maria angelina educação de infância como tempo fundador · educação de infância como tempo...
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Universidade de Aveiro
2012
Departamento de Educao
Maria Angelina Sanches
Educao de Infncia como Tempo Fundador
Repensar a Formao de Educadores para uma aco educativa integrada
Dissertao apresentada Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessrios obteno do grau de Doutor em Didctica e Formao, realizada sob a orientao cientfica da Professora Doutora Idlia da Silva Carvalho S-Chaves, Professora Associada (aposentada) do Departamento de Educao da Universidade de Aveiro.
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minha me
Professora Doutora Idlia S-Chaves
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o jri
presidente Prof. Doutor Joaquim Arnaldo Carvalho Martins
professor catedrtico da Universidade de Aveiro
Prof. Doutora Maria da Conceio de Oliveira Lopes professora associada da Universidade de Aveiro
Prof. Doutora Idlia da Silva Carvalho S-Chaves professora associada aposentada da Universidade de Aveiro
Prof. Doutora Teresa Maria Sena de Vasconcelos professora coordenadora principal da Escola Superior de Educao do Instituto Politcnico de Lisboa
Prof. Doutora Deolinda Alice Dias Pedroso Ribeiro professora adjunta da Escola Superior de Educao do Instituto Politcnico do Porto
Prof. Doutor Henrique da Costa Ferreira professor adjunto da Escola Superior de Educao do Instituto Politcnico de Bragana
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iv
agradecimentos
A concretizao deste trabalho s se tornou possvel com o apoio e incentivo
que muitos me proporcionaram e a quem, neste momento, agradeo com
gratido.
Professora Doutora Idlia S-Chaves pelo constante encorajamento, a
orientao rigorosa e atenta, as palavras de afecto e de reconforto em
momentos mais sinuosos do percurso, facilitando o rasgar de nvoas e aceder
a novas e diferentes compreenses. Neste percurso pude ampliar
conhecimentos, mas sobretudo a admirao por algum que envolve, exige e
nos faz prosseguir.
Professora Doutora Nilza Costa pelos momentos de reflexo em conjunto e
abertura a diferentes caminhos de investigao, de formao e de relao que
como docente e coordenadora do curso de Doutoramento nos proporcionou.
A todos os colegas da rede de cooperao cientfica Novos saberes Bsicos de todos os cidados no sculo XXI e novos desafios formao de professores, pelas possibilidades de partilha de saberes, amizade e apoio nos momentos menos bons com que ao longo deste percurso nos confrontmos. A todos os colegas e professores do curso de doutoramento, que directa ou indirectamente envolvidos no curso, contriburam para que este trajecto fosse percorrido. Um agradecimento particular para a Ana Filipa, a Olga, a Carlota, o lvaro, a Celeste e a Ilda pelas discusses teis e pela amizade que entre todos floresceu. Ao Professor Cordeiro Alves pelas palavras de incentivo e apoio ao aprofundamento da reflexo. Aos colegas da Escola Superior de Educao e, em particular aos que integram o departamento de Superviso da Prtica Pedaggica, pela compreenso e incentivo manifestados. Aos directores dos Agrupamentos de Escolas, directores e coordenadores das instituies pr-escolares, educadores e pais das crianas, pela sua disponibilidade e colaborao preciosas e fundamentais para que este trabalho pudesse ter sido concretizado.
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v
agradecimentos
Aos profissionais da aco social do Centro Regional de Segurana Social e
da ex-Coordenao da rea Educativa pela colaborao na fase inicial do
estudo
mestre Celeste Morais pelo apoio e resposta s minhas dvidas e inquietaes no mbito da estatstica. Aos meus amigos que colocaram minha disposio os seus conhecimentos,
compreenso e afecto, ajudando a superar os momentos de maior ansiedade
e desnimo. Uma palavra de particular amizade para a Alice, a Adelaide, a
Isabel Portela, o Hermnio e o Carlos pela fora, confiana e apoio
incondicional manifestados.
minha famlia pelos momentos de que os privei da minha companhia, em
particular minha me, meu marido, irms e os mais novos Gabriela, Adriana,
Rafael e Henrique
Estou ainda grata Escola Superior de Educao do Instituto Politcnico de
Bragana que permitiu e apoiou a frequncia do Doutoramento.
A todas as crianas e, em particular, quelas que, atravs da sua famlia e
educadores, contriburam para este trabalho.
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vi
palavras-chave
Educao de infncia; saberes bsicos; formao de educadores;
competncias profissionais; interaco instituio pr-escolar e famlia.
resumo
O estudo Educao de Infncia como tempo fundador: Repensar a
Formao de Educadores para uma aco educativa integrada inscreve-se
no processo de reflexo acerca das finalidades da educao bsica e da
qualidade da formao e da interveno dos profissionais de educao de
infncia.
Considerando as condies de instabilidade, crescente insegurana e grande
imprevisibilidade que caracterizam as sociedades contemporneas e,
considerando tambm, os avanos cientficos que vm ocorrendo nas ltimas
dcadas, fundamentando e alertando para a importncia decisiva das
aprendizagens realizadas na Infncia nos processos de desenvolvimento
subsequentes, releva-se neste estudo a necessidade de dar continuidade e
aprofundar essa reflexo procurando responder, tambm pela investigao,
aos desafios que as mudanas sociais suscitam. Nesta linha e tendo como
referente o significado que, em termos de estruturao identitria pessoal e
colectiva, reconhecido educao de infncia, enquanto contexto primeiro
de educao bsica e complementar da aco educativa da famlia, o principal
objectivo do estudo consiste em aprofundar o conhecimento acerca da
natureza e qualidade dos saberes bsicos a promover na educao pr-
escolar e das competncias reconfiguradoras do perfil de desempenho
profissional dos educadores de infncia para que, em articulao com as
famlias das crianas, se tornem facilitadores do seu desenvolvimento, no
quadro de uma ampla perspectiva de cidadania e de sucesso para todos.
Os eixos investigativos que se cruzam no estudo pressupem uma dimenso de pesquisa (terica, documental e emprica) de natureza complexa, na qual, se procura tornar compreensveis as interaces entre os participantes anteriormente referidos, no sentido de uma possvel coerncia conceptual e funcional, que regule e sustente a qualidade dos processos de desenvolvimento. Do ponto de vista metodolgico, a investigao inscreve-se numa abordagem de natureza qualitativa, de matriz complexa e com caractersticas de estudo de caso, centrado nos processos de formao e de interveno dos educadores de infncia em exerccio de funes, no distrito de Bragana. No sentido de construir uma viso integrada do objecto de estudo foi desenvolvida uma reviso temtica de literatura e de anlise documental e, na dimenso emprica do estudo, foram promovidos processos mistos de recolha de dados, com recurso inquirio por questionrio e por entrevista (semi-estruturada).
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vii
resumo (cont.) A inquirio por questionrio foi feita a 229 educadores de infncia e a 1340 pais (ou seus representantes), das crianas que frequentavam a educao
pr-escolar e a entrevista a 6 educadoras, que integravam os conselhos
executivos dos Agrupamentos de Escolas e, cujas funes de gesto e
administrao, lhes permitiam ter uma perspectiva mais global das
problemticas em estudo. Os instrumentos de recolha e de anlise da
informao foram validados de modo a garantir-lhes fiabilidade e credibilidade.
Os resultados do estudo podem ser lidos em dois nveis, considerando a sua
abrangncia e especificidade. Num primeiro plano, numa leitura mais global e
transversal s questes em estudo e, num segundo plano, como enfoque mais
especfico em funo de quatro dimenses temticas decorrentes do quadro
de fundamentao terica e organizadoras do processo de reflexo e de
pesquisa. Assim, globalmente, os resultados confirmam a importncia que
todos os inquiridos reconhecem, quer s aprendizagens ocorridas na Infncia,
como factor importante no desenvolvimento pessoal e social das crianas ao
longo da vida, quer ao papel que, nele, os educadores e respectiva formao
(inicial e contnua) devem desempenhar.
Com algumas variaes, as representaes dos educadores de infncia e dos
pais inquiridos neste estudo, embora diferentes em algumas das questes
especficas, apresentam-se maioritariamente coerentes e prximas das
perspectivas tericas mais actuais, que consideram a natureza processual das
aprendizagens e a importncia que a qualidade dos contextos e das
transies, que neles ocorrem, assumem nos processos de desenvolvimento.
Ou seja, inscrevem-se na linha das teorias socioconstrutivista e ecolgica
tambm subjacentes s orientaes curriculares, ao nvel nacional e aos
quadros tericos de referncia, ao nvel internacional. Identificam a
aprendizagem da cidadania (ou do aprender a ser em sociedade) como o
saber mais estruturante a ser desenvolvido no conjunto da aco educativa e
perspectivam-na como processo de responsabilidade partilhada e cooperado.
Tratando-se de uma amostra extensa e de um distrito geograficamente
marcado pela interioridade, e sem esquecer que os dados se referem a
representaes expressas ao nvel dos discursos, importante reconhecer os
sinais de actualidade das perspectivas e das sugestes apontadas para dar
continuidade aos processos de desenvolvimento integrado de todos os
participantes no processo educativo.
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viii
resumo (cont.)
Ainda numa leitura global, as principais diferenas, genericamente observadas
entre educadores e pais, evidenciam, da parte destes, uma perspectiva de
cidadania mais restrita e, da parte dos educadores, uma viso mais alargada
do conceito. Com efeito, so os pais com mais elevada qualificao acadmica
que partilham com os educadores esta perspectiva ampliada e transformadora
de cidadania.
Numa leitura mais enfocada e mais detalhada, e tal como referido
anteriormente, os resultados podem ser lidos no cruzamento de quatro
dimenses que interligam as questes de pesquisa: os saberes bsicos, as
estratgias de interveno para o seu desenvolvimento; a formao e
interveno dos educadores de infncia e a identificao de competncias que
possam vir a aprofundarem a sua formao.
