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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MARISA ANDRADE MULHERES REFUGIADAS E O MERCADO DE TRABALHO: UM ESTUDO NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM SERVIÇO SOCIAL SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

MARISA ANDRADE

MULHERES REFUGIADAS E O MERCADO DE TRABALHO :

UM ESTUDO NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM SERVIÇO SOCIAL

SÃO PAULO

2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

MARISA ANDRADE

MULHERES REFUGIADAS E O MERCADO DE TRABALHO:

UM ESTUDO NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Serviço Social, na Área de Concentração Serviço Social: Políticas Sociais e Movimentos Sociais, na Linha de Pesquisa Política Social: Estado, Movimentos Sociais e Associativismo Civil, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Lúcia Rodrigues.

SÃO PAULO

2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

MARISA ANDRADE

MULHERES REFUGIADAS E O MERCADO DE TRABALHO:

UM ESTUDO NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

Este exemplar corresponde à Dissertação de Mestrado, apresentado à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Serviço Social, na Área de Concentração Serviço Social: Políticas Sociais e Movimentos Sociais, na Linha de Pesquisa Política Social: Estado, Movimentos Sociais e Associativismo Civil, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Lúcia Rodrigues.

BANCA EXAMINADORA: __________________________________________ Orientadora: Profa. Dra. Maria Lúcia Rodrigues. Doutora em Serviço Social – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Instituição: PUC-SP __________________________________________ Examinadora: Profa. Dra. Maria Carmelita Yazbek Doutora em Serviço Social – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Instituição: PUC-SP __________________________________________ Examinadora: Profa. Dra. Márcia Helena Farias Doutora em Serviço Social – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Instituição: UNINOVE-SP

São Paulo

2013

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Dedico este trabalho à minha mãe D. Jô, que soube me educar com amor, carinho, atenção e respeito. Sua retidão, licitude e dignidade são exemplos para o meu processo de vida real; À minha família pelo amor, carinho e atenção dispensados a mim em todos os momentos; Ao meu pai e minha irmã, “in memoriam” – José e Ilda, que, embora ausentes, sempre serão presença em minha vida; Às irmãs da Associação Palotina, amigas e companheiras de caminhada, pela amizade, compreensão e contribuição ao longo de nosso convívio.

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AGRADECIMENTOS À Profa. Dra. Maria Lúcia Rodrigues pela orientação competente e confiante que muito contribuiu para a realização deste trabalho, meus sinceros agradecimentos; Às professoras: Dra. Maria Carmelita Yazbek e Dra. Márcia Helena Farias pelas valiosas recomendações no decorrer do Exame de Qualificação e na Defesa; Aos professores do Programa de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, por todas as contribuições, ensinamentos e esclarecimentos durante a realização do curso; Às irmãs da Associação Palotina, pela amizade, apoio e incentivo, necessários a realização desta pesquisa; Às irmãs Ivinete e Venícia pelo apoio no decorrer deste trabalho e pelo companheirismo que nos une, possibilitando o desenvolvimento dessa pesquisa, meus sinceros agradecimentos;

À minha querida amiga Adriane Giugni da Silva, pelo auxílio, incentivo e apoio no processo desta caminhada, meus agradecimentos; À equipe do NEMESS que sempre esteve presente nas discussões deste trabalho e me incentivou a desenvolvê-lo, permitindo-me discutir e repensar a inserção da mulher refugiada no mercado de trabalho no município de São Paulo; À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo financiamento desta pesquisa; Aos colegas e funcionários da PUC-SP que de diferentes maneiras contribuíram no processo de realização deste estudo, meus agradecimentos; Em especial à minha mãe Jô, pela presença constante e apoio, pelas palavras firmes e sábias sempre ditas com amor. Mulher de garra e força, educadora nata que me ensinou o que nenhuma graduação é capaz de transmitir, obrigada por tudo; Às minhas irmãs Tereza, Ilza, Marilda, ao meu irmão Celso e demais membros que ao longo da vida compuseram a família, obrigada pelo apoio permanente; Às refugiadas partícipes desta pesquisa, em especial àquelas que colaboraram como informantes no decorrer desta investigação; Às colegas de trabalho que ao longo do processo me apoiaram com palavras de incentivo; Às amigas e amigos que me manifestaram sempre seu apoio e confiança.

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[...] não é possível libertar os homens enquanto eles não estiverem aptos a fornecerem-se de comida e bebida, a satisfazerem as suas necessidades de alojamento e vestuário em qualidade e quantidade perfeitas. Karl Marx

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Marisa Andrade. Mulheres Refugiadas e o Mercado de Trabalho: um estudo no Município de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Serviço Social). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2013.

RESUMO

A presente dissertação tem como objetivo apresentar a inserção no mercado de trabalho e as condições de vida das mulheres refugiadas no município de São Paulo. Para atingir tal intento fez-se necessário uma investigação minuciosa da realidade do refúgio no mundo e no Brasil, considerando a legislação pátria, as convenções e tratados internacionais dos quais o Brasil é subsidiário. Nesse sentido, buscou-se inicialmente identificar os diversos grupos de pessoas que se deslocam em busca de refúgio, consideraram-se como refugiadas somente aquelas pessoas que de acordo com a Lei 9.474 de 22 de julho 1997 em seu art. I são forçadas a abandonar seus lares em situações de conflitos, por questões religiosas, étnicas, políticas, dentre outras. Os conflitos colocam em risco a vida, a liberdade e a segurança da população que sofre ameaças e efetivas perseguições, desencadeando o refúgio. Essa situação obriga a fuga das pessoas de seus países em busca de uma vida melhor em outro que as receba. Mas, para sobreviverem em outro país precisam trabalhar e isso desencadeou a pesquisa em questão, na qual se investigou a inserção dessas mulheres no mercado de trabalho paulistano, considerando a categoria trabalho e as mudanças no mundo de trabalho, no contexto do sistema capitalista, vinculada intrinsecamente às condições dessa inserção como fator determinante para a sua sobrevivência e refletem nas condições de vida dessas mulheres, na sua formação educacional, qualificação profissional e consequentemente no modo de inserção no mercado de trabalho. Nesse sentido, procedeu-se a pesquisa bibliográfica, que subsidiou o aprofundamento teórico sobre o tema. A apropriação teórica em relação ao histórico e à legislação foi essencial para dar início ao estudo. Por meio de pesquisa qualitativa, com base em exame crítico-analítico da realidade investigada, procedeu-se a análise do objeto de estudo, assim como a pesquisa de campo, fornecendo elementos necessários à descrição e interpretação do fenômeno estudado. Assim, procedeu-se ao exame dessa realidade particular mediante a utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados, tais como o questionário e entrevista aprofundada. O contato com quatro organizações atuantes na questão do refúgio forneceu os dados e as condições para contato com as refugiadas. Selecionou-se uma amostra representativa de 53 mulheres refugiadas residentes na cidade de São Paulo, as quais forneceram as informações pertinentes às análises desenvolvidas neste trabalho. No processo de investigação buscaram-se desvelar o conceito de trabalho, as mudanças ocorridas nesse universo, o mundo do trabalho e suas transformações ao longo do processo histórico da sociedade capitalista, inter-relacionando-as com a realidade das mulheres refugiadas. Nesse processo buscou-se também desvelar a história de vida da mulher refugiada, suas condições de moradia, como tem se dado sua sobrevivência. Entretanto, a despeito de haver centrado seu foco de interesse no que concerne à inserção no mercado de trabalho e a condição de vida desse grupo social, não se limitou este estudo a descrever tão somente tais condições, mas investigar o que o Estado, órgão responsável pela acolhida e permanência dessas pessoas tem feito, e pode fazer para efetivar o que em discurso já está estruturado, a verdadeira acolhida aos refugiados, no estudo em questão às refugiadas. Como corolário dessa linha argumentativa, tem-se que sem a presença ativa do Estado como agente estruturador, dificilmente o país terá condições de garantir a proteção social a esse grupo, que, como já mencionado, tem crescido a cada dia. Considerando os aspectos ora pontuados, espera-se que este trabalho possa servir como fonte adicional de consulta e interesse para todos aqueles que têm no refúgio sua área de atuação, mormente para os que se dedicam ao estudo da problemática relacionada aos direitos dos refugiados, atendendo ainda aos que buscam apreender sobre como vivem as refugiadas na megalópole paulistana. Estima-se que esta pesquisa sirva de orientação para outros pesquisadores na área do serviço social e que a mesma, diferentemente de se tornar mais uma produção nas prateleiras da academia, suscite novas discussões e novos debates na área, inquietando alguns e, em outros, despertando “novos olhares” em direção a uma realidade mais crítica, social e política acerca do refúgio e das refugiadas. Palavras-chave: Mulher refugiada; Trabalho; Inserção no mercado de trabalho; Serviço Social; Condições de vida.

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Marisa Andrade. Refugee Women and the Labour Market: a study in São Paulo. Dissertation (Masters in Social Work). Pontifical Catholic University of São Paulo. São Paulo, 2013.

ABSTRACT This thesis aims to present the integration into the labor market and living conditions of refugee women in São Paulo . To achieve this purpose it was necessary to thoroughly investigate the reality of refuge in the world and in Brazil , considering the homeland legislation , international conventions and treaties to which Brazil is subsidiary . Accordingly, we sought to first identify the different groups of people moving in search of refuge , were considered as refugees only those people that according to Law 9474 of July 22, 1997 in art . I were forced to flee their homes in conflict situations , for religious, ethnic , political , among others . Conflicts endanger the life, liberty and security of the population suffering threats and persecutions effective , triggering the refuge . This situation forces the flight of people from their countries in search of a better life in another that receives . But to survive in another country need to work and this triggered the research in question , in which we investigated the inclusion of these women in São Paulo labor market , considering the work category and the changing world of work in the context of the capitalist system , linked intrinsically conditions such inclusion as a determinant for survival and reflect on the living conditions of these women in their educational background , professional qualifications and consequently the mode of insertion in the labor market factor. Accordingly, we proceeded to literature , which supported the theoretical study on the topic . The theoretical appropriation in relation to history and legislation was essential to initiate the study. Through qualitative research , based on critical and analytical examination of reality investigated , we proceeded to the analysis of the object of study , as well as field research by providing information necessary to the description and interpretation of the studied phenomenon . Thus , we proceeded to the examination of this particular reality through the use of standardized techniques for data collection , such as questionnaires and in-depth interview. The contact with four organizations active on the issue of refuge provided the data and conditions for contact with the refugees . We selected a representative sample of 53 refugee women living in the city of São Paulo , which provided information relevant to the analysis developed in this work . In the research process sought to unveil the concept of work , changes in this universe , the world of work and its transformations over the historical process of capitalist society , inter - relating them to the reality of refugee women . In this process , we sought to uncover the life story of refugee women, their living conditions, as it has been given its survival . However , despite having centered his focus of interest regarding the integration into the labor market and living conditions of this social group , this study was not limited solely to describe such conditions , but investigate what the state agency responsible for acceptance and permanence of these people have done and can do to accomplish what is already structured in speech , true hospitality to refugees , in the present study to refugees . As a corollary to this line of argument , we have that without the active presence of the state as a structuring agent , the country will hardly able to guarantee social protection to this group , which , as already mentioned , has grown every day . Considering the aspects sometimes punctuated , it is expected that this work can serve as an additional source of research and interest to all those who have refuge in their area of expertise , especially for those who dedicate themselves to the study of issues related to the rights of refugees , given still seeking to apprehend about living as refugees in São Paulo megalopolis . It is estimated that this research guidance for other researchers in the social service area and that it , unlike become a production on the shelves of academia , creates new discussions and debates in the new area of concern in some and in others , awakening " new looks " toward a more critical social and political refuge and about the reality of refugee . Keywords: Work; insertion in the labor market; refugee women Social Service; living conditions.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

QUADRO 01 – Registro cronológico da aprovação da Lei 9.474/97 (Linha do Tempo) 59

ORGANOGRAMA 01 – Chegada ao Brasil e o processo de tramitação para legalização da situação do solicita nte de refúgio 61

QUADRO 02 – Refugiados por Continente 66 QUADRO 03 – Nacionalidades com maior representatividade de refugiados 66 FUXOGRAMA 01 – Perfil dos solicitantes e refugiados em São Paulo 69

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01 Distribuição por faixa etária 112

Gráfico 02 Autodeclararão da raça/cor a que pertenc e 113

Gráfico 03 País de nascimento e de origem das mulheres de São Paulo 115

Gráfico 04 Principal motivo do deslocamento e de solicitação d e refúgio

118

Gráfico 05 Teve auxílio ou não para fugir de seu pa ís 124

Gráfico 06 Fugiu com algum membro da família 127

Gráfico 07 Refugiadas entrevistadas que são mães 12 9

Gráfico 08 Identificação das línguas faladas 131

Gráfico 09 Anos de estudo das mulheres refugiadas no país de o rigem 133

Gráfico 10 Participação das refugiadas em cursos profission alizantes em São Paulo

134

Gráfico 11 Quais os documentos que possui 136

Gráfico 12 Conhecimento dos Direitos Trabalhista no Brasil 138

Gráfico 13 Atividades laborais que as refugiadas se consideram aptas a realizar

140

Gráfico 14 Atividade laboral rea lizada pelas refugiadas em São Paulo 141

Gráfico 15 Remuneração recebida pelas refugiadas em São Paulo 143

Gráfico 16 Tipo de habitação das refugiadas investigadas 145

Gráfico 17 Valor do aluguel 145

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACNUR Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados

CF Constituição Federal

CNBB Confederação Nacional dos Bispos do Brasil

CONARE Comitê Nacional para os Refugiados

CPF Cadastro de Pessoa Física

CTPS Carteira de Trabalho e Previdência Social

DIEESE Departamento Intersindical de Estatís tica e Estudos Sócioeconômicos

DORT Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho

DST Doenças Sexualmente Transmissíveis

ECA Estatuto da Criança e do Adolescen te

FMI Fundo Monetário Internacional

IMDH Instituto de Migrações e Direitos H umanos

LEP Lei de Execuções Penais

LER Lesão por Esforço Repetitivo

LOAS Lei Orgânica da Assistência Social

MEC Ministério da Educação e Cultura

NEMESS Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Ensi no e Questões Metodológicas em Serviço Socia l

OIT Organização Internacional do Trab alho

ONG Organização não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

OSCIPs Organização da Sociedade Civil de Int eresse Público

PF Polícia Federal

PFT Penitenciária Feminina do Tatuapé

PIA População em Idade Ativa

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Do micílio

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PSPP Programa de Software

PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

RMSP Região Metropolitana de São Paulo

RNE Registro Nacional de Estrnageiro

SAMU Serviço de Atendimento Móvel de Urg ência

SEADE Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados

SIDA Síndrome da imunodeficiência adqu irida

SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem

SESC Serviço Social do Comércio – Unida de Carmo

SMADS Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento

SUAS Sistema Único de Assistência Socia l

TICs Tecnologias de Informação e Comu nicação

TV Televisão

UNESCO Organização das Nações Unidas para a E ducação, a Ciência e a Cultura

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

USP Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 15

2 O PROCESSO DA PESQUISA 21

2.1 Origem da Dissertação: minha história como pont o de partida 21

2.2 Problematização e Justificativa 36

2.3 Objetivos 42

2.3.1 Objetivo Geral 42

2.3.2 Objetivos Específicos 42

3 O REFÚGIO: CONCEPÇÃO E HISTÓRICO 45

3.1 Evolução Histórica do Refúgio 45

3.2 Conceituando o Refúgio 52

3.3 Histórico dos Refugiados no Brasil 55

4 PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A MULHER REFUGIADA NO BRASIL 74

4.1 Flexibilização Produtiva e Precarização do Merc ado de Trabalho 74

4.2 A Mulher Refugiada e a Proteção Social: realid ade brasileira 85

4.3 A Mulher Refugiada e a sua Inserção no Mercado de Trabalho Paulistano

97

5 METODOLOGIA APLICADA E ANÁLISE DOS DADOS DA PESQU ISA 104

5.1 Metodologia Aplicada na Pesquisa 104

5.2 Análise dos Dados da Pesquisa de Campo 109

5.3 Analisando os Dados sobre as Refugiadas no Muni cípio de São Paulo 110

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 148

REFERÊNCIAS 165

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APÊNDICES

APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclare cido – Institucional

174

APÊNDICE B – Questionário Aplicado às Instituições 175

APÊNDICE C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – Refugiadas

177

APÊNDICE D – Questionário Aplicado às Refugiadas

178

APÊNDICE E – Roteiro de Entrevista 182

ANEXO

ANEXO A – Autorização do Comitê de Ética para a realização da pesquisa

184

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1 INTRODUÇÃO

O início da elaboração crítica é a consciência daquilo que somos realmente, isto é, um conhece-te a ti mesmo como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços recebidos sem benefício no inventário. Deve-se fazer inicialmente este inventário. Antonio Gramsci

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1 INTRODUÇÃO

A presente dissertação de mestrado, constitutiva do processo avaliativo do

Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduados em Serviço Social da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, orientada pela Profa. Dra. Maria Lúcia

Rodrigues, teve como objetivo geral examinar e analisar a inserção de mulheres

refugiadas no mercado de trabalho paulistano, considerando o tipo e as condições

de inserção, as quais refletem nas suas condições de vida e sobrevivência, isto é,

suas condições de vida real.

A intenção em pesquisar a temática é consequência tanto da atuação

profissional desta pesquisadora com mulheres refugiadas quanto da intenção em dar

maior visibilidade ao tema, além de levar à academia, em especial ao serviço social,

essa discussão e de questões a ela pertinentes, instigando alguns e inquietando

outros a refletirem e analisarem sobre as problemáticas vivenciadas por essas

mulheres, foco deste estudo.

Assim surgiu a intenção em realizar o mestrado e dessa forma iniciar o

processo de investigação dessa temática, a qual se optou por estudar no decorrer

deste. Pretendeu-se também, e de modo especial, revelar o processo vivenciado por

essas mulheres que enfrentam em seu dia a dia a situação instável por ocasião da

solicitação de refúgio. A incompreensão da língua portuguesa, a difícil integração ao

local de acolhimento, além da ausência de políticas públicas específicas para

atender ao público em questão são agravantes nas condições de vida e

sobrevivência das refugiadas no período de solicitação do refúgio.

Nesse sentido, optou-se por desenvolver além de uma discussão teórica

acerca dessa questão uma investigação mais aprofundada sobre o tema, a partir da

coleta de informações em campo, mediante a abordagem de investigação

qualitativa, entrevista e aplicação de questionários. Esses procedimentos técnicos

foram realizados no processo da pesquisa, após a identificação e contato com

algumas dessas mulheres, as quais foram convidadas a participar como informantes

da pesquisa.

Por ocasião da pesquisa de campo, realizaram-se visitas domiciliares às

mulheres selecionadas no intuito de conhecer e identificar as suas condições de

inserção no mercado de trabalho, considerando o tipo dessa inserção, o qual implica

nas suas condições de vida e sobrevivência. Nessa ocasião procedeu-se a

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aplicação de um questionário, que objetivou também identificar a situação

socioeconômica dessas mulheres.

Essa etapa possibilitou a seleção de algumas refugiadas para se efetivar as

entrevistas semiestruturadas, apoiadas em um roteiro pré-elaborado, tendo-se como

foco a inserção no mercado de trabalho da mulher refugiada na capital paulistana,

que influi na sua condição de vida e sobrevivência.

Entrevistaram-se alguns profissionais de instituições que prestam

atendimento direto a essas mulheres, tais como: o Comitê Nacional para os

Refugiados – CONARE; o Alto Comissariado das Nações Unidas para os

Refugiados – ACNUR; a Cáritas Arquidiocesana de São Paulo; o Instituto Migrações

e Direitos Humanos – IMDH e a Polícia Federal - PF. Esse procedimento auxiliou na

coleta documental, bibliográfica, no levantamento de dados estatísticos, identificação

das informantes, além da coleta dos procedimentos formais relacionados à

solicitação de refúgio e outras informações pertinentes à investigação.

Como etapa permanente no percurso deste estudo, efetivou-se a revisão de

literatura a partir de diversas pesquisas bibliográficas, realizadas nas bibliotecas da

PUCSP, USP, UNICAMP e organizações como o ACNUR, Cáritas e o Instituto de

Migrações e Direitos Humanos (IMDH). Nessas universidades e organizações

concretizou-se a coleta de documentos, fontes materiais de informações que

subsidiaram a produção da pesquisa.

A seleção de textos, artigos, relatórios, teses, dissertações, entre outros

documentos materiais de informação, também possibilitaram identificar o interesse

de outras áreas do conhecimento na referida temática. Assim, identificou algumas

pesquisas realizadas sobre refugiados nos cursos de Direito, Direito Internacional,

Relações Exteriores e Psicologia Social, porém, não se identificou nenhum trabalho

de pesquisa relacionado aos refugiados no curso de Serviço Social da PUCSP.

Também não se encontrou nenhuma discussão relacionada especificamente à

mulher refugiada e à sua inserção no mercado de trabalho, tema discutido nessa

pesquisa.

A partir dessas constatações, somadas ao interesse particular em realizar

estudos relacionados aos excluídos, entre eles as mulheres refugiadas, justifica-se a

realização desta monografia, considerando-se as condições precarizadas de vida e

de trabalho vivenciadas por essas mulheres, as quais contrastam com os direitos

humanos e com o direito a uma vida digna, apesar de serem beneficiárias dos

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direitos legais prescritos no ordenamento jurídico brasileiro (LEI 9.474/97) e nas

convenções ratificadas pelo Brasil.

No decorrer do processo de investigação, mediante a apropriação de

conhecimentos relacionados à temática, após os procedimentos supracitados e

algumas idas a campo, inventariou-se as seções que fazem parte desta dissertação

de mestrado. Essas seções, sistematizadas em capítulos, foram norteadas pela

inquirição do problema e definidas no processo de elaboração deste trabalho. Esse

processo orientou esta pesquisadora a desenvolver leituras a fim de desvelar

conceitos fundamentais, pertinentes à compreensão e ao exame do objeto de

estudo.

Com vistas a atingir esse intento, estruturou-se esta dissertação em quatro

capítulos indicados a seguir, além desta introdução, das considerações finais e das

referências.

No primeiro capítulo “O Processo da Pesquisa”, apresenta-se o processo

desencadeador desta monografia de dissertação de mestrado, o qual se deu no final

da década de 1990, período em que se passou a atuar com mulheres estrangeiras

egressas do sistema prisional e refugiadas. Dessa vivência, surgiram às ideias em

realizar pesquisas, a partir da experiência com pessoas excluídas, e isso influenciou

na decisão de concorrer a uma vaga no mestrado em serviço social na PUC-SP, em

que se apresentou o projeto que desencadeou este trabalho.

Ao ingressar no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, no processo de realização de diversos cursos,

no decorrer das discussões efetivadas no Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre

Ensino e Questões Metodológicas em Serviço Social (NEMESS) e por intermédio da

revisão de literatura, consubstanciaram-se as etapas dos estudos e desta

monografia.

Nesse processo de apreensão de conhecimentos, descobriu-se que a

temática da inserção da mulher refugiada no mercado de trabalho brasileiro e sua

condição de vida são pouco discutidas, especialmente na academia, apesar do

Brasil ter ratificado em 1960 a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951,

além da Lei nº 9.474, aprovada em 1997, que define mecanismos de implementação

do Estatuto dos Refugiados e outros dispositivos internacionais pertinentes à

proteção de direitos humanos.

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Assim, definiu-se o primeiro capítulo, compreendido pelas etapas delineadas

no projeto original, tais como: o tema; a justificativa; as questões norteadoras do

estudo; os objetivos orientadores (geral e específicos) e a origem da dissertação,

trabalhada por meio de um resgate sucinto da trajetória de vida desta pesquisadora

e que desencadeou o desejo em desenvolver este trabalho.

No segundo capítulo “O Refúgio: Concepção e Histórico”, apresenta-se uma

discussão teórica sobre o Refúgio, mediante apresentação da historicidade desse

fenômeno que remonta à própria existência humana. Visa-se neste capítulo

apresentar a conceituação do termo e sua evolução na história, além do aspecto

jurídico legal e normativo.

Discorre-se também neste capítulo sobre a demanda de refugiados nos

continentes, apresentando-se sumariamente as diversas categorias de pessoas em

trânsito, tendo em vista que as mulheres refugiadas são o foco deste trabalho e não

os demais grupos sociais, que também se deslocam pelo mundo por diversas rações

e merecem pesquisa específica.

Em seguida, apresenta-se uma discussão relacionada ao histórico dos

refugiados no Brasil, nas três últimas décadas, atentando-se para a questão da

inserção das mulheres refugiadas no mercado de trabalho no município de São

Paulo e seus desdobramentos na vida desse grupo social.

Por último, porém não menos importante, analisaram-se os documentos e os

programas de proteção sobre os refugiados presentes no Brasil, os quais

disponibilizam informações e lhes resguardam alguns direitos. Constatou-se que o

Brasil tem avançado no que concerne à elaboração efetiva de diplomas normativo-

legais, contudo, na prática, tais documentos não contemplam a real necessidade das

refugiadas.

No terceiro capítulo, denominado “Precarização do Trabalho e a Mulher

Refugiada no Brasil”, aborda-se a temática das relações de trabalho fragmentadas

dentro desse contexto global de estilo de vida das sociedades na atualidade e a

situação da mulher refugiada nessa realidade, diante das constantes transformações

econômicas, políticas e sociais ocorridas no Brasil, intentou-se na abordagem desse

capítulo apoiada por teóricos que discutem o tema, tocar num ponto muito

importante que é a relação de trabalho no hodierno, em todo o mundo essa

realidade vem se transformando, e ao que tange garantias e avanços nos direitos

dos trabalhadores o que ocorre são perdas e aniquilamentos.

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Dessa relação injusta, decorrem tantas outras injustiças, cujas consequências

desembocam na própria sociedade através do agravamento das questões sociais. Na

oportunidade desenvolveu uma breve discussão referente à proteção social no Brasil

e o enquadramento das refugiadas dentro desse direito de Assistência Social.

No quarto capítulo, intitulado “Metodologia Aplicada e Análise dos Dados da

Pesquisa”, apresenta-se a condição de vida desse grupo em questão no município de

São Paulo, com especifica atenção para sua inserção no mercado de trabalho. Faz-se

uma discussão sobre a situação da mulher refugiada a partir dela mesma, isto é,

relata-se a representação que a mulher refugiada tem de si mesma ao contrapor-se à

sociedade brasileira: como se percebe, se vê e se sente nessa sociedade.

Nesse capítulo discutem-se ainda os resultados e apresentam-se as análises e

interpretações dos dados da pesquisa de campo, considerando-se a problemática e

os objetivos delineados no início do processo de investigação.

Nas Considerações Finais, respondem-se as inquirições elencadas,

considerando-se as crescentes exigências impostas pelo mercado de trabalho, que

preconiza qualificação permanente ao trabalhador, e sua relação com a condição real

e concreta de vida e sobrevivência da mulher refugiada para sua inserção no mercado

de trabalho paulistano.

Almeja-se que este trabalho, ao longo da discussão abordada, alcance o seu

maior intento e explicite a inserção de mulheres refugiadas no mercado de trabalho

paulistano, considerando o tipo e as condições dessa inserção, as quais se refletem

nas suas condições de vida e sobrevivência no município de São Paulo.

Espera-se também expor aos interessados no assunto o significado de ser

refugiada, contribuindo no sentido de ampliar olhares e oferecer debates, bem como

auxiliar a elaboração de políticas públicas que visem proporcionar a esse grupo social

melhorias na sua qualidade de vida, e, ao mesmo tempo, constituam-se como

ferramentas que ajudem àqueles que de alguma forma possam intervir politicamente

na questão.

Por último, e de maneira especial, estima-se que esta pesquisa sirva de

orientação para outros pesquisadores na área do serviço social e que a mesma,

diferentemente de se tornar mais uma produção nas prateleiras da academia, suscite

novas discussões e novos debates na área, inquietando alguns e, em outros,

despertando maior interesse sobre a temática, em especial ao que tange a discussão

social e política acerca do refúgio e das refugiadas.

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2 O PROCESSO DA

PESQUISA

Deve-se convencer a muita gente que o estudo é também um trabalho, e muito fatigante, com um tirocínio particular próprio, não só muscular-nervoso, mas intelectual: é um processo de adaptação, é um hábito adquirido com esforço, aborrecimento e mesmo sofrimento. Antonio Gramsci

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2 O PROCESSO DA PESQUISA

Neste capítulo apresenta-se o processo desencadeador desta dissertação de

mestrado, desenvolvida no Programa de Serviço Social, na Área de Concentração

Serviço Social: Políticas Sociais e Movimentos Sociais, na Linha de Pesquisa

Política Social: Estado, Movimentos Sociais e Associativismo Civil, sob a orientação

da Profa. Dra. Maria Lúcia Rodrigues.

No processo de realização de diversos cursos foi-se identificando as etapas

desta pesquisa, tais como: a origem da dissertação: minha história como ponto de

partida; a problematização e justificativa; os objetivos geral e específicos,

orientadores da mesma; e a metodologia. A seguir, apresentam-se estas etapas.

2.1 Origem da Dissertação: minha história como pont o de partida

O objetivo deste item no trabalho é o de situar, a partir de uma etapa da vida

desta pesquisadora, como se deu o processo constitutivo da pesquisa em questão,

pois essa vivência certamente foi a responsável pelos caminhos que se trilhou e que

se estar a trilhar. Identificar esse percurso significa remontar essas origens, uma vez

que elas são fundamentais no que respeita aos objetivos autoimpostos em nossa

atuação profissional, os quais perpassam o trabalho que atualmente se desenvolve

como diretora do Centro Social Nossa Senhora Aparecida.

A origem deste trabalho, na verdade, remonta os anos 90 do século passado,

especificamente ao ano de nossa inserção na atividade social com mulheres

encarceradas, no final da década de 1990, considerando-se este como marco

referencial do despertar para questões sociais, mais amadurecida e consciente no

que se refere à atuação junto aos excluídos. Desde 1998 passou-se a atuar com

mulheres e nos últimos doze anos dedicamo-nos às atividades com mulheres

estrangeiras egressas do sistema prisional e refugiadas.

O início dessa trajetória se deu no ano de 1995 quando se ingressou na

Congregação das irmãs Palotinas, passando-se a atuar com pessoas em condições

de exclusão social. Na vida religiosa, além da atuação profissional como professora,

auxiliar administrativa e gestora de projetos sociais, também se atuou em diversas

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áreas sociais, entretanto, a que mais nos interessou foi a Pastoral Carcerária,

relacionada ao trabalho específico com mulheres, realidade com a qual nos

identificamos profundamente, em virtude da condição de invisibilidade das

encarceradas, as quais apresentavam aspectos físicos que transmitiam uma apatia,

um niilismo existencial.

Dessa vivência surgiu a ideia em realizar pesquisas, a partir da experiência

com pessoas excluídas, como por exemplo, os “criminosos”. Em 1999 iniciou-se um

trabalho na Penitenciária Feminina do Tatuapé (PFT) e, com a finalidade de intervir

junto a essa realidade, passei a atuar no que era imperativo para essas mulheres,

isto é, sua situação jurídica. Em parceria com a Pastoral Carcerária, Instituto Terra

Trabalho e Cidadania, Grupo de Estudo sobre as Mulheres Encarceradas, Juízes

pela Democracia, apoiada pela Congregação das irmãs Palotinas na qual fazia

parte, e com a criação e implantação da Defensoria Pública fizemos uma parceria

entre as entidades legalmente constituídas no Estado de São Paulo com o fito de

pressionar o Estado e exigir mudanças do sistema em relação ao tratamento

desumano presente nos presídios.

A luta era árdua e por vezes parecia em vão, porém as frequentes idas ao

sistema prisional, as conversas com as mulheres, esquecidas por todos inclusive

pelos membros de sua própria família, propiciava-lhes conforto. Para muitas, nossa

visita era a única coisa que lhe restava.

Buscávamos nas diversas organizações civis unir forças para fazer algo

efetivo, e assim, ora alcançamos algumas conquistas, ora retrocessos. Apesar das

dificuldades sempre estávamos presentes, em luta permanente contra a opressão

do próprio sistema, ainda que fôssemos impotentes frente ao “[...] monstruo grande y

pisa fuerte toda la pobre inocencia de la gente” . Muitos foram os crimes cometidos

contra elas. Alguns responderam por seus atos, outros não. Ficou por isso mesmo,

afinal quem se importa com seres que não existem!

Em um espaço permeado por práticas que atentam contra a dignidade

humana, impunha-se a promoção de ações diferenciadas “ad intramuros”, pautadas

na luta por mudanças estruturais e em atividades que proporcionassem

modificações nas relações estabelecidas entre as partes envolvidas no sistema:

agentes prisionais e mulheres encarceradas. Foi então que iniciamos nossos

encontros alternativos nas tardes de sábado.

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O trabalho desenvolvido era realizado por meio de oficinas que estimulavam

as mulheres a pensarem, sentirem e falarem sobre diversos assuntos, inclusive

sobre si mesmas. Estas oficinas eram promovidas por meio de diversas atividades,

tais como: a exibição de filmes, palestras diversas e sobre questões pertinentes à

saúde da mulher. Além disso, formamos também um coral e um grupo de teatro que

se apresentavam no presídio nas datas comemorativas. E assim o nosso grupo foi

criando um vínculo com essas mulheres, abalizado no respeito e compromisso

mútuos, a despeito de se reconhecer que tais mulheres cometeram atos infracionais.

No contexto da sociedade capitalista, sabe-se que os detentores do poder

político, econômico e financeiro também cometem crimes, porém, dificilmente

respondem por seus atos infracionais, o que resulta no aumento da impunidade no

país, especialmente a essa classe - burguesa. Essa situação reflete um quadro de

injustiça quando comparada ao sistema prisional, visto que este se constitui em um

depósito de infratores pobres a quem a espada da justiça assegura o peso da lei. É

com esse olhar e prática crítica que atuávamos nos presídios femininos.

Não obstante a Penitenciária Feminina de o Tatuapé possuir uma população

carcerária composta por 92% de brasileiras eram as estrangeiras que todos os

sábados participavam das atividades. Talvez, por falta de orientação e de hábitos

culturais, só algumas brasileiras participavam das mesmas.

Em razão do rigor das revistas demorávamos a adentrar na penitenciária, o

que causava ansiedade nas estrangeiras, as quais se sentiam confortadas com

nossa presença, assim se expressando: “Senhora, pensava que a senhora num

vinha! Tinha esquecido de nóis! Nossa! Demoraro!”

Reconhecíamos que para os agentes o processo não era fácil. Tudo era

revistado: microfone, caixa de som, violão, aparelho de som, roupas para o teatro, o

coral, enfim, tudo. De acordo com a oficina variava a indumentária levada, afinal

todo guerreiro deve portar a sua própria arma e as nossas eram essas.

Vivenciando essas angústias, sofrendo a solidão dessas mulheres e ouvindo

a terrível voz interna que dizia: “é preciso fazer algo por essas mulheres estrangeiras

presidiárias e pelas demais que viviam em miséria talvez ainda maior, se é possível

imaginar que ela exista, mas, infelizmente, ela existe”. Para as estrangeiras não

existia nada! O seu acesso à administração, tais como: médico, assistente social,

enfermeira, processo, ligação para a família, além de outras necessidades, tudo lhes

era cerceado, uma vez que eram discriminadas e exploradas por grande parte das

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brasileiras presas. Visita familiar, nem pensar! Também não recebiam o “jumbo” e

não tinha progressão de pena, afinal, a lei prevê que para tal benefício o preso tem

de comprovar residência fixa, vínculo familiar, entre outras exigências.

No caso das estrangeiras como isto pode ser possível? Daí a sua

invisibilidade, situada no contexto de uma sociedade que se nega a enxergar todos

os excluídos sociais, os por mim denominados de “invisíveis sociais”, os excluídos

de toda sorte. Assim, incomodada com essa realidade associei-me em 2003 como

voluntária à organização não governamental “ONG - Associação Mulher Vida”,

formada por profissionais de diversas áreas que atuavam com mulheres prostitutas

na capital paulistana. Em função de sua atuação, essa Organização precisava de

membros para ampliar a sua diretoria e assumir uma Casa Abrigo, conveniada com

a Secretaria de Assistência Social de São Paulo – SMADS. Mediante esse convênio

o grupo passou a administrar uma casa de acolhida na Zona Norte, intitulada “Madre

Cristina Sodré Dóri”, embora acolhesse vários perfis devido às exigências da

Secretaria. Assim, a Instituição conseguia desenvolver um ótimo trabalho,

constituindo-se como referência na prestação de acolhimento a pessoas em

situação de vulnerabilidade e exclusão social.

A proposta era oferecer às mulheres um local seguro, limpo, organizado, onde

as mesmas pudessem, por um período de doze meses, residir até conseguirem

restabelecer sua vida. Nessa casa moravam 130 pessoas, conforme estabelecia o

convênio, e entre o grupo havia as estrangeiras egressas da prisão e mulheres

solicitantes de refúgio e refugiadas, que fugiram de seu país por algum tipo de

perseguição e aqui vieram em busca de um porto seguro. O projeto atendia

mulheres sós ou acompanhadas de seus filhos.

Esse projeto era diferente de qualquer outro que existia em São Paulo, pois

era de fato uma casa. Embora existisse uma diversidade enorme e um número

elevado de pessoas, conseguíamos oferecer às moradoras, no período que

permaneciam, um espaço para conviver, aprender e ensinar. Elas eram orientadas a

participar de todas as atividades profissionalizantes, culturais e educacionais, entre

outras oferecidas pela rede composta por diversas instituições. Muitas trabalhavam

fora, estudavam, faziam cursos, e as refugiadas faziam curso de português no

SESC-Carmo. Outras, que ainda não tinham atividades fora da casa, participavam

das rodas de conversa, oficinas, além de atividades que eram desenvolvidas por

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profissionais da instituição e outros profissionais convidados, conforme

programação.

Porém, para manter um projeto desse porte, com qualidade na prestação de

serviços, não basta ter apenas uma diretoria sempre presente, necessita-se também

de profissionais qualificados e bem remunerados para desenvolverem com

competência e maestria as atividades do dia a dia. No período de quatro anos a

“Associação Mulher Vida” prestou um serviço de qualidade a essa população, como

deve ser ofertado. Não é porque está em situação de carência que merecem

qualquer atendimento, um trabalho qualquer, sem compromisso, sem respeito à

dignidade humana.

Após esses anos, com muita dificuldade financeira, pois a verba da prefeitura

não cobria 100% dos gastos e a Instituição não tinha recursos próprios, a

Associação chegou ao seu limite e para não contrair dividas, as quais não pudessem

pagar, encerrou o convênio com a Secretaria em 2005 e fechou a casa “Madre

Cristina Sodré Dóri”. Todos os profissionais envolvidos sentiram-se frustrados,

decepcionados com os procedimentos da Secretaria, pois apesar do trabalho de

qualidade, apesar dos desejos e sonhos em se construir e promover uma vida digna

àqueles que estavam ali, o trabalho não foi reconhecido pela Secretaria, afinal, não

se mantém com sonhos um projeto e nem se paga contas com esses mesmos

sonhos. Com o fechamento do projeto as mulheres foram alocadas em albergues da

prefeitura, que em nada contribuem para a promoção de uma convivência, para o

cultivo da solidariedade e outros valores imprescindíveis à existência humana.

As brasileiras até conseguiam se adaptar aos albergues, porém as

estrangeiras, mesmo estando em condições de extrema vulnerabilidade, devido o

perfil diferenciado não conseguiam permanecer neles. Os albergues, sujos e com

péssimo atendimento, só permitiam o pernoite e durante o dia exigiam a retirada dos

albergados que tinham de pegar sua bagagem e ir para a rua.

Porém, aquela situação era insustentável. Como podiam as estrangeiras ficar

vagando pelas ruas dessa megalópole sem conhecer nada? Como podiam deixá-las

expostas socialmente a todo tipo de sorte, sem ninguém a recorrer, sujeitas a todo

tipo de situações, inclusive a de voltar para o crime, e no caso das refugiadas

sujeita-las à prática criminosa, afinal, nesse contexto, o que restaria a essa parcela

da população?

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Diante dessa realidade, da condição imposta de exclusão às mulheres já

excluídas socialmente, esta pesquisadora em processo de formação elaborou um

projeto de moradia provisória com a finalidade de proceder ao acolhimento de

mulheres refugiadas e egressas do sistema prisional, sozinha ou acompanhada de

seus filhos, para que essas pudessem se beneficiar do regime de progressão de

pena. Além disso, poder-se-ia também lhes propiciar uma experiência de vida

diferente daquela do presídio, ofertando-lhes um local saudável de moradia até

estarem totalmente livres e poderem regressar ao seu país, e no caso das mães-

egressas terem a restituição da guarda de seus filhos, haja vista que ficaram em

abrigos por ocasião do aprisionamento.

No caso das refugiadas a intenção era ter um espaço que possibilitasse uma

convivência de confiabilidade e segurança para sua reestruturação física e

emocional, uma vez que, em sua maioria fugiram de seu país devido perseguições

das mais variadas formas, questão que será aprofundada nos capítulos a seguir.

Nesse período, tendo em vista o financiamento do referido projeto, buscou-se

contato com vários órgãos públicos, os quais, apesar de reconhecerem a relevância

do mesmo e de o elogiarem, não o assumiram efetivamente. Houve inúmeras

promessas, mas nada de concreto. Muitas foram as tentativas, sem, contudo,

surtirem o efeito desejado.

Em virtude de tantas negativas oficiais, partiu-se para uma nova investida, isto

é, buscou-se o apoio de uma organização privada. Apresentou-se o projeto à

Diretoria da Associação Palotina - Irmãs Palotinas, que se identificaram e

prontamente assumiram o compromisso de pô-lo em prática. O projeto foi

apresentado em assembleia da Instituição a todas as associadas e com o apoio

unânime da Diretoria obteve-se o das demais, que assumiram integralmente as

despesas do projeto.

Após a aprovação passou-se a dirimir as questões de ordem técnica e

burocrática para sua efetiva implementação, ou seja, coloca-lo em funcionamento.

Entretanto, se no papel tudo parecia fácil e exequível, na prática a realidade mostrou

que as coisas não são tão simples. Muitos foram os entraves e vários problemas

ocorreram, porém nada que o impedisse de funcionar. Assim, em setembro de 2006

inaugurou-se o “Centro Social – Casa de Acolhida”, dirigido ao atendimento de

mulheres estrangeiras egressas do sistema prisional e refugiadas, sozinhas ou

acompanhadas de seus filhos.

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Como se tratava de um trabalho inovador, desconhecido no meio jurídico, no

princípio os juízes não concediam a progressão de pena para as presas

estrangeiras. Era necessário iniciar o trabalho, colocar a casa em funcionamento

para que as autoridades pudessem acompanhar à seriedade do mesmo e

reconhecê-lo como contributo para a população desassistida pelo Estado. Em

função disso, o projeto iniciou mediante o acolhimento das refugiadas, que em

termos jurídicos possuem regulamentações legais diversas das presas.

As refugiadas no Brasil são regulamentadas por lei própria, a Lei 9.474, de 22

de julho de 1997, a qual define mecanismos para a implementação do Estatuto dos

Refugiados de 1951, e determina outras providências. Por intermédio dessa lei há a

definição de refugiado, assim como é criado o CONARE - Conselho Nacional para

os Refugiados, órgão de deliberação coletiva, no âmbito do Ministério da Justiça.

Após alguns meses de funcionamento, por meio da participação em eventos

sociais e em reuniões da rede social de São Paulo, o projeto passa a ser conhecido,

atraindo a atenção de profissionais da área social, interessados em apreciar o

trabalho pioneiro. A partir desse momento, com a divulgação do trabalho, os juízes

mudam de atitude e passam a considerar o projeto como referência para acolhida

das estrangeiras egressas do sistema prisional, concedendo a progressão de pena

também às estrangeiras, agora com maior frequência.

