livro - escritos sobre a imprensa operária da primeira república - joão gabriel da fonseca mateus
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MATEUS, J. G. F. Escritos sobre a Imprensa Operária da Primeira República. Pará de Minas: Virtual Books, 2013.Este livro é fruto de uma pesquisa realizada junto ao Arquivo Edgard Leuenroth da Universidade Estadual de Campinas (AEL – UNICAMP) que trabalha as aspirações e práticas pedagógicas do periódico A Plebe de 1917. Assim, tencionamos acompanhar nesse ano (do número de sua fundação à sua paralisação na décima nona edição) os pressupostos políticos e pedagógicos da ação direta, ou seja, as formas utilizadas pelo periódico para compreender um processo de formação de uma auto-educação libertária, fundamentada nos pressupostos do anarquismo. Com isso, entendemos que a estratégia anarquista adotada por A Plebe articulava a luta libertária em prol de uma sociedade igualitária com a instrução da classe trabalhadora para que atingisse um objetivo final, ou seja, a revolução social e a construção de uma sociedade libertária. Sendo assim, analisaremos nas páginas que seguem, alguns desses elementos da ação direta como pressupostos políticos e pedagógicos na constituição de formas de sociabilidade coletiva com um fim social efetivo.TRANSCRIPT
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VirtualBooks
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Copyright 2013, Joo Gabriel da Fonseca Mateus.
Capa: Diney Vasco
1 edio
1 impresso
(2013)
Todos os direitos reservados, protegidos pela lei 9.610/98.
Nenhuma parte desta edio pode ser utilizada ou reproduzida,
em qualquer meio ou forma , nem apropriada e estocada
sem a expressa autorizao do autor.
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
_____________________________________________ Mateus, Joo Gabriel da Fonseca
ESCRITOS SOBRE A IMPRENSA OPERRIA DA PRIMEIRA
REPBLICA. Joo Gabriel da Fonseca Mateus. Par de Minas, MG: Editora VirtualBooks, 2013.14x20 cm., 191 p.
ISBN 978-85-7953-973-2
1. Jornalismo. 2. Luta poltica na imprensa anarquista e operria brasileira. 3. Jornais do proletariado brasileiro. 4.Histria. 5. A educao e o
anarquismo no Brasil. Ttulo.
CDD- 070 ____________________________________________
Livro editado pela
VIRTUALBOOKS EDITORA E LIVRARIA LTDA.
Rua Porcincula,118 - So Francisco
Par de Minas - MG - CEP 35661-177 -
Tel.: (37) 32316653 - e-mail: [email protected]
http://www.virtualbooks.com.br
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AGRADECIMENTOS
Ao longo do tempo em que este texto foi escrito
acumulei um bom nmero de dvidas de gratido. Assim, o
esprito coletivo deste trabalho me deixa na obrigao de
agradecer algumas pessoas que me auxiliaram no processo de
sua constituio. Sendo assim, remeto meus sinceros
agradecimentos:
Snia Lobo, minha orientadora da monografia, que
com toda pacincia acolheu meu pedido de orientao, as
justificativa de meus atrasos, me deu total independncia
terica e de estudos e foi comigo at o fim com leituras atentas
e comprometidas; meu grande amigo e companheiro de luta
Deivid Carneiro pelas conversas sobre essa sociedade cancergena; Rafael Saddi pela atitude libertria que carrega em si de forma singular e por toda ajuda na orientao deste
texto; Luiz Aurlio Bueno Neves, companheiro que durante
nossos dias de pesquisa no Arquivo Edgard Leuenroth
propiciou vrias conversas proveitosas sobre as nossas
pesquisas; ao Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), em especial
Marina Rabelo, Maria Dutra de Lima, Humberto Innarelli, Ana
Paula e Ricardo Biscalchin, trabalhadores desse arquivo que
foram prestativos e pelo auxlio nos dias de coleta das fontes;
ao casal Reginaldo e Sirlene Noleto pela estadia e pelos dias
agradveis na cidade Campinas/SP; Felipe Corra da
Federao Anarquista do Rio de Janeiro e Thiago Lemos do
Grupo de Estudos Sobre Anarquismo de Patos de Minas pelas
indicaes bibliogrficas disponibilizados por eles e que aqui
foram utilizados; ao anarco-peruano Juan Chacn, companheiro libertrio que com nossas conversas brias
contribuiu e muito ao longo da escrita do texto e fez
gentilmente as correes gramaticais a pedido da banca; a Luiz
Eduardo Bacural; A Diney Vasco por produzir a capa; a todos
meus companheiros autogestionrios, em especial, Marcos
Atades, Reinaldo Souza, Edmilson Marques, Nildo Viana,
Cleito Pereira; Lisandro Braga e Lucas Maia que tem a
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essncia de verdadeiros militantes: a amizade e a solidariedade
libertria.
Impossvel seria esquecer-se da minha famlia: meu
pai Joo Batista, um sincero e humilde homem que me inspira
cotidianamente no meu modo de agir diante dessa humanidade
desumana; minha me Mary Lane, pela pacincia s minhas
ausncias familiares, pelo carinho e pelo amor enorme que tem
pelo filho anarquista; minha irm Gisele que, quem sabe, trilhar pelos complicados e tortuosos caminhos da docncia;
aos meus prirmos Marclio Jnior e Vincius Mateus; ao meu primo anarclogo Muns Alves pelos debates sobre anarquismo e com as leituras de seu blog fez com que eu
direcionasse meu olhar para outras questes que at ento
estavam despercebidas; ao tio Mariozan (in memoriam) pelas
agradveis conversas que tive quando saa de Goinia para ter
paz de estudo na sua casa; aos demais familiares.
Muitos ficaram e estes se sintam agradecidos. Eis aqui
meus singelos agradecimentos aos que a falha memria me
propiciou. No mais, todos vocs foram imprescindveis nesse
trajeto tortuoso, sofrvel e, enfim, realizado.
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DEDICATRIA
(...) Ao povo pobre e trabalhador!
(faixa 3 Quem esse homem do captulo II do disco Bales de
Ar - banda Seores)
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LISTA DE ABREVIATURAS
ADS Aliana Democrtica Socialista
AEL Arquivo Edgard Leuenroth
AIT Associao Internacional dos Trabalhadores
CGT Confdracion Gneral du Travail (Confederao Geral
do Trabalho)
COB Confederao Operria Brasileira
FORA Federao Operria Regional Argentina
FOSP Federao Operria de So Paulo
FRE - Federacin Regional Espaola
FTRE - Federacin de Trabajadores de la Regin Espaola
IFCH Instituto de Filosofia e Cincias Humanas
PCB Partido Comunista Brasileiro
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
UTG - Unio dos Trabalhadores Grficos
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SUMRIO
Resumo / 11
Prefcio: Ao direta ensina a viver sem tutela:
o aspecto pedaggico da luta poltica na imprensa
anarquista e operria brasileira Thiago Lemos Silva. / 13
Introduo / 17
CAPTULO I /
1.1. Estado atual dos conhecimentos / 26
1.2. Delimitao terico-metodolgica e conceitual / 39
CAPTULO II
Contexto do proletariado brasileiro na Primeira Repblica
/ 53
2.1. Imigrao, formao do operariado e condies de
trabalho / 53
2.2. Sociedades de resistncia, sindicatos e imprensa
operria / 58
2.3. De A Lanterna A Plebe / 63
2.4. Edgard Leuenroth: breve biografia de militante
anarquista / 69
2.5. A constituio da Semana Trgica / 74
2.6. Do dia 9 a 16 de julho: a Semana Trgica / 78
CAPTULO III
A Plebe e a ao poltica pedaggica da ao direta / 85
3.1. Trabalhador forte e fecundo / 85
3.2. Pela ao direta: Rumo Revoluo Social e Em
nome do Povo, no! / 87
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3.3. Contra a Igreja e o clericalismo / 91
3.4. A Plebe durante a Greve Geral / 92
3.5. A Plebe aps a Greve Geral / 97
3.6. Pictografia como recurso educacional / 104
3.7. Poesias libertrias / 112
3.8. A influncia das Escolas Modernas e indicaes
bibliogrficas / 116
3.9. A Gazetilha de Satan critica com sarcasmo / 119
Consideraes Finais / 121
Fontes para Pesquisa / 122
Jornais / 122
Referncias Bibliogrficas / 123
Apndices / 133
O comunismo anarquista do jornal Sprtacus (1919 1920)
/ 134
Referncias / 152
Jornais / 152
Bibliografias / 153
La prensa operaria en Brasil: la importancia de los
peridicos libertrios / 156
O sindicalismo revolucionrio como estratgia dos
Congressos Operrios (1906, 1913, 1920) / 160
Nas pginas da Imprensa da Primeira Repblica: os
poemas anticlericais em A Lanterna / 176
Referncias Bibliogrficas / 190
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RESUMO
Este livro fruto de uma pesquisa realizada junto ao
Arquivo Edgard Leuenroth da Universidade Estadual de
Campinas (AEL UNICAMP) que trabalha as aspiraes e prticas pedaggicas do peridico A Plebe de 1917. Assim,
tencionamos acompanhar nesse ano (do nmero de sua
fundao sua paralisao na dcima nona edio) os
pressupostos polticos e pedaggicos da ao direta, ou seja,
as formas utilizadas pelo peridico para compreender um
processo de formao de uma auto-educao libertria,
fundamentada nos pressupostos do anarquismo. Com isso,
entendemos que a estratgia anarquista adotada por A Plebe
articulava a luta libertria em prol de uma sociedade igualitria
com a instruo da classe trabalhadora para que atingisse um
objetivo final, ou seja, a revoluo social e a construo de
uma sociedade libertria. Sendo assim, analisaremos nas
pginas que seguem, alguns desses elementos da ao direta
como pressupostos polticos e pedaggicos na constituio de
formas de sociabilidade coletiva com um fim social efetivo.