No que se refere aos saberes bsicos, e no obstante a ocorrncia de
variaes, quer quanto aos prprios saberes, quer quanto terminologia
usada, so considerados como fundamentais:
1. O aprender a ser na perspectiva do desenvolvimento da identidade;
2. O aprender a exercer a cidadania na linha da aprendizagem e da vivncia
democrtica na relao com o mundo e com o outro;
3. O aprender a aprender como ferramenta indispensvel aprendizagem ao
longo da vida;
4. O aprender a desenvolver o pensamento crtico, enquanto possibilidade
de criteriosa escolha pessoal entre alternativas possveis e
5. O aprender a comunicar como condio relacional inalienvel nos
processos de interaco com os contextos e com as pessoas.
A segunda dimenso tem a ver com as estratgias consideradas facilitadoras
do desenvolvimento destes saberes e so considerados trs nveis da
interveno educativa: a aco dos educadores propriamente dita, a
cooperao dos pais no processo de aprendizagem das crianas e a
interaco da instituio pr-escolar com os pais/famlia. A aco dos
educadores surge, tendencialmente perspectivada como facilitadora do
desenvolvimento dos saberes bsicos, embora em relao a algumas prticas
essa perspectiva surgisse pouco evidente e distingue-se quanto ao
desenvolvimento da aco e relao educativa, manifestando os educadores
mais experientes uma opinio mais favorvel. No que se refere cooperao
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ix
resumo (cont.)
dos pais no processo de aprendizagem das crianas, os resultados indicam
que a maioria dos pais manifesta uma opinio favorvel a prticas
configuradoras de um clima facilitador do desenvolvimento dos saberes
bsicos enunciados, mas variando os seus pontos de vista. So os pais de
habilitaes acadmicas mais elevadas, de idade intermdia e situados em
contexto urbano os que apresentam opinies mais favorveis.
Por fim, e no que diz respeito interaco com as famlias, os resultados
evidenciam uma opinio positiva com os meios de interaco utilizados, mas
deixando perceber a necessidade de melhorar o processo de cooperao,
manifestando os pais uma opinio menos positiva do que os educadores sobre
esse processo.
A terceira dimenso diz respeito s representaes sobre a formao e
interveno profissional dos educadores, evidenciando os resultados que a
maioria dos educadores atribuiu muita relevncia aos contributos do curso de
formao inicial para o desenvolvimento da maioria das competncias
necessrias para o seu desempenho profissional. Permitem ainda verificar que
os educadores de formao mais recente manifestaram uma opinio mais
favorvel desses contributos, quanto ao desenvolvimento de conhecimentos
em reas, tais como a matemtica, conhecimento do mundo e expresso
musical, o que significa um avano relativamente ao reconhecimento da
necessidade de fazer investimento nessas reas sugeridas em alguns estudos
e projectos. Quanto ao desenvolvimento da actividade profissional, os
resultados relevam que a maior preocupao dos educadores se centra em
torno do seu desempenho profissional e das condies de exerccio da
actividade profissional. No que se refere ao incio de carreira, esta ltima
dimenso assume maior evidncia, sendo ainda possvel perceber que a
entrada na vida profissional tem vindo a ocorrer, nos ltimos anos, atravs da
rede privada.
A quarta dimenso tem a ver com as competncias profissionais a
desenvolver pelos futuros educadores, e no obstante algumas diferenas nas
opinies manifestadas pelos trs grupos de participantes, surgem relevadas
competncias que a literatura e os perfis de desempenho profissional docente
apontam como devendo ser promovidas e includas nos programas de
formao de educadores de infncia/professores. Estas podem ser vistas,
quer numa dimenso geral relativa ao grupo docente, quer numa dimenso
mais especfica da interveno em educao de infncia, tal como
especificado ao longo do trabalho.
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x
keywords
Childhood Education; Basic Learning; Educators Course/Training; Professional Skills; Institutional Interaction between Nursery School and Family.
abstract
The research on Childhood Education as a Time of background: Teachers
training revisited aiming an educational and integrated action is enrolled
on a thoughtful process about the aims of Basic Education, as well as of the
training quality and the intervention of professional nursery school teachers.
Bearing in mind not only the conditions of instability, the growing insecurity and
the high unpredictability which describe the present-day societies, but also the
scientific developments that have been happening for the last decades, we
have to stress the need of going on, with this kind of quest, by searching for an
answer to the challenges that are caused by social changes. In this way, it is
necessary to support and to call the attention to the importance of the process
of learning through childhood, which often makes the difference in the inferred
processes of the development. So, it is emphasized that we need to follow up
with this reflexive work and get deeper in our conclusions, trying to respond, by
scientific research, to the challenges of these unstoppable social trends.
In this train of thought, by taking as reference the meaning that is
acknowledged to the childhood education (in terms of personal identity and
collective structuring) as both the first context of Basic Education and the one
that completes the educational action in the scope of family context, the main
target of this study is based on the effort of being an expert not only in the
knowledge of the nature and quality of Basic Learning, that must be promoted
in education of nursery school, but also into the skills that rearrange the profile
of the nursery school teachers professional performance, which is supposed to
be done in articulation with childrens families. We are positive that those skills
become facilitators of childrens development, taking into account a wide
perspective of citizenship and success for everyone.
The research axles, which are crossed in the study, imply a research
dimension (Theoretical and practical) of a complex nature, in which we try to
explain the interactions among the participants, mentioned above, aiming a
conceptual and functional coherence that can rule and bear the quality of the
children development processes.
In the methodological point of view the research follows a qualitative approach,
using a complex matrix and with case-study features, focused on training
processes and on the nursery school teachers intervention, who are working in
the district of Bragana.
In order to build an integrating perspective of the object in study; we have
developed a topic review concerning the bibliography and documents analysis,
as well. In what practical study is concerned, we have promoted mixed
processes of data collection, making use of resources such as: inquiries and
interviews (semi-structured).
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xi
abstract (cont.)
The enquiries were addressed to 229 nursery school teachers and to 1340 childrens parents or tutors, whose children were attending nursery school. The interview was carried out within 6 nursery school teachers who belong to their headmasters school office team and whose task of both management and administration enable them to have a global perspective of the issues to be studied. The collection and data analysis tools were both evaluated in order to make sure that this study can be trustful and believable. The study results can be understood at two levels, considering their wide range
and singularity. There is a first perspective, much more global and cross
curriculum to the issues of the study. In a second perspective, there is a more
detailed focus subordinated to four subject matters dimensions which are
underlying the context and basis of the study.
So, the major part of the results validate the fact that all the poles recognize the
importance of the learning process in childhood as an essential factor in the
personal and social growth of children along their lives. The studies also
confirm the idea that the teachers and their educational curriculum (in the
beginning and through professional life) play a crucial role in the childrens
development.
Although there are some differences, the concepts of both teachers and
parents who were inquired, are coherent and close to the most updated
theoretic perspectives, which are concerned with the nature of the process of
learning and the importance that is given to the quality of contexts and the
implied changes that occur in the development of children.
That is, these theories have to do with the social and ecological ones, which
are also obeying to curriculum guidance, at a national level and to the
theoretical frames of reference, at an international level. They identify the
learning of citizenship (How to be/behave in society), as the most structural
know how to be developed in the whole of the educational action; what is
more, they consider it as a process of responsibility that must be shared and
cooperative.
As it is a broaden sample and it is located in a district far away from the biggest
urban areas, adding to this that the data refers to concepts expressed ins
specific contexts and experiences, it is crucial to recognise the signs of the
points of view in current days and the given suggestions in order to follow up
with the integrated development processes of every participant in the
educational process.
Still, in a global understanding, the main differences generically spotted out by
teachers and parents, highlight a parents citizenship idea that is more limited
and, as teachers are concerned, a wider vision of that concept. In fact, the
parents who have a higher Education qualification are the ones that share this
wider and changing perspective of citizenship. If we try to focus and find
details, as it was said before, the results can be read by crossing four
dimensions that are linked to the research issues: Basic Learning; the
Interventional Strategies for its Development; the Training and evolvement of
nursery school teachers and the identification of skills which can be useful to
improve their training.
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xii
abstract (cont.)
In what concerns the Basic Learning, though there are variables, either about
the learning itself or the used terminology, here are the most important:
1. know how to be, in the sense of identity development;
2. Learn how to live in society and use both the rights and duties as a
citizen, living in a democratic, multicultural society when ones is in
touch with the Other and Outer world;
3. Know how to learn as a vital tool in the lifetime learning;
4. Learn to develop critical thought, as an ability of establishing a
personal criteria to decide among possible choices;
5. Know how to communicate as a condition that is always present in
relationships no matter the contexts.
The second one is related with the strategies that are considered facilitators of
the development of this Basic Learning. The strategies are studied in three
levels of the educational intervention: The nursery school teachers, parental
cooperation in childrens learning process and the interaction within the
families. The teachers action appears with a tendency of being understood as
facilitator of the development of this basic learning, although in certain cases of
some praxis that perspective is not so emphasized and stands out easily at the
time of the action development and educational relationship. In this point, the
most experienced teachers support a more positive opinion.
Finally, concerning the interaction within the families, the results show the
evidence that there is a positive opinion about the means that are used, but
they let us realize that there are improvements to do in the field of cooperation,
being so, parents are more pessimistic than teachers in this topic.
The third dimension in analysis regards to the representations about training
and nursery school teachers professional activity. This part of the research
highlights the results that the majority of the teachers emphasize the
importance of the course to the development of the essential skills for their
professional performance. The results let us know that the most recent
trainings receive a more favorable evaluation concerning the areas such as
Math, Knowledge about the world and musical expression, which means that
theres a step forward regarding the recognition of the necessity of investing in
these areas that are suggested in some studies and projects. As far as
difficulties are concerned and the matters that worry more the teachers have to
do with their professional performance and with the conditions of work. About
the start of a career, this last dimension is greatly noticed and you can perceive
that the new teachers have only been finding places in private school, lately.
The fourth dimension has to do with the professional skills to be developed by
future teachers. Despite some disagreements, The group of teachers
emphasize the knowledge of curriculum orientations, the knowledge of
himself/herself, the ability of solving problems in new situations or
unpredictable ones and the learning skills throughout his/her life.
