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Maldição dos recursos naturais e os riscos de
desindustrialização no Brasil
Rodrigo Loureiro Medeiros
(UFES)
Resumo O presente artigo busca analisar, a partir de uma perspectiva
interdisciplinar apresentada nas suas seções, as articulações entre o
desenvolvimento e os riscos para os arranjos e sistemas industriais
brasileiros, considerando no presente um velho fantasma da teoria do
desenvolvimento econômico: "a maldição dos recursos naturais". A
perspectiva interdisciplinar adotada neste artigo baseia-se na
macroeconomia do desenvolvimento de matriz keynesiana, com
abertura para o tratamento da multidimensionalidade desse complexo
processo socioeconômico.
Palavras-chaves: Teoria do desenvolvimento; sistemas industriais
brasileiros; processo socioeconômico.
12 e 13 de agosto de 2011
ISSN 1984-9354
VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011
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1. Introdução
Na teoria do desenvolvimento econômico nada parece ser mais dramático do que a maldição
dos recursos naturais. O debate sobre a mesma não é novo. Pode-se com certeza afirmar que o
mesmo foi mais feroz alhures, como parecem ser os casos da Venezuela e dos demais países
dependentes da exportação de petróleo. Entretanto, mais recentemente no Brasil, a perspectiva
de exploração e produção da camada pré-sal, mais de 50 bilhões de barris de petróleo,
demanda alguma atenção e debate racional.
Como aproximadamente 44% das exportações brasileiras são oriundas de commodities,
alguma reflexão sobre essa questão se faz necessária no presente. A maldição dos recursos
naturais pode ser interpretada no Brasil como um caso de “doença holandesa” (Bresser-
Pereira, 2005). Esta, por sua vez, traduz-se em um viés desindustrializante para países que
apresentam abundância de recursos naturais. O caso brasileiro é, por certo, distinto dos casos
de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities
primárias, seus riscos não devem ser subestimados.
A doença holandesa é resultante da apreciação artificial da moeda nacional em relação à
moeda de circulação internacional (apreciação cambial) como decorrência do baixo custo dos
produtos exportados. No geral, atividades econômicas que exploram abundantes recursos
naturais (renováveis ou não). A perspectiva interdisciplinar adotada neste artigo baseia-se na
macroeconomia do desenvolvimento de matriz keynesiana, com abertura para o tratamento da
multidimensionalidade desse complexo processo socioeconômico (cf. Furtado, 2008 [1957];
Thirlwall, 2002; Sen, 2010).
O presente artigo busca analisar, a partir de uma perspectiva interdisciplinar apresentada nas
suas seções, as articulações entre o desenvolvimento e os riscos para os arranjos e sistemas
industriais brasileiros, considerando no presente um velho fantasma da teoria do
desenvolvimento econômico: “a maldição dos recursos naturais”.
2. Dimensões do processo de desenvolvimento
O processo de desenvolvimento é complexo. Dificilmente ele pode ser descrito de forma
unidimensional. Segundo Bunge (1980), o conceito de desenvolvimento deve ser integral, ou
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seja, biológico (saúde, nutrição e moradia), político, econômico e cultural. O enfoque na
multidimensionalidade do processo de desenvolvimento não é exclusividade da obra do
acadêmico Mario Bunge.
A idéia básica da multidimensionalidade consiste na tese de que a evolução de uma das
dimensões pressiona as demais no sentido de mudança (evolução). Para além do tradicional
reducionismo econômico, afirma Amartya Sen (2010: 16-7) que o “desenvolvimento requer
que se removam as principais fontes de privação da liberdade: pobreza e tirania, carência de
oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e
intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos”. Costuma-se, recorrentemente,
reduzir o desenvolvimento ao mero crescimento do produto interno bruto (PIB). Não que o
seu crescimento seja irrelevante; ele é importante, porém não encerra a discussão sobre
desenvolvimento. Efeitos do desenvolvimento de conhecimentos, por exemplo, já são muito
estudados (Gomory e Baumol, 2000). Para que se tenha uma noção dessa relevância, logo
abaixo se apresenta a distribuição dos gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no
mundo. Notam-se, de imediato, as assimetrias entre as regiões.
América do Norte, União Européia e Japão dominam a alta tecnologia, sendo que respondem
por aproximadamente 90% do potencial tecnocientífico (Paulet, 2009). Os principais
laboratórios de P&D estão concentrados nos países industrializados. Essas são as vantagens
comparativas que são construídas pelo desenvolvimento de conhecimentos.
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No Brasil, o livro azul da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação apontou
para a necessidade do país passar por um “choque de inovação” acompanhado de uma
“revolução na educação” (Brasil, 2010). Compreende-se, nesse mesmo documento, que o
desenvolvimento do Brasil só se sustentará ao longo do tempo com a elevação dos esforços
sistêmicos de ciência, tecnologia e inovação (C, T & I) por parte dos diversos atores que
compõem a sociedade brasileira. Estima-se, para tanto, que se faz necessário elevar no Brasil
o gasto com inovação de pouco mais de 1% para 2,5% em relação ao PIB. Enfatizou-se ainda
a necessidade de um maior protagonismo do setor privado. No presente, há claras evidências
da desindustrialização de atividades econômicas e cadeias produtivas e sinais de como elas se
correlacionam com aspectos sociais relevantes (Bresser-Pereira, 2010).
