manual coop ju rid intern penal

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MINISTÉRIO DA JUSTIÇA SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA DEPARTAMENTO DE RECUPERAÇÃO DE ATIVOS E COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL 2012 MANUAL DE COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL E RECUPERAÇÃO DE ATIVOS COOPERAÇÃO EM MATÉRIA PENAL

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  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 1COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2012 1

    MINISTRIO DA JUSTIA

    SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL

    2012

    MANUAL DE COOPERAOJURDICA INTERNACIONAL E

    RECUPERAO DE ATIVOS

    COOPERAO EM MATRIA PENAL

  • 2 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 2 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    Ministro da Justia Jos Eduardo Cardozo

    Secretria Executiva do Ministrio da Justia Mrcia Pelegrini

    Secretrio Nacional de Justia Paulo Abro Pires Junior

    Diretoria do Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Jurdica Internacional - DRCI Ricardo Andrade Saadi - Diretor Camila Colares Bezerra - Diretora-Adjunta

    Equipe da Coordenao-Geral de Recuperao de Ativos Lvia de Paula Miranda Pereira CoordenadoraAna Paula da Cunha CoordenadoraCristina Borges MarianiEliane de Souza SilvaMarina Santos Rodrigues

    Apoio Gisele Rodrigues de SousaHenrique Gonalves Lima

    Colaboradores Andr Lartigau WainerJuliana Salh BatistaPaulo Thomaz de Aquino

    Reviso: Coordenao-Geral de Recuperao de Ativos - CGRACapa, projeto grfico e diagramao: Leonardo Terra - DRCI/SNJTiragem: 10.000Distribuio Gratuita.Internet: Http://Portal.Mj.Gov.Br, seo Cooperao Internacional, subseo CJI em Matria Penal. permitida a reproduo total ou parcial desta publicao desde que citada a fonte.

    341.14B823m

    Brasil. Secretaria Nacional de Justia. Departamento de Recuperao de Ativos eCooperao Jurdica Internacional.Manual de cooperao jurdica internacional e recuperao de ativos :cooperao em matria penal / Secretaria Nacional de Justia, Departamento deRecuperao de Ativos e Cooperao Jurdica Internacional (DRCI). 2. ed.Braslia : Ministrio da Justia, 2012.

    674 p. : il.ISBN : 978-85-85820-19-0

    1. Direito internacional privado. 2. Cooperao internacional. 3. Processopenal. I. Pires Junior, Paulo Abro. II. Brasil. Ministrio da Justia. III. Ttulo.

    CDD

    Ficha elaborada pela Biblioteca do Ministrio da Justia.

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 3COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2012 3

    MANUAL DE COOPERAOJURDICA INTERNACIONAL E

    RECUPERAO DE ATIVOS

    COOPERAO EM MATRIA PENAL

    Bras l ia

    2012

    MINISTRIO DA JUSTIA

    SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL

    2 edio

  • 4 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 4 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 5COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2012 5

    APRESENTAO

    O Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Jurdica Internacional (DRCI), da Secretaria Nacional de Justia (SNJ), do Ministrio da Justia, lana a 2 edio do Manual de Cooperao Jurdica Internacional e Recuperao de Ativos, atu-alizada e revisada, com o propsito de facilitar a cooperao jurdica internacional e de garantir uma prestao jurisdicional efetiva.

    O objetivo principal do manual difundir os temas referentes cooperao jur-dica internacional em matria penal e civil, inclusive no que respeita recuperao de ativos e ao combate lavagem de dinheiro e ao crime organizado transnacional.

    O DRCI, como Autoridade Central brasileira, por meio das Coordenaes-Gerais de Cooperao Jurdica Internacional e de Recuperao de Ativos, responsvel pela boa conduo dos pedidos de cooperao jurdica internacional entre o Estado brasi-leiro e os demais pases, cabendo-lhe receber, analisar, adequar, transmitir e acompa-nhar o cumprimento dessas solicitaes.

    O manual fruto dos esforos do Ministrio da Justia em disponibilizar informa-es sobre os mecanismos de cooperao jurdica internacional e outroas informaes dados relevantes sobre o tema. Esta publicao pretende ser um guia prtico, destinado s autoridades brasileiras e aos demais operadores do Direito que atuem nos pedidos ativos e passivos de cooperao jurdica internacional.

    Promover o acesso justia um dever do Estado e um direito fundamental da pessoa humana. Os limites territoriais no podem ser obstculos atuao estatal ou ao exerccio de direitos. Com as transformaes sociais decorrentes do fenmeno da globalizao, garantir o acesso internacional justia fundamental para assegurar que toda pessoa, fsica ou jurdica, ou empresa tenha o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei e tertenha seus direitos protegidos, indepen-dentemente do lugar onde se encontra. Da mesma forma, o Estado deve se organizar para combater o crime transnacional, valendo-se de todos os instrumentos disponveis, inclusive da cooperao jurdica internacional.

    Nesta nova edio, o Manual apresenta artigos selecionados sobre os fundamen-tos e os mecanismos de cooperao jurdica internacional. Apresenta um roteiro de

  • 6 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 6 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    tramitao dos pedidos de cooperao, ativa e passiva. A publicao traz, ainda, orien-taes para solicitao de cooperao jurdica internacional, classificadas por dilign-cias pretendidas e por pases de destino, e orienta na elaborao desses pedidos, bem como apresenta um quadro demonstrativo dos tratados internacionais de cooperao jurdica internacional em vigor no Brasil e os respectivos atos normativos internos.

    DRCI/SNJ/MJ

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 7COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2012 7

    Cooperao Jurdica Internacional 1.

    1.1. O papel da Cooperao Jurdica Internacional.........................................17 1.2. Autoridade Central no exerccio da Cooperao Jurdica Internacional...................................................................................................21 1.3. A Cooperao Jurdica Internacional e o Superior Tribunal de Justia: Comentrios Resoluo n 9/05.............................................29 1.4. A importncia da Cooperao Jurdica Internacional para a atuao do Estado Brasileiro no plano interno e internacional...............33 1.5. Cooperao Jurdica Internacional: Equilbrio entre Eficincia e Garantismo.....................................................................................................51 1.6. Comentrios Conveno das Naes Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional...........................................................................58 1.7. Comentrios Conveno contra o Trfico Ilcito de Entorpecentes e Substncias Psicotrpicas ...............................................63 1.8. Comentrios Conveno das Naes Unidas contra Corrupo.........67 1.9. Relao de Redes das quais o Brasil faz parte ...........................................71

    Roteiro da Tramitao Interna da Cooperao Jurdica Internacional 2. em Matria Penal

    2.1. Cooperao Jurdica Internacional em Matria Penal .............................79 2.2. Pedidos de Cooperao Ativos ...................................................................80 2.3. Fluxograma - Pedidos de Cooperao Ativos...........................................81 2.4. Pedidos de Cooperao Passivos ................................................................82 2.5. Fluxograma - Pedidos de Cooperao Passivos........................................84

    Confeco de pedidos de Cooperao Jurdica Internacional3.

    3.1. Modelo de Formulrio de Solicitao de Auxlio Jurdico em Matria Penal...........................................................................................87 3.2. Exemplo de preenchimento do Formulrio Solicitao de citao....................................................................................91 3.3. Exemplo de preenchimento do Formulrio Solicitao de documentos bancrios.........................................................97

    SUMRIO

  • 8 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 8 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    Orientaes por Pas para Solicitao de Cooperao Jurdica4. Internacional 4.1. frica do Sul .................................................................................................97 4.2. Alemanha.......................................................................................................99 4.3. Angola ..........................................................................................................101 4.4. Antgua e Barbuda .....................................................................................103 4.5. Argentina .....................................................................................................105 4.6. Austrlia.......................................................................................................108 4.7. ustria...........................................................................................................110 4.8. Bahamas........................................................................................................113 4.9. Barbados ......................................................................................................119 4.10. Blgica.........................................................................................................122 4.11. Bolvia.........................................................................................................124 4.12. Bulgria ......................................................................................................127 4.13. Cabo Verde ................................................................................................129 4.14. Canad........................................................................................................131 4.15. Chile............................................................................................................133 4.16. China...........................................................................................................135 4.17. Colmbia....................................................................................................140 4.18. Coria do Sul..............................................................................................145 4.19. Costa Rica..................................................................................................147 4.20. Cuba............................................................................................................150 4.21. Dinamarca..................................................................................................154 4.22. Emirados rabes Unidos.........................................................................156 4.23. Equador......................................................................................................158 4.24. Espanha......................................................................................................160 4.25. Estados Unidos da Amrica.....................................................................165 4.26. Filipinas .....................................................................................................173 4.27. Finlndia.....................................................................................................175 4.28. Frana.........................................................................................................177 4.29. Grcia .........................................................................................................182 4.30. Guatemala .................................................................................................184 4.31. Guiana ........................................................................................................186 4.32. Holanda .....................................................................................................188 4.33. Honduras ...................................................................................................191 4.34. Hong Kong.................................................................................................192 4.35. Ilhas Cayman ............................................................................................199

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 9COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2012 9

