    (Dclaration des droits de lhomme et du citoyen) do mesmo ano. Entre os direitos

    reconhecidos pelo PIDCP est o princpio da no discriminao e o direito vida. O

    impacto deste regime se deu na elaborao de inmeras constituies nacionais que foram

    escritas posteriormente ao Pacto.

    A separao entre os direitos econmicos, sociais e culturais dos direitos civis e polticos

    foi reflexo do embate entre os EUA e a Unio Sovitica. O primeiro acreditava que os

    direitos econmicos, sociais e culturais so direitos que devem ser almejados, mas no

    assegurados formalmente. Enquanto que os direitos civis e polticos deveriam ser

    respeitados sem restries por todos os Estados. Por sua vez, a Unio Sovitica

    argumentava justamente o contrrio. A soluo encontrada foi separar essas duas

    dimenses dos direitos humanos em dois corpos normativos, assim cada Estado julgaria

    a necessidade de aderir eles. No final, apesar da relutncia das duas superpotncias na

    necessidade da implementao destes tratados internacionais, os pases do Terceiro

    Mundo os pressionaram para que aprovassem os resultados das comisses que

    prepararam os textos do PIDESC e do PIDCP.

    Outro regime internacional de direitos humanos que analisaremos a Conveno sobre a

    Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra a Mulher (CEDAW, em ingls)

    de 1979. At ento no havia um documento que agrupasse em um nico texto os direitos

  • 32

    polticos, econmicos, sociais, culturais e sociais das mulheres. Alm de no haver um

    texto nico, havia a preocupao de que os regimes existentes, o PIDESC e o PIDCP, no

    estavam funcionando como deveriam para promover e proteger os direitos das mulheres.

    Assim a Assembleia Geral da ONU pediu para que a Comisso sobre o Status da Mulher

    da ONU elaborasse um documento unificado que articulasse os direitos de igualdade entre

    homem e mulher. Sendo o resultado acumulado de mais de 30 anos de trabalho da

    Comisso sobre o Status da Mulher a CEDAW foi adotada pela Assembleia da ONU em

    1979.

    O quarto regime internacional que analisaremos a Conveno contra a tortura e outros

    tratamentos ou penas cruis, desumanos ou degradantes de 1984. Esta Conveno

    tambm foi criada devido descrena com os mecanismos domsticos de controle da

    tortura. Isso porque na dcada de 1970, o Brasil, a Argentina e a frica do Sul utilizavam

    a tortura como poltica de Estado para reprimir opositores polticos. Os relatrios feitos

    pela Anistia Internacional, neste perodo, relatando as atrocidades cometidas nestes trs

    pases, entre outros 95 pases, pressionaram a ONU a adotar a Declarao contra a

    Tortura. (LIPPMAN, 1994, p. 307).

    Apesar da Declarao ter sido o primeiro instrumento normativo a condenar a prtica de

    tortura no mbito internacional, ela falhava ao no reconhecer a tortura como mecanismo

    de controle poltico. A Anistia Internacional percebeu que a Declarao no era um

    regime eficaz e comeou a argumentar pela necessidade de uma Conveno que

    reconhecesse as novas prticas de tortura bem como outras formas de tratamento

    desumanos que estavam sendo praticados por agentes estatais. Em 1984, a Assembleia

    Geral da ONU adotou a Conveno contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruis,

    desumanos ou degradantes.

    O ltimo tratado que ser analisado por esta dissertao a Conveno do Direito das

    Crianas de 1989. Assim como os regimes supracitados, esta Conveno teve como

    contexto as contradies do sculo XX. Isso porque, devido as reformas e melhorias na

    condio material das famlias no sculo XIX, houve uma mudana na mentalidade das

    pessoas sobre o que significava uma infncia saudvel e a necessidade de investimento

    na formao e desenvolvimento das crianas (FASS, 2011). Porm com o advento das

    duas Guerras Mundiais essa quimera foi abalada, expondo a vulnerabilidade do direito

    das crianas.

