maria erica santana souza
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
NCLEO DE PS-GRADUAO E PESQUISA EM CINCIAS SOCIAIS
MESTRADO EM SOCIOLOGIA
MARIA ERICA SANTANA DE SOUZA
MOVIMENTO NEGRO EM SERGIPE E POLTICA
INSTITUCIONAL: UM ESTUDO A PARTIR DE CARREIRAS
DE MILITANTES NEGROS
So Cristvo, SE
Agosto de 2012
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
NCLEO DE PS-GRADUAO E PESQUISA EM CINCIAS SOCIAIS
MESTRADO EM SOCIOLOGIA
MARIA ERICA SANTANA DE SOUZA
MOVIMENTO NEGRO EM SERGIPE E POLTICA
INSTITUCIONAL: UM ESTUDO A PARTIR DE CARREIRAS
DE MILITANTES NEGROS
Dissertao apresentada ao Ncleo de Ps-
Graduao e Pesquisa em Cincias Sociais da
Universidade Federal de Sergipe como parte
dos requisitos para obteno do ttulo de
Mestre em Sociologia.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Srgio da Costa
Neves
So Cristvo-SE
Agosto de 2012
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FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
S729m
Souza, Maria Erica Santana de
Movimento negro em Sergipe e poltica institucional: um estudo
a partir de carreiras de militantes negros / Maria Erica Santana de
Souza; orientador Paulo Srgio da Costa Neves. So Cristvo, 2012.
178 f.: il.
Dissertao (Mestrado em Sociologia) Universidade Federal de Sergipe, 2012.
1. Ativistas polticos. 2. Movimentos sociais Negros. 3. Movimentos sociais Sergipe. I. Neves, Paulo Srgio da Costa, orient. II. Ttulo.
CDU 316.44:32(813.7)
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MARIA ERICA SANTANA DE SOUZA
MOVIMENTO NEGRO EM SERGIPE E POLTICA
INSTITUCIONAL: UM ESTUDO A PARTIR DE CARREIRAS
DE MILITANTES NEGROS
Dissertao apresentada ao Ncleo de Ps-
Graduao e Pesquisa em Cincias Sociais da
Universidade Federal de Sergipe como parte
dos requisitos para obteno do ttulo de
Mestre em Sociologia.
Aprovada em:
BANCA EXAMINADORA:
__________________________________________
Prof. Dr. Paulo Srgio da Costa Neves (orientador)
Universidade Federal de Sergipe (UFS)
__________________________________________
Profa. Dra. Laura Moutinho
Universidade de So Paulo (USP)
___________________________________________
Prof. Dr. Wilson Jos Ferreira de Oliveira
Universidade Federal de Sergipe (UFS)
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AGRADECIMENTOS
Esta dissertao contou com a colaborao de vrias pessoas, seja fornecendo dados,
referenciais bibliogrficos, informando sobre eventos ou simplesmente ouvindo os problemas,
avanos e retrocessos da pesquisa. Desde 2009, essa pesquisa de campo me ofereceu a
oportunidade de conhecer pessoas, lugares, valores e comportamentos diferentes dos meus.
Portanto, foi uma experincia de amadurecimento e aprendizagem muito positiva para minha
formao acadmica, pois, no trabalho de campo que aprendemos e refletimos claramente
sobre o que nossos professores ensinaram em sala de aula. Esta pesquisa me proporcionou
tambm o acesso a um universo que sempre me fascinou: o ativismo. Apesar de nunca ter
participado de nenhum movimento social, o ativismo e seus atores sempre me despertaram
muita curiosidade e interesse. Gostaria de agradecer, em especial, aos ativistas do movimento
negro em Sergipe que colaboraram com a minha pesquisa e disponibilizaram informaes
pessoais e muitas vezes difceis de serem ditas em uma entrevista e para uma entrevistadora
desconhecida. Guardo grande carinho e respeito pelos militantes estudados por dedicar a vida
a luta pela defesa da causa negra.
Gostaria de registrar a importncia do auxlio da bolsa CAPES para minha dedicao
exclusiva ao projeto de mestrado.
A minha amiga Martha Sales que desde a graduao me ajudou nesta pesquisa,
indicando pessoas para entrevistar, me informando sobre eventos, entre outras coisas. Ela foi
uma grande parceira neste trabalho. Muito obrigada.
Ao meu orientador, Paulo Neves, pela oportunidade de participar do seu grupo de
estudo, o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Excluso, Cidadania e Direitos Humanos
(GEPEC), desde a graduao e aceitar a me acompanhar em mais um trabalho.
Agradeo aos professores Wilson J. F. de Oliveira pelas leituras interessantssimas
sugeridas para uma definio mais clara do meu problema de pesquisa e anlise dos dados, ao
professor Frank Marcon pela ateno e disponibilizao de informaes e dados e ao
professor Petrnio Domingues pelas excelentes crticas feitas na banca de qualificao.
Aos colegas Marcos Melo e Yuri Norberto gostaria de agradecer pela disponibilizao
de entrevistas e informaes.
Aos queridos Ernesto, Conchita Velsquez, Polizinha e aos meus pais que em meio ao
trabalho duro da pesquisa e escrita da dissertao me proporcionaram o essencial: a
companhia e o carinho.
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RESUMO
Esta dissertao tem por objeto o estudo de carreiras de militantes do movimento negro cujo
engajamento caracteriza-se pela militncia simultnea em partidos polticos, pela dedicao
exclusiva militncia e pela ocupao de cargos em administraes de esquerda. A questo
central do trabalho consistiu em apreender o conjunto de recursos para a ocupao daqueles
cargos, bem como as condies histricas, sociais, culturais e polticas que permitiram o
surgimento de tal modalidade de militncia poltica no estado de Sergipe. A pesquisa teve
como orientao terico-metodolgica um conjunto de esquemas analticos que combinam
pressupostos da sociologia dos movimentos sociais e sociologia da militncia, tais como
estrutura de oportunidades polticas, processos de engajamento individual e redes sociais. Os
resultados apontam algumas condies favorveis para o surgimento do padro de
engajamento analisado, a saber, a abertura poltica no final do regime militar, a presso de
organizaes internacionais e do movimento negro no Brasil sobre o Estado e a ascenso de
aliados polticos ao governo federal. Em relao aos recursos mobilizados para a ocupao
dos cargos, observa-se a centralidade de um capital militante acumulado nas redes do Partido
dos Trabalhadores e do Partido Comunista do Brasil e dentro do prprio movimento negro.
Palavras-chave: engajamento, militncia negra, redes sociais, oportunidades polticas.
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ABSTRACT
This dissertation is focused on the study of careers of black movements militants whose political commitment presents the following features: a simultaneous involvement with both
political parties and the black movement; a full-time dedication to militancy, and; the filling
of state positions in left-wing governments. The main questions of the work are the grasp of
the social resources required for filling governmental posts as well as the understanding of the
historical, social, and cultural policies that gave rise to that pattern of political activism in the
Brazilian State of Sergipe. The theoretical and methodological orientation of the research
combined a set of analytical schemes borrowed from the sociology of social movements and
the sociology of activism, using notions such as structure of political opportunities, processes
of political involvement and social networks. The results show that there are some favorable
conditions for the emergence of the pattern of political involvement and militancy at stake:
the political detente and the end of the military rule in Brazil, the pressure of both
international organizations and the Brazilian black movement over the State, and the rise of
political allies within the federal government. As to the features of those militants who held
state positions, the works highlights the centrality of a militant capital gathered over within
the networks of the Partido dos Trabalhadores (PT) and the Partido Comunista do Brasil
(PcdoB), and also within the black movement.