    4.36. Irlanda ........................................................................................................202 4.37. Israel............................................................................................................204 4.38. Itlia............................................................................................................207 4.39. Japo............................................................................................................209 4.40. Lbano.........................................................................................................213 4.41. Liechtenstein .............................................................................................215 4.42. Luxemburgo ..............................................................................................218 4.43. Mxico........................................................................................................222 4.44. Mnaco.......................................................................................................224 4.45. Moambique..............................................................................................226 4.46. Nicargua...................................................................................................228 4.47. Nigria .......................................................................................................229 4.48. Noruega......................................................................................................231 4.49. Nova Zelndia ...........................................................................................233 4.50. Panam.......................................................................................................235 4.51. Paraguai......................................................................................................237 4.52. Peru.............................................................................................................240 4.53. Polnia .......................................................................................................243 4.54. Portugal......................................................................................................245 4.55. Reino Unido (Gr Bretanha) ..................................................................248 4.56. Repblica Dominicana ............................................................................251 4.57. Repblica Tcheca ......................................................................................253 4.58. Romnia ....................................................................................................255 4.59. Rssia .........................................................................................................257 4.60. Singapura...................................................................................................259 4.61. Sucia..........................................................................................................261 4.62. Sua............................................................................................................263 4.63. Suriname ...................................................................................................268 4.64. Turquia ......................................................................................................270 4.65. Ucrnia ......................................................................................................272 4.66. Uruguai ......................................................................................................274 4.67. Venezuela...................................................................................................278

    FAQ - Perguntas Frequentes5. ...........................................................................283

    Quadro demonstrativo dos Tratados de Cooperao Jurdica 6. Internacional em Matria Penal Aplicados no Brasil..................................289

  • 10 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 10 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    7. Atos Normativos 7.1. Portaria Interministerial n 501 MRE/MJ de 21/03/2012 .....................305 7.2. Resoluo n 9, de 4 de maio de 2005, do Superior Tribunal de Justia......................................................................................................310 7. 3. Acordos multilaterais

    7.3.1. Conveno das Naes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional: Decreto n 5.015, de 12 de maro de 2004...................................313 Texto da Conveno .......................................................................314 7.3.1.1. Protocolo Adicional Conveno das Naes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo ao Combate ao Trfico de Migrantes por Via Terrestre: Decreto n 5.016, de 12 de maro de 2004..................................343 Texto do Protocolo .........................................................................344 7.3.1.2 Protocolo Adicional Conveno das Naes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo Preveno, Represso e Punio do Trfico de Pessoas: Decreto n 5.017, de 12 de maro de 2004..................................357 Texto do Protocolo .........................................................................358 7.3.1.3 Protocolo Adicional Conveno das Naes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional contra a Fabricao e o Trfico Ilcito de Armas de Fogo, suas Peas, Componentes e Munies: Decreto n 5.941, de 26 de outubro de 2006...............................367 Texto do Protocolo .........................................................................368 7.3.2. Conveno Contra o Trfico Ilcito de Entorpecentes e Substncias Psicotrpicas: Decreto n 154, de 26 de junho de 1991......................................378 Texto da Conveno ......................................................................379 7.3.3. Conveno das Naes Unidas Contra a Corrupo: Decreto n 5.687, de 31 de janeiro de 2006.................................406 Texto da Conveno ......................................................................407 7.3.4. Conveno Interamericana sobre Assistncia Mtua em Matria Penal: Decreto n 6.340, de 3 de janeiro de 2008...................................450 Texto da Conveno .......................................................................451

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 11COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2012 11

    7.3.5. Protocolo de Assistncia Jurdica Mtua em Assuntos Penais MERCOSUL: Decreto n 3.468, de 17 de maio de 2000....................................461 Texto do Protocolo .........................................................................462 7.4 Acordos bilaterais

    7.4.1. CANAD: Acordo de Assistncia Mtua em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo do Canad, celebrado em Braslia, em 27 de janeiro de 1995: Decreto n 6.747, de 22 de janeiro de 2009................................472 Texto do Acordo .............................................................................473 7.4.2. CHINA: Acordo entre a Repblica Federativa do Brasil e a Repblica Popular da China sobre Assistncia Jurdica Mtua em Matria Penal: Decreto n 6.282, de 03 de dezembro de 2007..........................481 Texto do Acordo .............................................................................482 7.4.3. COLMBIA: Acordo de Cooperao Judiciria e Assistncia Mtua em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Repblica da Colmbia em Matria Penal: Decreto n 3.895, de 23 de agosto de 2001..................................491 Texto do Acordo..............................................................................492 7.4.4. CORIA DO SUL: Acordo entre a Repblica Federativa do Brasil e a Repblica da Coria sobre Assistncia Judiciria Mtua em Matria Penal; Decreto n 5.721, de 13 de maro de 2006..................................501 Texto do Acordo............................................................................. 502 7.4.5. CUBA: Acordo de Cooperao Judicial em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Repblica de Cuba: Decreto n 6.462, de 21 de maio de 2008....................................510 Texto do Acordo............................................................................. 511 7.4.6. ESPANHA: Acordo de Cooperao e Auxlio Jurdico Mtuo em Matria Penal entre a Repblica Federativa do Brasil e o Reino da Espanha: Decreto n 6.681, de 08 de dezembro de 2008.............................518 Texto do Acordo..............................................................................519

  • 12 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 12 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    7.4.7. ESTADOS UNIDOS DA AMRICA: Acordo de Assistncia Judiciria em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da Amrica: Decreto n .3.810 de 02 de maio de 2001.....................................528 Texto do Acordo..............................................................................529 7.4.8. FRANA: Acordo de Assistncia Judiciria em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Repblica Francesa: Decreto n .3.324 de 30 de dezembro de 1999.............................540 Texto do Acordo..............................................................................541 7.4.9. ITLIA: Acordo de Assistncia Judiciria em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Repblica Italiana: Decreto n .862 de 09 de julho de 1993........................................546 Texto do Acordo..............................................................................547 7.4.10. MXICO: Acordo de Assistncia Jurdica Internacional em Matria Penal entre a Repblica Federativa do Brasil e os Estados Unidos Mexicanos: Decreto n 7.595, de 1 de novembro de 2011..........................552 Texto do Acordo............................................................................553 7.4.11. NIGRIA: Acordo de Assistncia Jurdica Mtua em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Repblica Federal da Nigria: Decreto n 7.582, de 13 de outubro de 2011..............................567 Texto do Acordo............................................................................568 7.4.12. PANAM: Acordo de Assistncia Jurdica Mtua em Matria Penal entre a Repblica Federativa do Brasil e a Repblica do Panam sobre Auxlio Jurdico Mtuo em Matria Penal: Decreto n 7596, de 1 de novembro de 2011...........................582 Texto do Acordo............................................................................583 7.4.13. PERU: Acordo de Assistncia Judiciria em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Repblica do Peru: Decreto n 3.988 de 29 de outubro de 2001...............................595 Texto do Acordo............................................................................596

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 13COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2012 13

    7.4.14. PORTUGAL: Acordo de Assistncia Judiciria em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Repblica Portuguesa: Decreto n 1.320 de 30 de novembro de 1994...........................606 Texto do Acordo............................................................................607 7.4.15. SUIA: Acordo de Assistncia Judiciria em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Confederao Sua: Decreto n 6.974 de 07 de outubro de 2009...............................614 Texto do Acordo............................................................................615 7.4.16. SURINAME: Acordo de Assistncia Judiciria em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Repblica do Suriname: Decreto n 6.832 de 29 de abril de 2009.....................................627 Texto do Acordo............................................................................628 7.4.17. UCRNIA: Acordo de Assistncia Judiciria em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Ucrnia: Decreto n 5.984 de 12 de dezembro de 2006..........................637 Texto do Acordo...........................................................................638

    8. Dicionrio de termos jurdicos relevantes cooperao jurdica internacional em matria penal .....................................................................649

    9. Links teis ..........................................................................................................669

    10. Contatos ............................................................................................................671

  • 14 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 14 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 15COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2012 15

    COOPERAOJURDICA

    INTERNACIONAL

    1

  • 16 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 16 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 17COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2012 17

    1 . 1 . O PAPEL DA C O OPER AO JURDICA INTERNACIONAL

    Paulo Abro Pires Jnior1

    A efetividade da justia, dentro de um cenrio de intensificao das relaes en-tre as naes e seus povos, seja no mbito comercial, migratrio ou informacional, demanda cada vez mais um Estado proativo e colaborativo. As relaes jurdicas no se processam mais unicamente dentro de um nico Estado Soberano, pelo contrrio, necessrio cooperar e pedir a cooperao de outros Estados para que se satisfaa as pretenses por justia do indivduo e da sociedade.

    O conceito bsico de Estado soberano, administrador das tenses internas em seu territrio, tem de abarcar a perspectiva internacional. A soberania das regras internas por ele estabelecidas so ameaadas caso se adote posio unilateralista. Em verdade, a noo de soberania comporta hoje a inevitabilidade da cooperao internacional.

    Em seu dever de prover a justia, o Estado precisa desenvolver mecanismos que possam atingir bens e pessoas que podem no mais estar em seu territrio. At mesmo meros atos processuais, mas necessrios devida instruo do processo, podem ser obtidos mediante auxlio externo, de modo que a cooperao jurdica internacional torna-se um imperativo para a efetivao dos direitos fundamentais do cidado nos tempos atuais.

    Dentre os instrumentos tradicionais da cooperao jurdica internacional des-tacam-se as cartas rogatrias, a homologao de sentena estrangeira, os pedidos de extradio e a transferncia de pessoas condenadas.

    As cartas rogatrias so tramitadas pelos canais diplomticos e se destinam ao reconhecimento e cumprimento de decises interlocutrias da justia estrangeira. Para serem cumpridas, precisam ser autorizadas pelo Superior Tribunal de Justia2. A ho-

    1. Secretrio Nacional de Justia.

    2. Art.105, I, i da Constituio Federal: Art. 105 - Compete ao Superior Tribunal de Justia: I - processar e julgar, originariamente: i) a homologao de sentenas estrangeiras e a concesso de exequatur s cartas rogatrias.

  • 18 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 18 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    mologao de sentena estrangeira, tambm necessariamente autorizada pelo STJ, con-fere eficcia a decises judiciais estrangeiras no territrio brasileiro.