  • 33

    A Conveno do Direito das Crianas teve como base a Declarao do Direito das

    Crianas. Como esta ltima no era um instrumento normativo que gerasse vnculo legal

    aos Estados, em 1978 a Polnia submeteu a Comisso de Direitos Humanos da ONU um

    primeiro rascunho do que viria a ser a Conveno. Em 1989, depois de 11 anos de trabalho

    a Comisso de Direitos Humanos aprovou e transmitiu o texto para apreciao da

    Assembleia Geral da ONU que adotou a Conveno no final deste mesmo ano.

    No entanto, o texto da Conveno do Direito das Crianas no deixou claro a proibio

    do recrutamento de crianas nas Foras Armadas. O artigo 38 da Conveno apenas

    afirma que os Estados-membros devero tomar todas as medidas factveis para limitar o

    alistamento de pessoas menores de 15 anos. Essa brecha legal aliada com as fotos de

    crianas armadas nos conflitos subsaarianos na dcada de 1990 pressionaram as Naes

    Unidas a adotar um Protocolo Adicional Conveno. O Protocolo Adicional sobre o

    Envolvimento de Crianas em Conflitos Armados foi adotado pela Assembleia Geral em

    2000 e probe definitivamente o emprego de crianas, pessoas menores de 18 anos, nas

    Foras Armadas. Lembrando que as crianas no possuem nem a fora fsica nem a

    maturidade mental para entenderem a seriedade de um conflito armado.

    Sero esses os cinco tratados internacionais que analisaremos nesta dissertao de

    mestrado. Eles foram escolhidos porque englobam diferentes dimenses dos direitos

    humanos, desde os direitos civis e polticos, passando pelos direitos econmicos e sociais

    e contra a tortura, bem como o direito de minorias histricas, como as mulheres e as

    crianas. Outro fato que determinou a escolha destes tratados que todos os cinco

    pertencem ao guarda-chuva normativo da ONU. Esse dado importante, uma vez que

    para uma anlise quantitativa da adeso precisamos de tratados que possuam a capacidade

    de atrair o maior nmero de Estados-membros ou o contrrio, de repelir o maior nmero

    de Estados. Assim, faz todo o sentido analisarmos tratados de direitos humanos adotados

    pela Assembleia Geral da ONU, um dos rgos internacionais com maior nmero de

    Estado-membros.

  • 34

    Metodologia

    Como discutido anteriormente, analisaremos as caractersticas do Estado que impactam

    na adeso aos regimes internacionais. Para tanto, rodaremos uma regresso xtlogit. Esse

    mtodo foi escolhido uma vez que a varivel dependente aderiu ao tratado ou no

    dicotmica, assumindo o valor 0 (zero) nos anos em que o pas no aderiu ao tratado e o

    valor 1 (um) nos anos em que o pas assinou o tratado internacional de direitos humanos17.

    Para alm desse fato, o tempo uma varivel que influencia na nossa anlise. Nesse

    sentido, precisvamos escolher um modelo que suportasse variveis dependentes binrias

    em uma srie temporal. O perodo a ser analisado , consequentemente, entre 1966 e

    2012, assim poderemos examinar todo o intervalo temporal dos seis tratados.

    Com o perodo de anlise e os tratados internacionais determinados, as variveis

    independentes que sero examinadas para verificar sob quais circunstancias os Estados

    aderem a regimes de direitos humanos esto baseadas na literatura de adeso aos tratados

    internacionais e so as seguintes: 18

    1. EMIL: Varivel binria que identifica se o governante efetivo ou j foi um

    militar profissional. Espera-se que essa varivel tenha sinal negativo na regresso,

    isso indicaria que os governantes no militares aderem mais aos tratados

    internacionais de direitos humanos.

    2. DEMOCRACY: Varivel binria que identifica a natureza do regime poltico do

    pas. Esta varivel foi retirada do banco de dados Democracy and Dictatorship

    construda por Jos Antonio Cheibub et al. Acreditamos que essa seja a varivel

    fundamental do modelo, pois cremos que a relao ser positiva e que tenha o

    maior impacto no modelo. Caso isso ocorra, dar maior fundamento emprico a

    teoria da Paz Democrtica.