Keywords: political commitment, black militancy, social networks, political opportunities
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LISTA DE ILUSTRAES
Ilustrao 1 Panfleto Bloco Afro Quilombo........................................................................100
Ilustrao 2 Caminhada Dia da Conscincia Negra, 2009 (Org. Omoliy).......................116
Ilustrao 3 Caminhada Dia da Conscincia Negra, 2011 (Org. COPPIR municipal).......117
Ilustrao 4 Profissionalizao da Militncia I...................................................................118
Ilustrao 5 Profissionalizao da Militncia II..................................................................118
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LISTA DE QUADROS E ORGANOGRAMAS
Quadro 1 Aes dos governos brasileiros voltadas para populao negra............................58
Quadro 2 Alguns eventos e mecanismos de presso internacional (1960 - 2000)................69
Quadro 3 Adeso do governo brasileiro a eventos internacionais (1960 a 1990).................73
Quadro 4 Eventos internacionais e nacionais sobre Direitos Humanos no governo FHC
(1995-2001)...............................................................................................................................75
Quadro 5 Principais mecanismos de dilogos com estados e municpios no governo
Lula...........................................................................................................................................81
Quadro 6 Aes do governo sergipano voltadas para a promoo da igualdade racial.......107
Quadro 7 Alguns eventos do movimento negro em Sergipe...............................................114
Quadro 8 Espaos de socializao poltica e atuao militante...........................................135
Quadro 9 Curso superior e ps-graduao...........................................................................146
Organograma 1 Estrutura do movimento negro em Sergipe................................................86
Organograma 2 Movimento Negro/SE e relao com outras Esferas Sociais......................88
Organograma 3 Multiposicionalidade dos militantes.........................................................144
Organograma 4 Estrutura Policephalous............................................................................154
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AE: Articulao de Esquerda
ARENA: Aliana Renovadora Nacional
ASPIR: Assessoria de Polticas de Igualdade Racial
CCAS: Casa de Cultura Afrossergipana
CEFET: Centro Federal de Educao Tecnolgica
CENARAB: Centro Nacional de Africanidade e Resistncia Afrobrasileira
CESEEP: Centro Ecumnico de Servios Evangelizao e Educao Popular
CNB: Construindo um Novo Caminho
CNPIR: Conselho Nacional de Promoo da Igualdade Racial
CONEN: Coordenadoria Nacional de Entidades Negras
COPPIR: Coordenadoria de Poltica de Promoo da Igualdade Racial
Criliber: Criana e Liberdade
CUT: Central nica dos Trabalhadores
DCE: Diretrio central dos Estudantes
DESO: Companhia de Saneamento de Sergipe
Educafro: Educao e Cidadania para Afrodescendentes e Carentes
ENNE: Encontros de Negros do Norte e Nordeste
EUA: Estados Unidos da Amrica
FENS: Frum Estadual de Entidades Negras
FHC: Fernando Henrique Cardoso
FIPPIR: Frum Intergovernamental de Promoo da Igualdade Racial
FNB: Frente Negra Brasileira
FUNART: Fundao Nacional de Arte
FUNCAJU: Fundao Municipal de Cultura e Turismo
GRFACACA: Grupo Regional de Folclore e Artes Cnicas Amadoristas Castro Alves
Grupo Aba: Associao Aba de Arte, Educao e Cultura Negra
Grupo Quilombo: Centro de Estudos de Ao Cultural Quilombo
INTERCAB: Instituto Nacional das Tradies, das Religies e das Culturas Afrobrasileiras
IPCN: Instituto de Pesquisas das Culturas negras
ISPCPN: Instituto Sergipano de Pesquisa da Cultura Popular e Negra
MDB: Movimento Democrtico Brasileiro
MNU: Movimento Negro Unificado
MNI: Movimento Negro Independente
MOBRAL: Movimento Brasileiro de Alfabetizao
MST: Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
NEAB: Ncleo de Estudos Afro-Brasileiros
OAB: Ordem dos Advogados do Brasil
ONG: Organizao No Governamental
ONU: Organizao das Naes Unidas
OMIN: Organizao de Mulheres Negras Maria do Egito
OSCIP: Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico
PCB: Partido Comunista Brasileiro
PC do B: Partido Comunista do Brasil
PDC: Partido Democrata Cristo
PDS: Partido Democrtico Social
PDT: Partido Democrtico Trabalhista
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PFL: Partido da Frente Liberal
PL: Partido Liberal
PMDB: Partido do Movimento Democrtico Brasileiro
PMN: Partido da Mobilizao Nacional
PP: Partido Popular
PSB: Partido Socialista Brasileiro
PSD: Partido Social Democrtico
PSTU: Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados
PT: Partido dos Trabalhadores
PTB: Partido Trabalhista Brasileiro
PUC: Pontifcia Universidade Catlica
PV: Partido Verde
SACI: Sociedade Afrossergipana de Estudos e Cidadania
SEIDS: Secretaria de Incluso, Assistncia e Desenvolvimento Social
SEPPIR: Secretaria de Polticas de Promoo da Igualdade Racial
SEMEAR: Sociedade Semear
Semed: Secretaria Municipal de Educao
SEMIR: Secretaria Municipal de Incluso Racial
SEMPP: Secretaria Municipal de Participao Popular
SEPM: Secretaria Especial de Polticas para Mulheres
SESC: Servio Social do Comrcio
SINDIPREV: Sindicato dos Trabalhadores em Sade, Trabalho e Prvidncia
SORMAESE: Sociedade Organizada das Religies de Matriz Africana do Estado de Sergipe
TCC: Trabalho de Concluso de Curso
TEN: Teatro Experimental do Negro
UDN: Unio Democrtica Nacional
UFS: Universidade Federal de Sergipe
UNA: Unio dos Negros de Aracaju
UNB: Universidade de Braslia
UNEGRO: Unio dos Negros pela Igualdade
UNIT: Universidade Tiradentes
UNSECO: Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura
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SUMRIO
Introduo................................................................................................................................14
Problema de pesquisa..........................................................................................................16
O trabalho de pesquisa........................................................................................................18
O trabalho de campo: contatos e dificuldades....................................................................22
Organizao da dissertao.................................................................................................25
1 Ferramentas Conceituais para a Anlise dos Movimentos Sociais.....................................27
1.1 Sociologia dos movimentos sociais: conceitos e pressupostos gerais.........................30
1.1.2 As redes sociais na anlise dos movimentos sociais..................................................34
1.2 Sociologia da militncia: o engajamento individual como processo...........................37
1.3 Proposta de anlise da dissertao................................................................................41
2 A Institucionalizao da Causa Negra no Brasil (XIX-XXI)..............................................47
2.1 Referenciais nacionais e internacionais e a poltica oficial...........................................50
2.2 A abertura poltica e a emergncia do movimento negro na dcada de 1980..............59
2.3 Os aliados no poder.......................................................................................................67
2.3.1 O dilogo dos governos brasileiros com organizaes internacionais......................68
2.3.2 Os governos FHC e Lula............................................................................................74
3 O Movimento Negro em Sergipe........................................................................................84
3.1 Mapeando o movimento negro em Sergipe..................................................................85
3.2 A formao do movimento negro em Sergipe..............................................................89
3.2.1 Tomada de conscincia sobre a discriminao racial................................................90
3.2.2 Do discurso implcito denncia aberta do racismo em Sergipe.............................92
3.3 Ampliao das redes informais do movimento negro em Sergipe...............................96
3.3.1 Estratgias de ao nos anos 1980.............................................................................98
3.3.2 O Frum Estadual de Entidades Negras..................................................................101
3.4 Estratgias de institucionalizao da causa negra.......................................................104
3.4.1 Negociaes com os governos sergipanos a partir de 2000.....................................109
3.4.2 Configurao atual do movimento negro em Sergipe..............................................113
3.5 Entre institucionalizao e ativismo apartidrio..................................................118
4 As Condies Sociais de Acesso de Militantes Negros a Administraes de Esquerda
em Sergipe...............................................................................................................................122
4.1 A passagem ao ato: condies sociais de insero no movimento negro/SE...........123
4.1.1 As origens sociais: formao de percepes sobre o mundo social.......................124
4.1.2 Insero em organizaes do movimento negro: o papel das redes informais e
formais....................................................................................................................................129
4.2 Aquisio de competncia poltica e legitimidade na luta antirracista......................135
4.3 Formas atuais de ao: circulao em partidos de esquerda e instituies pblicas..139
4.3.1 Reconverso de competncia poltica em competncia profissional......................140
4.4 A gesto em administraes de esquerda...................................................................148
4.5 Estrutura de rede no movimento negro em Sergipe...................................................153
Concluso...............................................................................................................................156
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Referncias.............................................................................................................................161
Apndice.................................................................................................................................169
Apndice I - Roteiros de entrevistas...............................................................................169 Apndice II Caracterizao das entrevistas..................................................................171
Anexo......................................................................................................................................173
Anexo I - Documento de aprovao da COPPIR municipal............................................173 Anexo II - Lei de implementao da COPPIR estadual....................................................174
Anexo III - Eventos promovidos pelo movimento negro em parceria com o Estado.......175
Anexo IV - Oficina e seminrio para a comunidade religiosa de matriz africana............176
Anexo V - Atas de reunies da CONEN/SE.....................................................................177
Anexo VI - Outros eventos do movimento negro.............................................................179
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INTRODUO
O objeto de investigao deste trabalho surgiu a partir de uma pesquisa que resultou
em minha monografia de concluso de curso (SOUZA, 2009b). Naquela pesquisa, o objeto de
anlise foi o estudo das condies sociais e culturais (experincias prvias, ttulos escolares e
saberes especializados, estilo de vida, redes de relaes pessoais, entre outros) que
viabilizaram o exerccio da liderana em organizaes do movimento negro em Sergipe.
Atravs da apreenso daqueles condicionantes, apreendemos dois tipos principais de
modalidades de engajamento1. Uma destas modalidades caracteriza-se pela militncia
partidria simultnea a uma militncia associativa e tambm ocupao de postos em rgos
de combate ao racismo e em outras burocracias. Trata-se de indivduos cuja dedicao
militncia integral e a experincia militante reconvertida em competncias profissionais.
Observamos tambm que a ocupao de cargos e o forte engajamento em partidos de
esquerda provocavam divergncias no interior do movimento negro em Sergipe. Para alguns
militantes, a insero em secretarias ou coordenadorias de combate ao racismo ou mesmo a
assessoria poltica representa a cooptao do movimento negro pelo Estado, assim como
tambm exclui a possibilidade de crtica e presso sobre o governo. Mas, para outro grupo de
militantes, a aproximao com partidos polticos e com o Estado uma forma de participar
diretamente das decises do governo e de impor suas ideias na elaborao de projetos e de
polticas pblicas voltados para o combate ao racismo no Brasil. Essa polmica surge com a
possibilidade de atuao de lideranas do movimento negro em administraes de esquerda. A
insero de militantes negros em secretarias ou coordenadorias de combate ao racismo, nos
nveis federal, estadual e municipal, um fenmeno que vem ocorrendo em todo o pas.
Sendo assim, atualmente, militantes negros se questionam sobre o papel dos movimentos
sociais e as consequncias da sua relao com o Estado, tema este enfatizado em entrevistas e
eventos.
A incluso de demandas do movimento negro na agenda poltica governamental e a
criao de rgos dentro da estrutura do Estado voltados para o combate ao racismo
intensificam-se a partir do governo Fernando Henrique Cardoso (governo FHC) e tem seu
1 No trabalho de monografia, as duas modalidades foram intituladas militncia mltipla e militncia especfica.
Os militantes situados na primeira modalidade tm como principais caractersticas sociais o capital militante,
escolarizao superior interrompida, retomada aps os trinta anos de idade, e a ocupao de cargos de confiana
e atuao como consultores polticos. Os militantes classificados na segunda modalidade apresentam redes de
relaes sociais menos extensas e o diploma superior instrumentalizado para a obteno de empregos fora do movimento negro (SOUZA, 2009b).