Vejamos o que se passa, por exemplo, com a formação de profissionais de engenharia. Essa é
efetivamente uma questão preocupante, pois “esses profissionais estão geralmente associados
aos processos de melhoria contínua dos produtos e da produção, à gestão do processo
produtivo e também às atividades de inovação e pesquisa e desenvolvimento (P&D) das
empresas” (Iedi, 2010). Segue logo abaixo a baixa proporção brasileira desses profissionais.
Compreendendo a correlação positiva entre educação e desenvolvimento, o já citado livro
azul menciona a necessidade de uma “revolução na educação” (Brasil, 2010). Para se ter uma
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rápida idéia da dimensão do problema, basta mencionar que o Brasil não possui uma posição
boa no ranking de ciências do programa internacional de avaliação de estudantes, o Pisa 2009.
O Brasil ficou com a 53ª posição de um ranking de 65 países. Há, portanto, a clara
necessidade de se procurar melhorar a qualidade da educação brasileira. A própria qualidade
de sua democracia teria muito a ganhar com essa melhora. Essa não seria a única dimensão do
desenvolvimento brasileiro beneficiada com o investimento no povo. Segundo afirma
Theodore Schultz (1987: 47), “há considerável número de estudos que mostram que o
fornecimento de aptidão empreendedora é definitivamente aumentado por um ensino escolar
adicional”. Inclusive para que os atores sociais se adaptem melhor a mudanças econômicas. O
Brasil convive com problemas quantitativos e qualitativos na educação.
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Chama ainda atenção um estudo coordenado por Marcelo Neri (2009), que detectou o
desinteresse como o principal motivo da evasão escolar entre jovens de 15 e 17 anos no
Brasil, aproximadamente 40%. Segundo Neri, “é preciso que se informe a população sobre a
importância da educação” (p.4). De pouco adiantará expandir e melhorar a qualidade do
ensino se não houver uma maior consciência da parte dos usuários do sistema. Afinal, esses
são os atores sociais que, além de interessados, garantirão o êxito das políticas de educação.
Do ponto de vista do custo de oportunidade, essa situação no Brasil representa um grande
paradoxo, pois para cada ano de estudo estima-se um retorno de 15% na renda. Não se pode
deixar de destacar haver uma correlação positiva entre renda per capita e industrialização
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(Thirlwall, 2002). Vejamos algumas informações públicas: em 1988, a renda per capita média
dos oito principais países desenvolvidos - Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino
Unido, Itália, Canadá e Austrália - era de aproximadamente US$18.000, enquanto a renda
média dos oito principais países “emergentes” - China, Índia, Brasil, Rússia, Indonésia,
México, Argentina e África do Sul - era de US$1.300. A diferença da renda média era, em
1988, de US$16.700. No ano de 2008, por sua vez, a renda per capita média desses oito países
desenvolvidos atingiu a casa dos US$43.000, enquanto a renda média daqueles oito países
subdesenvolvidos chegou a US$6.000. A diferença de renda per capita entre os dois grupos de
países aumentou de US$16.700 para US$37.000 entre 1998 e 2008.
Nesse contexto de grandes assimetrias globais, muitos ainda se perguntam se algo mais pode
ser feito. Na prática, destaca-se a lúcida e concisa visão de Gilberto Dupas (2004: 34-5):
(...) é fantasioso imaginar ser possível um sensível e rápido acréscimo do
conteúdo da produção local de um grande país da periferia sem uma intensa
e pragmática negociação com essas corporações internacionais, estimulando-
as a incorporar-se às políticas locais de geração de valor. Afinal, são elas que
determinam, em boa medida, que partes, componentes ou produtos finais de
suas cadeias serão produzidos em determinado país.
Algum nível de negociação precisa ser mediado pelo Estado-nação. Vejamos o que diz um
importante acadêmico sobre a intervenção do Estado no jogo econômico. “A linha divisória
entre atividade estatal e atividade privada”, sugere Jan Tinbergen (1975: 33), “é, portanto,
originalmente, mais ou menos empírica, sendo, por isso, razoável a questão quanto a se
poderá haver uma demarcação mais sistemática entre as duas”. Em quase todos os países o
Estado costuma exercer influência, ainda que indireta, sobre as atividades privadas.
Mesmo um adepto do pensamento neoclássico-institucional, como é o caso de Thráinn
Eggertsson (1990), compreende serem os resultados econômicos dependentes do modo como
são organizadas as sociedades e as atividades de Estado. As regras do jogo (instituições),
formais e/ou informais, exercem influência no seu resultado; o peso e as possibilidades dos
atores (organizações) não são os mesmos nesse processo. Nesse contexto, pode uma eficiente
e esclarecida intervenção estatal no jogo econômico ainda se justificar?