As solicitantes de refúgio e refugiadas, diferentemente das presas, não

cometeram crimes, mas, em contrário senso, foge das atrocidades cometidas em

seus países, das guerras, de situações de morte perpetradas pelo país de origem,

em grande parte pelo próprio governante do país, de perseguição religiosa, política,

entre outras. Essas se constituem como algumas das razões das fugas em busca de

um país que possa acolhê-las e permitir-lhes viver dignamente, em paz, longe das

barbáries, perseguições e crueldades de seus países.

Geralmente, chegam muito vulneráveis ao Brasil, como por exemplo, nos

casos em que perderam todos os membros de sua família, constituindo-se como

única sobrevivente. Algumas chegam somente com a roupa do corpo e nada mais,

sem referências para onde ir, sem qualquer contato, diagnosticadas inclusive com

um quadro depressivo.

Para as refugiadas que não cometeram crime, mas se encontram em situação

de extrema vulnerabilidade vez que não possuem parentes ou amigos, nem

documentos, tampouco trabalho e moradia, vivenciando essa situação de extremada

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exclusão, ter um lugar onde morar, um abrigo, uma Casa de Acolhida onde residir,

comer e saciar as necessidades básicas constitui-se em um conforto.

Diante desse contexto de total exclusão, o projeto foi constituído e

implantado, tendo em vista acolher tanto as mulheres refugiadas quanto as

estrangeiras egressas do sistema prisional, ofertando-lhes moradia provisória para

que pudessem adquirir condições mínimas de sobrevivência independente. Assim

teve início o trabalho na Casa de Acolhida, o qual funciona até hoje, vinte e quatro

horas por dia, contando com a presença de funcionárias em todos os períodos.

Em 2007, em razão de meu desligamento da congregação, afastei-me por um

período do grupo em questão, porém em 2009 retomei minhas atividades

profissionais junto ao mesmo. A partir de 2010 passei a coordenar a Casa de

Acolhida, atuando na função até a presente data. Ante as inúmeras dificuldades,

pois a referida Casa é totalmente financiada pela Associação Palotina, passou-se a

concorrer publicamente a editais, que visam desenvolver atividades sociais, no

intuito de receber auxílio financeiro e implementar projetos que desenvolvam

habilidades de formação profissional às mulheres residentes na Casa de Acolhida e

às educadoras.

A aprovação de alguns projetos possibilitou o desenvolvimento de oficinas

profissionalizantes, assim como, em parceria com o SESC e com a Cáritas,

promoveu-se a formação educacional, especialmente a relacionada com o ensino da

língua portuguesa. Nesse interim e paulatinamente amadureci o meu interesse em

desvelar as situações de exclusão vividas pelas mulheres refugiadas, em especial

as residentes na Região Metropolitana de São Paulo, haja vista esta ser uma

megalópole repleta de contradições, de inclusões e exclusões que permeiam a

realidade de quem vive na cidade, seja refugiado, seja egresso do sistema prisional

ou não.

Assim surgiu meu interesse em investigar cientificamente a realidade da

mulher refugiada, especificamente no que se refere ao mercado de trabalho, uma

vez que as mesmas necessitam trabalhar para sobreviver. No entanto, deve-se ter

claro que a situação precarizada de vida e de trabalho dos refugiados não é uma

exclusividade deste grupo social, tampouco ocorre exclusivamente na capital

paulistana, mas é uma realidade mundial, agravada com as crises dos últimos

tempos que provocam fugas dos países em conflito.

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As grandes tendências globais constituem-se como causas para essas fugas,

tais como: o desenvolvimento demográfico, a urbanização, a escassez de víveres e

de água potável, de matérias-primas, as guerras, as perseguições étnicas e conflitos

religiosos, crises econômicas, políticas e sociais, além das agressões ambientais e

das mudanças climáticas. As condições supracitadas agudizam as situações de

conflito e obrigam as pessoas a abandonar as suas pátrias.

Segundo António Guterres (2010), Alto-Comissário das Nações Unidas para

os Refugiados (ACNUR), o século XXI será o século das pessoas em fuga. Guterres

enfatiza que é preciso um debate internacional sobre o tema. Decerto que o aviso,

divulgado no 10º Simpósio sobre Proteção aos Refugiados da Academia da Igreja

Protestante, tem fundamento, pois hoje se tem no mundo mais de 45 milhões de

pessoas que necessitam de proteção.

O aumento da exclusão social e de refugiados no mundo, nas últimas

décadas, conforme supracitado deve-se também ao deslocamento migratório

provocado pelas políticas excludentes e seletivas do sistema capitalista que

determinam e impõem, por intermédio de políticas econômicas, financeiras e

mercantis os modos de vida da população mundial, resultando em um processo

multidimensional que ultrapassa a esfera doméstica, a fronteira do Estado Nacional

e alcança esferas internacionais, mediante a mundialização do capital.

A exclusão dos refugiados, provocada pelas crises cíclicas estruturais do

capital, denominado neoliberalismo, teve início na década de 1970, conforme

assinalam Walt Rostow e John Kenneth Galbraith (MÉSZÁROS, 2007, p. 125-126),

quando a maioria da população mundial se encontrava em uma situação de privação

das condições mais elementares de vida, tais como: o desemprego estrutural, o

subemprego, o precário sistema de transporte público e de saúde, a fome, o baixo

nível das condições de ensino e a deficitária situação de moradia daqueles que

vivem em favelas, as quais têm se proliferado, apesar das promessas liberais de

pleno emprego, progresso para todos e fim da pobreza.

A política do neoliberalismo orientou a globalização, uma tendência antiga,

para novas direções e acelerou o seu curso, abrindo a via para a globalização

neoliberal. Nesse contexto, a globalização neoliberal representa a hegemonia

política do grande capital nacional e estrangeiro associados ao capital financeiro

internacional.

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Boito Jr. (2002) assinala que os pilares da política neoliberal representam

apenas os interesses da burguesia e do imperialismo, concebidos pela política de

desregulamentação do mercado de trabalho e de redução dos direitos sociais, pela

política de privatização e pela abertura comercial e financeira. Observa-se, portanto,

que nesses pilares não são contemplados pelo neoliberalismo os interesses da

grande maioria da população, motivo pelo qual se encontram excluídos, conforme já

assinalado.

Segundo Dupas (1999) situam-se entre os excluídos mais de vinte categorias

de indivíduos, a saber:

[...] os desempregados de longo prazo; os empregados em empregos precários e não qualificados; os velhos e os não-protegidos pela legislação; os pobres que ganham pouco; os sem-terra; os sem-habilidades, os analfabetos, os evadidos da escola; os excepcionais físicos e mentais; os viciados em drogas; os deliquentes e presos (grifos nossos); as crianças problemáticas e que sofreram abusos; os trabalhadores infantis; as mulheres (grifos nossos); os estrangeiros, os imigrantes e os refugiados (grifos nossos); as minorias raciais, religiosas e em termos de idiomas; os que recebem assistência social; os que precisariam mas não têm direito à assistência social; os residentes em vizinhanças deterioradas; os pobres que têm consumo abaixo do nível considerado de subsistência (sem tetos e famintos entre outros); aqueles cujas práticas de consumo e de lazer são estigmatizadas; os socialmente isolados, os sem-amigos ou sem-família. (DUPAS, 1999, p. 21).

Observa-se que esse contingente representa uma multidão de pessoas sem

condições de sobrevivência digna, constituindo-se este como um dos fatores que

provocam a mobilidade da população no mundo. Diante desse crescente quadro de

exclusão, haveria possibilidade de o sistema capitalista superar a atual crise

neoliberal? Essa é uma questão colocada presentemente ao capitalismo global.

O atual sistema capitalista vem deixando órfãos no mundo inteiro, por conta

de sua política excludente. Nesse contexto presenciam-se situações como: a quebra

de países até então invioláveis por sua potência econômica, falência no sistema

financeiro e a injeção de recursos públicos nas redes privadas em nome da

contenção da crise mundial. Evidentemente que a crise da mundialização neoliberal

amplia o contingente de refugiados ao redor do globo entre os mais diversos povos,

civilizações, culturas e grupamentos humanos. Sua particularidade é exatamente

essa extensão e intensidade sem precedentes na história. Esse deslocamento

humano implica na composição de um fenômeno polifacetado e não se limita a um

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aspecto da vida, possuindo várias dimensões, tais como: culturais, jurídicas, sociais,

políticas e econômicas.

Assim, é possível identificar a globalização econômica, ao lado da

globalização cultural, da globalização política e assim por diante. Embora sejam

distinguíveis diferentes aspectos do fenômeno da globalização, isto não significa que

eles sejam estanques e independentes, haja vista que no contexto capitalista são

indissociáveis. A globalização econômica influencia fortemente as demais

dimensões do fenômeno do deslocamento humano, cuja massa de refugiados

almeja “incluir-se” como sujeitos de direitos e encontrar estabilidade em outros

países, carregando consigo o fardo das suas vicissitudes e de seus países de

origem.

O fenômeno da globalização econômica, nesse contexto, pode ser

considerado como uma das causas para a migração humana que se verifica na

recente história mundial; migração esta que está a reclamar uma verdadeira

redefinição da questão político-jurídica de proteção aos refugiados e migrados na

sociedade contemporânea.

O movimento de refugiados e a necessidade de políticas de proteção

adequada aos mesmos constituem-se, portanto, em um fato social que no contexto

atual passou a ser responsabilidade do Estado neoliberal, uma vez que se

transformou de promotor de bens e serviços a coordenador das iniciativas privadas à

sociedade civil e ao mesmo tempo a provedor de serviços sociais à parcela da

sociedade definida como excluídos, incluídos aí as mulheres refugiadas e egressas

do sistema prisional.

Apesar de o Estado neoliberal assumir para si o papel de provedor de bens e

serviços sociais aos excluídos de toda sorte, o mesmo não cumpre com sua função,

motivo pelo qual delega ao chamado “terceiro setor” tais responsabilidades. Os

refugiados e egressos prisionais, enquadrados na zona de vulnerabilidade de

exclusão, passam a se constituir em tarefa dos indivíduos e dos grupos, mediante o

apelo à responsabilidade social de cada indivíduo, grupo ou comunidade da

sociedade civil, enquanto espaço de ajuda mútua organicamente independente do

Estado, sob a forma de um pacto social tácito no qual a classe hegemônica e

dirigente procura humanizar as relações sociais vigentes entre o Estado e a

sociedade civil, consolidando e aprofundando, no espaço brasileiro, o projeto

neoliberal globalizante da burguesia mundial.

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Enquanto coordenadora da Casa de Acolhida, a despeito de compreender

essa realidade, buscou-se promover inúmeras ações que contribuíssem na

formação e posterior inserção dessas mulheres no mercado de trabalho, porque se

entende que não tem sentido sob-hipótese alguma, qualquer que seja a exclusão,

exploração e a violação de direitos. Isso implica em reconhecer que não é possível

conviver com “menos exploração e violação”, mas deve-se ter como finalidade das

ações bani-las, recusando-se consensos que apenas as amenizam e reduzem o

acirramento das contradições.

Entretanto, compreende-se que as ações efetivadas para o pequeno grupo

atendido podem parecer insignificantes, diante do grande contingente de mulheres

“desassistidas”, excluídas de toda sorte. Isso não significa, no entanto, que não se

deva prosseguir com o trabalho supracitado, não obstante, precisa-se buscar

ampliá-lo.

O reconhecimento das contradições como negações inclusivas, implica

compreender a existência de forças em disputa e acreditar na possibilidade de

superação. Antes de tudo, implica assumir o compromisso social com o

enfrentamento das desigualdades em uma sociedade capitalista, instigando

processos sociais emancipatórios e contribuindo para a construção de novos

patamares de sociabilidade.

Nesse contexto, e procurando dar continuidade ao trabalho já desenvolvido e

à experiência vivenciada ao longo desses anos com mulheres refugiadas,

considerando-se o comprometimento profissional e interesse em desenvolver

trabalhos de pesquisa na área da assistência social, buscou-se a inserção no

mestrado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em Serviço Social, a fim

proceder à investigação que ora se realiza.

Vale ressaltar que não se trata simplesmente de conhecer o assunto ou de

tentar resolver dificuldades presentes nas vidas das mulheres com as quais se

convive, mas intenta-se, sobretudo, desvelar as reais condições de trabalho das

mulheres refugiadas no contexto paulistano, considerando-se questões como:

inclusão/exclusão no mercado de trabalho; formação/profissionalização/qualificação

para promoção da inserção no mercado de trabalho; inserção formal ou informal;

precarização da inserção, além de outras.

Examinar essas questões possibilitará a esta pesquisadora tanto a ampliação

de conhecimentos teórico-filosóficos concernentes às questões supracitadas, que se

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interpenetram e exercem influências recíprocas, quanto fornecerão dados

específicos sobre as mulheres refugiadas e o mercado de trabalho disponível a essa

população, considerando a sua inserção formal, informal ou ainda a sua não

inserção no referido mercado de trabalho paulistano. A partir do exame supracitado

poder-se-á analisar as condições de sobrevivência dessas mulheres no contexto

social paulistano.

Assim, a partir do ingresso no mestrado, mediante a matrícula e inscrição nas

disciplinas cursadas, sentiu-se necessidade em ampliar, conforme já assinalado, o

cabedal de conhecimentos acerca das mulheres objeto deste estudo, enveredando-

se na apropriação de massa crítica relacionada ao tema na tentativa de

compreender as questões supracitadas, tendo em vista as mudanças significativas

ocorridas neste final de século: o neoliberalismo, a globalização, os avanços

tecnológicos, o desemprego, a crise de empregos, a profissionalização das mulheres

refugiadas, além de outras. Essas questões exercem influência quanto à questão da

inserção da mulher refugiada no mercado de trabalho brasileiro, objeto deste estudo.

Iniciou-se esse processo a partir de leituras que pudessem subsidiar a

compreensão do refúgio. Nessa direção, ainda de modo insipiente, buscou-se

compreender o conceito de refugiado, assim como a garantia jurídica que congrega

o termo, isto é, a conotação conceitual e conotação de proteção jurídica dirigida aos

refugiados, a qual teve seu início somente na segunda metade do século XX, no

contexto histórico pós Segunda Guerra Mundial que gerou grande número de

refugiados.

A Segunda Guerra Mundial levou as Nações Unidas a elaborarem a

Convenção que regulou a situação jurídica dos refugiados, devido a crescente

preocupação internacional com a difícil situação destes. A chamada Convenção dos

Refugiados foi aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 28 de julho de 1951,

vigendo a partir de 21 de abril de 1954. Elaborada em um contexto histórico de

supervalorização do Princípio da Soberania dos Estados, a Convenção de 51, em

seu art. 1º definia refugiado como:

[...] toda pessoa que devido a fundados temores de ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade por pertencer a determinado grupo social e por suas opiniões políticas, se encontre fora do país de sua nacionalidade e não possa ou, por causa dos ditos temores, não queira recorrer à proteção de tal país; ou que, carecendo de nacionalidade e estando, em consequência de tais acontecimentos, fora do país onde tivera sua residência habitual, não possa ou, por causa dos ditos temores, não

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queira a ele regressar. (CONVENÇÃO RELATIVA AO ESTATUTO DOS REFUGIADOS DAS NAÇÕES UNIDAS, 1951).

A Convenção de 51 além de trazer a primeira definição de refugiado,

uniformizando os requisitos para reconhecimento da condição de refugiado em

âmbito global, trouxe ainda princípios de suma importância ao Direito Internacional

dos Refugiados. Contudo, embora essa definição, encontrada na Convenção dos

Refugiados, seja utilizada pelas organizações internacionais, como as Nações

Unidas, o termo continua a ser mal empregado e erroneamente utilizado na

linguagem comum do dia-a-dia. Os meios de comunicação, por exemplo,

frequentemente confundem os refugiados com as pessoas que migram por razões

econômicas (“imigrantes econômicos”) ou com grupos de perseguidos que se

mantém dentro de seus próprios países e não cruzam nenhuma fronteira

internacional (“deslocados internos”).

Nesse processo de busca conceitual, após leituras realizadas em bibliografias

diversas, além de consultas efetivadas em diversos sites na internet, observou-se

que definição supracitada passou por alterações em função da evolução histórica e

legislativa do conceito, devido à limitação temporal, relacionada aos acontecimentos

ocorridos antes de 1951, e a limitação geográfica, por estar relacionada aos

acontecimentos ocorridos na Europa.

Detectou-se que o conceito de refugiado presente na Convenção de 51 não

conferia efetiva proteção a todos aqueles que fugissem de seus países, em virtude

de perseguições arbitrárias. Nesse sentido, somente obteria a proteção jurídica de

um terceiro Estado o indivíduo que se enquadrasse no conceito de refugiado contido

no art. 1º da Convenção de Genebra de 1951.

Em decorrência de outros acontecimentos políticos no cenário mundial, os quais provocaram fuga de grandes contingentes populacionais e criaram novas ondas de refugiados, a ONU aprovou o “Protocolo de 1967 sobre o Status de Refugiados”, no intuito de eliminar a restrição que limitava a Convenção às situações ocorridas até 1º de janeiro de 1951. O referido Protocolo se limitou a revogar somente as reservas temporal e geográfica da Convenção de 51, mantendo o requisito da violação dos direitos civis e políticos. (DOLINGER, 2008).

Em 1984 surge outro documento internacional, a Declaração de Cartagena

(1984), a qual estabelece um vínculo entre o Direito Internacional dos Refugiados e

o Direito Internacional dos Direitos Humanos, pois estendeu o conceito de refugiado,

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abrangendo pessoas que fugiram de seus países de origem porque sua vida,

segurança ou liberdade foram ameaçadas por motivo de perseguições e/ou

violações de direitos humanos ou por outras circunstâncias que tenham perturbado

gravemente a ordem pública.

Em 22 de julho de 1997 foi aprovada uma lei brasileira que representou um

grande avanço na questão do refúgio, a qual trouxe normas específicas sobre

refugiados e regulamentou o procedimento a ser seguido no Brasil em relação à

concessão do refúgio. A Lei n º 9.474 define mecanismos para a implementação do

Estatuto dos Refugiados, dispondo no artigo 48 que os seus preceitos deverão ser

interpretados em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de

1948, com a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, com o Protocolo

sobre o Estatuto dos Refugiados de 1957 e com todo dispositivo pertinente de

instrumento internacional de proteção de direitos humanos com o qual o governo

brasileiro esteja comprometido.

A semelhança do disposto na Convenção da Organização da Unidade

Africana de 1967 e na Declaração de Cartagena de 1984, a Lei 9.474/1997 também

estendeu a definição de refugiado aos indivíduos que “[...] devido a grave e

generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de

nacionalidade para buscar refúgio em outro país” (LEI 9474/1997, artigo 1º, inciso

III).

Depreende-se disso que o estatuto do refúgio no Brasil apresenta-se bastante

consolidado, tanto em termos de documentos internacionais quanto em termos de

legislações internas. A atual Lei ampliou tanto o conceito de refugiado contido na

Convenção de 51, quanto aquele contido no Protocolo de 1967, pois passou a

reconhecer como refugiado toda pessoa que não têm seus direitos humanos

respeitados no seu país de origem. Também passou a considerar como refugiado

aquele indivíduo que se vê obrigado a deixar seu país de nacionalidade devido a

grave e generalizada violação de direitos humanos.

Considerando-se o contexto formal da Lei, percebe-se que a mesma

assegurou o gozo efetivo dos direitos humanos aos indivíduos, visto que qualquer

violação de direitos humanos pode suscitar a proteção da pessoa na condição de

refugiado e não somente a violação de seus direitos civis e políticos.

Sabe-se, contudo, que a realidade difere de prescrições legais ou normativas,

vez que se necessita que estas se constituam como direitos de fato, os quais devem

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ser respeitados, seguidos e cumpridos em todo território nacional. Diante disso, este

trabalho reveste-se de especial valor, visto que se propõe a investigar de fato, na

realidade concreta, os direitos e garantias legais disponibilizados em favor de

mulheres refugiadas, foco deste estudo, a fim de que estas possam inserir-se no

mercado de trabalho brasileiro, em especial o paulistano, garantindo-lhes o direito de

fato de tornarem-se cidadãs.

2.2 Problematização e Justificativa

O interesse por essa temática emergiu de vários questionamentos empíricos

e teóricos formulados ao longo do processo de trabalho junto a essas mulheres,

buscando compreender: as dificuldades enfrentadas pelas mesmas em relação a

sua inserção no mercado de trabalho; as especificidades de suas necessidades e

sua interferência na formação dessas mulheres; as condições de adaptabilidade

social; os conflitos presentes no confronto de culturas distintas, entre outras

questões.

Estudar essa problemática não consistiu apenas em examinar como ocorrem

as inserções de mulheres refugiadas no mercado de trabalho, mas intentou-se

desvelar as condições de vida e sobrevivência dessas mulheres, suas condições

socioeconômicas, a partir de seus relatos, em especial os relacionados à sua

inserção no mercado de trabalho, uma vez que eles reproduzem materialmente a

realidade vivenciada pelas mesmas.

De posse dessa orientação nuclear elegeram-se as seguintes

problematizações a serem investigadas: Estão inseridas no mercado de trabalho?

Essa inserção é formal ou informal? Possuem qualificação para essa inserção?

Caso estejam inseridas no mercado de trabalho, que atividades profissionais

realizam? Onde as executam, em que setores? Em que condições realizam esse

trabalho? Sua formação corresponde às exigências do mercado de trabalho? O fato

de serem refugiadas influencia na sua inserção no mercado de trabalho?

Desconhecer o idioma (português), a cultura e o modo de vida no país constitui-se

em obstáculos para sua inserção no mercado de trabalho? Onde moram e quais as

condições de moradia dessas mulheres?

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Em síntese, objetivou-se, por meio deste trabalho, oferecer à sociedade e

demais interessados no assunto algumas especificidades desse processo,

considerando-se o tipo de inserção, em que setores, quais condições, mediante

garantia de direitos trabalhistas ou não, além de buscar identificar se essa inserção

propicia à população foco deste estudo condições dignas de sobrevivência.

Essas e outras indagações auxiliaram na realização da pesquisa,

considerando-se que há muito mais a ser inquirido e respondido no que respeita à

inserção dessa mulher no mercado de trabalho, assim como suas condições de vida

material (concreta) vivenciadas pelas mulheres refugiadas no Brasil.

Imbuída em responder as problematizações supracitadas, procedeu-se a

seleção no mestrado no curso de Serviço Social da PUC-SP, na área de

concentração Serviço Social: Políticas Sociais e Movimentos Sociais. Buscou-se a

inserção na linha de pesquisa Política Social: Estado, Movimentos Sociais e

Associativismo Civil, como meio de estreitar a relação entre a atividade profissional e

a atividade acadêmica exercida por esta pesquisadora em processo de formação.

A realização desta pesquisa, portanto, possibilitou a esta acadêmica tanto um

embasamento teórico mais consistente, quanto propiciou a análise crítica da

inserção no mercado de trabalho das mulheres refugiadas no município de São

Paulo, considerando o tipo e as condições dessa inserção, as quais implicam nas

suas condições de vida e sobrevivência.

De posse desse aporte teórico-prático, teve-se melhores condições para

examinar essa questão na realidade concreta, mediante procedimentos

metodológicos e técnicos definidos e implementados no decorrer da investigação.

Além disso, esse processo de apropriação de conhecimento forneceu também

elementos importantes à atuação profissional desta pesquisadora.

Espera-se oferecer a partir deste estudo e de seus resultados informações

úteis tanto aos profissionais que atuam junto a esse público, quanto à sociedade,

organismos que representam as pessoas refugiadas, pesquisadores e outros

interessados no assunto, pois, acredita-se que o debate e a divulgação dos

resultados de uma pesquisa podem contribuir para a melhoria das condições de vida

da população examinada. Não se quer dizer com isso que se possa intervir na

realidade mediante a realização de uma pesquisa, mas, por seu intermédio é

possível sugerir mudanças, as quais podem ou não ser aceitas ou mesmo adotadas.

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A presente pesquisa também está ligada a estudos realizados desde o início

do nosso trabalho profissional com mulheres refugiadas em que se busca

compreender a complexa questão dos refugiados, como já assinalado.

Os movimentos de refugiados, referentes a indivíduos que deixam seus

países de origem e tentam se estabelecer em outros Estados retratam os fluxos de

pessoas através das fronteiras nacionais e vêm se acentuando nas últimas décadas.

Consequentemente, esse grupo de indivíduos constitui um problema para os países

que os acolhem e muitas vezes para os países da região.

Essa mobilidade engrossa “o caldo” dos desarranjos sociais, provocando

ainda mais as tensões na busca pela sobrevivência, pois, tem-se no sistema

capitalista um mercado de trabalho que “[...] exclui em massa e inclui seletivamente”

(SILVA, 2006), realidade essa vivenciada pela própria população brasileira que,

quando inserida, encontra-se em condições de exploração e precarizadas. Se a

situação da população brasileira é essa, será diferente a inserção de mulheres

refugiadas no Brasil, sem domínio do idioma e da cultura local?

Além disso, com o avanço científico-tecnológico e das tecnologias de

informação e de comunicação (TICs), o mercado de trabalho passou a requerer

profissionais com características diferenciadas, considerados mais qualificados para

o exercício e execução de tarefas que exigem novos saberes e novas relações.

Diante dessa realidade novas funções surgem e substituem as velhas e

ultrapassadas atividades exercidas no mercado de trabalho, gerando com isso uma

mudança dinâmica e estrutural da força de trabalho, requerida pelo capital em sua

voraz expansão.

Nesse contexto, a maioria das trabalhadoras, com mão-de-obra não

qualificada, constitutiva do grande contingente de trabalhadores desempregados,

passa a incorporar o rol daqueles mais excluídos entre todos, os despossuídos de

tudo, em condições mais precarizadas e subumanas, de extrema miséria, de

degradação absoluta.

Devido à incapacidade em acompanhar a evolução do processo produtivo,

que requer nova e contínua formação, mais atualizada e qualificada, que vai desde o

aprendizado de conhecimentos técnicos aos níveis mais elevados de ensino, seja

ele acadêmico ou profissionalizante, os trabalhadores se deparam, com passar dos

anos, com o aumento da exclusão social e consequentemente da exclusão do

mercado de trabalho, o qual oferta a cada dia menor remuneração salarial.

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Mas e a população refugiada? O Brasil, assim como os demais países que

recebem essas pessoas em seu espaço geográfico, não são corresponsáveis por

oferecer-lhes condições de vida digna e humanizada? As condições degradadas,

precarizadas de sobrevivência, de subsistência no território nacional, não suscitam a

emergência de viabilizar ou proporcionar a essa população refugiada condições

materiais de inserção no mercado de trabalho, capazes de lhes proporcionar

sobrevivência?

Se por um lado os direitos humanos preconizam o direito a uma vida digna,

por outro as convenções e leis, apesar de garantirem o refúgio ou o direito a ser

refugiado, não culminam em garantia dos direitos sociais, em especial das

condições mínimas de sobrevivência, isto é, na inserção do refugiado ao mercado

de trabalho.

Analisando-se as definições de refugiado e de direitos humanos, observa-se

que o indivíduo passa a se inserir na categoria de refugiado após ter seus direitos

fundamentais ameaçados ou concretamente violados (MOREIRA, 2005, p. 52).

De acordo com a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951,

[...] é considerado um refugiado a pessoa que em consequência dos acontecimentos de 1º de janeiro de 1951, e receando com razão ser perseguida [...] se encontre fora do país de que tem a nacionalidade [...].

Nesse sentido, vale destacar que a questão dos refugiados apresenta uma

dupla dimensão: requer a cooperação entre os Estados, por se tratar de um

problema humanitário, e, ao mesmo tempo, acarreta conflito entre eles, por se tratar

de um problema também político, que abrange disputas e interesses.

Segundo Milesi (2005) os Estados raramente decidem acolher estes

indivíduos por um ideal de solidariedade, norteando-se por valores éticos e morais

(como justiça, respeito à dignidade humana, entre outros) e movidos pelo objetivo de

solucionar este problema global, não importando os seus interesses próprios. Para

Milesi, a prática de alguns Estados revela que nem sempre eles estão dispostos a

permitir que considerações humanitárias obstruam seus objetivos nacionais próprios.

Todavia, a decisão dos Estados em acolher refugiados se pauta, sobretudo,

pelos seus interesses nacionais. Dessa forma, se os refugiados lhes propiciarem

interesses políticos, econômicos ou culturais, os países optam por seu acolhimento.

No entanto, se esse grupo social representar algum tipo de despesa financeira ou

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apresentarem traços culturais distintos da comunidade local, esse constitui um perfil

que não é de interesse para o Estado e com isso, recusam-se a abrigá-los.

Por outro lado, muitas vezes os Estados não conseguem impedir a entrada de

pessoas em seus territórios, haja vista as constantes e imensas migrações

internacionais. Nestes casos, cabe aos governos medidas restritivas, limitando o

número de ingressantes ou até permitindo sua entrada num primeiro momento, mas

não lhe concedendo o reconhecimento de refugiado. Fica permitida a estadia deles

durante um período determinado e, após o prazo protocolar, cabe a esses indivíduos

recorrerem da decisão, ou quando em último julgado buscarem outro país que possa

lhes acolher e lhes dar o autorizo de permanência, isto é, o reconhecimento de

refugiado.

Segundo o ACNUR (2005) os solicitantes de refúgio são potenciais

refugiados, vale dizer, indivíduos que, após abandonar sua pátria, por motivos

diversos, pedem a proteção estatal de outro país. A partir da formulação do pedido

ou solicitação de refúgio, instaura-se um procedimento, de acordo com as normas

internas do país, por meio do qual as autoridades competentes nacionais decidem

se o indivíduo preenche todos os requisitos para ser reconhecido como um

refugiado. Até o julgamento final do procedimento, o indivíduo é considerado

solicitante ou requerente de refúgio, recebendo um protocolo de solicitação que o

permite acessar algumas políticas públicas ofertadas no município onde o mesmo se

encontra.

Conforme assinala Bastos (2001) a decisão relativa ao reconhecimento do

indivíduo como refugiado é dada pelo Estado, em respeito ao princípio da soberania,

mas Ele deve se ater às hipóteses legais para julgar se o indivíduo se caracteriza

como um refugiado e respeitar os princípios em relação a esse grupo.

Do reconhecimento de refugiado nasce a nacionalidade, “[...] e desta decorre o vínculo de cidadania entre indivíduo e Estado, que, segundo a concepção arendtiana, é entendida como ‘o direito a ter direitos’ ou como o meio de acesso do indivíduo ao espaço público” (ARENDT, 1989, p. 333).

Porém, na efetivação desses direitos, especificamente ao que concerne à

inserção no mercado de trabalho, quais são as propostas de fato que estão

disponíveis para esse grupo social?

Segundo Trindade (1991),

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“[...] os direitos humanos constituem, hoje, um problema político. Em face disso, o rol de direitos humanos deve ser o suficiente para abarcar os direitos mais essenciais do ser humano, visto que somente se priorizando esses direitos é que se torna possível efetivá-los na prática”. (TRINDADE, 1991, p.16).

Piovesan (2001) atenta para a responsabilidade dos Estados em conceder o

refúgio solicitado, devendo estabelecer padrões justos e satisfatórios para julgar os

pedidos de refúgio e respeitar os princípios referentes aos refugiados.

Como afirma Trindade (1991),

“[...] os direitos humanos se fazem presentes, necessária e invariavelmente, nas três etapas, ou seja, as de prevenção, de refúgio e de solução duradoura”. Além disso, destacando a relação entre direitos humanos e refugiados, o autor conclui que “[...] a dimensão preventiva da proteção humana [...] constitui hoje um denominador comum da proteção internacional dos direitos humanos e do direito internacional dos refugiados”. (TRINDADE, 1991, p. 91).

Alguns elementos para o exame das vinculações entre a vigência dos direitos

humanos e o direito dos refugiados se encontram em certas “Conclusões sobre a

Proteção Internacional dos Refugiados”, ACNUR (1981), aprovadas pelo Comitê

Executivo do Programa do ACNUR. Assim, as conclusões expressam sua

preocupação pelas violações dos direitos humanos dos refugiados. É possível que o

fenômeno contemporâneo dos deslocamentos em massa, de pessoas que buscam

refúgio em situações de afluência em grande escala, tenha contribuído a evidenciar

tais vinculações entre o direito dos refugiados e os direitos humanos. Assim, a

Conclusão nº 22 (1981), ao deter-se neste fenômeno, enfatizou a necessidade de

reafirmar as normas mínimas básicas relativas ao tratamento das pessoas admitidas

temporariamente e à espera de uma solução duradoura nestas situações de busca

de refúgio em grande escala. As normas mínimas básicas indicadas pela Conclusão

nº 22 são próprias do domínio dos direitos humanos, como, por exemplo, o acesso à

justiça, o princípio da não discriminação, a vigência dos “[...] direitos civis

fundamentais reconhecidos internacionalmente, em particular os enunciados na

Declaração Universal de Direitos Humanos” (ACNUR, 1981).

No entanto, a Conclusão nº 50 (1988) foi a que categoricamente assinalou “a

relação direta existente entre a observância das normas de direitos humanos, os

movimentos de refugiados e os problemas da proteção”. Entre os problemas de

direitos humanos envolvidos, a referida conclusão mencionou “[...] a necessidade de

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proteger os refugiados contra toda forma de detenção arbitrária e de violência, a

necessidade de fomentar os direitos econômicos e sociais básicos [...]” (ACNUR,

1988), inclusive o emprego remunerado, necessário aos refugiados e seus familiares

a fim de que alcancem a segurança e autossuficiência. Posteriormente, a Conclusão

nº 56 (1989) insistiu em um enfoque dos problemas dos refugiados tomando em

conta os “princípios de direitos humanos” (ACNUR, 1989).

Depreende-se, a partir de tais documentos, que os refugiados encontram-se

amparados mediante normas e leis internacionais, as quais enfatizam a necessidade

dos países signatários da Declaração Universal dos Direitos Humanos em fazerem

valer os direitos dessa parcela da população já tão espoliada.

Apesar de tais direitos, garantidos em normas e leis internacionais, os

Estados possuem suas próprias normas e leis que regem os direitos de sua

população, inclusive os dos refugiados. No entanto, o fato de haver normas e leis,

em um país como o Brasil, em nada garante a efetivação de tais direitos

promulgados.

Essa realidade, além das anteriormente citadas, justifica a realização deste

trabalho, haja vista a necessidade em se examinar os direitos dessa população

refugiada no País, que, entre tantas outras carências, requer condições mínimas de

sobrevivência, considerando-se a categoria trabalho como fundante para a

promoção de todas as demais.

Assim, justifica-se a realização desta investigação, acreditando-se que a

mesma poderá ultrapassar os limites das prateleiras da academia, tornando-se

objeto de interesse de profissionais, acadêmicos e demais interessados no assunto,

de modo a contribuir tanto no debate quanto na realidade efetiva das mulheres

refugiadas.

2.3 Objetivos

2.3.1 Objetivo Geral

Examinar e analisar a inserção de mulheres refugiadas no mercado de

trabalho paulistano, considerando o tipo e as condições de inserção, em que

setores, com que direitos trabalhistas, com que remuneração e se a mesma

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possibilita condições mínimas de sobrevivência, isto é, se lhes são garantidos os

direitos sociais e econômicos básicos.

2.3.2 Objetivos Específicos

- Identificar o atual número de refugiadas no município de São Paulo;

- Levantar no Acnur e Cáritas endereços e/ou contatos com as refugiadas na

capital paulistana;

- Entrevistar profissionais que representam as organizações que prestam

atendimento às refugiadas partícipes da pesquisa (Comitê Nacional para os

Refugiados – CONARE; o Alto Comissariado das Nações Unidas para os

Refugiados – ACNUR; a Cáritas Arquidiocesana de São Paulo; o Instituto Migrações

e Direitos Humanos – IMDH e a Polícia Federal – PF);

- Selecionar uma amostra representativa de refugiadas que vivem na capital

paulistana;

- Contatar com as refugiadas referentes à amostra selecionada;

- Aplicar o questionário às mulheres refugiadas partícipes da pesquisa a fim

de examinar sua realidade sócio-econômica-cultural, em especial sua inserção ou

não no mercado de trabalho; tipo de inserção - formal ou informal; emprego

(condições e especificidades); salário; condições de moradia; de vida e

sobrevivência; etc.;

- Entrevistar as refugiadas selecionadas partícipes da pesquisa;

- Analisar, após a aplicação do questionário, o tipo e condições de inserção

das mulheres refugiadas inseridas no mercado de trabalho; setores; remuneração;

direitos;

- Tabular os questionários, transcrever as entrevistas, cruzar os dados,

interpretá-los e analisá-los criticamente.

Esses objetivos possibilitaram inferir a relação entre o discurso proferido pelos

gestores públicos e a realidade vivenciada pelas mulheres refugiadas no município

de São Paulo.

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3 O REFÚGIO:

CONCEPÇÃO E HISTÓRICO

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Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem: não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.

Karl Marx

3 O REFÚGIO: CONCEPÇÃO E HISTÓRICO

3.1 Evolução Histórica do Refúgio

Analisando a história da humanidade, encontram-se registros de pessoas e

mesmo de populações inteiras que se deslocam pelo planeta. Isso se dá em função

de inúmeros motivos, seja por perseguição política, racial ou étnica, pelas guerras,

por questões climáticas, além de outras. Esses acontecimentos ameaçam a vida das

pessoas, as quais se veem obrigadas a deixar o seu país e procurar refúgio alhures,

estranhas à sua cultura, ao seu modo de vida. Partem em busca de proteção e de

um recomeço de vida, a salvo dos perigos que as ameaçavam.

O ser humano também convive, desde os tempos mais remotos, com

situações adversas, provocadas por desastres naturais ou pela ação destruidora do

próprio homem, que lhes obrigam a buscar, em outros lugares, condições mínimas

de sobrevivência.

A história da humanidade narra incontáveis acontecimentos de rejeição social

e busca de abrigo. Ao se retomar a história da humanidade pode-se constatar que

desde os tempos mais remotos há relatos de pessoas que estão em deslocamento,

hora em busca de solos mais férteis para o plantio e a alimentação do rebanho, hora

fugindo de determinados acontecimentos.

Nas primeiras narrativas de pessoas que saem de seus países em busca de

proteção encontram-se relatos que estão ligados a práticas de criminosos, ou seja,

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indivíduos que cometeram um crime e por isso têm de fugir para não serem mortos

em seu país, uns fugiam da tirania de seus governantes, outros eram os que fugiam

por conta das mudanças ambientais, falta de pastagem para o rebanho, busca por

água. E assim a humanidade se movia.

Muitos eram os conflitos e lutas por conquistas de terras, por obtenção de

mais poder, dominar o exército inimigo para se apoderarem de seu país,

pensamentos contrários ao da igreja, essas forças diversas geravam perseguições e

massacres sangrentos, obrigando os que não queriam perder sua vida, buscar asilo

nas cidades vizinhas, que normalmente era inimiga da cidade de origem do asilado

e, portanto, convinha para ela acolher e ter como aliado aquele indivíduo, que por

vezes inclusive obtinha informações sobre a cidade de origem, e poderia ser de

interesse estratégico da cidade que o acolhia, com isso ajudava o exército do

inimigo a se preparar para tomar o poder.

Mas, quando Roma invade a Grécia e esta passa a ser subserviente a Roma,

a partir daí o significado de asilo passa a ter um cunho religioso, e jurídico1. De

acordo com a lei romana atrelada aos poderes eclesiásticos da época a concessão

de asilo passa a ser dada à pessoa que não tenha cometido nenhum crime, sendo

protegidas somente aquelas que sem motivo eram perseguidas, por particulares e

ou pelo poder público.

Com a tomada do poder romano por Constantino, por ocasião de seu edito

determinando que toda Roma professasse o catolicismo, passa a ser de

incumbência da igreja a concessão do mérito de asilo, bem como prestar-lhes

acolhida. Quase toda a Europa declara aniquilação aos indivíduos considerados não

membros de sua sociedade, que eram os judeus, os hereges e os leprosos, essa

não era uma posição do povo, mas de seus governantes, acatada por grande parte

da sociedade.

O contingente de povos que diante da nova ordem social, ou melhor,

desordem social passa a se deslocar entre os países que permitiam sua entrada.

Entre os séculos XIII a XV presencia-se o absurdo das tiranias perpetradas pelos

poderosos “donos” do mundo, a Inglaterra, a França, a Espanha e Portugal

expulsam os judeus, esses buscam em outros países europeus e no norte da África

1 Andrade, José H. Fischel de. Direito Internacional dos Refugiados: evolução histórica (1921 – 1952).

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um espaço, o grande fluxo de pessoas em busca de um país para acolhê-los vai

gerando outros problemas nas sociedades acolhedoras.

No final do século XVI vários pensadores começam a questionar o poderio da

igreja e a buscar maior liberdade de pensamento, de prática religiosa, o direito

natural caminha para um pensamento desvinculado do religioso, encontrando em

Grotius2 grande jurista deste período uma força aliada para lutar pela razão como o

fundamento do direito. Tendo, no século XVII marco de fundamental importância em

que se instituiu o direito ao asilo, como defesa da pessoa. Sendo Grotius um dos

intelectuais da época que em muito contribui para esse entendimento e assim se

posiciona; “[...] as pessoas expulsas de seus lares tinham o direito de adquirir

residência permanente em outro país, submetendo-se ao governo que lá detivesse a

autoridade” (FISCHEL, 1996, p.14).

Grotius também contribuiu ao distinguir os conceitos de ofensas políticas e de

ofensas comuns, defendendo que o asilo deveria ser concedido, tão somente,

àqueles que sofressem perseguições políticas ou religiosas e não mais a cidadãos

que houvessem cometidos crimes comuns, como assassinatos e outras barbáries,

como era a concessão até o momento. Historicamente, nos séculos anteriores, o

asilo era concedido não só aos perseguidos políticos e religiosos, mas inclusive às

pessoas que haviam cometido crimes, as quais visavam com isso escapar das

sanções, em especial da pena de morte. Assim, esses criminosos buscavam abrigo

em outros países a fim de escaparem das sanções a eles impostas.

No final do séc. XVII os Estados passaram a se configurar de forma mais laica

e a igreja deixou de deter o domínio sobre os bens do mundo, isto é, perdeu o

legado de detentora da verdade absoluta, e passa a dividir o cenário com o Estado,

que entre outras responsabilidades assume a de concessão ou não do asilo.

No final do séc. XVIII, em 1793, a França proclama em sua constituição o

direito de asilo ao indivíduo, tornando-se o primeiro país a registrar em sua

constituição, porém, essa iniciativa não foi assumida na Europa, visto que essa

concessão, direito de asilo, ficou a critério de cada Estado conforme suas

conveniências. Nesse período os Estados nacionais se encontravam com certa

organização interna e buscavam por sua soberania.

2 Hugo Grotius, jurista holandês considerado fundador do direito internacional, exerceu notável influência sobre o pensamento racionalista e iluminista do século XVII. Cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Hugo_Gr%C3%B3cio. Acesso em: 04 dez. 2011.

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É somente no século XIX que teremos no continente americano o Primeiro

Congresso Sul-Americano de Direito Internacional Privado que relaciona o asilo às

regras de extradição e aos delitos políticos, extremamente importantes para o

período devido às lutas pela independência e consolidação da democracia que

ocorriam em alguns Estados da América Latina, vários Estados impunham à força,

seus sistemas ditatoriais e de perseguição aos seus oponentes. Com esse

reconhecimento o indivíduo tinha como direito assegurado a possibilidade de buscar

em outro país uma proteção.

Paulatinamente ao longo dos séculos surge à porta dos Estados a discussão

sobre a temática dos Direitos humanos, bem como sobre os direitos internacionais.

Todas as questões ligadas ao direito do indivíduo não podem mais permanecer no

âmbito privado das discussões internas de cada país. A circulação dos indivíduos

entre territórios, as informações sobre determinados acontecimentos em países

vizinhos ao nosso, ou mesmo distante não importa, nos move a tomada de posição,

por isso da necessidade em se criar leis que clarifiquem ou norteiem tais fatos.

