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1 LOUIS CICCONE E SEU LIVRO SOBRE OS MÚSICOS CEGOS NA HISTÓRIA: URGÊNCIA DE TRADUÇÃO E DE CONTINUIDADE 1 JOÃO VICENTE GANZAROLLI DE OLIVEIRA 2 Resumo: este artigo visa ressaltar a importância do ensaio “Les musiciens aveugles dans l’histoire” (Paris, Harmattan, 2001) no campo das pesquisas relativas à cegueira, bem como na própria História da Cultura. Louis Ciccone (1922- 2006) era cego desde os 16 anos de idade. Extraordinariamente dotado como professor, músico e humanista, Ciccone presidiu a Association Valentin Haüy (Paris, França) entre 1987 e 1997. Comparado com outros ensaios sobre o mesmo assunto, o ensaio de Ciccone revela-se único no gênero. Esperemos que esta obra prima de concisão e profundidade alcance o meritório reconhecimento em termos globais; e que os profissionais que lidam com a cegueira e a deficiência em geral no mundo lusófono sejam devidamente sensibilizados. É mais do que hora de ver “ Les musiciens aveugles dans l’histoire” traduzido em português, tornando-se assim “Os Músicos Cegos na História”. Palavras-chave: Louis Ciccone. Cegueira. Música. Originalidade. Tradução. INTRODUÇÃO Diante da impossibilidade de contemplar a natureza, de apreciar um quadro de mestre ou uma obra-prima arquitetônica, a música revela-se como um refúgio 1 Recebido em: 18.05.2017. Aceito em: 09.10.2017. 2 Doutor em Letras pela UFRJ. Mestre em Filosofia pela UFRJ. Graduado em Engenharia Cartográfica e em Letras pelas UFRJ. Professor do Núcleo de Computação Eletrônica da UFRJ. E-mail: [email protected]. Agradeço ao amigo Mauro Lino do Nascimento e à professora Celina Maria Perissé pelas valiosas críticas e sugestões.

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LOUIS CICCONE E SEU LIVRO SOBRE OS MÚSICOS CEGOS NA HISTÓRIA: URGÊNCIA DE TRADUÇÃO E DE CONTINUIDADE1

JOÃO VICENTE GANZAROLLI DE OLIVEIRA2

Resumo: este artigo visa ressaltar a importância do ensaio “Les musiciens aveugles dans l’histoire” (Paris, Harmattan, 2001) no campo das pesquisas relativas à cegueira, bem como na própria História da Cultura. Louis Ciccone (1922-2006) era cego desde os 16 anos de idade. Extraordinariamente dotado como professor, músico e humanista, Ciccone presidiu a Association Valentin Haüy (Paris, França) entre 1987 e 1997. Comparado com outros ensaios sobre o mesmo assunto, o ensaio de Ciccone revela-se único no gênero. Esperemos que esta obra prima de concisão e profundidade alcance o meritório reconhecimento em termos globais; e que os profissionais que lidam com a cegueira e a deficiência em geral no mundo lusófono sejam devidamente sensibilizados. É mais do que hora de ver “Les musiciens aveugles dans l’histoire” traduzido em português, tornando-se assim “Os Músicos Cegos na História”.

Palavras-chave: Louis Ciccone. Cegueira. Música. Originalidade. Tradução.

INTRODUÇÃO

Diante da impossibilidade de contemplar a natureza, de apreciar um quadro de mestre ou uma obra-prima arquitetônica, a música revela-se como um refúgio ideal, um universo sonhado (un refuge idéal, un univers rêvé).

(Louis Ciccone)

A Filosofia nasce da pergunta grega acerca de explicações válidas para todos os

casos incluídos dentro de uma determinada realidade genérica. Quando esta realidade

se compartimenta, particularizando-se, ingressamos no território das ciências

propriamente ditas. É filosófico perguntar-se sobre o que vem a ser a quantidade; mas

quando esta passa a ser estudada em compartimentos separados e particulares, já nos 1 Recebido em: 18.05.2017. Aceito em: 09.10.2017.2 Doutor em Letras pela UFRJ. Mestre em Filosofia pela UFRJ. Graduado em Engenharia Cartográfica e em Letras pelas UFRJ. Professor do Núcleo de Computação Eletrônica da UFRJ. E-mail: [email protected]. Agradeço ao amigo Mauro Lino do Nascimento e à professora Celina Maria Perissé pelas valiosas críticas e sugestões.

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encontramos diante de uma ciência, a Matemática, e suas muitas ramificações. Ramo

particular das Artes, a música promove o surgimento de mais de uma ciência, sendo

que a História da Música é uma delas. Ramo particular deste universo que é a

Deficiência, a cegueira também convida a diferentes abordagens científicas a seu

respeito. É na intercessão entre ambas essas particularidades que nos deparamos com

a proposta de uma História da Música entre os Cegos, ou, se preferirmos, de um

estudo científico sobre Os Músicos Cegos na História (título que traduz mais fielmente

a obra de que vamos tratar neste artigo: Les musiciens aveugles dans l’histoire, do

francês Louis Ciccone).