Justin Lin (2009), economista-chefe do Banco Mundial, aponta para as linhas de menor
resistência, ou seja, a exploração dinâmica das vantagens comparativas. Essa linha estratégica
de desenvolvimento visa estimular as contínuas inovações tecnológicas e atualizações das
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suas estruturas industriais, assim como as correspondentes mudanças institucionais
demandadas pelo processo em curso, para que se logre êxito no desenvolvimento sustentado.
Lin ressalta a importância de um governo inteligente, indutor e facilitador como fundamental.
Essa argumentação é convergente com a proposta de Jan Tinbergen (1964: 21): “cada país
deve produzir aqueles produtos para os quais tem maior vantagem comparativa”.
Compreende-se que as estratégias desafiadoras das vantagens comparativas de um dado
momento costumam ser ineficientes, contraproducentes e mais onerosas inclusive do ponto de
vista político. Vantagens comparativas dinâmicas devem ser construídas a partir de
investimentos em capital físico e humano e na adoção de novas e melhores tecnologias de
produção. Outros acadêmicos pensam de forma distinta, mas não tão divergente.
Paul Krugman, por exemplo, afirma que “existem ocasiões em que o apoio decisivo a uma
indústria doméstica contra seus competidores estrangeiros pode ser de interesse nacional”
(1997: 289). Existem casos inclusive em que uma política temporária de apoio a uma indústria
em competição internacional pode criar círculos virtuosos na base doméstica nacional,
ampliando as vantagens competitivas de uma nação. Bom senso, naturalmente, é fundamental
para se desafiar as vantagens comparativas de um dado momento.
Para Michael Porter (2009: 171), “a competitividade de um país depende da capacidade de
suas indústrias de inovar e de melhorar”. Segundo esse autor, a base doméstica é a plataforma
em que se criam, sustentam e ampliam as vantagens competitivas. Ela pode exercer forte
influência sobre outros setores internos e gerar benefícios na economia nacional. Apesar da
globalização da competição, a natureza da demanda doméstica, ressalta Porter, exerce efeito
desproporcionalmente elevado sobre como as empresas percebem, interpretam e respondem
às necessidades dos compradores. O Estado tem aqui importantes papéis a desempenhar,
induzindo o processo de desenvolvimento econômico e/ou atuando como construtor direto de
infraestruturas física e institucional.
Vejamos um pouco o que se passa no mundo. Empresas transnacionais sediadas nos países
desenvolvidos chegam a responder por dois terços do comércio global e três quartos dos
fluxos dos investimentos estrangeiros diretos. Nesse contexto em que se reconhece o
estratégico papel do conhecimento no desenvolvimento das estruturas industriais, as nações
mais prósperas protegem, invariavelmente, suas indústrias-chaves. A nacionalização da
montadora General Motors (GM) parece ter integrado esse tipo de ação, pois inovações de
grande porte não podem ser simplesmente confiadas apenas a pequenas e médias empresas
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nos mercados. O Departamento de Energia norte-americano, por sua vez, anunciou em 2010
que planeja gastar mais de US$40 bilhões em financiamentos e subsídios para estimular
empresas privadas a desenvolverem tecnologias verdes - carros elétricos, novas baterias,
turbinas eólicas e painéis solares.
Afinal, estaríamos vivendo uma época de fim do livre mercado? Ian Bremmer (2011) sugere
que sim e apresenta o elenco principal dos responsáveis pelo “capitalismo de Estado” – China,
Rússia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos. Nesse sistema, os governos usam os
mercados para gerar riqueza a ser direcionada para fins políticos. Imaginemos um cenário de
radicalização político-ideológica em que três quartos das reservas de petróleo se encontram
sob o controle de empresas estatais. Não é preciso muito esforço para se imaginar um cenário
de convulsão social de uma massa que se intitula excluída do processo de desenvolvimento.
Empresas controladas pelo Estado são utilizadas dessa forma para explorar as jóias da coroa e
criar um grande número de empregos. Ademais, há nessa modalidade de capitalismo a gestão
dos fundos soberanos – Sovereign Wealth Funds (SWF). Esses fundos administram uma
quantia que pode superar a casa dos US$6 trilhões. Somente a China controlaria um terço
desse total. Ian Bremmer sugere que a principal motivação não é de natureza econômica, mas
política – maximização do poder do Estado no concerto das nações. Trata-se essa de uma
nova forma de mercantilismo? Deve-se destacar que mesmo Bremmer reconhece que “a
economia de nenhum país é puramente norteada pelo capitalismo estatal ou pelos livres
mercados” (2011: 53). O grau de intervenção dos governos em cada país oscila de acordo com
as circunstâncias históricas e suas tradições.