Na área do direito conforme aponta Piovesan (2006), encontramos uma

polêmica sobre o fundamento e a natureza dos direitos humanos, se os mesmos são

direitos naturais e inatos, direitos positivos, direitos históricos ou, direitos que

derivam de determinado sistema moral. Estando esses em constantes processos de

reconstrução, seus constitutivos não estão dados, mas se fazem ao longo da

historicidade humana.

Segundo Bobbio, na atualidade o maior problema dos direitos humanos “[...]

não é mais o de fundamentá-lo, e sim o de protegê-lo” (BOBBIO, 1992, p.25). Nunca

na era da humanidade se falou e se criou tantos direitos e transgrediu-os como na

contemporaneidade. A história nos mostra os avanços e retrocessos quanto às

conquistas do direito a ter direitos.

Estudiosos dos Direitos Humanos e do Direito Internacional reconhecem

como o primeiro marco do surgimento dos direitos internacionais o Direito

Humanitário. O Direito Humanitário e o Direito Internacional impõem a

regulamentação jurídica quanto ao emprego da força sobre os mais fracos, aqueles

que por circunstâncias da situação encontram-se em desvantagem, tais como:

presos, feridos, doentes, mulheres, crianças e a população civil.

Após a Primeira Guerra Mundial e suas atrocidades, cria-se em 1920 a Liga

das Nações, organização composta por diversos países denominados Estados-

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membros, cuja finalidade era promover a cooperação e a paz. Essa organização

condenava agressões externas contra a integridade territorial e defendia a

independência política dos que fizessem parte desse grupo, a fim de que pudessem

mais livremente tomar suas decisões. Segundo Macedo Soares (1972) a Liga em

seu preâmbulo define sua função, qual seja:

Entreter a luz do dia relações internacionais fundadas na justiça e na honra; fazer reinar a justiça, asseverando-a a seus Estados-membros para que os mesmos, [...] esforcem-se por assegurar e manter condições de trabalho equitativa e humanas. (MACEDO SOARES, 1972, p. 235-256).

O fenômeno ocorrido no pós-guerra promove a criação desse grupo

internacional para defender o direito dos indivíduos perseguidos. Registra-se na

história que tais refugiados não o eram somente por motivos políticos, mas por

diversos outros. Essa realidade, a qual se agravava rapidamente, requereu da Liga

das Nações imediata solução para o crescente número de refugiados.

Em conjunto com outras organizações esses grupos criaram leis que

deveriam ser cumpridas em nível internacional, estabelecendo sanções aos

Estados-membros que viessem a descumprir tais acordos. A criação desses

organismos foi de grande relevância à humanidade por estabelecerem e imporem

condições mínimas de garantia dos direitos do indivíduo, que nem sempre eram

consonantes com os interesses dos Estados. Conforme descreve Piovesan (2006),

[...] tais institutos rompem, assim, com o conceito tradicional que situa o Direito Internacional apenas como a lei da comunidade Internacional. Estados e que sustentava ser o Estado o único sujeito de Direito Internacional. Rompem ainda com a noção de soberania nacional absoluta, na medida em que admitem intervenções no plano nacional, em prol da proteção dos direitos humanos. (PIOVESAN, 2006, p. 113-114).

No contexto da época essa foi uma grande conquista, na qual se passou a

olhar para o indivíduo como alguém que é sujeito de Direito Internacional. Os

problemas tangenciais ao direito humano não permaneceram restritos à esfera de

discussão particular, em que pesava tão somente a mão do Estado sobre o

indivíduo, passando a ter força ad extra Estado.

Outra corrente de teóricos histórico-jurídicos defende que a Liga das Nações

nunca cumpriu com seu papel de defensora dos refugiados. Para esses teóricos, o

que imperava na verdade era a soberania estatal e esta detinha todo o poder político

e econômico. Segundo eles o fracasso da Liga deveu-se ao fato desta organização

não ser gerada pelas potências da época. A cooperação internacional por parte dos

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Estados-membros não ocorreu com cordialidade conforme acordos firmados,

enfraquecendo e desacreditando a Liga das Nações quanto ao seu poder de força

para punir as contravenções perpetradas pelo próprio Estado.

Para os teóricos histórico-jurídicos críticos da Liga todas as supostas

conquistas obtidas desta não passaram de engodos, visto que na prática jamais se

efetivaram. Segundo esses teóricos, diante dos poderosos detentores do capital e

criadores das leis prevaleceu à vontade dos mesmos, apesar dessa vontade ser

conflitante e diversa.

A explosão da Segunda Guerra Mundial é representativa desses interesses

diversos e conflituosos dos poderosos. Mais uma vez o mundo assiste aos horrores

da perversidade humana contra seu semelhante. Um grande número de pessoas é

atingido e por interesses políticos e econômicos milhares de pessoas são mortas,

outras perseguidas, destituídas de seus lares, de sua cidadania, impossibilitadas de

encontrarem outro lar.

Essas pessoas, destituídas de seus direitos humanos, desprovidas de tudo,

de raízes que lhe identifiquem, fogem de seus países de origem, abandonando no

ato da fuga tudo, e em determinadas situações perdem a sua própria identidade, às

vezes mudando inclusive de nome para escapar das perseguições.

Referente a essa perda de referência e identidade, de seus direitos humanos,

Arendt (1989), explicita essa situação de forma bem objetiva quando diz:

[...] passam a pertencer à raça humana da mesma forma como animais pertencem a uma dada espécie de animais. O paradoxo da perda dos direitos humanos é que essa perda coincide com o instante em que a pessoa se torna um ser humano em geral, sem uma profissão, sem uma cidadania, sem uma opinião, sem uma ação pela qual se identifique e se especifique, e diferente em geral, representando nada além da sua individualidade absoluta e singular, que, privada da expressão e da ação sobre um mundo comum, perde todo o seu significado. (ARENDT, 1989, p. 335-336).

A autora retrata com propriedade a situação vivenciada pelas pessoas que

estão nessas condições de vida. A perda de referências, de identidade, de

cidadania, sob a condição de total privação, leva à pessoa destituída de tudo grande

apatia, desânimo, falta de objetividade em seus empreendimentos, em assumir sua

própria vida. A perversidade presente nas relações humanas é tão cruel que é capaz

de tirar o âmago da vida humana, sem tirar-lhe a vida de fato. Nessas condições as

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pessoas passam a viver sem possuir de fato a sua existência, “[...] são como

sepulcros caiados”3, os quais se encontram completamente vazios por dentro.

Somente no século XX, após a Segunda Guerra Mundial e todo o extermínio

por ela provocado, que poderia ter sido evitado caso os organismos internacionais

tivessem força frente aos Estados para fazerem valer as leis por eles erigidas, que a

situação dos refugiados passa a ser vista com mais atenção por parte dos Estados.

Esse fato foi ocasionado em função do aumento expressivo de pessoas em trânsito

pelo planeta, a buscar alhures condições para reconstruir suas vidas.

A Liga das Nações, portanto, constituiu-se como a precursora na defesa dos

direitos internacionais dos refugiados, minimizando os sofrimentos dos mesmos, ao

mesmo tempo em que subsidiou os anos vindouros quanto à discussão e

implementação de leis que salvaguardassem os direitos humanos internacionais.

Diante de outras situações de crises, a partir dos conflitos frequentes no

mundo, outras leis que amparam os direitos humanos internacionais surgiram,

contudo não há eficácia de fato nas mesmas, haja vista os constantes e crescentes

desrespeitos ao direito da pessoa. Urge às nações fazerem valer as leis existentes a

fim de cessarem esses crescentes desrespeitos à pessoa.

Arendt (1989) afirma em seu livro “Origens do Totalitarismo” que a crise do

Estado-Nação é a maior responsável pelo aumento de refugiados e apátridas,

conforme assinala a seguir:

A verdadeira dificuldade, quando se trata de refugiados e apátridas, reside no fato de que a situação é insolúvel no interior da velha organização estatal dos povos. Os apátridas colocam a nu, muito claramente, a crise do Estado-Nação. E não se enfrenta essa crise pelo acumulo de injustiças, ou se contentando com a restauração de uma ordem que não corresponde mais nem à consciência jurídica moderna nem às condições atuais de coexistência dos povos (ARENDT, 1989, p. 310).

É preciso, portanto, que os povos, independentemente da vontade de seus

chefes de Estado, façam-se valer como nação de direitos, as quais, intituladas de

democráticas, possam dispor de suas vidas, de seus direitos emanados por diversos

estatutos legais, impondo-os e requerendo que sejam cumpridos seus direitos. Ao

3 Frase bíblica proferida por Jesus que diante dos escribas; homens que se dedicavam a interpretar e a escrever as leis (“dadas por Deus”), mas que em seu interior (coração) estavam vazios, não tinham amor, não tinham vida. Aqui utilizamos esse termo para identificar a problemática desse grupo, que vai além da questão financeira, passa pela trama emocional desestruturando esses indivíduos em sua mais íntima morada. Causando assim uma desestrutura generalizada, uma vez que o eixo humano foi danificado. Portanto, acolher essas pessoas é disponibilizar às mesmas outras acolhidas, que vai além da acolhida física, acolhida esta que a atual humanidade carece aprender a praticá-la, resgatar a sua sensibilidade e retomar às relações mais humanizadas e humanizadoras.

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indivíduo refugiado resta buscar outro lugar onde possa ser reconhecido como

pertencente a esse povo, ainda que geograficamente tenha nascido em distinto

território.

Urge se pensar e construir outro mundo. Um mundo sem fronteiras, sem

apartamentos, em que as fronteiras não estejam abertas apenas para o livre

comércio, para os interesses capitalistas, para a globalização neoliberal, mas que se

abra para aquele que é seu maior patrimônio, sua maior riqueza, o ser humano.

As atuais estruturas humanitárias requerem um ser humano “cidadão do

mundo”4, um mundo sem barreiras para que todos possam viver livres. As redes

tecidas pela economia transitam na velocidade da luz, pois assim é o interesse do

capital. Em contrapartida, diversas vidas humanas (refugiados) são trancafiadas em

campos, zonas e em porões até que as autoridades decidam se elas podem ou não

adentrar ao país para ter uma vida digna. Este ser estranho, este “alienígena”5, na

verdade, representa uma ameaça às nações diante da nova crise do capital, ameaça

à sua economia e as organização estatais, daí ser indesejado, ainda que o Estado o

receba.

3.2 Conceituando o Refúgio

O refúgio enquanto instituição jurídica internacional teve seu surgimento e

evolução somente nas primeiras décadas do século XX, através da “Liga das

Nações”6 e posteriormente pela Organização da Nações Unidas – ONU.

A partir do acontecimento da 1ª Guerra Mundial os refugiados passaram a

receber atenções mediante ações de proteção, vez que as minorias étnicas

buscaram proteção. No início, esses deslocamentos se davam dentro do próprio

Estado, havendo alguns raros casos de travessias “além - fronteiras”.

No período do pós-guerra, o fluxo de deslocamentos pelo mundo não cessou,

4 Termo utilizado por Hannah Arendt em “Origens do Totalitarismo” (1989). 5 O código penal e outras leis se reportam ao estrangeiro nesse termo - “alienígena”. Segundo o dicionário da língua portuguesa Houaiss, o termo alienígena significa “quem é natural de outro país; estrangeiro; que é de outro planeta”. Afinal, de qual planeta é a espécie humana? Qual a ideologia que está por trás dos que insistem em reforçar as seguranças das fronteiras em seu país, e porque eles podem invadir as fronteiras de outros países? Que lógica perversa é essa que mata outro ser, semelhante a si, porque o mesmo “invadiu” a fronteira? Quem são os donos desses países tão encarcerados e murados para que outros não adentrem seu espaço, o qual alguém determinou ser de posse de determinado país? Parece que o ser humano ainda não entendeu sua perenidade de ser, insistindo em apossar-se de algo que simplesmente está aí e é para todos. 6 A “Liga das Nações” Organização Internacional composta pelos países que venceram a primeira guerra mundial, cuja finalidade era assegurar a paz mundial. Cf. ACNUR <http://www.acnur.org>. Acesso em: 04 dez. 2011.

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ao contrário, acirrou-se, pois a guerra produziu perdas e destruições, devastando

cidades inteiras, cujos solos tornaram-se inférteis por um longo tempo, gerando um

grupo de miseráveis e famintos, pessoas emocionalmente abaladas. Esses e tantos

outros acontecimentos levaram as pessoas a buscarem novas e melhores condições

de vida. Nesse período, a demanda por refúgio aumentou, provocando a atenção

das nações para a situação dos refugiados.

Surgiu assim a necessidade de regularização da situação na tentativa de

resolver a problemática vivenciada pelas pessoas enquadradas nesse status. Nesse

contexto, a Liga das Nações passou a buscar parcerias no intuito de inicialmente

construir um perfil comum que pudesse representar e abranger a população

refugiada em suas necessidades e emergências. Após aproximadamente trinta anos

de discussões essa Liga definiu o conceito de Refugiado. Porém, como assinala

Andrade (1996), foi na convenção de 1950 que a Assembleia Geral das Nações

Unidas aprovou a criação de uma agência específica para questões de Refúgio, o

Alto Comissariado das Nações Unidas, com a responsabilidade de:

[...] prover proteção política e jurídica aos refugiados; monitorar a entrada em vigor e a aplicação do estatuto jurídico dos refugiados, como definidos, em particular, pelas Convenções de 1933 e de 1938; facilitar a coordenação da assistência humanitária; e auxiliar os governos e as organizações privadas em seus esforços com vistas a promover a emigração e o assentamento permanente. (ANDRADE, 1996, p.115–116).

Sendo de responsabilidade conjunta dos Estados e desta agência assegurar

a proteção de todos os refugiados que estivessem sob o seu mandato7. No ano de

1951, em Genebra, o Alto Comissariado das Nações Unidas, em convenção,

aprovou o Estatuto dos refugiados, primeiro instrumento considerado como Carta

Magna, aplicado a todas as pessoas que se encontravam na condição de solicitante

de refúgio, visto que universalizou a linguagem no sentido de determinar um status

universal que garantisse condições dignas de vida, de respeito e de direitos a esse

grupo social.

A partir desse acontecimento surgiu a categoria de refugiado e sua

conceituação. Assim foi se constituindo o conceito, entendendo-se como refugiado a

pessoa que “[...] temendo ser perseguida por motivos de raça, religião,

nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, encontra-se fora do país de sua

7 Ver a esse respeito: ANDRADE, José H. Fischel de. Direito Internacional dos Refugiados : evolução histórica (1921 – 1952). Rio de Janeiro: Renovar, 1996.

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nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da

proteção desse país”8.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, afirma em seu art. 14

que “[...] toda pessoa vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar

asilo em outros países [...]”. Percebe-se, portanto, que a Declaração assegura o

direito fundamental a toda pessoa de estar livre de qualquer forma de perseguição.

Piovesan (2006) também destaca que a pessoa refugiada, que teve seus direitos

violados pelo Estado ao qual pertence e que também a persegue ou não lhe protege

em sua necessidade, deve solicitar refúgio, vez que seus direitos não são

assegurados e garantidos em seu próprio país. Nessas condições não há garantias

de proteção, motivo pelo qual o direito internacional lhe confere o pedido de refúgio.

Quando uma pessoa se vê obrigada a abandonar o seu país e partir em

busca de outro local que lhe possa acolher, oferecer-lhe proteção, é porque seus

direitos humanos já foram violados. Essa situação denota que já houve a perda dos

direitos e garantias preconizados pelos Direitos Humanos, tais como:

[...] direito a vida, a liberdade, a segurança pessoal, direito de não ser submetida à tortura, direito à privacidade, à vida familiar, à liberdade de movimento e de residência, além do direito de não ser submetida a exílio arbitrário [...]. (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948).

Os refugiados são obrigados a deixar tudo, sua vida, seus bens e partir em

busca de um futuro incerto, em terra desconhecida. Muitos perderam todos os

membros de sua família, presenciaram cenas de violência (assassinatos-

extermínios, estupros, saques) e outras formas de brutalidades a que são expostos,

inclusive em certos casos eles próprios vivenciaram essa situação. Nesse sentido,

pode-se dizer que os Direitos Universais desses indivíduos foram violados, ainda

que lhes sejam garantido o refúgio. Para Piovesan (2006) a própria condição de

refugiado já é uma violação dos Direitos Humanos.

Na atualidade, constata-se um aumento de solicitantes de refúgio.

Considerando-se as colocações de Piovesan, essa condição é um desrespeito aos

Direitos Humanos. Os dados apresentados pelo Alto Comissariado das Nações

Unidas para Refugiados (ACNUR), em junho de 2009, apontaram que o número de

pessoas em trânsito pelo mundo chegou a 43,3 milhões, considerado o maior fluxo

8 Ver a esse respeito: <http://www.acnur.org/t3/portugues/a-quem-ajudamos/refugiados>. Acesso em: 04 dez. 2011.

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desde os anos 90, dos quais 47% eram mulheres e meninas, e desse total de

refugiados 80% encontravam-se em países em desenvolvimento.

As “guerras” perpetradas nos diversos países do continente africano têm

contribuído para esse crescente percentual negativo de refugiados, pessoas que

fogem de seus países, tentando salvar o único bem que lhes resta - a própria vida.

Países como República Dominicana do Congo, Afeganistão e Somália perfazem um

total de 1.137 milhão de refugiados, representando 3% do total de refugiados do

mundo9.

Segundo dados do ACNUR os conflitos não cessam, ao contrário, em 2011

surgiram novos focos de guerras. Os países Árabes, que já viviam repressões,

intensificaram ainda mais os ataques a civis. Diante dos fatos noticiados diariamente

pelos veículos de comunicação, as estatísticas do ACNUR em 2012 trarão um

aumento no número de refugiados no mundo.

Se em 2009 os dados apontaram que houve uma considerável queda no

número de repatriação voluntária, o qual foi o menor dos últimos 20 anos, a atual

história de conflitos ainda existentes nesses países e em seus vizinhos tende a

continuar impossibilitando tentativas de retornos.

Outro dado que chama a atenção diz respeito aos países vizinhos que

concedem asilo aos refugiados, os quais, por estarem mais próximos, acabam

sendo o único local possível de se chegar, conforme se observa na relação de

países, apresentada a seguir, relação por ordem de demanda: Paquistão, Irã, Síria,

Alemanha, Jordânia, Quênia, Chade. Ao analisar os dados estatísticos do ACNUR

constata-se que a maioria dos refugiados vive na mesma região dos seus países de

origem.

Além dessas questões, outra vem despertando a atenção das autoridades e

de diversos órgãos que atuam com essa população: o significativo número de

crianças e adolescentes sozinhos que solicitam refúgio. Por que isso vem

ocorrendo? A resposta a essa questão pode ser encontrada ao se acompanhar as

notícias veiculadas nos meios de comunicação, as quais relatam que esses conflitos

têm exterminado um número considerável da população desses países. A essas

crianças e adolescentes, diante das atrocidades vivenciadas por eles e seus

9 Dados obtidos no site do ACNUR. Disponível em: http://www.acnur.org/t3/portugues/recursos/estatísticas. Acesso em: 04 dez. 2011.

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familiares, em muitas situações a perda de seus tutores, não lhes resta outra saída:

senão a fuga.

3.3 Histórico dos Refugiados no Brasil

A história dos refugiados no Brasil remonta os anos 60 do século passado. Na

verdade o Brasil ratificou tardiamente a Convenção dos Refugiados de 1951.

Enquanto nos outros países se discutiu a questão do refúgio desde 1951, somente

em 1960 há a ratificação da Convenção no país, a qual foi promulgada em 1961,

através do Decreto n. 50.215, sob algumas condições.

Segundo Almeida (2001), nesse período “[...] o Brasil só aceitava receber em

seu território pessoas provenientes do continente europeu, portanto mediante

reserva geográfica”. Além disso, este autor assinala que a Convenção não foi

acatada plenamente, pois também houve restrições relacionadas aos artigos 15 e 17

da Convenção, que se referiam ao associativismo e ao exercício da atividade

profissional assalariada, conforme transcritos a seguir:

Artigo 15: Os Estados Membros concederão aos refugiados que residem regularmente em seu território, no que concerne às associações sem fins políticos nem lucrativos e aos sindicatos profissionais, o tratamento mais favorável concedido aos nacionais de um país estrangeiro, nas mesmas circunstâncias. Artigo 17: Os Estados Contratantes concederão a todos os refugiados que residam regularmente nos seus territórios o tratamento mais favorável concedido, nas mesmas circunstâncias, aos nacionais de um país estrangeiro no que diz respeito ao exercício de uma atividade profissional assalariada. (ALMEIDA, 2001, p. 115).

Nesse período, portanto, o Brasil negou ao refugiado qualquer tipo de

associativismo, assim como impossibilitou o seu acesso ao mercado de trabalho,

contradizendo as recomendações da Convenção. A intenção declarada com tais

medidas foi a de proteger o mercado de trabalho interno contra possíveis ameaças à

sua soberania.

Naquela ocasião o País não estava preocupado com a situação dos

refugiados, mas interessado em manter a aparência frente aos países estrangeiros

desenvolvidos, os quais já acatavam a Convenção em sua totalidade. A ratificação

da Convenção pelo Brasil ocorreu em função dos interesses políticos e econômicos

no cenário internacional, daí seu explícito interesse pelos europeus, porém, mesmo

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aos europeus foram feitas poucas concessões, na verdade o Brasil mantinha-se em

uma espécie de redoma, fechado em relação aos direitos concedidos aos

estrangeiros.

Segundo Moreira (2006) o discurso brasileiro de recepção dos refugiados

esbarrou na política interna de crescimento econômico, o posicionamento do

governo brasileiro ocorreu de forma contraditória em relação à acolhida dos

refugiados.

Se, de um lado, demonstrou-se um país comprometido com essa problemática (razão pela qual foi escolhido para fazer parte do Comitê Consultivo do ACNUR e tornou-se membro do Comitê Executivo do mesmo organismo internacional), por outro lado deixou de acolher grande contingente de refugiados latino-americanos durante as décadas de 1970 a 1980, período em que se constatou sistemáticos conflitos armados na região. (MOREIRA, 2006, p. 71).

Em 1977 o ACNUR assina um acordo com o Brasil, o qual possibilita ao

mesmo instalar um escritório na cidade do Rio de Janeiro. Segundo Barbosa, essa

instalação se deu devido à instabilidade política vivenciada nesse período pelo

Continente Latino Americano, cuja ordem se dava dentro dos regimes políticos

ditatoriais, “[...] de violência generalizada e de maciça violação dos Direitos

Humanos” (BARBOSA E HORA, 2007, p. 38).

Porém, nesse período, a atuação da Agência da ONU no Brasil se deu

sobremaneira da forma mais limitada possível, conforme afirma Almeida:

Nessa fase, o escritório do ACNUR era procurado única e exclusivamente por argentinos, chilenos, uruguaios e paraguaios, os mesmos eram reassentados, principalmente, em países da Europa, Canadá, Nova Zelândia, Austrália e Estados Unidos (ALMEIDA, 2001, p. 119).

Se a esfera estatal não cumpria com suas obrigações junto ao ACNUR,

conforme compromisso assumido por conta da ratificação da Convenção de 1951,

os órgãos ligados à igreja católica, cujo escopo de atuação era a defesa dos Direitos

Humanos, em especial a proteção aos refugiados, passou a ocupar esse espaço.

São, portanto, essas organizações sociais que a ONU arregimenta na Defesa dos

Direitos Humanos, as quais também passam a atuar com refugiados, tais como: a

Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro e de São Paulo, a Comissão Pontifícia

Justiça e Paz e o Centro de Referência para Refugiados10, que era outro órgão da

10 Sua função era recepcionar, encaminhar e prestar assistência social (jurídica, auxílio habitação, saúde entre outros) às pessoas que buscavam refúgio.

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igreja católica, porém prestava atendimento mais específico aos vietnamitas e aos

cubanos.

Dom Paulo Evaristo Arns11, bispo de São Paulo à época, destacou-se por ser

um incansável na luta em defesa do ser humano, de modo especial os mais

excluídos. Sem pestanejar salvou muitas vidas, arriscando a sua própria, quando em

tempos da ditadura, enfrentou autoridades do regime militar, indo visitar e mandando

soltar presos políticos, os quais ele chamava de irmão. Inclusive escondeu vários

perseguidos em sua própria residência, a outros ajudou a fugir do país, procedendo

da mesma forma com refugiados, levantando a bandeira em defesa dos mesmos,

acolheu muitos refugiados em São Paulo e foi um dos precursores a discutir sobre a

situação dos mesmos junto ao governo.

Contudo, só no final de 1990 o Brasil por meio do Estado inicia sua atuação

com os refugiados, após pressão de diversas organizações da sociedade civil,

mormente algumas instituições ligadas à igreja católica que perceberam o aumento

desse fluxo de pessoas e que pela falta de apoio das autoridades governamentais

brasileira, viviam em condições subumanas, sem quaisquer direito resguardados,

dependendo apenas das benesses da igreja, em especial da igreja Católica.

No entanto, sendo o Brasil um país de grandes contradições, não foi diferente

com a questão do refúgio. Em 1997 o Brasil assumiu a proteção aos direitos dos

refugiados com a aprovação da Lei nº. 9.474, instituindo-se este ato como um marco

histórico em relação aos direitos dos refugiados, o qual propiciou ao Brasil o título de

pioneiro e líder na proteção internacional dos refugiados. Assim o Brasil passou a se

constituir como o primeiro país do Cone Sul a ratificar a Convenção relativa ao

Estatuto dos Refugiados de 195112.

No quadro a seguir, observa-se o trâmite pelo qual passou a Lei nº 9.474/97

até a sua aprovação. Os registros cronológicos identificados retratam apenas o

tempo em que a proposta foi encaminhada para o Congresso, antecedendo a esse

processo vários acontecimentos que impulsionaram a sociedade civil a pressionar e

exigir dos políticos uma posição efetiva sobre a questão dos refugiados.

11 Sendo condecorado com a medalha Nansen, prêmio concedido pelo ACNUR às pessoas que atuam na proteção dos refugiados e homenageia em seu nome um dos precursores da proteção internacional aos refugiados, Fridtjof Nansen. Informação disponível na Cúria Arquidiocesana de São Paulo. 12 Esta lei representou um grande avanço na questão do refúgio, pois normatizou e regulamentou a concessão do refúgio no Brasil.

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QUADRO 01 – Registro cronológico da aprovação da Lei 9.474/1997 (Linha do Tempo)

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Fonte: Refúgio no Brasil: a proteção brasileira aos refugiados e seu impacto nas Américas. Brasília: ACNUR, Ministério da Justiça, 2010. p. 44-46. Elaboração: Marisa Andrade.

Importa destacar que a lei brasileira trás positivada a definição ampliada de

proteção do status de refugiado, encontrado na Convenção Relativa aos Aspectos

Específicos dos Refugiados Africanos (1969) e na Declaração de Cartagena (1984).

Essa conquista histórica só ocorreu por conta da organização da sociedade

civil que se mobilizou e uniu forças para pressionar o governo e exigir que fosse

criada uma legislação própria que pudesse contemplar as necessidades desse

grupo, o qual se encontrava em território brasileiro e sofria por não ter reconhecido

seus direitos, haja vista tratar-se de situação diferente dos estrangeiros imigrantes.

A igreja católica através de vários grupos, movimentos sociais que já

atendiam essas pessoas, conseguiu levar a discussão à Câmara dos Deputados,

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por intermédio de audiência pública em 1996, e isso deu maior visibilidade ao tema

(ANDRADE, 1996, p. 32-33).

O Brasil também foi um dos primeiros países a integrar o Comitê Executivo do

ACNUR, responsável pela aprovação dos programas e orçamentos anuais da

agência. Com essa relação de proximidade e interesse pela questão dos refugiados,

a Organização das Nações Unidas (ONU) transferiu para Brasília o seu escritório

para cuidar especificamente do tema.

O ACNUR no Brasil defende os mesmos princípios e desempenha as

mesmas funções de qualquer outro país, ou seja, proteger os refugiados e promover

soluções duradouras para seus problemas. Para isso, conta com diversas parcerias,

como por exemplo, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade

Racial, Secretaria Especial de Políticas para Mulheres e com os Ministérios da

Saúde, Educação, Trabalho e Desenvolvimento Social.

No mesmo período da criação da lei n° 9.474 (1997) foi criado um órgão

responsável pela implementação do disposto e, concomitante a isso também foi

criado o Comitê Nacional para os Refugiados – CONARE, ligado ao Ministério da

Justiça. Esse comitê tem por finalidade analisar as solicitações e emitir pareceres,

conforme previsto na lei sobre o refúgio em seu artigo 7º, o qual dispõe sobre o

direito do solicitante de refúgio, transcrito a seguir:

[...] todo estrangeiro que chegar ao território nacional poderá expressar sua vontade de solicitar reconhecimento como refugiado a qualquer autoridade migratória que se encontre na fronteira, a qual proporcionará as informações necessárias quanto ao procedimento formal cabível. (ACNUR, LEI N° 9.474, 1997, p.11).

Essa comissão interministerial é composta por representantes do Ministério

da Justiça, que a preside; Ministério das Relações Exteriores; Ministério do Trabalho

e Emprego; Ministério da Saúde; Ministério da Educação; Departamento da Polícia

Federal. Também integra à mesma um representante das organizações sociais, que

faz parte a Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, em função do seu vasto

envolvimento com a questão, antes mesmo de o Estado brasileiro ter reconhecido os

direitos dos refugiados.

No organograma a seguir, pode-se visualizar e acompanhar como se dá a

trajetória de acolhida desse grupo social pelo Brasil, além dos órgãos que prestam

assistência e dão os devidos encaminhamentos.

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ORGANOGRAMA 01 – Chegada ao Brasil e o processo de tramitação para legalização da situação do solicitante de refú gio

Fonte: Base de dados do ACNUR. Elaboração: Marisa Andrade.

Conforme organograma 1 fica explicito que inexiste a presença do poder

público para fazer a acolhida dessas pessoas. O mesmo se pode afirmar quanto aos

outros atendimentos, como por exemplo: orientação jurídica, educacional, moradia,

entre outras necessidades.

Por serem estrangeiros, devem obrigatoriamente se apresentar à Polícia

Federal para legalizarem sua permanência no território nacional. No entanto, na

Polícia Federal apenas são orientados em relação a como devem proceder para

obter documentos. Caso apresentem alguma condição para solicitar o refúgio, a

Polícia Federal os encaminha à Cáritas, oferecendo-lhes o endereço para chegar ao

local.

São frequentes os casos em que chegam somente com a roupa do corpo,

literalmente sem nada. Nessa situação não dispõem de dinheiro para o

deslocamento, porém isso não é de incumbência da Polícia Federal, visto que a eles

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cabe fiscalizar e legalizar a entrada e permanência dos estrangeiros. E de quem

seria essa responsabilidade, caso ela efetivamente seja de algum órgão?

Começa aí a peregrinação de quem solicita o refúgio, com o endereço nas

mãos, sem falar a língua portuguesa, sem ter onde ficar, como se alimentar ou

mesmo como se deslocar. Após muitas dificuldades enfrentadas conseguem chegar

até a Cáritas que passa a ser a referência para essas pessoas. A partir desse

momento tem início o trâmite para o processo de refúgio, mediante o preenchimento

de formulários, os quais são encaminhados ao CONARE em Brasília. Assim o

CONARE principia a investigação sobre a veracidade dos fatos relatados pelo

solicitante, por um tempo aproximado de seis a oito meses.

Nos Estados onde a Cáritas não tem escritório a Polícia Federal encaminha

essas pessoas para as igrejas católicas. Nelas, os padres, freiras ou fiéis voluntários

se encarregarão de prestar a assistência e dar os devidos encaminhamentos para

que o solicitante de refúgio não fique desamparado.

Surge nesse momento o auxílio das casas de acolhida, isso no caso do

município de São Paulo, as quais possuem papel preponderante na oferta de

condições dignas de sobrevivência. Sem esse serviço essas pessoas estariam

abandonadas a própria sorte.

Para os representantes dos órgãos públicos esse não é um problema do

Estado, apesar de haver no país uma legislação vigente sobre o refúgio. Diante da

indigência, esses órgãos indicam os albergues mantidos pelo órgão municipal. No

entanto, para quem já conhece a condição precarizada de pernoite dos referidos

albergues, assim como o perfil dos albergueiros, esse certamente não pode ser

considerado um lugar adequado, nem para os moradores de rua que os

frequentam13, tampouco para solicitantes de refúgio. Dificilmente um solicitante de

refúgio consegue permanecer em um albergue e conviver com essa realidade, pois

possuem características diferentes.

Ante a situação de aguardar a decisão do CONARE, a maioria dos

solicitantes não tem onde ficar, pois a Cáritas em parceria com o ACNUR não

possuem verbas para todos, ou seja, seu convênio contempla auxílio apenas aos

que tem status de refugiado. Apesar disso, em determinadas situações, raras

exceções, a Cáritas repassa verba de convênio para um ou outro solicitante.

13 A maioria dos moradores de rua que frequentam os albergues são usuários de drogas diversas, doentes mentais, entre outros vícios e doenças.

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Portanto, se o Município, se o Estado, se o ACNUR, e se os órgãos públicos

não prestam atendimento ao solicitante de refúgio (moradia, alimentação, trabalho,

etc.), que muitas vezes encontra-se acompanhado da família ou são mulheres com

crianças (filhos), quem o faz? Como vivem ou do que vivem essas pessoas durante

todo esse período de espera, no aguardo da resposta à solicitação?

Em São Paulo, essa população pode contar com três abrigos. Um mantido

pelos Padres Scalabrinianos, cujo carisma é trabalhar com migrantes e imigrantes,

na Casa do Migrante, onde moram brasileiros e estrangeiros, homens, mulheres e

crianças, ultrapassando o número de 200 pessoas. Este abrigo oferece “acolhida” a

essa população por um período de até seis meses, no qual recebem diversas outras

assistências, todas mantidas pela congregação.

Outro abrigo é o Arsenal da Esperança, mantido por uma instituição religiosa

originária da Itália. Neste também há a oferta de moradia, mas é dirigida ao público

masculino, com perfil bem diversificado (brasileiros, estrangeiros, moradores de rua,

dependentes químicos, trabalhadores, desempregados, egressos entre outros),

quantitativamente seu atendimento é bem elevado, acima de 1.500 pessoas por dia.

O terceiro abrigo é o Centro Social Nossa Senhora Aparecida – Casa de

Acolhida, o qual também oferta moradia provisória, mas apresenta um diferencial em

relação aos demais, pois acolhem somente mulheres estrangeiras, sós ou

acompanhadas de seus filhos, egressas do sistema prisional e refugiadas. Neste

último, o período de acolhida é de doze meses (12 meses), no qual as moradoras

recebem diversas assistências, todas mantidas pela congregação a Associação

Palotina, grupo composto por freiras católicas.

Além da moradia, essa Casa de Acolhida também se preocupa com questões

relacionadas à saúde das moradoras, com a formação educacional, na qual a língua

portuguesa se constitui como preocupação, além da formação profissionalizante,

necessária a essas mulheres a fim de que possam se inserir no mercado de trabalho

e garantir sua sobrevivência. A casa comporta no máximo 50 pessoas, o que faz do

espaço um local agradável e de relações pessoais próximas, mais familiares e,

portanto, mais aconchegante.

Nesse período de doze meses as moradoras são encaminhadas para a Rede

Social14, onde participam de diversas atividades de formação existentes e

14 Composta por diversas organizações públicas e privadas que prestam vários serviços à comunidade, tais como: cursos profissionalizantes, atendimentos à saúde, recolocação no mercado de trabalho, lazer, entre

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disponíveis a todos os cidadãos, além de tomar parte das atividades internas da

Casa, a exemplo, organização e limpeza dos espaços físicos, preparo das refeições,

oficinas, palestras, debates, etc.

Entretanto, as dificuldades enfrentadas por essas mulheres até o

consentimento do refúgio são complexas e de difícil enfrentamento. Quando o

refúgio é consentido passam a ser consideradas como refugiadas. Neste caso, seus

direitos são fixados por legislação própria, isto é, pela Lei n° 9.474 de julho de 1997,

a qual define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de

1951, e determina outras providências.

Em caso de “Decisão Negativa” do refúgio, a situação passa a se constituir

como problemática. Embora caiba recurso, não há garantias de que este seja

deferido. Neste caso, a solicitante é obrigada a sair do país, sob pena de ser presa

por estar ilegal. No entanto, no intuito de permanecer no país, pode requerer visto de

estrangeira, conforme prescreve o Estatuto do Estrangeiro, regulamentado pela Lei

n° 6.815 de 19 de agosto de 1980. Outro caminho para a permanência seria contrair

matrimônio com brasileiro ou ainda engravidar, conforme regulamenta o referido

Estatuto. Contudo, todas estas situações constituem-se como possibilidades difíceis

de serem enfrentadas.

Depreende-se disso que a condição do refugiado é complexa, de difícil

enfrentamento, constituindo-se por tantas incertezas que afetam emocionalmente o

sujeito nesta situação, que já está fugindo de outra situação de violência em seu

país, com isso agravando e causando-lhes inúmeras mazelas. A problemática do

refugiado acirra-se ainda mais, para esse grupo já tão fragilizado, especialmente

quando se tratam de mulheres, as quais são mais excluídas do que os homens. E

piora, quando são refugiadas com limitações relacionadas à baixa formação

educacional e, consequente, precária qualificação profissional, condições estas que

interferirão na inserção dessas mulheres no mercado de trabalho.

Em uma esfera mais ampla os refugiados contam com a “Rede Nacional de

Proteção aos Refugiados” que é formada por mais de trinta organizações, presentes

em todos os estados brasileiros que prestam atendimento direto aos solicitantes e

refugiados. Essas organizações prestam serviços diversos a esse grupo social, de

acordo com a missão de cada uma. Vale ressaltar que, em sua maioria, encontram-

outros.

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se vinculadas à igreja católica e não recebem subvenções do Estado para o trabalho

que desenvolvem. Ressalte-se, ainda, não se ter registro até o presente momento

de algum órgão governamental que preste atendimento de forma efetiva a esses

estrangeiros refugiados que chegam ao Brasil.

Considerando-se “atendimento efetivo” como atendimento integral, isto é,

abrangente a todas às necessidades básicas de o indivíduo (alimentação, moradia,

saúde psicológica, psiquiátrica, remédios, preparação para o trabalho, trabalho,

educação, entre outras), desconhece-se a existência de qualquer programa de

moradia (acolhida) do governo federal que oferte essas condições a esse grupo de

indivíduos.

O que existe são organizações religiosas que por conta de seu carisma15

mantém abrigos (casas de moradia provisória, supramencionadas) que acolhem

essas pessoas. Daí a necessidade da existência dessas casas de moradia

provisória, em especial para estrangeiros, com recorte de gênero específico para

atendimento às mulheres e seus filhos, dada as especificidades de cada indivíduo.

Conforme dados atualizados em 2013 pelo CONARE, vivem no Brasil 4.689

refugiados, a grande maioria proveniente do Continente Africano e em segundo das

Américas, de 79 nacionalidades16, dos quais:

� 4253 são reconhecidos por vias tradicionais de elegibilidade17, e;

� 436 reconhecidos pelo Programa de Reassentamento18.

Os quadros 02 e 03 apresentados expressam respectivamente a demanda de

refugiados por continente e as nacionalidades com maior representatividade de

refugiados no Brasil.

QUADRO 02 - Refugiados por Continente

15 Dom de inspiração divina, fascínio pessoal que influencia outras pessoas a agirem com caridade, a fazerem o bem a outrem, segundo o exemplo de Jesus Cristo, considerado por algumas religiões como o Filho de Deus; para outras, o maior Profeta. 16 Conforme fontes documentais da Casa de Acolhida, da Casa do Migrante e da Cáritas de São Paulo, o número de nacionalidades atendidas está registrada em seu banco de dados num total de 81 nacionalidades, divergente do número oficial apresentado pelo ACNUR. 17 Entenda-se por vias tradicionais o que está previsto em documento oficial Convenção de 1951 e Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados. 18 Este programa faz parte das três soluções duradouras, identificadas pelo ACNUR para resolver o problema de proteção dos refugiados. Essas proteções só são aplicadas no caso das demais soluções não serem suficientes; são elas: a repatriação voluntária, transferência e a integração local. A transferência de refugiados caracteriza o reassentamento, pois, segundo o ACNUR , “[...] ela só ocorre quando o refugiado já se encontram sob proteção de um país e é transferido a um terceiro país pelo fato de sua vida, liberdade, segurança, saúde ou direitos humanos fundamentais continuarem em risco neste país onde solicitou e recebeu refúgio pela primeira vez”.

Continente Refugiados %

África 3016 64,18

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Fonte: ACNUR, 2013.19

QUADRO 03 - Nacionalidades com maior representativi dade de refugiados

Fonte: CONARE, 2013.20

Do universo apresentado, as mulheres constituem 30% da população

refugiada residente no Brasil, e aqui relatam que encontram dificuldades ainda

maiores que as mulheres brasileiras, como por exemplo, a condição para se

inserirem no mercado de trabalho. Além da baixa qualificação profissional,

acrescentam-se o desconhecimento do idioma, dos costumes, da cultura e outros.

Em relação à questão da regulamentação legal e normativa, a lei brasileira

(LEI n° 9.474/97) é reconhecida como uma das mais avançadas e modernas sobre o

tema. Apesar do refugiado no Brasil dispor dessa lei que o ampara, de poder obter

documentos, trabalhar, estudar e exercer os mesmos direitos que qualquer cidadão

estrangeiro legalizado, o governo brasileiro não garante o efetivo cumprimento de tal

19 Disponível em: http://www.acnur.org/t3/fileadmin/scripts/doc.php?file=t3/fileadmin/Documentos/portugues/Estatisticas/Novo_perfil_do_Refugio_no_Brasil_Abril_2013. Atualizado em 10 de julho de 2013. 20 Disponível em: http://portal.mj.gov.br/main.asp?ViewID=%7B7605B707%2DF8BE%2D4027%2DA288%2D6CCA2D6CC1EC%7D&params=itemID=%7BE5FFE0F9%2D8F5B%2D4D22%2DAFE7%2D03E02BE2D8EA%7D;&UIPartUID=%7B2868BA3C%2D1C72%2D4347%2DBE11%2DA26F70F4CB26%7D. Atualizado em 10 de março de 2013.

América 1063 23,08

Ásia 508 10,85

Europa 97 2,17

Apátrida 5 0,11

Total 4689 100

Nacionalidade Refugiados %

Angola 1686 37,66

Colômbia 654 14,61

República Democrática do Congo 470 10,50

Libéria 258 5,76

Iraque 207 4,62

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ordenamento. Portanto, o fato de haver um ordenamento jurídico avançado não

garante, tampouco assegura o cumprimento do mesmo.

Além disso, o Brasil não dispõe de políticas públicas que viabilizem a acolhida

dessa população, conforme a necessidade dos refugiados. A grande maioria chega

sem nada, somente com a roupa do corpo. Também não falam o idioma e não

possuem nenhuma referência, conforme já relatado. Ademais, o governo brasileiro

não tem um espaço físico adequado para receber essas pessoas (conforme já

abordado acima), portanto, ao chegarem à Polícia Federal, ela os encaminha às

igrejas, a fim de que estas executem a acolhida de fato, isto é, para que ofereçam

moradia, alimentação, roupa, trabalho, e outras assistências. Então, quem de fato

faz a acolhida?

Pensar em acolhida significa obrigatoriamente pensar em todas as

necessidades básicas do ser humano, isto é, suas diferenças em todos os aspectos:

gênero, étnico, religioso, cultural, fisiológico, psíquico, além das condições mínimas

de sua própria sobrevivência, como por exemplo, sua formação e qualificação para

inserção no mercado de trabalho.