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auge no governo Luis Incio Lula da Silva (governo Lula). A abertura do Estado para estas
questes o resultado de processo que envolve presso de organizaes internacionais,
presso do movimento negro nacional (WERNECK, 2005; GODINHO, 2009) e, podemos
acrescentar, do perfil destes dois governos. Esta postura do governo federal ser reproduzida
na agenda poltica dos governos estaduais e municipais em todo o pas. A criao de
coordenadorias, assessorias ou secretarias estaduais e municipais de promoo da igualdade
racial ocorre a partir de interesses dos governos locais, de presses do movimento negro e de
polticos envolvidos com este movimento social. Entender como ocorre este processo nos
estados e municpios depender de investigaes direcionadas insero de militantes negros
em partidos de esquerda, a alianas de organizaes e/ou militantes com autoridades polticas,
presso do governo federal e ao perfil dos governos locais.
Em Sergipe, a incluso de demandas do movimento negro na agenda poltica, a
criao de administraes pblicas de combate ao racismo e a contratao de lideranas
daquele movimento social para assumir cargos nestas administraes intensificam-se a partir
de 2000. Inicialmente, criada a ASPIR na prefeitura de Aracaju em 2011 a assessoria
recebeu o status de coordenadoria, passando a se chamar COPPIR municipal e,
posteriormente, a COPPIR estadual2 e outros cargos situados em secretarias como a SEIDS e
SEPM, fazendo tambm um recorte racial. Em Laranjeiras, municpio sergipano, criada a
SEMIR, em 2009. Em todos esses rgos a equipe administrativa formada por militantes do
movimento negro de Sergipe. Alm disso, nas eleies de 2000 e 2002, militantes negros se
envolveram nas campanhas eleitorais a fim de eleger candidatos com quem tinham alguma
ligao e tambm lanaram candidatos/militantes do movimento negro para deputado federal.
Em Laranjeiras, lanada a candidatura de uma militante para vice-prefeita e depois para
vereadora. Nenhum dos candidatos foi eleito.
Nos anos 2000, portanto, o movimento negro em Sergipe passa por um momento de
transformao. O processo de institucionalizao da causa negra significou a ampliao das
formas de ao deste movimento, abrindo oportunidade para a atuao de militantes no
interior de administraes pblicas. A ascenso de aliados polticos ao poder nos mbitos
federal e estadual propiciou, assim, negociaes entre movimento negro e Estado e encorajou
lideranas daquele movimento a competir nas eleies municipais e federais, acontecimentos
inditos no movimento negro local. Este um momento importante para pensarmos sobre o
peso da postura do Estado e dos laos entre militantes e partidos polticos em relao s novas
2 Nesta poca, a COPPIR estadual integrava a antiga Secretaria de Estado do Trabalho, da Juventude e da
Promoo da Igualdade Racial. Atualmente, integra a Secretaria Estadual de Direitos Humanos.
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possibilidades de atuao de tais militantes e sobre os tipos de ao mobilizada pelos
movimentos sociais contemporneos. com este interesse que na pesquisa realizada para a
elaborao dessa dissertao aprofundamos a investigao acerca das condies sociais e
culturais e das oportunidades polticas que constituem a modalidade de engajamento citada no
incio da introduo; a saber, militantes que atuam simultaneamente em partidos de esquerda
e organizaes do movimento negro e ocupam cargos em administraes de esquerda.
Problema de pesquisa
A relao dos movimentos sociais com partidos polticos e com o Estado e suas
consequncias para os ltimos tem sido objeto de investigao no Brasil (MORENO e
ALMEIDA, 2009; MISCHE, 1997; RIOS, 2008, SANTOS, 2007; SILVA, 2011) e em outros
pases (FILLIEULE, 2001; McADAM e TARROW, 2011; PASSY, 1998; JUHEM, 2001;
SAWICKI, 2003; TARROW, 2009). As investigaes englobam o ambiente externo aos
movimentos sociais contextos cultural, social e poltico e as relaes das organizaes ou
militantes com a poltica institucionalizada a fim de apreender as formas de organizao e de
ao dos movimentos sociais. Alguns pesquisadores (FILLIEULE, 2001; PASSY, 1998;
JUHEM, 2001) argumentam ainda, com base em trabalhos empricos, que a configurao
poltica influencia tambm as formas diferenciadas de engajamento poltico, ou seja, o nvel
de engajamento poltico e as formas de engajamento no so as mesmas em perodos e
configuraes polticas distintos.
Segundo Goirand (2009), com a ascenso de partidos de esquerda e de lderes de
movimento populares ao poder na Amrica Latina a partir de 2000, os Estados passam a
incluir cada vez mais demandas de vrios movimentos sociais nas agendas polticas nacionais.
Uma das consequncias desta nova composio poltica que militantes so convidados a
ocupar cargos em administraes de esquerda. Estas mudanas na dinmica dos movimentos
sociais, segundo a autora, no podem ser analisadas sem um nmero amplo de instrumentos
conceituais e metodolgicos, tais como: analisar as trajetrias individuais e identificar os
recursos e estratgias mobilizadas pelos atores; fazer uma reconstituio dos espaos sociais e
polticos em que os movimentos sociais atuam, entre outros. Seguindo estas orientaes, em
nossa proposta de analisar a posio atual de militantes do movimento negro em Sergipe em
administraes de esquerda, como consequncia da sua relao estreita com a poltica
institucional, foi indispensvel incluir algumas dimenses de anlise e instrumentos
conceituais e metodolgicos variados.
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Baseando-nos em trabalhos que consideram o engajamento em movimentos sociais
fruto de experincias e eventos ocorridos ao longo dos itinerrios individuais, como tambm
suscetvel a mudanas ao longo do tempo, nossa proposta analisar os processos de
engajamento individual dos militantes que ocuparam cargos em secretarias, coordenadorias
nos mbitos federal, estadual e municipal, e fazem assessoria poltica ou consultoria em
eventos executados pelos governos estaduais e municipais em Sergipe. Ao analisar processos
de engajamento individual, propomos investigar, de um lado, o impacto das condies sociais,
culturais, e das redes sociais (de relaes de amizade, familiar, profissionais, entre outras)
sobre o engajamento individual e, de outro lado, o impacto das oportunidades ou restries
polticas nas formas de engajamentos. Em outras palavras, tentamos compreender as lgicas
de investimentos militantes, as motivaes individuais, as predisposies, as retribuies
especficas e os efeitos da configurao poltica sobre os engajamentos individuais. Com isso,
queramos dar conta de um conjunto de condicionantes que nos permitisse compreender como
um indivduo se engaja e, mais especificamente neste trabalho, como tais engajamentos se
desenvolvem ao longo do tempo.
Tal investigao, conduzida a partir do exame dos itinerrios individuais e da oferta
poltica disponvel em um dado contexto, permitiu-nos identificar: o desenvolvimento do
interesse em defender uma causa social, como os vnculos estabelecidos em diversos
contextos polticos e sociais conduziram ao engajamento individual, intensificando-o ou
modificando-o ao longo do tempo, e como a ao individual e coletiva do grupo se modificam
de acordo com a abertura do Estado s demandas do movimento negro. Esta perspectiva de
anlise fruto do dilogo entre diferentes abordagens, como a Teoria dos processos Polticos
(TPP) e sociologia do engajamento. Com isso, buscamos ferramentas tericas e
metodolgicas para problematizar um tema que no novidade nas cincias sociais, mas que,
no Brasil, geralmente tem sido apresentado a partir de uma perspectiva avaliativa dos
impactos deste processo. Para dar conta dos questionamentos colocados nesta pesquisa,
recorremos a abordagens que do nfase aos quadros culturais e s redes sociais, bem como s
Estruturas de Oportunidades Polticas (EOP)3 em diferentes contextos
4.
Pensar as formas de atuao e organizao do movimento negro em Sergipe a partir
dos anos 2000 apenas atravs dos itinerrios individuais as etapas de desenvolvimento de
sensibilidade para determinadas causa sociais ou os eventos cruciais que influenciaram
indivduos na tomada de deciso de se engajar e as estratgias de reconverso de recursos -
3 Este conceito retirado do esquema analtico de Sidney Tarrow (2009).
4 Os detalhes sobre o esquema analtico so apresentados no captulo 1.
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no permite explicar todo o processo de interferncia nas formas de mobilizao daquele
movimento. Como j mencionamos, a configurao poltica, social e cultural em que os
movimentos sociais atuam so dimenses importantes para compreender a oferta da militncia
em perodos diferentes (FILLIEULE, 2001). Por configurao compreendemos a forma como
os indivduos se relacionam em contextos especficos. A constituio de uma dada
configurao ocorre ao longo de vrias mudanas. No longo prazo, as condies de formao
da configurao denominada processo (ELIAS, 2006). Neste sentido, se quisermos
compreender a configurao poltica atual e seu impacto sobre a configurao do movimento
negro em Sergipe preciso fazer uma reconstituio da formao da abertura do Estado s
reivindicaes daquele movimento social. Desta forma, preciso refletir sobre a EOP em cada
contexto especfico.
O trabalho de pesquisa
Em um movimento social h uma rede mais ou menos complexa de militantes cuja
contribuio varia em termos de frequncia com que participam das atividades e de grau de
envolvimento. Florence Passy (1998) faz uma distino entre militantes envolvidos em uma
mesma organizao com base nos critrios mencionados. Segundo a autora, existem os
militantes aderentes, que do apoio financeiro, mas quase no se envolvem nas atividades da
organizao; os militantes participantes, que participam ativamente das atividades, mas de
forma espordica; e o ltimo tipo de militante, que o que define os militantes que nos
interessam neste trabalho, so os militantes ativistas. Estes participam de forma ativa e
contnua das atividades. Estes ltimos, segundo a autora, so fundamentais para se entender as
estratgias de mobilizao dos movimentos sociais e as estratgias de recrutamento de novos
participantes.