A tese central do livro de Ciccone (2001), colocada em destaque na quarta capa,

é a de que “os cegos não são nem mais nem menos dotados para a música que os

videntes” (“On sait maintenant que les aveugels ne sont ni plus ni moins doués pour la

musique que les voyants”). Sabe-se que a cegueira pode estimular o cego a

concentrar-se em atividades que não sejam essencialmente visuais (e.g., a pintura, o

desenho, a pilotagem), tais como a música, a ginástica ou a massagem. Superados os

mitos e a correção política, deixemos claro desde já: nenhum benefício direto é obtido

pela cegueira; muito pelo contrário, pois ela sempre atua como impedimento sério,

mesmo nas atividades em que a vista não se revela como essencial – circunstância

que verticaliza ainda mais os méritos do músico que é incapaz de ver.

“OS GÊNIOS NÃO APARECEM MAIS FREQÜENTEMENTE ENTRE OS CEGOS QUE

ENTRE OS VIDENTES”

É fenômeno planetário o declínio do uso do sistema braille e da própria escrita

musical a ele associada. Decorre do progresso tecnológico, notadamente do

surgimento de formas alternativas de aquisição e transmissão de informações por parte

do cego.i A Internet é o exemplo por excelência, embora antes dela o rádio, a televisão

e o gravador já estivessem disputando ao braille o seu monopólio, por assim dizer,

entre os não-videntes. Atentos a esse processo e dispostos a lutar pela sobrevivência

deste que o melhor sistema já inventado para a leitura no mundo dos cegos,

profissionais brasileiros como a musicóloga Dolores Tomé e o analista de sistemas

José Antonio dos Santos Borges têm obtido resultados notáveis no campo da

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tecnologia assistiva. Considere-se, por exemplo, o programa de computador intitulado

Musibraille, concebido por Tomé e operacionalizado por Santos Borges, em 2009 (cf.

TOMÉ, 2007, p. 3-14; DOS SANTOS BORGES e TOMÉ, 2011, 2012 e 2013).

Chamada em Portugal de tecnologia de apoio, a tecnologia assistiva (tradução literal e

um tanto forçada da expressão britânica assistive technology) é um termo

generalizante que se refere a toda espécie de pesquisas e invenções daí resultantes,

por sua vez voltadas para a melhoria de vida dos deficientes: a rigor, enquadram-se

igualmente no conceito a bengala (seguramente uma invenção pré-histórica) e a

cadeira de rodas motorizada. É, pode-se dizer, uma ‘cruzada’ tecnológica contra a

deficiência. Neste sentido, poucos Cruzados podem ser considerados mais completos

que José Antonio dos Santos Borges: longe de se deterem no perímetro da cegueira,

suas pesquisas e inventos irradiam-se por todo o universo da deficiência.

Recentemente, adaptou o programa intitulado microFênix 2.0, criado por ele, entre

2004 e 2005, para um homem tetraplégico da cidade brasileira de Niterói, cujo controle

motor concentra-se exclusivamente na região das pálpebras. É, pois, mediante o piscar

dos olhos e à inventividade de Santos Borges que José Eduardo Rodrigues Bastos,

vítima de esclerose lateral amiotrófica, voltou a se relacionar com os seus familiares,

amigos e com o próprio mundo à sua volta. Seu caso, em parte, é inverso ao dos

cegos, pessoas que contam com tudo o que lhes dá o corpo, menos com os olhos.

Segundo Santos Borges (s/d)ii: O nome do programa teve como inspiração o pássaro Fênix, que é um personagem da mitologia grega. Segundo conta a história, o Fênix era um grande pássaro, semelhante a uma águia, que vivia 500 anos. Depois, de viver todo esse tempo, o Fênix colocava fogo em seu próprio ninho e se deixava consumir pelas chamas, fazendo seu corpo se transformar em cinzas, e dessas cinzas renascia um novo Fênix, que vivia mais outros 500 anos. Essa figura mitológica nos faz refletir a respeito do potencial de superação existente em todo e qualquer ser humano. No momento em que ficamos imobilizados por deficiências, doenças, ou quaisquer outras dificuldades, nos sentimos como um Fênix, que deixa seu corpo ser consumido pelas chamas de fogo até chegar às cinzas. Mas quando nos conscientizamos do valor de nossas vidas e deixamos que renasça em nós um novo Fênix, partirmos então em busca de todos os meios possíveis, para que, apesar de nossas limitações, nossos voos sejam cada vez mais altos.

Voltemos ao mundo dos cegos. São seculares as tentativas de encontrar uma

escrita musical apropriada para eles. A notação das notas em braille representa a

melhor solução até o presente momento. A própria escrita musical utilizada por

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videntes não é muito antiga; deriva dos neumas litúrgicos da Alta Idade Média, mais

precisamente da obra revolucionária do genial frade beneditino Guido de Arezzo (c.