    17 Os cinco regimes de direitos humanos que sero analisados: o Pacto Internacional dos Direitos

    Econmicos, Sociais e Culturais de 1966, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Polticos de 1966, a

    Conveno sobre a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra a Mulher (CEDAW) de 1979,

    a Conveno contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruis, desumanos ou degradantes de 1984 e a

    Conveno do Direito das Crianas de 1989. 18 Para maiores informaes sobre as variveis independentes consultar o Apndice I Codebook, e o Apndice II Sumrio do Banco de Dados.

  • 35

    3. AGEDEM: Varivel contnua que calcula a idade em anos do presente regime

    poltico classificado como Democracia. Essa varivel tem como objetivo

    identificar o comportamento das democracias consolidadas. Esperamos encontrar

    uma relao positiva, mas de magnitude pequena.

    4. ALLHOUSE: Varivel binria que classifica se o partido poltico tem maioria

    absoluta nas esferas que tem capacidade de criar leis (houses that have lawmaking

    powers). Essa varivel indicar se os achados de Vreeland (2008) para a

    Conveno contra a tortura podem ser expandidos para outros tratados

    internacionais de direitos humanos.19 Cremos que a varivel ter uma relao

    negativa com as variveis dependentes.

    5. CIRI_PHYSINT: O ndice dos direitos da integridade fsica (CIRI - Physical

    Integrity Rights Index) uma varivel categrica ordinal. Esta varivel

    construda a partir da soma de outras quatro variveis que variam de 0 a 2 e

    avaliam: tortura (CIRI_TORT), mortes extrajudiciais (CIRI_KILL), deteno de

    polticos (CIRI_POLPRIS) e desaparecimentos (CIRI_DISAP). Portanto esse

    ndice pode variar e de 0 (o governo no respeita nenhum desses quatro direitos)

    at 8 (o governo respeita esses quatro direitos). Quanto aos resultados,

    acreditamos que a relao ser negativa, j que os Estados que no apresentam

    violaes de direitos humanos no possuem incentivos polticos nem sociais para

    aderirem aos tratados. Nesses casos, a legislao domstica muito possivelmente

    j resguarda esses direitos com eficcia. Os Estados em que as violaes de

    direitos humanos ocorrem possuem um maior incentivo ou sofrem uma maior

    presso para que assinem os tratados, j que a legislao domstica no

    suficiente para proteger esses direitos.

    6. SYSTEM_D: Varivel categrica que indica a natureza do sistema poltico do

    pas. Por fim, entre as variveis independentes, aguardamos que essa varivel

    apresente uma relao negativa, indicando a tendncia de aderir aos tratados em

    favor dos sistemas presidencialista. Esse resultado indicaria que quando o lder do

    executivo tem autonomia para aderir aos tratados, ele adere mais prontamente.

    19 Vreeland deixa essa questo em aberto na concluso do seu paper (VREELAND, 2008, p. 94).

  • 36

    Varivel controle

    1. LOG_UNNA_GDP: Logaritmo de uma varivel contnua que mede o PIB

    (produto interno bruto) do pas a preo constante de 2005 em dlares

    estadunidenses. Por ltimo, acreditamos que essa varivel ter uma relao

    estatisticamente significativa e positiva. O que em outras palavras indica que os

    Estados mais ricos aderem mais aos tratados internacionais de direitos humanos

    analisados.

    A partir de todos estes dados, foi construdo um banco de dados para realizar os testes de

    hipteses, que foram discutidos no subitem Hiptese.20 Para a hiptese nula (h0) ser

    verdadeira espera-se que as variveis domsticas como emil, democracy e system_d no

    sejam estatisticamente significativas. Esse fato demonstraria que a adeso aos tratados

    tem como caracterstica preponderante o fator internacional. Ou seja, quando Estados

    vizinhos assinam o tratado acabam por criar uma situao favorvel para que o Estado

    em questo assine tambm. Essa lgica foi descrita por Sikkink (2011) como efeito

    contgio que ocorreu na Amrica Latina, entre as dcadas de 1980 e 2000.