Mas se a mão invisível do mercado é tão boa como argumentam muitos economistas, por que
então precisamos de governos? A resposta, afirma Gregory Mankiw (2008: 10), “é o fato de
que a mão invisível precisa que o governo a proteja”. Seguindo a linha de raciocínio desse
autor, há dois motivos básicos para que um governo interfira na economia – promover a
eficiência e a equidade: “a maioria das políticas tem por objetivo ou aumentar o bolo
econômico ou mudar a maneira como o bolo é dividido” (p.11). Apesar de se considerar
teoricamente que a mão invisível conduza os mercados na alocação eficiente de recursos, isso
nem sempre ocorre. Falhas de mercado e externalidades, por exemplo, são recorrentes em
diversos contextos, inclusive nos mais desenvolvidos.
Em que se pesem as divergências de perspectivas entre os autores expostos nesta seção, pode-
se afirmar que não existe uma única receita de desenvolvimento universal. Trata-se o
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desenvolvimento de um complexo processo que desafia e pressiona as sociedades organizadas
a evoluírem de forma multidimensional – cultural, institucional, política, tecnológica,
econômica, etc.
Do ponto de vista do desenvolvimento de arranjos e sistemas industriais nacionais, chama
atenção uma análise econométrica empreendida por Dani Rodrik (1999): os países que
conseguiram sustentar o processo de crescimento econômico após a Segunda Guerra foram
capazes de articular uma ambiciosa política de investimentos produtivos com instituições
capazes de lidar com os choques externos adversos, não os que confiaram na mobilidade do
capital e na redução indiscriminada de suas barreiras alfandegárias.
Keynes, muito antes, expressou preocupações para o fato de a economia de mercado ser
incapaz de proporcionar naturalmente o pleno emprego e apresentar desigual distribuição da
riqueza e das rendas. Ele constatou que “parece improvável que a influência da política
bancária sobre a taxa de juros seja suficiente por si mesma para determinar um volume de
investimento ótimo” (Keynes, 2007 [1936]: 288). Para Keynes, o Estado não precisaria
possuir os meios de produção, bastaria que ele fosse capaz de determinar o montante agregado
dos recursos destinados a aumentar esses meios e a taxa de remuneração aos seus detentores.
A seletividade do ambiente de negócios e as crenças empresariais estabelecidas podem
influenciar de maneira adversa o desenvolvimento das organizações produtivas. O fenômeno
da seleção adversa não é estranho aos ambientes menos desenvolvidos, onde fazer negócios
costuma ser mais difícil (Akerlof, 2005). Nesses mesmos mercados os retornos privados e
sociais diferem muito, sendo que em alguns casos a intervenção governamental pode ajudar a
elevar o bem-estar coletivo. A preferência pela liquidez costuma ser mais elevada em
ambientes de negócios menos desenvolvidos, pois as incertezas são proporcionalmente
maiores e de difícil redução. Esse é o contexto que investimentos industriais precisam ainda
enfrentar em países como o Brasil.
Desde o filósofo moral Adam Smith (1723-1790) sabe-se que o processo de desenvolvimento
econômico está associado às manufaturas. A causa mais importante do crescimento
econômico, disse Smith, é a divisão do trabalho. Ele ilustrou essa idéia com um exemplo de
manufatura simples – uma fábrica de alfinetes. Smith afirmou ser a divisão do trabalho mais
profunda nos países avançados. O progresso econômico é resultante dos retornos crescentes
de escala propiciados pela introdução de melhorias nos métodos e na organização da produção
industrial (Thirlwall, 2002). Nesse sentido, a extensão do mercado é limitada pela divisão do
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trabalho e esta última é limitada pela extensão do mercado. Há certamente uma causalidade
circular exposta nessa conhecida afirmação.
Os limites de expansão da produção primária são inferiores em termos de retornos crescentes
e elasticidade da demanda. Quem presenciou as recorrentes crises nos balanços de
pagamentos dos países da América Latina sabe muito bem disso. A própria elevação da renda
média engendrou o estrangulamento das contas externas, pois a elasticidade-renda da
demanda agregada se deslocou para bens e serviços importados mais sofisticados, inclusive ao
longo dos processos substitutivos de importações.
Uma industrialização truncada já foi objeto de estudados na América Latina. Na época, Jan
Tinbergen (1964: 15) sugeriu que “a produção de bens de capital deve ser atacada, desde logo,
para prevenir os atrasos decorrentes do lapso de tempo exigido pelo processo produtivo”. Essa
não foi uma recomendação simples de se seguir, pois havia o componente do conhecimento
técnico-científico que não podia ser simplesmente transplantado de um contexto para outro.
Fernando Fajnzylber (1983) chamaria posteriormente a atenção para os setores pivôs do
crescimento industrial dos países desenvolvidos: química; eletroeletrônica; metal-mecânica;
equipamentos de transportes e atividades aeroespaciais. Segundo esse autor levantou então, no
pós-guerra esses setores foram contemplados com aproximadamente 90% dos gastos de P&D.
A indústria metal-mecânica foi o núcleo duro desse desenvolvimento industrial, pois podiam
ser encontrados 40% dos empregos manufatureiros nos países desenvolvidos nesse mesmo
setor. Não se podia desconsiderar a relação de complementaridade entre manufaturas e
serviços. Em geral, quem desejasse exportar serviços de assistência técnica e consultoria, por
exemplo, deveria buscar se associar a exportações de manufaturas de elevada intensidade
tecnológica. Deslocamentos de plantas e sofisticados serviços de produção, por sua vez, para
regiões que pagam salários menores são complexos e difíceis para as indústrias pivôs.