Estes critrios foram levados em conta para a definio da populao a ser investigada
neste trabalho como lideranas do movimento negro. Os militantes que compuseram nossa
amostra so participantes ativos e tm papel importante na realizao de atividades, no
recrutamento de novos participantes e na (re) construo das fronteiras e nos critrios de
definio dos recursos indispensveis para ser um militantes negro5.
Ao longo de alguns meses de pesquisa de campo (SOUZA, 2009b), observamos que
existe um grupo de militantes que ocupam cargo no interior de rgos voltados para o
5 Militante negro uma expresso utilizada aqui para definir participantes do movimento negro,
independentemente de serem pretos ou brancos, lideranas ou no.
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combate ao racismo nos nveis federal, estadual e municipal. Mas tambm h alguns
militantes que realizam atividades voltadas para aquele objetivo em outras secretarias do
governo do estado, alm de outros que participam de eventos promovidos pelo Estado como
organizadores ou palestrantes de oficinas e demais eventos. Assim, a populao analisada
consiste em dez militantes do movimento negro em Sergipe, sendo que cinco exercem
funes em secretarias ou coordenadorias de combate ao racismo, quatro ocupam cargos em
outras secretarias, mas suas atividades so direcionadas para a promoo do combate ao
racismo, e mu participa ativamente de atividades promovidas pelo governo estadual. No
perodo do trabalho de campo para o desenvolvimento da dissertao (2010-2011), a maioria
dos militantes ocupava aqueles cargos e participavam dos eventos como palestrantes de
oficinas, com exceo de Pedro (E9) e Jos (E10), que j no ocupavam os cargos
mencionados na caracterizao das entrevistas6.
A pesquisa realizada para a elaborao da monografia ocorreu entre outubro de 2008 e
outubro de 2009. Com meu ingresso no curso de mestrado, em maro de 2010, dei
continuidade pesquisa em meados de abril e a terminei em dezembro de 2011. Nesse
perodo, realizei vinte entrevistas formais, vrias entrevistas informais, participei de eventos
estes eventos esto descritos nos anexos 2, 3, 4 e 6, nas ilustraes 2 e 3 e no quadro 7 -, alm
de ter visitado algumas sedes de organizaes do movimento negro em Sergipe e conversado
com seus coordenadores ou lderes.
Para fins comparativos e com vistas a aprofundar o conhecimento sobre o universo
analisado, tambm realizamos entrevistas com outros militantes. Alm dos dez militantes que
compem a nossa amostra, entrevistamos mais dez militantes que ocupam posio de
lideranas ou so participantes com menor destaque no movimento negro em Sergipe7. Com
estas entrevistas buscvamos, a partir de uma quantidade maior e mais densa de informaes,
compreender as principais divergncias no interior do movimento, a distribuio de posies
na rede informal, as posies em relao s estratgias de ao, entre outros aspectos.
A obteno dos dados necessrios para o desenvolvimento da dissertao deu-se a
partir de: entrevistas biogrficas, de entrevistas voltadas reconstituio da histria do
movimento negro em Sergipe, das principais organizaes e do processo de criao dos
rgos de combate ao racismo no estado, alm de apreender os pontos de vista gerais dos
entrevistados; observao direta; utilizao de revistas e livros como fonte de dados;
6 Ver caracterizao das entrevistas no apndice 2, p. 167.
7 Nesta dissertao, no utilizaremos os nomes dos militantes, mas pseudnimos.
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20
informaes de jornais, sites de relacionamento (Facebook e Orkut) e sites de busca na
internet (Google).
As entrevistas biogrficas foram conduzidas atravs dos pressupostos gerais da noo
de carreira militante de Olivier Fillieule (2001 e 2010), em se que busca apreender as
estruturas objetivas, portanto, constrangedoras da ao, e a forma como os indivduos
interpretam e negociam estes constrangimentos. Acredita-se, ento, que os argumentos,
justificativas e conflitos dos indivduos dizem muito sobre o passado dos indivduos, suas
experincias anteriores e os contextos de socializao que eles vivenciaram e vivenciam hoje
(FILLIEULE, 2001). As narrativas apreendidas em entrevistas ou eventos foram interpretadas
como fruto dos contextos anteriores, mas tambm do contexto em que o discurso foi proferido
(se enunciado em entrevista, evento, reunio ou outra situao).
A partir das entrevistas biogrficas, capturamos informaes sobre: a) o perfil social
dos entrevistados, as disposies sociais e culturais para se engajar em uma causa social. As
questes esto relacionadas s origens sociais e geogrficas do grupo familiar (escolarizao
dos pais, emprego, relao com poltica), as condies de socializao dos entrevistados,
escolarizao (tipo de escola, como era a vida estudantil), relao com vizinhos; b) os
recursos sociais e culturais reconvertidos em cargos na administrao pblica (investimentos
em diplomas, redes de relaes pessoais e outros tipos de recursos simblicos); c)
identificao das redes sociais que os conduziram insero em diferentes contextos sociais
(partidos polticos, espao profissional, grupos de discusso, grupo religioso, grmio
estudantil, movimentos sociais, entre outros), e de que forma e em que perodo ocorreu o
processo de recrutamento em organizaes do movimento negro em Sergipe.
A pertinncia de se estudar as origens sociais, a socializao na infncia e
adolescncia para se entender o engajamento individual est no fato de ser nesta etapa da vida
que se desenvolvem os quadros de percepes do mundo e as inclinaes, a propenso para
agir de determinada forma. Estas disposies, preciso deixar claro, s sero acionadas de
acordo com diferentes contextos sociais. Os quadros de percepes sero examinados neste
trabalho como causa provvel do desenvolvimento de uma sensibilidade para se engajar na
causa negra8. A socializao s faz sentido, aqui, se inserida dentro da anlise de redes
sociais, pois a predisposio para militar por uma causa s ser acionada de acordo com os
laos pessoais (amigos, familiares) estabelecidos ao longo da vida (PASSY, 1998 e 2001).
8 A causa negra uma expresso utilizada neste trabalho para se referir luta de militantes pela reivindicao de
reparaes dos afrobrasileiros de mecanismos de acesso e de distribuio igual do poder entre pretos, pardos e
brancos, em uma sociedade.
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21
A reconstituio das redes sociais uma ferramenta analtica fundamental neste
trabalho, pois pretendemos articular diversos nveis de anlise por meio delas. A identificao
das redes de amizade e das redes de parentesco, em diversos espaos sociais (trabalho, escola,
universidade, religioso, etc.), permite mostrar sua influncia no recrutamento dos militantes
em organizaes e na continuao da participao (DIANI e DELLA PORTA, 2006). Por
meio desta noo podemos tambm examinar a potencializao dos diferentes recursos sociais
e culturais dos entrevistados, j que, por exemplo, um diploma universitrio pode no ter o
mesmo valor para a insero na administrao pblica se o militante no estiver inserido em
um grupo de aliados influentes em tal administrao.
Diani e Della Porta (2006) demonstram a relevncia dos contatos pessoais, da famlia,
crculo de amigos, colgio, universidade, grupos religiosos, entre outros, no momento do
recrutamento. Da mesma forma, estes autores argumentam que as redes informais no so
importantes somente para a entrada, mas tambm agem como suporte para a manuteno no
movimento social. Os laos sociais estabelecidos em diferentes etapas e contextos dos
itinerrios individuais, portanto, so dados importantes para examinarmos o acionamento de
disposies, o desenvolvimento de percepes que podero afetar no rumo do engajamento,
no processo de recrutamento no movimento negro em Sergipe e na tomada de posio atual.
Segundo Diani e Della Porta (2006), os eventos so locais importantes para o
pesquisador delimitar as fronteiras dos movimentos sociais, as principais esferas sociais com
as quais os movimentos se relacionam, quem so os participantes, as organizaes e, assim,
apreender o sentimento de pertencimento do grupo, pois a partir dos eventos que possvel
observar as redes informais que compem um determinado movimento social. Para os autores
fundamental que haja o sentimento de identificao com o grupo, em vez do sentimento de
pertencimento a uma organizao especfica. Assim, o ponto de partida para a delimitao do
universo dos movimentos sociais so as redes informais apreendidas nos diversos eventos. O
envolvimento em atividades e mobilizaes coletivas, independentemente da organizao da
qual os militantes pertencem, indicador da solidariedade do grupo e ponto de partida para
apreender a posio dos participantes nestas redes.
Foi com esse objetivo que realizamos observaes diretas em eventos promovidos
pelos rgos de promoo da igualdade racial em Sergipe, eventos para comemorar datas
emblemticas como os cortejos pelas ruas do centro de Aracaju em comemorao ao dia da
conscincia negra, no dia 20 de novembro, promovidos por organizaes do movimento
negro. Estes eventos constituram uma fonte rica de informaes acerca da rede informal do
movimento negro em Sergipe, de identificao das principais lideranas e suas concepes, os
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principais conflitos, tipos de mobilizao, como os militantes organizam suas atividades e
reivindicaes atualmente. Tudo isso tem como objetivo ampliar nosso conhecimento sobre a
configurao atual do movimento negro.
A fim de melhor compreender o processo de configurao poltica atual e
contextualizar a criao de coordenadorias ou secretarias especficas de polticas pblicas para
a populao negra do estado, buscamos informaes em trabalhos cientficos disponveis que
analisaram a relao do movimento negro e o Estado ao longo do tempo, assim como atravs
de entrevistas. Por meio de entrevistas, reunimos informaes sobre a relao do Estado com
os movimentos sociais.