These positions can be taken into account either in a general dimension that
concerns the teachers or in a specific one related to the childhood education
intervention, as it is explained throughout this study.
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INDICE GERAL
xiii
Abstract . X
ndice de figuras ... XVII
ndice de quadros . XVII
ndice de grficos ........ XVII
ndice de Tabelas . XVIII
ndice do volume de Anexos em CD ROM .... XIX
INTRODUO . 1
Contextualizao e identificao do objecto de estudo .... 1
Organizao e apresentao do estudo ..... 5
PARTE I - ENQUADRAMENTO TERICO-CONCEPTUAL
CAPTULO UM
Educao de infncia: um tempo fundador no contexto das sociedades contemporneas ..... 7
Introduo ..... 7
1. Mudanas sociais e educao ....................... 7
2. Perfil desejvel de cidadania/contributos da educao para a sua (re)configurao .... 16
2.1. No horizonte de um conceito pluridimensional de cidadania ... 18
2.2. Ampliando o perfil de cidadania ..:.... 24
3. (Re)definindo o conceito de aprendizagem ao longo da vida .............. 29
3.1. Aprendizagem ao longo da vida: um abrir de fronteiras ... 34
4. Educar para o desenvolvimento humano sustentado .... 35
CAPTULO DOIS
Educao de infncia: um tempo fundador dos saberes bsicos e das modelizaes curriculares ..
Introduo ..... 39
1. Perspectivas sobre a educao de infncia ....... 39
1.1. Expectativas de educadores de infncia e de pais acerca da educao de infncia .. 45
2. A educao de infncia no sistema educativo: breve resenha histrica ............... 49
3. Educao de infncia: finalidades e saberes bsicos ........ 53
3.1. Finalidades da educao de infncia ..... 53
3.2. Saberes bsicos na primeira etapa da educao bsica . 57
3.2.1. O conceito de saberes bsicos .... 57
3.2.2. Saberes bsicos: contributos de estudos e relatrios .................. 59
3.2.3. Contributos das Orientaes Curriculares para um referencial relativo aos saberes bsicos 62
Resumo ... VI
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INDICE GERAL
xiv
4. Modelos e estratgias de desenvolvimento curricular ...... 67
4.1. Perspectiva transmissiva ........ 69
4.2. Perspectiva socioconstrutivista e ecolgica .. 72
4.3. Uma abordagem curricular integradora ......... 79
CAPTULO TRS
Educao de infncia: um tempo (re)fundador das interaces instituio pr-escolar/famlia ..
85
Introduo ..... 85
1. A educao de infncia e a famlia: uma viso integradora da aco educativa .................. 85
2. Interaco escola-famlia: uma abordagem complexa ..... 89
3. Estratgias de interaco instituio (pr)escolar-famlia .... 94
3.1. Contributos de alguns estudos sobre a interaco escola-famlia . 100
CAPTULO QUATRO
Educao de infncia: um tempo (re)fundador da identidade e da formao profissional .. 109
Introduo..... 109
1. A formao e desenvolvimento profissional de professores/educadores..... 109
2. Identidade profissional dos educadores/professores .... 115
2.1 Cultura(s) e especificidade(s) profissionais em educao de infncia ... 119
3. A formao de educadores de infncia no actual quadro legislativo .. 124
4. Perfil de competncia profissional para contextos de incerteza ...... 127
PARTE II - QUADRO METODOLGICO DO ESTUDO
CAPTULO CINCO
Enquadramento e opes .............. 137
Introduo ..... 137
1. Abordagem metodolgica ........ 137
2. Natureza do estudo ....... 139
3. Contextualizao do estudo .. 142
3.1 Identificao e delimitao do objecto de estudo.... 143
4. Questes e hipteses do estudo......... 145
5. Constituio da amostra ....... 147
6. Procedimentos e instrumentos de recolha e de tratamento da informao ...... 149
6.1. A inquirio por questionrio .... 150
6.1.1. Caractersticas dos questionrios ........ 155
6.1.2. Procedimentos de recolha e tratamento de dados ...... 158
6.1.3. Descrio das variveis... 159
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INDICE GERAL
xv
6.2. A entrevista .... 161
6.3. Anlise documental ....... 166
6.4. Procedimentos de anlise estatstica ..... 167
6.5. Anlise de contedo ...... 171
7. Validade(s) e credibilidade(s)... 174
PARTE III- ESTUDO EMPRICO
CAPTULO SEIS
Apresentao e discusso crtica dos dados dos questionrios .... 177
Introduo ..... 177
Apresentao e anlise crtica da informao ...... 177
1. Caracterizao da amostra inquirida por questionrio ..... 177
1.1. Caracterizao do grupo de educadores de infncia ..... 178
1.2. Caracterizao do grupo de pais ........ 182
2. Representaes dos educadores e dos pais das crianas ...... 187
2.1. Representaes sobre a educao pr-escolar: educadores e pais ..... 187
2.1.1. Finalidades da educao pr-escolar... 188
2.1.2 Saberes bsicos a desenvolver pelas crianas ..... 194
2.1.3. Factores de interferncia no desenvolvimento dos saberes bsicos: representaes dos
educadores .... 198
2.1.4.Estratgias de aprendizagem: representaes dos educadores .... 201
2.2. Papel dos pais/famlia na construo dos saberes bsicos a desenvolver pelas crianas . 212
2.3. Interaco instituio pr-escolar e pais/famlia ....... 219
2.3.1. Meios de interaco instituio pr-escolar e pais/famlia ..... 220
2.3.2. Cooperao solicitada aos pais/famlia ...... 225
2.3.4. Representaes dos educadores sobre o processo de interaco .... 229
2.3.4.1. Cooperao proporcionada pelos pais ..... 229
2.3.4.2 Experincias de interaco com pais 231
2.3.5. Representaes dos pais sobre o processo de interaco ... 238
2.3.5.1. Contedo(s) do processo de interaco ... 238
2.3.5.2. Expectativas sobre o contedo de interaco .. 239
2.3.5.3. Expectativas dos pais sobre os meios de interaco ........ 245
2.3.5.4. Conhecimento do que as crianas fazem e aprendem na educao pr-escolar .. 251
2.3.5.5. Regularidade do contacto dos pais com os educadores ... 259
3. Formao e a actividade profissional dos educadores .. 261
3.1.Contributos da formao inicial para o desempenho profissional ......... 261
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INDICE GERAL
xvi
3.2. Dificuldades profissionais ..... 264
3.2.1. Dificuldades sentidas em incio da actividade profissional .... 268
3.3. Estratgias para ultrapassar dificuldades e aprofundar saberes profissionais ... 272
4. Expectativas sobre a(s) competncia(s) e formao de educadores de infncia .. 275
4.1. Competncia(s) a desenvolver pelos futuros educadores de infncia: expectativas dos
educadores 275
4.2. Formao dos educadores de infncia: expectativas dos educadores ... 281
4.3. Competncia(s) a desenvolver pelos futuros educadores de infncia: expectativas dos pais .. 292
CAPTULO SETE
Apresentao e discusso crtica dos dados da entrevista .. 307
Introduo .... 307
Apresentao da informao recolhida .... 307
Bloco I. Caracterizao dos sujeitos participantes ... 308
Bloco II. Dificuldades profissionais e estratgias para super-las ... 311
Bloco III. Articulao curricular/continuidade educativa .... 326
Bloco IV. Linhas estratgicas de reconfigurao do perfil de desempenho profissional ... 332
CAPTULO OITO
Anlise transversal dos resultados: para articular perspectivas .... 349
Discusso global dos resultados ... 349
1. Saberes bsicos e estratgias para desenvolv-los ... 350
1.1. Saberes bsicos a desenvolver na educao pr-escolar ... 350
1.2. Estratgias para o desenvolvimento dos saberes bsicos .. 355
1.3. Papel dos pais/famlia na construo do saberes bsicos a desenvolver pelas crianas .. 358
1.4. Interaco instituio pr-escolar e pais/famlia: estratgias para uma aco educativa
integrador .... 360
2. Formao e competncias profissionais dos educadores de infncia ..... . 365
2.1. Formao e actividade profissional .... 365
2.2. Competncia(s) a promover e processos de formao de educadores de infncia 368
PARTE IV CONSIDERAES FINAIS
CAPTULO NOVE
Consideraes finais, limitaes e sugestes: para (re)pensar novos percursos .. 373
Introduo .... 373
1. Consideraes finais .... 373
2. Limitaes do estudo e orientaes para futuras investigaes ..... 382
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INDICE GERAL
xvii
2.1. Limitaes do estudo ........ 382
2.2. Sugestes para futuras investigaes .... 383
2.3. Implicaes do estudo a nvel institucional e pessoal ... 385
BIBLIOGRAFIA . 387
ANEXOS .