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PREFCIO
Ao direta ensina a viver sem tutela: o aspecto pedaggico da luta poltica na imprensa
anarquista e operria brasileira Thiago Lemos Silva
Repudiamos [...] a ao eleitoral e parlamentar,
que s serve para reforar o Estado [...] e
adormecer as energias populares. O nosso
mtodo ao direta que [...] tende a despertar
a iniciativa e a coragem, leva a agir por conta
prpria, a unir-se, a viver sem tutela [...]
preconizamos (como meios de ao direta) a
greve, a boicotagem, a sabotagem, a agitao
de praa, o comcio, a greve geral, e por fim a
insurreio e a expropriao a que os
oprimidos e explorados devem recorrer, se a
isso levados pela necessidade e pela
conscincia da sua prpria fora.1
Ao enunciar sua definio dos militantes engajados
com o jornal A Plebe, Neno Vasco introduziu uma imagem
capaz de traduzir o aspecto essencialmente pedaggico do qual
estava profundamente impregnada a luta poltica levada a cabo
pela imprensa anarquista e operria, durante o contexto que
abarca o perodo da Primeira Repblica no Brasil.Inscrevendo
a ao direta no cerne da poltica, Neno Vasco e seus
companheiros de viagem apostavam na possibilidade de o
proletariado aprender, por si mesmo, a lutar em prol dos
interesses da sua classe social, construir a conscincia dos
antagonismos entre capital-trabalho, superar a funo do
Estado e, por conseguinte, revolucionar a sociedade capitalista,
fato que tornaria exequvel sua reconstruo ulterior em
Mestre em Histria pela UFU (Universidade Federal de Uberlndia);
professor na rede pblica e particular de educao bsica de Patos de Minas
(Minas Gerais) e membro do Coletivo Mundo crata. 1VASCO, Neno. O que somos. A Plebe. So Paulo,n 54, 28/07/1920.
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direo ao socialismo. Perscrutar esse aspecto sublinhado por
Neno Vasco constitui o objetivo maior do trabalho de Joo
Gabriel da Fonseca. Resultado de pesquisa e redao de
monografia defendida junto ao Curso de Histria do Instituto
Federal de Gois, o livro deste jovem pesquisador lana um
novo olhar sobre os aspectos formais e informais do projeto poltico-pedaggico do jornal A Plebe, durante A
Semana Trgica de 1917 na cidade de So Paulo, momento
particularmente rico do sonhar libertrio2, para evocar aqui a feliz expresso de Cristina Hebling Campos.
Breve, porm, intensa em termos de agitao social, A
Semana Trgica assume na narrativa tramada pelo autor mais
que meros sete dias de existncia. Privilegiando os mltiplos
fatores que a tornaram possvel, Joo Gabriel da Fonseca
coloca em evidncia a luta contra a carestia de vida, a
diminuio da jornada diria para 08 horas, a regulamentao
do trabalho infantil e feminino, as ressonncias da Revoluo
Russa, o assassinato do operrio Jos Martinez, os saques ao
Moinho Santista, o emergir das Ligas Operrias de Bairro e o
papel do Comit de Defesa Proletria.
No entanto, ela no se reduz a isso. Distanciando-se das
interpretaes esquemticas e simplistas, o historiador recusa-
se a ver nA Semana Trgica um ato puramente espontaneista dos trabalhadores por um lado, ou como a ao diretiva de uma
vanguarda poltica por outro. Pelo contrrio, ela revelaria o
processo de enraizamento e durao da estratgia de ao
direta, forma pela qual o anarquismo exerceu sua hegemonia
no interior do movimento operrio brasileiro, que se
encontrava presente nas lutas contra o patronato desde a aurora
do sculo XX.
Das atividades nos sindicatos at as intervenes nas
escolas racionalistas, passando pela crtica ao militarismo e a
luta anticlerical, Joo Gabriel da Fonseca nos mostra o papel
2 CAMPOS, Cristina Hebling. O sonhar libertrio: movimento operrio
nos anos de 1917 a 1921. Campinas: Pontes/ Campinas, 1988.
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no desprezvel que A Plebe, surgida no entremeio d A Semana Trgica, desempenhou enquanto centro de aglutinao
e irradiao de um projeto poltico-pedaggico que conferiu
ao direta a difcil tarefa de ensinar os trabalhadores a
viverem sem tutela. Na sua luta pela autonomia, esse projeto
no se restringiu as formas tradicionais de educao poltica,
que visavam persuadir os trabalhadores racionalmente por
meio da propaganda doutrinria. Ao lado dessa forma de
educao poltica, vemos surgir nas pginas d A Plebe , uma outra, que integra, mas, ao mesmo tempo ,transcende a sua
dimenso puramente racional; fato que no se furta anlise
extremamente cuidadosa de Joo Gabriel da Fonseca.
Em conjunto com os panfletos, ensaios, informes e
demais gneros literrios cuja fisionomia se aparenta, o autor
tambm se detm nos gneros literrios que no podem ser
tomados apenas como formas de propaganda dirigida, tais
como as caricaturas, poesias e crnicas. Com objetivos
semelhantes, porm com funes diferentes, esses gneros
literrios tinham como finalidade mais sensibilizar do que
persuadir os trabalhadores na sua luta contra o capital,
mostrando que a autonomia uma conquista que passa tanto
pelo intelecto quanto pelo corao.
Se analisada a partir dessa perspectiva, o aspecto
pedaggico da luta poltica enfatizado por Edgard Leuenroth,
Florentino de Carvalho, Adelino Pinho e os demais articulistas
d A Plebe ganha outro sentido, muito mais profundo e abrangente. Tal como entendido pelo autor, a luta poltica ,
em si mesma, tomada como um processo pedaggico. No se
tratou, obviamente, de um projeto que visava criar uma escola
aonde o militante iluminado viria, em um passe de mgica, fazer com que os trabalhadores aprendessem o socialismo,
mas, antes fazer com que as organizaes que lutavam pelo
socialismo tivessem um carter pedaggico.
O constante esforo dos anarquistas para retirar os
trabalhadores da apatia e incit-los ao, o qual eles
responderam de modo positivo e efetivo, talvez nos ajude a
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entender a reao violenta dos poderes institudos na semana
de 09 a 16 de julho do ano de 1917. Afinal de contas, nada
mais perigoso a uma Repblica cujo cimento da dominao
estava assentado na dependncia clientelista do que um
movimento operrio que agia de modo totalmente autnomo.
Em virtude disso, o governo de So Paulo agiu de forma to
repressiva em relao aos movimentos grevistas que eclodiram
na cidade no referido ano, procurando a todo custo erradicar os
indesejveis anarquistas, como se estes fossem plantas exticas
de impossvel aclimatao em um solo tido como ordeiro e
pacfico, imagem esta que foi constantemente reatualizada e
ritualizada pelas elites nacionais da poca, quando tratou-se de
deslegitimar toda a resistncia por parte do jovem
proletariado brasileiro contra o nascente capitalismo industrial.
Quase um sculo nos separa dos personagens dessa
histria que nos contada pelo autor, o que pode gerar certo
estranhamento no leitor que se dispuser a enfrentar o presente
livro. Em uma poca em que se anuncia o fim das utopias, o desencantamento do mundo, a ascenso da insignificncia, a amargura da histria, entre outros lugares para designar o mundo dito ps-moderno, em que toda e qualquer forma de tentativa de mudar a sociedade constitui
uma quimera irrealizvel, o projeto poltico-pedaggico levado
a cabo pelos anarquistas antes, durante e depois d A Semana Trgica parece algo arcaico e obsoleto.
Entretanto fica aqui o convite, em forma de desafio,
para o leitor refletir se o livro ou no contemporneo ao
sculo XXI, sculo que parece desconhecer a sbia lio
extrada de Rosa Luxemburgo, tambm libertria, em face das
reiteradas e frequentes derrotas do movimento socialista no
sculo XX, bem como sua dimenso eminentemente
pedaggica: No estamos derrotados. Ao contrrio, venceremos, se no tivermos desaprendido a aprender3.
3LUXEMBURGO, Rosa. A crise da social democracia. Disponvel em:
http://www.marxists.org/portugues/luxemburgo/1915/junius/cap01.htm.
Acesso em: 09 de maio de 2013.
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INTRODUO
Este texto a monografia defendida para obteno do
ttulo de graduao em Licenciatura em Histria pelo IFG
(2009 2013) que foi defendido e aprovado em 15 de fevereiro de 2013. Alm desse texto, a obra composta por 4
artigos publicados em revistas/jornais especializados na rea
de cincias humanas.
A ideia de fazer esse trabalho est intrinsecamente
ligada com a forma que me deparei durante a minha trajetria
acadmica com a educao e o anarquismo (de maneira difusa
e marginal) e tambm, na forma como hegemonicamente esses
dois conceitos (e so alm de meros conceitos) so entendidos
no interior das faculdades, universidades, escolas, etc. As (in)
compreenses na maioria das vezes foram fruto, ora de mal
entendidos, de falta de leituras e quando houveram, leituras
apressadas que formaram uma imagem caricatural do
anarquismo; outrora de ranos e intenes a priori com um
objetivo j delimitado e (pr) conceituoso sobre essas
temticas. Quando assim pensado, fica quase impossvel
compreender algo de proveitoso do anarquismo.