    A hiptese alternativa (h1) ser testada por duas estratgias. A primeira analisar se novas

    democracias, observadas atravs da varivel agedem, aderem mais do que as democracias

    consolidadas e as autocracias. J que significaria que a recente elite poltica adere a estes

    tratados para garantir as reformas democrticas e atar as mos de futuros grupos

    antidemocrticos que acedam ao poder no futuro. Ao se confirmar a hiptese alternativa

    (h1), saberemos sob quais condies e em que perodo as afirmaes desta vertente de

    estudos so vlidas (MORAVCSIK, 2000; MANSFIELD; PEVEHOUSE, 2006; 2008;

    HAFNER-BURTON et al, 2008).

    A segunda estratgia para testar a hiptese alternativa (h1), ser a relao entre o tipo de

    regime poltico, democracias e autocracias, e a existncia de grupos polticos opositores.

    Isto validaria a discusso feita pelo grupo de autores que parte de uma abordagem bottom-

    up, ao afirmar que a estratgia da vergonha (shaming) feita pelos grupos de ativistas em

    direitos humanos e suas redes transnacionais acaba por pressionar os lderes

    20 Ver diferena entre n-grande, n-pequeno e estudo de caso em pesquisas sobre direitos humanos -

    LANDMAN, 2002

  • 37

    governamentais a internalizarem normas internacionais de direitos humanos (BRYSK,

    1993; KECK; SIKKINK, 1998; RISSE et al., 1999; WIIK, 2002; CARDENAS, 2004;

    2008; NEUMAYER, 2005; FRANKLIN, 2008; SIMMONS, 2009).

    Velocidade de adeso aos regimes de direitos humanos

    Um primeiro exerccio foi averiguar a velocidade de adeso aos tratados de direitos

    humanos analisados. A tabela 2 abaixo mostra os dados para a mdia de velocidade de

    adeso para cada um dos seis tratados analisados. A mdia foi calculada para cada tratado,

    sendo que ela o tempo em mdia levado pelos pases para assinarem o tratado, dividido

    pelo valor TER (tempo de existncia do regime). Dessa forma sabemos que o tratado

    ECOSOC teve mdia de velocidade de adeso em 43% do seu tempo de criao at o ano

    de 2012.

    Tabela 2: Velocidade de adeso dos tratados

    Ano de

    criao TER*

    Nmero de

    pases

    Mdia de

    velocidade

    Desvio

    Padro

    ECOSOC 1966 46 191 0,43 0,24

    CIVPOL 1966 46 191 0,45 0,24

    CEDAW 1979 33 191 0,31 0,23

    TORTURA 1984 28 191 0,38 0,25

    CRIAN 1989 23 191 0,13 0,09

    Total (mdia) 35,20 191 0,34 0,21

    * Tempo de existncia do regime (em anos, contados at 2012)21

    Todos os tratados tiveram uma mdia de velocidade de adeso bastante similar. O nico

    tratado que apresenta uma mdia de velocidade bastante inferior o da Conveno do

    21 Em sua tese de livre docncia, Janina Onuki elaborou uma tabela de velocidade de ratificao para 13

    regimes internacionais de segurana (ONUKI, 2013).

  • 38

    Direito das Crianas de 1989. Em apenas 13% do tempo de existncia deste tratado os

    pases j haviam aderido a ele.

    Por fim, os resultados do desvio padro tambm indicam que a disperso dos dados da

    mdia de velocidade parecida para todos os tratados, com exceo novamente da

    Conveno do Direito das Crianas. A ressalva que pode ser feita a CRIAN foi a

    divulgao de imagens que percorreram o mundo na dcada de 1990 de crianas

    carregando metralhadoras AK-47 em conflitos na regio subsaariana como Ruanda,

    Libria e Serra Leoa. Essas imagens chocaram a comunidade internacional e

    pressionaram os Estados a adotar a Conveno Internacional o mais rpido possvel. Por

    fim, as duas superpotncias at aquele momento, os EUA e a Unio Sovitica, no se

    opuseram Conveno, gerando maior incentivo para a sua adoo.