Outra situação ainda mais grave e que se intensificou a partir de 2010 refere-

se ao aumento de solicitações de refúgio realizadas por crianças e adolescentes que

sozinhos fogem de seus países. O Brasil recebeu alguns desses casos, mormente

meninas adolescentes sem nenhuma referência familiar. Seus destinos, quase

sempre, são os abrigos públicos onde ninguém fala seu idioma, tampouco conhece

sua cultura, impondo-lhes um brusco rompimento com suas raízes, haja vista terem

de assimilar rapidamente a cultura brasileira, desconsiderando a sua própria história

de vida.

Segundo dados da Cáritas de São Paulo, no período compreendido entre

1990 a 2010 o Brasil recebeu em seu território 3.598 pessoas solicitando refúgio. A

grande maioria advinda do continente africano que vive na atualidade constantes

massacres e disseminações de povos, relegados aos milhares à miséria absoluta.

Essa realidade tem feito com que milhões de pessoas fujam na tentativa de

sobreviver.

Somente na última década o Brasil contabilizou o maior número de entrada no

país. Até o período foram 1.816 pessoas, sendo 377 mulheres, 1.315 homens e 124

crianças, algumas acompanhadas das mães, outras encontradas sozinhas no

território brasileiro.

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O crescente número de solicitações esbarra na burocracia e no baixo número

de funcionários públicos, responsáveis pelo atendimento da demanda. Isso acarreta

aos refugiados uma longa espera, e como o protocolo emitido pelo CONARE gera

discriminação, quando necessitam apresenta-lo, na tentativa de inserção no

mercado de trabalho, o mesmo é visto com desconfiança pelos brasileiros. Como

consequência, tem-se a não contratação, tanto por empresas quanto por parte de

particulares.

Esse dito documento, um papel com o nome, uma foto, o carimbo da Polícia

Federal, o país de origem, constando a palavra refúgio, com frequência é associado

a criminosos, pois acreditam que a pessoa portadora cometeu crimes em seu país

de origem e fugiu para o Brasil.

Até mesmo os órgãos públicos desconhecem esse grupo. Algumas vezes, os

funcionários desses órgãos agem com discriminação, em função de confundirem os

termos refugiado e fugitivo, considerados como sinônimos.

Outro problema frequente ocorre no atendimento, vez que o idioma é um

grande impeditivo, pois o brasileiro quase sempre desconhece o idioma do

refugiado, prejudicando-o na informação requerida. Disso resultam diversas idas ao

mesmo local para obter informações, quase sempre incorretas, além da má vontade

em atender.

Há também que se considerar como agravante a formação precarizada do

solicitante de refúgio, visto que a maioria que vem para o Brasil possui baixa

escolaridade, dificultando ainda mais suas condições de vida e sua inserção no

mercado de trabalho. O fluxograma 01 apresenta nitidamente essa precarização na

formação da maioria deles.

No caso das mulheres, os problemas são ainda maiores, além de todos os

complicadores supracitados. Muitas trazem seus filhos, impossibilitando-as de

buscarem com maior celeridade o conhecimento do idioma e uma qualificação

profissional que lhes permita concorrer no mercado de trabalho.

A falta de vagas nas creches públicas obriga essas mulheres a se manterem

nos abrigos, porém, como já assinalado anteriormente, não há abrigos

governamentais que atendam o público em questão, somente os albergues.

Portanto, não havendo com quem deixar os filhos, onde morar e sem

emprego a situação fica insuportável, restando-lhes os cortiços ou a rua. Devido às

essas realidades, as precarizadas condições de vida dessa categoria social tem

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gerado o crescimento dos bolsões de miséria sociais, entulhados nos cortiços ou

nas ruas, espalhados no município de São Paulo.

A cada grupo que adentra no território nacional, sem a devida assistência,

sem políticas públicas dirigidas aos refugiados, acirram-se os problemas. Somam-se

a esses problemas a demora na emissão dos documentos, que em certos casos

ultrapassa o período 18 meses de espera, restando à refugiada viver como puder

com o “documento” de identificação, o protocolo, o qual geralmente não é aceito

para fins de inserção no mercado de trabalho.

No fluxograma a seguir, pode-se analisar o perfil da pessoa solicitante de

refúgio que vem ao Brasil, segundo a base de dados da Cáritas de julho de 2011.

FLUXOGRAMA 01 – Perfil dos solicitantes e refugiado s em São Paulo

Fonte: Banco de Dados da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, julho/2011.

O fluxograma identifica um panorama do perfil dos solicitantes e refugiados

que procuram o Brasil. A partir dele pode-se também constatar que a maioria dos

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solicitantes não conta com uma qualificação profissional, e isso decerto dificulta a

inserção dos mesmos no mercado de trabalho.

Comparando-se o quadro 02 com o quadro 03 o qual apresenta a demanda

por nacionalidade, observa se que 48,20% advêm da África, dos países de Angola e

do Congo, os que mais demandam por refúgio. Analisando-se a situação desses

países verifica-se que a realidade social dos mesmos é de extrema miséria, situação

esta que permite inferir sobre os reais motivos pelos quais as pessoas se deslocam

em busca de melhores condições de vida, isto é, melhores oportunidades de

sobrevivência.

Esse dado também questiona a definição de refúgio, uma vez que segundo a

Lei nº 9.474/97 a proteção pode ser concedida mediante “[...] fundado temor de

perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social, opiniões

políticas e violação de direitos humanos”.

Diante do exposto, considera-se que, embora os refugiados gozem de uma lei

voltada às suas especificidades, seus resultados ainda não refletem condições de

melhorias efetivas. A legislação, criada com o fito de proteger os indivíduos

refugiados que tiveram seus direitos violados em seu país de origem, ou dele não

receberam a proteção suficiente para sentirem-se seguros, não garante sozinha os

direito expressos nela, tampouco provoca mudanças. Faz-se necessário que o

Estado brasileiro, representado pelos governos dos estados, exija e fiscalize o seu

cumprimento. Faz-se necessário também maior envolvimento do Estado brasileiro

no sentido de fazer valer os direitos e garantias de cidadania expressos na referida

lei.

Assim, o Estado brasileiro conferirá maior segurança jurídica e

consequentemente maior efetivação na acolhida, a qual não pode ser entendida

apenas como um ato permissivo, em que o Brasil concede permanência ao

solicitante de refúgio, mas que, além disso, manifeste e oferte a devida proteção, a

devida condição de habitabilidade no país, de vida plena e com todos os direitos

garantidos, pois, entende-se a acolhida nesse contexto.

Desta feita, faz-se necessário repensar as condições ofertadas de fato

àqueles que chegam ao país como solicitantes de refúgio, que segundo o ACNUR

são potenciais refugiados. Sendo o Brasil signatário da Convenção de 1951, em seu

protocolo há o estabelecimento da base jurídica para os Estados-membros, no qual

destaca o princípio do non-refoulement, conforme art. 7º da Lei nº 9474/97, que

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estabelece que nenhum refugiado poderá ser enviado para um país onde sua vida

ou a sua liberdade possam estar em perigo, concedendo, mediante essas

condições, o status de refugiado.

A partir disso as chances desse indivíduo permanecer no país no qual ele

solicita o refúgio são grandes, daí a necessidade em se repensar o que de fato e

efetivamente o país oferta a um solicitante de refúgio. Nesse contexto, indaga-se:

Qual a contribuição do país para a integração e inclusão do refugiado, considerando-

se a inclusão em vias de fato, apesar de este ser um país capitalista, o qual, como

assinala Silva (2011), “exclui em massa e inclui seletivamente”?

Diante do aumento significativo nas últimas décadas no mundo de solicitantes

de refúgio e de refugiados, cabe aos Estados membros ou signatários da

Convenção de 1951 reverem suas políticas públicas de modo que possam garantir

de fato as especificidades e necessidades advindas desse grupo social.

A atual conjuntura política e econômica do capitalismo mundial expõe grandes

contingentes populacionais a condições de miséria. Um número cada vez mais

crescente de pessoas desloca-se de seus países, fogem de perseguições, de

misérias, de guerras, quase sempre impossibilitados de retornarem ao seu país de

origem. Nesse contexto, considera-se a importância do apoio dos países que

recebem essas pessoas, a fim criarem estratégias que visem o desenvolvimento e a

autonomia dos mesmos.

Por fim, pode-se concluir que o Brasil, mesmo sendo considerado um país

precursor em leis de proteção aos refugiados, precisa desenvolver e fazer valer de

fato o direito emanado por sua lei, a qual deriva na acolhida. Dar esse passo, que

vai além da entrega de uma filipeta (protocolo de solicitação de refúgio) por ocasião

da chegada do estrangeiro no país, solicitante de refúgio, significa avançar em

políticas públicas com vistas à plena inclusão desse sujeito, possibilitando-lhe

resgatar suas potencialidades, direitos e o gosto pela vida, percebendo-se capaz de

reconstruir um novo modo de viver, em novas terras, distante de sua casa materna.

Entende-se que somente a partir de uma postura de real comprometimento os

países poderão de fato contribuir na reconstrução de vidas tão vilipendiadas em

suas essências, propiciando-lhes refazer suas vidas com respeito e dignidade,

possibilidades estas que somente um novo horizonte pode lhes oferecer, ainda que

seja em terras distantes, com costumes diferentes, amor de mãe adotiva, que

mesmo não o tendo gerado, no desejo e na vontade de tê-lo, ama-o sem limites.

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Cabe também a sociedade civil não fechar os olhos a essa realidade, apesar

de se defender que a obrigação para com esses sujeitos é do Estado, porém

entende-se que esta pode contribuir, ampliando o seu olhar e ofertando

oportunidades a esse outro que se apresenta com sua “fala diferente”, com seus

costumes e modo de ser diferente.

Este é apenas o início dessa discussão. Nos próximos capítulos serão

abordadas questões específicas da mulher refugiada, objeto de pesquisa do

presente trabalho. Pretende-se prosseguir o caminho da reflexão dialógica sem a

intenção de levantar culpados, mas de modo intencional trazer à luz do debate a

situação real do grupo em questão, desvelando-se suas realidades, a fim de

oferecer-lhes possibilidades de uma vida digna, tão almejada por essas mulheres,

que as fazem partir de sua Pátria para viver noutra cultura, diferente da sua outrora.

No próximo capítulo, no intuito de corroborar com as reflexões até aqui

expostas, adentra-se à discussão sobre a Precarização do trabalho e a mulher

refugiada no Brasil.

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As constantes mudanças e

exigências do mercado de trabalho exigem políticas públicas que levem em conta as especificidades dos vários grupos sociais e da sua relação com a dinâmica do mercado de trabalho. Como as atuais políticas de emprego não seguem essa linha, sua revisão é urgente e inadiável.

Márcio Pochmann

4 PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A

MULHER REFUGIADA NO BRASIL

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4 PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A MULHER REFUGIADA NO BRASIL

4.1 Flexibilização Produtiva e Precarização do Merc ado de Trabalho

O mundo assiste nessas últimas décadas profundas mudanças no contexto

social, econômico, político e cultural. Globalização, neoliberalismo, crise dos

Estados, reestruturação e flexibilização produtiva, crise dos mercados, além de

outras transformações que impuseram novas atitudes de dominação por parte do

sistema capitalista, que promove novas formas de exclusões e de colonizações, por

meio da exploração e do endividamento das nações. Por conseguinte, a satisfação

dos direitos humanos fundamentais cede lugar a estratégias de espoliação e

opressão, que camufladas em planos de ajuda, de auxílio, submetem populações

inteiras a condições de extrema precariedade, de miséria, de pobreza absoluta.

A atual crise capitalista se reflete e é refletida nas condições de trabalho

vivenciadas pela sociedade, caracterizada pelas recentes formas de precarização do

trabalho informal, tais como o trabalho autônomo, a domicílio, sem contrato ou por

tempo determinado, utilizados para o rebaixamento de custos empresariais. Essas

chamadas “novas formas” de configuração do trabalho, pautadas no rebaixamento

de custos e precarização do trabalho por meio do emprego autônomo e nos

empreendimentos autogestionários, são apresentadas pelo sistema como

alternativas viáveis de geração de emprego e renda.

Esse cenário político, econômico e social, provocado pela crise atual, gerou

altos níveis de desemprego e a chamada flexibilização do mercado de trabalho

incorporou no setor informal bolsões de trabalhadores excluídos do setor formal, em

condições precárias de renda e sem direitos trabalhistas, tendo-se como

consequência a expansão do trabalho precarizado, parcial, temporário, terceirizado,

informalizado, etc.

Segundo Carvalho (2006), a precarização na atualidade não se apresenta

como uma tendência, mas é uma realidade agravada no momento presente, que

compõe a história do trabalho no Brasil desde os primórdios. Afirma ainda que, “[...]

o capital tem se utilizado cada vez mais do trabalho precário, subcontratado,

cooperativado, terceirizado para tornar mais flexível as regulamentações e para

recompor sua taxa de lucro”. (CARVALHO, 2006, p.184).

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Diante das atuais configurações do trabalho, ou melhor, de suas

desconfigurações, a precarização do trabalho constitui-se como um novo fenômeno

vivenciado no Brasil, surgido a partir da década de 1990, que gerou mudanças

radicais nas formas de gestão, organização, na legislação trabalhista e social, além

das mudanças influenciadas pelas inovações tecnológicas, ocasionadas pela

reestruturação produtiva do capital.

Segundo Druck (2013), o caráter dessa precarização apoia-se na

institucionalização do processo de flexibilização e precarização moderna do trabalho

no contexto econômico, social e político globalizado, haja vista a necessidade de

adaptação do capital aos novos tempos.

Apesar dessa nova conformação precarizada do trabalho atingir a todos os

países, a reestruturação produtiva do capital no Brasil desenvolveu-se de forma

intensiva pela implantação de variados receituários oriundos da acumulação flexível

geradores das subcontratações e terceirização da força de trabalho. Verificou-se

nesse processo de descentralização produtiva, caracterizada pela realocação da

mão de obra, um movimento de mudanças de forma organizada, cujo objetivo

consistiu em atingir os níveis mais rebaixados de remuneração da força de trabalho,

acentuando os traços de superexploração do trabalho. A esse processo de

reorganização do capital, Harvey (1993), sustenta que:

[...] o capitalismo está se tornando cada vez mais organizado através da dispersão, da mobilidade geográfica e das respostas flexíveis nos mercados de trabalho, nos processos de trabalho flexíveis nos mercados de consumo, tudo isso acompanhado de pesadas doses de inovação tecnológica, de produto e institucional. (HARVEY, 1993, p.150-151).

Como consequência das práticas flexíveis de contratação da força de

trabalho, por meio da ampliação dos processos de terceirização e das

subcontratações, aumentou a precarização dos empregos e dos salários o que

evidenciou a desregulamentação do trabalho e dos direitos sociais. Em

concomitância a essa situação há a diminuição de postos assalariados de trabalho

formal, ampliando o contingente de trabalhadores informais no mercado de trabalho,

de trabalho precário e tempo parcial.

Essa ampliação de desempregados, segundo Passet (2002), exerce controle

nas reivindicações trabalhistas, tornando “[...] o desemprego em um meio de gestão

[...] capaz de moderar as reivindicações salariais, criando, dessa forma, a teoria das

demissões de competitividade”. (PASSET, 2002, p. 179).

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Nesse contexto o trabalhador passa a aceitar qualquer condição de inserção

e, ao mesmo tempo, qualquer salário é aceitável. A precarização do trabalho regula

a servidão e a reprodução do sistema, criando grandes bolsões de trabalhadores

sobrantes, descartáveis, capazes de servirem à reprodução do capital pela redução

do valor do trabalhador e da remuneração da força de trabalho em amplitude global,

pela retração salarial dos que se encontram empregados.

Essa realidade neoliberal passa a influenciar inclusive a ação sindical no

Brasil, responsável pela defesa dos direitos trabalhistas, flexibilizando os direitos e

vantagens historicamente consagrados pelos trabalhadores brasileiros, a pretexto de

modernizar a economia e as relações de trabalho com o objetivo de inserir o país na

nova ordem mundial (ANTUNES, 2013).

As centrais sindicais, que antes se organizavam em defesa dos direitos

trabalhistas, mostram-se, em face do neoliberalismo, mais propensas a negociar

esses direitos. Esse tipo de negociação sindical acabou por se traduzir em perdas

significativas de direitos aos trabalhadores, à medida que, ao fazerem concessões,

ampliam o quadro de precarização destes em face da ameaça recorrente do

desemprego.

A precarização crescente das relações e condições de trabalho nesse

contexto de perda de direitos trabalhistas e de acomodação das lutas sindicais

favoreceu o processo de informalização do mercado de trabalho, ampliando a

fragilidade e a assimetria das relações entre o capital e o trabalho. Esse cenário, em

última instância, traduziu-se objetivamente no cerne das questões que envolvem o

mundo do trabalho na perspectiva das relações societárias.

O neoliberalismo vigente, ao reconfigurar e ampliar a precarização social do

trabalho eleva os níveis de desemprego, permitindo o deslocamento do trabalho do

núcleo central que ele ocupa nas relações societárias para as margens da realidade

social, esvaziando-o de essencialidade. Nesse processo, grassam discursos

ideológicos representativos de perda da centralidade do trabalho sob uma

conjuntura na qual “[...] milhões de pessoas são condenadas à condição de

supérfluos, de descartáveis pelo sistema global do capital em escala mundial”

(ANTUNES, 2004, p. 08).

Segundo Gomes (2001), os efeitos do emprego ou desemprego atingem o

trabalhador e seu núcleo familiar. Para esse autor, as condições precárias de

trabalho promovem a insegurança e a falta de perspectiva, uma vez que:

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[...] interferem no tempo livre do trabalhador, atingem um dos momentos fundamentais do ser humano, necessário para recuperação do cansaço cotidiano. [...] O ser humano sem emprego, não tem cidadania, não tem perspectiva, fica brutalizado: excluído da sociedade fica desesperado e seus atos muitas vezes não são dotados de racionalidade. [...] Além disso, o desemprego atinge o núcleo familiar do trabalhador, que também é condenado à insegurança e à desvalorização no contexto social. (GOMES, 2001, p. 304).

As precárias condições de trabalho também se constituem em constantes

ameaças de desemprego, assim como a vivência de exploração acentuada da força

de trabalho e o ritmo de trabalho acelerado e exaustivo acabam por comprometer as

relações de sociabilidades da classe trabalhadora, intensificando os níveis de

adoecimentos físicos e psíquicos. Para Antunes (2013), a ausência do emprego ou a

precarização do trabalho vulnerabiliza a família, o que fragiliza as condições de

equilíbrio emocional e de saúde da classe laboral. Essa fragilização corrói a

dignidade humana e a autoestima dessa classe, visto que o desemprego “[...] se

torna cada vez mais de longa duração, deixa de ser uma condição provisória e

transforma-se numa situação de longo prazo ou mesmo permanente” (ANTUNES,

2013, p. 62).

Esses aspectos demarcam os reais objetivos que estão por trás do discurso

de humanização que acompanha as relações de trabalho, pautadas na flexibilização

do mercado de trabalho. O ritmo do trabalho, a pressão pelo aumento da produção,

a precarização das relações de sociabilização revelam o quanto o trabalhador está

exposto à violência promovida pelo capital, impondo-lhe condições de trabalho que

desrespeitam os limites físicos do ser humano.

As pressões psicológicas associadas às inovações tecnológicas combinadas

aos novos métodos gerenciais e a intensificação do trabalho provocaram no

trabalhador graves prejuízos que se traduziram em uma série de agravos à saúde:

envelhecimento prematuro, aumento do adoecimento e morte por doenças

cardiovasculares e outras doenças crônico-degenerativas, especialmente as

LER/DORT, além de um conjunto de sintomas na esfera psíquica (DIAS, 2000).

Agregado a essas questões tem-se a precarização das relações de trabalho,

a perda de postos e a exigência de polivalência da atuação do trabalhador, além da

cobrança por novas competências quanto ao domínio das inovações tecnológicas

decorrentes dos processos de reestruturação produtivas que requerem diferenciadas

capacitações na atividade laborativa. Diante dessas novas exigências tem-se a

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ampliação e o agravamento, como supracitado, do quadro de doenças e riscos de

acidentes nos espaços sociais e ocupacionais.

Os ajustamentos à nova economia global, particularmente em países em

desenvolvimento como o Brasil, ocasionaram as modificações ocorridas no mundo

do trabalho e a flexibilização do trabalho, deteriorando ainda mais as condições

sociais e de vida do trabalhador. Como consequência tem-se o desmantelamento

das políticas sociais, dos serviços públicos, das proteções aos direitos trabalhistas e

a expansão sem precedentes de trabalhadores em condições precárias de trabalho.

Nesse contexto, o sistema global do capitalismo, em sua face neoliberal,

exclui e inclui trabalhadores segundo seus interesses, dilapidando direitos e

racionalizando os sistemas produtivos pelas políticas de subcontratações que

precarizam laços empregatícios e flexibilizam o uso da força de trabalho.

Segundo Mészáros (2006), o maior problema acerca da precarização do

trabalho incide na desregulamentação dos direitos trabalhistas, cuja política

neoliberal decorrente tem se apresentado na realidade concreta como prática

autoritária e é regulamentada por uma legislação antitrabalho. Essa

desregulamentação ao mesmo tempo em que fragiliza a proteção social do

trabalhador corrobora para o avanço contínuo do capitalismo. A flexibilização e a

desregulamentação das relações de trabalho deterioram as condições de vida e de

trabalho dos trabalhadores, em contrapartida o sistema financeiro aumenta

vertiginosamente seus lucros.

Estudos demonstram que a desregulamentação das relações de trabalho

provocou o aumento do desemprego. Segundo Boito Jr. (1999), foi a partir da

década de 90 do século passado que os governos neoliberais no Brasil investiram

maciçamente nesses processos de desregulamentação. O modo mais declarado

assumido pelo governo nesse contexto foi a não fiscalização às empresas,

permitindo que as mesmas impusessem suas regras aos trabalhadores, que sem

suporte legal acatavam a ordem. O “exército de reserva” às portas das indústrias

eram exemplos tácitos de sua condição descartável para o mercado.

O tripé de sustentação desse sistema, desregulamentação, flexibilização e

terceirização subordinam os trabalhadores a uma exclusão integrativa marginal,

como assinalado por Martins (2008), incluindo o trabalhador de maneira precária,

marginal e instável, permitindo-lhe condições mínimas de sobrevida, da

expropriação de sua própria vida, do não pertencimento a si mesmo.

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Segundo Harvey (2011), a oferta ou ausência da demanda por emprego é

provocada pelos próprios empresários que manipulam o mercado de trabalho de

acordo com seus interesses, pois, “[...] em algumas ocasiões, os capitalistas [...]

iniciam uma greve, recusando-se a reinvestir, porque os salários mais altos são um

corte em sua rentabilidade” (HARVEY, 2011, p. 56). O desemprego resultante

dessas atitudes flexibiliza as condições da oferta de trabalho, obrigando o

trabalhador a aceitar precarizadas condições de inserção e salários menores. A esse

respeito Harvey (2011), assinala:

As tecnologias de economia de trabalho e as inovações organizacionais podem mandar as pessoas para fora do trabalho e de volta à reserva industrial. O resultado é um exército “flutuante” de trabalhadores demitidos cuja existência coloca uma pressão descendente sobre os salários. O capital manipula simultaneamente a oferta e a demanda de trabalho (HARVEY, 2011, p. 56).

Disso resultam as precarizações impostas ao trabalhador que o condicionam

como supérfluos, desnecessários, descartáveis, degradando-o na sua condição de

ser humano como apontado por Antunes (2005):

[...] cada vez menos homens e mulheres trabalham muito, em ritmo e intensidade que se assemelham à fase pretérita do capitalismo, quase similarmente à época da primeira Revolução Industrial. E, na marca da superfluidade, cada vez mais homens e mulheres encontram menos trabalho, espalhando-se à cata de trabalhos parciais, temporários, sem direitos, “flexíveis”, quando não vivenciando o flagelo dos desempregados. Em pleno mito neoliberal do individualismo exacerbado, tal como a ideologia do “empreendedorismo”, presenciamos de fato um individualismo possessivo cada vez mais desprovido de posse, onde cada vez amplas parcelas de trabalhadores e trabalhadoras perdem até mesmo a possibilidade de viver da venda de sua única propriedade, a sua força de trabalho (ANTUNES, 2005, p. 17).

Em condição precarizada de inserção ou como expropriados de sua única

propriedade, a força de trabalho, o capital nega aos trabalhadores a possibilidade

de buscarem seus direitos, visto que estes passam a ser negociados em condições

desfavoráveis. Mészáros (2006), aponta que essa situação atual representa uma

fase diferenciada no desenvolvimento histórico do capitalismo, na qual o

desemprego passa a se constituir como característica dominante, uma vez que

nessa nova configuração o sistema capitalista,

[...] é constituído por uma rede fechada de inter-relações e de interdeterminações por meio da qual agora é impossível encontrar paliativos e soluções parciais ao desemprego [...] em agudo contraste com o período desenvolvimentista do pós-guerra, em que políticos liberais de alguns países privilegiados afirmavam a possibilidade do pleno emprego em uma sociedade livre (MÉSZÁROS, 2006, p. 31).

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Nessa nova lógica neoliberal a oferta e o discurso de pleno emprego

constituem-se em possibilidades falaciosas, apesar de gerarem grandes

expectativas às classes trabalhadoras. A acumulação capitalista e o crescimento do

desemprego em nível mundial derrubaram essas expectativas. A partir de 1994 o

Brasil passou a ocupar o 4º lugar no bloco dos países com maior elevação de

desemprego. (POCHMANN, 2006).

Ao final dos anos 90 do século passado aumentaram as ocupações cujas

condições de trabalho eram cada vez mais precárias. A forma de inserção no

mercado de trabalho dessas ocupações ocultava a face real do desemprego, em

especial as que vislumbram o chamado trabalho autônomo. A esse respeito

Pochmann (2006), sustenta,

[...] que as ocupações por conta própria podem ser muitas vezes identificadas como uma das novas formas de inserção ocupacional moderna, especialmente no caso do trabalho autônomo para a grande empresa, pois surgem em condições de remuneração e de trabalho mais favoráveis (técnicos especializados e mão de obra com alta escolaridade, com grande experiência profissional). No Brasil, no entanto, o trabalho por conta própria que realmente tem expandido é o tradicional, mais conhecido por trabalho autônomo para o público, que se caracteriza, em geral, por ser portador de condições de trabalho e de remuneração precárias (POCHMANN, 2006, p. 61).

Apesar dessa desconfiguração do trabalho, o discurso ideológico promovido

tanto pelo capital quanto pelo Estado exacerbou (e exacerba) a necessidade de

prestadores de serviços autônomos, retirando-lhes a responsabilidade dos custos

com essa força de trabalho.

Incorporado o discurso ideológico do serviço autônomo restou ao trabalhador

a tentativa de sobrevivência nessa condição. Entretanto, isso se constituiu como um

enorme desafio, tendo em vista que as relações de trabalho associadas ao trabalho

autônomo revelaram contratações de prestações de serviços temporários

dissimulados e marcados pela vulnerabilidade. Nesse contexto o trabalho autônomo

constituiu-se em estratégia precarizada de sobrevivência, empreendida por

trabalhadores que apresentavam dificuldades de reemprego ou de ingresso no

mercado de trabalho, inseridos em ocupações de baixa produtividade.

Nessa conjuntura o que se constatou foi o aumento das ocupações precárias

informalizadas na qual o capital se viu desobrigado em arcar com os custos sociais.

Como consequência aumentou sua lucratividade e reduziu os gastos “[...] com

departamento de pessoal, [o qual era utilizado] tanto para motivar os trabalhadores

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quanto para gerenciá-los em sua produção” (CACCIAMALI, 2000, p. 152). As

ocupações autônomas eram efetivadas por grupos familiares de trabalhadores, sem

garantias previdenciárias asseguradas.

No que diz respeito ao papel do Estado, os órgãos legalmente

regulamentados para acompanhar e subsidiar os grupos de trabalhadores

autônomos formaram a grande rede de apoio ao capital, nas ausências de

fiscalizações quanto às condições de trabalho.

Restou ao trabalhador autônomo “[...] sonhar com as propagandas enganosas

do governo e de suas agências, incentivando-o a ser seu próprio patrão, ser uma

pessoa bem sucedida tendo seu próprio negócio” (CACCIAMALI, 2000, p. 152).

Nessa configuração, o trabalhador “[...] não é registrado, portanto não tem acesso às

convenções coletivas de sua categoria e não tem direito ao seguro desemprego”

(MARTINS E DOMBROSWSKI, 2000, p. 24-39), portanto um “trabalhador

descadastrado e desfiliado” (CASTEL, 2000) do sistema de proteção social.

Destarte, este trabalhador não se percebe como classe, mas prestador de um

serviço isolado, cuja alienação passa pela sua não identificação com o seu grupo,

com a categoria laboral que pertence. Passa a se identificar como indivíduo,

identificando-se por meio de relações afetivas e domésticas, o que afeta diretamente

as relações de direito e o modo de produção.

Para o trabalhador se realizar como trabalhador autônomo o Estado incentiva

empréstimos e orientações empreendedoras e gerenciais. Conforme orientado pela

OIT cresceu nos anos 90 o incentivo para o empreendedorismo e cooperativismo,

paralelo ao aumento de situações de trabalhos precários. Estudos realizados a partir

do contexto da globalização demonstram que a maioria dos trabalhadores que se

empenharam em “abrir seus próprios negócios”, fecharam as portas antes mesmo

de completar um ano. Outros acumularam dívidas que dificilmente teriam condições

de pagar.

A lógica da flexibilização no processo de reestruturação produtiva afetou de

forma desigual o emprego masculino e feminino, com a estagnação daquele e o

crescimento deste (ANTUNES, 2004). Ressalte-se que apesar de ocorrer esse

aumento do gênero feminino no mercado de trabalho, ele se manifestou

majoritariamente em áreas nas quais predominam os empregos precários e

vulneráveis.

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E assim, sem o pertencimento de si mesmo, ou seja, de sua própria força de

trabalho, homens e mulheres cada vez em maior número, encontram-se desprovidos

do mínimo necessário para sua subsistência. No cenário das discussões

contemporâneas, essa “nova” configuração do trabalho modifica não somente as

relações materiais como também gera uma nova subjetividade sobre as relações de

gênero na sociedade em geral.

Diversos estudos reunidos de Pollert (1996), Hirata (2002), Saffioti (1994) e

Segnini (2000), têm demonstrado que gradativamente o número de mulheres

inseridas no mercado de trabalho vem apresentando um aumento significativo.

Esses estudos também apontam que tal inserção se dá de modo precário, no que se

pode denominar de inclusão excludente. Como afirma Antunes, isso se dá pelo fato

de que:

[...] quando se trata da temática salarial e dos direitos, em que a desigualdade salarial, quando as mulheres são comparadas aos homens, contradita a sua crescente participação no mercado de trabalho. Seu percentual de remuneração é bem menor do que aquele auferido pelo trabalho masculino. O mesmo frequentemente ocorre no que concerne aos direitos e condições de trabalho (ANTUNES, 2005, p. 29).

Encontra-se também em Mészáros (2002), a seguinte reflexão a respeito da

participação da mulher na esfera pública:

[...] a estrutura de comando do capital sempre foi e para sempre será totalmente incompatível com a ideia de conceder a qualquer pessoa igualdade substantiva na tomada de decisões, até mesmo às “personificações do capital” que devem operar rigorosamente sob seus ditames materiais. Nesse sentido, quer as mulheres tenham quer deixem de ter o direito de votar, elas devem ser excluídas do verdadeiro poder de decisão por causa de seu papel decisivo na reprodução da família, que terá de se alinhar com os imperativos absolutos e os ditames autoritários do capital. E isto deve acontecer porque a família, por sua vez, ocupa uma posição de importância essencial na reprodução do próprio sistema do capital: ela é seu “microcosmo” insubstituível de reprodução e consumo (MÉSZÁROS, 2002, p. 277).

Apesar da importância da mulher trabalhadora na reprodução do sistema

capitalista, constata-se a manutenção da desigualdade na divisão sexual do

trabalho, bem como as relações de opressão do homem sobre a mulher. Essas

realidades são fundamentais para que o sistema capitalista imponha sobre ambos

sua lógica dominante.

O processo de precarização do trabalho, mais especificamente do trabalho

feminino, causa tanto a degradação humana da trabalhadora desvalorizada, quanto

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de sua família e, consequentemente, em terceiros que são afetados por essa

relação desigual e injusta.

Os baixos salários recebidos pelas mulheres, desiguais em relação aos

homens, contribuem significativamente para esse processo de degradação feminina

no trabalho. A justificativa do capital para corroborar essas diferenças se sustenta

pelo discurso falacioso da baixa qualificação feminina diante das atuais exigências

do mercado. Segundo esse discurso, as vagas de emprego que requerem

qualificação e conhecimento técnico são disponibilizadas, mas não ocupadas pelo

segmento feminino. Dessa forma, o mercado tende a utilizar a mão de obra feminina

em funções inferiores, pagando-as um salário menor na qual se exige menor

qualificação.

O embuste desse discurso se evidencia quando se confrontam os dados da

realidade. Em pesquisa realizada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de

Dados (SEADE) na Região Metropolitana de São Paulo em 201021 comprova-se que

houve um significativo aumento da inserção no mercado de trabalho das mulheres

com nível escolar superior. Quando a mesma pesquisa aponta a relação entre essa

ocupação e as faixas salariais recebidas, constata-se que mulheres ocupando o

mesmo cargo que homens, com o mesmo grau de formação, percebem valores

inferiores, chegando a 25% a menos que seus colegas do sexo masculino. À medida

que o nível de instrução diminui aumenta a disparidade salarial entre gênero.

Depreende-se disso que para o gênero feminino ainda é reservado alto grau

de discriminação no mercado de trabalho. Para que a mesma possa galgar um

espaço no mercado de trabalho, cuja remuneração salarial viabilize o seu sustento,

faz-se necessário que possua qualificação superior ao gênero oposto, apesar disto

não lhe garantir salário maior.

Segundo a Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (PNAD – 2011), dos 57

milhões de domicílios recenseados, 37,3% são chefiados em sua maioria por

mulheres, conforme supracitado. Isso ocorre com as mulheres percebendo

remuneração inferior aos homens, o que provoca o agravamento das condições de

sobrevivência das famílias brasileiras, embora os órgãos oficiais divulguem com

frequência que o poder de consumo aumentou.

21 Publicação “Mulher e Trabalho” divulgado em março de 2011.

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Conforme anteriormente assinalado, as diferenças salariais de gênero são

compatíveis à desigualdade própria do sistema capitalista quanto à estrutura de

comando do capital, fazendo com que as mulheres em condições degradantes

sejam obrigadas a enfrentar um injusto processo de concorrência com os homens

nos postos de trabalho em oferta. A esse respeito, Harvey (2011), afirma:

No decorrer do tempo, os capitalistas têm procurado controlar o trabalho, colocando trabalhadores individuais em concorrência uns com os outros para os postos de trabalho em oferta. A força de trabalho potencial tem gênero, raça, etnia e tribo ou se divide pela língua, política, orientação sexual e crença religiosa, e tais diferenças emergem como fundamentais para o funcionamento do mercado de trabalho. Tornam-se ferramentas por meio das quais os capitalistas administram a oferta de trabalho em conjunto com os setores privilegiados da força de trabalho que usam o racismo e o machismo para minimizar a competição. Ao longo de sua história o capital não foi [...] relutante em explorar, se não promover, fragmentações, e os próprios trabalhadores lutam para definir meios de ação coletiva que muitas vezes se defrontam com os limites das identidades étnicas, religiosas, raciais ou de gênero (HARVEY, 2011, p. 57–58).

Harvey (2011), assinala que o fosso salarial entre homens e mulheres não

desapareceu, “[...] mesmo após meio século de campanha pelo princípio ‘salário

igual para trabalho igual’, mesmo nos Estados Unidos, onde as pressões têm sido

provavelmente mais fortes” (HARVEY, 2011, p. 59).

No Brasil, este quadro pode ser confirmado nas pesquisas que apontam a

oferta de emprego às mulheres. Segundo levantamentos da SEADE (2013)22,

embora tenha crescido a oferta de emprego para as mulheres, o mesmo não ocorre

em relação à percepção salarial destas, que continuam em desvantagem, com

valores médios 77,0% menores do que o salário recebido pelos homens em funções

iguais.

Outro fator, revelado pela pesquisa supracitada, que contribuiu para o

aumento da empregabilidade feminina é o crescimento do mercado de trabalho no

setor de serviços. Com isso constata-se que para a mulher ainda lhe é reservada a

esfera inferior. Mesmo quando se trata de uma possível ascensão, essa vem

acompanhada pela marca da desigualdade de gênero nas funções menores nas

empresas, distante do denominado trabalho decente, cujo conceito, segundo OIT

(2012), pressupõe:

[...] o direito de todo homem ou mulher ao exercício de um trabalho produtivo, adequadamente remunerado e exercido em condições de liberdade, equidade e segurança. Ele é não somente a garantia de uma vida

22 Fonte: Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional. Convênio Seade – Dieese e MTE/FAT.

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digna para o trabalhador e para a trabalhadora, mas também uma condição básica para a superação da pobreza e redução das desigualdades sociais, além de ser uma garantia para a governabilidade democrática e para um desenvolvimento autônomo e sustentável (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2012, p. 5).

A questão reside em definir a “remuneração adequada”. Vários economistas,

estudiosos do assunto, apontam para valores 4,5 vezes acima do salário mínimo

praticado na atualidade, para que a pessoa possa ter uma vida minimamente

decente. A cada ano em que o governo anuncia o aumento salarial, as empresas

logo se manifestam e ameaçam com demissões em massa, pois os reajustes mais

os impostos tornarão inviável a manutenção dos profissionais.

Essa situação excludente e de precarização do trabalho agrava-se quando se

descreve a realidade de trabalhadoras que não falam o idioma pátrio. No universo

do trabalho feminino, e em especial o do trabalho das mulheres refugiadas no

município de São Paulo, objeto de análise dessa dissertação e abordadas mais

adiante, as condições de trabalho desse grupo social confirmam as constatações

teóricas da precarização até aqui abordadas. Essas condições se tornam mais

aviltantes considerando-se que essas trabalhadoras se encontram fora de seu país

de origem e ao mesmo tempo provedoras familiares.

A partir dessa reflexão faz-se necessário discutir o processo de proteção em

relação às refugiadas. Se no caso de trabalhadores brasileiros a situação é de

aviltamento das condições de trabalho, precarização social e desregulamentação no

processo atual de flexibilização produtiva, o quadro de trabalhadoras que não falam

o idioma pátrio, constitui-se em um desafio investigativo. É o que se propõe abordar

no item a seguir, no qual se busca aprofundar algumas dessas situações

enfrentadas por pessoas que desconhecem essa relação de trabalho, em especial

ao que tange as normas reguladoras de seus direitos e deveres.

4.2 A Mulher Refugiada e a Proteção Social: realida de brasileira

As constantes transformações sociais, já amplamente discutidas, têm gerado

uma movimentação de pessoas pelo mundo em busca de melhores condições de

vida, conforme apresentado nos capítulos anteriores.

Essas mudanças, ocasionadas pela institucionalização da flexibilização do

trabalho, consequência da revolução tecnológica e pela precarização das condições

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de trabalho, requerem novas soluções aos problemas apresentados, mediante a

criação de programas que visem à proteção de grupos sociais emergentes, que ao

longo da história da humanidade vão surgindo e também se metamorfoseando,

como, por exemplo, os sujeitos refugiados.

Sabe-se, no entanto, que a história de pessoas que saem de seus países em

busca de melhores condições de vida é antiga. Também é de conhecimento público

que o Brasil é signatário de acordos, tratados e leis internacionais sobre o refúgio,

portanto, se o reconhecimento de refúgio pelo governo brasileiro já demanda certo

tempo, percebe-se que o tema em questão não é novo, embora desconhecido.

O que se apresenta de novo no cenário do refúgio são as atuais demandas

que tem se intensificado pelo mundo, nas quais se encontram mulheres, crianças e

idosos. Segundo documento do ACNUR (2009), os sujeitos refugiados estão mais

expostos às situações de violações de direitos:

Estas pessoas geralmente enfrentam uma série de riscos a sua proteção: ameaças de detenções e prisões, “refoulement”, assédio, exploração, discriminação, abrigos superlotados, bem como vulnerabilidade à violência sexual e baseadas em gênero, HIV- AIDS, contrabando de tráfico de pessoas (ACNUR, 2009, p. 2).

Acresce-se ao número de solicitantes de refúgio no Brasil os grupos acima

expostos, ou seja, pessoas que já em sua chegada necessitam de proteção social,

visto que a assistência que é universal, e, portanto, para todos, passando a ser

também para os recém-chegados advindos de todas as partes do mundo.

E esse respeito Ramirez (2011), por ocasião da comemoração dos 60º

aniversário da Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados, afirmou que:

Por ironia histórica, este ano será recordado pela convergência de diversos conflitos e desastres naturais de diferentes tipos [...] em que os fluxos migratórios forçados se expressam com a desesperada e trágica fuga de milhares de civis. Na maioria das vezes, essas pessoas se refugiam em países economicamente desfavorecidos, com carências endêmicas da infraestrutura mais básica e dos serviços públicos mais elementares (RAMIREZ, 2011, p. 7).

Assim, os refugiados ao adentraram o território brasileiro, passam a ser de

responsabilidade do Estado, obrigando-se o governo brasileiro a prestar a devida

assistência básica requerida pelos mesmos. Portanto, tal grupo social necessita de

atendimento da assistência social, aumentando o número da demanda que depende

de assistência pública para suprir suas necessidades básicas. No entanto, esse

grupo social é quase sempre desassistido, além de ficar exposto a riscos de

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proteção, como detenção e deportação, conforme informa o documento do ACNUR

(2009):

[...] o ACNUR reconhece as dificuldades que podem surgir em situações onde número significativo de refugiados reside em áreas urbanas. Tais movimentos podem pressionar consideravelmente os recursos e serviços que já não atendem as necessidades dos pobres urbanos. Refugiados que se mudam para uma cidade, geralmente ficam expostos a riscos de proteção, como detenção e deportação, especialmente em situações em que estejam oficialmente excluídos de áreas urbanas e do mercado de trabalho (ACNUR, 2009, p. 3).

O agravamento da situação tem se dado devido às guerras deflagradas em

escala global, que mundialmente provocam o aumento do número de refugiados,

como assinala o representante do ACNUR no Brasil:

Os horrores da guerra atingem todas as esferas, deixando uma profunda e indelével marca na sociedade, e nos indivíduos que a integram. A constatação mais trágica é que a população civil é quem cada vez mais sofre com os terríveis embates da violência bélica. A natureza dos confrontos militares no século XXI tem se tornado ainda mais complexa, e os mecanismos de prevenção de conflitos não parecem estar funcionando. O ano de 2012 está sendo ainda pior do que o anterior, na medida em que o mundo está sendo fortemente abalado por conflitos internos, os quais têm resultado em números recordes de refugiados (RAMIREZ, 2012, p. 7-8).

Esses fatos acarretam um aumento na demanda no que concerne aos

serviços públicos e sociais, já tão insuficientes à população nacional. Sposati (2009)

salienta que a ideia de proteção contém um caráter preservacionista – não de

precariedade, pois determina a noção de segurança social como a de direitos

sociais, conforme assinalado a seguir pela autora:

Supõe antes de tudo, tomar a defesa de algo, impedir sua destruição, sua alteração. A ideia de proteção contém um caráter preservacionista – não da precariedade, mas da vida , supõe apoio , guarda , socorro e amparo (grifos nossos). Esse sentido preservacionista é que exige tanto a noção de segurança social como a de direitos sociais (SPOSATI, 2009, p. 21).