Dessa maneira, as pginas que se seguiro no
buscam um fim em si mesmo, e tambm, no so a soluo
para essas incompreenses das quais eu cito. So meros
esforos para compreender algumas singularidades recnditas
das prticas polticas anarquistas (uma entre tantas) que
emanaram da classe trabalhadora para a classe trabalhadora.
Um gro de areia frente ao que j foi produzido e est
arquivado. Assim, ressalto as palavras de Errico Malatesta4
quando afirmava que Na cincia, as teorias, sempre hipotticas e provisrias, constituem um meio cmodo para
reagrupar e vincular fatos conhecidos, e um instrumento til
4 MALATESTA, E. Anarquismo y Anarquia. In: RICHARDS, V.
Malatesta: Pensamiento e Accin. Buenos Aires: Tupac Ediciones
Revolucionarios, 2007, p. 39.
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para a investigao, mas essa cincia apenas interpreta os fatos novos e no a verdade nica e acabada.
Outros autores e autoras importantes deveriam ser
tratados aqui na temtica geral, mas por falta de espao e
tempo, no puderam ser contemplados. Mesmo assim,
Proudhon, Bakunin, lise Reclus, Louise Michel, Errico
Malatesta, Piotr Kropotkin, Gori, Luigi Fabbri, Luce Fabbri,
Max Nettlau, Ferrer y Guardia, Emma Goldman, Nestor
Makhno, Volin, Sbastien Faure, Arshinov, Rudolf Rocker,
Tolsti, Jos Oiticica, Neno Vasco, Fbio Luz, Domingos
Passos, Maria Lacerda de Moura, Everardo Dias, Joo
Penteado, Adelino Pinho, Florentino de Carvalho, Oresti
Ristori, Gigi Damiani, Giovanni Rossi, Malvina Tavares,
Hermnio Marcos, Avelino Fscolo, Fbio Luz, Domingos
Passos, Edgar Rodrigues, Milton Lopes, Carlo Aldegheri, Ideal
Peres, Jaime Cubero, Noam Chomsky, Daniel Gurin, esto s
vezes diretamente e indiretamente citados no texto. Basta uma
reflexo mais atenta que ser possvel visualizar isso.
Assim, A Semana Trgica dos dias 9 a 16 de julho de
1917 estampada nas pginas d A Plebe ser analisada aqui mais do que meros 7 dias. Tem seus acontecimentos e seus
determinantes frutos de vrios motivos que lhe so anteriores e
ressonncias posteriores, j que reacendeu e reacende a
esperana, como um legtimo sentimento do ser humano de
sonhar-para-a-frente (BLOCH, 2005, p. 21).
* * *
No sculo XIX, bastante estimulados pela propaganda
do governo brasileiro sobre a chamada terra da oportunidade, muitos europeus emigraram para o Brasil entre 1870 e o comeo da Primeira Guerra Mundial. Tamanha foi a
imigrao que, entre 1884 e 1903, o Brasil recebeu mais de um milho de italianos (DULLES, 1973). Com eles tambm vieram as ideais do movimento operrio europeu. Os
imigrantes que chegavam ao Brasil vinham carregados de
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valores, concepes e pensamentos de organizao proletria,
caractersticas da Europa daquele contexto. Na perspectiva
organizacional do movimento operrio a imprensa foi um
rgo de grande importncia pela propagao dos interesses
dos trabalhadores, na divulgao dos ideais do movimento e
suas aes polticas, carregando ainda um carter didtico e
doutrinrio. No caso brasileiro, as transformaes ocorridas no
processo de modernizao potencializaram o crescimento e a
necessidade da imprensa, trazendo a difuso de novos hbitos, aspiraes e valores (LUCA, 2011:120), que abrigava uma infinidade de publicaes peridicas.
Assim, no incipiente movimento operrio, os
anarquistas foram os principais participantes e levaram os
peridicos em formas de jornal como o principal mecanismo
de propagao de seu ideal de emancipao social.
Apresentavam alternativas ao operariado, com ideais que
contrariavam a ordem capitalista vigente, tais como: greve
geral, boicotes, sabotagens, revoluo social, etc.
A greve geral de 1917, que assumiu na memria
social o sentido de um ato simblico e nico5, entra nesse
cenrio como uma expresso das precrias vidas dos
trabalhadores paulistanos e como um momento de convulso social sem precedentes na histria do Brasil (LOPREATO, 2000, p. 46).
Para reconstruirmos a histria desses movimentos de
reproduo de ideais libertrios se torna fundamental
buscarmos, um elemento dentre as mais diversificadas formas
de compreender o movimento operrio: a imprensa operria
caracterizada pelos peridicos criados por trabalhadores. Com
isso, o peridico A Plebe, escolhido como fonte primria para
esta pesquisa, foi um dos jornais do proletariado que pretendia
conscientizar a classe trabalhadora de sua situao de
explorados e unir os trabalhadores em suas lutas por melhores
condies de vida e trabalho.
5 FAUSTO, 1977, p. 192.
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O assunto de que trata o presente estudo a relao
entre imprensa operria e educao. De maneira mais
especfica, o trabalho que se segue visa analisar os
pressupostos polticos e pedaggicos no mbito da
resistncia ao capitalismo encontrado no peridico A Plebe, inserido no contexto do movimento operrio na Primeira
Repblica do Brasil no ano de 1917. Mais especificamente,
nossa pesquisa procurar entender o que ficou chamado de A Semana Trgica (LOPREATO, 2000) e assim, compreender os pressupostos pedaggicos d' A Plebe durante esse recorte
temporal. Para isso, foi necessrio compreender as condies
de vida e trabalho do proletariado na Primeira Repblica do
Brasil que levaram construo de formas de organizao no
movimento operrio, entendendo a importncia das
organizaes operrias (ligas operrias, greves, sindicatos,
sociedades de resistncia, regies de lazer e cultura operria)
para a luta cotidiana dos trabalhadores.
Alm disso, centramos nosso recorte temporal na
Greve Geral de 19176 na cidade de So Paulo, compreendendo
o processo histrico do nascimento do jornal operrio A Plebe
advindo do peridico A Lanterna7. nesse contexto que
podemos analisar a linha de entendimento do mundo
propagada pelo jornal caracterizado pelos seus propsitos
6 Jos Carlos Orsi Morel ao analisar a situao da classe trabalhadora ir
dizer que la huelga general del 17 surge como uma respuesta radical del movimiento contra la situacin de extrema misria y opresin (MOREL, 1988, p. 28).
7 No segundo captulo deste trabalho iremos apresentar a histria desse
peridico. Mas de antemo, A Lanterna, foi um peridico anticlerical de
orientao anarquista e rgo da Liga Anticlerical. Foi considerado por
Boris Fausto, como o veculo mais consistente do anticlericalismo anarquista, embora seja razovel supor que ele tenha sido temperado pelo
propsito de aglutinar outros crculos alm dos libertrios. Foi inaugurado sob a gide de Benjamin Motta no qual permaneceria at 1904 ocorrendo
uma paralisao das publicaes e ser retomado no ano de 1909 por
Edgard Leuenroth (FAUSTO, 1977, p. 83).
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educativos j que em qualquer das tendncias dentro do
movimento operrio o jornal tido como um portador de suas propostas, como veculo de suas resistncias e como proposta
de educao dos trabalhadores (KHOURY, 1987, p. 15). No campo educacional, as aes do movimento
operrio foram diversas, sendo que, na realidade, as atividades abraadas pelos trabalhadores dentro do movimento
operrio e, principalmente, entre os anarquistas, possuam um
carter pedaggico e educacional inegvel (NASCIMENTO, 2006, p. 77).
Nossa hiptese que o peridico A Plebe se
constituiu como um mecanismo e estratgia dos anarquistas
para propagar os pressupostos polticos e pedaggicos da ao
direta com o objetivo da revoluo social feita pela classe
trabalhadora rumo sociedade anrquica. Assim pensado,
elucidaremos no terceiro captulo que a estratgia dos
libertrios no era determinista, e sim, complexa e
multideterminante, que almejava a emancipao total das
classes oprimidas e opressoras da sociedade capitalista em prol
de uma sociedade livre em todas as esferas da sociedade com a
abolio do sistema capitalista e das classes sociais.
Utilizamos como fonte primria os peridicos
publicados por A Plebe, do nmero 01 de 09 de junho de 1917
ao nmero 19 de 30 de outubro deste mesmo ano, data em que
o peridico foi interrompido pela priso de seu editor. A coleta
destas fontes foi realizada no ms de junho de 2012 no
Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) nas dependncias do
Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP) na cidade de Campinas,
So Paulo. O peridico A Plebe foi fundado em 1917 por
Edgard Leuenroth8 e findou em 1950. Contudo, durante esse
8 Edgard Leuenroth, filho de um farmacutico alemo, emigrado para o Brasil, nasceu em Mogi-Mirim, no estado de So Paulo em 1881 e morreu
em 1968. (...) Em 1903, participa de um Crculo Socialista, em So Paulo,
mas em 1904 j se converte ao anarquismo. Ingressa na recm fundada
Unio dos Trabalhadores Grficos (UTG), ali trabalha como bibliotecrio e
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longo perodo (comparado com a trajetria de outros
peridicos) houve diversas paralisaes das publicaes,
prises de seus diretores e empastelamentos.
Alm dos nmeros de A Plebe, realizamos uma
pesquisa fundamentada majoritariamente em referncias
bibliogrficas (artigos, ensaios, livros, monografias,
dissertaes, teses, etc.) que fundamentaro o trabalho em
todos os seus captulos.