990-?). Os avanços posteriores não puderam remediar esta situação que é, em si

mesma, irremediável: nenhuma escrita é capaz de reproduzir, com total fidelidade,

aquilo a que chamamos de “música”. O máximo que se tem são boas traduções, sem

esquecer que entre as palavras traduttore e traditore existe mais do que uma simples

rima. Esse é um dos motivos por que costumam diferir as diversas interpretações

musicais de uma mesma obra – sem contar o fato de que, em música, não existem

resumos e nem resenhas: “não se pode fazer música sobre música” (SCHLOEZER,

1961, p. 24).

No caso da escrita musical para os cegos, é inevitável que se acentuem as

disparidades inerentes ao original que ela se propõe traduzir. Na França, pátria de

Louis Braille e de seu mestre Valentin Haüy, o assunto foi estudado por Louis Ciccone,

presidente da Association Valentin Haüy, entre 1987 e 1997, falecido há uma década.

Tive a honra de conhecê-lo no ano 2000 (cf. GANZAROLLI DE OLIVEIRA, 2001, p. 3-

5). Cego, instrumentista e musicólogo brilhante, Louis Ciccone escreveu artigos em

defesa de um sistema musical que atenda devidamente às características do tato – o

que, aliás, foi a meta de Louis Braille. Sabe-se que o tato “acomoda-se mal a uma

configuração gráfica destinada ao olho. É difícil que o dedo chegue a controlar a

simetria do texto e a distribuição das linhas melódicas no espaço” (CICCONE, 2000, p.

11).

Que pensemos no organista cego Helmut Walcha (1907-1991), o melhor

executante de órgão na Alemanha (e provavelmente em todo o mundo) durante o

século XX. É Ciccone (2001, p. 131) a dizer que: Para os cegos de hoje, ele representa a exceção que confirma a regra. Realmente, havendo chegado tarde à cegueira (tard venu à la cécité), ele não aprendeu o braille. Graças a um ouvido excepcional, ele memorizava os textos que lhe eram tocados por um terceiro. Isso não tira nada do seu mérito, mas seu caso continua a ser um caso isolado; as vantagens da notação musical em braille não podem ser contestadas.

Quanto à presença majoritária de organistas entre os grandes músicos cegos –

lembremo-nos do “Bach espanhol”, assim apelidado por Felipe Pedrell, que foi Antonio

de Cabezón –, Ciccone (2001, p. 53 e 74) afirma: “Os gênios não aparecem mais

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freqüentemente entre os cegos que entre os videntes. Como explicar, aliás, que entre

os músicos cegos, os organistas sejam tão largamente majoritários?”

Louis Ciccone em fotografia rirada na época da publicação de seu livro. O desenho é cópia modesta feita pelo autor deste artigo.

DA ORIGINALIDADE E IMPORTÂNCIA DO ÚNICO LIVRO ESCRITO POR LOUIS

CICCONE

É oportuno, como faz Dolores Tomé (2003, p. 44), chamar a atenção para o erro

contido na ideia de que “todo cego dá para música e de que os cegos não dão senão

para a música”. A necessidade de esclarecimento desse equívoco está entre os

motivos que levaram Louis Ciccone a escrever seu livro sobre os músicos cegos que

se fizeram conhecidos ao longo da História. Não é uma simples antologia, menos ainda

uma compilação. O livro analisa, à maneira de biógrafos célebres como Plutarco e

Vasari, as vidas dos músicos cegos; faz isso de modo original, tirando dessas mesmas

vidas reflexões profundas sobre a essência da música, da arte, da cegueira e da

deficiência em geral. A originalidade da obra de Ciccone é atestada já em suas

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primeiras linhas: “A História dos Músicos Cegos nunca foi tratada de modo integral, das

suas origens aos dias de hoje”: “L’histoire des musiciens aveugles n’a jamais été traitée

entièrement des origines à nos jours” (CICCONE, 2001, p. 9). Nosso autor encarrega-

se de nos familiarizar com alguns de seus predecessores: entre os alemães, Jakob

Adlung (1699-1762), Johann Christian Friedrich Kühnau (1782-1813), Friedrich Rochlitz

(1769-1842), amigo de Goethe e autor de vários ensaios sobre músicos cegos, e Hans

Joachim Moser (1889-1967); entre os franceses, Michel Brenet (1858-1918), Hervé de

Broc (1848-1916) e Pierre Villey (1879-1933), autor do inigualável ensaio Le monde

des aveugles, publicado pela primeira vez em 1914. Provavelmente, Ciccone não

chegou a conhecer o tratado enciclopédico Los ciegos en la historia, do espanhol Jesús

Montoso Martínez (1927-1999), de cinco volumes; tampouco deve ter chegado às suas

mãos A epopéia ignorada: a pessoa deficiente na História do mundo de ontem e de

hoje, ótimo estudo feito pelo brasileiro Otto Marques da Silva e publicada em 1987 pela

Universidade São Camilo, em São Paulo. Mas isso em nada desmerece Les musiciens

aveugles dans l’histoire, mesmo porque os livros referidos não tratam especificamente

de músicos cegos e é deles que nosso autor decide tratar.