Mais recentemente, na década de 2000, informações da Organização Mundial do Comércio
(OMC) apontam para o fato de que as indústrias metal-mecânica, eletroeletrônica e química
representarem 70% das exportações mundiais de manufaturas e das inovações. Não se faz
necessário muito esforço para notar que essas indústrias constituem as bases da prosperidade
das nações desenvolvidas, sendo também responsáveis pela manutenção de seus elevados
salários e o equilíbrio dos seus balanços de pagamentos.
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Afinal, quais indústrias poderiam ser desenvolvidas no território brasileiro quando se pensa na
exploração da camada de petróleo do pré-sal, reservas que superam a casa dos cinquenta
bilhões de barris de petróleo? Pode-se pensar em acrescentar as demandas por mão de obra
qualificada para que sejam ofertados produtos e serviços à indústria do petróleo – engenharia,
infraestrutura, transporte, gestão, tecnologias de informação e comunicação, etc. Há inclusive
quem defenda que o pré-sal poderá ser um elemento catalisador de atividades de C, T & I
(Brasil, 2010). Existem grandes desafios e oportunidades nesse campo.
3. Empreendedorismo, risco e incerteza
Trata-se de uma discussão muito recorrente a importância dos empreendedores num sistema
econômico. Destacam-se, principalmente nos debates mais qualificados, os argumentos da
primeira metade do século XX de Joseph Schumpeter (2008 [1942]). Na visão clássica
schumpeteriana, o empreendedor não deve ser confundido com o capitalista; enquanto o
primeiro ator busca inovar e assumir riscos para auferir lucros, o segundo se contenta com
fazer render seu capital. Compreende-se ser essa ainda uma distinção teórica relevante e que
pode ajudar a se formular melhores políticas de desenvolvimento.
O capitalismo é, por natureza, um sistema de mudança econômica perene que não deve cair
no estado estacionário. Está-se lidando, portanto, com um processo evolucionário, sendo a
“destruição criadora” (inovação) a sua essência. Impulsos fundamentais que movimentam o
sistema são originários de novos produtos, novos métodos de produção e transporte, novos
mercados e novas formas de organização industrial. Esse é um debate que já se iniciou no
Brasil e que transbordou as fronteiras da academia. Muito se tem falando e escrito sobre
empreendedorismo.
Brasileiros e brasileiras são citados recorrentemente na mídia internacional como um povo de
grande potencial inovador. Mas onde estaria então o problema então do desenvolvimento?
Um nó da questão está no acesso ao capital. Outro, no sistema de inventivos. Segundo
Gregory Mankiw (2008: 7), “os formuladores de políticas públicas nunca devem esquecer-se
dos incentivos, já que muitas políticas alteram os custos e benefícios para as pessoas e,
portanto, alteram seu comportamento”. Há, para além dos estímulos, outro elemento
importante nesse imbróglio: a disposição do empresariado para enfrentar as incertezas.
O futuro é incerto, há incertezas incomensuráveis que os diversos modelos matemáticos não
conseguem identificar com clareza. Os atores sociais, por exemplo, não são redutíveis a uma
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equação matemática. Instituições podem até ajudar a transformar incertezas em risco, mas
ainda assim elas continuarão a existir (North, 1990). As instituições costumam moldar a
forma com que as sociedades evoluem ao longo do tempo. Elas reduzem as incertezas através
da promoção de uma estrutura reguladora das interações sociais. Essas interações, por sua
vez, promovem o aprendizado do tipo learning by doing. Desenvolvimentos de
conhecimentos científicos e habilidades técnicas ocorrem dessa forma.
Estamos, queiram alguns ou não, lidando com um mundo não ergódigo, ou seja, não
conhecemos de antemão (ex ante) as probabilidades de um empreendimento ser exitoso e, em
muitos casos, mal compreendemos a natureza dos riscos associados. Conforme afirmou o
filósofo Karl Popper (2010: 104), precisamos admitir “a falibilidade geral do conhecimento
humano, ou, como gosto de chamá-lo, o caráter conjectural do conhecimento humano”.
Seguindo essa linha de argumentação, até mesmo o conhecimento científico deve ser
encarado como essencialmente conjectural ou hipotético e a atitude “racional” exige a escolha
da teoria mais bem testada.
Nesse sentido, Albert Hirschman (1969: 25-6) sugere ironicamente que “a humanidade aceita
sempre somente os problemas que pensa que pode resolver”. Ocultar as incertezas pode se
revelar um estratagema importante para que projetos sejam executados quando se carece de
confiança na própria criatividade. Incertezas podem ocorrer tanto no lado da oferta
(tecnologia e gestão) como no da demanda (ociosidade e insuficiência de capacidade) de um
empreendimento. Afinal, qualquer empresário sabe o que é conviver e tomar decisões num
ambiente de incompletude das informações.