    No caso da extradio, um Estado entrega um indivduo a outro Estado que seja competente para process-lo e aplicar eventual punio. A transferncia de pessoas condenadas trata da entrega de um indivduo s autoridades de seu Estado de origem para que esse possa cumprir sua pena perto de sua famlia e seu ambiente. Esse ins-tituto revela verdadeiro carter humanitrio, visando facilitar a reinsero social do apenado.

    Alm desses instrumentos, agrega-se o Auxlio Direto, mecanismo novo, que permite levar a cognio do pedido diretamente ao juiz de primeira instncia, sendo desnecessrio o juzo prvio de delibao do STJ. A tramitao desses pedidos co-ordenada pela Autoridade Central brasileira designada em cada tratado firmado. O Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Jurdica Internacional da Se-cretaria Nacional de Justia exerce o papel de autoridade central para a maioria dos tratados em que o Brasil parte, permitindo maior celeridade e promovendo o acom-panhamento necessrio do cumprimento dos pedidos.

    Esse novo mecanismo sem dvida mais consentneo realidade atual, tomando-se por base o crescimento exponencial do nmero de pedidos de cooperao jurdica que o Brasil requer de pases estrangeiros (cooperao ativa) e tambm se analisando o aumento dos pedidos que recebe (cooperao passiva).

    Considerando-se as estatsticas produzidas pelo Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Jurdica Internacional (DRCI), verifica-se que de 2004 a 2010, houve incremento de mais de 40% no nmero de pedidos de cooperao anuais trami-tados no Ministrio da Justia. Saiu-se de um patamar de algo em torno de 2800 pedi-dos em 2004 para mais de 4000 em 2010. Nos primeiros oito meses de 2011, nmero prximo a 2700 pedidos j foram tramitados, evidenciando a tendncia continuamente crescente da cooperao.

    Outro dado relevante a prevalncia do Brasil como solicitante de cooperao. Do total de pedidos de cooperao jurdica tramitados em 2010 e 2011, mais de 85% saram do pas se dirigindo a uma autoridade estrangeira. Nesse sentido, para que todos esses pedidos possam chegar sua efetivao, ou seja, obter uma resposta da autorida-de externa, faz-se ainda mais necessria a nova edio desse manual, instruindo nossos operadores do direito a como operar com as regras internacionais para cada matria.

    O manual em destaque composto de dois livros, sendo o primeiro destinado ao tratamento da cooperao jurdica em matria penal e o segundo da cooperao em matria civil. Na esfera penal, ressalta-se a relevncia das convenes internacionais sobre o crime organizado transnacional, a corrupo e o trfico licito de entorpecentes e substncias psicotrpicas. J na esfera civil, destacam-se os temas da adoo interna-

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 19COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2012 19

    cional, da busca e apreenso de menores, e o pedido de alimentos, alm de dispositivos nas reas comercial, trabalhista e administrativa.

    Ambos os livros trazem informaes sobre o modus operandi da tramitao in-terna dos pedidos de cooperao, diferenciando-se a carta rogatria do auxlio direto, os pedidos de cooperao ativa dos passivos, e o fundamento do pedido (em tratado internacional ou no princpio da garantia de reciprocidade).

    Explicita-se em forma de modelos, formulrios e fluxogramas o caminho a ser percorrido pelos operadores jurdicos quando h interesse de solicitar cooperao es-trangeira. Orientaes especficas sobre mais de 35 pases esto presentes em cada vo-lume, de modo a facilitar o atendimento do pedido quando se necessita da colaborao de determinada nao em que o Brasil j possui algum tratado.

    Os dispositivos normativos bsicos sobre a cooperao jurdica internacional pre-vistos na Constituio Federal, Lei de Introduo s Normas do Direito Brasileiro, C-digo de Processo Civil Brasileiro, resolues do Superior Tribunal de Justia e Portarias Interministeriais so explicitadas no manual, alm dos principais acordos multilaterais e bilaterais em que o Brasil signatrio.

    Por final, agradecemos a todos que colaboraram com a edio desse livro, verda-deiro marco para a efetivao da justia e dos direitos humanos. A equipe do Depar-tamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Jurdica Internacional (DRCI) da Secretaria Nacional de Justia, autoridade central do Brasil para a cooperao jurdica internacional, manter-se- altivo no exerccio da liderana nessa matria e conduzir sempre seus trabalhos embasados nos mais altos princpios republicanos em servio de toda a sociedade brasileira.

  • 20 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 20 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 21COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2012 21

    1 . 2 . A AU TORIDADE CENTR AL NO EXERCCIO DA C O OPER AO

    JURDICA INTERNACIONAL

    Ricardo Andrade Saadi 3 Camila Colares Bezerra 4

    O processo de globalizao pode ser analisado sob inmeras perspectivas, todas elas relacionadas transformao dos espaos nacionais em arenas globais. Assim, te-mas que antes eram estruturados sob uma tica estritamente nacional passam escala mundial, modificando por completo a dinmica das relaes econmicas, financeiras, sociais e informativas. A realidade atual j no possui a marca do Estado nacional como figura protagonista, condicionadora e, porque no dizer, limitadora das relaes inter-nacionais.

    As fronteiras geogrficas, cada vez mais ligadas a aspectos meramente simblicos, no representam grande obstculo livre circulao, de bens, de servios, de capitais e daquilo que melhor representa o avanado estado de globalizao em que vivemos - a informao. Enquanto o sculo XIX foi marcado pela sociedade industrial, no sculo XX surge a sociedade da informao, permitindo que as informaes sejam transmiti-das instantaneamente e dando origem s redes sociais virtuais em nveis locais, regio-nais e globais. Diante deste novo cenrio, surgem conflitos jurdicos entre particulares que dependem da cooperao jurdica internacional, uma vez que a jurisdio um produto do Estado soberano e os pases devem colaborar para garantir que as pessoas possam exercer seus direitos que transcendem as fronteiras dos Estados.

    Vive-se um cenrio onde iniciativas isoladas de regulao so percebidas como medidas de contra-fluxo e destoantes do modelo predominante das relaes interna-cionais. Ao mesmo tempo, parte-se do pressuposto de que a sociedade internacional

    3. Ricardo Andrade Saadi Delegado da Polcia Federal e Diretor do Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Jurdica Internacional (DRCI), da Secretaria Nacional de Justia, do Ministrio da Justia.

    4. Camila Colares Bezerra Oficial de Inteligncia da Agncia Brasileira de Inteligncia e Diretora-Adjunta do Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Jurdica Internacional (DRCI), da Secretaria Na-cional de Justia, do Ministrio da Justia.

  • 22 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 22 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    compartilha de determinados valores bsicos ligados noo que se tem de direitos humanos, universalmente difundida e refletida, expressa ou implicitamente, nos ins-trumentos internacionais consagrados a partir da Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1948.

    Como, ento, garantir que esse padro que abomina a regulao das relaes se compatibilize com o dever que tm os Estados e a sociedade internacional de proteger os direitos humanos independentemente das jurisdies que esse mesmo exerccio de proteo envolva? Especificamente, como assegurar que a internacionalizao das re-laes privadas no se reverta em impunidade ou inaplicabilidade da Justia? Como conferir s relaes privadas internacionais o nvel de segurana e previsibilidade ne-cessrios a que elas sejam sustentveis a longo prazo?

    O alargamento e aprimoramento da cooperao jurdica internacional surgem como reflexo da preocupao dos Estados em mitigar os efeitos negativos da globali-zao no que se refere concretizao da Justia nas relaes internacionais. Institutos tradicionais como a Extradio e a Carta Rogatria foram aperfeioados ao mesmo tempo em que novos mecanismos foram criados para melhor adaptar a cooperao jurdica s necessidades atuais.

    Surgem, por exemplo, os acordos de cooperao jurdica internacional, bilaterais ou firmados em mbitos regionais e global. Estes acordos prevem o chamado Pedido de Auxlio Direto, que se prope a ser um mecanismo mais clere e aberto, especial-mente no que diz respeito amplitude das medidas que por meio dele podem ser solici-tadas e do rol de autoridades legitimadas a utiliz-lo, ou seja, por meio do auxlio direto buscou-se tornar a cooperao jurdica mais acessvel e efetiva.

    Mudam-se os paradigmas. A cooperao jurdica internacional deixa de ser ex-clusivamente um ato de cortesia entre os Estados e, se antes podia ser vista como uma ameaa soberania, hoje se apresenta como essencial sua prpria manuteno. Mais que isso, se antes a cooperao internacional se justificava somente pela necessidade de contribuir com a paz e o progresso da humanidade, atualmente o prprio exerccio das funes soberanas por parte dos Estados depende vitalmente da ajuda internacional. A garantia dos direitos individuais, coletivos e difusos, a manuteno da segurana p-blica, o combate ao crime organizado, a estabilidade do sistema econmico-financeiro, e tantos outros temas a cargo dos Estados dependem cada vez mais da cooperao jurdica internacional.

    A figura da Autoridade Central aparece como parte determinante desse pacote de medidas voltadas modernizao da ajuda jurdica internacional. O modelo foi inaugurado com a Conveno da Haia de Comunicao de Atos Processuais, de 19655,

    5. MCCLEAN, J.D. International Cooperation in Civil and Criminal Matters: Oxford University Press, 2002.

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 23COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2012 23

    que trouxe a obrigao de cada Estado-parte designar uma Autoridade Central para receber os pedidos de cooperao jurdica elaborados com base naquele instrumento, e posteriormente reproduzido na grande maioria dos acordos e tratados que tratam de assistncia jurdica.

    A idia de concentrar em um nico rgo o envio e recebimento dos pedidos representa, sem dvida, um grande avano na organizao da cooperao jurdica in-ternacional, especialmente se considerarmos que o fluxo de pedidos dessa natureza aumenta exponencialmente a cada ano. No entanto, o papel da Autoridade Central vai alm da tramitao de documentos, se estendendo a aspectos ligados efetividade, celeridade e lisura da cooperao.