    Anlise das regresses xtlogit

    Como podemos observar na tabela 3, os resultados das regresses xtlogit corroboram com

    a teoria e refutam a hiptese nula (h0), j que as variveis domsticas so estatisticamente

    significativas, como o caso da emil e da democracy. Em relao varivel emil (se o

    chefe de Estado efetivo um membro das foras armadas), os resultados apoiam as

    previses feitas pela teoria, de que regimes militares possuem uma tendncia de no

    adeso aos tratados de direitos humanos, isso se compararmos com o comportamento dos

    Estados dirigidos por civis. O coeficiente negativo e estatisticamente significante para

    todos os cinco tratados.

    A varivel DEMOCRACY, que indica se o pas ou no uma democracia,

    estatisticamente significante para os cinco tratados e o seu sinal positivo indica que as

    democracias aderem mais aos regimes internacionais de direitos humanos. O resultado

    dessa varivel curioso, j que sustenta empiricamente as proposies tericas feitas pela

    teoria da Paz Democrtica.

    A varivel AGEDEM estatisticamente significativa para todos os tratados e possui o

    sinal positivo. Isso indica que se o Estado uma democracia consolidada, essa

    caracterstica tem um efeito positivo na adeso aos tratados de direitos humanos.

    Mostrando que a propriedade que importa em termos temporais se o Estado uma

    democracia consolidada e no nova democracia.

  • 39

    Os resultados para ALLHOUSE foram apenas estatisticamente significativos para dois

    casos, TORTURA e CRIAN. Para os dois tratados o coeficiente foi negativo, o que

    significa que o partido poltico da situao no detinha maioria absoluta no Legislativo

    ao aderir aos tratados internacionais. Esse efeito pode ser interpretado segundo a lgica

    do mecanismo de lock-in, proposto por Moravcsik (2000) e Landman (2005), que serve

    para diminuir as incertezas polticas nas democracias recentes, uma vez que o governo de

    situao no possui maioria no Legislativo, necessrio delegar parte da autoridade para

    uma entidade internacional. Assim, caso as normas desta entidade internacional sejam

    descumpridas por grupos antidemocrticos no futuro gerar um custo poltico e um

    constrangimento internacional, atando as mos dos lderes polticos e prevenindo a

    ocorrncia de retrocessos da ordem democrtica. Esse resultado tambm foi encontrado

    por Vreeland (2008), que ao analisar o comportamento das ditaduras, encontrou que na

    existncia de grupos opositores dentro dos regimes autoritrios, acaba por forar estes

    regimes a aderir Conveno contra a tortura. Essa medida serve para apaziguar esses

    grupos opositores.

    Quanto aos resultados da varivel independente CIRI_PHYSINT, eles so compatveis

    com o que a literatura prev, j que o coeficiente negativo e estatisticamente

    significativo para todos os tratados. Esse resultado era esperado, pois os Estados que

    aderem aos tratados de direitos humanos tendem a alterar uma realidade domstica

    atravs de instrumentos internacionais como um mecanismo de sinalizao como

    postularam MANSFIELD & PEVEHOUSE 2006; 2008 e HAFNER-BURTON et al.

    2008. Assim sendo, pases classificados com 8 (pases respeita os quatro direitos humanos

    analisados) tendem a no ratificar os tratados internacionais de direitos humanos, isso

    porque a realidade domstica j resguarda os direitos humanos dos seus cidados.

    Os resultados da ltima varivel independente, SYSTEM_D, foram positivos e

    estatisticamente significativos para todos os cinco modelos. Isso indica que as

    democracias que aderiram aos tratados eram sistemas presidencialistas. Por sua vez, a

    varivel controle do modelo, LOG_UNNA_GDP, apresentou resultados estatisticamente

    significativos e positivos para todos os tratados. Portanto, os Estados com um maior

    produto interno bruto (PIB) tendem a aderir mais aos tratados internacionais de direitos

    humanos.