Não há grandes novidades práticas aqui apresentadas, apenas uma constatação da
racionalidade limitada dos agentes econômicos - os limites cognitivos do homo economicus
da teoria neoclássica. Segundo afirma Nassim Taleb (2009: 298), “quanto mais raro for o
evento, maior será o erro na estimativa de sua probabilidade – mesmo quando a curva na
forma de sino gaussiana for utilizada”. O problema encontra-se no fato de que as medidas de
incerteza baseadas na curva de sino gaussiana não consideram os grandes saltos e
descontinuidades dos processos sociais, tecnológicos e econômicos, algo cada vez mais
comum no presente. Como então enfrentar essas dificuldades na prática do dia a dia?
Uma boa dose de experimentalismo e de bom senso se faz necessária para que o processo de
desenvolvimento evolua e o aprendizado ocorra. Como já foi ressaltado, não há uma fórmula
única a ser seguida. Há experiências, mas mesmo elas precisam ser situadas e colocadas no
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seu devido contexto. Já é praticamente um senso comum para o empresariado dizer que um
ambiente institucional mais favorável ao investimento produtivo e ao empreendedorismo
ainda precisa ser construído no Brasil.
Pois bem, mas devem-se evitar grandes ilusões quanto à eliminação de incertezas e riscos.
Vivemos uma sociedade de riscos (Beck, 2002). Riscos são onipresentes nas sociedades
contemporâneas em que a “modernização reflexiva” emergiu como padrão. Esse processo de
modernização, por sua vez, introduziu riscos sistêmicos e inseguranças diversas e que eram
anteriormente desconhecidos (riscos socioambientais, por exemplo). Serviços ambientais não
remunerados são estimados em US$45 trilhões (Medeiros, 2011). Mas onde está esse
mercado? Quem está vendendo e pagando pelos serviços ambientais? A pegada ecológica, um
indicador que compara o impacto das atividades humanas sobre a capacidade produtiva da
terra, aponta que a humanidade utiliza recursos e serviços de 1,3 da Terra (Paulet, 2009).
Não se pode omitir o fato de que 75% dos recursos do planeta são consumidos por 25% dos
habitantes. Talvez fosse esse o tempo de demandar que esses afortunados 25% pagassem
pelos serviços ambientais? Conforme observa Michel Serres (1999: 224), “somos agora os
senhores da Terra e do mundo, não há dúvida, mas nosso domínio mesmo parece escapar a
nosso domínio”. O ilustre acadêmico francês se refere à incerteza provocada pelo progresso
técnico-científico, que, por sua vez, costuma gerar externalidades socioambientais negativas.
Nesse sentido, Anthony Giddens (1996: 101) nos sugere “que as decisões devem ser tomadas
com base em uma reflexão mais ou menos contínua sobre as condições das ações sociais de
cada um”. Reflexividade aqui se traduz na utilização eficaz das informações e como as
mesmas definem ou redefinem atividades sociais e econômicas. Quando se pensa em um
modelo de desenvolvimento não predatório para o século XXI, o Brasil ainda precisa
aprofundar e alargar esse debate.
De acordo com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp, 2009), há 11.120
micro e pequenas empresas exportadoras no Brasil e 25% da sua pauta de exportação em 2008
eram formadas por máquinas e equipamentos mecânicos, enquanto que 20% da pauta das
grandes empresas são compostas por commodities (minérios, petróleo e combustíveis). Ainda
que essas informações demandem mais análise, pode-se dizer no momento que existem entre
essas mesmas empresas uma nítida diferença no valor agregado de produção e um distinto
posicionamento em relação a um paradigma de desenvolvimento que possa se chamar de
sustentável.
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4. Maldição dos recursos naturais
Trata-se de um princípio econômico que a taxa de produtividade de um país determina a taxa
de crescimento da sua renda média. Essa relação entre produtividade e padrões de vida não é
simples; suas decorrências costumam ser profundas (Mankiw, 2008). Tal relação traz
implicações paras as políticas públicas e a alocação de recursos de produção numa economia.
Estudo do Banco Mundial publicado no Brasil chama a atenção para um velho fantasma da
economia do desenvolvimento: a maldição dos recursos naturais (Sinnott, Nash e de la Torre,
2010). Seu capítulo 4 é muito esclarecedor. Nas mensagens principais do respectivo capítulo,
os autores do estudo afirmam que “a variedade de resultados do desenvolvimento econômico
em condições de abundância de recursos [naturais] em geral se explica como consequência de
diferenças na qualidade institucional” (p.41). Entende-se que o problema está no tratamento
da utilização desses recursos ao longo do tempo. O governo tem um papel importante na
gestão responsável das rendas oriundas, pois os recursos naturais apresentam alta volatilidade
dos seus preços. Essa questão é, obviamente, mais grave para os recursos não renováveis.