Anexo 1. Questionrio aos educadores
Anexo 2. Questionrio aos pais
Anexo 3. Guio da entrevista
NDICE DE FIGURAS
Figura 1- Configurao da interaco instituio (pr)escolar-famlia .. 88
Figura 2. Algumas determinantes socioculturais da educao familiar .. 101
Figura 3. Processos de construo e desenvolvimento profissional ... 113
Figura 4: Representao da localizao de cada Agrupamento de Escolas no contexto distrital 162
NDICE DE QUADROS
Quadro 1. Referenciais de aprendizagens bsicas para todos 66
Quadro 2. Dimenses do desenvolvimento curricular dos modelos transmissivos e
construtivistas e ecolgicos 78
Quadro 3. Referenciais de competncias para o desempenho profissional do educador/
professor . 134
Quadro 4. Estrutura da entrevista ... 165
Quadro 5. Caracterizao dos educadores membros dos conselhos executivos dos
agrupamentos de escola . 309
Quadro 6. Saberes bsicos a desenvolver na educao pr-escolar: viso transversal dos contributos
emergentes do estudo 352
Quadro 7. Competncias profissionais a desenvolver pelos futuros educadores de infncia:
viso transversal das sugestes emergentes do estudo 370
NDICE DE GRFICOS
Grfico1: Satisfao dos educadores com a cooperao proporcionada pelos pais/famlia 230
Grfico 2. Caracterizao do modo como os pais conhecem o que as crianas fazem e
aprendem em contexto na educao pr-escolar 252
Grfico 3. Regularidade do contacto entre pais e o educador de infncia . 259
-
INDICE GERAL
xviii
NDICE DE TABELAS
Tabela 1. Idade, tempo de servio e rede de enquadramento do grupo de educadores de
infncia ... 178
Tabela 2. Tempo de servio na actual instituio pr-escolar e rede nacional ... 180
Tabela 3. Situao profissional e rede nacional de educao pr-escolar .. 180
Tabela 4. Contexto sociogeogrfico de actividade profissional e rede de educao pr-escolar 181
Tabela 5. Idade e habilitaes acadmicas dos pais ... 182
Tabela 6. Actividade profissional dos pais . 183
Tabela 7. Rede de educao pr-escolar frequentada pelas crianas e grau de
parentesco que os respondentes tm com elas ... 184
Tabela 8. Contexto sociogeogrfico em que se integra a instituio frequentada pelo(a) filho(a) 185
Tabela 9. Idade com que as iniciaram a educao pr-escolar e idade actual .... 185
Tabela 10. Finalidades da educao pr-escolar em funo ... 188
Tabela 11. Saberes bsicos a desenvolver na educao pr-escolar . 195
Tabela 12. Factores de interferncia no desenvolvimento dos saberes bsicos ... 199
Tabela13. Estratgias de organizao dos espaos . 203
Tabela14. Planificao e avaliao da aco educativa . 205
Tabela 15. Aco e relao educativa 207
Tabela 16. Estratgias de interaco com os pais/famlia .. 209
Tabela 17. Resultados globais das representaes dos educadores sobre as estratgias de
aprendizagem . 211
Tabela 18. Acompanhamento da aco educativa .. 213
Tabela 19. Relao com a criana ...... 215
Tabela 20. Organizao do ambiente educativo . 216
Tabela 21. Resultados globais das estratgias de cooperao dos pais no processo de
aprendizagem das crianas . 218
Tabela 22. Meios de interaco utilizados na comunicao instituio pr-escolar e
pais/famlia: representaes de educadores e pais ......... 220
Tabela 23. Cooperao solicitada pela instituio pr-escolar aos pais, representaes de
educadores e pais .................................................................................................... 226
Tabela 24. Caracterizao da satisfao manifestada pelos educadores em funo da
cooperao solicitada aos pais 230
Tabela 25. Experincias de interaco com os pais/famlia ... 232
Tabela 26. Contedos abordados entre pais e educadores . 239
Tabela 27. Contedos que deveriam ser mais abordados entre pais e profissionais da
instituio pr-escolar 240
Tabela 28. Meios de interaco que deveriam ser mais utilizados para a partilha de
informaes e saberes entre a instituio pr-escolar e os pais/famlia .. 246
Tabela 29. Caracterizao do modo como os pais conhecem o que a criana faz e aprende
na educao pr-escolar . 253
-
INDICE GERAL
xix
Tabela 30. Cruzamento da regularidade do contacto dos pais com os educadores e
caracterizao do conhecimento do processo de aprendizagem pr-escolar... 260
Tabela 31. Contributos da formao inicial para o desempenho profissional .... 262
Tabela 32. Dificuldades colocadas pela prtica profissional em educao de infncia 266
Tabela 33. Dificuldades profissionais em incio da actividade profissional .. 270
Tabela 34. Caracterizao das estratgias utilizadas para ultrapassar as dificuldades
sentidas e aprofundar saberes profissionais 273
Tabela 35: Expectativas dos educadores acerca da(s) competncia(s) a desenvolver na
formao inicial 276
Tabela 36. Resultados globais de apreciao das dimenses de competncias profissionais. 280
Tabela 37. Sugestes sobre os saberes/competncias a promover para melhoria da
formao inicial de educadores de infncia e sua organizao .. 282
Tabela 38. Caracterizao global das sugestes dos educadores para melhoria da formao
inicial de educadores de infncia e sua organizao . 291
Tabela 39. Expectativas dos pais sobre as competncias a promover e processos de
formao dos educadores de infncia 293
Tabela 40. Caracterizao geral das expectativas dos pais sobre as competncia(s) a
promover e processos de formao dos educadores de infncia. 305
Tabela 41. Saberes bsicos a promover na educao pr-escolar indicados pelas educadoras
membros dos Conselhos Executivos dos Agrupamentos de Escolas 334
Tabela 42. Caracterizao geral das opinies das representantes dos Agrupamentos de Escolas
sobre as competncias a promover na formao dos educadores de infncia 340
Volume de ANEXOS em CD-ROM
Anexo 1. Instrumentos de recolha de dados
Anexo 2. Carta Conselhos Executivos e Directores das Instituies
Anexo 3. Tabelas 1 a 42 de resultados de anlise estatstica
Anexo 4. Transcrio das respostas das questes abertas dos questionrios
Anexo 5. Quadros 1 a 6 do sistema de categorizao dos dados relativos s questes de
resposta aberta dos questionrios
Anexo 6. Quadros 1 a 7 da anlise de contedo das respostas abertas dos questionrios
Anexo 7. Protocolos 1 a 6 das entrevistas e convenes de transcrio
Anexo 8. Quadro Sistema de categorizao da informao - Entrevistas
Anexo 9. Quadro de Anlise do contedo das entrevistas
-
INTRODUO
1
Um bom comeo vale para
toda a vida1
Contextualizao e fundamentao do estudo
Este estudo inscreve-se no processo de reflexo acerca das finalidades da educao
bsica, com particular incidncia na discusso acerca das perspectivas que informam e
determinam a natureza e a qualidade da formao e da interveno profissional dos
educadores de infncia, integrando a Rede de Cooperao Cientfica, Novos Saberes
Bsicos de todos os cidados no sculo XXI e novos desafios Formao de Professores,
do Centro de Investigao em Didctica2 e Tecnologia na Formao de Formadores
(CIDTFF), da Universidade de Aveiro.
Um dos pressupostos que informam esta rede tem a ver com as implicaes das
vertiginosas mudanas sociais, que caracterizam as sociedades contemporneas, no
deflagrar de novos saberes essenciais a todos os cidados e a urgncia de,
continuadamente, repensar a relao entre os sistemas sociais e os sistemas educativos,
nomeadamente quanto qualidade da formao dos agentes responsveis pelo
desenvolvimento humano, nas suas mltiplas dimenses. Congregando esta rede estudos
em todos os nveis de escolaridade, pretende-se, no caso presente, aprofundar esta mesma
questo no caso da Educao de Infncia, mais especificamente ao nvel da etapa educativa
pr-escolar.
Considerando as condies de instabilidade, crescente insegurana e grande
imprevisibilidade que caracterizam a contemporaneidade e, considerando tambm, os
contributos dos avanos cientficos que vm ocorrendo nas ltimas dcadas e que
fundamentam a importncia decisiva das aprendizagens nesta fase do desenvolvimento,
compreende-se a urgncia em dar continuidade e aprofundar a investigao na procura de
conhecimento, que permita enfrentar, com mais segurana, os desafios que as referidas
mudanas sociais suscitam.
Neste quadro, e tal como sugere o relatrio temtico conduzido pela OCDE (2006),
fundamental repensar o papel, as finalidades e as prticas educacionais de modo a que
1 Ministrio da Educao/Ministrio da Solidariedade e Segurana Social: Gabinete para a Expanso e
Desenvolvimento da Educao Pr-escolar (1997). 2 Na redaco do presente estudo utilizado o registo pr-acordo ortogrfico.
-
INTRODUO
2
possam promover nos educandos a criatividade e a abertura aos outros, num mundo
caracterizado pelas dinmicas de mudana, pela emergncia e pela diversidade. Como
tambm alerta Papadopoulos (2005), preciso ter em conta que para ser eficaz, a escola
deve apoiar-se nos anos decisivos da educao pr-escolar, buscando a colaborao
estreita de pais e comunidade (p. 26).
Importa, pois, compreender e aprofundar o conhecimento acerca da natureza dos
saberes e das aprendizagens estruturantes que se julgam promotores e facilitadores dos
percursos pessoais e educativos das crianas. Assim, e dada a relao de
complementaridade que esta etapa educativa assume com a aco educativa da famlia,
fundamental compreender tambm a dimenso educativa/formativa que a qualidade desta
relao assume nos processos de desenvolvimento.
Entre ns, tambm Cachapuz, S-Chaves e Paixo (2004) relembram que atravs
da formao de professores que se educam as crianas (p. 84), o que pressupe a
constante preocupao com o investimento na formao destes profissionais. Confirmando
esta ideia, Papadopoulos (idem) afirma que h um reconhecimento unnime de que um
corpo docente bem formado e motivado um elemento essencial de um ensino de
qualidade oferecido nos estabelecimentos escolares ou em qualquer outro mbito
estruturado (p. 28).
Nesta perspectiva, o principal objectivo deste estudo consiste em aprofundar o
conhecimento acerca da natureza e qualidade dos saberes bsicos a promover na
educao pr-escolar e das competncias reconfiguradoras do perfil de desempenho
profissional dos educadores de infncia para que, em articulao com as famlias das
crianas, se tornem facilitadores do seu desenvolvimento, no quadro de uma ampla
perspectiva de cidadania e de sucesso para todos. Em concordncia, pretendemos saber:
1. Quais os saberes a desenvolver na educao pr-escolar para que sejam construdas,
pelas crianas, as estruturas basilares de uma educao e formao ao longo da vida?
2. Quais so as representaes dos educadores de infncia relativamente:
2.1. Aos saberes bsicos?
2.2. s estratgias para o seu desenvolvimento?
2.3. Aos contributos/limitaes da formao inicial para o seu desempenho
profissional?
3. Quais so as representaes dos pais relativamente:
3.1. aco educativa pr-escolar?