    A Autoridade Central um rgo tcnico-especializado responsvel pela boa conduo da cooperao jurdica que cada Estado exerce com as demais soberanias, cabendo-lhe, ademais do recebimento e transmisso dos pedidos de cooperao jurdi-ca, a anlise e adequao destas solicitaes quanto legislao estrangeira e ao tratado que a fundamenta. Tem como funo promover a efetividade da cooperao jurdica, e, principalmente, desenvolver conhecimento agregado acerca da matria.

    Mediante especializao do seu corpo de servidores e das suas rotinas, a Autori-dade Central confere maior celeridade relao de cooperao, conformando a solici-tao aos requisitos que podem variar de acordo com diferentes aspectos, dentre eles a medida que se solicita, o pas destinatrio e a base jurdica. O espectro de variantes pode ser enorme e o rol de requisitos a ser preenchido por cada solicitao sempre peculiar. Cabe Autoridade Central, conhecendo cada uma dessas peculiaridades, ins-truir as autoridades nacionais e estrangeiras de modo a tornar o intercmbio entre os Estados o mais fluido e eficiente possvel6.

    Outro aspecto relevante que as autoridades centrais se comunicam diretamen-te, eliminando, em regra, a necessidade da instncia diplomtica para tramitao dos documentos. Esse contato direto, alm de diminuir o nmero de interlocutores e con-sequentemente a probabilidade de haver rudos na comunicao interestatal, favorece a que se forme uma rede de rgos especializados que esto sempre buscando junto comunidade internacional melhorias no sistema de cooperao e a padronizao de boas prticas nesta rea.

    p.28. The main innovation of the 1965 Convention was the creation of a system of Central Authorities. Each Contracting State must designate such a Central Authority to receive requests for service from other Con-tracting States. The expectation borne out of practice, was that this would involve not the creation of some new agency but the designation as Central Authority of one of some existing office or Ministry.

    6. LOULA, Maria Rosa Guimares. Auxlio Direto: Novo Instrumento de Cooperao Jurdica Internacional Civil. Belo Horizonte: Frum, 2010. p. 68. Acredita-se que um nico rgo concentrado e especializado para a matria seja capaz de promover cooperaes mais eficientes e mais cleres, evitando retrabalho e retarda-mento desnecessrios.

  • 24 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 24 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    A Autoridade Central est inserida no sistema de cooperao jurdica internacio-nal, o qual se convencionou chamar de cooperao formal, em contraposio quela relao de cooperao direta, empreendida por rgos especficos com a sua contra-parte no exterior. No h que se confundir a cooperao direta com o instituo do au-xlio direto, exposto acima. A primeira ocorre sem intermedirios, ao tempo que o auxlio direto tramitado pelas autoridades centrais dos Estados envolvidos. Ambas as formas de cooperao, formal e informal, so importantes e, mais que isso, so comple-mentares. Se aplicadas corretamente, observando-se os fins e os limites que se atribui a cada uma delas, chega-se a um ponto benfico para a sociedade.

    O sistema no qual est inserida a Autoridade Central, cuja base jurdica so os tratados e acordos firmados pelos Estados, pretende aliar a modernizao da coopera-o jurdica necessidade de se velar pela manuteno de garantias processuais bsicas. Em outras palavras, ao firmar tratados que regulam os procedimentos de cooperao jurdica os Estados buscam promover uma troca clere e efetiva entre si, sem que isso acarrete a supresso de procedimentos que possam atestar a lisura, autenticidade e le-galidade do objeto dessa troca.

    A Autoridade Central fundamenta-se, portanto, em uma relao estabelecida en-tre Estados (e no entre rgos especficos), cabendo-lhe assegurar que a cadeia estatal de custdia do objeto de intercmbio no seja quebrada em nenhum momento. Mais que isso, ao celebrar acordos e tratados que prevem a cooperao jurdica, bem como a figura da Autoridade Central, os Estados ali representados reconhecem que comun-gam de preceitos e garantias processuais bsicas comuns, independentemente do siste-ma jurdico por eles adotados. Assim, pode-se partir do pressuposto que, ao atender aos pedidos de cooperao jurdica veiculados com base nesses mesmos tratados, os Estados-partes o fazem respeitando valores fundamentais comuns.

    Em resumo, a figura da Autoridade Central fundamenta-se em dois eixos prin-cipais que fortificam sua existncia. O primeiro est relacionado ao trabalho de rece-ber, analisar, adequar e tramitar os pedidos de cooperao jurdica, conferindo maior celebridade e efetividade a este processo. O segundo, to ou mais importante que o primeiro, refere-se lisura da cooperao, dando ao Estado e aos cidados que dela se utilizam maior garantia da autenticidade e legalidade do que se tramita.

    No Brasil, o papel de Autoridade Central para cooperao jurdica internacional cabe ao Ministrio da Justia, que o exerce por meio do Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Jurdica Internacional (DRCI)7 e o Departamento de Estran-geiros (DEEST), ambos da Secretaria Nacional de Justia (SNJ), nos termos do Decreto N 4.991/2004, cujo texto encontra-se atualmente em vigor nos termos do Anexo ao

    7. WEBER, Patrcia Nez. A Cooperao Jurdica Internacional em Medidas Processuais. Porto Alegre: Verbo Jurdico, 2011. p. 82.

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 25COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2012 25

    Decreto 6.061/2007.

    Cumpre ao DEEST analisar e tramitar os pedidos de extradio e de transferncia de pessoas condenadas, ao tempo que ao DRCI cabe analisar e tramitar as demais esp-cies de pedidos de cooperao jurdica internacional, nas matrias penal e civil.

    No que concerne cooperao jurdica internacional em matria penal, existem, no entanto, duas excees regra, em que a Procuradoria-Geral da Repblica funcio-na como Autoridade Central nas questes relativas ao Tratado de Auxlio Mtuo em Matria Penal entre o Governo da Repblica Portuguesa e o Governo da Repblica Federativa do Brasil (Decreto n 1.320, de 30 de novembro de 1994) e ao Tratado de As-sistncia Mtua em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo do Canad (Decreto n 6.747, de 22 de janeiro de 2009).

    Em matria no-criminal, existem tambm outras autoridades centrais espalha-das no Governo brasileiro8. Tal o exemplo da Autoridade Central designada para a Conveno sobre Prestao de Alimentos no Estrangeiro da ONU, denominada Con-veno de Nova Iorque, localizada na Procuradoria-Geral da Repblica, bem como a Autoridade Central para as Convenes da Haia Sobre Aspectos Civis do Seques-tro Internacional de Menores (1980) e Sobre Cooperao Internacional e Proteo de Crianas e Adolescentes em Matria de Adoo Internacional (1993), localizada na Secretaria Especial de Direitos Humanos.

    So inegveis, contudo, os benefcios para o Estado e para a sociedade que advm do modelo em que o papel da Autoridade Central exercido de maneira concentrada, tangenciando um ou o menor nmero de rgos possvel9. Conforme j menciona-do, a Autoridade Central adquire a atribuio de coordenar a execuo da cooperao jurdica internacional realizada por seu pas, o que se torna invivel se essa tarefa pulverizada em diversos rgos governamentais, gerando diviso desnecessria da re-presentao estatal nessa seara.

    A multiplicidade de vias para entrada e sada dos pedidos pode gerar danos nefas-tos para a coerncia do sistema nacional de cooperao jurdica internacional. A questo pode causar confuso entre os operadores do direito, nacionais e internacionais, que no sabem a quem recorrer para apresentar seus pedidos de cooperao, acarretando perda

    8. LOULA, Maria Rosa Guimares. Auxlio Direto: Novo Instrumento de Cooperao Jurdica Internacional Civil. Belo Horizonte: Frum, 2010. p. 68.

    9. Nesse sentido, VALLE, Sandra. Cooperao Jurdica Internacional em Matria Penal/ Organizadores Jos Baltazar Junior, Luciano Flores de Lima. Porte Alegre: Verbo Jurdico, 2010. p. 10. A princpio, os pases de-signavam as suas autoridades centrais de acordo com a instituio que negociava o tratado bilateral. Tal dis-perso causava grande confuso quando se procurava saber qual era a Autoridade Central para se fazer um pedido de cooperao. O tema foi alvo de acirrado debate nas negociaes das Convenes. Da o UNODC incentivar que a Autoridade Central seja nica e centralizada para que possa ser facilmente contatada.

  • 26 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 26 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    na agilidade e efetividade do processo. Alm da dificuldade de interlocuo, a multipli-cidade de autoridades centrais pode dificultar a estruturao de um corpo especializado na matria devido fragmentao que esta sofre na prtica. Sob o ponto de vista or-amentrio, a geminao de estruturas governamentais com propsitos semelhantes particularmente onerosa ao errio pblico e, na maioria das vezes, pouco eficiente.

    A experincia com pases que adotam mltiplas Autoridades Centrais demonstra que h indesejada perda de tempo para identificao da contraparte no exterior, incerteza quanto aos procedimentos utilizados com aquela contraparte e, principalmente, ausncia de padro na atuao estatal relativa a estes temas. No por outro motivo que os sistemas de comunicao por via diplomtica (mltiplos) e de comunicao por autoridade trans-missora e autoridade recebedora (descentralizadas), bem como a designao ad hoc de Autoridades Centrais para cada tratado vm, aos poucos, dando lugar instituio de um rgo nico para manejar o tema.

    De toda forma, importante destacar que, no Brasil, o Ministrio da Justia, junta-mente com a Procuradoria Geral da Repblica e a Secretaria Especial de Direitos Huma-nos tm procurado se coordenar de modo a evitar qualquer espcie de incongruncia.