A partir das narrativas de vida e do material sobre as condies sociais e polticas de
desenvolvimento do engajamento dos entrevistados foi possvel investigar o processo de
engajamento individual e suas dinmicas ao longo do tempo. O exame das carreiras militantes
nos ajudou a compreender este processo. Seguindo os pressupostos desta noo, analisamos
os argumentos e justificativas como produto das decises subjetivas, sem desconsiderar os
constrangimentos objetivos das diferentes configuraes que os entrevistados vivenciaram e
vivenciam (FILLIEULE, 2001). A partir das carreiras militantes, buscamos compreender, por
um lado, os recursos sociais e culturais indispensveis para a ocupao de cargos em
administraes de esquerda e, por outro lado, buscamos demonstrar como as relaes destes
militantes mediadores com a poltica institucional provocam novos conflitos no interior do
movimento negro e redefinem o sentimento de solidariedade do grupo.
O trabalho de campo: contatos e dificuldades
Numa pesquisa pautada por interaes sociais diretas, a qualidade dos resultados
depende de uma srie de reflexes e questionamentos. Durante todo o processo da pesquisa, o
pesquisador deve refletir sobre o problema da imposio de problemtica e desenvolver uma
linguagem apropriada para o grupo analisado nos questionrio ou roteiros de entrevista. Alm
disso, no caso das entrevistas, devemos ficar atentos com os efeitos da relao entrevistador-
entrevistado sobre os resultados. Esta ltima questo desenvolvida por Bourdieu no captulo
Compreender do livro A misria do Mundo (BOURDIEU, 2008b). Segundo o autor, a relao
social estabelecida no momento da entrevista pode gerar distores nas respostas. Como isso
inerente a este tipo de relao, o que podemos fazer tentar minimizar estes efeitos
procurando estabelecer uma relao no-violenta. Seguindo as orientaes de Bourdieu, uma
das preocupaes gerais deste trabalho foi refletir sobre minha posio no universo analisado
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23
a fim de diminuir as distores inerentes a qualquer pesquisa e buscar formas alternativas de
obteno dos dados para a investigao, assim como compreender as percepes de avaliao
dos militantes negros.
Minha aproximao e trnsito pelo universo analisado teve incio em 2009, como j
mencionado. Portanto, quando retomei a pesquisa de campo no curso de mestrado j havia
circulado por alguns eventos, visitado sedes de organizaes e interagido diretamente com
muitos militantes negros, em entrevistas ou conversas informais. Esta maior aproximao e
certa visibilidade neste espao social acarretaram vantagens e desvantagens. Como j estava
mais familiarizada com as principais divergncias e concepes debatidas pelos militantes e
era mais evidente pra mim o que constitua o denominado movimento negro em Sergipe e
seus atores, o processo de elaborao do problema de pesquisa e a formulao dos
questionamentos em entrevistas ou conversas informais para a pesquisa realizada no mestrado
aconteceram com maior espontaneidade. Por outro lado, o fato de j ser reconhecida por boa
parte dos militantes resultou em algumas dificuldades no campo, principalmente em conseguir
novas entrevistas, fundamentais para a resoluo do meu problema de pesquisa. Essa
dificuldade provavelmente est relacionada com a minha posio no universo analisado.
Quando decidi estudar o movimento negro em Sergipe, na graduao, alguns colegas
do curso e, inclusive, professores, me chamaram a ateno para as possveis dificuldades que
poderia encontrar por conta dos meus atributos fsicos (branca) e por no ser membro ou
prxima ao grupo. Obviamente estas condies e a falta de experincia com pesquisa e
negociaes de entrevistas me deixaram com receio de no conseguir estabelecer contatos. No
entanto, consegui listar rapidamente os principais lderes daquele movimento social e
entrevist-los. Em relao observao direta, era informada dos principais eventos atravs
de e-mails e sites de relacionamento da internet. Sem dvida esta facilidade foi resultado da
mediao de uma colega de curso e militante do movimento negro local, Maria (E6), que me
forneceu uma lista das principais organizaes e contatos dos lderes (nmero de telefone e e-
mails). Ao me apresentar como colega de Maria e orientanda de Paulo S. da C. Neves,
conhecido e respeitado neste universo, tive certa facilidade para conseguir marcar as
entrevistas por telefone.
Como em todo movimento social, a definio do ns e dos outros essencial para
o desenvolvimento de um sentimento de solidariedade do grupo, bem como para definir suas
reivindicaes. No movimento negro em Sergipe, a ancestralidade africana critrio
importante de seleo dos membros do grupo, assim como o uso de roupas e penteados
concebidos como africanos importante manifestao do orgulho de ser negro e de
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valorizao da aparncia negra. Estas caractersticas do universo analisado, inclusive,
restringem a participao de indivduos de pele clara como membro do grupo9. No ser
membro do universo analisado, ser branca e os problemas prprios a qualquer tipo de
pesquisa geraram certo desconforto em algumas situaes, principalmente em entrevistas
quando o contato era direto. Nestas condies, tive que improvisar e buscar maneiras de
tornar a situao de entrevista menos tensa e conseguir as informaes necessrias.
Se a negociao das entrevistas no foi uma tarefa difcil, a execuo no foi to
simples. O fato de a maioria dos entrevistados proferirem um discurso ora afirmando que a
classe mdia sergipana racista, ora mostrando as vantagens dos brancos sobre os negros no
mercado de trabalho ou na insero em universidades pblicas para uma entrevistadora branca
e desconhecida, provocou algumas pausas ou controle da fala. No caso de militantes
mulheres, algumas crticas relacionadas ao padro de beleza vinculado mulher branca na
situao de entrevista tambm geraram certo desconforto. Eu tentava contornar estes
constrangimentos mostrando simpatia pelo discurso atravs de interjeies e afirmaes com
a cabea. No entanto, eles se sentiam vontade para criticar outros militantes, organizaes
ou autoridades polticas, uma vez que eu no fazia parte daquele meio, o que foi muito
interessante para o trabalho. De modo geral, a situao mencionada acima no foi o maior
obstculo para o andamento das entrevistas. Como o tipo de entrevista realizada era
principalmente biogrfica, as desconfianas e resistncias para falar das condies de
socializao e outras informais relacionadas ao universo familiar eram comuns. Ao longo da
pesquisa de campo (de 2009 a 2011), desenvolvi algumas estratgias para romper ao mximo
com estas desconfianas.
A fim de tornar a situao de entrevista menos formal e mais descontrada, iniciava a
conversa citando militantes conhecidos anteriormente entrevistados, o que proporcionava
maior descontrao; explicava a importncia das informaes pessoais para minha pesquisa e
ficava disponvel para falar da minha pesquisa e esclarecer dvidas (respondia sobre a
relevncia das perguntas, sobre os objetivos da minha pesquisa); me esforava para mostrar
alguma proximidade social com os entrevistados no decorrer das entrevistas (morar em bairro
vizinho, estudado no mesmo colgio etc.) e adaptava a ordem das questes e as adequava em
funo de cada entrevistado.
Na continuao da pesquisa, j no mestrado, encontrei dificuldades principalmente
relacionadas com negociaes de entrevistas. Quando retomei a pesquisa, pretendia
9 Sobre este ponto ver captulo 4, seo 4.2.
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reentrevistar alguns militantes e, portanto, entrei em contato com alguns deles. Para minha
surpresa, encontrei muita resistncia em remarcar entrevistas e, em alguns casos, no
consegui. Este acontecimento me chamou ateno e me fez refletir e tentar compreender o
fato. Conversando com militantes, informantes, estudiosos e simpatizantes do movimento
negro, percebi que representaes dos entrevistados acerca da academia e da minha posio,
tanto na academia quanto no movimento negro, provavelmente causaram certa resistncia e
desinteresse de alguns militantes em continuar contribuindo com a minha pesquisa.
Como mencionei em minha monografia (SOUZA, 2009b), o diploma universitrio
percebido pelos entrevistados como um instrumento de interveno social. Neste sentido, nos
trabalhos de concluso de curso (TCCs, dissertaes ou teses), possvel observar o
envolvimento dos entrevistados com o objeto e a relevncia de uma postura crtica, de
denncia e de apontamento de solues para os problemas sociais. Neste sentido, a
neutralidade como orientao geral para a conduo e elaborao dos trabalhos de finais de
curso no uma preocupao dos entrevistados, independentemente do curso. Desta forma, os
objetivos da minha pesquisa, ao fugir deste esquema de percepo, no apresentava nenhum
interesse para o movimento negro. Ao contrrio de outros colegas que trabalhavam com
temticas relacionadas com a questo negra de forma mais engajada, nunca fui convidada
para participar de palestras ou oficinas promovidas por organizaes do movimento negro.
Alm disso, alguns militantes consideram importante que negros pesquisem e sejam
reconhecidos como autoridades para falar do movimento negro, em vez de uma pesquisadora
branca.
Organizao da dissertao
Com o objetivo de compreender a extenso e intensificao do engajamento dos
militantes analisados, mais especificamente, as competncias polticas reconvertidas em
cargos na administrao pblica e os efeitos das oportunidades polticas sobre a modalidade
de engajamentos individual analisada, a dissertao est organizada em quatro captulos. No
captulo 1 apresentado o esquema analtico utilizado neste trabalho, uma vez que os
pressupostos e problemticas expostos nesta introduo foram construdos com base em
discusses sociolgicas mais gerais.
No captulo 2 analisamos o processo de institucionalizao da causa negra. A
institucionalizao de uma causa social entendida aqui como um processo em que o
socilogo deve apreender as lutas dos agentes pela imposio de vises e interesses sobre a
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26
realidade social e como criado um problema social (LENOIR, 1996). Discutimos o processo
de incluso de demandas do movimento negro no Brasil na agenda poltica nacional e a
criao de rgos de combate ao racismo na estrutura administrativa do Estado. Para dar conta
desta proposta, inicialmente, mostramos como a questo racial vem sendo discutida ao longo
dos sculos por intelectuais e por militantes negros. Num segundo momento, focamos nossa
ateno nas presses internacionais sobre o governo federal, nos principais eventos
promovidos por organizaes internacionais com o intuito de orientar as polticas pblicas
nacionais, na presso do movimento negro, assim como analisamos o perfil dos governos que
adotaram tais polticas (governos FHC e Lula).