Do ponto de vista metodolgico, ressalvamos que esta
pesquisa optou pelo estudo de um recorte temporal bastante
delimitado. No entanto, esse curto perodo rico em fontes que
tratam da relao entre a educao libertria e a imprensa
operria, especialmente no que diz respeito ao peridico A
Plebe de 1917. Concordando com Marc Bloch, o vocabulrio dos documentos no , a seu modo, nada mais que um
testemunho: precioso, sem dvida, entre todos; mas, como
todos os testemunhos, imperfeito; portanto, sujeito crtica (BLOCH, 2011, p. 142). Assim, face imensa e confusa
realidade que nos cerca, o historiador levado a compreender
essa realidade e obrigado a recort-la temporalmente. Este um autntico problema de ao. Ele nos acompanhar ao longo
colabora na publicao do jornal O Trabalhador Grfico. Foi um dos
fundadores da Federao Operria de So Paulo, em 1905, e um dos
principais responsveis pela realizao dos trs principais congressos
operrios realizados em 1906, 1913 e 1920, no Rio de Janeiro. Participou
intensamente da imprensa operria: redator, com Neno Vasco, da Terra
Livre (1905), diretor da Folha do Povo (1908 1909), reinicia a publicao de A Lanterna (1906 1910), fundador de A Plebe (1917). (...) (PINHEIRO e HALL, 1979, p. 226). Ainda sobre Edgard Leuenroth,
Edgard Rodrigues diz que a partir de 1909 at o ano de 1935, Leuenroth
dirigiu A Lanterna, (...) jornal anti-clerical e libertrio fundado pelo dr. Benjamin Mota em 1901, em duas fases que lhe granjeou muitos amigos e
alguns inimigos terrveis sindo preso quando desmascarou a Igreja no Caso
Idalina. Nesse mesmo ano de 1912 fundou A Guerra Social, peridico de
So Paulo, foi redator principal e no ano de 1915, colaborou ativamente no
dirio O Combate. Nos anos de 1916-1917, foi redator-secretrio da revista
Ecltica, de So Paulo. Em 1917 fundou o jornal anarquista A Plebe,
semanrio, passando em 1919 a dirio.
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de todo o nosso estudo (idem, ibidem, p. 52). Essa delimitao nos permitiu identificar as crticas sociedade de classes e as
propostas de educao libertria que visavam romper com as
relaes sociais capitalistas e instaurar novas formas de relao
humana, contida no peridico citado. Alm destes peridicos,
utilizaremos uma vasta produo bibliogrfica produzida por
diversas reas das cincias humanas que nos apontou alguns
caminhos a percorrer, como ser visto no captulo I.
O problema que nos orientou na pesquisa foi: qual o
projeto educativo (formal ou informal) expresso pelo Jornal A
Plebe no contexto das greves gerais do ano de 1917? Com
essa problemtica central nos vem outras questes secundrias
e no menos importantes: que tipo de educao era veiculado
nas pginas de A Plebe? Quais as estratgias utilizadas pelos
autores para atingir seu pblico-alvo? Quem produzia A Plebe
e com qual interpretao da realidade estava ligada? A Plebe
produzia uma interpretao do passado e uma projeo de um
futuro radicalmente diferente alm da retrica, por exemplo,
com o uso de imagens?
Na historiografia, houve um aprecivel acrscimo de
estudos em relao ao movimento operrio a partir da anlise
de documentos relativos a Imprensa Operria9. Tema
anteriormente de estudo dos militantes polticos (no-
acadmicos) de geraes posteriores Primeira Repblica do
Brasil, pois estavam ligados cotidianamente a produo de
peridicos, revistas, etc. para a militncia do dia-a-dia, a
histria do movimento operrio passou a fazer parte de
inquietaes dos socilogos e cientistas polticos acadmicos
nos anos 1960. Chamada por Batalha (2007, p. 148) de
Snteses Sociolgicas, essas produes abarcava socilogos preocupados em elaborar grandes snteses, que estabeleciam
teorias explicativas do movimento operrio e de suas opes
ideolgicas.
9 FERREIRA, Maria Nazareth. Imprensa Operria no Brasil. So Paulo:
tica, 1978.
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Nos anos 1970, a historiografia acadmica ganhou um
salto quantitativo e qualitativo com a produo dos
brasilianistas e de historiadores brasileiros, sobretudo, com a
criao de arquivos do movimento operrio, como por
exemplo, o AEL. Na dcada de 1980, ir ocorrer o processo de
ampliao, fragmentao e crise caracterizado por uma crescente produo acadmica (fruto do crescimento dos
programas de ps-graduao), da diversificao das fontes de
pesquisa e consecutivamente, a fragmentao do campo de estudo onde a teoria cedeu espao para os estudos de carter mais emprico (idem, p. 153).
Essa breve anlise geral e a que vem abaixo no tem a
pretenso de esgotar os temas nem de fechar o leque de
possibilidades interpretativas de nossas fontes, mas sim,
preencher algumas brechas deixadas por estas pesquisas e
incentivar a realizao de novas pesquisas de futuros
pesquisadores sobre a histria do movimento operrio trazendo
a tona o que Eric Hobsbawn afirma: uma funo digna dos historiadores a de reconstruir um passado esquecido,
estimulante, imperecvel (HOBSBAWN apud HAUPT, 2010, p. 50).
Dentre toda essa bibliografia, at onde apreciamos,
so poucos10 os estudos e pesquisas com profundidade ligada
ao contexto de educao no ano de 1917, seja anterior e posterior Greve Geral de Julho. No que tange abordagem
dada por essas pesquisas, a produo por mais vasta que seja se
limita aos estudos, quase que exclusivamente, do papel da
Imprensa (especificamente o jornal) como instrumento de politizao (FERREIRA, 1988).
10 Nesse sentido, encontramos dois trabalhos que estudam especificamente
a educao no Jornal A Plebe no recorte temporal de 1917. Cf.
GONALVES, A. M.; NASCIMENTO, M. I. M. Educao nas folhas do
jornal A Plebe: 1917 1919. In: Publicatio UEPG: Cincias Sociais Aplicadas, Vol. 16, No 2, 2008; e GONALVES, Ody Furtado. Trajetria e
ao educativa do jornal A Plebe (1917-1927). In: Quaestio: Revista de
estudos em Educao, v. 6, n. 2, 2004.
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Portanto, a histria do movimento operrio nos remete
tambm a pensar tambm a amplitude da conceituao de
educao. Esta necessidade mostra a importncia da presente
pesquisa para produo historiogrfica brasileira e nos motivou
a propor o estudo desse tema. Dessa forma, evidenciar a ao
da educao enquanto pressuposto educativo da ao direta11 ao mesmo tempo elucidar o contexto do conceito de ao direta no mbito da educao libertria e mostrar que o seu estudo, desdobra-se em outras possveis e inesgotveis
pesquisas.
Para a realizao deste objetivo ser necessrio
analisar a bibliografia escolhida de forma crtica (comumente
chamada de reviso bibliogrfica ou estado atual da arte) - j que as diferentes tradies intelectuais de cada perodo de
produo acabam por gerar representaes dspares ou
semelhantes do movimento operrio na Primeira Repblica -
juntamente com alguns conceitos importantes, que sero
tratados no captulo I. Dentre eles: anarquismo, sindicalismo
revolucionrio, imprensa operria, ao direta e educao
libertria.
Como contextualizar uma questo fundamental
para o ofcio do historiador, no captulo II, ser realizada uma
contextualizao histrica do movimento operrio na Primeira
Repblica, traando as determinaes da imigrao, as
condies de vida e trabalho do proletariado na Primeira
Repblica do Brasil, os motivos e determinantes que
condicionaram a organizao dos peridicos e as organizaes
operrias existentes na Primeira Repblica (ligas operrias,
greves gerais, sindicatos, imprensa operria, etc.) na cidade de
So Paulo nesse nterim. Ainda, analisaremos a Greve Geral de
julho de 1917 dando um enfoque especial Semana Trgica.
Logo aps, no captulo III, faremos uma anlise dos
pressupostos polticos e pedaggicos da ao direta em A
Plebe. Nesse captulo, buscaremos explicitar as crticas ao
11 A educao do operariado pela ao grevista, preparando-o para a
grande revoluo, que poria fim sociedade burguesa.
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Estado, Igreja e explorao capitalista em suas mais
diversificadas esferas da realidade, destacando alguns
elementos especficos do jornal que propagaram aquilo que
chamamos de educao libertria.
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CAPTULO I
1.1. Estado atual dos conhecimentos
Nosso trabalho utiliza-se de diversas categorias e
conceitos que foram bastante explorados dentro de um
contexto mais abrangente: a Primeira Repblica do Brasil
(1895 1930). Nessa perspectiva devemos, de antemo, fazer uma anlise geral de como o tema (conceitual e
temporalmente) foi construdo por diversos autores.
Apresentaremos abaixo uma reviso bibliogrfica com
algumas obras e anlises das dcadas de 1960, 1970, 1980,
1990, do princpio dos anos 2000.
O centro de nossa preocupao nesta anlise buscar
uma interpretao de obras escritas sob o tema acima que
possibilitaram analisar os pressupostos polticos e pedaggicos
do ano de 1917. Entendemos que a bibliografia que
encontramos relativamente extensa, mas aborda a questo da
educao em segundo plano. So tambm na maioria das vezes
obras no-acadmicas, ou seja, ligados militncia. Faremos
abaixo uma leitura de suas problemticas centrais juntamente
com suas concluses e possveis lacunas que podero ser
preenchidas neste trabalho.