Pensar a proteção social a partir desse viés de atendimento integral ao

refugiado, em suas diversas necessidades, implica pensar na preservação da vida

do gênero humano. As refugiadas o são, porque tiveram seus direitos ameaçados

em seu país de origem. Exilam-se em busca de um lugar e local que lhes dê

segurança e lhes possibilite, minimamente, condições para sobreviver. Constata-se,

entretanto, que as garantias sociais dos refugiados, em especial das refugiadas, são

constantemente violadas por parte do Estado.

Dois movimentos ocorrem em relação a essas refugiadas. O primeiro diz

respeito àquelas que vêm com os filhos, que em sua maioria são menores de idade.

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Devido a isso não possuem condições para trabalhar, restando-lhes como

responsabilidade os cuidados consigo mesmas e com sua prole. O segundo

movimento diz respeito às que chegam sós, cujos filhos permaneceram em seus

países de origem. Estas últimas arriscam-se em fuga sozinhas com o fito de

inicialmente se organizarem no país que as acolhe e somente após isso se

preocupam em trazer os filhos, inclusive pensam também em trazer outros membros

da família em momentos mais oportunos.

As que chegam com os filhos encontram dificuldades de se inserirem no

mercado de trabalho, pois para que isso ocorra dependem de outros fatores como

encontrar vagas em creches para poderem trabalhar. A demora na inserção dura em

média dezoito meses ou mais. As dificuldades em ter onde deixar seus filhos influi

nas condições para conseguirem a inserção, vez que sequer podem participar de

cursos de língua portuguesa, tampouco podem frequentar cursos profissionalizantes.

As dificuldades de acesso ao mercado de trabalho e de proteção aos filhos

afeta diretamente nas perdas de direitos garantidos e assegurados por lei, que

segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu Art. 53 prescreve

que:

A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-lhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; V - acesso a escola pública e gratuita próxima de sua residência. (ECA, 2008, p. 203-204).

O Art. 53 do ECA, em seu caput, ressalta a primazia para o desenvolvimento

da pessoa antes de qualquer outra preocupação de que venha a ocorrer. Portanto,

essas crianças refugiadas devem ter garantido o seu acesso à creche, à escola

pública, gratuitas e próximas a sua residência, uma vez que a negação de tais

direitos implica no descumprimento do Estatuto.

Essas crianças, para terem assegurado o seu pleno desenvolvimento,

necessitam que o município, como o responsável por essa proteção, cumpra sua

função, isto é, oferte-lhes, conforme prescrições legais, creches e escolas públicas

gratuitas que as recebam e assegurem seus direitos, pois somente assim, assistidas

pelo município, suas mães poderão realizar cursos e buscar condições efetivas que

viabilizem sua inserção no mercado de trabalho.

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O não cumprimento legal por parte do município no que concerne à oferta de

vagas em creches e escolas às crianças, filhos das solicitantes de refúgio ou

refugiadas, atinge diretamente suas mães ao chegarem ao Brasil, visto que, sem o

apoio devido e a desproteção aos filhos ficam impossibilitadas de promoverem o seu

próprio desenvolvimento, por meio de ações que favoreçam a sua formação,

qualificação profissional e inserção social, imprescindíveis à sobrevivência de forma

autônoma.

As mulheres solicitantes de refúgio e refugiadas buscam no Brasil o apoio e a

proteção que lhes foi negada em seu país de origem. Esperam encontrar no

ordenamento jurídico do país que lhes dá refúgio, o respaldo necessário para a

preservação de sua vida. Na letra da Lei 9.474/97 é possível encontrar essa

garantia, conforme indicam Carlet e Milesi (2006):

[...] A Lei 9.474/97, além de ser um avanço na internalização do Direito Internacional dos Refugiados, constituiu-se também numa política pública de amplo significado nesta causa. Com o amadurecimento da temática e o debate sobre a importância do acesso dos refugiados à educação , ao trabalho , à saúde , à moradia , ao lazer (grifos nossos), o Brasil vem reconhecendo, em termos legais e teóricos, a necessidade de implementação de políticas públicas específicas e a possibilidade de acesso dos refugiados às políticas existentes, ao amparo, como já dissemos, da disposição constitucional de tratamento paritário entre nacionais e estrangeiros residentes no país [...] (CARLET e MILESI, 2006, p. 134).

A Lei 9.474/97 expressa as principais proteções que o refugiado requer para

viver no país de refúgio, como: educação, trabalho, saúde, moradia e lazer. Essas

necessidades, também requeridas e direito da sociedade em geral, devem ser

implementadas por meio de políticas públicas que reconheçam esses refugiados

como sujeitos de direitos no país.

Entretanto, a realidade vivenciada de fato pelos refugiados e por todos os

excluídos sociais no Brasil revelam um quadro crescente de extrema pobreza, o qual

é considerado como alarmante por estudiosos que examinam as necessidades

sociais da população, medida segundo a capacidade de consumo de bens básicos.

Pode-se afirmar, assim, que os direitos previstos na Lei supracitada e a realidade

dos refugiados são díspares, conforme afirma Teixeira (2008), em seu estudo:

Estudos e diagnósticos sobre as necessidades sociais têm sido nos anos recentes profícuos na demonstração de um quadro alarmante da pobreza, medida segundo a capacidade de consumo de bens básicos. Sem pretender reproduzi-los, torna-se necessário identificar a maneira como descodificar a pobreza, a fim de discutir a sua pertinência no encaminhamento das políticas de proteção social. Em geral esses estudos se alicerçam em indicadores econômicos e demográficos capazes de

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descrever a inserção no mercado de trabalho, o nível de renda, o consumo de alguns bens e serviços e finalmente os efeitos dessa situação na saúde e educação. (TEIXEIRA, 2008, p. 47).

A constatação do aumento da pobreza pode ser evidenciada nas condições

de vida da população de refugiados que vive no Brasil, os quais dependem quase

que exclusivamente da assistência benemérita de entidades assistenciais-

filantrópicas, sem qualquer apoio do Estado brasileiro.

Diante da desproteção estatal a que estão expostas às refugiadas no Brasil,

resta-lhes os parcos serviços que lhes são ofertados, oferecidos pelas entidades

filantrópicas, instituições em sua maioria ligadas à igreja católica, que acolhem os

solicitantes de refúgio e refugiados. No município de São Paulo há uma casa que

oferece moradia e atende especificamente a esse público, a mulher refugiada só ou

acompanhada de seu(s) filho(s), intitulada “Centro Social Nossa Senhora

Aparecida”.

Até a conclusão deste estudo não se teve informações sobre outro

atendimento com moradia destinado especificamente ao atendimento da mulher

refugiada no Brasil. Essa casa é mantida por uma organização filantrópica de cunho

religioso e não recebe qualquer subvenção de órgãos públicos, do ACNUR ou de

qualquer outra organização privada. A referida entidade é mantida mediante

recursos próprios, do trabalho das freiras sócias da congregação religiosa

mantenedora.

Diante da falta de políticas públicas, de assistência social, de condições de

sobrevivência, de trabalho, de moradia, de saúde, de educação, de lazer, enfim, do

desrespeito à dignidade humana, essa população submete-se a condições

miseráveis de vida, mínimas de sobrevivência, de limitada subsistência. Milesi

(2007), refere-se a essa problemática enfatizando que,

[...] o acesso desses refugiados aos serviços de saúde, educação e moradia é prejudicado, seja porque a legislação local restringe o atendimento aos nacionais e migrantes em situação regular, seja porque os migrantes refugiados têm medo de procurar esses serviços, em virtude de experiências anteriores em que foram detidos como irregulares ou por falta de informação. Em relação aos serviços de saúde mais especificamente, as diferenças culturais e de comunicação podem contribuir para os problemas no atendimento e na formação do vínculo entre o profissional da saúde e o refugiado. Já no que diz respeito à moradia, os migrantes refugiados não são contemplados em programas públicos e, por isso, suas opções ficam restritas a albergues ou residências em condições precárias de habitação (MILESI, 2007, p. 54).

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Sposati (1988), apesar de não discutir a questão da assistência social aos

refugiados, afirma que o Estado não dá conta de responder às necessidades dos

cidadãos, visto que, segundo esta autora:

[...] as políticas sociais brasileiras, e nelas as de assistência social, embora aparentem a finalidade de contenção da acumulação da miséria e sua minimização através da ação de um Estado regulador das diferenças sociais brasileiras, têm conformado a prática gestionária do Estado nas condições de reprodução da força de trabalho como favorecedoras, ao mesmo tempo, da acumulação da riqueza e da acumulação da miséria social (SPOSATI, 1988, p.11).

Esse quadro apresentado por Sposati, gerado por um Estado regulador das

diferenças sociais brasileiras, de contenção da acumulação, da miséria e sua

minimização, não visa solucionar os problemas de desproteção da maioria da

população, mas ao invés disso amplia a miséria social e econômica brasileira,

presenciando-se o crescimento daqueles que vivem em miséria absoluta, sem

possuir o mínimo necessário para sobreviver.

Depreende-se disso a contradição presente entre a realidade de fato e o que

dispõe o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em seu Parágrafo Único, Art.

2º, o qual apregoa que;

A assistência social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais (SUAS, 2005).

Na prática, os recursos alocados para proteção e assistência social resumem-

se à distribuição de cestas básicas e de campanhas realizadas pelas igrejas e

associações de bairro. Restringem-se também a políticas sociais compensatórias de

transferências de renda sob a forma de bolsas oficiais, tais como: bolsa família e

bolsa escola.

O modelo de desenvolvimento assumido pelo Estado brasileiro atual, baseado

em políticas compensatórias, submete a nação às determinações da globalização

neoliberal em crise, reprimariza a economia, explorando os bens naturais e humanos

para a exportação, transformando-os em commodities. Este modelo viola o direito

dos povos e ameaça a vida do planeta, impactando as comunidades rurais e

urbanas, as classes trabalhadoras e a população em geral (CNBB, 2013).

Além dos prejuízos e impactos ocasionados pelo atual modelo colonizador

adotado pelo Estado brasileiro, outro fator que dificulta a vida das mulheres

refugiadas que necessitam da assistência social brasileira são os estigmas

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imputados às mesmas. Para receberem o benefício de qualquer bolsa oficial, essas

mulheres passam pela avaliação quanto ao grau de necessidade. Nessa seleção

costumam ser discriminadas por serem estrangeiras, em relação à situação de

necessidades dos pobres nacionais.

Essas refugiadas encontram enormes dificuldades para o acesso às políticas

públicas de proteção social brasileira devido a variados motivos, tais como: o idioma,

a falta de conhecimento dos profissionais sobre essa categoria, o documento emitido

pelo governo brasileiro através da Polícia Federal que não é reconhecido e por

vezes não é aceito pelos profissionais públicos que atendem essas pessoas, além

de outros.

Os próprios assistentes sociais criam obstáculos ao atendimento a essas

mulheres e não sabem como atuar profissionalmente em relação à concessão de

benefícios às refugiadas, tampouco buscam alternativas para solucionar os

problemas. Ao se depararem com alguma situação de proteção às refugiadas, os

assistentes sociais negam o atendimento ou repassam o problema para as

entidades privadas que atuam com esse público.

Presentemente não há informações sobre a existência de um programa de

governo que atenda, resolva ou aponte caminhos para solução dos problemas dos

refugiados no Brasil, em especial das refugiadas. As escassas possibilidades de

apoio e auxílio são provenientes, como já amplamente assinalado, do atendimento

das entidades privadas. Conforme já discutido anteriormente, isso se dá desde a

entrada das mesmas no país e se estende ao longo de seu processo de legalização,

às vezes perdurando mesmo depois da obtenção do refúgio.

O trabalho realizado pelas entidades e associações privadas acaba por

substituir a obrigação do Estado para com essa demanda. Considera-se a situação

intrigante e cômoda para o Estado brasileiro, pois apesar de signatário de acordos,

tratados e leis internacionais sobre o refúgio, adequa-se ao discurso neoliberal

deferido por Ele ao afirmar que não dispõe de verbas para assistir mais esse grupo

social, visto que sequer consegue implementar políticas públicas à população nativa.

O discurso e as políticas neoliberais reforçam a desobrigação do Estado

quanto ao atendimento às refugiadas, ao afirmar que a sociedade civil deve ser

responsável pela assistência a essas mulheres, cabendo aos governos somente o

apoio às entidades privadas. Essa inversão de responsabilidades promovida pelo

Estado pode ser constatada na crítica expressa pelo presidente do CONARE, por

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ocasião de sua participação na Mesa de Abertura do “IX Encontro Nacional das

Redes de Proteção aos Refugiados”, realizado em Brasília, em maio de 2013:

[...] Existe um déficit político de direitos [...]. Déficit de medidas públicas para integração dos estrangeiros por parte do Estado [...] A Rede Nacional de Proteção aos Refugiados é um caminho a ser seguido; como o Estado fará isso, não sei, mas precisa agir [...]. Não acho que o Estado deva substituir o avanço da sociedade civil, mas que o Estado tem a obrigação de fazer, no mínimo, igual à sociedade civil e apoiar todas as atividades da sociedade civil [...] inclusive promovendo a integração dos refugiados no país que os refugiou (IX ENCONTRO NACIONAL DAS REDES DE PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS, 2013).

Não obstante a crítica improvisada pelo presidente do CONARE ao Estado

percebe-se também em sua fala a presença do discurso neoliberal, segundo o qual

o Estado deve “[...] fazer, no mínimo, igual à sociedade civil e apoiar todas as

atividades da sociedade civil [...]”, ao invés de ser Ele o mentor e executor, o

primeiro a prover as necessidades desses indivíduos.

Assim, tanto o CONARE quanto o Estado remetem à sociedade civil a

responsabilidade pela assistência e prestação de serviço a essa população,

eximindo-se ambos de parte de suas responsabilidades e reproduzindo as políticas

neoliberais norteadas pelo Estado, que apregoam a mínima intervenção do Estado

na economia no intuito de liberalizar o mercado, considerando que este é capaz de

se autorregular.

A presença da política neoliberal do Estado em relação à garantia dos direitos

do cidadão e na condução da política de assistência social pode ser observada no

expresso na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS, 1993), que em seu Art. 5º

aponta como diretriz a “[...] primazia da responsabilidade do Estado na condução da

política de assistência social, em cada esfera de governo”, deixando aberta a

possibilidade de delegar essa responsabilidade a outras instituições privadas e

organizações da sociedade civil (LOAS, ART. 5º, III, 1993) (Grifos nossos).

Em São Paulo, verifica-se o supracitado, preconizado no Inciso III da LOAS

(1993), ao se constatar a terceirização da assistência social, oferecida pelas

entidades assistenciais-filantrópicas e outras organizações da sociedade civil,

embora o disposto na LOAS em seu Art. 1º tratar da assistência social como direito

do cidadão e dever do Estado, citado a seguir:

A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado , é política de seguridade social não contributiva, que prevê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de inicia tiva pública e da sociedade , para garantir o atendimento às necessidades básicas. (LOAS, 1993, Art. 1º) (Grifos nossos).

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Essa terceirização da assistência social no estado de São Paulo, sob a

gestão de organizações sociais, nem sempre é ofertada adequadamente, pois as

entidades que a oferecem não são devidamente equipadas, isto é, indispõem de

recursos materiais, físicos e humanos adequados a esse fim.

A maioria dessas organizações, a despeito de suas boas intenções, conta

com profissionais sem as devidas formações para a prestação especializada do

serviço, de acordo com a sua área de atuação. A proteção social às refugiadas

nesse ente federativo segue o mesmo modelo nacional, a despeito de vigorar no

Brasil desde 1997 a Lei de Proteção aos Refugiados.

Os órgãos públicos de proteção social recusam a assistência específica às

mulheres na condição de solicitantes de refúgio ou refugiadas, justificando que tal

especificidade constituiria um tipo de segregação, visto que a assistência social é de

caráter universal. A consequência desse discurso amparado na universalização dos

direitos é a adoção de uma política de segregação tácita às refugiadas cujas práticas

de exclusão são vivenciadas cotidianamente pelas mesmas quando se veem

obrigadas a recorrer ao atendimento de suas necessidades.

É fato concreto que o serviço social em sua maioria, até o momento presente,

não atua junto a essa população, apesar da necessidade de sua atuação com a

mesma, uma vez que o país é signatário de acordos, tratados e leis internacionais e

nacionais de proteção aos refugiados. Na verdade, o serviço social sequer tem

conhecimento sobre a situação dos refugiados, ainda que estes se constituam como

uma demanda crescente em seus espaços de atuação.

Ocorre que despreparados e sem o conhecimento da origem dessa demanda,

o que comumente se observa no contexto da atuação dos assistentes sociais são

práticas discriminadoras e por vezes irresponsáveis desses profissionais. A respeito

disso, um fato verídico apresentado a seguir ilustra o afirmado.

O espaço sócio-ocupacional da ocorrência do fato foi um hospital público da

megalópole paulistana, mais especificamente na ala da maternidade. Em novembro

de 2012 a Sra. Sofhi23, domiciliada num abrigo mantido por uma instituição religiosa,

começa a ter contrações, isto é, entrar em trabalho de parto. As funcionárias do

abrigo acionam o SAMU que presta os primeiros atendimentos à mãe ainda no

abrigo. De imediato é transportada ao hospital público, juntamente com seu

23 Nome fictício utilizado para identificar a mãe, solicitante de refúgio, do presente fato.

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prontuário preenchido pelos atendentes do SAMU, constando: o nome da mãe,

endereço da residência fixa na qual a mesma morava, telefone, nome da instituição,

bem como da funcionária para contato.

Ao final daquele mesmo dia Sofhi deu à luz aquele que seria seu terceiro filho,

o primeiro nascido em território brasileiro, visto que o primogênito ficou com o pai em

seu país de origem e o mais novo, com 3 anos de idade, veio com ela. O recém-

nascido Ramasés24 passou a compor a família.

Como tudo ocorrera bem, no segundo dia após os devidos acompanhamentos

e exames Sofhi teve alta, porém foi comunicada pela assistente social, chefe da

equipe de atendimento, que a mesma não levaria seu filho para casa, afirmando que

a mãe poderia retornar a sua residência, mas o filho seria enviado para um abrigo

público para menores, uma vez que a mãe não possuía documentos comprobatórios

de sua identidade.

Conforme já explicitado neste trabalho, todo solicitante de refúgio ao adentrar

o território nacional recebe da Polícia Federal um protocolo, uma filipeta, onde

consta: nome completo, uma foto, país de origem e data de nascimento. A partir

desse procedimento começa a tramitar a documentação de permanência ou não do

solicitante de refúgio. Nesse período, este pode obter alguns documentos básicos25

até a decisão em definitivo.

No caso de Sofhi, como era solicitante de refúgio somente possuía a referida

filipeta, devido a isso foi comunicada pela assistente social que “[...] poderia voltar

para casa e não precisava se preocupar, pois seu filho ficaria bem. Ele seria

provisoriamente encaminhado a um abrigo e depois que ela obtivesse os

documentos poderia ir ao abrigo e retirar seu filho”26. Conforme depoimento de

Sofhi, a mesma ficou desesperada e começou a gritar e chorar muito, porém, ao ser

ameaçada pela assistente social em acionar a polícia foi obrigada a se acalmar.

A assistente social se retirou do quarto e reforçou a informação para que

Sofhi arrumasse suas roupas para que deixasse o hospital. Nesse momento Sofhi

ligou para o abrigo onde residia e comunicou à diretora da instituição sobre o

ocorrido. A diretora tentou acalmá-la e disse-lhe:

24 Nome fictício que utilizado para identificar o bebê do exemplo supracitado. 25 Para maiores informações sobre a documentação e tramitação de solicitação de refúgio, ver o Capítulo 2, item “Organograma 1”. 26 Trecho do depoimento de Sofhi por ocasião da entrevista com a pesquisadora.

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[...] você não sairá desse hospital sem o seu filho. Fique calma que nós vamos tomar as providências devidas e retornaremos a falar com você. Caso a assistente social volte e mande você desocupar o quarto, desocupe, mas fique no corredor e não saia daí. Deixe chamar a polícia que você não está fazendo nada de errado. Ela sim está errada. Nós vamos resolver isso. (REPRODUÇÃO DA FALA DA DIRETORA DO PROJETO, 2012).

Em seguida a diretora do Centro Social Nossa Senhora Aparecida, projeto

social mantido pela Associação Palotina, ligou para o departamento social do

hospital, conversou com uma assistente social e explicou a situação. Esclareceu que

a mãe era moradora da Casa de Acolhida, explicou a situação da solicitante de

refúgio e informou que a pessoa em questão estava legalmente no Brasil. A

assistente social disse: “[...] não posso fazer nada, pois não tem leitos no hospital e

a mãe tem que sair. Nesse momento a chefe não está, portanto a ordem já foi dada

e tem que ser cumprida”27.

Então, a diretora do Centro Social reforçou: “[...] se essa mãe deixar o hospital

sem o seu filho as profissionais do hospital serão responsabilizadas. A instituição

(Casa de Acolhida) vai processar o hospital e as profissionais responsáveis pela

decisão, bem como serão denunciadas a seus órgãos de classe”. Após essa

intervenção a assistente social solicitou que aguardasse, pois faria contato com a

sua chefia e retornaria o contato. A assistente social ao retornar a ligação informou à

diretora da Casa de Acolhida que a mãe e o bebê poderiam permanecer no hospital

por mais uma noite, solicitando o comparecimento no dia seguinte da referida

diretora no hospital para resolverem a situação.

No dia seguinte a diretora da Casa de Acolhida, munida da Lei nº 9474/97 que

dispõe sobre a situação do refugiado ou solicitante de refúgio em território brasileiro,

bem como do ECA, compareceu ao hospital público, conversou com a assistente

social chefe e resolveu o problema.

Esse exemplo relacionado à atuação de profissionais do serviço social no que

tange ao atendimento de solicitantes de refúgio ou refugiadas evidencia posturas de

discriminação, desrespeito e desserviço à população carente que necessita de

orientações e encaminhamentos para a efetivação de seus direitos.

Em meio a esse contexto, constatou-se nesse episódio o despreparo do

Estado, por meio de seus agentes públicos, quanto à proteção social da refugiada,

uma vez que diante do crescimento dessa demanda a atitude dos mesmos requer

27 Trecho do depoimento da diretora da Casa de Acolhida.

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posturas proativas e propositivas. Evidencia-se no fato em tela a suspeita segundo a

qual parcela expressiva dos profissionais da área de serviço social desconhece a

realidade do refúgio.

A intervenção da assistente social no episódio comprometeu a atuação do

serviço social em sua essência, visto se tratar de uma profissão atuante no meio dos

excluídos de toda sorte, vinculada inicialmente às sequelas da “questão social”,

como afirma Barroco (2004):

[...] a intervenção profissional está historicamente vinculada às sequelas da “questão social”, mas adquire novos contornos nesse processo de “esgarçamento” dos vínculos sociais, de desrespeito ao ser humano, de violência e perda de direitos, de privatização do público, de desemprego, o que rebate no trabalho profissional, envolvendo seus agentes, (BARROCO, 2004, p. 39).

Nessa ótica, entende-se que o fazer profissional se insere nas demandas

sociais de forma processual, integrando teoria e prática, fazer e saber, no qual o

profissional busca conhecê-las e procura as resoluções possíveis. No fato

supracitado não houve a inserção da profissional de serviço social no problema

demandado, além de revelar graves problemas éticos na relação estabelecida entre

a agente do Estado e a solicitante do refúgio.

Desprotegidas socialmente, desrespeitadas em suas condições humanas e

invisíveis às ações oficiais do Estado, as mulheres refugiadas ainda enfrentam a

realidade da precarização social do trabalho. Na cidade de São Paulo, capital de um

ente federativo que terceirizou sua rede de proteção social, a inserção da mulher

solicitante de refúgio ou refugiada constitui-se um desafio, conforme se abordará no

item a seguir.

4.3 A Mulher Refugiada e a sua Inserção no Mercado de Trabalho

Paulistano

A partir dos anos 1990, sob o processo de reestruturação produtiva das

atividades econômicas e o baixo ritmo de crescimento, mudando o padrão de

incorporação da força de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo, assiste-se

a precarização do trabalho na Região, o que provocou um forte crescimento da taxa

de desemprego no município paulistano.

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Além do quadro econômico de estagnação da renda per capita no período,

fruto da baixa expansão da produção, assistiu-se tanto a abertura comercial e

produtiva quanto a reformulação do papel do Estado. Esses dois processos supriram

muitos postos de trabalho pela força da ampliação das importações e pela

privatização e reforma administrativa.

O rápido crescimento do desemprego constituiu-se na primeira consequência

desse modelo econômico implantado na década de 90 do século passado. Uma

segunda consequência decorreu das maiores restrições para absorção em trabalhos

assalariados regulamentados, implicando em prejuízos na qualidade da inserção,

por meio do trabalho informal, e na perda da proteção oferecida pelos direitos

trabalhistas.

Outra consequência se deu em função da ampliação do tempo de espera

entre a ruptura de uma relação de trabalho e o ingresso em outra, ou seja, o

desenvolvimento do desemprego estrutural que se manifestou crescentemente por

meio do desempregado de longa duração.

As alternativas de emprego não regulamentado, temporário e precário

atingiram tanto os trabalhadores quanto suas famílias, o que pode ser evidenciado

pela queda do rendimento proveniente do trabalho e da renda familiar per capita,

registrada pelas estatísticas oficiais (SEADE; DIEESE, 2012).

Os efeitos da reestruturação produtiva na década de 1990 e do novo padrão

de incorporação da força de trabalho informal, precarizado e desregulamentado,

implantado a partir desse período, manifestaram-se no interior das famílias,

visibilizados nos novos rearranjos de inserção no mercado de trabalho. É nesse

contexto que se amplia a busca feminina pela inserção no mercado de trabalho

paulistano (MONTALI, 2004).

A inserção feminina, caracterizada pelo acesso a ocupações precárias,

passou a ter maior peso entre os ocupados da família. As possibilidades de

expansão de sua inserção no mercado de trabalho ocorreram, especialmente, em

ocupações precárias, tais como: assalariadas sem carteira assinada, emprego

doméstico, autônomas e trabalhadoras familiares, que oferecem baixos rendimentos,

sempre por meio de salários inferiores ao do sexo masculino (MONTALI, 2004).

Segundo a Fundação SEADE (2000), entre 1995 e 2000, houve crescimento

do número de desempregados, independentemente do sexo, em decorrência da

crise econômica que afetou o país no período 1997-1999, como já assinalado. No

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entanto, o aumento foi mais expressivo para as mulheres, que passaram a ser

maioria entre os desempregados, invertendo a distribuição existente no perfil por

sexo: em 1995, 48,2% dos desempregados eram mulheres e, em 2000, este

contingente alcançou 52,4%.

Segundo a SEADE a taxa de desemprego, entre 1995 e 2000, foi mais

expressivo para o contingente feminino do que para o masculino, com variação, no

período, de 36,6% e de 27,1%, respectivamente.

Dados da Fundação também enfatizam que ao se considerar o atributo raça,

tornam-se mais evidentes as diferenças entre as taxas de desemprego das

mulheres. Se o sexo discrimina, a situação fica ainda mais desfavorável quando se

associa a condição de ser da raça negra. Em 2000 a taxa de desemprego registrada

para as mulheres negras alcançou 25,1%, ou seja, de cada 100 trabalhadoras

negras, um quarto estava sem emprego na Região Metropolitana de São Paulo -

RMSP, enquanto as não-negras nesta situação correspondiam a 18,9% (SEADE,

2000).

Importa assinalar que os níveis de escolaridade e de instrução também

influenciam na inserção feminina ao mercado de trabalho na RMSP. O que não

difere da realidade nacional. Quanto menor o nível de escolaridade e o grau de

instrução, aumentam as chances no mercado de trabalho às mulheres, isto porém

não se configura como garantia de empregabilidade as mesmas.

Segundo dados da SEADE (2012), as maiores taxas de desemprego são

registradas para as pessoas com no máximo o ensino fundamental completo

(23,7%), seguidas por aquelas que não concluíram o fundamental (19,7%). Esta

situação se reproduz para homens e mulheres, independentemente da raça.

As pesquisas da Fundação também informam que as menores taxas de

desemprego correspondem a níveis mais elevados de instrução. No entanto,

ressaltam que a taxa de desemprego das mulheres com ensino médio completo é

equivalente àquela verificada para os homens com no máximo o fundamental

completo, indicando que somente a conclusão do ensino superior fornece às

mulheres uma situação menos desfavorável na procura por trabalho.

Apesar disso, as pesquisas da Fundação SEADE relatam que nesta última

década, de 2000 a 2011, houve crescimento contínuo e sustentado do número de

mulheres ativas no mercado de trabalho nesse período. Não obstante da menor

intensidade de seu crescimento em 2009 e da estabilização da taxa de participação

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das mulheres em torno de 55%, na Região Metropolitana de São Paulo, essa

proporção se mantém bastante elevada se comparada com os dados de 2000.

Os dados disponíveis relatam a desvantagem da inserção produtiva das

mulheres quanto à qualidade do emprego e ao nível de remuneração. Também

apontam uma concentração no segmento dos serviços e em ocupações

consideradas como tradicionalmente femininas quase sempre exercidas em

condições precárias devido à menor proteção legal e com rendimentos inferiores aos

dos homens.

Conforme supraexposto soma-se a essa discussão o agravamento da

situação quando relacionada à questão da mulher refugiada, que em sua maioria

possui baixa escolaridade, não apresenta qualificação profissional, desconhece a

cultura local e tampouco sabe de seus direitos e deveres trabalhistas, ficando por

vezes susceptível a palavra do patrão, que em certas situações se aproveita da

situação vulnerável em que se encontra a mulher refugiada.

Segundo Egreja e Peixoto (2012), referindo-se a grupos de estrangeiros que

buscam inserir-se no mercado de trabalho, enquanto “[...] uns são mais qualificados

e outros menos; uns dirigem-se diretamente para o mercado de trabalho e outros o

procuram depois de uma fase inicial de inatividade” (EGREJA & PEIXOTO, 2012, p.

15).

Essa inatividade momentânea se dá por diversas razões e no caso das

mulheres refugiadas que chegam ao Brasil, isso ocorre devido a fatores como:

adentram ao país acometidas com certo grau de depressão pela violência sofrida em

seu país; abandono de sua família e terra natal; desconhecimento do idioma e dos

costumes; desqualificação para realizarem as atividades disponíveis no mercado;

entre outros.

Esse período traduz um tempo crítico na vida dessas pessoas, especialmente

pelo fato de chegarem a uma megalópole como São Paulo, cujo ritmo de vida é

acelerado. A exclusão é grande, fazendo com que essas pessoas se sintam mais

sozinhas. Na maioria das vezes são atendidas por profissionais que não falam seu

idioma, recebidas pela Polícia Federal por vezes com desconfiança, devido ao

aumento de quadrilhas internacionais que também se deslocam pelo mundo. Enfim,

sua chegada expressa a continuidade de seus tormentos.

Além dos baixos salários, das raras possibilidades de seguirem carreira

profissional e da ausência de recompensas sociais, a grande maioria dos refugiados

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insere-se no mercado de trabalho precarizado e sem direitos trabalhistas, chamado

flexível, como assinala Phizacklea (2005):

[...] os aspectos habitualmente considerados mais positivos da flexibilidade, como a maior autonomia individual, ocorrem, sobretudo em trabalhadores nativos, os aspectos mais negativos, como a precariedade laboral, incidem relativamente mais sobre imigrantes, refugiadas (grifo nosso) e outros grupos populacionais, incluindo as mulheres e os jovens (PHIZACKLEA, 2005, p. 161).

Dados obtidos mediante o relatório da OIT (2010), revelam a situação em que

se encontram os imigrantes, inclusos os refugiados, referindo-se ao universo

mundial de 214 milhões de estrangeiros economicamente ativos. Destes, somente

105,4 milhões estão inseridos no mercado de trabalho. O relatório aponta como

agravante dessa situação as múltiplas discriminações sofridas pelo grupo em

questão (OIT, 2012, p. 222).

No que se refere às mulheres refugiadas a situação de discriminação se

apresenta com mais evidência. A condição de refugiada pejorativamente é

associada à de “fugitiva”, pessoa que cometeu algum crime em seu país, o que

reforça ainda mais às representações discriminatórias às refugiadas. Além disso, a

mulher refugiada enfrenta discriminação por parte de seus pares, ou seja, as

trabalhadoras brasileiras as acusam de virem para o Brasil tomar-lhes seus

trabalhos.

Esses enclaves corroboram as dificuldades enfrentadas pelas refugiadas.

Instaura-se assim a violência simbólica, que segundo Bourdieu (2007):

[...] deriva seu poder precisamente da dificuldade de ser percebida objetivamente como mecanismo de dominação. Não se trata de uma imposição material, mas de um processo que busca legitimar uma ordem que, ao separar dominantes e dominados confere aos primeiros o poder de impor uma visão específica sobre o mundo social (BOURDIEU, 2007, p. 208).

Encontra-se nessa relação uma divisão entre indivíduos que na prática estão

do mesmo lado por conta de sua condição de trabalhadora, e, portanto,

vilipendiadas, mas que se veem como adversárias, tendo o comportamento de

rivalidade, de competição, engendrando desse comportamento a violência simbólica.

Seu desdobramento se dá na exclusão dos já excluídos.

É fato que a partir de 2000 o número de mulheres vindas para o Brasil quase

quadriplicou. Não são raras as situações em que as mesmas apresentam baixa

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escolaridade, agravando sua situação de estrangeira no que tange a possibilidade

de se inserir no mercado de trabalho.

Trata-se, na verdade, de mulheres superexploradas e superdiscriminadas no

mundo do trabalho, na vida e no plano dos direitos. Resta-lhes a inserção instável,

marginal e precarizada na área de serviços, em funções que requerem

conhecimentos básicos, mediante grande esforço físico, um conhecimento mínimo

do português e a execução da tarefa.

Outro agravante para essas mulheres refere-se ao ritmo acelerado dos

paulistanos, o qual se constitui em desafios a serem enfrentados pelas refugiadas,

pois em seus países de origem os ritmos e as regras de trabalho obedecem a

padrões culturais específicos, estabelecendo-se em um choque entre culturas.

Em síntese, as mazelas a serem superadas pelas mulheres refugiadas na

cidade de São Paulo são muitas e diversas, cujas relações se apresentam de forma

complexa. Diante desse contexto e do aumento de refugiadas na capital paulistana,

necessário se faz repensar acerca das condições existentes de trabalho, vida e

assistência social às refugiadas. Essa entidade federativa, juntamente com o Estado

tem obrigações em promover políticas públicas que atendam essas mulheres,

propiciando-lhes condições dignas de trabalho, saúde, moradia, educação,

assistência social para esse coletivo social.

Caso seja do interesse privado permanecer na oferta de seus serviços e

colaborar com o Estado, há que se defender a permanência desse atendimento,

uma vez que o Estado neoliberal minimiza seu potencial de investimento, delegando

às organizações filantrópico-assistenciais parte de suas responsabilidades sociais.

Além disso, essas associações sempre atuaram em prol desse grupo social,

suprindo o atendimento de responsabilidade do Estado, portanto que permaneçam,

mas que o façam exigindo do Estado o cumprimento de suas funções, inclusive

qualificando as diversas categorias de profissionais atuantes na área com a

finalidade de implementar respostas para os vários problemas sociais vivenciados

pelas mulheres refugiadas no Brasil.

No próximo capítulo, no intuito de aprofundar as reflexões até aqui expostas,

adentra-se na metodologia e na análise dos dados em torno das condições de vida e

de inserção da mulher refugiada no mercado de trabalho no município de São Paulo.

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Naturalmente a ideologia dominante tem interesse em preservar o status quo, em que até as desigualdades mais patentes já estão estruturalmente entrincheiradas e garantidas. Em consequência, pode se permitir proclamar as virtudes dos arranjos “consensuais”, de “unidade orgânica” e participação, reivindicando para si, desse modo, também a racionalidade evidente da “moderação” (dominante). No entanto, a ordem social que ela defende é necessariamente dilacerada por contradições e antagonismos internos.

István Mészáros

5 METODOLOGIA APLICADA E ANÁLISE

DOS DADOS DA PESQUISA

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5 METODOLOGIA APLICADA E ANÁLISE DOS DADOS DA PESQ UISA

5.1 Metodologia Aplicada na Pesquisa

A fim de realizar essa investigação, definiram-se preliminarmente alguns

procedimentos metodológicos a serem seguidos. Contudo, somente a partir do

aprofundamento teórico, do levantamento do universo e do mapeamento de

localização do público em questão é que se pode, com objetividade, definir as regras

e traçar o percurso trilhado. A priori, para fins de encaminhamento inicial, procedeu-

se a revisão da literatura com base na pesquisa bibliográfica acerca do assunto.

Assim, a partir da delimitação do problema e da definição dos objetivos

constatou-se a necessidade de se definir procedimentos que viabilizassem a

execução desta pesquisa. Iniciou-se um levantamento bibliográfico e documental,

um estudo histórico dos fatos, haja vista que se buscou apreender como se deu o

processo de refúgio ao longo da história no cenário internacional e brasileiro;

inclusive resgatou-se nesse processo a participação do Brasil e seu envolvimento

com esta questão.

Esse processo inicial de apreensão, de contextualização dos fatos, de

mapeamento para localizar onde se encontravam as refugiadas foi fundamental para

se proceder ao estudo, delimitando-se a investigação sobre a condição de vida e a

inserção da mulher refugiada no mercado de trabalho no município de São Paulo.

O objetivo almejado foi proceder a uma análise das condições e situação de

vida desse grupo social, que fugiu de seu país por motivo de perseguição, os mais

variados. Porém, para se discutir a realidade presente, fez-se necessário o

levantamento de fatos que o antecederam, uma vez que o passado se reflete e

produz consequências no hodierno das pessoas.

Para alcançar esse fim, a pesquisa bibliográfica, que subsidiou o

aprofundamento teórico sobre o tema, foi fundamental, visto que auxiliou a

compreensão de questões ocorridas, relacionadas aos acontecimentos atuais, ao

processo iniciado pelas organizações da sociedade civil e ao tardio envolvimento do

Estado nessa discussão.

A apropriação teórica em relação ao histórico e à legislação foi essencial para

dar início ao estudo. Após o desenvolvimento dessas etapas, levantou-se nas

bibliotecas da PUC-SP, USP e UNICAMP pesquisas realizadas sobre o tema.

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Constatou-se que, especificamente sobre a mulher refugiada e a sua inserção no

mercado de trabalho, não existe nenhuma pesquisa até a data investigada. Na

biblioteca da PUC-SP buscou-se pelo tema em diversos cursos, inclusive no curso

de Serviço Social; porém, neste último, nenhum registro sobre refúgio foi

encontrado. Nos demais cursos, em especial de Relações Internacionais, Direito,

Direito Internacional e Psicologia Social, encontraram-se estudos sobre o tema

refúgio, mas nenhum estudo específico sobre a situação da mulher refugiada,

conforme já explicitado na introdução.

Diante disso, aumentou o interesse desta pesquisadora em proceder à

investigação em questão, haja vista, além da relevância social e política do tema,

tratar-se de pesquisa inédita no Serviço Social.

Vale ressaltar que as mulheres refugiadas constituem-se em uma demanda

crescente para os assistentes sociais, que na atualidade, em sua maioria,

desconhecem o tema e em certas situações agem de forma discriminadora no

atendimento desse público, visto que sequer sabem da existência da Lei sobre o

Refúgio, tampouco o seu enquadramento jurídico no Brasil, desconhecendo como

proceder em relação aos direitos desses sujeitos, de concessão ou não e de

benefícios.

Ao mesmo tempo a esse levantamento inicial sobre a temática do refúgio,

deu-se entrada junto ao Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo do projeto que derivou a presente pesquisa, com as

informações relativas aos sujeitos investigados, juntamente com os procedimentos

técnicos e metodológicos a serem utilizados, a fim de requerer o autorizo do Comitê

para a realização da pesquisa em questão. O processo foi encaminhado à

Plataforma Brasil que emitiu parecer favorável para a realização da investigação em

julho de 2012, conforme documento anexo.

A partir desse procedimento definiu-se a abordagem de investigação

qualitativa, pois à semelhança de Gamboa (2002) compreende-se que não há

oposição entre pesquisa qualitativa e quantitativa, isto é, rejeita-se a falsa dicotomia

que separa a pesquisa qualitativa da quantitativa, ou ainda, a falsa dicotomia

presente entre estudos estatísticos e não estatísticos, por se tratar de abordagens e

métodos que se complementam e não se excluem.

A pesquisa qualitativa adotada subsidiou o contato direto com as instituições

que tratam do refúgio e com as refugiadas pesquisadas, possibilitando o desvelar de

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sua realidade. Esse desvelar do imaterial, aquilo que é impenetrável em um primeiro

contato, somente a intimidade e a confiança no outro é que pode revelar. Conforme

descreve Chizzotti (2003):

O termo qualitativo implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa, para extrair desse convívio os significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção sensível. Após este tirocínio, o autor interpreta e traduz em um texto, zelosamente escrito, com perspicácia e competência científicas, os significados patentes ou ocultos do seu objeto de pesquisa (CHIZZOTTI, 2003, p. 221).

Portanto, a pesquisa qualitativa, se devidamente utilizada, é capaz de captar

a realidade sentida e vivida, trazendo à luz fatos concretos que iluminam as próprias

ações, tanto das pessoas investigadas, quanto de quem investiga, a partir das

descobertas que ocorrem em uma investigação comprometida com a verdade. Pode,

portanto, dar seu contributo, intervindo positivamente e de forma direta nos fatos

revelados.

Segundo Corbin e Strauss (2008), trabalhar com dados qualitativos é: “[...]

referir-se ao processo não matemático de interpretação, feito com o objetivo de

descobrir conceitos e relações nos dados brutos e de organizar esses conceitos e

relações em um esquema explanatório teórico” (CORBIN & STRAUSS, 2008, p.

288).

Esse tipo de pesquisa contém um caráter valorativo, pois se empenha em

investigar a partir do âmago do ser, recuperando acontecimentos, sentimentos,

significados, valores, crenças, que por vezes, em meio ao chamado mundo

moderno, são desconsiderados. Segundo Minayo (2010):

A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se ocupa, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes (MINAYO, 2010, p. 21).

A partir desse entendimento e compreendendo-se a definição da abordagem

qualitativa, iniciou-se a pesquisa de campo por meio do deslocamento desta

pesquisadora até os lócus a serem investigados.

Para essa etapa, decorrido o processo inicial da pesquisa, definiram-se os

procedimentos metodológicos e técnicos adotados, os quais foram delineados no

próprio processo de investigação, por tratar-se de pesquisa qualitativa, com base em

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exame crítico-analítico da realidade investigada, tendo-se como apoio a investigação

bibliográfica e documental supracitada, as quais subsidiaram a análise do objeto de

estudo, assim como a pesquisa de campo, fornecendo elementos necessários à

descrição e interpretação do fenômeno estudado.

Assim, procedeu-se ao exame dessa realidade particular mediante a

utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados, tais como o questionário e

entrevista aprofundada. Para o processo de elaboração do questionário, observou-

se a orientação de Gil (2007), segundo o qual “[...] um questionário consiste

basicamente em traduzir os objetivos da pesquisa em questões específicas. As

respostas a essas questões é que irão proporcionar os dados requeridos para testar

as hipóteses ou esclarecer o problema da pesquisa” (GIL, 2007, p. 129).

No campo, desvelaram-se muitas descobertas, além de se ter vivenciado

imprevistos e contratempos, que só o contato direto com as instituições e com as

partícipes da pesquisa pode revelar, enriquecer e amadurecer o que se propôs

investigar.

Em um primeiro momento, procedeu-se a um levantamento das instituições

que atuam diretamente com os refugiados. Fez-se contato com cinco organizações,

porém, só quatro foram receptivas e se colocaram à disposição para responder ao

questionário, elaborado no intuito de se obter informações iniciais acerca das

refugiadas, além de outros esclarecimentos os quais foram requeridos em

entrevistas, realizadas com os representantes dessas organizações.