-
INTRODUO
3
3.2. Ao seu prprio papel na construo dos saberes bsicos a desenvolver pelas
crianas?
4. Que competncias promover na formao dos futuros educadores de infncia para que
estes profissionais se tornem facilitadores da construo de ambientes educativos
favorveis ao desenvolvimento dos saberes considerados bsicos?
De um modo que nos parece coerente, os objectivos especficos que nortearam o
processo investigativo apresentam-se formulados para cada uma das dimenses que
atravessam a problemtica em estudo:
1. Identificar a natureza dos saberes bsicos a construir pelas crianas ao nvel da
pr-escolaridade.
2. Analisar as representaes dos educadores de infncia acerca das aprendizagens
curriculares a realizar pelas crianas em idade pr-escolar e das estratgias para
desenvolv-las.
3. Identificar as concepes e prticas/modelos de formao que informam as
prticas desenvolvidas pelos educadores de infncia.
4. Analisar as representaes e expectativas dos pais quanto s aprendizagens a
realizar na educao pr-escolar e ao papel que lhes cabe assumir no
desenvolvimento das mesmas.
5. Aprofundar a natureza do perfil de competncias a promover na formao dos
futuros profissionais de educao de infncia.
Em sntese, o estudo pretende cruzar a reflexo sobre os saberes bsicos, entendidos
como competncias fundacionais coerentemente integradas e consideradas fundamentais
para aprender ao longo da vida e para o exerccio activo e responsvel da cidadania, a
natureza das estratgias que podem favorecer o seu desenvolvimento e o perfil de
competncias a desenvolver pelos futuros educadores de infncia para que se tornem
potencialmente capazes de concretizar esse desgnio.
Admite-se, assim, como hiptese geral que importante compreender quais as
competncias configuradoras do perfil de desempenho profissional, que contemple a
articulao da instituio (pr)escolar e da famlia, ou seja, que englobe uma viso
ecolgica dos sistemas enquadradores da infncia.
-
INTRODUO
4
A natureza sistmica, que pretende organizar de forma integrada esta tripla dimenso
do estudo situa-o no mbito de uma perspectiva investigativa de matriz complexa (Le
Moigne, 1999); S-Chaves, 2002; Ambrsio, 2004; Caetano, 2004; Morin, Motta &
Ciurana, 2004).
Do ponto de vista metodolgico a investigao inscreve-se numa abordagem de
natureza qualitativa (Bogdan & Biklen, 1994), de matriz interpretativa, com caractersticas
de estudo de caso (Yin, 2005; Stake, 2007), centrado nos processos de formao e de
interveno dos educadores de infncia em exerccio de funes no distrito de
Bragana e recorre a mtodos mistos de recolha de dados (Johnson & Onwuegbuzie, 2004;
Miles & Huberman, 2005).
Quanto aos procedimentos metodolgicos, o estudo integrou a construo, validao
e aplicao dos instrumentos de recolha de dados, que incluem a inquirio por
questionrio a 229 educadores de infncia e a 1340 pais/famlia3 das crianas que
frequentavam a educao pr-escolar. A opo por um estudo desta natureza inscreve-se na
inteno de aprofundamento do estudo exploratrio4, que realizmos no mbito da
investigao do curso de Mestrado5, sobre a situao da educao pr-escolar em trs
concelhos deste mesmo distrito.
Assim, no presente estudo pretendemos conhecer as representaes6 dos educadores
e dos pais/famlia das crianas sobre a educao pr-escolar e sobre as possibilidades de
enriquecimento da interaco entre uns e outros, questo que no estudo anterior deixou em
aberto espao a novas interrogaes. J com o objectivo de recolher elementos que
permitissem aprofundar algumas das questes emergentes da anlise da informao
3 O termo pais inclui, no presente estudo, um significado abrangente reportando-se no apenas aos
progenitores biolgicos (pai e me), mas tambm aos encarregados de educao, familiares ou outros com
responsabilidades na educao e cuidado das crianas e que se constituem como interlocutores junto da
instituio (pr)escolar. Da que, com igual sentido, seja utilizado o termo famlia. 4 Nesse estudo procedemos caracterizao da situao da educao pr-escolar em concelhos do distrito de
Bragana, nomeadamente Bragana, Mogadouro e Mirandela. 5 Sanches, A (1998). Educao pr-escolar: Novas concepes de formao para contextos
sociologicamente instveis e pouco previsveis. Tese de Mestrado. Universidade de Aveiro. 6 No sentido de explicitar o que pode entender-se por representaes, importa considerar que, de acordo com
Ana Silva (2003), e tomando a autora por referncia vrias definies de representaes sociais, se trata de
um fenmeno psicossocial complexo e multidimensional, no qual se entrecruzam noes de natureza
sociolgica, incluindo ideologias, culturas, normas e valores e noes de natureza psicolgica que tm a ver
com as imagens, pensamentos, opinies e atitudes. Como afirma a autora (idem) as representaes
estruturam-se por referncia no s s teorias cientficas, mas tambm aos grandes eixos culturais,
ideologias formalizadas, condies sociais de existncia do sujeito e experincias de vida quotidiana. So em
sntese, produto e processo de uma actividade de apropriao da realidade exterior ao pensamento e de
elaborao psicolgica dessa realidade pelo sujeito, articulando dinamicamente instncias sociolgicas e
psicolgicas (p.80).
-
INTRODUO
5
recolhida por questionrio e obter uma outra perspectiva sobre as questes em estudo,
foram feitas entrevistas semi-estruturadas (Pardal & Correia, 1995; Eisman, 1998)
dirigidas a seis educadores de infncia, membros dos conselhos executivos de
Agrupamentos de Escolas7.
Quanto s tcnicas e instrumentos de organizao e anlise da informao recolhida
privilegiaram-se, para anlise das questes de resposta aberta do questionrio e das
entrevistas, a anlise de contedo (Bardin, 1995; Quivy & Campenhoudt, 1998; Giglione
& Matalon, 2001; Esteves; 2006) e para questes fechadas e semi-fechadas, procedimentos
estatsticos (Pardal & Correia, 1995), com recurso ao software SPSS (Muijs, 2004;
Maroco, 2007).
Complementarmente, foi desenvolvida uma consulta documental da legislao e de
outros documentos pertinentes educao de infncia e formao de educadores no
sentido de aceder a um tipo de informao que contextualizasse o estudo do ponto de vista
normativo aos nveis nacional e internacional.
Organizao e apresentao do estudo
O estudo encontra-se organizado em quatro partes interligadas, atravs das quais se
procura fundamentar e caracterizar o projecto de investigao desenvolvido.
A primeira parte apresenta o enquadramento terico-conceptual do estudo e
inclui quatro captulos. No primeiro, e atravs de uma reviso de literatura tematicamente
seleccionada, procuramos conhecer a natureza e caractersticas das mudanas nas
sociedades contemporneas e quais as suas implicaes na educao, no quadro dos seus
contributos para o desenvolvimento de um perfil desejvel e ampliado de cidadania, de
aprendizagem ao longo da vida e de desenvolvimento humano sustentado. No segundo
captulo damos relevo s principais perspectivas e caractersticas que procuram configurar
o desenvolvimento da educao de infncia, ao conceito de saberes bsicos e aos modelos
e estratgias de desenvolvimento e respectivos contributos para uma viso integradora da
abordagem curricular. Procurando ampliar esse sentido, procedemos no terceiro captulo a
um conjunto de reflexes que dizem respeito a estratgias de interaco com a famlia, no
quadro de uma perspectiva que englobe a dimenso formal, no formal e informal da aco
educativa. Por fim, no quarto captulo centramos a reflexo nas questes da formao e do
7 Os critrios de seleco dos sujeitos entrevistados encontram-se explicitados no captulo cinco.
-
INTRODUO
6
perfil de competncias a desenvolver para uma interveno em contextos de natureza
incerta, tal como hoje se apresentam e tendero a apresentar-se no futuro.
A segunda parte refere o enquadramento metodolgico do estudo e integra um
nico captulo (cinco), no qual procedemos fundamentao da abordagem metodolgica,
da natureza do estudo, delimitao das questes e hipteses de investigao. Procuramos,
ainda, explicitar os mtodos e tcnicas de recolha de dados adoptados, bem como os
processos de construo, validao e aplicao dos instrumentos utilizados e os
procedimentos para o seu tratamento e anlise e, ainda, para garantir a sua validade e
credibilidade.
A terceira parte corresponde dimenso emprica do estudo e constituda por
trs captulos, nos quais se procede apresentao e descrio crtica dos dados. No
captulo seis apresentam-se os dados obtidos atravs dos dois questionrios, dirigidos,
conforme j referido, um a educadores e outro aos pais das crianas. No captulo sete
apresentam-se e discutem-se os dados obtidos a partir da entrevista que, como tambm
referimos, foi dirigida a educadores membros dos conselhos executivos dos Agrupamentos
de Escolas do distrito. No oitavo captulo, procedemos leitura cruzada dos resultados
obtidos atravs dos questionrios e das entrevistas, tendo por referncia as questes e
objectivos do estudo.
Por fim, na quarta parte apresentam-se as consideraes finais do estudo, numa
das possveis leituras globais dos resultados, procurando uma viso coerente entre o
enquadramento terico e metodolgico e os contributos do estudo emprico. Apresentam-
se ainda algumas limitaes encontradas, bem como possveis sugestes para futuros
estudos, que possam dar continuidade reflexo e produo de conhecimento nas reas
que configuram este estudo.
-
PARTE UM ENQUADRAMENTO TERICO-CONCEPTUAL
CAPTULO UM Educao de infncia: um tempo fundador
no contexto das sociedades contemporneas
7
Introduo
Neste captulo comeamos por caracterizar, num quadro de complexidade, algumas das
transformaes de natureza cultural, econmica, poltica e social e as inerentes
incertezas com que as sociedades actuais se confrontam, bem como os desafios e
exigncias que essas mesmas mudanas colocam aos sistemas educativos.