A obra de Louis Ciccone revela-se tanto mais original e necessária quanto mais

nos apercebemos do declínio da sensibilidade humana em nosso ultramoderno

primeiro quartel do século XXI. Marco-zero da História das Artes Visuais iii, as pinturas

rupestres do Homem de Cro-Magnon demonstram não só a maestria no uso dos

materiais e das técnicas disponíveis nos últimos 30 mil anos do Paleolítico. iv Também

se deve ter em conta, e isso é crucial, que tais pinturas eram feitas (e muitíssimo bem

feitas!) de memória; os animais eram vistos “com os olhos da mente”: “The Early

Modern Humans (formerly termed Cro-Magnon) drew from memory, envisioning the

animal in their mind’s eye” (CICCONE, 2001, p. 258). Em nossos dias, até mesmo os

artistas bem treinados (espécie em perigo de extinção), se postos em condições

similares, “terão dificuldade para duplicar a qualidade estética das magníficas

descrições de mamutes, bisões, leões e cavalos, feitas pelos artistas das cavernas”

(CICCONE, 2001, p. 258). O Homem de Cro-Magnon tinha um poder extraordinário de

visualização e isto o favoreceu de modo decisivo na luta pela sobrevivência em um

mundo dominado por feras, bem como por uma geologia e uma meteorologia contra a

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qual pouca ou nenhuma defesa havia. É mais do que hora de nos perguntarmos se o

excesso de facilidades comunicativas e tecnológicas em geral que marcam esta época

não atua de modo negativo sobre nossa sensibilidade. Habitamos um mundo de tal

modo obeso de imagens digitais e outros recursos tecnológicos que somos levados a

exercitar cada vez menos a nossa imaginação e a nossa criatividade. Passamos a “ter

tudo em excesso”, como alertou o cineasta alemão Wim Wenders há mais de uma

década, no documentário sobre a cegueira intitulado Janela da alma, dos brasileiros

João Jardim e Walter Carvalho (cf. GANZAROLLI DE OLIVEIRA, 2002, p. 245-246).

Voltemos a Ciccone. Após ter percorrido o tema da História dos Músicos Cegos

em artigos e conferências diversas, Ciccone sentiu-se pronto para seu desafio maior:

“um trabalho de síntese suficientemente estofado (‘suffisament étoffé’)” (CICCONE,

2001, p. 10), conforme sua própria definição, que é modesta. Apoiado por suas

próprias pesquisas e pelas de colaboradores franceses e estrangeiros, Les musiciens

aveugles dans l’histoire é mais do que uma síntese; suas 162 páginas têm o dom da

concisão, mas nenhuma delas é sintética no sentido da mera compilação acadêmica,

tão comum em nossos dias. Les musiciens aveugles dans l’histoire é um pequeno

grande livro; sua pequenez é a do grão de mostarda, primor natural da concentração

de virtudes realizadas e a realizar: “E o Senhor lhes disse: Se tiverdes fé como um grão

de mostarda, direis a esta amoreira: arranca-te e transplanta-te no mar, e ela vos

obedecerá” (Lc 17, 6). Ciccone sabe do que fala e escreve. Conhece a teoria e a

prática tanto da cegueira quanto da música. Denuncia com igual coragem os

preconceitos que diminuem o cego e aqueles que o aumentam além da realidade que a

cegueira permite. Aconselha-nos, já na introdução do livro, a não projetar sobre o cego

“dons sobrenaturais”; o cego grego Tirésias só é adivinho dentro do perímetro

fabulatório da mitologia grega (cf., por exemplo, HOMERO, 1947, IX). Deixa claro

também não haver qualquer relação necessária entre a cegueira e o talento musical: “ Il

n’existe aucun lien entre musicalité et cécité” (CICCONE, 2001, p. 13).

Em momento algum Ciccone se preocupa em ser politicamente correto. Ciente

do fato irrevogável de que as palavras “não são boas nem más em si mesmas, e nem

por isso neutras”v, nosso autor não tenta adocicar aquelas relativas à cegueira e à

deficiência em geral. Não veremos em seu texto nada que equivalha a termos como

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“normovisual” para “a pessoa que não apresenta deficiência visual” (tornou-se

condenável ser normal?!) e tampouco clichês como aqueles referidos à suposta

“supremacia que a cultura ocidental concede ao olhar”. Vê-se que a correção política

não respeita nem mesmo a fisiologia, pois é ela – e não a cultura – que deu aos olhos a

supremacia sensória. Longe de atenuar os preconceitos e estigmas que atingem o

deficiente, o politicamente correto cria preconceitos e estigmas às avessas,

contribuindo ainda para lançar trevas em vez de luzes sobre um assunto que nada tem

de fácil e tudo tem de difícil. Mais: quanto aos que cerram fileiras com os caluniadores

da cultura ocidental (Amin Maalouf, Edward Said et tutti quanti), se seu objetivo é

alcançar a Verdade, sugiro a leitura atenta de How the Catholic Church Built Western