O socilogo Azis Simo no ano de 1966 publica
Sindicato e Estado: suas relaes na formao do proletariado
de So Paulo12 onde aponta a essncia das primeiras
organizaes dos trabalhadores paulistanos da Primeira
Repblica do Brasil definindo-os como no corporativos. Tal obra pioneira no estudo dos sindicatos, pois faz anlise desde
a gnese dos sindicatos no Brasil (em meados do sculo XIX
nos setores txteis e metalrgicos at os anos 30) sob uma
pesquisa emprica de flego (BATALHA, 2007, p. 149). Para o referido autor, a classe constri suas possibilidades de
12 SIMO, Azis. Sindicato e Estado: suas relaes na formao do
proletariado de So Paulo. So Paulo: Dominus Editora, 1966.
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organizao e luta de acordo com as condies materiais pr-
existentes, portanto, no caso das greves, estas acontecem em
momentos de maior depresso econmica (carestia de vida).
Nesse sentido, sua tese central de que durante o
perodo do fim da Primeira Repblica com o desenvolvimento
da indstria, novos tipos de relaes sociais (por exemplo, o
corporativismo e burocratizao) acabaram por atrelar o
sindicato ao Estado constituindo novas formas organizativas
perdendo seu carter combativo e autnomo. Sendo assim, no
perodo pr-1930, os sindicatos no foram associaes
controladas por mestres com o fim de preservar os privilgios corporativos, nem dentro deles estabeleceram distines entre operrios, segundo o grau de qualificao profissional. A tese
difundida e fundamentada durante toda a obra de Azis a de
que o sindicato que historicamente foi considerado como sinnimo de resistncia e autonomia perde seu sentido
libertrio e se liga perspectiva de luta controlada pelas leis do
Estado na dcada de 1930 quando o sindicato, o Estado e o
patronato (...) iniciavam a elaborao de novas vias institucionais de suas recprocas relaes (SIMO, 1966, p. 87). Os sindicatos, desde seu surgimento, foram associaes de
assalariados que se organizavam no processo de produo e
que se desenvolveu no Brasil com o Primeiro Congresso
Operrio Brasileiro de 1906 (no qual constituiu a COB Confederao Operria Brasileira), onde fora institudo como a
estratgia (CORRA, 2011) de organizao autnoma dos
trabalhadores de uma dada empresa ou de toda categoria.
Boris Fausto autor da obra Trabalho Urbano e
Conflito Social (FAUSTO, 1976) para obteno do ttulo de
livre-docente na USP, em 1977, analisa as condies materiais
de existncia e a mentalidade coletiva dos trabalhadores
urbanos de 1890 a 1920. Fausto nos traz a tese de que os
anarquistas no haviam compreendido o papel do Estado e no
valorizavam uma luta por ele e que nos anos 20 ocorre uma
crescente alternativa comunista de base bolchevique ocasionando uma mudana das lutas da classe operria.
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Considera ainda que o ano de 1917 foi o smbolo de uma mobilizao de massas impetuosa, das virtualidades
revolucionrias (FAUSTO, 1976: 192). Fausto busca uma anlise do desenvolvimento das
lutas operrias de 1890 at a dcada de 20 do sculo XX
apresentando as razes do declnio do Movimento Operrio
Revolucionrio, dentre as quais, destaca-se a falta de
compreenso dos anarquistas sobre o papel do Estado j que o anarquismo brasileiro est associado a um sistema de
pensamento cientificista, corporificado no evolucionismo e no
livre pensamento (...) (idem, p. 71). Por fim, Fausto retoma o pensamento de que a formao da conscincia revolucionria
do operariado paulistano da Primeira Repblica esteve ligada
meramente ao seu prprio contexto: o anarquismo
corresponderia aos primeiros estgios da industrializao, que
no Brasil tardia e dbil e nesse caso, os anarquistas foram
derrotados por no compreender o papel do Estado. Nesse
sentido, o autor aponta que nos anos entre 1890 e 1920 ocorre
uma sucesso de derrotas pelo simples motivo de que as concesses sociais conquistadas no se encontram
institucionalizadas (FAUSTO, 1976: 245).
A propaganda operria no Brasil nos primeiros anos
da Primeira Repblica buscou a necessidade de ampliar o
internacionalismo proletrio para um discurso audvel e
assimilvel. Em 1917 a greve geral de julho em So Paulo
simbolizou um movimento fulcral da insatisfao proletria
que objetiva com tal greve, incentivar os trabalhadores a lutar
atravs da ao direta. Totalmente reprimida ela se expandiu
para outros estados como Rio de Janeiro, Pernambuco, Rio
Grande do Sul, Paran, etc. Essa , de maneira bem genrica, a
contribuio de Paulo Srgio Pinheiro e Michael M. Hall.
Publicada no ano de 1979 e intitulada A Classe Operria no
Brasil 1889 1930 documentos. Volume 1 O Movimento Operrio (PINHEIRO; HALL, 1979) pela Editora Alfa-
mega, tal obra traz uma coletnea de documentos histricos
do Movimento Operrio com algumas anlises desses dois
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autores. Especificamente, podemos nos atentar para as suas
concepes do que foi a greve geral de julho de 1917. Porm, a
confuso entre sindicalismo revolucionrio e
anarcossindicalismo ainda se manifesta nesses autores.
Mas alm disso, para os autores a referida greve foi a
manifestao poltica urbana mais impressionante da Primeira
Repblica. A greve assumiu dimenses vastas, o governo (pelo
menos momentaneamente) se sentiu ameaado e o movimento
operrio pode ajudar a explicar a ferocidade da represso que
irrompeu em larga escala dois meses mais tarde.
O brasilianista Sheldon Leslie Maram, produz em
1979 a obra Anarquistas, imigrantes e o movimento operrio
brasileiro (1890-1920) defendendo a tese de que o
anarcossindicalismo foi a doutrina poltica dominante no
movimento operrio brasileiro da Primeira Repblica.
Sustentando com argumentos, ele aponta que de 1890 at
1920, espanhis, portugueses e italianos so os imigrantes mais
presentes no movimento operrio brasileiro advindo da poltica
imigratria desse perodo.
A tese de anarcossindicalismo enquanto corrente
hegemnica refutada por Samis (2004) e por Corra (2011),
j que para esses ltimos, o que ocorreu no Brasil
hegemonicamente foi o sindicalismo revolucionrio e no
anarcossindicalismo, j que ambos no esto desvinculados do
anarquismo, mas so estratgias distintas. Para Corra (2011,
p. 83) o sindicalismo revolucionrio nunca se colocou, explcita e conscientemente, em vnculo com o anarquismo,
diferentemente do segundo. Em outras palavras, o anarcossindicalismo tem necessariamente em suas orientaes
ideolgicas o anarquismo; j o sindicalismo revolucionrio no
tem necessariamente, uma linha ideolgica clara e nica.
Maram (1979) afirma em coro que a histria do movimento
operrio no Brasil conta com uma diversificada e plural forma
organizativa e de influncia terico-poltica dos trabalhadores.
Silvia Lang Magnani em O Movimento Anarquista em
So Paulo (1906 1917) (MAGNANI, 1982) publicado no
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ano de 1982 no poderia ficar de fora dessa anlise. A autora
toma com pressuposto bsico de sua anlise que a presena do
anarquismo brasileiro no pode ser determinada apenas pela
chegada de milhares de imigrantes europeus. Rebatendo a tese
da planta extica, a autora considera que tais anlises fundamentadas em discrepncias com as fontes histricas e
documentais deixadas pelos libertrios no correspondem com
as colocaes de que houve uma importao mecnica de um
iderio poltico europeu para o Brasil (MAGNANI, 1982, p.
50). No que concerne luta dos anarquistas no movimento
operrio, de acordo com ela, existia a instaurao de (...) uma moral operria fundamentada na solidariedade humana e de
classe (MAGNANI, 1982, p. 13). Esta interpretao colabora com nossa hiptese de uma educao para a ao direta, j que
a solidariedade compe um dos pilares dessa educao.
Cristina Hebling Campos publica em 1983 a
dissertao de mestrado intitulada O Sonhar Libertrio
(Movimento Operrio nos anos 1917 a 1920) (CAMPOS,
1983) onde defende que no Brasil tinha anarquistas e
sindicalistas revolucionrios, onde os primeiros se
organizavam por ligas, comits, alianas, grupos teatrais,
jornais, etc. e os sindicalistas revolucionrios que entendiam
que o sindicato seria a base da transformao social. Por essa
diferenciao, a autora ressalta que essas duas correntes no
Brasil no so sempre fceis de distinguir. Na prtica h grupos que adotam elementos das duas tradies segundo suas
necessidades e com uma certa indiferena s distines que
prevaleciam em vrios outros pases na poca (CAMPOS, 1983, p. 9). Para a autora, o sonhar libertrio s estava no
cotidiano desses trabalhadores devido uma intensa elaborao
conceitual e militante (principalmente em So Paulo no ano de
1917 com o fortalecimento das ligas de bairro, um tipo de
organizao de inspirao basicamente anarquista)
indissocivel de uma conjuntura favorvel para tal. Ela
defende que o movimento operrio no Brasil, aps um perodo de depresso (...) vai aos poucos se recolocando e se
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reorganizando (...) nos fins de 1916 e incio do outro ano o clima nos dois grandes centros urbanos Rio de Janeiro e So Paulo de agitao (CAMPOS, 1983, p. 34). Assim, quando a greve estoura, o CDP com a atuao dos anarquistas
foi fundamental, pois tanto a organizao da greve quanto suas reivindicaes refletem o esforo caracterstico do
anarquismo que v o confronto na contradio entre os
proprietrios e a populao despossuda (pessoas que ao
mesmo tempo so produtores, consumidores e moradores) (CAMPOS, 1983, p. 42).