De seguida fazemos uma reflexo acerca das questes relacionadas com a aprendizagem
da cidadania, procurando equacionar as dimenses a considerar no desenho de um perfil
amplo, que sustente os fundamentos de uma construo identitria promotora de um
tipo de participao activa e responsvel na comunidade ou, no dizer de Morin, Motta e
Ciurana (2004), um conceito de cidadania que pode entender-se na relao do local ao
universal.
Reflectimos tambm sobre os modos de encarar a aprendizagem para que cada qual
possa continuar a desenvolver-se ao longo da vida, desde a mais tenra infncia e, dentro
das suas efectivas capacidades e possibilidades, realizar com sucesso a sua vida pessoal,
social e profissional, no quadro de um desenvolvimento humano sustentado.
1. Mudanas sociais e educao
As mudanas substanciais ao nvel das formas de vida, de trabalho e de convivncia,
com que as sociedades actuais se confrontam, requerem respostas dos sistemas educativos
e formativos que permitam a construo de saberes capazes de estimular o
desenvolvimento de novas concepes e prticas de cidadania promotoras de mais
elevados nveis de coeso social e de sucesso para todos.
Para uma melhor compreenso da natureza e ritmo com que ocorrem essas mudanas
e das suas implicaes na educao e na formao, torna-se importante tomar em
considerao as possibilidades de mudana definidas por Fernndez Enguita (2004, 2007)
como de tipo suprageracional, intergeracional e intrageracional. Estes tipos de mudana
correspondem, segundo o autor (idem), a trs pocas diferentes da histria da humanidade,
apesar da passagem de uma a outra no ser datvel com grande preciso e de diferentes
grupos sociais poderem, numa mesma sociedade, pas ou regio encontrar-se em diferentes
fases do processo de modernizao. Importa, assim, efectuar uma breve abordagem a cada
um desses tipos de mudana.
O conceito de mudana suprageracional reporta a um conjunto de transformaes,
que no so perceptveis de uma gerao para outra, por decorrerem de forma lenta e
incidirem em dimenses com pouca evidncia para grande parte da populao. Refere-se
s mudanas que caracterizam as sociedades primitivas ou pr-industriais, encaradas estas
como contextos estveis, pelo que uma gerao, ao crescer, deveria integrar-se no
-
PARTE UM ENQUADRAMENTO TERICO-CONCEPTUAL
CAPTULO UM Educao de infncia: um tempo fundador
no contexto das sociedades contemporneas
8
ambiente sociocultural da gerao anterior. A tarefa educativa era assumida pela famlia ou
comunidade imediata e o papel dos agentes educativos determinado pela sua idade e
experincia e no por uma formao especializada. A funo da educao era, neste
contexto, de reproduo da estrutura social e dos saberes dominantes.
Por sua vez, o conceito de mudana intergeracional diz respeito a transformaes
que se tornam claramente perceptveis de uma gerao para outra, ainda que estas ocorram
em diferentes momentos e geraes. Trata-se de mudanas que caracterizam as sociedades
modernas e em que as geraes mais velhas j no podem introduzir as mais novas no
ambiente cultural que as espera, passando a famlia a partilhar a tarefa educativa com
outras instituies, nomeadamente a escola e agentes educativos especficos, imbudos de
poder para assumir a referida tarefa. Nesta perspectiva a formao e crditos iniciais
obtidos pelo professor so encarados como suficientes para lhe assegurar o estatuto de
membro das foras vivas da sociedade (Fernndez Enguita, 2007, p. 32), sem que tenha
de demonstr-los e revalid-los no decurso da actividade profissional.
Por fim, o conceito de mudana intrageracional refere-se aos processos de
transformao que ocorrem de forma rpida, generalizada e intensa, tornando-se
perceptvel dentro da mesma gerao e abrangendo dimenses fundamentais da
experincia humana, tais como a economia, a poltica, a cultura, a famlia, a cidade, entre
outras. Trata-se de um tipo de mudana que leva as sociedades actuais a confrontarem-se
com um clima de crescente incerteza, instabilidade e imprevisibilidade de situaes e
problemas e com a necessidade de criar respostas educativas e formativas capazes de
ajudar todos a acompanharem e a enfrentarem, de forma positiva e responsiva, uma
realidade que muda continuamente e se apresenta cada vez mais complexa.
Reconhecendo a complexidade e abrangncia do cenrio de mudana merecem
reflexo os desafios e condicionalismos decorrentes do fenmeno de globalizao
emergente, da transformao na natureza do mercado de trabalho, da evoluo das
tecnologias da comunicao e informao, da evoluo demogrfica e da reorganizao da
estrutura familiar, entre outros.
Quanto ao fenmeno de globalizao1, como afirma Gimeno Sacristn (2003),
entende-se a interligao que existe entre pases ou diferentes partes do mundo,
1 O conceito de globalizao no consensual (Gimeno Sacristn, 2003; Sarmento et al. 2004; Morgado &
Ferreira, 2006), porm, ningum pe em dvida que vivemos num mundo cada vez mais globalizado e que
-
PARTE UM ENQUADRAMENTO TERICO-CONCEPTUAL
CAPTULO UM Educao de infncia: um tempo fundador
no contexto das sociedades contemporneas
9
intercambiando-se as formas de viver das suas gentes, o que estas pensam e fazem,
gerando-se interdependncias aos nveis da economia, defesa, poltica, cultura, cincia,
tecnologia, comunicaes, hbitos de vida, formas de expresso, etc. (p. 91). Trata-se de
uma dinmica de natureza multidimensional e complexa, em franca expanso, influenciada
largamente pelos desenvolvimentos cientficos e tecnolgicos e pela abertura das fronteiras
livre circulao de informao, pessoas e produtos, a nvel mundial. Essa dinmica tem
vindo a tornar as sociedades, por um lado, mais interculturais e, por outro, mais plurais.
Tem vindo ainda, a favorecer a debilitao do protagonismo dos Estados nacionais,
enquanto entidades reguladoras dos interesses e das relaes econmicas, sociais e
culturais de um determinado pas, cujos efeitos se fazem sentir em diversos sectores, com
particular evidncia na educao e formao (Morgado & Ferreira, 2006)2. Releva-se, neste
sentido, o papel determinante que certas entidades supranacionais, como por exemplo a
OCDE e a UNESCO3, tm vindo a exercer na construo de uma corrente de pensamento
sobre educao e polticas educativas, atravs de estudos e publicaes, com directrizes,
indicadores de comparabilidade e recomendaes nos quais cada Estado pode apoiar-se
para promover iniciativas facilitadoras do acesso a nveis superiores de qualidade e de
eficincia dos seus sistemas de educao e de formao. A Unio Europeia exerce, por sua
vez, outro tipo de poderes regulatrios, entre os seus Estados-membros, definindo reas
prioritrias comuns de interveno e estratgias de actuao, num quadro de construo de
um Espao Europeu de Educao.
Todavia, o processo de globalizao tem sido acompanhado do crescimento da
insegurana, o que, como lembra Hargreaves (2003, citando Vail, 1999), tem efeitos
fortemente destrutivos sobre o potencial humano e sobre a justia social, dando origem a
nveis elevados de medo, de ansiedade, de falta de esperana e de sentimentos de
impotncia em relao aos mltiplos e complexos problemas, que as sociedades
contemporneas enfrentam. Esses sentimentos so experienciados pela crescente
estamos perante um fenmeno que atingiu propores impensveis at h bem poucos anos (Morgado &
Ferreira, idem), realando Morin, Motta e Ciurana (2004) tratar-se de uma dinmica multidimensional, ou
seja: ecolgica, cultural, econmica, poltica e social, tudo isto numa relao de interdependncia mtua (p. 69). 2 Segundo os autores a expresso de Estado nacional utilizada no sentido que lhe confere Antnio Vitorino
(2003, citado por Morgado & Ferreira, 2006) para referir no o estado que corresponde a uma nao, mas o
Estado que corresponde ao poder de um povo, autnomo, soberano num determinado territrio (p. 62). 3 Trata-se de organizaes internacionais (OCDE - Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento
Econmico; UNESCO - Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura) que, apesar
da sua importncia e poder de influncia na orientao das polticas educativas dos Pases-membros ou ainda
para alm deles, no assumem um papel regulador de cariz aplicativo ou prescritivo.
-
PARTE UM ENQUADRAMENTO TERICO-CONCEPTUAL
CAPTULO UM Educao de infncia: um tempo fundador
no contexto das sociedades contemporneas
10
instabilidade no emprego, a devastao ambiental, as ameaas de crime e destruio
terrorista, o colapso das redes de segurana social, a eroso do apoio comunitrio e das
relaes interpessoais. De acordo com Torres Santom (2006) esse clima de incerteza e de
insegurana estende-se tambm s escolas e ao trabalho dos professores, tal como a
comunicao social tem vindo a ilustrar com grande frequncia.
O modo como esses problemas so percebidos e conceptualizados depende dos
cdigos culturais de cada qual, pelo que os desafios que a globalizao coloca consistem
em repensar o modo como devemos conduzir a nossa vida e o tipo de mundo para o
qual devem ser educadas as novas geraes. Segundo Hargreaves (2003) a ateno deve
ser colocada na criao de relaes interpessoais e de interesse pela comunidade e pela
vida pblica, favorecendo o desenvolvimento de uma identidade cosmopolita e de uma
responsabilidade humanitria na comunidade nacional e mundial, tal como o recente
processo de salvao dos mineiros do Chile4 constitui um claro exemplo deste lado
melhor da globalizao.