Civilization, ensaio magnífico escrito pelo norte-americano Thomas E. Woods, Jr. Nele

evidencia-se que a sociedade judaico-cristã (= “ocidental”) fez muito mais pelo bem-

estar dos deficientes, dos enfermos e dos sãos que todas as outras sociedades

humanas juntas; é ler para crer (cf. WOODS Jr., 2005, p. 178-181 et passim).vi

POR UMA “COMPREENSÃO MELHOR DO MUNDO DOS CEGOS”

É com a reiteração do propósito de “permitir aos videntes uma compreensão

melhor do mundo dos cegos” (CICCONE, 2001, p. 15) que Ciccone encerra sua

Introdução, para logo em seguida ingressar na primeira parte daquilo que podemos

chamar de ‘biografias comentadas dos músicos cegos mais destacados ao longo de

toda a História da humanidade e em todos os continentes’. Nomes célebres como os

dos espanhóis Antonio de Cabezón (1510-1566), Francisco de Salinas (1513-1590) e

Joaquín Rodrigo (1901-1999) – nascido em 22 de novembro, dia de Santa Cecília,

padroeira dos músicos [“Il voit le jour à Sagunto (province de Valencia) le 22 novembre

1901, jour consacré par la chrétienté à Sainte-Cécile, patronne des musiciens”]

(CICCONE, 2001, p. 145) – e o da austríaca Maria-Teresa von Paradis (1824)

comparecem lado a lado com outros menos conhecidos, e.g., o do bardo e santo

bretão Hervé (520-565), o da alemã Marianne Kirchgessner (1769-1808) e o do

japonês Miyagi (1894-1956), virtuose do koto. Ciccone não se esquece dos músicos

cegos brasileiros, nomeadamente Aderaldo (1882-1967) e Levino da Conceição (1895-

1955); familiariza-nos com chineses como Shih K’uang, que foi conselheiro de

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Confúcio, e avalia com propriedade o famoso tema dos harpistas cegos no

antiqüíssimo Egito; esclarece queNa arte egípcia, um olho anormal se mostra mediante a ausência da íris, bem como por uma ranhura estreita com ou sem íris, ou ainda por uma linha paralela sob a curva do olho. O harpista cego do túmulo de Amenemhat é célebre. Traduzido em alemão por Siegfried Schott, seu canto nasceu na atmosfera pessimista que prevalece entre o Reino Antigo e o Reino Médio (2154 a 2040 a. C.). Esse canto sublinha o caráter efêmero de todas as realidades terrestres e convida a desfrutar a vida. (...) Os egiptólogos também descobriram, entre os afrescos dos palácios e dos túmulos de Tebas e de Mênfis, imagens de cantores cegos que tomavam parte nas cerimônias sagradas. Como os harpistas, os cantores parecem ter sido beneficiados por certo status social. Eram respeitados, honrados e requisitados, inclusive para as ocasiões religiosas. Segundo Lise Mannique, em Karnak e em El-Amarna, os músicos masculinos não tinham o direito de se servir dos olhos durante as cerimônias de oferenda. Apenas as mulheres podiam contemplar diretamente a divindade. As regras eram particularmente favoráveis aos músicos cegos, já que sua cegueira dispensava-os da obrigação de cobrir os olhos com uma venda (CICCONE, 2001, p. 20-21).

O livro de Ciccone guarda espaço ainda para o grego Xenócrates,

contemporâneo de Píndaro, o muçulmano cordobês Al-Moqaddem Al-Qabri e o

renascentista alemão Konrad Paumann (apelidado na Itália “il cieco miracoloso”).

Nosso autor não deixa de nos aproximar dos músicos cegos ambulantes do Sudeste da

Ásia (tradicionais cultivadores do gênero musical intitulado xam) e da África Negra.

Ciccone fala até mesmo dos cristãos coptas, em cujos rituais, desde o Medievo

Egípcio, reservou-se aos cegos o cargo de chantre: no fim do século XIX, a fim de assegurar-lhes uma formação sólida, seu Patriarcado fundou no Cairo uma escola especializada onde os aprendizes cegos, até então disseminados nas paróquias, passaram a receber a instrução em comum, de acordo com um programa de ensino que tem cinco anos de duração (CICCONE, 2001, p. 139-140).vii

Les musiciens aveugles dans l’histoire é, também, uma História da própria

Música; e História no seu sentido mais amplo no espaço, no tempo e nos gêneros:

Ciccone não se prende ao “clássico” – jazzistas cegos como o norte-americano Ray

Charles e o porto-riquenho José Feliciano estão lá –; leva-nos a visitar todos os

continentes e todas as épocas, dos músicos cegos anônimos da pré-história aos que

se tornaram celebridades nos dias de hoje, como o italiano Andrea Bocelli, nascido em

1958.