Francisco Foot Hardman publica no ano de 1983 Nem
Ptria, nem Patro!: vida operria e cultura anarquista no
Brasil (HARDMAN, 1984) apresenta uma nova leitura do
movimento operrio da Primeira Repblica do Brasil e oferece
uma perspectiva que renova os trabalhos acadmicos
abordando temticas que eram ainda pouco trabalhadas.
Utilizando, sobretudo, como referencial terico obras de Karl
Marx, Friedrich Engels, Antnio Gramsci e Eric J. Hosbsbawn,
Foot Hardman apresenta alguns elementos que levaram, no
nterim de 1906 e 1917, radicalizao do movimento operrio
que consecutivamente aumentou sua capacidade organizativa e
revolucionria. Desde a criao da Confederao Operria
Brasileira (COB) em 1908 com objetivo de criar uma unidade
de trabalhadores de vrios ofcios, o movimento se radicaliza.
Foram nesses mosaicos de organizaes criadas e mantidas
pelo prprio movimento de classe que se desenvolveram
prticas culturais variadas marcadas fortemente pela imigrao
estrangeira e pela diversidade tnica.
Nos sindicatos primeiramente no institucionalizados pelo governo , os anarquistas, visavam a luta contra a opresso capitalista e, assim, tambm
contriburam na vitalidade e conscincia da organizao
operria. Estes eram chamados de anarcossindicalistas.
Para o autor, a classe operria brasileira apresenta
uma estreita ligao no sentido histrico do conceito de classe
(natureza especfica, formaes, tempo e espao) e ao geral
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(seu quadro internacional). Sendo assim, a greve geral surge
como ato educativo para o operariado. Alm de uma educao
formalizada (em escolas operrias, racionalistas, etc.) a classe
operria buscou em elementos do cotidiano a sua afirmao
formativa. Contudo, a greve geral e a ao direta13 eram
celebradas como momentos e formas adequadas de ginstica revolucionria (HARDMAN, 1980, p. 47).
Hardman, apoiado em E. J. Hobsbawn14, apresenta a
diferenciao das instncias de luta da classe operria mundial
mostrando seu corporativismo e burocratizao e que, no caso
especfico do Brasil, isso ocorre com as medidas do Governo
Vargas, aps 1930. O que de fato nos relevante e
fundamental como, F. F. Hardman apresenta as instncias de
luta cultural da classe estabelecendo uma nova rea de atuao
e militncia, ou seja, estabelecendo festividades (Festas
Operrias), reunies, atividades pr-Escolas Modernas (de
carter anticlerical e de influncia do espanhol Francisco
Ferrer y Guardia) como novas formas da ao direta. Evidente,
pelo prprio carter de condio da classe, as festividades eram
realizadas com grande precariedade material. Todos esses
mtodos da classe so caracterizados pelo autor como
Estratgia do Desterro que, levado s suas ltimas consequncias pela defesa da cultura operria intransigente, nas concepes anarquistas, encontrava bases slidas nas
condies reais de existncia do proletariado do Brasil.
entendendo a greve como o prprio acontecer
ritualizado da cultura operria que Hardman concluiu sua obra.
Essa uma demonstrao de fora autnoma e a sua
importncia j reside no ato mesmo de sua expresso quando a
13 Podemos definir ao direta como expresso da crena de que o
proletariado s se libertar quando confiar na influncia de sua prpria
ao, direta e autnoma, prescindindo de intermedirios no conflito entre
capital trabalho. 14 HOBSBAWM, E. J. As classes operrias inglesas e a cultura desde os
princpios da Revoluo Industrial. In: Nveis de Cultura e Grupos Sociais.
Santos: Martins Fontes, 1974.
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poltica e a cultura voltam a se reencontrar: a relao entre o
potico e o histrico.
Em 1987 Jos Antnio Segatto apresenta a obra A
Formao da Classe Operria no Brasil (SEGATTO, 1987)
com alguns dados e anlises peculiares. Ao narrar passo a
passo a constituio da classe operria (a imigrao e as suas
condies de existncia), suas formas organizativas, seus
movimento reivindicatrios, ele faz algumas anlises dos quais
discordamos, principalmente, no ltimo captulo. Em A
ideologia e a organizao poltica ele demonstra que o
anarquismo uma ideologia da vanguarda (SEGATTO, 1987,
p. 81-84) e que formavam um grupo bastante minoritrio e v a
criao do PCB como uma vitria real da classe trabalhadora,
pois o anarquismo tem debilidades e uma incapacidade poltica
com uma realidade complexa. Sua anlise ainda reitera que no
campo organizativo os anarquistas se ancoravam no
espontanesmo, no economicismo e na disperso do doutrinarismo abstrato (idem, p. 87). Essa anlise pode ser contestada pela prxima obra que iremos analisar.
Christina da Silva Roquete Lopreato traz uma
reflexo mais aprofundanda e com novas interpretaes em sua
obra O Esprito da Revolta: a greve geral anarquista de 1917
(LOPREATO, 2000) De maneira singular, utilizando de
referenciais da imprensa operria da Primeira Repblica e
propondo uma reconstruo a partir dessas fontes, a autora
apresenta-nos os significados da greve geral de 1917
caracterizada como anarquista em So Paulo. Nesse sentido, ela vem aludindo, sobretudo, sobre as condies de vida e de
trabalho que se empunham at ento os trabalhadores
(sobretudo imigrantes) proveniente de horizontes culturais
diversos, que (re) organizaram a cidade de So Paulo dando a
ela um ambiente prprio com seus laos culturais,
estabelecendo lugares polticos tais como greves, ligas de
resistncia, jornais impressos, grupos anarquistas, espaos de
lazer e cultura, etc.
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A imprensa teve importante papel antes, durante e
aps a deflagrao da Greve Geral de Julho de 1917. Foi
veculo de informao, formadora de opinio e fora de
presso junto ao patronato e ao poder pblico. Em So Paulo,
sobretudo com o Jornal A Plebe (caracterizado pelo jornal
Correio Paulistano como cmplices e promotores da anarquia) matrias sobre as condies de vida e de trabalho do operariado eram constantemente veiculados e ocupavam
periodicamente as pginas dos principais jornais dos centros
operrios da cidade. Em especial, no decorrer dos primeiros
seis meses do ano (ou seja, anterior Greve de Julho) os
jornais foram essenciais, pois demonstravam aos trabalhadores
as condies nos quais estes estavam submetidos, sobretudo,
no quesito carestia de vida. Com a ecloso da greve geral, a imprensa operria
acompanhou o desenrolar dos acontecimentos combativos da
semana de 9 a 17 de julho de 1917 atuando como mecanismo
de veiculao das perspectivas dos trabalhadores. A
perspectiva importante apontada por Lopreato a questo da
ao direta. A ao direta pode ser compreendida de acordo com a autora, como uma forma de atuao junto realidade
com dignidade poltica (LOPREATO, 2000, p. 21). A ao
direta, composta por mtodos tais como boicote, sabotagem e
greve, se estabelece com mais preponderncia na obra, j que
para a autora, a greve geral fora a mais utilizada. Em suas
palavras a greve geral mais utilizada j que considerada a mais rica em ensinamentos por que explicita os interesses
contraditrios entre o patro e o empregado, rompe a harmonia
existente entre eles e faz aparecer a luta de classes. Ocorre que, logo aps a suspenso da greve geral, a perseguio
policial aos militantes anarquistas acabou por revelar a
represso ferrenha do governo sobre os militantes, sobretudo
com a intensificao de atuao da Lei Adolfo Gordo15 que previa a expulso de estrangeiros desde 1907.
15 Nos primeiros anos do sculo XX no Brasil a poltica repressiva do
Estado se fortificou. Tal represso materializada, por exemplo, na Lei
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A sociedade dominante da Primeira Repblica
tinha a pretenso de se livrar dos problemas
sociais com a deportao dos agitadores estrangeiros. Em 1893, j fora promulgado o decreto 1566 que, ao regular a entrada dos
estrangeiros, tratava tambm da expulso dos
mesmos durante o estado de stio. Assim, em
05/01/1907 promulgada a nova lei (A Lei
Adolfo Gordo) (...). A lei Adolfo Gordo,
seguindo a tendncia, exigia que os sindicatos
registrassem seus estatutos e suas diretoria
(PINHEIRO, 1990, p. 157).
O trabalho de Lopreato (2000) buscou reconstruir a
greve geral de 1917 de tal maneira que impossvel encontrar
uma dissociao entre narrativa e interpretao analtica. A
perspectiva da autora traz tona o sujeito histrico, tratando do
militante anarquista cuja ao , sem sombra de dvidas em sua anlise, individualizada e potencializada, destacando
militantes como Gigi Damiani, Guilio Sorelli, Edgard
Leuenroth, Neno Vasco, Jos Oiticica, Florentino de Carvalho,
dentre vrios outros.
Adolfo Gordo, proposta pelo Deputado Adolfo Gordo e aprovada no ano de
1907 um exemplo elementar. A lei previa a expulso de estrangeiros que
estivessem ligados ao movimento operrio da poca. Nesse mbito, um
exemplo claro a expulso do diretor do jornal socialista "AVANTI",
Vicente Vacirca, em 1908 (RODRIGUES, 1997, s/p). De acordo com
Dulles (1977, p. 117), essa lei, que ser reeditada em 1922, estabelecia punies para os que contribussem para a prtica de tais crimes atravs de
reunies ou de qualquer instrumento de propaganda; e conferia s
autoridades o direito de fechar, por tempo indeterminado, sindicatos e
entidades civis que cometessem atos prejudiciais segurana pblica. Para maior aprofundamento: BATALHA, Claudio. O Movimento Operrio na
Primeira Repblica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000;
RODRIGUES, Edgard. O Homem e a Terra no Brasil. Florianpolis:
Insular, 1997; LEAL, C. F. B. Pensiero e Dinamite: Anarquismo e
represso em So Paulo nos anos 1890. 2006. 308f. Tese (Doutorado)-
Programa de Ps-Graduao em Histria, Universidade Estadual de
Campinas, 2006.