No que diz respeito actividade econmica, a acelerada e profunda transformao
tecnolgica, a globalizao e a forte competio pela conquista dos mercados tm vindo a
alterar os modos de produo e de organizao do trabalho (Tedesco, 2000) e as relaes
entre os trabalhadores. O contexto em que a actividade produtiva se move tornou-se,
tambm ele, visivelmente mais competitivo, incerto e imprevisvel, exigindo uma fora de
trabalho cada vez mais qualificada, produtiva e flexvel. As garantias de um emprego
estvel para toda a vida tendem a desaparecer e a aumentar os vnculos contratuais
precrios e os nveis de desemprego, provocando a necessidade de uma contnua
(re)construo de saberes e de elevao do nvel de qualificaes para que a populao
activa possa aceder a melhores oportunidades de empregabilidade, progresso, mobilidade
profissional e de realizao pessoal. Por sua vez, observa-se um prolongamento da idade
de acesso aposentao, o que faz com que se ampliem as necessidades de uma continuada
actualizao e renovao de saberes. Da que, mais do que em tempos passados, a
aprendizagem seja encarada, hoje, como uma necessidade contnua e o conhecimento
como um recurso essencial para enfrentar a competitividade econmica internacional
4 Designao que reporta ao caso de mobilizao global de esforos para salvar o grupo de 33 mineiros que, no
dia 5 de Agosto/ 2010 ficaram presos a 700 m de profundidade, numa mina situada no deserto do Atacama -
Chile.
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PARTE UM ENQUADRAMENTO TERICO-CONCEPTUAL
CAPTULO UM Educao de infncia: um tempo fundador
no contexto das sociedades contemporneas
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(Comisso das Comunidades Europeias [CCE], 2007)5 e para evitar a excluso social.
Atribui-se, por isso, grande nfase econmica (in)formao e qualificao dos
cidados, pela importncia que estes processos representam para o progresso das
sociedades e das pessoas a nvel individual. , assim, de considerar que a riqueza e a
prosperidade dependem, na actualidade, no tanto da produo, mas sobretudo da
capacidade que as pessoas possuem para inventarem e serem perspicazes na procura e
desenvolvimento de respostas, que acompanhem os desejos e as exigncias do mercado de
consumo e de produo. Como lembra Hargreaves (2003) vivemos numa economia
baseada no conhecimento, a qual no funciona assente no poder das mquinas, mas sim
no dos crebros o poder de pensar, de aprender e de inovar (p. 37). Por conseguinte, se
quisermos que as pessoas se integrem e tenham sucesso nestas novas economia e
sociedade, baseadas no conhecimento6, os sistemas educativos tm que favorecer o
desenvolvimento desse tipo de qualidades. Trata-se de competncias que no so de menor
importncia para garantir uma maior equidade, participao cvica, bem-estar, auto-estima
e realizao das pessoas (Miguns, 2007), pelo que nos parece razovel pensar que o
desenvolvimento das mesmas representa no apenas o investimento num capital
econmico, mas tambm num capital social (Altheit & Dausien, 2006). Torna-se,
ento, relevante o papel social e cultural da educao e da formao, quer no que diz
respeito ao desenvolvimento de cada um em ordem sua autonomia e convivncia social,
quer no que se refere integrao e uso social do conhecimento. , contudo, de considerar
que, tal como alerta Hargreaves (2003):
De um modo geral, as escolas no esto a preparar os jovens para trabalharem bem
na economia baseada no conhecimento, nem para viverem bem numa sociedade civil
dinmica. Em vez de promoverem a criatividade econmica, a integrao social,
muitas escolas esto a ser sufocadas pelos regulamentos e pelas rotinas de uma
estandardizao sem alma (p. 14).
Nesta linha de pensamento, e corroborando a opinio do autor, sublinhamos a
importncia de educar as novas geraes para alm da economia baseada no conhecimento,
o que implica favorecer o desenvolvimento de valores e de atitudes positivas, dar relevo
5 Considerando que vai ser feita referncia vrias vezes Comisso das Comunidades Europeias, passamos a
utilizar a sigla CCE ou CE, quando os documentos indicarem Comisso Europeia. 6 Segundo Hargreaves (2003) seria mais correcto utilizar a expresso sociedade da aprendizagem,
entendendo que uma sociedade baseada no conhecimento , realmente, uma sociedade da aprendizagem,
contudo, mantm a utilizao da expresso sociedade do conhecimento por esta se apresentar largamente
aceite (p. 16).
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PARTE UM ENQUADRAMENTO TERICO-CONCEPTUAL
CAPTULO UM Educao de infncia: um tempo fundador
no contexto das sociedades contemporneas
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aprendizagem emocional tanto quanto cognitiva, apostar no trabalho em parceria e em
grupo, cultivar uma inteligncia cosmopolita, que permita a cada um ser tolerante para com
as diferenas de raa, de gnero e que desperte a curiosidade, o desejo de aprender com os
outros e o sentido de responsabilidade para com os grupos excludos da prpria sociedade e
das outras (Hargreaves, 2003). Uma linha particular desta perspectiva assegura que tais
competncias devem ser desenvolvidas precocemente nos processos de desenvolvimento
humano integral.
Outra dimenso de mudana diz respeito acelerada evoluo das tecnologias de
informao e comunicao, com impacto no apenas ao nvel da produo de bens e
servios, como tambm ao nvel das relaes entre as pessoas escala mundial, permitindo
acumular e aceder rapidamente a um leque alargado de informao e comunicar, em tempo
real, sem entraves de distncia geogrfica e cultural. Sublinham-se, neste sentido, os
contributos da televiso, do telefone e da internet, entre outros meios de comunicao e de
informao, para esbater barreiras entre diferentes comunidades culturais (Fukuyama,
1999, citado por Day, 2004) e para revelar e observar os males que assolam o mundo
(Morin, Motta e Ciurana, 2004). Num mundo interligado, como o de hoje, emergem novas
possibilidades de aprendizagem e de relaes interpessoais, mas tambm novos riscos
sobre os quais se tem pouco controlo e que afectam, sobretudo, os utilizadores menos
preparados para processar e gerir criticamente a informao e o conhecimento que esses
meios (in)formativos disponibilizam. Importa, por isso, que os contextos educativos, em
particular a escola e a famlia, de acordo com os respectivos nveis de possibilidade e
responsabilidade, favoream o desenvolvimento de uma atitude crtica sobre as imagens e
valores a que hoje estamos expostos, como receptores e emissores de informao, no
sentido de ajudar as crianas e jovens a tornarem-se utilizadores conscientes e
responsveis dos meios tecnolgicos disponveis.
Ao nvel das transformaes demogrficas registam-se, hoje, novos fluxos
migratrios da populao mais jovem entre pases, bem como no interior de cada pas, de
contexto rural para os contextos urbano e medianamente urbano. Nas sociedades ocidentais
verifica-se, tambm, um decrscimo do ndice de natalidade, o que faz com que se d uma
crescente desertificao e envelhecimento de determinadas zonas rurais, como o que se
observa no interior do nosso pas. Da que, nestes contextos, as crianas tenham mais
probabilidades de crescerem isoladas de outras crianas (OCDE, in ME/DEB, 2000) e que
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PARTE UM ENQUADRAMENTO TERICO-CONCEPTUAL
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tenham de deslocar-se para fora do contexto de residncia para poderem frequentar a
escola, percorrendo por vezes distncias considerveis e estarem separadas da famlia
durante o dia7. Por outro lado, o crescimento populacional das cidades, bem como a
frequente mobilidade de rea de residncia e de trabalho fazem com que tendam a
desaparecer as pequenas comunidades tradicionais, onde todos se conheciam e as crianas
podiam sentir-se protegidas e seguras. Da que, o cuidar da criana, antes assumido sem
problemas por alguns elementos da famlia ou comunidade local, tenha passado a
constituir uma grande preocupao para muitas famlias.
Apesar das vantagens que a concentrao populacional urbana trouxe, como maiores
oportunidades, opes e a liberdade do anonimato, trouxe tambm, como anota Fernndez
Enguita (2004), riscos acrescidos, tais como a ausncia de regras e a violncia e ainda,
como refere Carneiro (2003), o aumento do desemprego e todo o conjunto de problemas
que lhe esto associados, como a pobreza e a excluso social.
Por sua vez, a integrao das mulheres no mercado de trabalho, o crescente nmero
de divrcios, de novas unies e de novas separaes, a frequente opo do casal por uma
unio de facto em vez do casamento, o aumento de famlias monoparentais, a redefinio
dos estilos de vida e as conquistas democrticas no campo dos direitos individuais
favoreceram uma profunda alterao do quadro de vida familiar e de relaes entre os seus
membros. E, tal como os membros adultos da famlia, tambm as crianas passaram a ser
encaradas como sujeitos a quem se deve proporcionar, dentro e fora da famlia,
oportunidades de realizao pessoal, autonomia, descoberta de si e da sua prpria
identidade (Almeida, 2004)8. Esse novo olhar sobre o direito de cada um definir a sua
prpria vida tem importantes consequncias na aco educativa familiar, favorecendo, de
acordo com Tedesco (2000), que os pais adoptem, em relao aos filhos, uma conduta
menos autoritria, menos impositiva (p. 39). Por outro lado, as crianas comeam a
frequentar a escola cada vez mais cedo e por um tempo mais alargado, o que, como refere
7 Veja-se o processo de Reordenamento da Rede Escolar, o que deu origem ao encerramento de muitas
escolas do 1 ciclo do Ensino Bsico e jardins-de-infncia de localidades rurais e concentrao de alunos
em determinadas escolas ou Centros Escolares. A este propsito considere-se o estudo referente nossa
dissertao de Mestrado (Sanches, 1998), no qual foi possvel observar que os baixos ndices de taxa de
natalidade em contexto rural do distrito de Bragana deixavam ver a necessidade de encontrar respostas pr-
escolares mais ajustadas s necessidades socioeducativas das crianas e famlias, bem como das realidades
sociogeogrficas em que se inseriam, no sentido de salvaguardar a possibilidade de usufrurem da frequncia
desta etapa educativa, o que nem sempre se verificava. 8 Para tal, muito contribuiu a aprovao da Conveno dos Direitos da Criana pelas Naes Unidas (1989).
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PARTE UM ENQUADRAMENTO TERICO-CONCEPTUAL
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no contexto das sociedades contemporneas
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Tomaz (2007) leva a famlia a transferir para esta instituio muitas das responsabilidades
que tradicionalmente lhe pertenciam, enquanto instncia de socializao primria (p. 11).