    Outra questo que se pe est relacionada posio da Autoridade Central na or-ganizao poltico-administrativa do Estado. Os pases europeus em geral tm suas au-toridades centrais no Ministrio da Justia, ao passo que nos pases da Amrica Latina e Amrica Central elas se dividem entre o Ministrio da Justia, Ministrio Pblico, Minis-trio das Relaes exteriores e at mesmo a Suprema Corte10.

    Antes de tudo, importante esclarecer que a cooperao jurdica internacional um processo que envolve momentos distintos e, por conseguinte, atividades de nature-za tambm distintas. As funes prprias de Autoridade Central (por exemplo, receber, analisar, adequar, transmitir, promover a interlocuo, capacitao, coordenao, etc.) diferem absolutamente das daquelas funes tpicas das instituies com legitimidade para promover internamente as aes relativas ao cumprimento do pedido de coope-rao jurdica e, igualmente, daquelas instituies que esto habilitadas a solicitar a cooperao de outro Estado. No mbito penal, por exemplo, a funo tcnico-admi-nistrativa da Autoridade Central difere, em muito, das funes tpicas de investigao e persecuo atribudas Polcia e ao Ministrio Pblico.

    Por esta razo, independentemente de onde esteja localizada, importante que a Autoridade Central seja concebida como tal, levando-se em considerao todas as peculiaridades que a sua estrutura material e humana demandam. No h que se pen-sar no trabalho da Autoridade Central como uma extenso do trabalho tipicamente

    10. VALLE, Sandra. Cooperao Jurdica Internacional em Matria Penal/ Organizadores Jos Baltazar Ju-nior, Luciano Flores de Lima. Porte Alegre: Verbo Jurdico, 2010. p. 9.

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 27COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2012 27

    desenvolvido por outros rgos de Estado. preciso considerar a especificidade das suas funes11.

    Quanto ao modelo adotado pelo Brasil, h vantagens inegveis em se inserir a Autoridade Central nos quadros do Ministrio da Justia. A mais importante delas decorre da multiplicidade de clientes que dependem da Autoridade Central para ob-ter qualquer medida internacional. Vincular a estrutura da Autoridade Central a um desses clientes, certamente, acabaria por dificultar, ou mesmo impedir, o acesso dos demais cooperao jurdica internacional.

    CONCLUSO

    As questes que permeiam a figura da Autoridade Central no destoam de todas as outras ligadas ao instituto da cooperao jurdica internacional, que, em pouco tem-po, deixou de ser exclusivamente operacionalizado por instrumentos ortodoxos como a Carta Rogatria, passando a ferramentas mais arrojadas como o Auxlio Direto.

    Talvez aos olhos mais conservadores, esses tenham sido passos muito largos de modo que certas mudanas ainda precisam ser melhor digeridas. Por outro lado, con-tudo, sob a perspectiva de quem observa atentamente a velocidade com que as mu-danas presenciadas pelo mundo foram processadas nos ltimos anos, fica a sensao de que os Estados precisam aperfeioar, em muito, seus mecanismos de coordenao e intercmbio, de modo a torn-los mais geis e efetivos. A figura Autoridade Central, moderna para uns e ultrapassada para outros, , de toda forma, resultado da preocupa-o da sociedade internacional nesse sentido.

    11. Nesse sentido, MCCLEAN, J.D. International Co-Operation in Civil and Criminal Matters. London: Oxford University Press, 2002. p. 16-17. It is considerably simpler to exclude the relevant Ministries for External Affairs and their diplomatic or consular staffs from the process. The admiistration of justice is a central concern of Ministry of Justice, and direct communication between the two Justice Ministries is likely to produce greater understading and a speedier response. What is essential to this mode is that each country should communicate via some agency of central government located in that part of the states apparatus which is concerned with the administration of justice

  • 28 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 28 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 29COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2012 29

    1 . 3 . A C O OPER AO JURDICA INTERNACIONAL E O SUPERIOR

    TRIBUNAL DE JUSTIA: C omentrios R esoluo n 9/05

    Gilson Dipp12

    O Estado brasileiro carecia de um avano no tema, tendo em vista sua impor-tncia nos dias atuais. No se compreende o Brasil, sendo signatrio dos principais Tratados e Convenes Internacionais multilaterais e inmeros diplomas bilaterais, ter problemas no seu Judicirio em prover e receber Cooperao Jurdica Internacional e aplicar devidamente os tratados. A Cooperao Internacional, tanto no mbito cvel quanto no penal, tornou-se necessidade crucial.

    A investigao, a persecuo, o processamento e o julgamento dos grupos crimi-nosos organizados, por exemplo, so complexos e difceis.

    Facilitar o intercmbio de informaes entre autoridades de execuo da lei e de-senvolver efetiva Cooperao Internacional essencial para o sucesso desse desiderato.

    Tornou-se necessrio no Brasil, em especial no seu Judicirio, analisar casos espe-cficos, identificar reas problemticas, compartilhar idias e identificar boas prticas. O desafio, portanto, no era apenas trazer solues, mas tambm pensar nos problemas que poderiam estar impedindo ou dificultando a to almejada Cooperao Internacional.

    Nesse sentido, a contribuio que poderiam trazer os juzes da mais alta corte infraconstitucional seria sempre significativa.

    O papel de juzes e tribunais, na Cooperao Internacional, tanto na soluo de questes cveis como no enfrentamento ao crime, , obviamente, fundamental.

    Tanto as boas quanto as ms experincias (ou mesmo a falta de experincia) do Judicirio brasileiro com o trato da Cooperao Internacional so dados interessantes

    12. Ministro do STJ e Corregedor Nacional de Justia

  • 30 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 30 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    para uma reflexo do que precisa ser mudado. Juzes e tribunais podem ser pontes ou barreiras para a Cooperao Internacional. Uma reflexo honesta poder revelar cenrio no qual os juzes e os tribunais, talvez pela natureza de sua profisso, tenham permanecido em plano secundrio nos dilogos e convvios que pautaram a preocu-pao das naes com as consequncias do viver o mundo em vizinhana. Enquan-to diplomatas e funcionrios dos poderes executivos discutiram as questes cveis no mundo globalizado, alm do crime transnacional, e negociaram tratados; talvez os ju-zes tenham permanecido em seus gabinetes e colegiados sem sentir a necessidade de construir pontes - ou mesmo sem poder; ajudar a constru-las. Chamados a aplicar os tratados, a prestar e a receber Cooperao Internacional, o fizeram ou o fazem; possi-velmente, com a mesma cultura territorialista que marcou, suas formaes.

    A frustrao sentida ao se julgarem processos que depende, de Cooperao Inter-nacional poderia ser ilustrada com vrios casos, nos quais a justia brasileira precisou da ajuda de suas congneres em outros Estados, mas a resposta se perdeu no tempo da burocracia ou na desconfiana interjurisdicional. Alis, o princpio da confiana deve nortear a Cooperao Judiciria Internacional.

    Urge rememorar uma viso de como os juzes e tribunais brasileiros enxerga-vam a Cooperao Internacional. Uma auto-crtica que expe dificuldades prprias dos Judicirios, mas dificuldades estas que poderiam ser superadas se os tribunais e juzes participassem mais da reflexo e das solues para os problemas de Cooperao Internacional.

    H menos de oito anos, o Judicirio brasileiro tinha uma interpretao no sentido de que as cartas rogatrias no podiam ser utilizadas para quebrar sigilos legais, tais como dados bancrios, a menos que houvesse previso em tratado ou deciso final judicial.

    Em uma carta rogatria, recebida em 2003, a autoridade judiciria na Sua pe-diu cooperao autoridade judiciria brasileira para investigar trfico de mulheres brasileiras para a Sua. J sabamos que o trfico de seres humanos, principalmente de mulheres, abduzidas e escravizadas no seio do mundo que se considera civilizado, dos mais abominveis, execrveis e odiosos crimes que tomam proveito da incapacidade da efetiva Cooperao Jurdica Internacional entre os Estados. Pretendiam os suos obter informaes de contas bancrias localizadas no Brasil e o sequestro de bens dos acusa-dos - medidas essenciais para o desmantelamento daquela organizao criminosa.

    No obstante a severidade do caso, indeferimos o fornecimento das pretendidas informaes bancrias, sob o fundamento de que as diligncias de sequestro de bens e quebra de sigilo de dados, alm de atentar contra a ordem pblica, possuem carter executrio, o que inviabiliza a concesso do exequatur. Assim, por uma inexplicvel lgica interpretativa, somente atribuvel a um territorialismo exacerbado, considerva-mos que a prestao de informaes bancrias essenciais investigao, em outro pas,

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 31COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2012 31

    de crimes como o trfico de seres humanos atenta contra a ordem pblica.

    A entrada em vigor da EC n 45, em 31/l2/2004, retirou do STF e atribui ao STJ a competncia originria para processar e julgar a homologao das sentenas estrangei-ras e a concesso de exequatur s cartas rogatrias.

    O cenrio mudou no Brasil naquela oportunidade. O pas j tinha clara a neces-sidade de uma lei especfica sobre Cooperao Jurdica Internacional. O Ministrio da Justia designou uma comisso para elaborar Anteprojeto de Lei de Cooperao Internacional - Portaria n 2.199, publicada no D.O. de 11/08/04.

    Em decorrncia da EC n 45/04, o ento Presidente do STJ, Ministro Edson Vidigal, encarregou-me, informalmente, de elaborar minuta de Resoluo que regulamentasse os procedimentos das Cartas Rogatrias e da Homologao de Sentena Estrangeira.