As organizações receptivas à pesquisadora, que responderam o questionário

e marcaram a realização das entrevistas, foram: Cáritas Arquidiocesana de São

Paulo, Instituto de Migrações e Direitos Humanos, Alto Comissariado das Nações

Unidas para os Refugiados e a Polícia Federal de São Paulo – Lapa.

O Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), por intermédio de seu

representante, alegou que as informações requeridas estavam digitalizadas e

disponibilizadas em site. Após muitas tentativas e envio de e-mails, além dos

contatos por telefone, não se obteve nenhuma resposta.

Em maio de 2013, por ocasião do Encontro Nacional da Rede de Proteção

aos Refugiados, Rede da qual esta pesquisadora faz parte28, aproveitou-se a

28 Desde 2006 esta pesquisadora faz parte da “Rede de Proteção aos Refugiados”, representando o “Centro de Acolhida às Mulheres Estrangeiras Egressas do Sistema Prisional e Refugiadas”.

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oportunidade da presença do representante do CONARE e se expos a pesquisa. A

partir desse encontro, o representante do CONARE disponibilizou seu endereço

pessoal de e-mail, alegando que os e-mails corporativos estavam com problemas.

Assim, após quatro meses de tentativas de contato em vão, remeteu-se o

questionário ao e-mail disponibilizado pelo representante do CONARE, porém,

depois de dez dias recebeu-se a seguinte resposta: “todas as informações estão

digitalizadas e disponibilizadas em nosso site”. Também não foi possível entrevistá-

lo, pois informou que devido às suas diversas atividades não teria tempo para dar a

entrevista.

Diante dessa dificuldade e para não haver prejuízo informacional acerca das

refugiadas investigadas, buscaram-se outros meios disponíveis a fim de se obter o

maior número de informações possíveis referente à realidade social das refugiadas

no município de São Paulo. Nesse processo de busca e de coleta de informações,

optou-se por dar a palavra às mulheres refugiadas a fim de reconstituir as visões

desse grupo social que se encontra à margem, excluídas socialmente.

Nesse intento, e com a finalidade de subsidiar a análise, interpretação e

descrição do objeto pesquisado, utilizaram-se registros, documentos, observações,

entre outros procedimentos já explicitados. Nessa busca, levantou-se o universo das

mulheres refugiadas residentes no município de São Paulo e descobriu-se que há na

atualidade 32429 mulheres refugiadas. Desse universo, devido às dificuldades em

encontrá-las e com elas manter contato, trabalhou-se com uma amostra de 53

refugiadas.

O acesso e a disponibilidade dessas mulheres para os encontros foram

levados em consideração, haja vista que a maioria não dispunha de tempo para

responder o roteiro de entrevista. Observou-se em algumas a relutância em

participar e responder os instrumentos técnicos adotados, além de suas limitações

em função do pouco tempo livre que dispunham e das distâncias de suas moradias.

Assim, aplicou-se o questionário semiestruturado às 53 mulheres contatadas.

Destas 53, selecionaram-se dez refugiadas para proceder às entrevistas

aprofundadas, considerando que esse grupo apresentou maior viabilidade, pelo fato

da maioria dessas dez pessoas morarem nos cortiços da região central do município

de São Paulo.

29 Dados obtidos nos arquivos da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, em junho de 2012.

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Para garantir o relato “ipsis litteris” das entrevistadas, com a permissão delas,

utilizou-se um gravador que permitiu as gravações dos referidos relatos. As

observações feitas também foram registradas em um diário de campo.

Devido às dificuldades já explicitadas, optou-se por proceder à visita

domiciliar, como estratégia de extrema importância para a pesquisa. Esse

procedimento possibilitou a participação das 53 refugiadas na pesquisa, assim como

coletar informações em situação típica, permitindo conhecer a realidade da vida

cotidiana dessas mulheres.

Em função das distâncias e do reduzido prazo para a pesquisa, optou-se por

contatar algumas informantes em lugares frequentados em geral pelos refugiados,

tais como: no culto dominical, na igreja dos africanos, frequentada pelos refugiados

no bairro do Brás, região central de São Paulo; nos salões de beleza próximos ao

largo do Paissandu, onde parte dessas mulheres trabalha ou frequenta; e na Cáritas,

onde são orientadas e assistidas em relação a sua legalização no Brasil. A visita a

esses locais favoreceu o contato com as 53 refugiadas.

Após a coleta dos dados e apropriação teórico-filosófica, iniciou-se o processo

de análise e interpretação. Os dados obtidos por meio dos questionários, das

entrevistas e da observação direta serviram para elucidar os problemas elencados

na pesquisa, com a finalidade de complementar e identificar prováveis contradições

presentes quando do cruzamento das informações obtidas.

O item a seguir apresentará a análise dos dados coletados, mediados pelas

reflexões a eles subjacentes.

5.2 Análises dos Dados da Pesquisa de Campo

A investigação de campo, propriamente dita, iniciou-se em março 2012 e

prorrogou-se até março de 2013, mediante contatos em São Paulo com as

Instituições representativas dos refugiados. No início do ano de 2012 elaboraram-se

o questionário e o roteiro de entrevista de pesquisa, os quais visaram atingir os dois

segmentos sociais: as refugiadas e as instituições públicas e privadas

representativas dos refugiados.

Ainda em 2012 iniciaram-se as entrevistas com as instituições, estendendo-se

até 2013. O objetivo inicial dessas entrevistas foi levantar informações sobre as

refugiadas, tanto quantitativas quanto qualitativas, associado a este procedimento

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levantou-se pela internet sobre a presença de refugiados na cidade de São Paulo, a

partir de fontes do CONARE, ACNUR e IMDH.

Apresentar-se-ão a seguir, as análises dos dados coletados em campo.

5.3 Analisando os Dados sobre as Refugiadas no Muni cípio de São Paulo

A presente subseção expõe as análises dos dados obtidos a partir das

observações, dos questionários e entrevistas aplicados às 53 refugiadas residentes

no município de São Paulo, que formam um subconjunto típico representativo da

população de estrangeiras reconhecidas como refugiadas, que em solo brasileiro

adquirem os mesmos direitos dos estrangeiros, conforme expressa a lei n°. 6.815 de

19 de agosto de 1980, intitulada Estatuto do Estrangeiro.

Os dados obtidos por meio dos questionários, das entrevistas e da

observação direta, realizadas por ocasião das entrevistas em lugares diversos,

serviram para elucidar os problemas e as proposições elencados na pesquisa, com

a finalidade de complementar e identificar prováveis contradições presentes quando

do cruzamento das informações obtidas.

Para proceder à análise desses dados, utilizou-se o software PSPP, um

software livre que permite gerar relatórios tabulados e gráficos com a finalidade de

realizar inferências sobre as correlações entre as variáveis selecionadas para avaliar

as condições socioeconômicas e de inserção das mulheres no mercado de trabalho

paulistano.

O software PSPP foi adotado devido sua compatibilidade com o sistema

operacional do Windows, além de permitir o acompanhamento dos cálculos

executados, possibilitando a conferência das análises descritivas e inferenciais

geradas.

Segundo Michel Boaventura (2010), tradutor do PSPP para português, uma

das principais vantagens deste “software livre” é permitir análises rápidas, não

importando o número de dados ou variáveis envolvidos nas análises, além de

funcionar em diferentes sistemas operacionais.

Importa assinalar também que este software adequou-se plenamente à linha

estatística utilizada neste trabalho, a análise descritiva e inferencial. Este ramo da

estatística, empregado neste trabalho, opera na análise e interpretação de dados

amostrais, usados na mensuração de uma parcela pequena, porém típica da

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população investigada, de modo que tais informações possibilitem fazer inferências

sobre toda a população foco do estudo (STEVENSON, 1981, p. 2).

Segundo Stevenson (1981), o trabalho com amostragem permite que se

reduzam as questões complexas, a formas mais simples e compreensíveis, motivo

pelo qual se adotou a amostragem de 53 refugiadas no presente trabalho, constituída

por sua tipicidade representativa da população de refugiadas residentes no município

de São Paulo, apresentadas por meio dos gráficos identificados a seguir.

Os gráficos expostos na sequência identificam o perfil das 53 mulheres

refugiadas informantes. Quanto à faixa etária, o gráfico 1 exibe a distribuição das

mulheres em três grupos: as que se encontram na faixa etária entre 17 a 29 anos, entre

30 a 39 anos e aquelas situadas entre 40 a 53 anos de idade. A análise por grupos

etários revelou que 77,3% das refugiadas estão em idade abaixo dos 40 anos, faixa

etária considerada como população em idade ativa economicamente (PIA), isto é, apta

para o trabalho. Somente 22,7% situam-se com idade entre 40 a 53 anos, porém,

mesmo esse grupo encontra-se apto a se inserir no mercado de trabalho.

Esses valores percentuais estão em concordância com os dados apresentados

pela Cáritas do Brasil no período de 2012, que registra em seu banco de dados 66% da

população feminina refugiada presente em São Paulo com idade abaixo dos 50 anos.

Esses dados, no entanto, revelam-se diferentes dos apresentados pelo Relatório Anual

do ACNUR para o mesmo período, segundo o qual identifica em nível mundial um

percentual 85% de refugiadas entre a faixa etária entre 18 a 30 anos.

A presente pesquisa detectou entre as investigadas da cidade de São Paulo um

percentual de 37,7% de mulheres refugiadas na faixa etária entre 17 a 29 anos e outro

percentual de 39,6% na faixa etária de 30 a 39 anos, os quais somados (77,3%)

constituem um grupo majoritariamente jovem com idade economicamente ativa, em

condições de trabalhar, como se pode observar no gráfico 1 apresentado a seguir.

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Gráfico 1 – Distribuição por faixa etária

Fonte: Protocolo da pesquisa - dados da autora, 2013.

Dando-se continuidade ao perfil das mulheres refugiadas investigadas na

cidade de São Paulo, detectou-se em relação ao critério “autodeclaração da raça/cor

a que pertence” que a proporção de “pretas” é 3 vezes maior que a das outras

raças/cores autodeclaradas, constituindo um percentual efetivo observado de 73,6%.

Ainda em relação a esse critério percebeu-se que as informantes se

autodiscriminam no que concerne ao critério raça/cor, haja vista a diferença

observada pela pesquisadora e a autodeclarada por ocasião da entrevista. Para a

pesquisadora somente 3,8% da amostra de mulheres refugiadas investigadas são

brancas, entretanto 20,8% se autodeclaram brancas. Em relação às pardas,

detectou-se um percentual de 22,6%, porém somente 5,7% se autodeclararam

pardas, conforme apresentado no gráfico 2.

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Gráfico 2 – Autodeclaração da raça/cor a que perten ce

Fonte: Protocolo da pesquisa - dados da autora, 2013.

Por ocasião da aplicação dos questionários e das entrevistas observaram-

se entre o grupo pesquisado refugiadas com peruca loura, outras com fios de

cabelos lisos e tingidos de louros, outras com mechas louras trançadas aos seus

cabelos; além das que mantiveram os seus próprios cabelos crespos e pretos. Na

experiência profissional desta pesquisadora, em sua atuação com esse grupo social,

é comum encontrá-las com perucas de outras cores, preferencialmente com cabelos

bem lisos e claros.

Também na aplicação dos questionários e nas entrevistas observaram-se

autodiscriminações nas falas das investigadas, quando da resposta à

autodeclaração do critério da raça/cor. Algumas refugiadas se espantavam com a

pergunta “qual é a sua cor?”. Olhavam para seus braços e respondiam: “ah, essa é

minha cor”.

Dois casos chamaram a atenção: as informantes Carla e Roberta30,

originárias de países do continente africano (Congo e Angola), ao serem inquiridas

sobre a questão da sua raça/cor, apesar de efetivamente serem de raça negra (cor

preta), declararam-se da seguinte forma: “ah, eu sou chocolate, mas é mais pro

branco”; a outra respondeu o seguinte: “essa cor aqui! No meu país eu sou branca,

mais aqui para o Brasil eu sou preta, né?” Em seguida fez-se a essas mulheres

30 Em todo o trabalho para identificar as falas das informantes, serão utilizados nomes fictícios, mantendo apenas o país de origem da refugiada.

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outra pergunta: Mas, e você? Qual é a cor que você considera ter? Elas

responderam: “Eu sou morena, mais pra branca”.

Os dois casos supracitados confirmam os dados apresentados no gráfico 2, o

qual identifica essas autodiscriminações de raça presentes em mulheres

provenientes, em sua maioria, do continente africano. Razões históricas ajudam a

entender essas contradições proporcionadas pelo gráfico 2 e reforçadas pelas falas

das informantes.

Nas falas acima e nas reações de várias refugiadas entrevistadas, ao

responderem sobre a questão “qual a sua raça/cor?”, identificou-se essa

autodiscriminação racial nas informantes, a qual lhes foi imputada historicamente por

seus colonizadores, a semelhança do que assinala o antropólogo Munanga (2009),

que em seus escritos sobre a cultura africana revela:

[...] as qualidades humanas foram retiradas do negro. Colocado à margem da história, da qual nunca é sujeito e sempre objeto [...]. É através da educação que a herança social de um povo é legada às gerações futuras e inscrita na história. Colonizados, privados de sua cultura e da escola tradicional, proibida e combatida, para os filhos negros a única possibilidade era o aprendizado do colonizador, ou seja, a memória que lhe foi inculcada não foi a de seu povo; a história que lhe ensinam é outra (europeia); os ancestrais africanos foram substituídos por gauleses e francos de cabelos loiros e olhos azuis; os livros estudados lhe falavam de um mundo totalmente estranho [...] (MUNANGA, 2009, p.23).

Os resquícios da colonização africana podem ser percebidos nos

comportamentos culturais e educacionais adotados pelas atuais gerações, que

continuam a padecer o processo exploratório e colonizador, apesar dessa

exploração/colonização, na atualidade, apresentar-se metamorfoseada pelo capital,

travestida nesses chamados “tempos pós-modernos” de globalização31, viabilizada

por intermédio dos projetos educacionais neoliberais, ofertados pelos países

desenvolvidos, pelo Banco Mundial, pelo FMI como única possibilidade para a

superação e eliminação da miséria no continente africano32.

Ainda em relação ao perfil, levantou-se o país de nascimento e o de origem

das informantes, objeto deste estudo. Nesse quesito detectou-se, conforme

31 A esse respeito ver: MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

32 Para um maior aprofundamento a esse respeito ver: MUNANGA, Kabengele. A identidade no contexto da globalização. Ethos Brasil , São Paulo, ano I, n.1, mar. 2002.; MUNANGA, Kabengele. Negritude : usos e sentidos. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

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expressa o gráfico 3 a seguir, que 54,6% das refugiadas vieram da República

Democrática do Congo, 9,4% da Colômbia, 7,6% da Angola, 7,5% da Eritréia, além

de outros com menores percentuais, conforme identificado no gráfico 3. Os dados

revelam que em sua maioria as refugiadas estão fugindo de seu próprio país para o

Brasil, sem passar por outros países.

Gráfico 3 – País de nascimento e de origem das mulh eres de São Paulo

Fonte: Protocolo da pesquisa - dados da autora, 2013.

Segundo relatado pela maioria das informantes, elas buscam um país onde

não haja conflitos e perseguições, vividos em seu país de origem. Desejam uma

nova vida que lhes permita viver em segurança, no intuito de alcançarem

estabilidade social e econômica de modo que possam resgatar das situações de

conflitos e de miséria, os demais membros da família que ficaram para trás. Trazem

consigo a esperança de um dia reaproximarem toda a família novamente,

oferecendo-lhes melhores condições de vida.

Por ocasião de uma entrevista, perguntou-se a uma das refugiadas: “Por que o

Brasil?” Ela respondeu que a propaganda que passa em seu país noticia que as

pessoas estão muito bem no Brasil. Informou que os meios de comunicação, em

especial a televisão, sobretudo a TV Globo, veicula que: “[...] no Brasil tem muito

trabalho, ganha bem, as pessoas estão vivendo bem por aqui”33.

33 Informe de uma das refugiadas entrevistadas no decorrer da pesquisa.

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Segundo outras informantes o motivo de terem optado pelo Brasil se deu por

influências de “coiotes34”, também chamados de atravessadores, os quais inventam

muitas histórias e mentem aos interessados nos seus serviços criminosos e

clandestinos.

Outra questão relacionada ao gráfico 3 diz respeito à decisão adotada pelo

ACNUR em 2012, o qual cessou a concessão de refúgio para os originários de Angola,

justificando a decisão devido às informações oficiais do país que notificou não haver

mais conflitos, perseguições políticas, entre outros motivos que possibilitasse a

concessão de refúgio pela referida agência. Desta forma, os dados do citado gráfico

revelam o baixo percentual de refugiadas com nacionalidade angolana (9,4% ), seguido

de 7,6% das que se declararam originárias de Angola, diferentemente do registrado

pelo ACNUR nos anos 2010 e 2011, que registrou em seu banco de dados um elevado

percentual de refugiados de Angola.

Segundo as refugiadas entrevistadas, apesar da extinção dos conflitos civis em

Angola, há inúmeros motivos que justificam a concessão de refúgio, tais como: as

perseguições, a miséria, péssimas condições de saúde e falta de saneamento básico,

proliferação de muitas doenças (SIDA, DST), fome, falta de trabalho, em resumo, a falta

de condições dignas de vida e sobrevivência. Todas as entrevistadas foram unânimes

ao responder: “não tem trabalho35”. A fala de uma refugiada angolana revela as

condições precarizadas de vida em Angola, comparando-a a vida no Brasil:

[...] aqui no Brasil a genti faz qualqué coisa; a genti vai e paga você. Lá se você trabalha para alguém, ninguém paga você, porque ninguém tem dinheiro! A genti tá a passá fome memo lá, dói no coração vê a criança tá a pedi coisa pra comê e você não tem o que dá, a genti é mãe, isso não é bom pro coração. Eu tô aqui, e fica a pensa se meu filho que tá lá, hoje tem o que comê, dói muito o

34 É a designação dada aos atravessadores de pessoas nas fronteiras. Atuam ilegalmente, vez que comercializam o trânsito internacional de pessoas por vias clandestinas. Cobram de suas vítimas preços exorbitantes para a realização do serviço que nem sempre é concluído, pois há casos inclusive em que a pessoa morre na travessia devido às irregularidades. Dizem-lhes que já levaram para o Brasil muitas mulheres com sucesso e elas voltaram com muito dinheiro, arrumaram suas casas, compraram roupas novas, ostentam melhorias financeiras. Dessa forma vendem falsos “pacotes de viagem” repletos de ilusões, mentiras, possibilidades e oportunidades, que na maioria das vezes não se concretizam. Essas situações foram relatadas à pesquisadora pelas refugiadas do continente africano entrevistadas.

35 Todas as angolanas entrevistadas relataram não haver nenhuma fonte de renda no país: “não tem trabalho”. Também relataram a existência da fome, da miséria, de péssimas condições de vida, de sobrevivência, assim como a falta de saneamento básico e de escola para as crianças.

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coração da genti36. (REPRODUÇÃO DA FALA DE UMA REFUGIADA DE ANGOLA).

Em relação à concessão oficial refúgio, à Lei 9.474 de 22 de julho de 1997

prescreve em seu art. 1° que será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:

I – devido a fundados temores de perseguição por motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas e encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;

II – não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;

III – devido à grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

Os meios de comunicação frequentemente divulgam informações sobre as

intensificações de conflitos e perseguições por motivos variados. Segundo a ONU a

cada ano mais de cinco milhões de pessoas cruzam fronteiras para viver em países

considerados desenvolvidos, porém esse número é muito maior quando se trata de

países em desenvolvimento. As razões para tanta mobilidade geralmente referem-se

à fuga de perseguições, conflitos ou violações de direitos humanos.

As informações coletadas nesta pesquisa quanto à identificação do principal

motivo do deslocamento e de solicitação de refúgio pelas informantes investigadas,

encontram-se apresentadas no gráfico 4 a seguir.

36 Fala de uma angolana entrevistada, referindo-se à situação miserável pela qual passa a maior parte da população desse país. Ela tem quatro filhos; os três mais novos vieram com ela e o mais velho ficou para ajudar o pai e a avó. A sua intenção é trazer toda a família para o Brasil.

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Gráfico 4 – Principal motivo do deslocamento e de s olicitação de refúgio

Fonte: Protocolo da pesquisa - dados da autora, 2013.

Conforme apresenta o gráfico 4, o principal motivo das informantes terem

saído de seus países, deixando em muitos casos seus filhos, toda sua família, sua

história de vida para trás foram os conflitos armados, representando um percentual

de 83%. Essas mulheres declararam em entrevistas que não tiveram alternativas,

pois viram seus países se tornarem um campo de guerra permanente, quase sempre

resultando em total destruição, desprovendo-lhes de proteção, de trabalho e de

condições mínimas que lhes possibilitasse uma sobrevivência digna. Assim,

deslocaram-se de seus países a fim de buscar abrigo em um país distante, longe

das guerras, segundo relato de uma das entrevistadas,

[...] os filhos da genti cresce e vê essa genti que tá a matá, eles vai cresce assim, com o coração mal, coração duro, o pai deles sai e vai trabalha, tudo dia, mas um dia não volta mais, que fala pra eles do pai deles, eu num sabe que vai fala, eles pergunta do pai deles, eu também num sabe cadê o pai deles (REPRODUÇÃO DA FALA DE UMA REFUGIADA DE ANGOLA).

Outro motivo que levou as investigadas a se deslocarem diz respeito às

perseguições políticas. Das 53 mulheres respondentes 41,5% relataram que o

motivo do deslocamento referiu-se à perseguição política. Depreende-se que este

também se constitui um percentual elevado, permitindo-se analisar que os dois

motivos mais expressivos encontram-se cruzados nas respostas das informantes.

Na esteira dos conflitos armados, a questão política também se coloca como um dos

motivos significativos, que associados relevam o deslocamento supraidentificado, os

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quais obrigam as pessoas a fugirem em busca de refúgio. Essa realidade foi

constatada a partir da fala de algumas refugiadas, como no caso a seguir:

Meu marido tava a trabalha para a polícia, nóis tava a vive bem, mas chefe dele passo a dize que ele tava a traí o governo, meu marido num tava a traí. [...] e aí chefe dele manda prende meu marido, ele sofreu muito, bateram muito nele, mais Deus ajudo ele a fugi e nóis veio pra cá. Lá tá muito mal, tão a matá muita genti. Eu to grávida, num podia fica lá, então nóis fugiu pra cá, agora nóis vai vive aqui [...] (REPRODUÇÃO DA FALA DE UMA REFUGIADA DE GUINÉ CONACRE).

Os governos ditatoriais, com seus exércitos sanguinários, financiados e

treinados pelos países desenvolvidos, produziram e promovem guerras por motivos

de poder políticos e econômicos que acarretam destruições e muitas mortes. Essas

situações levam, conforme o registrado nesta pesquisa, a elevados índices de

deslocamento, segundo dados da ONU.

Em meio a toda opressão vivenciada por diversos povos, impostas por esses

governos ditatoriais, surgem grupos paramilitares que reproduzem as agressões

políticas, aumentando a violência contra a população. O relato a seguir de uma

refugiada colombiana exemplifica essa situação:

[...] era um domingo eu tinha ido almoçar com minha mãe, e meus irmãos estavam em casa; a comida estava quase pronta, a gente estava feliz, ouvindo música, brincando. Então chegaram uns homens procurando o “taco” meu irmão, ele ouviu e foi para o quintal ver quem era; eles nem falaram e já foram batendo nele, eu comecei a gritar e pedir para parar, minha mãe começou a passar mal e eles continuavam batendo nele, meu outro irmão conseguiu fugir e se escondeu; uns homens foram atrás dele. Eles mataram meu irmão na minha frente e da minha mãe, eu pensei que eles ia matar todos nós, eu implorei a santa virgem que não deixasse nada acontecer a mim e minha mãe. Eles quebraram tudo dentro de casa e falaram que se a gente abrisse a boca para alguém eles voltariam para fechar de vez. Minha mãe ficou muito mal e teve que ir para o hospital na cidade. Minha irmã, com dois filhos, foi morar com minha mãe; meu irmão que fugiu para o mato, nunca mais eu vi, não sei se mataram ou se ele conseguiu fugir; já tem um ano. Estou trabalhando no salão e mando dinheiro para minha família, mas tenho que reservar para mim também. Tudo é muito difícil (REPRODUÇÃO DA FALA DE UMA REFUGIADA DA COLOMBIA).

Entre morrer ou viver aterrorizados, passando fome e desprovidos de

condições dignas de sobrevivência, essas pessoas optam por correr o risco do

deslocamento, nem sempre tranquilo, arriscando-se a travessias perigosas, as quais

podem ou não ser bem sucedidas. Talvez seja a única e última alternativa para

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essas pessoas oferecerem a si e aos seus familiares uma possibilidade de vida

digna, mediante sua reconstrução em outros lugares.

Ainda em relação ao gráfico 4, observa-se, com percentual menor, que 7,5%

das mulheres investigadas declararam como motivo do refúgio questões

relacionadas à perseguição religiosa. Em nome da fé, as pessoas são obrigadas a

mudar de religião ou são mortas, ou se veem obrigadas a fugir de seus países,

condição necessária para viverem em consequência das perseguições. O relato de

uma refugiada do Sudão a seguir representa um exemplo de perseguição religiosa:

Eu, meu marido, as criança não muslim37, nóis cristiano38, nóis vai criado Cristiano. E agora país lá tudo muslim, se você não muslim eles batem em você, eles mata você e sua família. Nóis lá vivia bem, casa boa, comida boa, dois carro, criança estudava, brincava, eu trabalhava em casa, marido trabalhava no mercado grande ganhava muito dinheiro. Aí a vida começou a ficar difícil, policía começo a mata gente, você não muslim, eles mata você. Uma vez era muito tarde da noite, A e B39 já dormia, eu e meu marido já ia dorme, a policía chegou batendo na porta, as criança levantaram com medo e chorando, a policía fala ‘todo mundo senta aí, cala a boca’, eu senta com criança no colo e põe a mão na boca delas pra elas não vai chora. Policía muito brava, pega um poco de dinheiro que nóis tinha, pega comida, antes de sair, bate na cara do meu marido, e fala ‘porque ela40 não tem vergonha, ela não bom homem, ela não bom pai, porque ela é cristiano’, aquela noite ninguém vai dorme. Quando amanheceu, marido vai trabalha, num fala nada pra ninguém, vai volta, quando tá bem tarde, abre devagar a porta, olha, ninguém na rua, tudo escuro, vai chama as criança, as criança num sabe que acontece, nóis num fala nada, e nóis foge em silêncio. Num fala pra ninguém, nem família, nem trabalho. Só pega um poco de dinheiro, de comida, água e vai. A gente tem que anda muuuiiiito a pé, anda rápido, aí já amanhece, o sol forte, as criança que vai para, num pode vai para, vai para, policía mata nóis. Quando escurece aí nóis vai para um poco, criança dorme, ainda muito escuro, nóis vai anda de novo. Faz ferida no pé, acabou a comida a água, e nóis num sabe ainda quanto tempo mais anda para chegar, já tava anda 4 dia, criança fica com febre, eu chora muuuiiito, marido chora muuuuiiiito, criança chora muuuiito, todo mundo chora muuuuiiiito, nóis pensava vai morre ali. A boca fica com ferida; fica tudo seco; tem que molhar a boca com xixi pra pode umidece e aguenta; nóis vai anda mais 2 dia, e chega na cidade. Lá nóis vai come, toma banho, dorme um poco e pega um carro até a cidade que tem barco grande e aí nóis foge de barco e chega no Brasil. Brasil muito bom; nóis vai pode reza; mulher pode usa roupa sem manga, pode vai trabalha, ninguém fica fala da sua vida. Agora ainda num tá bom, porque nóis ainda não trabalha, não tem nossa casa pra mora, mas nóis vai trabalha, Brasil paga poco dinheiro, meu marido e eu, vai trabalha, nóis pode guarda dinheiro e paga aluguel, criança vai estuda, e vida tudo fica muito boa (REPRODUÇÃO DA FALA DE UMA REFUGIADA DO SUDÃO).

37 Referindo-se à religião muçulmana. 38 Referindo-se à religião de tradição e prática cristã, divergente dos costumes muçulmanos. 39 Denominação “A e B” foi utilizada pela refugiada para identificar as suas filhas, uma de 7 anos e a outra de 5 anos de idade. 40 A refugiada reporta-se ao marido por “ela”, devido a dificuldades com o idioma português.

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Mesmo em meio a toda a situação de infortúnio vivida, essa refugiada

acredita poder superar as perdas e recomeçar sua vida com a família no Brasil. Mas

essa não é uma situação incomum, pois está presente na realidade de milhares de

refugiados espalhados pelo mundo por questões de cunho religioso, violação de

direitos humanos, perseguições políticas, conflitos por motivos econômicos e

políticos.

Castells (1999), em seu livro “A era da informação: economia, sociedade e

cultura”, analisa como se deu a colonização e desumanização da África, enfatizando

que isso se perpetua na atualidade. Assim assinala este autor:

Nas três primeiras décadas de sua independência, a África tem sido objeto de sucessivas intervenções de tropas estrangeiras e assessores militares das potências do Ocidente (especialmente França, Bélgica, Portugal e África do Sul “branca”, mas também dos EUA, Reino Unido, Israel e Espanha), bem como da União Soviética, Cuba e Líbia, transformando boa parte da África em um verdadeiro campo de batalha. A divisão de facções políticas, Estados e regiões em diferentes alinhamentos geopolíticos contribuíram para a desestabilização e militarização dos Estados africanos e a imposição de um ônus insustentável representado por enormes gastos com defesa, deixando como legado um enorme arsenal de armamentos, a maior parte em mãos pouco confiáveis. A breve história [da colonização] dos Estados-nação africanos, construída sobre um terreno movediço, comprometeu o papel das nações e do nacionalismo enquanto base de legitimidade e importante fator de desenvolvimento (CASTELLS, 1999, p. 137-138).

A partir dessa citação podem-se compreender os motivos de tantas pessoas

fugirem de seus países, em especial dos países da África. Uma situação imposta

pelos interesses econômicos dos países capitalistas desenvolvidos. Esses mesmos

países que promoveram e promovem a exploração e a destruição dos povos

africanos são os primeiros a impedir a entrada em seus países desses povos,

considerados por eles como subdesenvolvidos, subcapacitados, subsaudáveis,

subinteligentes, subumanos.

A situação é complexa, contraditória e paradoxal, pois a maioria dos países

acima citados são membros das Nações Unidas, órgão internacional constituído

para fins de acompanhar e intervir em situações de desrespeito aos direitos

humanos, principalmente em prol dos mais fracos e desprotegidos. Vale ressaltar

que esses países são signatários de convenções, declarações, leis e normas

internacionais de proteção aos refugiados, apesar de agirem contrariamente ao que

defendem nesses documentos.

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Depreende-se disso que os interesses das grandes potências prevalecem em

detrimento da vida das pessoas, especialmente aquelas que se encontram em

países subdesenvolvidos. O panorama vislumbrado compõe-se por relações de

interesse e poder, representativo de um sistema que tem por primazia o lucro acima

de todas as coisas, inclusive da vida humana digna.

Nesse contexto, entre o que rege as convenções, declarações, normas, leis e

outros aparatos normativos legais e a própria realidade concreta, depara-se com o

crescente aumento do número de pessoas que se deslocam pelo mundo em

proporções assustadoras. O século XX e o início do XXI já presenciaram tantos

deslocados como jamais ocorrera na história. Segundo dados da ONU, em junho de

2013 o deslocamento forçado no mundo foi o maior dos últimos 18 anos. Esses

dados também revelaram que 81% dos mais de 45,2 milhões de pessoas

deslocadas estão em países subdesenvolvidos ou naqueles chamados “em

desenvolvimento”.

Desnecessário se faz lembrar que efetivamente não estão preocupados com

problemas humanitários, contrariamente a seus discursos e suas leis. Em

determinados casos assumem postura de total violência contra os que tentam entrar

sem consentimento, expulsando-os por meio de deportação ou sendo assassinados

pelas autoridades vigilantes, apesar de divulgarem que tais assassinatos

constituem-se como tragédias. Alguns são vitimados por violências e agressões

inimagináveis e essa realidade, quase sempre omitida e encoberta, não chega às

mídias de comunicação. As fronteiras dos países desenvolvidos são fortemente

vigiadas, fechadas com intensos esquemas de segurança e fiscalização,

impossibilitando a entrada de refugiados.

A situação é paradoxal, especialmente quando se leva em consideração os

interesses antagônicos econômicos, políticos, sociais e culturais entre os países

desenvolvidos e subdesenvolvidos, mas também, considerando-se os conflitos entre

países desenvolvidos e os subdesenvolvidos, vez que disputam igualmente entre si

o poder. Além disso, devido aos interesses de dominação dos países desenvolvidos,

hoje em crise, sob os demais a situação tem se agravado, proliferando crises

permanentes no mundo, atingindo todos os países.

Os conflitos de poder entre nações, geograficamente, politicamente,

economicamente e culturalmente são diferentes, tem a marca das lutas de classes,

travadas entre si e coletivamente. Produzidas pelo próprio homem, geram conflitos

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sócio-históricos, econômicos, ideológicos, culturais e produtivos, acirrando as

contradições presentes no cenário mundial. A partir da análise de Harvey (2011), é

possível vislumbrar as desigualdades e as realidades assimétricas em movimento

permanente nos países:

Paisagens humanas com diferenças geográficas são assim criadas nas quais as relações sociais e os sistemas de produção, os estilos de vida diária, as tecnologias e as formas organizacionais, as distintas relações com a natureza se reúnem com arranjos institucionais para a produção de locais com diferentes qualidades. Tais lugares são, por sua vez, marcados por distintas políticas e maneiras de viver. [...] Essa intrincada geografia física e social tem a marca dos processos sociais e políticos, bem como das lutas ativas que a produziram. O desenvolvimento geográfico desigual que resulta é tão infinitamente variado quanto volátil: uma cidade desindustrializada no Norte da China; uma cidade encolhendo no que um dia foi Alemanha Oriental; a expansão industrial das cidades do delta do Rio das Pérolas; uma concentração de tecnologias da informação em Bangalore; uma zona econômica especial na Índia, onde camponeses despossuídos se revoltam; populações indígenas em conflitos na Amazônia ou na Nova Guiné; os bairros ricos, em Greenwich, Connecticut (até recentemente, pelo menos, a capital dos fundos de cobertura do mundo); os campos de petróleo na região de Ogoni, na Nigéria, onde há conflitos constantes; as zonas autônomos mantidas por um movimento militante, como os zapatistas em Chiapas, no México; a ampla produção de soja no Brasil, Paraguai e Argentina; as regiões rurais de Darfur ou do Congo, onde as guerras civis são implacáveis; os subúrbios da classe média de Londres, Los Angeles e Munique; as favelas da África do Sul; as fábricas de vestuário do Sri Lanka ou os centros de atendimento de Barbados e Bangalore “habitados” inteiramente por mulheres; as novas megacidades nos Estados do Golfo, com seus edifícios projetados por arquitetos-estrela - tudo isso [...], quando tomado em conjunto, constitui um mundo de diferença geográfica feito pela ação humana (HARVEY, 2011, p. 123).

Conforme situado por Harvey (2011), esse mundo em permanente

transformação, metamorfoseado em consequência das ações humanas, tem gerado

não só um mundo desigual, mas relações cada vez mais desiguais e perversas,

continuamente praticadas em nome do desenvolvimento e do restabelecimento

econômico de alguns. É em meio a essa realidade social mundial que os refugiados

surgem, cada vez em maior número, vivenciando situações complexas e, no

contexto atual, sem perspectivas de melhora.

Como já foi assinalado no gráfico 4, guerras, perseguições, violações de

direitos humanos induzem as pessoas a fugirem de seus países em busca de

refúgio, entretanto esse deslocamento pode ocorrer com ou sem o auxílio de

familiares e outros. Nesse sentido, e dando-se continuidade às análises das

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questões e entrevistas realizadas, buscou-se identificar no gráfico 5 se as refugiadas

informantes desta pesquisa tiveram ou não auxílio para fugir de seus países.

Gráfico 5 – Teve auxílio ou não para fugir de seu p aís

Fonte: Protocolo da pesquisa - dados da autora, 2013.

Os dados revelaram que das 53 refugiadas entrevistadas somente 35,9%

tiveram ajuda para fugir de seu país, as demais, representadas por um percentual de

64,1%, não receberam nenhum apoio na fuga. Em relação às que receberam apoio

na fuga (35,9%), algumas receberam auxílio da família (18,9%), outras da igreja

(7,5%), além de outros apoios (5,7%), ou ainda, a ajuda do ACNUR (3,8%).

Uma das mulheres entrevistadas revelou que o pastor, membro de uma

congregação, ao saber de sua decisão em fugir do país ofereceu-se como

responsáveis na criação do seu filho, fato este concretizado pela refugiada, na

esperança de um dia poder resgatá-lo. Essa mulher afirmou que só tomou essa

decisão por desconhecer os perigos e dificuldades a serem enfrentados na fuga,

vendo-se obrigada a deixar seu filho sob a responsabilidade do pastor, não dispondo

de qualquer alternativa. O depoimento a seguir revela o fato supracitado:

Eu tava a passa fome, memo lá. Eu tava a procura trabalho, num tava a encontra. Marido meu num sei, um dia vai trabalha e não volto. Criança tá a cresce e pastor que tá a sustenta, mas pastor também num pode dá di cume a toda genti. Família da genti também num tem que cume, num tem onde vai trabalha. Eu pensa nóis vai morre tudo aqui di fome. Então eu vai e

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consegui poco dinheiro e paga home, que deixa eu do outro lado, eu fica sozinha sem nada, num conheci ninguém. Então eu vai fala pra genti como faz vai chega Brasil. Genti fala que ‘vai se esconde no navio’, eu vai, aí navio fica três dia, eu num pode vai sai, porque ninguém pode vai me vê, aí navio para, eu pensa tá no Brasil, eu espera todo mundo vai desce, a noite eu vai sai do navio, pregunta na rua se é Brasil, genti fala ‘aqui não Brasil’, eu fica a pregunta eu quero vai Brasil, e genti mostra um navio que vai pro Brasil. Eu espera eles vai carrega muita coisa no navio, a noite eu vai entra e tinha mais genti que esconde e vem pro Brasil, nóis fica 20 dias lá, a genti dava um poco da comida, tinha que dividi, se não ia acaba. Aí chega no Brasil e genti que tava no navio fala eu tenho que i a caritas que genti vai ajuda eu. Eu vai caritas, e caritas fala que eu tenho que faze e explica onde eu vai dorme, eu tava a passa mal, num tava a passa bem, eu vai faz tudo que caritas fala. Eu ainda num to bem; eu fica tudo dia a pensa no meu filho, eu num sabe se pastor ta a cuida do meu filho, eu ainda, coração a duê, eu quero traz ele, mas inda num pode, eu ainda to a mora de favor, dinheiro que ta a ganha num da pra paga casa, casa é muito caro, eu vai trabalha mais e vai guarda dinheiro, quando eu tive casa eu vai precura genti pra traz meu filho (REPRODUÇÃO DA FALA DE UMA REFUGIADA DO CONGO).

Além das dificuldades enfrentadas para a própria sobrevivência, identificou-se

em várias falas das refugiadas a preocupação com a família que ficou no país sem

nenhuma assistência, em alguns casos passando fome, sem perspectiva de solução

para o problema, segundo relataram algumas refugiadas.

A análise do gráfico 5, cruzada às informações obtidas nas entrevistas

demonstra mais do que ilustra, não se tratando apenas de um dado informacional

com o objetivo de apresentar a desproporcionalidade entre o “não” e o “sim”. O

cruzamento dos dados permitiu identificar a imensa carga emocional pela qual

passaram essas mulheres, antes, durante e depois de sua chegada ao Brasil,

agravando a inerente situação de trauma e vulnerabilidade por elas vivenciada.

As entrevistas também revelaram que algumas mulheres, no decorrer do

trajeto, foram vítimas de discriminação e abuso, além de terem enfrentado situações

de assédio sexual e estupros, por serem estrangeiras em situação de

vulnerabilidade. Outras relataram que, diante dessa condição vulnerável, ficam

expostas a todo tipo de abuso, tornando-se vítimas de diversas formas de

exploração, inclusive sexual e/ou prostituição, conforme o relato de uma refugiada

que vivenciou essa situação:

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[...] logo que eu chega aqui, eu tava procura trabalho, e ninguém me dava trabalho, falava ‘você, num tem documento, você tem que ter documento no Brasil, não pode trabalha sem documento’, eu num sabe como faz documento. [...] Eu tava na praça da república, eu tava lá chorando, um homem pergunto ‘que eu faz ali’, eu falo: eu sou estrangeira, eu to a procura trabalho, eu num tem família aqui, eu não conheci ninguém, eu to com fome, ele falou ‘vai da trabalho pra mim. Eu num sabe nada de Brasil, eu pensa esse homem bom, ele me leva numa casa, manda eu toma banho, me da roupa e me da comida. Ele num fala nada, depois me leva num corredor e desce uma escada e tem muita mulher lá. A noite chega muito homem, ele fala ‘você tira a ropa e vai pro quarto, você tem que faze tudo que eles manda’. Eu num pode sai dali, durante o dia tem gente que cuida pra mulher num sai dali. Eu tive que me prostitui, mas depois eu consegue sai dali, Deus me ajuda, agora Deus me ajuda eu num vai mais prostitui, eu trabalha e tem meus documentos. [...] a gente sofre muito, o olhar das pessoas é diferente para você. (REPRODUÇÃO DA FALA DE UMA REFUGIADA DE GUINÉ CONACRE).

Devido às circunstâncias desfavoráveis, irregulares, instáveis e incertas,

acrescidas dos perigos existentes no decorrer da fuga e na chegada em país

desconhecido à maioria não obtém o apoio da família, segundo apresenta o gráfico

5. Todavia, em alguns casos essas mulheres recebem o auxílio, da família, da igreja,

e do ACNUR.

A igreja no Brasil tem desempenhado papel fundamental em relação à

acolhida e à proteção dos refugiados e de seus direitos, constituindo-se quase como

a única instituição a dar assistência a essa população. Na maioria dos estados

brasileiros é, na verdade, quem oferece apoio a essa população, a semelhança do

que ocorre nos países originários das refugiadas. As igrejas são o sustentáculo na

vida de muitas pessoas que têm seus direitos violados, ao mesmo tempo, em alguns

casos também são violadoras desses direitos.

Ainda em relação à fuga, perguntou-se às informantes se fugiram sozinhas ou

acompanhadas por familiares.

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Gráfico 6 – Fugiu com algum membro da família

Fonte: Protocolo da pesquisa - dados da autora, 2013.

O gráfico 6 confirma e reforça as justificativas apresentadas pelas refugiadas

no gráfico 5, quando assinalaram suas inseguranças e as dificuldades

desconhecidas que enfrentariam por ocasião do deslocamento. Assim, ao serem

inquiridas sobre sua vinda acompanhada ou não, 75,5% relataram que vieram

sozinhas, em circunstâncias desfavoráveis, irregulares, instáveis e incertas

relacionadas ao deslocamento, já citadas. Também narraram que temiam a

empreitada por ocasião de sua chegada ao destino de refúgio, pois poderia lhes ser

ou não concedido o refúgio.

O refúgio é uma violência que atinge tanto a vida do indivíduo que cruza as

fronteiras, quanto afeta as pessoas próximas a este indivíduo, como familiares,

aderentes e amigos. O refugiado é privado do convívio com familiares e os entes

queridos, os quais também são privados do seu convívio. Na verdade, o refúgio é

uma violência contra a humanidade, considerando que todos são afetados, direta ou

indiretamente.