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LES MUSICIENS AVEUGLES DANS L’HISTOIRE SOLICITA DIVULGADORES,

CONTINUADORES E TRADUTORES

Posta em termos filosóficos, a cegueira e demais formas de deficiência

enquadram-se na categoria do não-ser, como já previa Parmênides há cerca de 25

séculos, ou, se preferirmos, do ser menos, como atenuava Platão, seguidor daquele

mesmo sábio grego. O cego também ingressa, pois, na categoria platônica do outro,

uma vez que afasta-se do mesmo – ou seja, aquele que segue a norma e por isso

mesmo é chamado de normal (todas as referências em ZUCMAN e HIRSCH, 2015, p.

45ss). Os súditos de Sua Excelência a Correção Política que me desculpem a

incorreção, mas, conforme já adiantei, acho hipocrisia, preconceito às avessas e

contrassenso estigmatizar a normalidade, demonizando a palavra normal, colocando-a

entre aspas etc. Se ninguém deve ser culpado por ser deficiente, tampouco há de se

projetar culpas fictícias sobre quem não o é – e que, por isso mesmo, recebe o

qualificativo de normal, haja vista o fato de a deficiência caracterizar-se por um

afastamento vis-à-vis à norma.

Incompleto, como é o modo de ser próprio de todas as obras humanas, o livro de

Louis Ciccone pouco fala dos músicos cegos de língua portuguesa. Limita-se, como já

assinalado, a incluir dois músicos brasileiros: Cego Aderaldo (1882-1967) e Levino da

Conceição (1895-1955). Nada se fala dos músicos cegos de Angola, Cabo Verde,

Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste, Goa, Damão e

Diu.viii Não há referência, por exemplo, a este gigante da cultura de Portugal que foi

António Feliciano de Castilho (1800-1875), que, cego e em meio a uma miríade de

atividades produtivas, encontrou tempo para compor três hinos, a saber, o Hymno do

Trabalho, o Hymno dos Lavradores e o Hymno da Infância no Estudo.ix Mas nem por

isso, Ciccone deixa de lado a Península Ibérica. Muito pelo contrário: além dos já

mencionados Rodrigo, Salinas e Cabezón (a quem nosso autor dedica cinco páginas

inteiras, o que representa mais de 3% [!] de sua obra dedicada aos músicos cegos que

viveram em todas as latitudes e épocas do mundo), encontrou espaço para os

organistas aragoneses Pablo Bruna (1611-1679), Pablo Nassare (1664-1734) e o

castelhano Miguel de Fuenllana (c. 1500-1579), virtuose da vihuela. No entender de um

especialista como foi Michel Brenet, Miguel de Fuenllana “executava em seu

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instrumento transcrições de motetos e de canções a várias vozes, respeitando

devidamente o movimento e as respostas canônicas de todas as partes vocais” (apud

CICCONE, 2001, p. 78); incluiu ainda os valencianos Baldomero Zapater (1883-1961),

violonista, e Rafael Rodríguez Albert (1902-1979), pianista. Ciccone não se enganou ao

ver em Joaquín Rodrigo (a quem dedica quatro páginas do seu livro) o mais digno

dentre os herdeiros de Miguel de Fuenllana e “o músico cego mais célebre de todo o

século XX” (CICCONE, 2001, p. 142).

Ciccone é o primeiro a apontar as lacunas presentes em seu livro, e também a

propor soluções para elas. Ao mesmo tempo em que admite ter deixado de mencionar

“nomes que mereceriam ser mencionados”, lega a investigadores futuros a tarefa de

dar continuidade à História dos Músicos Cegos, mesmo porque: “Enquanto a espécie

humana existir, a História continuará e, enquanto houver cegos, alguns dentre estes se

dedicarão à música” (CICCONE, 2001, p. 149 e 152). Publicado em 2001, Les

musiciens aveugles dans l’histoire é o canto do cisne deste professor, músico e escritor

que tanto ensinou, tocou e escreveu; em 2006, morria seu autor, digno seguidor de

Pierre Villey, Pierre Henri e tantos outros conterrâneos seus (sem esquecer Valentin

Haüy e Louis Braille, é claro) que escreveram sabiamente sobre a cegueira. x Em suas

últimas páginas, o livro de Louis Ciccone, obra máxima de uma vida inteira dedicada ao

aprendizado e ao ensino, manifesta a vontade do autor de que sua iniciativa tenha

continuadores; espera que outros livros sejam escritos sobre o mesmo assunto e conta

para isso com os “amigos dos cegos”: “Je compte sur des typhlophiles pour se faire um

devoir de les écrire” (CICCONE, 2001, p. 152). Les musiciens aveugles dans l’histoire

aguarda pelo seu merecido reconhecimento em nível mundial. Enquanto isso, tratemos

de traduzi-lo para o português e de divulgá-lo pelos quatro cantos do mundo lusófono.