    Era preciso que o STJ, naquela quadra, incorporasse os avanos j alcanados pelo STF e se adequasse s conquistas verificadas nos Tratados e Convenes Inter-nacionais, bem como assimilasse a moderna doutrina sobre o tema e os ensinamentos acadmicos. Para me desincumbir do mister, fiz contatos e reunies com alguns mem-bros da Comisso encarregada de elaborar o Anteprojeto de Lei sobre Cooperao In-ternacional, deles extraindo as inovaes pertinentes. Assim foi elaborada a minuta da Resoluo n 9, que j consagrou os procedimentos que certamente constaro da futura lei brasileira de Cooperao Internacional.

    Inmeras inovaes foram introduzidas pela Resoluo n 9, j consolidadas pela jurisprudncia do STJ. Assim, o exequatur de medidas executrias em cartas rogat-rias, que podem ter por objeto atos decisrios e no decisrios; a tutela antecipada em homologao de sentenas estrangeiras, a possibilidade do auxilio direto nos casos de inadequao de delibao da deciso estrangeira, a autorizao de medida executria em carta rogatria sem prvia oitiva da parte interessada encontram previso na alu-dida Resoluo.

    Essas mudanas no decorreram de alterao legislativa, mas, sim de uma mu-dana cultural.

    Na Cooperao Internacional, o Judicirio precisa ter, papel mais ativo. O ideal seria que a cooperao fosse efetiva diretamente, sem a obrigatoriedade da tramitao dos pedidos pela via da autoridade (que no Brasil o Executivo) ou pela via diplomti-ca. O princpio da confiana deve nortear as relaes dos Judicirios de pases diversos, assim como a confiana existente entre os juzes de um mesmo pas.

    Este manual sobre a Cooperao Jurdica Internacional contribuir em muito para aqueles que se dedicam ao estudo e aplicao de um tema to palpitante quanto ainda desconhecido pelo mundo jurdico brasileiro.

  • 32 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 32 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 33COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2012 33

    1 . 4 . A IMPORTNCIA DA C O OPER AO JURDICA

    INTERNACIONAL PAR A A ATUAO D O ESTAD O BR ASILEIRO NO PL ANO

    INTERNO E INTERNACIONAL

    Nadia de Araujo13

    The scale of that activity which forms the subject matter of this book, international co-operation in civil and criminal matters, has grown quite dramatically in very recent years. It increasingly engages the attention of lawyers in private practice, in the offices of corporate legal counsel and in govern-ment service.

    David McLean

    I. Importncia do tema e seu desenvolvimento

    O mundo como aldeia global tem cada dia mais interaes instantneas e interna-cionais. Toda essa comunicao e mobilidade geram relaes de ordem pessoal, institu-cional e comercial, sem levar em considerao as fronteiras nacionais, a cada dia mais tnues. A acentuada internacionalizao da vida diria contm muitas consequncias para a vida jurdica, de ordem positiva e negativa. Na primeira, destacam-se as questes ligadas pessoa humana, ao direito de famlia, e ao aumento das transaes internacio-nais, tanto entre comerciantes como com os consumidores. Na segunda, o aumento da litigiosidade com caractersticas internacionais, ligadas esfera cvel e penal.

    13. Doutora em Direito Internacional, USP; Mestre em Direito Comparado, GWU; Professora de Direito Internacional Privado, PUC-Rio; Procuradora de Justia do Estado do Rio de Janeiro.

  • 34 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 34 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    A preocupao do Estado brasileiro com a cooperao jurdica internacional tem aumentado, porque cada dia maior o contingente de brasileiros que esto no exterior. H novos contornos da insero internacional do pas e preciso combater o crime de carter transnacional. No plano administrativo, destaca-se a criao do Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Internacional, em 2004, e no plano legislativo, a internalizao de uma srie de tratados internacionais nos ltimos anos, em decor-rncia direta da atuao desse rgo. A partir de 2010, com a tramitao de um projeto de Cdigo de Processo Civil no Congresso, a Cooperao Jurdica Internacional tam-bm entrou na pauta da legislao interna, pois o projeto a regulamenta de forma dife-renciada, em um captulo prprio. Atualmente o projeto est em tramitao na Cmara dos Deputados, depois de ser aprovado no Senado.

    Alm disso, como pano de fundo da cooperao jurdica internacional, est pre-sente a questo do respeito aos direitos humanos e dos direitos fundamentais do indi-vduo, ponto axial de todo o ordenamento jurdico brasileiro, especialmente depois da proeminncia que lhe foi dada pela Constituio de 1988.

    Por isso, no pode faltar discusso do tema um olhar sobre dois prismas distin-tos que dizem respeito perspectiva a ser adotada na hora de concretizar a cooperao internacional: de um lado, uma perspectiva ex parte principis, ou seja, a lgica do Esta-do preocupado com a governabilidade e com a manuteno de suas relaes interna-cionais; de outro, a perspectiva ex parte populi, a dos que esto submetidos ao poder, e cuja preocupao a liberdade, e tendo como conquista os direitos humanos14.

    O Estado brasileiro precisa ter essas duas perspectivas como prioridade ao es-tabelecer os mecanismos de cooperao jurdica internacional, seja quando entra em acordos internacionais, assumindo obrigaes perante outros estados soberanos, seja quando procura dar assistncia a brasileiros que esto no exterior, ou que esto aqui, mas tm necessidades com reflexos internacionais.

    II. Definio

    Cooperao jurdica internacional, que a terminologia consagrada15, significa, em sentido amplo, o intercmbio internacional para o cumprimento extraterritorial

    14. Para uma discusso mais aprofundada desses conceitos, ver LAFER, Celso, A Reconstruo dos Direitos Humanos, So Paulo, Cia. Das Letras, 1988, p. 125 e seguintes.

    15. PERLINGEIRO, Ricardo, Cooperao Jurdica Internacional in O Direito Internacional Contempor-neo, org. Carmen Tibrcio e Lus Roberto Barroso, Rio de Janeiro, Renovar, 2006, p.797/810. Sobre a defini-o: A preferncia pela expresso cooperao jurdica internacional decorre da idia de que a efetividade da jurisdio, nacional ou estrangeira, pode depender do intercmbio no apenas entre rgos judiciais, mas tambm entre rgos administrativos, ou, ainda, entre rgos judiciais e administrativos, de Estados distintos.

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 35COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2012 35

    de medidas demandadas pelo Poder Judicirio de outro Estado. Isso porque o Poder Judicirio sofre uma limitao territorial de sua jurisdio atributo por excelncia da soberania do Estado, e precisa pedir ao Poder Judicirio de outro Estado que o auxilie nos casos em que suas necessidades transbordam de suas fronteiras para as daque-le. Por essa razo, tradicionalmente tambm se incluiria nesta matria o problema da competncia internacional, j que nesse tpico trata-se dos limites jurisdio, mas para os fins desta introduo no se vai cuidar desse assunto. Hoje h novas possibi-lidades de uma atuao administrativa do Estado nesta matria, em modalidades de contato direto entre os entes estatais.

    O fluxo de atos de cooperao jurdica internacional se intensificou nos ltimos anos pelos fatores j mencionados, com especiais reflexos na rea penal. No entanto, sua prtica era conhecida do judicirio brasileiro desde o imprio, pois j circulavam cartas rogatrias e sentenas estrangeiras entre o Brasil e Portugal.

    No plano internacional, a cooperao jurdica internacional frequentemente foi objeto de negociaes internacionais visando o estabelecimento de regras uniformes para a matria, para serem utilizadas pelos pases. Essas normas, de origem interna-cional, so convenientes porque garantem maior rapidez e eficcia ao cumprimento das medidas provenientes de outro pas ou endereadas ao estrangeiro e ampliam o seu escopo.

    O crescimento do volume de demandas envolvendo interesses transnacionais acarretou o incremento das aes de carter legislativo, jurisprudencial e doutrinrio dos mecanismos de cooperao jurdica internacional16. Mas no se pode perder de vista as dificuldades da atividade de cooperao jurdica internacional entre as auto-ridades pblicas, pois se trata de uma questo que atinge vrios pases. Note-se que por conta do conceito arraigado de soberania existente no direito interno, que se tra-duz pelas regras atinentes jurisdio estatal e pelas deficincias de informao sobre outros sistemas jurdicos o tema considerado complexo17. O respeito obrigao de promover a cooperao jurdica internacional imposto pela prpria comunidade in-ternacional18. Qualquer resistncia ou desconfiana com relao ao cumprimento de atos provenientes do estrangeiro deve ceder lugar ao princpio da boa-f que rege as re-laes internacionais de pases soberanos, tanto nos casos cveis quanto penais. Afinal, o mundo est cada dia menor e mais prximo.

    16. O Ministrio da Justia elaborou uma Lei de Cooperao Jurdica Internacional, que ainda no foi enca-minhada ao Poder Legislativo. A criao e consolidao do DRCI, tambm uma indicao dessa tendncia. www.mj.gov.br/drci.

    17. SCHLOSSER, Peter, Jurisdiction and International Judicial and Administrative Co-operation, in Recueil des Cours, The Hague, Martinus Nijhoff, 2001, p. 26.

    18. Nesse sentido, enfatizando a necessidade de cooperar dos Estados, confira-se a Resoluo da Assemblia Geral da ONU, n. 2526, 1970, disponvel em www.un.org.

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    III. Caractersticas da Cooperao Jurdica Internacional

    As relaes internacionais voltadas para a cooperao jurdica internacional con-vivem hoje com um grande nmero de organizaes internacionais e um complexo emaranhado de normas. Alm da troca entre tribunais, h trocas de carter adminis-trativo, como as relativas s autoridades centrais em convenes multilaterais ou bila-terais.