Não se precisa recuar muito na história de alguns países para se perceber como a bonança de
um dado momento fez com que os governos gastassem de forma inadequada as rendas
provenientes da exploração dos recursos naturais. Citando um caso muito conhecido na
América Latina, “a expansão do setor petroleiro foi condição necessária, mas não suficiente,
para que se desenvolvessem os demais setores [da economia]” (Furtado, 2008 [1957]: 49). Em
síntese, “as etapas de rápido crescimento com base em estímulos externos, quando não
produzem mudanças estruturais do sistema econômico, tendem necessariamente a um ponto
de estagnação” (p.37). Não se trata de uma certeza o desenvolvimento e tampouco se pode
afirmar que ele virá automaticamente com a elevação dos preços das commodities.
Mencionou-se no parágrafo anterior o caso venezuelano, porém deve-se compreender que ele
serve de alerta para o Brasil. Há estudos que já apontam para problemas de eficiência e
equidade nos gastos dos royalties do petróleo no Brasil (Serra, 2007). Eis que surgem
algumas perguntas legítimas. Por que não instituir mecanismos de controle social nos gastos
dos royalties do “ouro negro”? Por que não vincular, legalmente, uma parte dos royalties do
petróleo a programas sociais? Essas são perguntas revelam preocupação com o caráter pró-
cíclico dos orçamentos públicos dos países que se tornam dependentes das exportações de
commodities.
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Orçamentos pró-cíclicos criam a ilusão de que o presente de bonança não se esgotará jamais.
Situação essa que é mais crítica nas rendas oriundas dos recursos naturais não renováveis. Do
ponto de vista macroeconômico, Keynes (2007 [1936]) identificou a influência das
convenções nos comportamentos dos atores sociais. Segundo ele constatou, “a essência da
convenção – embora ela nem sempre de uma forma tão simples – reside em se supor que a
situação existente dos negócios continuará por tempo indefinido” (p.126). Não se acredita
aqui na duração indefinida de um estado de negócios, mas com certeza não se pode afirmar
exatamente quando ele termina.
Keynes estava mencionando o papel da incerteza nos processos socioeconômicos: “os
resultados reais de um investimento, no decorrer de vários anos, raras vezes coincidem com as
previsões originais” (2007 [1936]: 126). Nesse sentido, ironizou Keynes, “a sabedoria
universal indica ser melhor para a reputação fracassar junto com o mercado do que vencer
contra ele” (p.130). Vivemos em um mundo não ergódigo no qual não sabemos afirmar
exatamente quais as probabilidades de ocorrência de eventos ou cenários. Uma boa estimativa
é sempre diferente de uma certeza, ainda que pequena ou mesmo moderada. Para Keynes, a
continuidade e a estabilidade de um estado do mundo permanecem enquanto “pudermos
confiar na continuação do raciocínio” (p.127).
Retornando ao caráter pró-cíclico dos orçamentos públicos dos países dependentes da
exportação de commodities, o estudo do Banco Mundial, citado anteriormente, menciona as
dificuldades de se controlar as demandas reprimidas das massas carentes, incluindo a inclusão
social das mesmas no processo de desenvolvimento. Efeitos de demonstração do consumo dos
países desenvolvidos, por exemplo, podem gerar graves desequilíbrios nas contas externas dos
países menos desenvolvidos (Nurkse, 2007 [1951]). Esses governos precisam, em vários
momentos, de muito autocontrole, além de algum consenso suprapartidário, para gerenciar
com responsabilidade as rendas provenientes das commodities, fugindo do populismo.
Alguns países constituíram fundos de estabilização cambial ou fundos soberanos para aliviar
as pressões de alta na moeda nacional (apreciação cambial), gerenciando com transparência
ou não os mesmos. Não há uma homogeneidade entre países quanto a essa questão, pois “os
recursos naturais podem envenenar as instituições – talvez mais nas situações em que as
descobertas e as bonanças de recursos ocorrem quando as instituições do país já são
deficientes – e a debilidade institucional pode, por seu turno, abalar o crescimento
[econômico]” (Sinnott, Nash e de la Torre, 2010: 42). Em relação aos efeitos rentistas do
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capital, há ainda que se considerar as demandas por apropriação social do excedente gerado
pela exploração dos recursos naturais. Não são estranhas pressões por nacionalizações na
indústria do petróleo: “as estatizações são mais prováveis quando os preços das commodities
estão em alta, a desigualdade é ampla e a qualidade institucional é baixa” (p.60). As
privatizações, por sua vez, costumam ocorrer nos ciclos de baixa dos preços das commodities.
Para quem tem pressa, urgentes demandas reprimidas e grandes desigualdades sociais e
regionais a combater, ainda que seja necessário se pensar em um transparente fundo de
estabilização cambial para se poder fazer política macroeconômica anticíclica com eficácia,
um investimento seguro da parte do poder público se faz no “capital social básico” –
educação, saúde e infraestrutura física. Deve-se evitar a pulverização aleatória e disfuncional
dos investimentos públicos, pois “onde quer que esta idéia prevaleça, os governos estarão
despreparados e não dispostos a tomar as decisões sobre as prioridades e continuidade, que
são a essência dos programas de desenvolvimento” (Hirschman, 1977: 43). Há, para além
dessa questão, sinais preocupantes de mercado.