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Os jornais constituam-se em um elo entre as vrias
prticas da propaganda social. No espao do jornal, os
militantes do movimento apoiavam as greves, alavancavam as
iniciativas dos grupos operrios e organizaes classistas de
bairros e ofcios, alm de conferncias anticlericais e de livre
pensamento.
Ainda no ano de 1996, a mesma editora lana a
contribuio de Josu Pereira da Silva intitulada Trs
Discursos, Uma Sentena: Tempo e Trabalho em So Paulo 1906 1932 (SILVA, 1996) que aborda elementos que no foram sistematizados profundamente por Lopreato (j que o
objeto da autora outro) que so as questes da noo de
tempo e discurso. O referencial terico metodolgico de Silva (1996) est intrinsecamente ligado perspectiva de
Walter Benjamin e da Histria Social. O autor apresenta uma
introduo relatando a discusso filosfica e histrica sobre
como foram criados os conceitos de tempo linear e, assim, de
tempo progressivo e de tempo produtivo para, desse modo,
entender a ideia de dividir as 24 horas do dia em trs partes
iguais, das quais uma delas (8 horas) seria dedicada
exclusivamente ao trabalho.
Silva (1996) nos traz discursos em que o trabalho
denunciado por no ser capaz de fornecer aos trabalhadores
valores morais que poderiam ser adquiridos em outras esferas
sociais alm da noo de que o tempo de 8 horas de trabalho
por dia era a pauta mais significativa das reivindicaes
operrias que fora lanada no I Congresso Operrio Brasileiro
do ano de 1906. O discurso preponderante sobre o trabalho era
dado pelas elites brasileiras com uma valorao moral muito
forte e de outro lado, a imprensa operria tambm reservava
grande parte do discurso do trabalho, porm, pela luta de
jornadas de 8 horas. Ocorre que, nas duas classes fundamentais
da sociedade capitalista, uma percepo de tempo pode mudar
ou dar sentido conduta de seus indivduos em cada classe,
traando projees e percepes de mundo no dia-a-dia. A
obra se estabelece com um discurso sobre a moral do
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trabalhador na relao conflituosa entre Trabalhador, Patro e
Governo durante a Primeira Repblica.
Nos anos 2000, especificamente publicado 2004 no
livro organizado por Eduardo Colombo (et. al.), Alexandre
Samis escreve Pavilho negro sobre ptria oliva: sindicalismo
e anarquismo no Brasil (SAMIS, 2004) e vem nos atentar com
uma riqueza de fontes, sobre os motivos e a origem da
Imprensa Operria ligada ao sindicalismo revolucionrio, que
para o autor, cresce fundamentalmente com o I Congresso
Operrio Brasileiro que deveria prestar auxilio e propaganda por folhetos, manifestos, conferncias, representaes teatrais atravs do proselitismo militante, que fora uma necessidade de
uma ao pedaggica no auxlio da prtica poltica. Fora criado
em 1906 o porta voz oficial de imprensa da COB: o peridico
A Voz do Trabalhador16.
Ainda para Samis, o quantitativo de greves no Brasil
se deve muito s organizaes operrias revolucionrias,
sobretudo os sindicatos. Nesse sentido, a greve geral de julho
de 1917 estaria habilmente desenhada, segundo o autor, pelos
anarquistas sindicalistas a frente das associaes de classe e
estaria fora do seu carter puramente espontneo, que para o
autor, estaria mais envolvido atravs das articulaes entre
ncleos combativos do CDP (Comit de Defesa Proletria).
Encontramos ainda nos anos 2000, um emaranhado de
teses e dissertaes acerca da ao operria na Primeira
Repblica (obviamente no as analisaremos) e poucas com o
enfoque na educao enquanto princpio ligado ao
proletria e revolucionria. Em 2006, Rafael Deminicis e
Daniel Aaro Reis Filho organizaram a obra Histria do
Anarquismo no Brasil, vol .1 e trouxeram a tona diversos
trabalhos dos quais, destaco: Anarquismo em prosa e verso:
literatura e propaganda anarquista na Imprensa Libertria de
So Paulo durante a Primeira Repblica (LEAL, 2006) de
16 A comisso responsvel pela editorao desse peridico estava
intimamente ligada COB. Assim, entre seus membros destacava-se o luso
Neno Vasco, Manuel Moscoso, Carlos Dias, etc.
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Claudia Feierabend Baeta Leal. A obra constri a noo de que
os anarquistas utilizando-se da Imprensa Operria combatiam
em prol de suas ideias e contra aqueles que impediam o livre
desenvolvimento dos indivduos e que buscavam contribuir
para o desenvolvimento da conscincia revolucionria.
No volume 2 da obra citada de organizao de Rafael
Deminicis e Carlos Augusto Addor, identificamos um texto
que no poderamos deixar de fora de nossa reviso. O artigo
Anarquismo e movimento operrio nas trs primeiras dcadas
da Repblica (DEMINICIS; ADDOR, 2009) de Carlos
Augusto Addor evidencia uma srie de elementos apontando
para o fato de que o anarquismo, durante as trs primeiras
dcadas da Repblica, foi principalmente atravs da corrente
anarcossindicalista, seno a tendncia poltica hegemnica no
interior do movimento operrio e sindical brasileiro,
certamente uma das mais fortes, atuantes e combativas
correntes organizatrias da classe trabalhadora e que os anos
da dcada de 10 fora a conjuntura de maior ascenso do
movimento operrio brasileiro, pois neste ocorrem
movimentos grevistas num ritmo e intensidade at ento desconhecidos no Brasil. No contexto referido, os trabalhadores paulistanos desenvolveram suas lutas para alm
das reivindicaes imediatas (econmicas salrios, jornadas, etc.), mas tambm para uma possvel revoluo social.
Nossa ltima anlise ser feita sobre a obra Ideologia
e Estratgia: anarquismo, movimentos sociais e poder popular
de Felipe Corra, publicado pela Editora Fasca no ano de
2011. Dividida em trs captulos extensos, a principal tese que
perpassa ambos os captulos, so as noes entre ideologia e
estratgia. Ideologia e estratgia so utilizadas nos textos para
discutir anarquismo e sindicalismo revolucionrio. Ideologia,
para o autor, constitui-se enquanto um conjunto de ideias e de
valores respeitantes ordem pblica e tendo como funo
orientar comportamentos polticos coletivos enquanto sistema
de ideias conexas com a ao. Estratgia a escolha dos
meios mais adequados para se atingir determinados fins. Dessa
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forma, o anarquismo seria uma ideologia e o sindicalismo
revolucionrio uma estratgia. Contudo, sua anlise
fundamentada nesses conceitos determinante para entender
que o sindicalismo revolucionrio no constitui uma ideologia
diferente do anarquismo, mas uma das estratgias adotadas
pelo anarquismo (CORRA, 2011, p. 32). Assim,
majoritariamente, o fenmeno que manifestou no Brasil foi o
sindicalismo revolucionrio e no, o anarcossindicalismo.
Para concluir, podemos dizer que a sistematizao
dessas fontes levantou nossa temtica em dois sentidos:
primeiro, por que possibilitou que nossa temtica emergisse da
leitura dos documentos instigando-nos a pesquisas sobre a
educao; e por outro lado, atravs das lacunas deixadas por
estas fontes. Inmeras outras fontes ainda sero analisados e,
obviamente, aparecero na monografia de forma mais
aprofundada. Os temas nos permitiro vislumbrar hipteses,
resgatando paradigmas e superando outros, para expressar uma
escrita da Histria alm de meras informaes esquemticas e
doutrinrias. Sendo assim, nos ancoraremos principalmente nas
anlises de Campos (1983), Magnani (1992), Pinheiro (1990),
Lopreato (2000), Samis (2004), Leal (2006), Biondi (2009) e
Corra (2011) que nos pareceu mais favorvel com nossas
hipteses (ver Introduo) e de outro lado, mais atualizada frente produes recentes.
Ao ambicionarmos demonstrar a ao poltica e
pedaggica que est expressa pelos nmeros de A Plebe no ano
de 1917, compreendemos que esse peridico foi um espao de
socializao de saberes e prticas educacionais libertrias.
Assim sendo, pretendemos caminhar rumo a uma pesquisa que
permite dar visibilidade s questes presentes nessa forma de
ao poltica nessas fontes primrias.
1.2. Delimitao terico-metodolgica e conceitual Nosso referencial metodolgico est baseado em
Rsen (2010) que aponta as operaes processuais do mtodo
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histrico17 e as operaes substancias18. A primeira operao processual a heurstica19. Ela se reduz ao
questionamento (levantamento de questes histricas) e
seleo de fontes.
As outras duas operaes so a crtica e a
interpretao. A crtica das fontes, enquanto uma operao
metdica tira informaes, dados e manifestaes do passado
das fontes a partir de nossas concepes do presente,
estabelecendo um vnculo direto entre o passado e o presente.
Nesse sentido, a crticas das fontes o ponto fulcral da objetividade histrica (idem, p. 123).
A interpretao, enquanto operao metdica que articula, de modo intersubjetivamente controlvel, as
informaes garantidas pela crtica das fontes sobre o passado
humano (idem, ibidem) nos ajuda a organizar as informaes das fontes histricas, estabelecendo contextualizaes
necessrias, sintetizando as perspectivas, os sentidos das
experincias do passado e etc. Se torna fundamental afirmar
isso pois, as fontes histricas no apresentam seus fatos nas
meras correlaes empricas ou nos fatos/dados das fontes.