No captulo 3 nosso objetivo foi compreender a configurao atual do movimento
negro em Sergipe e a posio dos militantes nas administraes de esquerda como fruto de
orientaes e estratgias de organizaes negras nacionais, tais como MNU e CONEN, e da
configurao poltica que se constitui a partir de 2000 em Sergipe e no mbito federal. Para
isso, fizemos uma reconstituio, dentro de certos limites, das principais organizaes do
movimento negro local, a insero dos seus lderes nas redes nacionais de militncia negra e
as alianas das organizaes negras com a poltica institucional. No decorrer do captulo,
mostramos as principais fases do movimento negro em Sergipe, as organizaes envolvidas e
suas diferentes finalidades, os principais conflitos e os espaos de agregao das diversas
organizaes, como fruns e conselhos. Alm disso, situamos suas fases dentro de
configuraes polticas especficas.
O captulo 4 foi desenvolvido com o objetivo de examinar as carreiras dos militantes
que ocupam cargos nas administraes de esquerda e que prestam consultoria em eventos
promovidos pelas administraes. A partir dos itinerrios individuais apreendemos os quadros
de percepo dos entrevistados atravs das origens sociais, a fim entender as motivaes da
tomada de posio de se engajar na causa negra, os recursos acionados para a ocupao de
cargos nos rgos pblicos e o papel das redes sociais na intensificao e mudanas no
engajamento individual. As etapas do engajamento e as estratgias dos militantes analisados
foram inseridas em configuraes polticas, sociais, culturais e organizacionais especficas a
fim de analisarmos os impactos destas configuraes nas formas disponveis de militncia,
bem como o impacto da socializao poltica em organizaes sobre o engajamento
individual. Com isso, buscamos apreender os condicionantes objetivos e subjetivos do
engajamento individual.
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27
1
FERRAMENTAS CONCEITUAIS PARA A ANLISE DOS
MOVIMENTOS SOCIAIS
Assim como em outros pases da Amrica Latina, a dcada de 1980 foi marcada no
Brasil pela emergncia de vrios movimentos sociais e de mobilizaes de rua que se
destacaram em todo o pas. As mobilizaes ganharam fora em um contexto poltico de
transio do regime militar centralizador e repressivo para o estabelecimento do regime
democrtico; portanto, em um contexto de abertura poltica, no caso do Brasil, controlada
pelo governo. Frente ao Estado repressivo, estes movimentos sociais (re) surgiram com alguns
ideais especficos, como a autonomia em relao ao Estado, os quais caracterizaram uma
postura geral dos movimentos sociais da poca. A autonomia dos movimentos sociais um
ideal presente at hoje nos discursos dos militantes, como percebemos no trabalho de campo.
Estudos desenvolvidos naquele perodo apontaram como caractersticas principais dos
movimentos sociais a sua postura crtica em relao ao Estado e seu afastamento de
instituies polticas (GOIRAND, 2009; RIOS, 2009; SILVA, 2010). So observadas algumas
peculiaridades em relao forma como os movimentos sociais so abordados e postura dos
pesquisadores no Brasil frente ao objeto de pesquisa. De modo geral, h a preferncia pela
abordagem que relaciona mudana sociopoltica e movimentos sociais (GOIRAND, 2009). As
interpretaes so de cunho normativo-prescritivo, em que descrito como deve ser a relao
entre Estado e movimentos sociais, qual a melhor forma de organizao, quais as melhores
estratgias de mobilizao. Esta abordagem normativa est ligada ao perfil destes
pesquisadores, caracterizados como pesquisadores engajados. Comprometidos com a defesa
do seu objeto de estudo, suas anlises so, em geral, tendenciosas (SILVA, 2010).
Em relao recepo de vertentes tericas internacionais na Amrica Latina, h a
preferncia pela Teoria dos Novos Movimentos Sociais (TNMS) e da marxista-estrutural
nas anlises desenvolvidas nas dcadas de 1980 e, em boa parte, na dcada de 1990
(ALONSO, 2009; SILVA, 2010). Segundo Goirand (2009), o uso normativo e fragmentado
destas perspectivas enfatizou o papel transformador dos movimentos sociais e sua
autonomia em relao ao Estado.
As primeiras pesquisas empricas sobre o movimento negro aparecem na dcada de
1950, com o apoio da UNESCO (RIOS, 2009). Mas, antes do interesse de pesquisadores,
brasileiros e estrangeiros, pelo movimento negro, um grande volume de trabalhos foi
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28
desenvolvido a fim de descrever e avaliar as relaes raciais no pas, o que culminou no
desenvolvimento de referenciais nacionais como o branqueamento da populao e a
democracia racial, os quais que se tornaram importantes temas de discusso entre militantes
do movimento negro na dcada de 1980. Assim como as relaes raciais, o movimento negro,
em grande parte das pesquisas, abordado pelo vis normativo.
Em trabalho sobre as principais abordagens das pesquisas sobre o movimento negro no
Brasil, Rios (2009) aponta algumas caractersticas: so, em geral, trabalhos descritivos, h
precariedade das ferramentas analticas e falta de dilogo entre as pesquisas. Isto no
possibilitou avano de problemticas, limitadas, em geral, aos discursos das principais
lideranas e das principais organizaes de So Paulo, Rios de Janeiro e Salvador. A partir
dos anos 1970, a autora identifica o aumento de trabalhos desenvolvidos por
intelectuais/militantes, tanto brasileiros como estrangeiros. Nestes trabalhos, destacam-se
temticas relacionadas desmistificao da democracia racial, os problemas relacionados
no adeso da populao negra ao movimento negro, assim como a avaliao das estratgias
de atuao deste10
.
As preocupaes com os problemas sociais e a proposta de um projeto de sociedade
adequado ao seu desenvolvimento so aspectos norteadores das cincias sociais brasileiras,
assim, foram desenvolvidas sem contornos muito definidos em relao a outras esferas, como
a poltica (PCAUT, 1990). Deste modo, marcada por uma forte tradio de interveno
poltica (GOIRAND, 2009), os intelectuais latinoamericanos no desvinculavam suas
concepes polticas da anlise dos movimentos sociais, uma vez que em um contexto
poltico repressor, as mobilizaes de rua e as formas de organizaes no institucionais
pareciam a alternativa mais vivel para a democratizao no pas. Neste ponto, h o interesse
nestes estudos em enfatizar o papel transformador dos movimentos sociais em detrimento de
um amplo debate terico-metodolgico para o entendimento dos processos de definio dos
movimentos sociais e de sua relao com o meio em que esto situados.
10 Entre lideranas do movimento negro, destacam-se os trabalhos de Llia Gonzlez, Eduardo de Oliveira e Oliveira, Joel Rufino, entre outros (CUNHA, 2000). Entre os estrangeiros, destaca-se o trabalho de Hanchard
(2001). O livro Orfeu e o Poder, deste ltimo, um trabalho rico em informaes relacionadas s vinculaes de
militantes negros de So Paulo e Rio de Janeiro com partidos polticos e instituies pblicas. Mas os partidos
polticos e o Estado so alvos de crtica do autor por no tratarem das relaes raciais, j que, para o autor, a elite
dirigente daqueles espaos defensora da democracia racial. Com isso, o Estado no teria interesse em atender as demandas do movimento negro. Em detrimento de uma anlise dos processos de mudana de estrutura das
organizaes e de estratgias do movimento negro a partir das alianas e da postura do Estado em relao a tal
movimento, o autor prefere expor solues para que os militantes negros assumam o poder poltico a partir de
uma estratgia de disputas por cargos polticos e da criao de instituies autnomas para, assim, ganhar
visibilidade e adeso da populao negra.
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29
Se na dcada de 1980 os movimentos sociais (re) surgem, em grande parte, em
oposio ao Estado e aos partidos polticos - pelo menos nos discursos de lideranas e
pesquisadores engajados - e manifestam suas reivindicaes em caminhadas, comcios, etc.,
atualmente os vnculos entre movimentos sociais e poltica institucional parecem mais
estreitos. o que demonstra a entrada de diversas lideranas de movimentos sociais em
administraes de esquerda desde 2000. Por conta destas inseres, as redes entre os
movimentos sociais ou militantes e partidos polticos e o Estado atualmente so mais
evidentes. Goirand (2009) demonstra que estudos apontam este processo como um fracasso
dos movimentos sociais e a perda de autonomia e da identidade. De modo semelhante, Gohn
(2004) destaca o argumento de alguns analistas de que houve crise dos movimentos sociais no
incio dos anos 1990 por conta de uma suposta perda do poder de presso alcanada nos anos
1980. Mudana nas formas de atuao de parte dos movimentos sociais na dcada de 1990
so acompanhadas, portanto, pela crtica de pesquisadores.
Mas alguns trabalhos sobre movimentos sociais e modalidades de militncia poltica
no Brasil, como os de Moreno e Almeida (2009), Mische (1997), Oliveira (2007), Pereira
(2011), Rios (2009), Santos (2007), Seidl (2009), Silva (2011) e Souza Jnior (2006), trazem
algumas novidades ao considerar os movimentos sociais ou as formas de militncia a partir do
processo de negociao com o Estado, com os partidos polticos e outras organizaes,
analisando, de modo geral, a multiplicidade de atuao das organizaes e/ou dos militantes.
Por exemplo, ao analisar a participao poltica de estudantes na dcada de 1990, Mische
(1997) destaca o papel de interlocutores sociais - militantes inseridos em diversas redes
sociais - nas transformaes de identidades coletivas e de projetos daquele movimento social.