Trata-se de transformaes, que alguns interpretam como sintoma de crise da instituio
familiar, e que para outros tm um sentido adaptativo (Abreu-Lima, 2005), mas que,
independentemente do ponto de vista adoptado, tm importantes implicaes na educao
e cuidado das crianas.
Reflectindo sobre os factores que influenciam a qualidade do ambiento educativo
familiar, Bronfenbrenner (2005, retomando Bronfenbrenner & Morris, 1997) lembra que
os estudos recentes revelam que um dos factores mais perturbador na vida das famlias e
dos seus filhos a instabilidade crescente, a inconsistncia e a presso da vida familiar
quotidiana (p. 86). Acrescenta ainda, dizendo que essa tendncia tanto se manifesta nos
pases desenvolvidos como nos pases em vias de desenvolvimento, embora com origens
diferentes, mas com um efeito enfraquecedor semelhante nos processos e nos resultados
alcanados na educao das crianas. No entender do autor (idem) uma das principais
fontes de tenso e de perturbao na vida das famlias e das suas crianas assenta na
dificuldade em coordenar as exigncias do emprego e as necessidades da famlia.
Como resposta a este tipo de inquietaes, no podemos deixar de sublinhar algumas
medidas, que tm vindo a ser promovidas nos ltimos anos no nosso pas, tais como as que
integram o Programa designado pelo Ministrio da Educao de Escola a Tempo Inteiro,
com incio no ano lectivo de 2005/2006. Assinalamos, entre outras, a que define o
alargamento do horrio de funcionamento dos estabelecimentos escolares9, passando estes
a manter-se abertos at s 17h30m e no mnimo oito horas dirias sem prejuzo da normal
durao semanal e diria das actividades educativas na educao pr-escolar e curriculares
no 1 ciclo do ensino bsico (ponto 5)10
. Assim, para l da normal durao diria das
actividades educativas/curriculares passou a ser assegurado, na educao pr-escolar, o
desenvolvimento de actividades de animao e apoio famlia e no 1 ciclo do Ensino
Bsico as actividades de enriquecimento curricular, incidindo estas ltimas sobre o
domnio desportivo, artstico, cientfico, das tecnologias da informao e comunicao, de
ligao da escola com o meio, de solidariedade e voluntariado e da dimenso europeia da
educao. Essas actividades devem contemplar apoio ao estudo; ensino do ingls; ensino
9 Conforme o previsto no Despacho n 12591/2006, de 16 de Junho.
10 O horrio de funcionamento de algumas instituies pr-escolares vai para alm deste perodo, no sentido
de respostas s necessidades dos pais/famlia das crianas.
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PARTE UM ENQUADRAMENTO TERICO-CONCEPTUAL
CAPTULO UM Educao de infncia: um tempo fundador
no contexto das sociedades contemporneas
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de outras lnguas estrangeiras; actividade fsica e desportiva; ensino da msica;
experincias artsticas; e outras actividades que incidam nos domnios identificados (idem,
ponto 9). No podemos deixar de assinalar tambm, a determinao da plena ocupao
dos alunos do ensino bsico e secundrio durante o tempo de permanncia no
estabelecimento escolar (Despacho n 13599/2006, de 28 de Junho, art.s 1 e 12), pelo
que, no caso de falta do professor, esses tempos lectivos passarem a ser orientadas por
outro professor com formao adequada e, quando tal no for possvel, a serem ocupados
com actividades de enriquecimento e complemento curricular11
.
So de relevar os benefcios que apresentam estas mudanas no funcionamento das
instituies escolares, mas tambm as limitaes, como as que se referem ao facto de as
actividades de animao e apoio famlia no representarem, em muitos casos, novas e
diferentes oportunidades de recreao e socializao das crianas e de serem orientadas por
pessoal sem formao profissional adequada. No que se refere s actividades de
enriquecimento curricular, como sublinham Ferreira e Oliveira (2007), tm contribudo,
por um lado, para uma compartimentao do currculo do 1 ciclo do Ensino Bsico, sendo
organizadas com uma forte incidncia na aprendizagem de contedos escolares, em
detrimento da actividade ldica, da convivncia e da relao entre pares e comunidade
local e, por outro, para a precarizao da actividade profissional docente, pois, no s o
processo de contratao e remunerao dos professores, que as desenvolvem, obedece a
lgicas diferentes das previstas na carreira docente, como tambm so bastante mal pagas.
Por sua vez, muitas escolas no se encontram devidamente equipadas, em termos de
espaos e de materiais, para desenvolver essas actividades com a qualidade desejvel. Da,
ser importante e necessrio continuar a desenvolver novos esforos para que as medidas
implementadas, e outras que venham a ser institudas, contribuam para que as jovens
geraes possam usufruir de respostas educativas facilitadoras do bem-estar, integrao
social, sucesso e realizao pessoal e profissional de todos.
A concretizao dessa tarefa pressupe, necessariamente, que todos os cidados
possam usufruir de possibilidades de aceder a conhecimentos que fundamentem novas
atitudes e apropriao de valores orientados para um tipo de cidadania e construo
11
Trata-se de actividades orientadas em sala de estudo, clubes temticos, de uso das tecnologias da informao e
comunicao, de leitura, pesquisa bibliogrfica, desportivas, oficinais, musicais e teatrais (art. 12, n 8).
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PARTE UM ENQUADRAMENTO TERICO-CONCEPTUAL
CAPTULO UM Educao de infncia: um tempo fundador
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identitria coerentes e consistentes com o cenrio de mudana e de acrescida complexidade
com que a contemporaneidade se apresenta.
2. Perfil desejvel de cidadania/contributos da educao para a sua (re)configurao
O conceito de cidadania, desde finais da dcada de noventa do sculo passado, tem
vindo a ganhar uma crescente centralidade nos discursos e documentos orientadores das
polticas de educao e de formao, verificando-se, no entanto, alguma ambiguidade em
torno da sua definio (Azevedo et al., 2007). Uma ideia unificadora parece, no entanto,
estar nele contida, nomeadamente a de pertena a uma comunidade poltica, juridicamente
organizada, a qual confere s pessoas o poder de agirem como politicamente iguais
(Sanches & Seia, 2007)12
. Porm, a ideia de pertena comunidade, como tambm
anotam as autoras (idem), no unvoca nem linear e muito menos esttica, podendo
ganhar configuraes mltiplas e remeter para outras ideias, igualmente complexas, como
sejam as ideias de participao, como membro dessa comunidade, de identidade e de
relacionamento, sobre as quais podem ser feitas interpretaes mais restritas ou mais
alargadas da concepo de cidadania (pp. 71-72).
Numa interpretao mais restrita e tradicional da concepo de cidadania entende-se
a comunidade poltica organizada sob a forma de Estado-nao e a participao das
pessoas na vida comunitria orientada para a assuno de um mnimo de compromissos,
como sejam os que se referem ao exerccio do voto e ao cumprimento de obrigaes
fiscais. Por sua vez, a identidade percebida como um estatuto, que proporciona s
pessoas o sentido de pertena a uma comunidade poltica e lhes garante, legal e
juridicamente, igualdade de direitos e de obrigaes. O relacionamento entre as pessoas
entendido como orientado por valores, que induzem assuno de responsabilidades, num
quadro de aco local ou nacional, como as que se referem a aces de auxlio voluntrio.
De acordo com Tomaz (2007, retomando a ideia de Cogan, 1998), podendo ser
considerada ajustada uma perspectiva de cidadania mais centrada na dimenso nacional,
quando a realidade do mundo era mais simples, no o para a exigente e complexa
realidade do mundo contemporneo, pois, como vimos anteriormente, os Estados-nao
esto cada vez mais interdependentes, interligados, multiculturais e multilingues, o que
12
O facto de os cidados poderem agir como politicamente iguais, pressupe associar cidadania a ideia de
democracia, admitindo que nenhuma pessoa ou grupo seja legalmente privilegiado ou excludo.
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PARTE UM ENQUADRAMENTO TERICO-CONCEPTUAL
CAPTULO UM Educao de infncia: um tempo fundador
no contexto das sociedades contemporneas
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requer a adopo de uma perspectiva de cidadania mais ampla, no limitada s fronteiras
nacionais, e que tenha como quadro de referncia a declarao universal de Direitos
Humanos13
e a necessria participao de todos para promoo de um desenvolvimento
sustentado e equilibrado do mundo em que vivemos.
Assim, e numa interpretao mais ampla e alargada do conceito de cidadania, a
participao encarada no sentido de um envolvimento activo em iniciativas cvicas e
assuno de idnticas responsabilidades em relao aos problemas de natureza local e aos
de natureza global. Ainda de acordo com Tomaz (idem), a identidade percebida como a
tomada de conscincia de cada um como membro de mltiplas comunidades, que se
alargam num continuum do local, ao regional, ao nacional, ao multinacional, at ao global,
passando como cidado a possuir referenciais que remetem para vrias identidades, dando
a ideia de cidado nacional lugar ideia de cidado do mundo. Os factores identitrios
nacionais vo-se, assim, diluindo no confronto com os valores globais e transnacionais,
pelo que se torna aparentemente maior a necessidade de aprofundar e afirmar as
identidades regionais e grupais (Sanches & Seia, 2007). Como tambm sublinha Maj
(2002) importante que o cidado conhea bem as suas razes e contexto prximo, bem
como que tenha uma clara conscincia dos problemas globais e de que possvel deixar de
viver numa ilha isolada sem perder a identidade local. Enfatiza-se, assim, um
relacionamento norteado por valores, que favoream o bem comum e se traduzam em
aces que contribuam para uma diminuio progressiva das desvantagens sociais e a
promoo de esperana, paz e uma superior qualidade de vida para todos os cidados do
mundo, no quadro de uma efectiva igualdade de direitos, mas tambm de deveres
humanos.
Nesta linha de pensamento pode entender-se o conceito de cidadania planetria
desenvolvido por Morin, Motta e Ciurana (2004) e de cidadania mundial expressa nos
documentos da ONU, de 2