Apesar dos temores e dificuldades enfrentados no deslocamento, o gráfico

acima identifica um percentual menor de mulheres que arriscaram a fuga

acompanhadas de familiares, representado por 24,5%. Dessas, 15,1% declararam

ter vindo com um ou dois filhos, 11,3% acompanhadas de irmãos ou com primos e

somente 3,8% disseram que vieram na companhia do marido. Quanto a esse último

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percentual, referente ao deslocamento na companhia do marido, algumas relataram

que essa foi uma opção discutida em família, pois era mais fácil para o marido

sustentar o restante da família.

Depreende-se que a situação do refúgio implica para essa mulher uma carga

emocional que agrava sua situação de trauma e vulnerabilidade. A solidão, a

saudade, a cultura diversa, o idioma, a necessidade de encontrar trabalho, tudo se

torna um agravante no que concerne a sua psique, ao seu bem estar emocional.

Constatou-se essa realidade na fala de uma refugiada congolesa, apresentada a

seguir:

[...] se eu falo que Brasil é melhó, pouco difícil, mas não é ruim, porque a genti mora, dorme, a genti aqui tudu dia levanta de manhã pra sai procura uma coisa pra fazê, vai trabalha, mas no nosso país é mais melhó, a família grande tá lá, a genti nasce lá, cresce lá e conhece tudo mundo, você pode fazê pergunta que você quer, ninguém vai ri de você, aqui você fala pessoa fica a ri de você. A genti fica melhor lá. Aqui a genti num conheci ninguém, chega em casa, num tem com quem conversa, vai trabalha, num dá pra conversa. [...] a genti fica a pensa na família lá, num tem trabalho, num tem o que come, a genti aqui num fica bem, mas lá a genti num tem trabalho (REPRODUÇÃO DA FALA DE UMA REFUGIADA DO CONGO).

A moradia constitui-se também em um grande problema a ser enfrentado,

pois encontrar vaga em um abrigo para mulher é uma empreitada difícil,

especialmente se for para abrigar junto os filhos. É importante observar que existem

poucos abrigos para mulheres no Brasil, e menos ainda quando se trata de receber

a mãe na companhia dos filhos.

As refugiadas acompanhadas dos filhos enfrentam inúmeros problemas no

país de refúgio, por isso somente 15,1% vieram acompanhadas deles. Apesar desse

percentual relativamente baixo, a metade das investigadas relatou ter filhos no seu

país de origem, declarando que os mesmos dependem financeiramente delas. A fim

de esclarecer essa situação, questionou-se quais das investigadas são mães,

independente de seus filhos as ter acompanhado no deslocamento.

A questão, também relacionada ao perfil das refugiadas investigadas, indagou

a existência ou não de filhos. A esse respeito levantou-se, inicialmente, a

porcentagem das refugiadas que tivessem ou não filhos. Das 53 entrevistadas

detectou-se que 26 delas possuem filhos (49,1%), 26 não possuem (49,1%), e uma

(1,9%) não respondeu quando questionada, conforme no gráfico 7.

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Gráfico 7 – Refugiadas entrevistadas que são mães

Fonte: Protocolo da pesquisa - dados da autora, 2013.

Buscaram-se essas informações no intuito de cruzá-las com as complicações

em relação à inserção no mercado de trabalho, uma vez que as dificuldades se

acentuam para aquelas que são mães. As refugiadas que têm filhos possuem

afazeres maiores que as demais, visto que deverão dividir seu tempo entre os

cuidados com os filhos, a qualificação, a busca de um espaço no mercado de

trabalho, além de outras obrigações relacionadas eles, tais como: educação,

higiene, saúde, ter alguém que cuide quando estiver ausente, ou outros cuidados

necessários na criação de uma criança.

A fim de compreender e relacionar a existência dos filhos e as dificuldades e

complicadores decorrentes para essa mulher no mercado de trabalho questionou-se,

por ocasião das entrevistas, quantos filhos as respondentes tinham. Das 26 que os

possuem 50,8% tem entre dois a três filhos, sendo que 76,4% deles estão na faixa

etária de 0 a 14 anos de idade, o que representa uma maioria de filhos dependentes

de suas mães.

A situação é complexa para essas mulheres, uma vez que a maior parte delas

veio de países muito pobres, cuja condição de vida degradante aumenta o desafio

no que concerne ao sustento de seus filhos. A necessidade de prover esse sustento

exige dessas mulheres a urgente inserção no mercado de trabalho, apesar dessa

empreitada não ser fácil.

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Ante a presença dos filhos, essa mulher necessita de algum apoio que lhe

permita se apropriar de conhecimentos a fim de possibilitar-lhe a inserção no

mercado de trabalho, tal como: encontrar um abrigo para ambos, que admita

crianças; uma creche para o filho ficar enquanto se qualifica; participar de curso

básico de português, pois a maioria desconhece o idioma; realizar cursos

profissionalizantes; cuidar do filho; além de outras necessidades e obrigações.

As condições acima citadas são fundamentais para que a refugiada busque

sua inserção no mercado de trabalho, pois é a partir do trabalho que ela suprirá suas

necessidades e de seus filhos. No entanto, quando não há esse suporte, nem da

família, nem de uma instituição, essas mulheres entram em profunda depressão,

vendo seus derradeiros sonhos esvanecerem-se de suas mãos, pois se consideram

totalmente responsáveis por seus filhos.

Conforme relatado pela coordenadora da Cáritas, esse fenômeno ocorre de

modo geral com as mulheres refugiadas em São Paulo, reforçando o estigma

cultural que recai sobre a mulher africana de que cabe a ela cuidar dos filhos

qualquer que seja a situação; inclusive, em situação de risco pessoal sua obrigação

primária é com o cuidado e a proteção dos filhos e por extensão da família, por

último consigo mesma.

Em função dessa obrigação cultural, as entrevistadas disseram que quando a

refugiada tem filho e foge sozinha ela é taxada de “desnaturada”, pois padece da

acusação de “ter sua natureza mudada”. Esse é um fenômeno presente nos

sentimentos expressados verbalmente pelas mulheres refugiadas que vieram sem

seus filhos, sem sua família. Todas exprimiram o desejo de melhorar sua condição

de vida para trazer os filhos e os demais membros da família. No inconsciente dessa

coletividade, sentem-se responsáveis pelo grupo familiar, disso resulta o desejo e a

responsabilidade de “salvar a todos”. O relato de uma refugiada a seguir representa

esse sentimento:

[...] eu tava i na Cáritas, pedi ajuda, tava a encontra uma refugiada do mesmo povo que eu, ela disse que eu “era coração mal, eu não tinha bom coração, porque eu tinha deixado meus filho, que eu tava a faze mal a minha genti, meus filho tava a sofre sozinho sem a mãe pra protege”. Eu fiquei muito mal, eu fiquei a chora de dor, purque eu num tinha o que faze, num tinha dinheiro pra traze meus filho, eu num sabia como ia faze aqui, num conhecia ninguém, mas eu tá a trabalha e vô traze meus 4 filho (REPRODUÇÃO DA FALA DE UMA REFUGIADA DO CONGO).

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Conforme expressa a citação anterior as cobranças que recaem sobre essa

mulher refugiada, relacionado à sua responsabilidade para com a família, tem

causado problemas emocionais e psicológicos a essas mulheres, além de

sobrecarregá-las de responsabilidades, em meio a uma realidade de difícil solução,

haja vista a situação e condição de vida das mesmas no país.

Outro fator já assinalado refere-se à inserção no mercado de trabalho, a qual

requer dessas mulheres o básico em relação à aquisição do português. Buscou-se,

portanto, descobrir os dialetos e línguas falados. Para isso elaborou-se uma questão

que identificasse os idiomas falados, apresentado no gráfico 8.

Gráfico 8 – Identificação das línguas faladas

Fonte: Protocolo da pesquisa - dados da autora, 2013.

O gráfico 8 revela que das 53 investigadas 60,4% falam o dialeto de sua etnia

de origem. Como a questão elaborada era de múltipla escolha, registrou-se que

50,9% falam francês, 22,6% falam outra língua e/ou dialeto, 13,2% falam inglês e

3,2% o espanhol. Os dados denotam que algumas dessas mulheres além de falarem

seus dialetos também falam as línguas dos países colonizadores. Quando

indagadas sobre outros possíveis idiomas falados as respostas foram diversas,

identificando especialmente os seus dialetos.

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Perguntou-se ainda sobre a sua língua materna. Entre as 53 partícipes

registraram-se 19 dialetos diferentes. Verificou-se que essa multiplicidade de

dialetos falados se deve a existência de diferentes etnias, originárias dos países do

continente africano, presentes tanto em um mesmo país quanto em países

diferentes.

Embora a diversidade seja considerada um componente que enriquece uma

sociedade, no caso em questão ela pode representar um prejuízo. As barreiras

enfrentadas pelas refugiadas são muitas, especialmente quando essa mulher fala

um dialeto pouco conhecido, que em sua maioria são falados apenas por um grupo

específico, ou seja, por minoria pertencente a uma etnia. Isso não agrega à

refugiada um valor que possa ser revertido como facilitador, nem para o refúgio,

tampouco à sua inserção no mercado de trabalho onde o refúgio é requerido. No

caso em questão, por se tratar de um conhecimento muito específico, limitado em

termos de vocabulário, o dialeto falado dificulta tanto a inserção dessa mulher no

mercado de trabalho brasileiro, quanto ao seu aprendizado do português.

Ainda em relação à língua e/ou dialeto falado, em entrevista constatou-se que

as informantes que relataram falar os idiomas mais conhecidos como o inglês e o

francês, não os falam com fluência, uma vez que estes foram adaptados ao seu

dialeto.

Outra questão levantada em relação a essas mulheres diz respeito ao tempo

de estudo em seu país de origem, conforme apresentado no gráfico 9 abaixo. Essa

questão buscou identificar a escolaridade dessas mulheres a partir dos dados

coletados no questionário e nas entrevistas realizadas com as refugiadas

informantes.

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Gráfico 9 – Anos de estudo das mulheres refugi adas no país de origem

Fonte: Protocolo da pesquisa - dados da autora, 2013.

A análise do gráfico 9 revelou que das 53 refugiadas respondentes a maioria,

representada por um percentual de 47,2%, estudou somente de 3 a 6 anos. O

segundo maior percentual foi o de 37,8%, o qual representa as refugiadas que

estudaram de 7 a 10 anos e o terceiro, de 15,2% representa as que obtiveram de 11

a 17 anos de estudo.

Muito embora o gráfico 9 apresente em termos quantitativos um tempo

considerável de anos de estudo, como expressam os percentuais supraidentificados,

esses dados não revelam efetivamente a aquisição de conhecimentos, de

capacidades e habilidades cognitivas adquiridas, representadas pelos graus e níveis

de escolaridade e de instrução.

Faz-se necessário esclarecer, brevemente, como se dá o processo

educacional dessas refugiadas, mormente as provenientes do continente africano,

cuja maioria das entrevistadas tem sua procedência, uma vez que, em entrevistas,

essas mulheres relataram não atuar na área a qual se consideram aptas, segundo

seu nível e grau de estudo.

Conforme documento da UNESCO intitulado “Educação e Aprendizagem para

todos: olhares nos cincos continentes” (2009), os programas de educação no

continente africano são desenvolvidos por ONGs, OSCIPs, Instituições Religiosas,

entre outras, porém esses programas não são reconhecidos oficialmente pela

UNESCO, pois, segundo essa organização, trabalham de forma inadequada.

Na análise da UNESCO não há um mecanismo de acompanhamento do ensino

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quanto a sua qualidade, isto é, não há avaliação do que de fato o indivíduo conseguiu

aprender, nem o monitoramento da qualidade da educação, do ensino e das atividades

desenvolvidas à aprendizagem, ferramentas eficazes que auxiliam no desenvolvimento

de propostas para a aprendizagem, ocorrendo isso em várias partes do continente

africano, mediante uma educação não formal (UNESCO, 2009, p. 24-25).

Vale ressalvar também uma prática adotada no continente africano em

inúmeros países de baixa renda por todo o mundo, a qual delega o ensino a

professores não qualificados e sem formação adequada que comprometem a

qualidade desse ensino (HADDAD, 2008), gerando em consequência disso baixos

níveis de aprendizagem.

Esses esclarecimentos permitem advertir, no exame do gráfico 9, que apesar

do percentual elevado de 53% das investigadas declararem ter entre 7 a 17 anos de

estudo, não se pode considerar concretamente que esse tempo de estudo

represente, como já assinalado, uma efetiva qualificação educacional por parte

dessas mulheres, mediante aquisição de conhecimentos, de capacidades e

habilidades cognitivas adquiridas.

Diante disso, algumas congregações religiosas que atuam e oferecem

assistência a refugiados, em parcerias com empresas do sistema S, proporcionam

cursos profissionalizantes com a finalidade de qualificar essas pessoas e lhes

possibilitar, em curto espaço de tempo, condições de inserção no mercado de

trabalho. O gráfico 10 a seguir identifica a participação das refugiadas investigadas

em cursos de formação profissionalizantes na cidade de São Paulo.

Gráfico 10 – Participação das refugiadas em cursos profissionalizantes em São Paulo

Fonte: Protocolo da pesquisa - dados da autora, 2013.

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A análise do gráfico 10 permite observar que a maioria das investigadas,

representadas por um percentual de 73,6%, não tiveram interesse na realização de

cursos profissionalizantes. As demais, representadas por um percentual de 26,4%,

realizaram cursos variados, com destaque para o de estética (7,5% - sobrancelha,

maquiagem, auxiliar de cabeleireira entre outros) e de informática (7,5%), seguidos

do de copeira (3,8%), de cuidadora (1,9%), de enfermagem (1,9%), de técnica de

informática (1,9%) e o de trança (1,9%).

Por ocasião das entrevistas, as que declararam ter realizado algum curso

relataram que o fizeram em organizações sociais que oferecem certificação própria,

porém sem vinculo com o MEC ou outra instituição reconhecida, por exemplo, o

SENAC, como expresso a seguir:

Eu fiz curso de copera, cuidadora, informática, camarera, fiz no Cesprom41, mas num consegue trabalha, só na limpeza, tudo pede experiência, mas todas as coisas começa no um, mas aqui tem que te experiência de seis meses, como vai consegue, as coisa num é assim, se ninguém dá oportunidade como vai tê experiência; a vida aqui é difícil para genti (REPRODUÇÃO DA FALA DE UMA REFUGIADA DE ANGOLA).

O relato dessa refugiada reforça a informação de que a busca por uma

qualificação também não é tão fácil, uma vez que os cursos profissionalizantes

reconhecidos no mercado, nem sempre dão acesso às refugiadas, restando-lhes

somente as instituições que oferecem gratuitamente os cursos, mas não tem

penetração no mercado. Outro complicador para a inserção dessas mulheres em

cursos com níveis de exigências maiores é a sua formação educacional, que nem

sempre lhe propícia entender o conteúdo trabalhado, quer seja pela dificuldade do

idioma, quer pelo pouco conhecimento.

Em relação aos anos de estudo, graus e níveis associados à qualificação

educacional e formação profissional, requerem documentos comprobatórios que

permitam a inserção da mulher refugiada no mercado de trabalho formal. Os

documentos relativos aos graus e níveis educacionais podem ser obtidos pelas

refugiadas mediante solicitação ao MEC, caso tenham algum documento que

comprove seu nível de educação. Aos que detém nível superior, necessitam dispor

de dinheiro para pagar o valor cobrado à validação e tradução do diploma.

41 Instituição filantrópica mantida por uma organização religiosa da igreja católica que oferece diversos cursos de curta duração para pessoas de baixa renda.

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Como a maioria das refugiadas chega ao Brasil sem qualquer documentação,

lhes é permitido solicitar certificação, conforme prescreve o art. 24 da Lei n°

9.394/96 que autoriza, independentemente de escolarização anterior, uma avaliação

feita em uma escola, que defina o grau de desenvolvimento e experiência do

candidato. Essa certificação permitirá à refugiada tanto a sua inscrição na série ou

etapa adequada aos estudos que pretenda realizar e/ou se profissionalizar, quanto à

concorrência a vagas referentes a seu nível de estudo e qualificação no mercado de

trabalho.

Em relação à documentação relacionada à regularização da refugiada no

país, os documentos geralmente requeridos são: CPF, CTPS, Carteira de

Refugiada, RNE, Passaporte, além de outros, conforme identificação no gráfico 11.

Gráfico 11 – Quais os documentos que possui

Fonte: Protocolo da pesquisa - dados da autora, 2013.

Observa-se nas informações presentes no gráfico 11 que a maioria das 53

refugiadas investigadas já possui documentação, conforme percentual apresentado

a seguir: 98,1% das respondentes possuem CPF; 90,6% detém CTPS; 71,7% têm

Carteira de Refugiada; 7,5% RNE e 7,5% Passaporte. Apesar desse percentual

elevado referente à posse de documentos, as pesquisadas relataram que obtê-los

não é simples, pois a maioria dos funcionários dos órgãos onde eles são requeridos

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desconhecem os direitos dos refugiados no Brasil. A esse respeito, uma entrevistada

relatou:

[...] eu mesma, num tá a consegui abri conta no banco, porque você chega sem o RNE, eles ri da tua cara. [...]. Nem na loja você consegue compra, num tem respeito e eu to dois anos aqui; no nosso país em uma semana você consegue tudo. Aqui não tá bom. Que documento demora dois anos, eu nunca vi, passaporte na Angola uma semana. Aqui você vai hoje, “ah taxa tem que paga R$ 35,00”, você tem que esperar o dia e volta pega documento, amanhã vai num tá pronto documento, aí vai volto depois aí documento já venceu, num vale mais, você vai tem que paga R$ 194,00 cada uma pessoa, imagina que eu só trabalho salário mínimo, eu tem três filhos e minha irmã, lá em casa somo 5 pessoa, quase mil de reais. Eu fico com o papel em casa, porque tem que junta três meses de trabalho pra vai paga documento, to morando casa alheia, tem que paga R$ 500,00 de aluguel, se me põe fora vo mora onde? Dois anos, dois anos pra recebe esse documento. Brasília trabalho deles é esse, dar o documento, você vai procura trabalho bom, eles ta a pergunta o documento, ‘esse número é o quê?’42 No banco pra eu recebe dinheiro, eles não paga só com CPF, pede o passaporte, mas é meu salário, num recebi, voltei em casa, peguei carteira de trabalho e passaporte e voltei pra mostra. No banco meu dinheiro, documento com carimbo da federal ninguém respeita, a gente ta a sofre, sofre mesmo, como vai melhorar a vida. [...] o problema é o documento (RNE), demora dois anos. Vai lá na federal e manda volta depois de três messes, é assim mesmo. Num consegui nada, vai nas casas Bahia “ah não tem que ser RNE”, vai na loja do EXTRA “ah não tem que ser RNE”, então não sou cidadão? (REPRODUÇÃO DA FALA DE UMA REFUGIADA DE ANGOLA).

Além disso, segundo exposto pelas partícipes da pesquisa, alguns

documentos apresentam informações consideradas pelas refugiadas como

constrangedores, conforme relato transcrito, pois registram termos que geram

desconfiança e preconceito por parte do empregador, uma vez que frequentemente

são associadas a criminosas. Como exemplos disso citaram: a Carteira de

Refugiada, que contém o termo “Refugiado(a)” no documento, e a CTPS, na qual

consta o termo “Estrangeiro com base na Lei nº 9.474 de 22 de julho de 1997”. Para

as refugiadas essas identificações específicas geralmente criam dificuldades para

elas, pois as associam a pessoas que cometeram algum crime em seu país e vieram

se esconder no Brasil.

Apesar do preconceito que tais termos possam provocar, observa-se que a

maioria das 53 refugiadas investigadas são detentoras de documentos, condição

42 Pergunta feita pelos contratantes nos locais onde as refugiadas vão procurar trabalho, referindo-se à Lei do refúgio nº 9474/97 que consta na Carteira de trabalho dos refugiados.

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esta que favorece a sua inserção no mercado de trabalho formal. Em relação aos

termos identificados nos documentos, infere-se que tais termos devem ser

suprimidos.

Outra questão relevante inquirida às 53 refugiadas partícipes da pesquisa diz

respeito aos seus conhecimentos no que concerne aos direitos trabalhistas.

Conhecer os seus direitos é de fundamental importância para requerê-los, no

entanto, percebeu-se que a maioria das respondentes os desconhece, conforme

atesta o gráfico 12 apresentado.

Os dados informam que das 53 investigadas 62,3% declararam não ter

nenhum conhecimento sobre seus direitos trabalhistas e 37,7% relataram conhecer

“um pouco” de seus direitos. Nas entrevistas, ao se questionar o que representava

esse “um pouco”, detectou-se que apenas se referiam aos documentos e aos

lugares onde deveriam se dirigir para obter esses documentos.

Gráfico 12 – Conhecimento dos Direitos Trabalhista no Brasil

Fonte: Protocolo da pesquisa - dados da autora, 2013.

Os dados do gráfico 12 revelaram que essas pessoas desconhecem seus

direitos trabalhistas, adquiridos por ocasião da concessão do refúgio no Brasil, já

discutido neste trabalho em capítulo anterior. Esse desconhecimento torna-as reféns

de si mesmas e de terceiros, que em razão de sua ignorância as explora de todas as

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formas possíveis. Um exemplo dessa exploração, frequentemente relatado por

essas mulheres, relaciona-se a carga horária diária de trabalho realizada e ao

salário a que tem direito a receber pela atividade executada.

Quase todas as entrevistadas informaram que trabalham muito e ganham

pouco, mas permanecem no mesmo local de trabalho, inclusive sem os seus direitos

trabalhistas respeitados, apesar de relatarem ao empregador que possuem

documentos, neste caso a CTPS, CPF e a Carteira de Refugiada. Ao serem

interrogadas sobre o fato do patrão descumprir a lei e a garantia de seus direitos

legais, respondem que aceitam o emprego nestas condições e que é assim mesmo,

“o patrão manda”, ou dizem ter medo de perder o emprego. A fala a seguir

representa essa realidade:

O encarregado quando vê a genti estrangeiro, só manda a genti fazer trabalho mais pesado, porque vê a genti num fala português e trabalho, sabe que brasileiro conhece a lei num vai aceita, trabalho mais pesado é só eu que fez. Que nem uma vez, eu tava precisa de dinheiro e fui pega emprestado no meu patrão e ninguém me empresto, eu fui consegui fora, mas to a trabalha. É tava doente o médico deu atestado, meu pé tava a enche, fui no meu trabalho avisei que o médico me deu sete dias de atestado para procura ortopedista, a gerenti me respondeu ‘tá bom’, me disse o dia que eu vo volta, eu volta e gerenti disse que ‘já fecho folha, eu num pode volta depois de 31 porque já fecho’, ele disconto tudo dinheiro de 7 dia , sábado, domingo, ele disconto num pago nada. Esse mês num recebe nada, eu disse como vo pago aluguel, comida, eu perdeu tudo dinheiro de 7 dia, eu tava falando, ninguém tava me entende, isso é injustiça, porque a genti é só estrangeiro, por isso. Eu fui no Caritas, o Caritas me deu pra conversa com advogado, [...] advogado chamou minha chefi pra conversa e ela ficou muito brava com ele e num deixo ele falar, ‘a agora você que põe empresa em pu (no pau) você quê, que a empresa te manda embora, você quê isso, você num que trabalha, você quê governo te paga fundo de garantia’, eu num sabe, num quero me manda embora. Eu falei num tem nada, eu tava doenti, o médico me deu dias pra procura outro médico, eu num conhece para coloca empresa na justiça, eu quero trabalha, mas eu tava doenti, num pode vai trabalha (REPRODUÇÃO DA FALA DE UMA REFUGIADA DO CONGO).

Outra refugiada, por ocasião da entrevista, relata a diferença de tratamento e

de cobranças entre estrangeiros e brasileiros:

No serviço eles tá a tratar diferente. Faz separação se você é estrangeiro, trata diferente brasileiro, manda a gente limpa a sala sozinha, mas se é brasileiro é sempre duas pessoas. Já falei, já perguntei, eles dizem “num é assim”, eu sô preta, mas eu num sô escrava de ninguém, se vocês vão dar serviço tem que ser igual, porque o salário é o mesmo. Vai da serviço tem que se justo, as vezes eles fica sentada lá fora e a gente tem que ta toda a hora a trabalha, é muita injustiça, [...] eu falo, converso aqui na empresa,

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vocês ta a receber todas as pessoas, me aceitaram, então porque faz assim. Ela fala “pode ficar porque todo mundo ta trabalhando, não tem diferença”, e eu sei que não tá, tá lá escondido, ela pediu nome, eu disse num vou fala porque é fofoca, você é encarregada você sabe, vai ver lá, mas ela num vai, fala que todo mundo trabalha igual, eu vejo que num trabalha. Deu meio dia você fica lá sozinha, tudo mundo desce almoça. Eles falam que tem que tratar todo mundo igual (REPRODUÇÃO DA FALA DE UMA REFUGIADA DE ANGOLA).

Em termos de inserção no mercado de trabalho, perguntou-se que atividades

as refugiadas se consideravam aptas a realizar. O gráfico 13 a seguir identifica

essas atividades.

Gráfico 13 – Atividades laborais que as refugiadas se consideram aptas a realizar

Fonte: Protocolo da pesquisa - dados da autora, 2013.

A análise do gráfico 13 permite inferir que o maior percentual, referente a

36,4%, representa a atividade de estética como àquela que as refugiadas se

consideram aptas a realizar. Em seguida, encontram-se as atividades de cuidadora

de idoso (18,9%), vendedora (17,0%), a de serviços gerais (14,4%), além de outras

com menores percentuais.

É interessante observar, a partir do cruzamento destes dados com os do

gráfico 10, que ocorreu uma variação percentual no que concerne à realização de

cursos profissionalizantes e as atividades que as informantes se consideram aptas a

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realizar. Somente 26,4% declararam ter feito cursos profissionalizantes e destas só

7,5% o realizaram em estética. Entretanto, ao serem inquiridas sobre a atividade que

se consideram aptas a realizar, 36,4% identificaram à estética.

O gráfico a seguir apresenta a distribuição das refugiadas nos diversos

setores de atividades por elas desenvolvidas. Em meio ao grupamento pesquisado

que declarou trabalhar, os resultados mostraram que a maioria está inserida no setor

de serviços, representada percentualmente por 98,2%. Mesmo as que afirmaram

prestar serviço especializado, referindo-se à função de cuidadora ou em salão de

beleza, enquadram-se neste setor. O gráfico 14 a seguir apresenta a atividade

laboral desenvolvida pelas refugiadas investigadas no município de São Paulo.

Gráfico 14 – Atividade laboral realizada pelas refu giadas em São Paulo

Fonte: Protocolo da pesquisa - dados da autora, 2013.

Das 53 refugiadas investigadas 75,5% responderam exercer função sem

especialização, referindo-se ao trabalho de limpeza, realizado mediante contratação

por empresas terceirizadas. Em seguida aparecem os serviços gerais com

especialização, representadas com um percentual de 18,9%, referentes ao trabalho

em salão de beleza. As demais, também atuantes no setor de serviços, perfazem

um percentual de 3,8%, e por último, com um percentual de 1,9%, encontram-se as

que não estão inseridas no mercado de trabalho.

Quando se compara o gráfico anterior ao atual (gráficos 13 e 14) identifica-se

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uma contradição entre as atividades laborais que as refugiadas se consideram aptas a

realizar e as que efetivamente desenvolvem. No gráfico anterior 36,4% das

investigadas relatou que se consideravam aptas a realizar a função de “estética”,

relacionada ao trabalho em salão de beleza, 18,9% atividades de cuidadora de idoso,

17,0% como vendedoras e somente 14,4% realizariam atividades de serviços gerais.

Os dados do gráfico 14 denotam que 75,5% das refugiadas atuam na limpeza,

portanto um percentual bastante divergente do apresentado no gráfico anterior. A

diferença percentual entre a aptidão relatada e o exercício efetivo profissional é

grande, deixando dúvidas se realmente estão aptas a realizar a função ou se a

declaração representa apenas um simples desejo, isto é, uma aspiração desvinculada

da capacidade no exercício da função, visto que não desempenham a função

desejada, tampouco se preocuparam em realizar os cursos profissionalizantes

ofertados.

O relato de uma refugiada expressa o vivenciado por ela, que se constatou

fazer parte da realidade de muitas outras entrevistadas:

[...] mas o serviço num tá bom, serviço tá pesado no nosso país num é assim, nóis todos refugiados que vem aqui, nosso serviço é só na limpeza, você pode fazer curso, mas não serve pra genti, a genti vai procura, mas dizem que tem que ter experiência e tudo refugiado só limpeza, nóis como num tem experiência é só limpeza, para ter experiência a pessoa tem que começar, por isso nóis faz o curso, mas num tem como melhorar a vida, porque ganha poco, tem que pagá tudo, num sobra nada (REPRODUÇÃO DA FALA DE UMA REFUGIADA DE ANGOLA).

A esse respeito pode-se também fazer duas inferências: a primeira refere-se

ao tempo de estudos, em que o quantitativo não representa efetivamente o

qualitativo que deveria expressar em termos de conhecimentos adquiridos; e a

segunda, referem-se aos cursos realizados pelas informantes, os quais, comumente

promovidos por instituições sociais e de assistência, oferecem certificações não

reconhecidas oficialmente, nem pelo MEC, nem por um sistema de formação

profissional como os sistemas S, motivo pelo qual não representam certificações

validadas no mercado de trabalho.

Outra observação passível a esse respeito, isto é, relacionada à

incongruência entre a competência que dizem ter e a atuação profissional realizada,

pode ser justificada no contexto concreto da realidade vivenciada por essas

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mulheres em seus países de origem. Quando inquiridas sobre o que realizavam em

seus países relataram que desempenhavam a função X ou Y, porém no Brasil essa

função tem outra estrutura e exigências, não admitindo ser realizada a partir do

mesmo conhecimento (teoria) e da mesma prática anteriormente executada.

Apesar das inconsistências observadas, e diante da constatação de que a

maioria das refugiadas (98,2%) desenvolve atividades no mercado de trabalho

paulistano, questionou-se sobre o valor salarial recebido. Também se inquiriu se

contribuíam para a previdência social, a fim de averiguar se a inserção é formal, com

a garantia dos direitos trabalhistas, ou informal. O gráfico 15 a seguir identifica os

dados levantados.

Gráfico 15 – Remuneração recebida pelas refugiadas em São Paulo

Fonte: Protocolo da pesquisa - dados da autora, 2013.

Observa-se nos dados supraidentificados que 60,7% das refugiadas

investigadas receberam pela atividade desenvolvida remuneração no valor entre

R$ 600,00 e R$ 799,00. Outras, representadas por um percentual de 27,3%,

receberam de R$ 800,00 a R$ 1.000,00; e 10,5% das entrevistadas auferiram um

valor entre R$ 1001,00 a R$ 1.300,00. No entanto, para os dois últimos grupamentos

com remuneração acima de R$ 800,00, identificou-se nas entrevistas que essas

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mulheres não são registradas, portanto, não contribuem com a previdência social,

conforme apresenta o gráfico 15.

A consequência da informalidade foi questionada nas entrevistas, pois se

buscou descobrir se essas mulheres tem consciência das implicações relacionadas

à supressão dos direitos trabalhistas, tais como: a perda do direto à aposentadoria,

ao relacionado a problemas de saúde, aos derivados dos acidentes de trabalho,

entre outros. Detectou-se, conforme constatado no gráfico 12, que a maioria

desconhece seus direitos trabalhistas, tanto as formalmente inseridas, quanto as

que atuam na informalidade, como, por exemplo, as prestadoras de serviços.

Os dois gráficos que se seguem relacionam-se diretamente à questão salarial.

O primeiro refere-se ao tipo de habitação das refugiadas e o segundo faz referência

aos valores despendidos para essa habitação.

Em relação ao tipo de habitação, perguntou-se às entrevistadas se habitavam

em moradia própria quitada, própria financiada, alugada, cedida, invadida ou em

outra condição. Detectou-se, conforme apresenta o gráfico 16, que 86,8% das

refugiadas investigadas declararam que moram em residências alugadas. As

demais, 9,4% responderam estar em outro tipo de moradia43, seguida por 3,8% que

declararam morar em casa cedida.

Na pesquisa de campo, por ocasião das entrevistas realizadas no lócus de

moradia das refugiadas, constatou-se que o tipo de residência das informantes é

variado. Algumas se juntam e alugam residências muito simples na periferia. Outras

preferem morar na região central, e acabam por residir em quartos que fazem parte

de cortiços44, isto é, casas divididas em quartos que são sublocados para várias

outras pessoas ou famílias, onde há um banheiro de uso comum. Há ainda as que

moram em residências cedidas ou em abrigos, como supracitado.

43 Identificou-se como outro tipo de moradia o abrigo, chamado de moradia provisória e geralmente mantido por instituição religiosa, uma vez que os albergues públicos, devido sua estrutura de acolhida, não oferecem condições de abrigo para o público em questão.

44 Definido pelo dicionário Houaiss, como: “aglomeração de casas muito pobres”.

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Gráfico 16 – Tipo de habitação das refugiadas inves tigadas

Fonte: Protocolo da pesquisa - dados da autora, 2013.

O segundo gráfico relacionado diretamente à remuneração salarial é o gráfico

17, o qual se refere ao valor despendido pela refugiada para morar.

Gráfico 17 – Valor do aluguel

Fonte: Protocolo da pesquisa - dados da autora, 2013. Os dados do gráfico 17 revelam que das 86,8% que declararam habitar em

moradia alugada, 34,8% pagam entre R$ 450,00 a R$ 500,00 reais no aluguel,

seguidas pelo grupamento de 30,4% que relataram pagar em média de R$ 600,00 a

R$ 680,00 reais. Um terceiro grupo de refugiadas, composto por 26% das

entrevistadas, narrou pagar no aluguel entre R$ 510,00 a R$ 590,00 reais, e um

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último grupo, representado 8,8% de refugiadas, revelou pagar de R$ 250,00 a

R$ 400,00 reais.

O gráfico em análise, cruzado ao gráfico 15, o qual se refere ao salário

recebido pelas refugiadas, associado a uma análise contextualizada, permite inferir

que apesar da maioria das 53 refugiadas investigadas estarem inseridas no mercado

de trabalho paulistano, suas reais condições de vida são bastante precárias. No

gráfico 15 demonstrou-se que 60,7% das investigadas sobrevivem com um salário

bruto de até R$ 800,00 reais, sem a incidência de encargos sociais.

A fala de uma refugiada reflete as dificuldades enfrentadas em razão do baixo

salário, o alto custo do aluguel, além de outras cobranças inclusas no valor.

Também são exploradas pelas próprias pessoas que alugam os quartos dos

cortiços, pois sabem que são refugiadas e que não conseguirão fácil espaço para

morar. Em virtude de compartilharem os mesmos espaços, e como as contas de

concessionárias vêm em fatura única acabam sendo extorquidas pelas pessoas que

dividem os espaços, conforme relato a seguir:

A genti tá a encontra muitos problema, onde eu tava a mora, dona da casa tudo hora problema, você paga dinheiro, ela usa tudo suas coisas, quando a conta de luz chega eu pago a mesma coisa, eu num tenho aparelho em casa, só usava a geladeira e fogão dela pra fazer minha comida, eu fica fora o dia todo, domingo eu vo a igreja e volta mais tarde, ela tem muita coisa na casa dela, ela gasta eu tenho que paga a mesma coisa, eu fala “como eu vo paga a mesma coisa que você, você tem filho gasta mais que eu, você fica tudo dia na casa”. A genti é difícil consegui casa, a genti num tem fiado, segura fiance, casa boa é difícil, casa no imobiliária num podi, casa particular tá mais caro... (REPRODUÇÃO DA FALA DE UMA REFUGIADA DO CONGO).

Considerando-se os dados apresentados no gráfico 17, depreende-se que

mais da metade do salário das refugiadas é gasto com moradia e o restante é

insuficiente para suprir com dignidade as reais necessidades de uma pessoa. Além

dessas considerações outros fatores implicam nessa precarização, alguns deles

foram explicitados no decorrer deste capítulo.

Após a apresentação e análise dos resultados aferidos na pesquisa de

campo, realizada com as refugiadas na cidade de São Paulo, passar-se-á à etapa

seguinte, em que se expõem as Considerações Finais desta pesquisa, e nas quais

compreendem as análises desta pesquisadora em relação ao estudo desenvolvido.

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O capitalismo global e o mercado livre sem controles chegaram a um ponto crítico. Estamos ao fim de uma era, mas ainda não enxergamos o novo rumo.

Éric Hobsbawm

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As considerações apresentadas a seguir são resultantes do processo que

desencadeou o desenvolvimento desta dissertação de mestrado, observando-se o

objetivo inicial que a suscitou, o qual teve como foco investigar a inserção da mulher

refugiada no mercado de trabalho paulistano, analisando o tipo e as condições

dessa inserção, que refletem no seu modo de viver e sobreviver, isto é, nas suas

condições de vida real.

Para percorrer esse caminho, buscou-se a apropriação de conhecimento

teórico que subsidiou a elaboração deste trabalho e se constituiu de grande

importância na formação desta pesquisadora. Esse aporte teórico imprimiu nesta

investigadora uma análise mais crítica da realidade social, especialmente em

relação à mulher refugiada e à sua condição de vida no município de São Paulo.

Essa apropriação não se deu de forma tranquila e natural, mas foi produzida a

partir de um processo conflituoso de apreensão da realidade em sua concretude,

intermediada pelos percalços presentes no cotidiano, em meio a contradições,

negações e materializações do trabalho intelectual.

Em virtude dessas contradições e desses percalços presentes no cotidiano, a

apreensão do real em sua totalidade constitui-se em uma tarefa complexa a ser

empreendida, motivo pelo qual esta pesquisadora não teve essa pretensão. Importa

também assinalar que algumas aspirações iniciais da pesquisa não foram

concretizadas, como por exemplo, a observação participante pretendida nos locais

de trabalho onde as refugiadas estão inseridas, devido o limite de tempo e as

dificuldades para a execução dessa tarefa.

Outro fator importante a ser destacado refere-se ao fato desta pesquisadora

atuar profissionalmente no contexto de suas investigações, isto é, com mulheres

refugiadas. Essa atuação permite e permitiu compreender a realidade complexa

vivenciada por esse grupo social, permeado de constantes exclusões e inclusões,

deparando-se no cotidiano com histórias de vida desse grupo, marcadas por perdas

e permanentes negações, presentes na própria existência desses sujeitos sociais.

Ao mesmo tempo, esse envolvimento poderia influir negativamente, suscitando uma

análise parcial e tendenciosa, motivo pelo qual se procedeu a uma permanente

vigília no processo de investigação empreendido por esta pesquisadora.

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Esses procedimentos permitiram captar a realidade vivenciada pelas

mulheres refugiadas investigadas, identificando-se, no tratamento dispensado a

esse grupo social que fala e se expressa diferente, tem cultura diferente e em quase

tudo é diferente, as discriminações e preconceitos, quase sempre explícitos, a que

são vítimas. Essa situação é habitual na vida cotidiana dos refugiados quando

necessitam acessar algum serviço público ou quando são vítimas de preconceito no

trabalho, ou por desconhecimento do agente do serviço social e outros profissionais

que atendem a esse público.

Nesse contexto, essas mulheres refugiadas vivem um paradoxo: o de buscar

dignidade humana onde essa dignidade é pseudo-ofertada, ou é ofertada em

“migalhas”. Da perda dos direitos humanos à aquisição desses direitos,

mediatizados por uma falsa cidadania, que na busca de direitos e de serem incluídas

vivenciam dialeticamente uma exclusão integrativa marginal, oferecida como

benesse a quem foi privado de tudo, inclusive da convivência com os seus

familiares.

Partem da negação do ser à aquisição da condição de quase nada ser, ou de

ser nas condições ofertadas pelo capital, abjetas e execráveis a serem oferecidas ao

ser diferente, ao ser inferior, àqueles que têm direitos, mas os têm conforme impõe a

sociedade capitalista – por meio da servidão em permanente exclusão integrativa

marginal.

Esses sujeitos, relegados à condição de ser humano em geral, como assinala

Arendt (1989), representando nada além da sua individualidade absoluta e singular,

privado da expressão e da ação sobre um mundo comum, perde todo o seu

significado, passando a pertencer à raça humana da mesma forma como animais

pertencem a uma dada espécie de animais. O paradoxo da perda dos direitos

humanos é que essa perda coincide com o instante em que a pessoa se torna um

ser humano em geral: sem uma profissão, sem cidadania, sem opinião; sem uma

ação pela qual se identifique e se especifique.

Essa relação dialética entre ser e não ser, de negação e afirmação de

direitos, do outro enquanto ser sem nada ser, igual e diferente, é complexa e de

difícil entendimento, porém é concreta na realidade capitalista. Essa contradição, por

ser incompreendida, coloca em dúvida a existência desse outro em sua

individualidade absoluta e singular, desconsiderando suas necessidades

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específicas, seu modo de ser e de se expressar, que mesmo possuindo uma

singularidade só existe socialmente, coletivamente.

A mulher refugiada vive essa contradição. Acredita estar nessa condição por

ter sido obrigada a fugir de seu país em função de algum tipo de perseguição. Mas

ao chegar num outro país, em um país estranho, vê-se na mesma situação

anteriormente vivenciada, perseguida e excluída, porém agora de forma camuflada,

pelo preconceito, discriminação, negação e violação de direitos enquanto ser

pertencente ao gênero humano, pois desconhece, como afirma Piovesan (2006),

que a própria condição de refugiado já é uma violação de direitos humanos.

A investigação permitiu a esta pesquisadora adentrar na cotidianidade desse

grupo social, mergulhando nas mazelas da perversidade humana, em que aqueles

que detêm o poder, mediante as relações capitalistas de poder, o utilizam como

meio de dominação, de aniquilação do outro, levando-o à condição de

“subsistência”, isto é, a uma existência subumana na qual ele – o ser, não se

reconhece mais enquanto ser, pois foi restringido ao niilismo existencial.

Em relação às demais pretensões desta pesquisa, alcançaram-se os objetivos

planejados, em particular os derivados do objetivo inicial, os quais desvelaram o

modo de inserção da mulher refugiada no mercado de trabalho paulistano,

considerando o modo e as condições de inserção, as quais refletem nas suas

condições de vida e sobrevivência, isto é, nas suas condições de vida real.

Nesse sentido, identificaram-se o domínio de conhecimentos e habilidades

profissionais adquiridos por essas mulheres, relacionados ao grau de escolaridade e

instrução, à formação/qualificação, aos setores e tipo de inserção e às condições de

inserção dessas mulheres, especialmente as relacionadas às condições desumanas

no desenvolvimento da função desempenhada de trabalho e à remuneração

percebida, discutidas e analisadas no capítulo III.

Nestas Considerações Finais optou-se por destacar as questões mais

diretamente vinculadas à inserção das refugiadas no mercado de trabalho, pois as

demais e suas correlações já foram explicitadas no capítulo anterior. Nesse sentido,

os resultados da pesquisa de campo revelaram que 77,3% das refugiadas

investigadas estão em idade abaixo dos 40 anos, faixa etária esta considerada como

população em idade ativa economicamente (PIA), isto é, apta para o trabalho.

Detectou-se também que a maioria das refugiadas investigadas,

representadas por um percentual de 47,2%, estudou somente de 3 a 6 anos, 37,8%

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estudaram entre 7 a 10 anos e 15,2% estudaram entre 11 a 17 anos. Entretanto, a

partir das entrevistas, percebeu-se que esses dados não revelavam efetivamente a

aquisição de conhecimentos, de capacidades e habilidades cognitivas adquiridas,

representadas pelos graus e níveis de escolaridade e de instrução das refugiadas.

Portando, apesar de 53% das investigadas terem declarado ter entre 7 a 17

anos estudo, concretamente não se pode considerar que esse tempo de estudo

represente, como já assinalado, uma efetiva qualificação educacional por parte

dessas mulheres, mediante aquisição de conhecimentos, de capacidades e

habilidades cognitivas adquiridas.