    Isso exige dos rgos responsveis pela prestao jurisdicional uma comunica-o constante e ampla troca de informaes. dirio o ato de cumprir e requisitar providncias diversas de outros pases. Consequentemente, necessrio estabelecer a cooperao jurdica internacional, mecanismo pelo qual autoridades competentes dos estados se prestam auxlio recproco, seja para executar em seu pas atos processuais que pertencem a processos que acontecem no estrangeiro, seja para obter medidas na-cionais que atendam demanda da autoridade aliengena.

    No plano internacional, destaca-se o trabalho realizado desde o incio do sculo vinte, pela Conferncia da Haia da Direito Internacional Privado, cujos instrumentos mais conhecidos so na rea processual e no direito de famlia e infncia19.

    A criao de um sistema de comunicao baseado em autoridades centrais com esta funo, incrementando a cooperao administrativa entre os Estados, uma das realizaes de sucesso da Conferncia da Haia, e que vem sendo utilizada no s neste frum. Por exemplo, o modelo de Autoridades Centrais foi adotado nas convenes realizadas pelas Conferncias Interamericanas Especializadas em Direito Internacional Privado, CIDIPs, promovidas pela Organizao dos Estados Americanos, OEA, e em inmeras convenes multilaterais e bilaterais20. No Brasil, essa funo est centraliza-da no Ministrio da Justia, atravs da atuao do Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Internacional, alm de alguns outros rgos em casos especfi-

    19. No Brasil, o Estatuto da Conferncia foi aprovado pelo Decreto Legislativo n. 41, de 1998, depois pro-mulgado pelo Decreto n. 3832, de 1 de junho de 2001. O Brasil foi admitido como membro em novembro de 2001, segundo o stio da Conferncia da Haia. H duas convenes j ratificadas pelo Brasil: a Conveno sobre adoo internacional, pelo Decreto n. 3.087, de 1999, tendo o decreto n. 3.174, de 1999, esclarecido a organizao das autoridades centrais para esta conveno; a Conveno sobre os aspectos civis do sequestro de menores, promulgada no Brasil pelo Decreto n. 3.413, de 14/04/2000. A funo de autoridade central desta conveno foi estabelecida pelo Decreto 3951, de 2001, sendo designada a Secretaria Extraordinria de Direi-tos Humanos. Em 2007 foi finalizada pela Conferncia da Haia a Conveno sobre a cobrana internacional de alimentos para crianas e outros membros da famlia. O DRCI participou ativamente das negociaes ini-ciadas em 2003 e que culminaram na aprovao de 2007. Tambm criou um grupo de trabalho para analisar a compatibilidade da conveno com o direito brasileiro, com vistas a sua remessa ao Congresso Nacional com parecer detalhado sobre as possveis reservas e declaraes.

    20. Para maiores informaes ver o site www.mj.gov.br/drci, com a lista das convenes em que o Brasil parte. Para o trabalho da OEA, cf., www.oas.org, e para o trabalho da Conferncia da Haia, cf. www.hcch.net.

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 37COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2012 37

    cos21.

    Outro campo em que a cooperao jurdica internacional tem ganha-do destaque nos processos de integrao. Na Unio Europia, j se fala hoje em um espao jurdico europeu. A regulamentao da matria comum e a cir-culao de atos e decises, simplificada22. No Mercosul h iniciativas simila-res, mas que ainda no atingiram o grau de integrao da experincia europia23.

    IV. A cooperao jurdica internacional no Brasil:

    Regulamentao e caractersticas:

    No Brasil, a legislao interna que regulamenta a cooperao jurdica internacio-nal fragmentada. No h uma lei especfica cuidando de toda a matria, que est pre-sente, de forma esparsa, em diversos diplomas legais. De forma no exaustiva, destaca-se a Lei de Introduo ao Cdigo Civil (LICC), que agora se chama Lei de Introduo s normas do Direito Brasileiro (LIN)24, o Cdigo de Processo Civil, a Resoluo n. 9 do STJ e a Portaria Interministerial n 501 MRE/MJ de 21/03/2012. Tambm h inmeros diplomas de carter internacional, como convenes multilaterais e bilaterais que cui-dam da cooperao jurdica internacional entre o Brasil e alguns estados25.

    21. No Brasil, foi designado para exercer o papel de autoridade central em cooperao jurdica internacional, tanto em matria civil quanto em matria penal, o Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Jurdica internacional (DRCI), criado por meio do Decreto no 4.991, de 18 de fevereiro de 2004. Atualmente, regula a matria o Decreto n 6.061/2007, que manteve a estrutura do decreto anterior, mas esclareceu melhor as funes da Autoridade Central. H algumas excees, quando em convenes especficas poder haver outra Autoridade Central designada, como no caso acima da Conveno da Haia sobre os aspectos civis do sequestro de menores. Na rea penal, o Ministrio Pblico Federal a autoridade central para o acordo de cooperao penal com Portugal e com o Canad. Com relao a este ltimo, o DRCI tambm atua como Au-toridade Central, com base na Conveno Interamericana sobre Assistncia Mtua em Matria Penal. J com relao a Portugal, o DRCI atua como Autoridade Central nos casos ligados ao trfico de drogas e ao combate corrupo e ao crime organizado transnacional, com base nas respectivas convenes das Naes Unidas.

    22. H inmeras iniciativas que configuram o que se convencionou chamar de Espao Europeu de Justia. Cf. www.europa.eu.int/comm/justice.

    23. Para os acordos especficos do Mercosul que j foram ratificados, confira-se o stio do Ministrio da Justia, em www.mj.gov.br/drci.

    24. Em 30 de dezembro de 2011, foi editada a Lei 12.376, que alterou to somente a ementa do Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942, tambm conhecida como Lei de Introduo ao Cdigo Civil (LICC), para ampliar seu campo de aplicao e mudar sua denominao para Lei de Introduo s normas do Direito Brasileiro (LIN).

    25. Para a lista dos acordos internacionais bilaterais, tanto na rea cvel, quanto penal, j ratificados pelo Brasil, confira-se o stio do Ministrio da Justia, em www.mj.gov.br/drci.

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    A cooperao jurdica internacional, de cunho tradicional, se efetiva atravs de cartas rogatrias e do reconhecimento e execuo de sentenas estrangeiras, institutos consagrados no direito processual civil brasileiro e de outros pases. H, ainda, aes de cunho administrativo e a representao judicial do Estado estrangeiro, hoje conhe-cidas como auxlio direto, que sero analisadas em mais detalhes a seguir. Tambm so comuns pedidos de informaes sobre o direito estrangeiro que podem ocorrer entre autoridades centrais e mesmo entre tribunais. Na rea penal, o instituto da extradio outro exemplo clssico de cooperao entre Estados.

    A cooperao internacional pode ser classificada em ativa, quando o requerente o rgo brasileiro, ou passiva, quando o Estado brasileiro requerido. H diferena marcante entre as duas modalidades, j que na cooperao passiva, em muitos casos, necessrio um procedimento prvio, antes de seu cumprimento. Concentrado no Su-premo Tribunal Federal desde os anos trinta do sculo vinte, essa competncia origin-ria foi transferida ao Superior Tribunal de Justia pela Emenda Constitucional n. 45/04. Neste Tribunal, so processadas as cartas rogatrias e os pedidos de homologao de sentenas estrangeiras. A carta rogatria ativa, no momento de seu envio, dever cum-prir os requisitos da lei brasileira26, alm de conformar-se, naquilo que for especfico, com a legislao aliengena. Seu envio de responsabilidade do Ministrio da Justia, atravs do DRCI27.

    Se aprovado, o Projeto de Cdigo de Processo Civil, ora em tramitao trar um acrscimo importante legislao interna sobre os procedimentos de cooperao ativa antes existente apenas por regulamentaes de cunho administrativo. H uma seo que cuida dos procedimentos e define o Ministrio da Justia como autoridade central se no houver outra designao especfica (artigo 30, pargrafo primeiro), e especifica sua competncia. A traduo dos documentos para a lngua oficial do estado requeri-do ser da responsabilidade do rgo remetente. Com relao aos pedidos passivos, a seo ainda esclarece que sero considerados autnticos os documentos que tramitam pelas autoridades centrais ou pela via diplomtica, dispensando-se legalizaes e au-tenticaes.

    26. Os requisitos devem estar conforme o art. 202, do Cdigo de Processo Civil: Art. 202. So requisitos essenciais da carta de ordem, da carta precatria e da carta rogatria: I a indicao dos juzes de origem e de cumprimento do ato; II o inteiro teor da petio, do despacho judicial e do instrumento do mandato conferido ao advogado; III a meno do ato processual, que lhe constitui objeto; IV o encerramento com a assinatura do juiz.

    27. Sobre o trmite desses pedidos, veja-se informao do stio do Ministrio da Justia: Os pedidos ativos de cooperao jurdica internacional devem ser remetidos, via postal ou pessoalmente, ao Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Jurdica Internacional do Ministrio da Justia - DRCI. Os pedidos de cooperao jurdica internacional ativos que cumpram todas as formalidades necessrias ao seu encaminha-mento para o exterior seguem, via postal, s autoridades estrangeiras. O DRCI pode encaminhar diretamente Autoridade Central estrangeira ou Diviso Jurdica do Departamento Consular e Jurdico do Ministrio das Relaes Exteriores.

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 39COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2012 39

    Esses procedimentos de autenticao no exterior sempre representaram grande burocracia e custo para as partes. A sua dispensa na tramitao entre autoridades cen-trais muito positiva e j fora objeto de inmeras impugnaes em cartas rogatrias. Apesar de pacificada a sua desnecessidade pelo STJ, a nova previso legal traz seguran-a jurdica s partes.

    No que diz respeito s questes formais, o STJ, na esteira do que decidia o STF, bastante cuidadoso com a verificao de todos os elementos necessrios para a conces-so do exequatur, sendo corriqueiro cartas rogatrias serem indeferidas, sem prejuzo de nova remessa, por falta de documentos ou elementos formais. Essas regras, con-solidadas atravs dos anos pela prtica diuturna da cooperao no estavam, todavia, codificadas.