Moreno e Almeida (2009) mostram tambm a relao entre militncia dupla de alguns
militantes, principalmente na organizao por elas analisada e no PT, e as mudanas na
estrutura de atuao em um grupo de jovens negros em Campinas/SP. Ao abordar os
movimentos sociais ou formas de engajamento poltico a partir de um esquema analtico que
dialoga com conceitos e problemticas formulados em outros pases11
, estes pesquisadores
tomam o cuidado de no impor definies embutidas nos conceitos para avaliar seus objetos
de pesquisa. Esta postura outra contribuio para as anlises nesta rea, na medida em que o
uso dos conceitos de modo reflexivo orienta pesquisadores preocupados em apreender
caractersticas prprias dos movimentos sociais e do engajamento poltico brasileiro.
11
Os esquemas analticos contm conceitos como repertrio de ao, estrutura de oportunidade poltica, disposies, redes sociais, mobilizao de recursos e trajetrias individuais.
-
30
No caso de Sergipe, semelhante a outros estados, militantes e organizaes do
movimento negro esto inseridos em vrias redes sociais. Militantes envolvidos neste
movimento social travam relaes com autoridades polticas, partidos de esquerda, outros
movimentos sociais, sindicatos, entre outros. Com a criao de rgos no mbito estadual e
municipal de combate ao racismo, algumas lideranas do movimento negro so convidadas a
ocupar estes cargos. Assim, apreender as carreiras destes militantes, como buscamos, uma
estratgia para capturar o intercmbio entre movimento negro e outras esferas sociais.
Neste captulo, o objetivo justificar nossa escolha terico-metodolgica e estratgias
de anlise. Inserimo-nos na discusso dos trabalhos mencionados logo acima em relao
apreenso dos movimentos sociais no Brasil a partir de um esquema analtico capaz de
relacionar movimentos sociais com o Estado, os partidos polticos e outras esferas sociais sem
prescrever estratgias consideradas mais adequadas para tal movimento. Para isso, primeiro,
vamos considerar a oferta de conceitos e abordagens da sociologia dos movimentos sociais e,
num segundo momento, propomos uma abordagem de pesquisa e um esquema analtico que
d conta das transformaes do movimento negro em Sergipe.
1.1 Sociologia dos movimentos sociais: conceitos e pressupostos gerais
Pensar em modelos tericos, conceituais, metodolgicos e abordagens para explicar os
movimentos sociais tornou-se um dos temas da agenda de pesquisa nas cincias sociais. Neste
esforo coletivo, alguns modelos se destacaram. Denominados Teorias dos Novos
Movimentos Sociais (TNMS), Teoria dos Processos Polticos (TPP), Teoria da Mobilizao
de Recursos (TMR)12
, tais vertentes enfatizaram variveis diferentes para compreender este
tipo de ao coletiva. De um lado, os modelos que enfocam uma dimenso estruturalista,
como a TNMS e a TPP. Para o primeiro, a dimenso cultural importante varivel para
entender a emergncia dos novos movimentos sociais. De outra maneira, a relao dos
movimentos sociais com a poltica institucional parece mais pertinente no segundo modelo.
Por outro lado, o TMR analisa os movimentos sociais em um nvel microssocial,
compreendidos luz de abordagens da escolha racional e do individualismo metodolgico,
dando nfase racionalidade da ao coletiva.
Mais recentemente, especificamente a partir dos anos 1990, os principais modelos
tericos dos movimentos sociais no podem ser to bem definidos em grupos distintos, como
12
A partir de agora, utilizaremos as siglas das vertentes tericas.
-
31
fizemos, uma vez que h a tendncia atual, entre pesquisadores inseridos em um amplo debate
internacional, em mesclar conceitos e problemticas de diferentes vertentes tericas a fim de
ultrapassar os limites das principais perspectivas sobre os movimentos sociais e aproveitar as
contribuies de cada uma delas. Esta tendncia parece evidente se observarmos a divulgao
de pesquisas em alguns livros e revistas proeminentes, como por exemplo, Le dsengagement
militant, organizado por Fillieule (2005), Penser les mouvements sociaux, organizado por
Fillieule, Agrikoliansky e Sommier (2010a), How social movements matter, organizado por
Giugni, McAdam e Tilly (1999), Social Movements and networks, organizado por Diani e
McAdam (2003a); e revistas como Sociological forum e Revue franaise de science politique.
Nestes livros, pesquisadores europeus e norteamericanos apresentam trabalhos cujo objetivo
fazer uma reviso crtica das principais teorias dos movimentos sociais e dialogar com elas,
conjugando diversos conceitos, metodologias e perspectivas tericas.
A sociologia dos movimentos sociais, antes desta tendncia atual, concentrava-se nas
discusses e mobilizaes oriundas, de um lado, dos EUA e, de outro lado, da Europa, sem
haver muito dilogo. Com isso, os primeiros modelos de anlise dos movimentos sociais
foram desenvolvidos em contextos sociais e culturais especficos e no desenrolar de debates
entre as tradies tericas das cincias sociais de seus pases.
Antes da emergncia de diversos novos movimentos sociais na dcada de 1960,
duas grandes vertentes se destacavam em torno da definio de abordagens e modelos tericos
para explicar este tipo de ao coletiva. De um lado, as teorias do comportamento coletivo,
ligada teoria funcionalista dominante nos Estados Unidos, destacavam o aspecto irracional
da mobilizao coletiva, a qual era provocada, segundo esta vertente, por frustraes
individuais em uma sociedade de massa (CEFA e TROM, 2001). Por outro lado, na Europa,
tericos marxistas ligavam os movimentos sociais ao modelo do movimento operrio
(ALONSO, 2009; OLIVEIRA, 2007). As duas vertentes iniciais serviram de ponto de partida
para discusses proeminentes na dcada de 1960. As novas vertentes tericas dos anos 1960
destacavam os limites das duas vertentes mencionadas para explicar a emergncia de
movimentos sociais como o feminista, homossexual, dos direitos civis, ambientalista, entre
outros, que surgiram nos EUA e pases europeus na dcada de 1960. Afastando-se das teorias
do comportamento coletivo, pesquisadores dos EUA trouxeram outras abordagens e conceitos
para compreender os movimentos sociais com a TMR e com a TPP. Na Europa, a partir da
crtica teoria marxista, pesquisadores desenvolveram vertentes denominadas de TNMS
(ALONSO, 2009; FILLIEULE e PUDAL, 2010b; OLIVEIRA, 2007).
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Em resposta tradio funcionalista e seu pressuposto da irracionalidade da ao
coletiva, socilogos norteamericanos desenvolveram respostas diferentes para a pergunta que
se fazia at ento sobre os movimentos sociais: quais fatores contribuam para o surgimento
da ao coletiva? Ao contrrio das teorias do comportamento coletivo, a denominada teoria da
mobilizao de recursos (TMR) deu nfase ao aspecto racional da ao coletiva. Assim, o
processo de mobilizao s era possvel a partir do acmulo de recursos materiais (dinheiro,
benefcios) e no materiais (relacionamento com a mdia, com autoridades, com outras
organizaes, etc). Para acumular estes recursos, as organizaes teriam o papel de elaborar
estratgias a fim de captar os recursos necessrios para a mobilizao, a simpatia de
autoridades e aderentes do pblico em geral. Em relao aos ltimos, a participao est
diretamente ligada aos custos e benefcios que as organizaes podero oferecer. Uma das
questes interessantes desta abordagem a distino dos nveis de participao nas
organizaes. Segundo McCarthy e Zald (1977), preciso diferenciar os indivduos que
trabalham ativamente e elaboram estratgias para o acmulo de recursos dos indivduos cuja
participao definida para determinadas tarefas. Com isso, esta vertente contribuiu ao
colocar no centro das discusses o aspecto racional da mobilizao.
Outro paradigma que conseguiu se impor na agenda de pesquisa dos movimentos
sociais foi a teoria dos processos polticos (TPP), tambm nos EUA. Assim como a TNMS, a
TPP apontava os determinismos economicistas da teoria marxista (ALONSO, 2009).
Afastando-se do enfoque econmico, socilogos norteamericanos desenvolveram um
esquema analtico com base na relao entre os movimentos sociais e a poltica institucional.
A questo que se destacava nesta abordagem era: como podemos compreender a
intensificao ou recuo dos movimentos sociais ao longo do tempo? As respostas no so
homogneas; no entanto, possvel sintetizar o ncleo do que ficou conhecido como TPP a
partir da grande contribuio desta vertente que relacionar os constrangimentos da poltica
institucional com o desenvolvimento dos movimentos sociais. A Estrutura de Oportunidades
Polticas (EOP), os ciclos de protesto e repertrios de ao13
foram os principais conceitos
desenvolvidos para explicar esta relao e seus constrangimentos. Aqui, portanto, temos uma
abordagem cujo foco a relao entre polticas institucionais e protesto.
Em publicaes mais recentes da dcada de 1990, os principais representantes da
TMR (Mayer N. Zald e John D. McCarthy) e da TPP (Charles Tilly, Sidney Tarrow e Doug
13
EOP se refere aos incentivos ou restries do Estado em relao s mobilizaes de movimento sociais. Ciclo
de Protesto se refere aos smbolos, temas e tipos de aes coletivas iniciadas por alguns grupos que influenciam
outros em determinado perodo. Repertrios de ao so formas de mobilizao e como elas se transformam ao
longo do tempo a partir da interao entre movimento e opositores (TILLY, TARROW e McADAM, 2009).
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McAdam) ampliaram suas perspectivas ao integrar em suas anlises noes como identidade
coletiva e redes sociais a partir do conceito de contentious politics (McADAM, TARROW e
TILLY, 2009), ou integrando a perspectiva do framing process (McADAM, McCARTHY e
ZALD, 1996). Nos dois trabalhos, a proposta tambm compreender a emergncia e extenso
das mobilizaes a partir do compartilhamento de quadros de referncia entre possveis
aderentes e determinados movimentos sociais. Os laos pessoais com militantes de
organizaes ou os laos formais com organizaes aumentam as chances de uma pessoa
aderir a uma causa social.