LOUIS CICCONE AND HIS HISTORICAL BOOK ON BLIND MUSICIANS: URGENCY OF TRANSLATION AND CONTINUITY

Abstract: this article addresses the question of Louis Ciccone’s “Les musiciens aveugles dans l’histoire” (2001) importance in the field of researches concerning the world of the blind and the very History of Culture. Ciccone was blind from birth. Extraordinary gifted as a musician, a teacher and a scholar, Ciccone was the head of the Association

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Valentin Haüy (Paris, France) between 1987 and 1997. Close comparison with earlier essays on the same field of research lead us to the conclusion that Ciccone’s essay in one of a kind. Let us hope that this master piece of concision and profoundness will achieve its deserved recognition in global terms; and that a chord will also be stroked in the hearts and minds of those who deal professionally with blindness and impairment in general within the Lusophone world. It is high time for us to see “Les musiciens aveugles dans l’histoire” translated into Portuguese.

Keywords: Louis Ciccone. Blindness. Music. Originality. Translation.

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iNotas

Recentemente, o Professor Jonir Bechara, ex-diretor do Instituto Benjamin Constant, situado no Rio de Janeiro, forneceu-me essa informação numa entrevista. É assunto que ocupa lugar de destaque na tese de doutoramento de José Antonio dos Santos Borges, fruto de pesquisa pioneira no gênero sob mais de um aspecto. Esperemos que tenha seguidores no Brasil e no mundo (cf. DOS SANTOS BORGES, 2009, p. 69 et passim).

ii Ver também https://en.wikipedia.org/wiki/Assistive_technology.

iii A música e a dança seguramente as precedem; o Homem de Neanderthal já tocava flauta, há pelo menos 45 mil anos, conforme indicam as pesquisas mais recentes. Cf. Schrenck e Müller (2005, p. 101 et passim) e Edwards (2013, p. 256).

iv O “homem pré-histórico ingressa como mestre e não como aprendiz na História da Arte”, costumava dizer em suas conferências a artista e crítica de arte polonesa Fayga Ostrower (1920-2001), que adotou o Brasil como segunda pátria.

v Tomo a liberdade de parodiar aqui a famosa Lei Tecnológica de Melvin Kranzberg: “A tecnologia não é boa nem má, mas tampouco é neutra” (https://de.wikipedia.org/wiki/Melvin_Kranzberg).

vi No Brasil, gigante geográfico e anão diplomático, um grupo de refugiados angolanos cegos vêm lutando desde 2001 para obter visto de permanência. A última informação que tenho é de fevereiro de 2015 e, pelo visto (sem intenção de trocadilho), ainda não foram aceitos por aqui. Nesse contexto, a preferência irrevogável do atual governo brasileiro é por imigrantes vindos de países islâmicos, notadamente aqueles que encabeçam a lista de periculosidade no tocante ao perpétuo jihad universal contra a cultura judaico-cristã. Ao que tudo indica, terroristas diversos já se instalaram legalmente no Brasil, inclusive no ambiente acadêmico, onde contam com toda sorte de benécias governamentais e deformam impunemente corações e mentes de um público atingido pela pior forma de cegueira que já: a dos que olham mas não querem ver. Regadas a petrodólares sauditas, a Grande Mídia e a Academia em geral não poderiam ser mais inimigas do Ocidente do que têm sido neste período pós-Segunda Guerra Mundial, em particular depois da segunda fase crise do petróleo (1973), provocada em nível de chantagem internacional pelos países da OPEP e do Golfo Pérsico. Isso não só desestabilizou a economia mundial, espalhando escassez e até miséria em várias partes do mundo, mas também serviu para enriquecer ainda mais as organizações terroristas islâmicas, que passaram a multiplicar-se em progressão geométrica (cf. BAT YE’OR, 2014, 9sq; ver também http://cegosdeangola.tumblr.com/; e https://www.youtube.com/watch?v=pFrcQ3V86zo; e http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2016/01/exclusivo-um-terrorista-no-brasil.html).

vii Aos interessados em se aprofundar no tema da perseguição implacável sofrida pelos coptas em sua terra de origem, o Egito, durante os últimos quatorze séculos, é imprescindível a leitura de Crucified Again. Exposing Islam’s New War on Christians, livro corajosíssimo escrito pelo cristão copta Raymond Ibrahim, que (fez ele muito bem!) refugiou-se nos Estados Unidos da América. É dito e documentalmente comprovado já em suas primeiras linhas que, no mundo atual, “um cristão é assassinado em decorrência de sua fé a cada cinco minutos. A vasta maioria desses mártires é morta em países islâmicos. Oito dentre os nove países mais agressivos contra os cristãos – Arábia Saudita, Afeganistão, Iraque, Somália, Maldivas, Mali, Irã e Iêmen – têm maioria populacional islâmica (o nono, a Eritréia, já é muçulmana pela metade, digamos). Dentre os 50 países listados como perseguidores de cristãos, 44 têm maioria populacional islâmica ou então são ocupados por uma população islâmica que já se tornou suficientemente numerosa para tentar subjugar ou eliminar os cristãos à sua volta (a Nigéria fornece o paradigma)” (IBRAHIM, 2013, pp. 7-8). Os portugueses, que tanto sangue, suor e lágrimas derramaram para se libertar do islã durante a Idade Média, que abram os olhos! Esperemos que surjam novos Gonçalos Mendes da Maia em Portugal, que o Padre Antonio Viera chamava de “rosto do Ocidente”, e no restante do corpo geográfico ocidental (https://pt.wikipedia.org/wiki/Gon%C3%A7alo_Mendes_da_Maia).