Outra questão relacionada à formação educacional e à inserção no mercado

de trabalho desse grupo refere-se às possibilidades de atuação e inserção

profissional. Na pesquisa de campo essas mulheres declararam estar aptas a

realizar atividades identificadas por: atividade de estética (36,4%), cuidadora de

idoso (18,9%), vendedora (17,0%), a de serviços gerais (14,4%), além de outras

com menores percentuais. No entanto, detectou-se que a maioria que se declarou

trabalhar está inserida predominantemente no setor de serviços, das quais 75,5%

exercem função sem especialização, referindo-se ao trabalho de limpeza, realizado

mediante contratação por empresas terceirizadas. Em seguida aparecem os

serviços gerais com especialização, representadas com um percentual de 18,9%,

referentes ao trabalho em salão de beleza.

Os dados supracitados permitem inferir que apesar da maioria das mulheres

investigadas estarem inseridas no mercado de trabalho, representadas por um

percentual de 98,2%, essa inserção é precarizada, justificada no contexto

socioeconômico e político capitalista pela baixa escolaridade e precarizada

qualificação profissional, resultando disso a atuação predominantemente no setor de

serviços, mediante subcontratação terceirizada.

Esse tipo de contratação é permitido pelo Estado neoliberal que regula e

normatiza a exploração da mão de obra do trabalhador, neste caso a das refugiadas,

autorizando os empregadores, protegidos pela flexibilização e desregulamentação

do mercado de trabalho capitalista, a subcontratarem a mão de obra dessas

mulheres, resultando em um aumento da superexploração da sua força de trabalho,

reduzindo-lhes a remuneração e os direitos sociais, tais como o direito ao trabalho, à

saúde, à educação, à moradia, às condições mínimas de sobrevivência com

dignidade.

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A despeito de essa realidade assemelhar-se a vivenciada por milhões de

brasileiros subempregados, afetados pela atual crise global contemporânea, a

situação das refugiadas constitui-se com maior complexidade, agravada em virtude

das diferenças culturais, da raça, do idioma, das leis, da distância dos filhos e

demais familiares, da dificuldade em se adaptarem em outro país, além de outras

situações que provocam inseguranças e instabilidades psíquicas, deixando-as

suscetíveis à marginalidade.

Como exemplo de situações que promovem dúvidas e incertezas, pode-se

citar a legislação referente ao refúgio. Como assinalado ao longo do trabalho,

observou-se na análise das leis, convenções e tratados que os direitos expressos e

previstos na legislação pátria e nos tratados e convenções internacionais não se

efetivam na realidade social brasileira, pois os direitos das refugiadas são

constantemente violados no Brasil, conforme expressam os inúmeros casos citados.

Em contrário senso, em países capitalistas, tanto nos desenvolvidos quanto

nos subdesenvolvidos, ou chamados “em desenvolvimento”, quase sempre os

direitos sociais, políticos e ideológicos são negados. Em pleno século XXI a

positivação dos direitos humanos, econômicos, políticos, sociais e culturais não tem

significado sua efetivação e concretização para as pessoas que habitam esses

países, especialmente para aqueles que se refugiam neles.

O presente estudo possibilitou compreender que a situação se assemelha em

todo o Brasil. Os ordenamentos jurídicos normativo-legais brasileiros que

referendam os direitos dos refugiados existem, contudo, no decorrer da pesquisa se

verificou a ausência do Estado à acolhida desse grupo no espaço territorial nacional,

especialmente no município de São Paulo, o qual, segundo dados do CONARE,

concentra 45% dos solicitantes de refugio no Brasil, além de São Paulo ser o Estado

que tem maior número de refugiados.

A pesquisa também permitiu constatar que o atendimento destinado aos

refugiados, incluídas nesse grupo as mulheres refugiadas objeto deste estudo, no

município de São Paulo é realizado pelas organizações da sociedade civil,

especificamente pelas organizações confessionais e filantrópicas ligadas à igreja

católica.

Nem mesmo o ACNUR, primeiro responsável em nível internacional pelos

refugiados, desenvolve um trabalho efetivo de acolhida com os mesmos, conforme

se constatou através do questionário aplicado. Quando indagados como é

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desenvolvido o atendimento social de apoio aos refugiados, em especial as

refugiadas, a resposta obtida foi: “[...] é feito principalmente por ONGs nacionais e

internacionais, no caso do Brasil, todas as ONGs parceiras são nacionais”.

Outra situação intrigante revelada pela pesquisa diz respeito ao objetivo do

ACNUR no que concerne à sua atuação no Brasil. Segundo a Agência da ONU para

refugiados seu maior objetivo no Brasil é “[...] buscar solução duradoura a todos os

refugiados, qual seja, a integração local”. A despeito dessa intenção, no decorrer da

pesquisa, considerando os procedimentos metodológicos adotados, não se

constatou um trabalho efetivo da Agência que concretizasse esse objetivo.

Detectou-se que a atuação do ACNUR depende, particularmente, do setor

privado, tais como: ONGs, Associações Sociais, Congregações Religiosas

assistenciais filantrópicas e outras instituições do setor privado. Segundo essa

Agência sua atuação se dá através de parcerias, mediante convênios firmados, em

especial com a Cáritas de São Paulo, que tem uma vasta experiência de atuação

junto à população refugiada.

A Cáritas, como órgão religioso que é, desenvolve sua atuação assistencial

caritativa mediante um trabalho efetivo nas diversas áreas sociais, porém não é de

sua competência, como órgão religioso, promover políticas públicas a essa

população, haja vista esta ser a função do Estado, que deveria responder às

necessidades da população, inclusive aquelas relacionadas às mulheres refugiadas.

Além disso, os referidos convênios firmados entre os parceiros e o ACNUR

não são fixos e permanentes, motivo pelo qual são desfeitos mediante justificativas

como a falta de verbas para mantê-los, ou em razão do desmantelamento das

equipes envolvidas nos trabalhos e discussões sobre refugiados. Nesse último caso

verificou-se que, por questões políticas, equipes inteiras ou membros destas são

periodicamente demitidos, interrompendo tanto o trabalho desempenhado pelas

comissões quanto o atendimento empreendido naquele período aos refugiados.

Quando isso ocorre, todo o trabalho anteriormente realizado fica prejudicado

ou porque a equipe foi reduzida, e não dá conta de prosseguir as atividades, ou

porque membros líderes, dotados de grande competência técnica e conhecimento

na área, foram demitidos. Esse tipo de prática fragiliza o grupo todo e

consequentemente interrompe o trabalho realizado na ocasião e o anteriormente

produzido e executado por uma equipe maior e multidisciplinar.

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A consequência disso é o desmantelamento da expertise adquirida ao longo

do processo, associada à teoria apreendida pela equipe, a partir das competências

multidisciplinares dos profissionais partícipes, das vivências construídas pela

convivência que geram confiança, seriedade e empenho, o aprofundamento teórico

dos profissionais adquirido a partir de estudos de acordo com as necessidades

apresentadas pela demanda, tudo é abruptamente interrompido.

Portanto, salvo melhor juízo, não se pode considerar que o trabalho realizado

pelo ACNUR, que visa integração local dos refugiados, resulte em efetivas melhorias

aos mesmos, apesar de todo o empenho dos parceiros. Para que isso se constitua

em realidade será necessário maior comprometimento do Estado com vistas a

implementar políticas públicas necessárias à promoção da qualidade de vida a esse

público.

A oferta de cursos introdutórios de português, defendido como meio de

integração local pelo ACNUR e ofertado pelo SESC – Carmo-SP como parceiro,

definitivamente, não se constitui como alternativa de efetiva integração local desse

grupo, tampouco se entende que seja capaz de propiciá-la, a despeito de essa

iniciativa ser de grande valia aos refugiados que não conhecem a língua portuguesa.

No que concerne à atuação dos parceiros do ACNUR, pode-se afirmar que

algumas ONGs, Associações Sociais, Congregações Religiosas assistenciais

filantrópicas e outras instituições do setor privado são os únicos que desenvolvem

ações com o fito de promover a integração social e local desse público, pois em

relação à rede pública estadual ou municipal não se detectou nenhuma oferta de

assistência às refugiadas.

Contatou-se durante o processo desta pesquisa que quase todo o

atendimento social, educacional e profissional ofertado aos refugiados,

especificamente dirigido às mulheres refugiadas em estudo, é realizado

especialmente pelas organizações religiosas assistenciais filantrópicas, que em sua

extensa maioria é vinculada a igreja católica. Toda a expertise do trabalho destinado

ao público refugiado está concentrada nessas instituições, com financiamento

próprio para executar os serviços promovidos, e em alguns raros casos com auxílio

de doações de terceiros ou mediante o financiamento de alguns projetos aprovados

por parceiros públicos ou por empresas privadas.

Também se detectou que o Estado não elabora políticas públicas dirigidas a

essa população, sequer se preocupa em qualificar os agentes públicos no

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atendimento a mesma. Na verdade, descobriu-se que o Estado se exime de dar

qualquer tipo de qualificação aos agentes públicos em relação a esse grupo social,

deixando em aberto para quem quiser fazê-lo. Assim, diante da total ignorância e

desqualificação desses agentes na atuação junto a esse público, as organizações

filantrópicas assumiram para si mais esse papel, pois são elas que capacitam os

agentes públicos quanto à situação dos refugiados em solo brasileiro, em especial

no município de São Paulo.

Importa relatar que em virtude desta pesquisadora atuar profissionalmente

com esse público e em função desta pesquisa acadêmica, participou-se de inúmeras

capacitações aos agentes públicos, que, em sua totalidade, manifestaram

desconhecer o universo dos refugiados, suas necessidades e direitos jurídicos

normativo-legais adquiridos por ocasião do refúgio.

Esses agentes, gestores públicos que representam as diversas Secretarias

Estaduais, constituem os Comitês Estaduais, instituídos por ocasião da criação do

Comitê Nacional para os Refugiados – CONARE, obedecendo aos mesmos moldes

e atuação, isto é, visam prestar apoio a essa população como parte da ação de

integração local duradoura.

Em São Paulo o comitê foi criado em 12 de novembro de 2007 através de

Decreto nº 52.349, porém, somente em março de 2008 é que os representantes das

secretarias tomaram posse. Em virtude disso, as reuniões não se efetivaram,

tampouco o trabalho, restringindo-se a atuação do Estado em relação aos

refugiados à promulgação do Decreto de criação do comitê.

A importância em haver um comitê organizado e bem articulado se deve ao

descaso dos gestores públicos com essa população, uma vez que as necessidades

dos refugiados serem ignoradas. No decorrer desta pesquisa, detectaram-se

diversas situações em que as refugiadas, ao se dirigirem a um órgão público a fim

de requererem algum tipo de atendimento, foram ignoradas em suas solicitações.

Em razão do desconhecimento, por ignorância, discriminação e ou preconceito, os

agentes públicos agem com descaso junto aos refugiados, negando o atendimento

aos mesmos.

Em entrevistas, as refugiadas investigadas relataram esse descaso e outras

situações críticas. As associações e instituições que atendem e representam essa

população também expuseram ter presenciado situações adversas, em que o

agente público liga para as instituições privadas (Cáritas, Centro de Acolhida para

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Mulheres Refugiadas, Casa do Migrante, entre outras) e solicita atendimento à (ao)

refugiada (o), pois ele, agente público que deveria resolver o problema não sabe

fazê-lo.

Essa situação é frequente, pois o agente público desconhece, tampouco

demonstra interesse em conhecer esse grupo social, assim como ignora as leis que

lhes referendam direitos, às vezes associando-o a um criminoso ou fugitivo. Esse

comportamento não só dificulta aos refugiados acessarem seus direitos como lhes

coloca em situação de marginalização, causando-lhes diversos problemas,

inseguranças e desestabilizando-os emocionalmente.

Em fevereiro de 2012 o Comitê Estadual retomou suas atividades através de

um convite da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, órgão responsável

por presidir esse grupo, composto pelas Secretarias de Estado e por duas

organizações da sociedade civil que trabalham diretamente com refugiados.

Inicialmente as reuniões do Comitê ocorriam mensalmente, para fins de agilizar o

trabalho e efetivar ações concretas mais necessárias e urgentes, contudo, após

alguns encontros, foram espaçando até deixarem de ocorrer.

Outra ilação relacionada ao Comitê diz respeito às mudanças constantes dos

gestores públicos, seus representantes. Essas trocas dos gestores prejudicam a

continuidade do trabalho, algumas vezes interrompendo-os temporariamente, outras

definitivamente, obstruindo todo o trabalho realizado e o iniciado ao longo de um

período. Isso foi o que aconteceu em 2013, repetindo o ocorrido em 2012, quando o

grupo se distanciou em razão da mudança do representante da Secretaria da

Justiça.

Somente no segundo semestre de 2013, mediante a escolha de uma nova

gestora para a Secretaria da Justiça, a mesma convocou uma reunião para retomar

os trabalhos. Detectou-se que esta é uma prática frequente nos governos, isto é, em

virtude das constantes trocas dos gestores representantes das Secretarias há

descontinuidade pouca fluidez no trabalho, que se executado de forma contínua

resultaria em avanços em prol dos refugiados e de seus direitos.

Na atualidade, o Comitê vem lutando para que o Decreto nº 52.349 receba o

status de lei, ou seja, para que Ele (Comitê) seja regulamentado por lei, obrigando

os governantes (gestores públicos) a respeitarem os profissionais representantes do

Comitê e o trabalho desenvolvido pela equipe, independentemente de interesses

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políticos. Talvez assim o trabalho realizado pelo Comitê venha a produzir resultados

concretos em benefício dos refugiados e da causa do refúgio.

Alerta-se, no entanto, que apesar da legalização do Comitê garantir a

regularidade das reuniões na tentativa de empreender ações em favor dos

refugiados e do refúgio, independente de questões políticas do governo, ela não

solucionará o problema de troca dos dirigentes das Secretarias, pois esses cargos

são políticos e seus gestores representam interesses políticos, em geral também

partidários, ainda que não os declarem.

Outra problemática que vem ao encontro da integração local dessas pessoas,

versa sobre a moradia. Nesta pesquisa pode-se observar que 86,8% das 53

mulheres refugiadas investigadas declararam habitar em moradia alugada, quase

sempre em parceria com outra refugiada e em condições de extrema precariedade.

Também se detectou que 60,7% das investigadas sobrevivem com um salário bruto

de até R$ 800,00 reais, sem os descontos dos encargos sociais, que contabilizados

reduzem mais ainda o líquido auferido. Depreende-se disso que mais da metade do

salário das refugiadas é gasto com moradia e o restante é insuficiente para suprir

com dignidade as reais necessidades de uma pessoa.

A pesquisa também permitiu examinar a realidade vivenciada pelas

refugiadas em uma cidade como São Paulo, uma megalópole capitalista em que a

maioria apenas sobrevive, quase sempre, em moradias sem condições de

habitabilidade, onde famílias inteiras dividem um quarto e tudo o que têm fica ali,

encostado em uma parede durante o dia, e durante a noite, quando os colchonetes

são espalhados para dormirem, tudo é pendurado devido à falta de espaço.

Percebe-se, diante dessa realidade de extrema pobreza e precariedade, a

total ausência de políticas públicas, em especial as relacionadas à moradia, principal

agravante das péssimas condições de vida da população refugiada no município

paulistano, apesar do direito à moradia ser um direito humano protegido pela

Constituição Federal Brasileira de 1988 e por diversos Instrumentos Internacionais.

O direito à moradia, portanto, é um dos direitos fundamentais do ser humano,

reconhecido em diversas declarações e tratados internacionais de direitos humanos,

do qual o Estado Brasileiro é parte, em especial na Declaração Universal dos

Direitos Humanos de 1948 (artigo XXV, item 1); no Pacto Internacional de Direitos

Sociais, Econômicos e Culturais de 1966, Artigo 11(1); na Convenção Internacional

sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965, Artigo 5

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(e)(iii); na Declaração sobre Raça e Preconceito Racial de 1978, Artigo 9 (2); na

Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher

de 1979, Artigo 14 (2)(h); Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, Artigo

27 (3); na Declaração sobre Assentamentos Humanos de Vancouver de 1976,

Seção III (8) e capítulo II (A.3); na Agenda 21 sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento de 1992, capítulo 7 (6) e na Agenda Habitat de 1996.

Portanto, o direito à moradia, previsto na CF/88 como um direito social exige a

ação positiva do Estado por meio da execução de políticas públicas habitacionais,

devendo Este assegurar medidas para promover e proteger esse direito aos

habitantes do país, obrigando-se a impedir a regressividade desse direito.

Em relação aos Tratados e Convenções Internacionais dos Direitos Humanos,

os países signatários como o Brasil possuem compromissos de natureza vinculante,

acarretando-lhes obrigações e responsabilidades pela falta de cumprimento das

obrigações assumidas, as quais se estendem a todos os habitantes do país,

inclusive aos refugiados.

A Constituição Brasileira adota a prevalência dos direitos humanos como um

dos princípios que deve reger as relações internacionais, no artigo 4º, II. O

Congresso Nacional aprovou o texto do Pacto Internacional sobre Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais por meio do Decreto Legislativo n. 226 de 1991,

assim como a Presidência da República também o fez por meio do Decreto n. 591

de 1992, afirmando que o Pacto deve ser executado e cumprido inteiramente.

Verifica-se, portanto, que os dispositivos legais brasileiros referendam o

direito à moradia, sendo o Estado obrigado a adotar políticas públicas de habitação

que assegurem a efetividade desse direito. Além disso, também é sua

responsabilidade garantir o acesso a uma moradia adequada, a partir da criação de

programas e ações que atendam a população de baixa renda, incluídas neste grupo

as mulheres refugiadas objeto desta pesquisa, apesar de não terem este direto

reconhecido.

Em razão da atuação profissional e em decorrência deste estudo, esta

pesquisadora participou de várias reuniões com representantes do governo nas três

esferas do poder: municipal, estadual e federal. À semelhança de um coro ensaiado

por todos os representantes destas esferas, ouviu-se o discurso falacioso da

impossibilidade de se criar, pelo menos, um abrigo específico para as mulheres

estrangeiras (refugiadas e egressas do sistema prisional), mediante justificativa de

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que essa prática se constituiria como segregacionista, um tratamento diferenciado,

oposto ao que prevê a CF/88, a qual prescreve tratamento igual para todos.

A Secretária da Assistência Social do Município de São Paulo (SMADS),

Luciana Temer, em reunião com organizações da sociedade civil e funcionários

públicos que atendem o grupo em questão, defendeu que os refugiados devem ser

encaminhados para os albergues públicos que tenham vaga. De certo a referida

secretária desconhece a realidade dos albergues brasileiros, pois se as conhecesse

não daria essa sugestão.

Sabe-se que as vagas ofertadas nos albergues públicos brasileiros não

atendem adequadamente nem o seu público específico, tais como: moradores de rua

(alguns dependentes químicos, outros com problemas de saúde mental), sem tetos,

prostitutas, entre outros alijados e marginalizados socialmente que se encontram em

situação de exclusão e vulnerabilidade.

Nos albergues, essas pessoas pernoitam e ao amanhecer devem voltar para

as ruas, mesmo que não tenham ocupações quaisquer e não tenham onde ficar. Após

um dia de espera nas ruas retornam para o pernoite, mas só podem ficar se houver

vaga. Esse tipo de “acolhida” é precário e bastante deficitário, constituindo-se como

impróprio, tanto para àqueles que estão “acostumados” a sobreviver na rua, quanto

para os refugiados.

Depreende-se, a partir das atitudes dos representantes dos órgãos públicos, o

desinteresse e descaso em relação às condições de vida dos refugiados e aos seus

direitos, chegando mesmo a ignorar o previsto nas leis brasileiras e nas diversas

declarações, tratados e convenções internacionais de direitos humanos, referendados

pelo Brasil.

As questões referentes aos refugiados requerem conhecimentos específicos

sobre esse público, tanto em relação aos aspectos jurídicos e legais, quanto no que

concerne às suas especificidades, pois não se constituem em um grupo com as

mesmas características dos nacionais, tampouco com as mesmas características

entre si, vez que provenientes de diversos países possuem especificidades próprias,

além das necessidades humanas serem diferentes entre os sujeitos. Em razão disso,

demandam políticas públicas diferenciadas capazes de contemplar as necessidades

diversas desse grupo social.

Aos gestores públicos envolvidos com o refúgio, falta o conhecimento do

público em questão e da realidade na qual trabalham. Também se percebeu que

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esses gestores desconhecem a legislação pátria e declarações, tratados e

convenções internacionais de direitos humanos que versam sobre a temática do

refúgio, dos quais o Brasil é signatário e que possui caráter vinculante, implicando em

obrigações e responsabilidades decorrentes de seu descumprimento.

Em face das crescentes demandas de refugiados que se destinam ao Brasil, é

fundamental e urgente que o país reveja a sua atuação, forme e capacite gestores e

os quadros profissionais para atuarem adequadamente com os brasileiros e os

estrangeiros, refugiados ou não. Também é fundamental que o país reveja e mude a

perspectiva de acolhida desse grupo social, haja vista essas pessoas necessitarem de

todo o tipo de auxílio e assistência por um longo tempo, até adquirirem condições que

lhes assegurem a inserção no mercado de trabalho, de modo que esta lhes permita

viver dignamente.

Apesar da discussão dos direitos humanos ser uma temática presente na

atualidade, vive-se uma crise desses direitos provocada pela atual crise neoliberal

globalizante, se é que algum dia esses direitos se efetivaram na história da

humanidade. Os países afirmam a defesa dos direitos humanos documentada, porém

abstrata e inerte, e, ao mesmo tempo, transgridem esses direitos, promovem e

resignam-se perante os abusos e violações sistemáticas desses direitos.

Na verdade, as crises evidenciam as contradições do sistema capitalista em

prover a toda humanidade condições dignas de sobrevivência. A hipocrisia mundial do

capital banaliza as injustiças sociais que naturaliza e trivializa as permanentes

violações de direitos humanos produzidas pelos próprios países subsidiários das

convenções e tratados internacionais de direitos humanos. Além disso, a grande

maioria da população mundial não é sujeito de direitos humanos, é objeto de

discursos de direitos humanos, como assinalou Boaventura (2013).

Portanto, para se requerer direitos, deve-se antes de tudo averiguar a

existência de direitos a serem ofertados. Em um país capitalista, os direitos dependem

das forças de poder em conflito, assim como das crises vivenciadas pelo sistema, pois

quanto maior a crise e sua durabilidade, maior a demanda e menor a oferta. Disso

resulta o aumento significativo de pretendentes, os quais disputarão os precários

direitos ofertados.

Há quem diga que se trata de uma crise ao direito de refúgio, entretanto, a crise

é sistêmica e não de direitos humanos. O capital em crise fecha suas fronteiras para

não ampliar o quantitativo de excluídos em condição de marginalidade no país, uma

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vez que este requererá, juntamente com todos os excluídos naturais do país, direitos

sociais, isto é, os direitos adquiridos por ocasião do refúgio.

A pesquisa em questão revelou que os direitos humanos ofertados na cidade

de São Paulo às 53 mulheres refugiadas investigadas são quase imperceptíveis nas

vidas dessas mulheres, a despeito do Brasil ter concedido o refúgio. A amostra

investigada identificou que constituem um grupo majoritário de 73,6% negras e 22,6%

pardas. Detectou-se que a cor/raça influiu na autoestima, vez que se percebeu um

grau elevado de autodiscriminação em relação ao reconhecimento da cor/raça,

associado de baixa autoestima, influindo negativamente na integração no mercado de

trabalho local. Também se percebeu nessas mulheres dificuldades de relacionamento

e integração entre si, com mulheres da mesma origem e com outras pessoas de

grupos distintos, em função do elevado grau de autodiscriminação.

Dada essa realidade, sugere-se um acompanhamento psicológico às

refugiadas investigadas e aos demais, concomitante às formações educacionais e

profissionais, considerado por esta pesquisadora, atuante com este grupo, como

fundamental, para que essas pessoas trabalhem questões relacionadas a autoestima,

imprescindível para que se sintam confiantes, capazes no enfrentamento dos

problemas e na luta pelo seu espaço na sociedade, em especial no mercado de

trabalho, considerando ser este fundante na solução de todos os demais problemas

dos sujeitos sociais.

Destaca-se também a alienação política dessas mulheres identificada no teor

de suas falas, mergulhadas em uma espécie de estado de letargia. A miséria, a

exclusão, as condições precarizadas de sobrevivência são acatadas de forma passiva

sem qualquer questionamento, sem revolta alguma, a exemplo da fala: “Deus quis que

eu vivesse isso; se Deus quiser eu vou vencer”.

Essas mulheres e os demais refugiados não compreendem que a situação

vivida é algo construído pelo sistema capitalista, cujos interesses de classes são

antagônicos, promovendo desigualdades sociais, econômicas, políticas e culturais.

Não conseguem relacionar suas condições de vida às obrigações do Estado, que por

sua vez ignora o estipulado e previsto em lei, as convenções e tratados dos quais é

subsidiário sobre refúgio, pois é o responsável pelas condições precarizadas de vida

dessa população, excluindo em massa e incluindo seletivamente.

Este estudo permitiu detectar que características relacionadas à raça e à classe

social influenciam na aceitação dos refugiados em um país de primeiro mundo, tais

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como ser de raça branca e ter formação educacional e profissional de nível superior.

Essas características não se aplicam ao imenso contingente existente de refugiados,

negros, pobres, analfabetos ou semianalfabetos, entre outros estigmas; tampouco se

aplicam às refugiadas vindas para o Brasil que são de origem proletária, portanto alvo

de discriminações e explorações, qualquer que seja a sua cidadania.

Os dados desta pesquisa ratificam os oficiais apresentados pela Cáritas de São

Paulo e pelo Centro Social Nossa Senhora Aparecida, identificando as refugiadas que

vêm para o Brasil, especificamente para São Paulo, são em sua maioria pobres,

negras, com pouca ou quase nenhuma formação educacional e profissional. São

mulheres provenientes de países africanos pobres, em guerras ou em conflitos e, em

razão disso, permitem-se espoliar e explorar socialmente e no trabalho, práticas estas

que destoam do modelo orientado tanto pela ONU, em defesa dos Direitos Humanos,

quanto pelo ACNUR, em defesa dos refugiados, e inadmissíveis de serem vivenciadas

por esse grupo social, distantes do que referenda o discurso de proteção aos

refugiados, apregoado pelo governo brasileiro.

Como discutido no capítulo anterior, identificou-se nessas mulheres resquícios

da colonização africana, reproduzidos pela maioria do grupo, mediante

comportamentos autodiscriminadores culturais e educacionais que induzem à

autoexclusões, ainda presentes nas gerações jovens de descendentes africanos, que

continuam a padecer o processo exploratório e colonizador.

Na atualidade, essa exploração/colonização apresenta-se metamorfoseada

pelo capital, travestida de estratégias modernizadoras autossustentáveis, voltadas

para um mercado flexível de inserção temporária, precarizada, marginal, instável e

volátil nesses chamados “tempos pós-modernos” de globalização, viabilizada por

intermédio dos projetos neoliberais globalizantes, ofertados pelos países

desenvolvidos, pelo Banco Mundial, pelo FMI como única possibilidade para a

superação e eliminação da miséria no continente africano.

Outra inferência a ser feita nestas considerações diz respeito a observações

procedidas da investigação, nas quais se detectou a ausência do serviço social tanto

no campo de atuação junto à população refugiada, quanto no desconhecimento desse

público por parte da categoria. Além disso, verificou-se também a lacuna presente da

atuação do serviço social em relação a trabalhos efetivos pela classe junto a esse

público, a qual como prestadora de assistência social aos mais necessitados deveria

garantir que a política social fosse também efetivada aos refugiados.

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164

Ainda no que concerne ao serviço social, constatou-se que os cursos não têm

levado essa discussão para a sala de aula, constituindo-se esta ausência em um

problema para os profissionais, pois quando em seus espaços sócio-ocupacionais

deparam-se com pessoas solicitantes de refúgio ou refugiadas, em razão do total

desconhecimento desse grupo social não sabem como atender esse público, têm

dificuldades com os idiomas, desconhecem os direitos do estrangeiro em território

brasileiro e o que é pior, agem com discriminação e desumanidade, conforme relatado

por várias refugiadas na pesquisa.

Os fatos supracitados são frequentes no cotidiano das refugiadas, pois como

profissional atuante com esse público se é testemunha dos mesmos. Também se tem

observado nos eventos da categoria que o tema do refúgio não é discutido, motivo

pelo qual esta pesquisadora tem assuntado nos eventos em que participa, a fim de

provocar a discussão.

Constatou-se ainda no decorrer desta pesquisa que esta temática é pouco

estudada na academia, pois, encontraram-se poucas referências sobre refúgio em

áreas distintas ao Serviço Social na USP (presencial/virtual), UNICAMP

(presencial/virtual), e em outras bibliotecas universitárias virtuais pesquisadas. Na

PUC-SP não se encontrou nenhuma referência sobre a temática no Serviço Social,

tampouco se encontrou nessa IES qualquer discussão referente às categorias

trabalho e refúgio. Depreende-se disso que este trabalho de pesquisa é inédito na

PUC-SP, seja porque não há discussões acerca da temática, seja porque não há

qualquer pesquisa que discuta a inserção de mulheres refugiadas no mercado de

trabalho, como esta que ora se apresenta.

Cabe, portanto, ao profissional do Serviço Social assumir o seu lugar na

discussão do refúgio em suas interfaces e mediações com a realidade social.

Compete também a esse profissional, como sujeito histórico, importante criador,

produtor e mediador do processo histórico, empreender atividades transformadoras na

sociedade e no próprio ser do homem, portanto, no refugiado enquanto ser. Quer-se

dizer que o assistente social como profissional crítico e criativo pode e deve

empreender, na sua atuação, a transformação do refugiado, de modo que este se

compreenda concretamente no contexto da sociedade capitalista, a fim de,

desalienado, possa lutar em busca de conquistar e garantir a efetivação de seus

direitos.

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Não se tem a pretensão de afirmar neste trabalho que o assistente social

resolverá todos os problemas históricos dos refugiados na realidade brasileira,

mormente os relacionados à inserção de refugiadas no mercado de trabalho

paulistano. Intenta-se apenas salientar que a lente utilizada pelos profissionais do

serviço social não pode ser a mesma do capital, o qual inclui e exclui os trabalhadores

no mercado de trabalho segundo a sua própria lógica, segundo os seus próprios

interesses, mediante uma exclusão integrativa marginal.

Almeja-se, tão somente, que os assistentes sociais realizem a sua função

enquanto profissionais, atuando em consonância com o projeto ético e político da

profissão, tendo em vista que, ante o ideário do capitalismo esse profissional tem a

possibilidade de fazer a diferença a partir de sua atuação, desvelando o real ao sujeito

social e auxiliando-o a lutar pelo que é seu por direito.

Nessa perspectiva, esse profissional tem a opção entre compactuar com o

capital ou, numa perspectiva histórico-crítica do real, opor-se ao sistema, defendendo

e influindo mediante a sua práxis na defesa do sujeito social, nesse caso do refugiado,

pois o próprio assistente social também é um sujeito assalariado, explorado e

vilipendiado em sua atuação profissional e enquanto ser social pertencente a uma

classe.

Conclui-se, portanto, que este trabalho permitiu a esta pesquisadora reflexões

intensas, possibilitando um desvelamento das reais condições de vida e de inserção

das refugiadas no mercado de trabalho. Além disso, no seu processo de elaboração

suscitou outras questões que necessitam maior aprofundamento, as quais serão

objeto de novos estudos. Faz-se necessário também informar que não se teve

pretensão em abordar a totalidade das questões que permeiam a discussão deste

assunto, intentando-se tão somente apontá-las como relacionais.

Assim, espera-se que esta pesquisa sirva de orientação e discussão para

outros pesquisadores na área do Serviço Social e que a mesma, diferentemente de se

tornar mais uma produção nas prateleiras da academia, suscite novas discussões e

novos debates sobre as pessoas refugiadas, a sua inserção no mercado de trabalho

capitalista, as condições de vida propiciadas a esses sujeitos pelo capital, assim como

a atuação do assistente social e o papel do Estado junto a esse público. Almeja-se

também inquietar alguns e em outros despertar “novos olhares” em direção a uma

realidade mais crítica, social e política dirigida aos refugiados e às suas condições de

vida, neste país ou em qualquer outro.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A

Carta de Informação à Instituição e Termo de Consen timento Livre e Esclarecido

CARTA DE INFORMAÇÃO À INSTITUIÇÃO

A presente pesquisa se propõe a investigar a inserção de mulheres refugiadas no mercado

de trabalho na capital paulistana. Para tal fim solicitamos a autorização desta instituição

para entrevistar um profissional que conheça os trâmites da organização. Solicitamos

também, o acesso a documentos da instituição que possam contribuir com o trabalho que já

está sendo realizado. A proposta não representa risco a nenhuma das partes, mas realizar

uma maior coleta de informações de forma séria e responsável trabalhando com dados

atuais deste contexto social.

Quaisquer dúvidas que existirem agora ou a qualquer momento da pesquisa poderão ser

esclarecidas, bastando entrar em contato pelo telefone abaixo mencionado. Resaltamos

ainda que se trata de pesquisa com finalidade acadêmica, referida ao curso de mestrado do

Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço Social – PUC-SP, e que os dados que

possibilitarem a identificação dos participantes serão alterados. De acordo com estes

termos, favor assinar abaixo. Uma cópia ficará com a instituição e outra com a

pesquisadora.

Desde já agradecemos.

_________________________ ____________________________ Pesquisadora: Marisa Andrade Orientadora: Maria Lucia Rodrigues Pontifícia Universidade Católica Pontifícia Universidade Católica PUC-SP PUC-SP Tel: 36708680 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Pelo presente instrumento que atende às exigências legais, o (a) senhor (a)

_____________________________________, representante da instituição, após a leitura

da Carta de Informação à Instituição, ciente dos procedimentos propostos, não restando

quaisquer dúvidas a respeito do lido e do explicado, firma seu CONSENTIMENTO LIVRE E

ESCLARECIDO de concordância quanto à realização da pesquisa.

São Paulo, de, 2012.

_____________________________ Representante - Instituição

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APÊNDICE B

Questionário Aplicado às Instituições

1) Instituição:______________________________________________________

2) Quanto tempo atua com Refugiados?

______________________________________________________________

3) Missão:

______________________________________________________________

4) Caráter: ( ) Governamental ( ) Religioso ( ) ONG ( ) Outro. Qual? -

___________________________________________

5) Quantos profissionais atuam diretamente com os refugiados? Quais áreas de

formação.

_________________________________________________________________

6) Como é desenvolvido o Serviço Social da Instituição de Apoio aos Refugiados

e o Atendimento às refugiadas?

______________________________________________________________

7) Principais atividades desenvolvidas em prol dos refugiados. Tem algum

trabalho específico para as mulheres refugiadas? ( ) Não ( ) Sim. Qual?

______________________________________________________________

7.1) Atividade Descrição

8) Quais os principais parceiros?

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9) Qual a principal fonte de renda?

______________________________________________________________

______________________________________________________________

10) A Instituição utiliza algum instrumento de planejamento, monitoramento e

avaliação das atividades desenvolvidas? Em resposta afirmativa, qual

instrumento?

______________________________________________________________

______________________________________________________________

11) A instituição discute com o poder público sobre o grupo em questão? Teve

algum retorno? Qual?

_________________________________________________________________

_________________________________________________________________

12) Qual o número de pessoas atendidas nas três últimas décadas?

1990 2000 2010

Mulheres

Homens

Crianças

13) Quais as maiores dificuldades enfrentadas na atuação com o grupo em

questão?

______________________________________________________________

14) Além da solicitação de refúgio, quais as maiores demandas apresentadas

pelos usuários?

______________________________________________________________

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APÊNDICE C

PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Declaro, por meio deste termo, que concordei em ser entrevistada e/ou participar na pesquisa intitulada “Mulheres Refugiadas e o Mercado de Trabalho: Um Estudo no Município de São Paulo”, desenvolvida pela pesquisadora Marisa Andrade. Afirmo que aceitei participar por minha própria vontade, sem receber qualquer incentivo financeiro ou ter qualquer ônus e com a finalidade exclusiva de colaborar para o sucesso da pesquisa. Fui informada dos objetivos estritamente acadêmicos do estudo, que, em linhas gerais é analisar a partir de uma perspectiva social as Condições de vida da mulher refugiada no município de São Paulo, os dados coletados poderão ser publicados, sem que a fonte seja revelada.

Fui também esclarecida de que os usos das informações por mim oferecidas estão submetidas às normas éticas destinadas à pesquisa envolvendo seres humanos, da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, bem como do Código de Ética do Serviço Social.

Minha colaboração se fará de forma anônima, por meio de entrevista semi-estruturada a ser gravada, fotografada e filmada a partir da assinatura desta autorização. O acesso e a análise dos dados coletados se farão apenas pela pesquisadora e/ou sua orientadora.

Fui ainda informada de que posso me retirar dessa pesquisa a qualquer momento, sem prejuízo para meu acompanhamento ou sem risco de sofrer quaisquer sanções ou constrangimentos. Atesto recebimento de uma cópia assinada deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme recomendações da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).

São Paulo, ____ de _________________ de 2012. Assinatura da participante: ______________________________ Assinatura da pesquisadora: ____________________________ Marisa Andrade: Tel: 996035316 Mestranda em Serviço Social – PUC-SP

Assinatura do(a) testemunha(a): ____________________________

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APÊNDICE D

QUESTIONÁRIO – “MULHERES REFUGIADAS E O MERCADO DE TRABALHO: UM ESTUDO NO

MUNICÍPIO DE SÃO PAULO”.

1) Nome: ____________________________________________________ 2) Idade em anos completos: |___|___|

3) País onde nasceu: 3.1) País de origem: 3.2) Qual a etnia/povo que você pertence?

______________________ __________________________ ________________________________

4) Qual a sua Cor / Raça:

DECLARADA:

( ) 1. Branca

( ) 2. Preta

( ) 3. Parda

( ) 4. Amarela

( ) 5. Outra. Qual? ____________________

OBSERVADA:

( ) 1. Branca

( ) 2. Preta

( ) 3. Parda

( ) 4. Amarela

( ) 5. Outra. Qual? ____________________

5) Principal motivo do refúgio:

( ) 1. Perseguição Política.

( ) 2. Perseguição Religiosa.

( ) 3. Perseguição Étnica.

( ) 4. Conflitos Armados.

( ) 5. Outro. Qual? ___________________________________________________________________________________

6) Teve ajuda de alguém para sair do seu país?

( ) 1. Não � passe para questão 7.

( ) 2. Sim � 6.1) De quem?

1. Parentes

2. ACNUR

3. Igreja

4. Seu Governo

5. Outros. Quem?______________________________________________________

7) Veio para o Brasil com alguém da família?

( ) 1. Não � passe para questão 8.

( ) 2. Sim � 7.1) Com quem?

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( ) 1. Pais

( ) 2. Filhos

( ) 3. Marido

( ) 4. Outros. Quem?__________________________________________________

8) Quais documentos você possui?

( ) 1. Certidão de nascimento

( ) 2. Passaporte

( ) 3. CPF

( ) 4. RNE

( ) 5. Carteirinha de Refugiada

( ) 6. Outros. Quais? ______________________________________________________________________________

9) Qual a sua língua materna?

________________________________ 9.1) Quais Idiomas você fala?

( ) 1. Francês

( ) 2. Inglês

( ) 3. Português

( ) 4. Espanhol

( ) 5. Dialeto

( ) 6. Outra. Qual?_________________________________________

10) Você estudou em escola formal?

( ) 1. Não

( ) 2. Sim – Quantos anos? |___|___|

11) Nos últimos trinta dias (mês) você trabalhou?

( ) 01. Não

( ) 02. Sim � Quanto recebeu por essa atividade? R$ |___|___|___|___|___|___| (Despreze os centavos).

12) Atualmente está exercendo algum tipo de trabalho remunerado?

( ) 01. Não, porque não quero/não preciso.

( ) 02. Não, porque não consegui, mas desejo.

( ) 03. Sim, sem carteira assinada.

( ) 04. Sim, com carteira assinada.

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( ) 05. Sim, como autônomo para o público em geral.

( ) 06. Sim, como autônomo para uma empresa.

( ) 07. Sim, como autônomo para mais de uma empresa.

( ) 08. Outro ___________________________________________________________________________

13) Você procurou trabalho nos últimos trinta dias (mês)?

( ) 01. Não. Por quê? __________________________________________________________________________

( ) 02. Sim.

14) Que providências você está tomando para conseguir um emprego? (caso esteja sem trabalhar).

( ) 1. Procurou locais para se empregar (empresas, sindicados, contatos pessoais);

( ) 2. Procurou o Sistema Nacional de Emprego - SINE;

( ) 3. Respondeu anúncio(s) em jornais;

( ) 4. Procurou as instituições que trabalham com refugiados em SP;

( ) 5. Outras providências. Especifique: ___________________________________________________________

( ) 6. Nada fez

15) Que tipo de trabalho você realiza?

( ) 1. Nenhum

( ) 2. Trabalhos que não requerem especialização (limpeza, doméstica, faxineira, outros).

( ) 3. Trabalhos gerais que requerem especialização (Vigilância, recepcionista, copeira, cabeleireira, outros).

( ) 4. Trabalhos específicos que requerem especialização (auxiliar de enfermagem, cuidadora de idoso, outros).

( ) 5. Trabalhos específicos que exigem formação técnica (técnica de enfermagem, técnica administrativa, outros).

( ) 6. Trabalhos específicos que exigem formação superior (enfermeira, assistente social, outros).

( ) 7. Outros. Quais? __________________________________________________________________________

16) Profissionalmente o que você pode realizar? _____________________________________________________

17) Você contribui ou contribuiu para a previdência social oficial no Brasil?

( ) 1. Não, porque não quero.

( ) 2. Não, mas desejo contribuir.

( ) 3. Sim, como empregada do setor privado.

( ) 5. Sim, como autônoma.

18) Você fez algum curso profissionalizante?

( ) 01. Não

( ) 02. Sim. Qual? ________________________________________________________________________

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19) Conhece seus direitos trabalhistas no Brasil?

( ) 1. Muito

( ) 2. Mais/Menos

( ) 3. Pouco

( ) 4. Nada

20) Sua moradia é:

( ) 1. Própria quitada

( ) 2. Própria financiada

( ) 3. Alugada. Qual o valor?_______________________________________

( ) 4. Cedida

( ) 5. Invadida

( ) 6. Outra qual? _________________________________________________________________________

21) Tem filhos.

( ) 01. Não

( ) 02. Sim. Quantos? |___|___|

Nome do filho Sexo

1. Masc.

2. Fem.

Idade Veio para o Brasil? 1. Não 2. Sim. Comigo 3. Sim. Mas não comigo.

Com quem está?

1. Comigo 2. Parente 3. Amigo 4. Abrigo 5. Sozinho 6. Outro

Trabalha? 1. Não 2. Trabalhos que não requerem especialização 3. Trabalhos gerais que requerem especialização 4. Trabalhos específicos que requerem especialização 5. Trabalhos específicos que exigem formação técnica 6. Trabalhos específicos que exigem formação superior 7. Outros

Idiomas

1. Inglês

2. Francês

3. Espanhol

4. Holandês

5. Dialeto

6. Português

7. Outro

|___| |___|___| |___| |___| |___| |___|

|___| |___|___| |___| |___| |___| |___|

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APÊNDICE E

ROTEIRO DE ENTREVISTA

“Mulheres Refugiadas e o Mercado de Trabalho: um es tudo no município de São Paulo”.

1) Como você se sente no Brasil? Qual a sua condição de vida aqui?

2) Quais as suas condições de trabalho?

3) Você estudou ou está estudando no Brasil? Pretende estudar?

4) Você se sentiu discriminada no Brasil? Por quê?

5) O fato de não conhecer o idioma, a cultura atrapalhou sua inserção no mercado de trabalho? Como?

6) Na sua opinião o que falta para você conseguir um trabalho melhor?

7) Você já está adaptada no Brasil? Têm amigas (os) no Brasil?

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ANEXO

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