    Um ponto que passa despercebido pelos estudiosos da cooperao jurdica inter-nacional que os instrumentos utilizados servem tanto para a cooperao no mbito civil quanto no mbito penal, j que esta ltima no conta com regras especficas para o trmite de seus atos.

    Na rea cvel h muitos pedidos de citao de pessoas domiciliadas no Brasil, na maior parte para casos de direito de famlia, bem como a homologao rotineira de sentenas de divrcio. Alm disso, h questes comerciais que so objeto desses ins-trumentos, tendo havido grande crescimento nos pedidos de homologao de laudos arbitrais estrangeiros.

    Na rea penal, a cooperao se dava principalmente atravs da extradio, uma vez que a maior parte dos crimes era essencialmente territorial e a mobilidade do cida-do, menor. O mais comum era a fuga do criminoso para outro pas. Nos dias de hoje o cenrio se modificou inteiramente, com a expanso do crime extraterritorial e a maior facilidade dos estados de obterem a entrega de criminosos de forma diversa da extra-dio. As ramificaes internacionais do crime so mais presentes, como a conexo do crime de lavagem de dinheiro com outros, como o de corrupo, o de terrorismo, e os de trfico de drogas ou pessoas.

    Neste sculo, o aumento de pedidos tanto da rea cvel quanto penal expressivo. ttulo informativo, ressalte-se que a numerao iniciada nos anos trinta do sculo vinte no STF chegou a aproximadamente dez mil cartas rogatrias e sete mil sentenas estrangeiras at o final de 2004, quando a competncia foi transferida ao STJ, por fora da EC 45/04. No STJ, que comeou a receber esses pedidos no incio de 2005, a nume-rao das cartas rogatrias j ultrapassou seis mil e a de sentenas estrangeiras, cinco mil at meados de 2011. Nota-se nitidamente o incremento da matria, tendo o STJ dinamizado o cumprimento desses atos, que hoje tramitam de forma clere, sempre que no forem impugnados.

    O Projeto de Cdigo de Processo Civil, no seu artigo 25, regula a Cooperao ju-

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    rdica internacional, que segundo explicita ser regida por tratado do qual a Repblica Federativa do Brasil seja parte, e acrescenta que na sua ausncia poder realizar-se com base em reciprocidade, manifestada na via diplomtica. Porquanto a meno aos tratados internacionais como fonte primria da Cooperao Jurdica Internacional seja positiva, a referncia do pargrafo nico reciprocidade no boa. Isso porque o Brasil jamais fez essa exigncia para cumprir pedidos de cooperao. Carmen Tiburcio, em texto recente sobre o projeto, lamenta a incluso, que considera um retrocesso. Essa disposio no merece prosperar no Projeto e espera-se que esse item seja retirado durante a discusso na Cmara dos Deputados28.

    Inclui-se ainda na cooperao jurdica internacional a transferncia de presos para o cumprimento da pena em outro pas, considerado como um direito do preso a estar prximo de seu pas e familiares e objeto de inmeros tratados bilaterais na atualidade.

    Cartas Rogatrias

    As cartas rogatrias destinam-se ao cumprimento de diversos atos, como citao, notificao e cientificao, denominados ordinatrios ou de mero trmite; de coleta de prova, chamados instrutrios; e ainda os que contm medidas de carter restritivo, cha-mados executrios. o veculo de transmisso de qualquer pedido judicial, podendo estes ser de carter cvel ou penal.

    Trata-se de um pedido formal de auxlio para a instruo do processo, feito pela autoridade judiciria de um Estado a outro. Est regulada no Cdigo de Processo Civil CPC, no captulo referente comunicao dos atos (artigo 201)29. No projeto de C-digo de Processo Civil em andamento, sua regulamentao est no captulo dedicado

    28. TIBURCIO, Carmen, Nota Doutrinria sobre trs temas de Direito Internacional Privado no Projeto de Novo Cdigo de Processo Civil, in Revista de Arbitragem e Mediao, n. 28, 2011, p. 139/146. Nas suas pala-vras: O art. 25, pargrafo nico do Projeto condiciona, na ausncia de tratado, a cooperao jurdica interna-cional prestada pelo Estado brasileiro a Estado estrangeiro reciprocidade. Trata-se de imensurvel retrocesso, infundada exigncia e criticvel posio. Basta aqui dizer que, com exceo de dois anos ainda durante o Imp-rio, o direito brasileiro nunca exigiu reciprocidade para homologao de sentenas estrangeiras e cumprimento de cartas rogatrias. E continua: E aqui a razo simples: diferentemente do que ocorre, por exemplo, na extradio, em que o interesse preponderante dos Estados envolvidos, na homologao e na carta rogatria so as partes as maiores interessadas. Homologa-se no propriamente no interesse do Estado estrangeiro, mas sim do casal que se divorcia na Frana, da sociedade empresria que julgada no culpada do descumprimento de contrato na Inglaterra, do consumidor que obtm indenizao por vcio de produto em Nova Iorque, esses so os beneficiados pela homologao e pela carta rogatria.

    29. Art. 201 do CPC: Expedir-se- carta de ordem se o juiz for subordinado ao tribunal que dela emanar; carta rogatria quando dirigida autoridade judiciria estrangeira; e carta precatria nos demais casos.

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 41COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2012 41

    cooperao jurdica internacional, separada do local onde se regulamentam os atos em geral. A carta rogatria a primeira modalidade de cooperao (artigo 27, I), e poder ter por objeto todas as diligncias elencadas no artigo 2830.

    Devido convivncia de inmeros diplomas internacionais sobre a matria tan-to de cunho bilateral como multilateral , o seu tratamento no uniforme. Destacam-se as seguintes situaes: primeiro, as normas vigentes para os pases com os quais o Brasil possui regras internacionais j definidas, como, por exemplo, os pases membros do Mercosul; em segundo, no caso de um tratado ou conveno sobre cooperao ju-risdicional bilateral, v.g., a conveno existente com a Frana, com a Espanha e com a Itlia. Em terceiro, a situao dos pases com os quais o Brasil no possui qualquer tratado ou conveno internacional, aplicando-se a esses casos as regras da legislao ordinria.

    H previso para a sua execuo no Brasil, desde meados do sculo dezenove. Antes do Aviso Circular n 1, de 1847, era comum que juzes as recebessem, direta-mente da parte interessada e as cumprissem sem qualquer formalidade. A maior parte era proveniente de Portugal, e seu cumprimento no Brasil se dava sem que o governo imperial tivesse qualquer cincia a respeito, inclusive as de carter executrio.

    O Aviso Circular n 1 e os regulamentos posteriores disciplinaram a matria, per-mitindo seu recebimento por via diplomtica ou consular, por apresentao do inte-ressado, ou por remessa direta de juiz a juiz. O surgimento do exequatur deu-se com a Lei n 221, de 10 de novembro de 1894, que instituiu um procedimento prvio de admissibilidade, primeiramente da alada do Poder Executivo, e, com o advento da Constituio de 1934, do Poder Judicirio. Neste ltimo, concentou-se no Supremo Tribunal Federal, que desde ento deteve competncia originria para cuidar da ma-tria. Uma das proibies da Lei n 221, era a concesso de exequatur para medidas de carter executrio. No entanto, depois da revogao desta proibio. O STF continuou a denegar esses pedidos por entender que consistiam em uma ofensa ordem pblica e estabeleceu firme jurisprudncia sobre o tema. Com a entrada em vigor da EC n 45/04, a competncia foi transferida para o STJ, que acabou por modificar a posio anterior

    30. Projeto de Cdigo de Processo Civil, PLS n. 166, apresentado no Senado em 2010. Redao do Relatrio-Geral apresentado pelo Senador Walter Pereira, atualmente em tramitao na Cmara dos Deputados: Art. 27. Os pedidos de cooperao jurdica internacional sero executados por meio de: I - carta rogatria; II - ao de homologao de sentena estrangeira; e III - auxlio direto. Pargrafo nico. Quando a cooperao no decorrer de cumprimento de deciso de autoridade estrangeira e puder ser integralmente submetida autoridade judiciria brasileira, o pedido seguir o procedimento de auxlio direto. Art. 28. O pedido de coo-perao jurdica internacional ter por objeto: I - comunicao de atos processuais; II - produo de provas; III - medidas de urgncia, tais como decretao de indisponibilidade, sequestro, arresto, busca e apreenso de bens, documentos, direitos e valores; IV - perdimento de bens, direitos e valores; V - reconhecimento e execuo de outras espcies de decises estrangeiras; VI obteno de outras espcies de decises nacionais, inclusive em carter definitivo; VII informao de direito estrangeiro; VIII prestao de qualquer outra forma de cooperao jurdica internacional no proibida pela lei brasileira.

  • 42 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 42 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    do STF, sobre cartas rogatrias executrias.

    O STJ incluiu permisso expressa nesse sentido na Resoluo n 9, artigo 7, que estatuiu: As cartas rogatrias podem ter por objeto atos decisrios ou no decisrios. So de vrios tipos os casos julgados pelo STJ, de cartas rogatrias executrias, tanto na rea cvel quanto penal. A maioria relativa s questes de busca e apreenso de menores, informaes referentes ao sigilo bancrio31 e penhora de bens32.

    Destaca-se a deciso do STJ na CR 438, em que, entre outras diligncias, se re-queria a quebra de sigilo bancrio para apurao de crime de lavagem de dinheiro. Ao conceder o exequatur, o Ministro Luz Fux foi sensvel s modificaes que a EC 45/04 promovera, e necessidade de que o STJ assumisse posio mais alinhada