viii Sobre o fenômeno da cegueira em países da antiga África portuguesa, vale a pena ler o artigo “O Associativismo de cegos nos países africanos de expressão portuguesa”, de José Adelino Guerra (1952-2012). Vítima de dois acidentes (um que lhe tirou a visão na juventude, outro que lhe tirou a vida na terceira idade), este herói de Portugal e de Moçambique teve clareza suficiente para ver que “Falar de África de expressão

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portuguesa, é falar de tudo isto em escala aumentativa: a guerra que se prolonga em Angola há quarenta anos, as catástrofes naturais que assolam Moçambique, as minas antipessoal diariamente estilhaçam vidas inocentes nestes dois países, o subdesenvolvimento económico e social da Guiné Bissau e S. Tomé e Príncipe, o conformismo dos seus povos resignados com a condição de serem dos mais pobres do mundo” (ADELINO GUERRA, José 2001). Para as irradiações asiáticas da lusofonia, cf. http://www.scmm.mo/frontend/content/index.php?id=13&hl=pt; e http://www.cplp.org/id-4447.aspx?Action=1&NewsId=3504&M=NewsV2&PID=10872.

ix “António Feliciano de Castilho, 1.º visconde de Castilho, (Lisboa, 28 de Janeiro de 1800 – Lisboa, 18 de Junho de 1875) foi um escritor romântico português, polemista e pedagogista, inventor do Método Castilho de leitura. Em consequência de sarampo perdeu a visão quase completamente aos 6 anos de idade. Licenciou-se em direito na Universidade de Coimbra. Viveu alguns anos em Ponta Delgada, Açores, onde exerceu uma grande influência entre a intelectualidade local. Contra ele se rebelou Antero de Quental (entre outros jovens estudantes coimbrões) na célebre polémica do Bom-Senso e Bom-Gosto, vulgarmente chamada de Questão Coimbrã, que opôs os jovens representantes do realismo e do naturalismo aos vetustos defensores do ultra-romantismo” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nio_Feliciano_de_Castilho#Os_tempos_.C3.A1ureos_e_a_inven.C3.A7.C3.A3o_do_Methodo_Portuguez).

x Na quarta capa de Les musiciens aveugles dans l’histoire, há um mini-currículo de Louis Ciccone que vale a pena reproduzir aqui em sua integralidade: “Louis Ciccone foi laureado no Conservatório Nacional de Música de Montpellier e pelo Conservatório Superior de Música de Paris. Professor-coordenador de ensino musical no Instituto Nacional de Jovens Cegos em Paris, antigo presidente da Associação Geral de Músicos Cegos da França, é oficial na Ordem das Palmas Acadêmicas e Cavaleiro da Ordem Nacional do Mérito”. Alguns fatos deploráveis: além de demonstrarem o mais completo desinteresse pela obra de Ciccone, as principais autoridades diretoras do Instituto Benjamin Constant (a primeira e mais notória escola de cegos no Brasil, fundada no século XIX pelo imperador luso-brasileiro Dom Pedro II) tampouco deram importância ao recente e inexplicável extravio, em sua biblioteca principal de pesquisa, denominada “Acervo”, de obras fundamentais (e.g., Le monde des aveugles, de Pierre Villey, Les aveugles et la société, de Pierre Henri e Les aveugles au travail, coletânea primorosa de relatos organizados por Philippe Chazal acerca da situação profissional dos cegos no mundo durante as últimas décadas do século XX). Até hoje (4 de janeiro de 2016), tanto quanto sei, nenhuma providência foi tomada e nenhuma averiguação foi feita a mando das referidas autoridades do Acervo e da própria da direção do Instituto Benjamin Constant, no tocante ao sumiço daquelas preciosidades bibliográficas. Tudo isso comprova que a pior forma de cegueira é a cegueira moral e ética, enfermidade que torna o homem voluntariamente insensível às necessidades mais elementares do seu próximo. Eis que tal doença vem se tornando epidêmica e genética nesta fração gigantesca do mundo lusófono que é o Brasil, chamada esperançosamente de Terra de Santa Cruz por seus descobridores lusitanos, mas transformada vergonhosamente em terra de ninguém por seus atuais governantes e dirigentes como estes do Instituto Benjamin Constant, todos eles indiferentes à cultura e ao bem comum da sociedade que deveriam ajudar a conduzir.

Referências

LIVROS, TESES E ARTIGOS EM PAPEL

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http://www.scmm.mo/frontend/content/index.php?id=13&hl=pt.http://www.cplp.org/id-4447.aspx?Action=1&NewsId=3504&M=NewsV2&PID=10872.