  • 40

    Tabela 3: Teste xtlogit para todos os tratados

    (1) (2) (3) (4) (5)

    VARIABLES ECOSOC CIVPOL CEDAW TORTURA CRIAN

    emil -3.785*** -3.028*** -1.593*** -1.897*** -2.495***

    (0.755) (0.708) (0.489) (0.491) (0.420)

    democracy 6.454*** 10.63*** 4.511*** 3.938*** 5.174***

    (1.092) (1.295) (0.702) (0.574) (0.554)

    agedem 0.0149 0.0604*** 0.108*** 0.0251* 0.0669***

    (0.0158) (0.0145) (0.0143) (0.0130) (0.0101)

    allhouse -0.967 -0.691 -0.690 -1.236*** -0.929***

    (0.653) (0.585) (0.520) (0.366) (0.350)

    1.ciri_physint 1.627* -0.400 0.0323 0.950 0.454

    (0.840) (0.779) (0.734) (0.622) (0.474)

    2.ciri_physint 1.635** -0.302 -0.0779 1.090* 0.697

    (0.808) (0.732) (0.646) (0.619) (0.435)

    3.ciri_physint 0.991 -0.686 -0.0607 0.963 0.572

    (0.767) (0.679) (0.685) (0.600) (0.435)

    4.ciri_physint -0.0816 -1.365** -0.253 1.091* 0.430

    (0.738) (0.691) (0.676) (0.590) (0.432)

    5.ciri_physint -0.532 -1.894*** -0.705 0.891 0.0165

    (0.766) (0.705) (0.688) (0.616) (0.443)

    6.ciri_physint -1.267 -1.979*** -0.981 0.662 0.0355

    (0.798) (0.744) (0.699) (0.640) (0.469)

    7.ciri_physint -1.690* -2.364*** -1.155 0.689 -0.511

    (0.894) (0.847) (0.745) (0.664) (0.508)

    8.ciri_physint -2.785** -3.101*** -1.766** 0.240 -1.027*

    (1.089) (1.012) (0.805) (0.723) (0.554)

    2.system_d 3.036*** 2.007** 2.582*** 2.870*** 3.536***

    (1.054) (0.992) (0.810) (0.761) (0.632)

    3.system_d 5.218*** 2.701*** 4.364*** 2.525*** 3.803***

    (0.961) (0.730) (0.897) (0.765) (0.548)

    log_unna_gdp 16.88*** 17.17*** 15.91*** 17.31*** 14.67***

    (1.607) (1.487) (1.083) (1.004) (0.766)

    Observations 1,346 1,479 2,425 2,641 3,057

  • 41

    O passo final foi rodar os modelos xtlogit com a funo beta (ver tabela 4). Como a

    varivel dependente binria, no podemos interpretar a magnitude dos coeficientes de

    uma maneira direta, como fazemos na anlise de regresso linear. Nesse sentido, para

    visualizarmos quais variveis impactam mais nas variveis dependentes, precisamos

    rodar o modelo com a funo beta.

    Tabela 4: Teste beta para todos os tratados

  • 42

    O resultado exposto na tabela 4 mostra que a varivel independente que mais impacta nos

    seis modelos a varivel DEMOCRACY. Esse dado confirma empiricamente a tese

    defendida pelos tericos da Paz Democrtica, j que o regime poltico um fator

    determinante do comportamento do Estado no plano internacional. Neste caso, as

    democracias aderem mais aos regimes internacionais de direitos humanos.

    Em relao maturidade do sistema democrtico, a varivel AGEDEM apresentou

    magnitude pequena, mas este dado era esperado, uma vez que ela uma varivel contnua,

    que varia de 1 a 139, com mdia de 32,3. Portanto, apesar da intensidade ser pequena, a

    mdia de idade dos regimes polticos do banco de dados relativamente elevada,

    aumentando o impacto dessa var