Segundo informações da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento
(SECEX/MDIC), entre 1994 e 2010 houve um salto de 24,88% para 44,58% na participação
de produtos básicos (commodities) na pauta exportadora brasileira. Os manufaturados, por sua
vez, tiveram sua participação reduzida de 57,86% para 39,40%.
A análise dessas informações pode seguir por dois caminhos intelectuais. O primeiro diz que
as vantagens comparativas finalmente se impuseram sobre uma industrialização artificial
baseada no processo substitutivo de importações. Essa perspectiva compreende que somente
as indústrias que deveriam existir poderiam de fato prevalecer em um processo de abertura.
Outro diagnóstico aponta para os efeitos desindustrializantes à la “doença holandesa”
provocados por uma moeda nacional sobrevalorizada. Essa explicação é convergente com o
diagnóstico do Banco Mundial (Sinnott, Nash e de la Torre, 2010). Informações divulgadas
por The Economist em meados de 2010 apontaram que a moeda brasileira estaria apreciada
em aproximadamente 31% em relação ao dólar norte-americano. O Banco de Compensações
Internacionais (BIS) também apontou sobrevalorização do real no primeiro trimestre de 2011.
Como resultado prático dessa política cambial, deve-se ressaltar que a fatia da indústria de
transformação no PIB brasileiro é menor do que há vinte e cinco anos. Esse fenômeno de fato
ocorre nos países ricos que passaram a deslocar mão de obra da indústria para setores de
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serviços de valor adicionado per capita maior. Não se pode dizer ser esse o caso brasileiro,
pois sua desindustrialização opera no sentido de produzir mais commodities.
A “doença holandesa” decorre, geralmente, da descoberta de fontes extraordinárias de
recursos naturais, levando a um excedente nas transações correntes e a uma sobrevalorização
da taxa de câmbio. Nesse sentido, um país pode muito bem encontrar equilíbrio
socioeconômico no subdesenvolvimento com abundância de divisas (Furtado, 2008 [1957]).
Como se pode então explorar de forma responsável esses preciosos recursos naturais para
desenvolver indústrias de apoio e correlatas? Quais efeitos de encadeamento industrial podem
ser construídos numa região ou no próprio país? Por certo se trata esse de um quadro
complexo. Não há como negar que vantagens comparativas falem alto quando se pensa na
alocação de recursos escassos. Por outro lado, não se deve negar o caráter dinâmico que as
vantagens comparativas podem adquirir ao longo do tempo.
Pensando no abundante petróleo brasileiro da camada do pré-sal, esses desafios do
desenvolvimento representam grandes oportunidades para os empreendedores. Algumas
questões abordadas aqui não são novas e tampouco escapam ao quadro de reais preocupações
do presente (Sinnott, Nash e de la Torre, 2010). Quais as técnicas serão utilizadas na
exploração dos recursos naturais, quais as competências necessárias da mão de obra e qual a
extensão do efeito multiplicador dos investimentos produtivos? Essas questões têm relação
direta com os níveis de emprego, renda e arrecadação de tributos, ou seja, a macroeconomia
do desenvolvimento.
Os recursos naturais não precisam ser vistos como uma “maldição” ou mesmo como um
“fantasmas”, desde que se tenha um projeto nacional de desenvolvimento coerente, factível e
que busque ir além das vantagens comparativas estáticas. A posse de abundantes recursos
naturais demanda grandes responsabilidades. Faz-se, para tanto, necessária maior clareza no
momento quanto ao que se permitirá que aconteça no Brasil em termos macroeconômicos.
5. Conclusão
O presente artigo buscou analisar um velho fantasma da teoria do desenvolvimento, a
maldição dos recursos naturais, e como o mesmo apresenta riscos para o Brasil no presente. A
entrada da exploração e produção da camada do pré-sal demanda cuidados com a gestão da
macroeconomia. Buscou-se apontar nesse sentido de modo a possibilitar um desenvolvimento
industrial correlato e de apoio no território brasileiro.
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Há grandes oportunidades quando se vislumbra a demanda do pré-sal – navios, mão de obra
qualificada, plataformas, serviços logísticos, máquinas, equipamentos, etc. Para que elas
sejam efetivamente produzidas no território brasileiro, fazem-se necessárias condições
macroeconômicas adequadas, ou que pelo menos que elas não sejam hostis ao investimento
industrial. Dentre as dimensões das condições do ambiente de negócios, buscou-se destacar os
riscos da doença holandesa. Não deve haver complacência com a administração da taxa de
câmbio no Brasil, pois há sinais e riscos eminentes de desindustrialização de atividades e elos
de cadeias produtivas no país.
Considerando que uma importante dimensão do desenvolvimento é a elevação da renda per
capita e que há uma correlação positiva entre desenvolvimento e industrialização, tais riscos
devem ser objeto de ponderação e intervenção governamental esclarecida no jogo econômico.
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