Na Europa, frente onda de mobilizaes feminista, estudantis, etc., e ao esgotamento
das explicaes marxistas, os socilogos no concordavam mais com as generalizaes e
determinismos daquela teoria. Destes desacordos e a partir de reflexes sobre a sociedade
ps-moderna desenvolveu-se a denominada Teoria dos Novos Movimentos Sociais
(TNMS), voltada a apreender a novidade dos novos movimentos sociais. Como a TPP,
esta perspectiva constituda por vrios pesquisadores e por explicaes distintas, porm h
uma tendncia a se enfatizar a cultura ps-materialista como fator importante do tipo de
mobilizao dos novos movimentos sociais. Nesta perspectiva, a abordagem est centrada
nas novas demandas acarretadas pela sociedade ps-industrial e no surgimento de novas
formas de reivindicaes e de identidades, de modo geral (ALONSO, 2009; CEFA e TROM,
2001).
A partir desta breve reconstituio do desenvolvimento das principais abordagens e
conceitos da agenda de pesquisa da sociologia dos movimentos sociais, mostramos algumas
contribuies das diferentes perspectivas para o estudo do tema, pois estas questes
influenciaram e influenciam as discusses sobre movimentos sociais atualmente. Mas elas no
apresentam somente pontos fortes; h tambm limites apontados por alguns crticos. De modo
geral, alguns autores (ALONSO, 2009, DIANI e DELLA PORTA, 2006) que se empenharam
em reunir as principais crticas direcionadas quelas vertentes, consideram a ausncia de
dilogo entre elas como um dos principais limites. Por exemplo, se na TPP houve grande
avano ao considerar os movimentos sociais dentro de uma ampla estrutura de relaes com o
Estado, aspectos simblicos e cognitivos apresentados pela TNMS no foram destacados. No
caso da TNMS deu-se o contrrio. Por sua vez, a TMR criticada pela demasiada relevncia
dada ao aspecto racional da ao coletiva. Apesar da abordagem da estrutura organizacional e
da nfase nas avaliaes dos custos e benefcios de aderentes terem sido grandes
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contribuies desta vertente, o papel das emoes e das origens estruturais da mobilizao foi
negligenciado14
.
Com o maior intercmbio de ideias e resultados de pesquisas, perspectivas de anlises
atuais ultrapassam as fronteiras nacionais para enriquecer o debate da sociologia dos
movimentos sociais. Dimenses como estruturas organizacionais, estrutura de oportunidade
poltica e redes sociais, so utilizadas de forma criativa em propostas de anlise variadas.
Exemplo disso so as anlises que articulam diversas dimenses, como as de Mario Diani,
Florence Passy e Olivier Fillieule, como veremos na prxima subseo. As propostas destes
autores so interessantes para pensar os movimentos sociais no contexto brasileiro, pois
permitem apreender as mltiplas relaes entre organizaes e militantes e outras esferas
sociais. Com isso, podemos identificar as dinmicas dos movimentos sociais ao longo do
tempo.
1.1.2 As redes sociais na anlise dos movimentos sociais
Fugindo das abordagens unilaterais, ora enfocando o indivduo, ora a estrutura, as
redes sociais so utilizadas para unir estes dois conceitos que por muito tempo foram
utilizados separadamente nas cincias sociais15
. Ao considerar tanto as motivaes individuais
quanto os constrangimentos de estruturas especficas, os pesquisadores tambm buscam unir
as dimenses macro e microssociolgicas da ao coletiva. Nas anlises dos movimentos
sociais, as redes sociais so ferramentas indispensveis para apreender o desenvolvimento dos
movimentos sociais em interao com outras esferas sociais ou outras formas de organizaes
(religiosa, sindical, outros movimentos sociais, universidade), assim como tambm so teis
para compreender o recrutamento de novos participantes e a intensificao ou a ruptura do
engajamento individual.
14
Para mais detalhes sobre estas vertentes e crticas a ela direcionadas, ver as referncias na ntegra, pois apenas
mencionamos pontos principais para situar a nossa proposta de anlise mais adiante. 15
O discurso multivalente e a alta competio so inerentes sociologia desde a sua origem, segundo Alexander
(1986). Para Corcuff (2001), esta maneira de ver o mundo se reflete nos pares de conceitos: material/ideal,
objetivo/subjetivo, coletivo/individual, que permearam e permeiam as explicaes dos fenmenos sociais. Os
socilogos, escolhendo entre estrutura ou agncia, deram respostas diferentes para as principais questes da
sociologia. Para alguns, a estrutura social exterior ao indivduo e preexistente a ele, assumindo uma posio
coletivista. De forma diferente, os que assumiram a posio individualista afirmam que os padres sociais so
fruto de uma negociao constante entre indivduos nas suas interaes individuais. Afastando-se destes pares de
oposio, a partir dos anos 1960, muitos socilogos tentaram articular a abordagem macro, situando suas
pesquisas dentro de processos histricos amplos, e a micro, enfatizando tambm a importncia das relaes
individuais e do cotidiano dos indivduos.
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A anlise das redes sociais permite investigar os padres de engajamento nos
movimentos sociais e as conexes e conflitos com outros indivduos e/ou organizaes fora
dos limites do movimento social estudado, contribuindo para o entendimento das complexas
transformaes dos repertrios de ao coletiva e das percepes no interior de tal
movimento. Alguns pesquisadores definem redes sociais como configuraes especficas que
compartilham normas, valores e percepes de mundo. Neste sentido, esta noo utilizada
para apreender o quadro de percepes dos indivduos e, assim, compreender os fatores que
motivaram indivduos a aderir a uma causa social, uma vez que quanto mais prximo
socialmente um indivduo for de um movimento social, maiores as chances de identificao
com tal movimento. Porm, as chances de participar efetivamente de uma organizao
aumentam entre indivduos que possuem laos informais com militantes j envolvidos em
organizaes de movimentos sociais. entre o sentimento de solidariedade e a oportunidade
de participar de uma organizao que se d, portanto, a passagem ao engajamento, nesta
abordagem. As redes sociais ainda so apontadas como importante fator para se entender o
desenrolar deste engajamento (DIANI, 2003b; PASSY e GIUGNI, 2001a). A intensificao
ou as formas parciais de participao ocorrem em funo dos laos estabelecidos antes e
durante seu engajamento (FILLIEULE, 2001).
O uso das redes sociais nas cincias sociais mltiplo. No entanto, as diversas funes
deste conceito no devem ser pensadas separadamente, pois refletir sobre as dinmicas dos
movimentos sociais envolve um esforo de pensar sobre as relaes entre organizaes que se
reconhecem como parte de um mesmo movimento, as relaes dos seus militantes e a relao
com organizaes externas, alm dos mltiplos pertencimentos dos militantes que podem
resultar em mudanas de estratgias de ao ao longo do tempo, como demonstram, por
exemplo, os trabalhos de Mische (1997) e de Moreno e Almeida (2009).
A partir do dilogo com algumas vertentes consideradas clssicas da sociologia dos
movimentos sociais, Mario Diani desenvolveu uma definio dos movimentos sociais e uma
metodologia a partir da anlise das redes sociais. Diani (2003b e 2010) prope uma
perspectiva que d conta da estrutura de relaes do movimento social analisado. Isso envolve
refletir sobre a identidade coletiva do grupo, quem so os militantes que constituem este
grupo, seus opositores, as organizaes e definir suas fronteiras; ou seja, devemos identificar
as redes informais que constituem o movimento, em vez de focar em uma nica organizao e
suas atividades. Por outro lado, ele evidencia as relaes informais entre militantes e/ou
organizaes com os atores polticos ou organizaes que esto fora dos limites do
movimento estudado. Com isso, o autor chama ateno para as transformaes do movimento
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sociais em interao com o ambiente que o circunda. O autor tambm faz uma crtica
abordagem organizacional que negligencia a posio das organizaes em um contexto
sociopoltico. Neste sentido, sua abordagem se afasta da TMR, a qual enfatiza os processos
organizacionais. Segundo o autor,
[...] Eu defino movimentos sociais como redes de interaes informais, entre
uma pluralidade de indivduos, grupos ou associaes, engajados em conflito
poltico ou cultural a partir de uma identidade coletiva compartilhada [...]
Nos aproximamos do processo de movimento social quando h o
entrelaamento de redes informais, identidade coletiva e conflito [...].
(DIANI, 2003b, p. 301, grifos nossos, traduo nossa).
Na sua definio, as redes informais tm papel de destaque, pois os laos informais
que ligam os participantes estabelecem uma identidade coletiva compartilhada, possibilitando
o reconhecimento mtuo de quem faz parte do grupo e, por outro lado, quem so os
movimentos sociais, partidos polticos e lideranas simpatizantes da causa e seus opositores.
Priorizar as redes informais em vez dos processos organizacionais permite apreender os laos
de solidariedade entre os diversos participantes, identificar a participao individual, alm de
identificar as relaes fora dos limites do movimento social analisado.
Para Mario Diani, a identidade coletiva, utilizada no sentido de aproximar os
participantes em torno de uma causa comum e diferenciar o ns dos outros e estabelecer
compromisso que vo alm de eventos especficos, deve ser apreendida no trabalho de campo.
Longe de considerar os movimentos sociais a partir de identidades coesas e homogneas, o
autor considera que mesmo havendo diversos conflitos entre participantes e organizaes, um
movimento social caracterizado pelo sentimento de solidariedade dos participantes, apesar
de pertencerem a diferentes organizaes. O processo de movimento social , neste sentido, o
desenvolvimento de solidariedade e de reconhecimento mtuo dos seus participantes,
independentemente de suas posies em organizaes especficas. Uma forma de iden