Outras trs concepes so importantes, pois as
operaes processuais so complementadas pelas operaes
substanciais. Trata-se da hermenutica, analtica e dialtica. A
hermenutica a anlise dirigida subjetividade dos atores
histricos. Trata-se de compreender suas intenes e o sentido
imaginado de suas aes. J na analtica, as fontes so
investigadas como resduos que manifestam as condies sob
17 De acordo com Rsen (2007, p. 122), Trata-se do que deve ser apreendido, pela crtica das fontes, como fato especificamente histrico e
do que deve ser estabelecido, interpretativamente, como contexto histrico
de fatos. 18 Rsen (2007, p. 133 167). 19 Heurstica a operao metdica da pesquisa, que relaciona questes histricas, intersubjetivas controlveis, a testemunhos empricos do
passado, que rene, examina e classifica as informaes das fontes
relevantes para responder s questes, e que avalia o contedo informativo
das fontes (RSEN, 2007, p.118).
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as quais foram possveis as criaes culturais que formam a
tradio (RSEN, 2007, p. 146). Nesta fase, aborda-se nas fontes as experincias nas quais o tempo experimentado
como limite definidor das possibilidades do agir.
A ltima operao substancial a dialtica. Ela
compreendida como o momento de combinao entre a
hermenutica e a analtica com o intuito de serem percebidas
enquanto uma relao entre as experincias do tempo humano
e as intencionalidades humanas (RSEN, 2007, p. 159).
Levando em considerao esta perspectiva terico-
metodolgica, esse trabalho visa aprofundar o questionamento
e a seleo (heurstica) dos artigos de A Plebe levando em
considerao nossa problemtica geral. Ele precisa extrair
destes artigos o contedo factual (dados) que eles nos
fornecem (crtica) e necessita estabelecer conexes entre estes
fatos, isto , o contexto de fatos (interpretao).
Ao mesmo tempo, por essa escolha metodolgica,
esse trabalho precisa estabelecer uma anlise hermenutica dos
artigos, visando compreender o sentido subjetivo que orienta a
ao dos autores de A Plebe. Mas, estas intenes e projees
subjetivas precisam ser contextualizadas (Analtica). Neste
sentido, nosso trabalho pretende analisar o contexto de
produo do jornal, reconstruindo o perodo republicano
brasileiro e os contextos de efeitos que fornecem limites para
as intenes subjetivas dos autores do jornal.
Alm desses pressupostos metodolgicos faz-se
opo, neste estudo, de adotar alguns conceitos, tais como os
de anarquismo, sindicalismo revolucionrio, imprensa
operria, ao direta e educao libertria.
Para explicitar o que compreendemos por
anarquismo, utilizarei os pressupostos que Felipe Corra
desenvolveu em Ideologia e Estratgia: anarquismo,
movimentos sociais e poder popular. Ancorado nos sul-
africanos Michael Schmidt e Lucien van der Walt20 e no
20 SCHMIDT, M.; VAN DER WALT, L. Black Flame: the revolutionary
class politics of anarchism and syndicalism. Oakland: Ak Press, 2009.
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brasileiro Alexandre Samis21, Corra (2011) define do
anarquismo como
(...) uma ideologia22, um tipo de socialismo
revolucionrio, que surge no sculo XIX
colocando-se no campo social e sem
desconsiderar as desigualdades da sociedade, e
por isso tem uma herana histrica, ideolgica
e terica determinada. Possuindo elementos
morais de relevncia, o anarquismo no pode
ser considerado uma cincia, apesar de utilizar
mtodos racionais para a leitura da realidade posicionando-se contra a explorao e a
dominao para a criao de uma perspectiva de sociedade futura e tambm para o
estabelecimento de estratgias e tticas. O
anarquismo defende uma transformao social
revolucionria, em nvel internacional, que
deve ser levada a cabo de baixo para cima, ser
protagonizada pelos diferentes sujeitos
oprimidos e fazer com que os meios de luta
estejam de acordo com os fins que se pretende
21 SAMIS, A. Clevelndia: anarquismo, sindicalismo e represso poltica
no Brasil. So Paulo: Imaginrio, 2002; _______. Minha Ptria o Mundo
Inteiro: Neno Vasco, o anarquismo e o sindicalismo revolucionrio em dois
mundos. Lisboa: Letra Livre, 2009.
22 Devemos fazer algumas ressalvas e esclarecimentos o conceito de
ideologia utilizado tanto pelos sul-africanos Michael Schmitd e Lucien van der Walt como por Felipe Corra. Primeiro, o termo ideologia
historicamente em outras concepes tem outros significados. Por exemplo,
na teoria marxista, corresponde falsa conscincia sistematizada da realidade. Se pensarmos assim, o anarquismo se situaria como falsa conscincia dos trabalhadores fato que no concordamos; segundo nossa interpretao aqui desenvolvida, o termo ideologia para definir o
anarquismo, para no ser compreendido como falsa conscincia
sistematizada da realidade, pode ser substitudo por poltica ou como desenvolvimento de uma prxis que une teoria e ao, sendo, portanto indissocivel a relao meios e fins. Assim sendo, seria mais claro definir o
anarquismo como uma prxis, ou, como uma ideologia, entendida como um
conjunto de teorias orientado por suas aes prticas se autodeterminando.
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atingir. Como objetivo, o anarquismo prope a
criao de um socialismo autogestionrio e
federalista, sem capitalismo e sem Estado, que
concilie a liberdade individual, a liberdade
coletiva e a igualdade (CORRA, 2011, p. 47).
Dessa forma, o anarquismo, como corrente do
socialismo conforme est definido acima no sinnimo de antiestatismo ou meramente uma corrente libertria e
antiautoritria. Pensar o anarquismo de forma reducionista
causa uma viso tambm reducionista da realidade; nem
generalizaes (no sentido de transcender o momento histrico
analisado) so cabveis, pois, no se pode falar de anarquismo
antes do capitalismo e nem em anarquismo fora do campo
socialista (CORRA, 2011, p. 36).
Nessa definio, o anarquismo um fenmeno que
constitui parte das teorias libertrias que a histria produziu,
mas de maneira alguma, pode ser completamente vinculado a
todas elas. Portanto, devemos delimitar o surgimento do
anarquismo para no cairmos em generalizaes histricas
causando uma impreciso do tema (at por que o termo
anarquismo surgir com os conflitos23 entre Marx e Bakunin).
(...) o anarquismo pode ter surgido em
Proudhon, desenvolvendo suas principais
linhas, mas d um inegvel salto qualitativo
com Bakunin e a ADS, passando a existir em
sua plenitude e maturidade, consolidando-se
como uma ideologia cujas bases encontram-se
no movimento popular do sculo XIX e que
preconiza uma prtica poltica organizada e
coletiva (CORRA, 2011, p. 42).
Para dialogarmos com essa definio, temos que
definir o que se entende por estratgia, pois justamente o
23 SADDI, R. Ditadura do Proletariado ou Abolio do Estado? O Conflito
Conceitual entre
Anarquistas e Marxistas. In: Revista Enfrentamento, ano 04, n 06,
Jan./Jun. de 2009.
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anarquismo, enquanto uma ideologia teve ao longo do seu
desenvolvimento, diversas estratgias, dentre elas, o
sindicalismo revolucionrio.
De acordo com Hardman (1984, p. 31), no Brasil
antes da dcada de 30 do sculo XX, um dos elementos
fundamentais da classe operria sua autonomia cultural
advinda de sua autonomia no plano associativo, principalmente
sindical, constituindo o sindicato enquanto um espao valorizado como expresso de fora e dignidade (idem, p. 49).
O historiador Cludio Batalha ir apontar que o
sindicalismo de ao direta, ou sindicalismo revolucionrio, tinha por modelo a poltica adotada pela Confederao Geral
do Trabalho francesa que
(...) fundava-se na rejeio de intermedirios
no conflito entre trabalhadores e patres; na
condenao da organizao partidria e da
poltica parlamentar; na proibio da existncia
de funcionrios pagos nos sindicatos; na
adoo de direes colegiadas e no-
hierrquicas; na reprovao de servios de
assistncia nos sindicatos; na recusa da luta por
conquistas parciais; na defesa da greve como
principal forma de luta, apontando para a greve
geral. (BATALHA, 2000, p. 29).
Nesse sentido, o sindicalismo revolucionrio no
constitui uma ideologia diferente do anarquismo, mas uma das
estratgias adotadas pelo anarquismo (CORRA, 2011, p. 32).
No Brasil, o sindicalismo revolucionrio, teve uma
envergadura bastante considervel. Um exemplo elementar
sobre o sindicalismo revolucionrio no Brasil est exposto no
Primeiro Congresso Operrio de 1906.
O Congresso de 1906 mostra a clara influncia
do sindicalismo revolucionrio: h mesmo uma
meno ao operariado francs como o modelo de atividade e iniciativa ao trabalhador
brasileiro. Tal doutrina, nos anos
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imediatamente anteriores a 1906, chega a
dominar a organizao do movimento operrio
em So Paulo e a exercer uma larga influncia
no movimento no Rio de Janeiro. De fato, as
resolues do Congresso so muito mais
sindicalistas que revolucionrias (do
anarquismo dificilmente se encontra algum
trao) (PINHEIRO e HALL, 1979, p. 41).
Dessa forma, trazendo os elementos do sindicalismo
revolucionrio, o tipo de organizao escolhido o sindicato
de resistncia, com o intuito de evitar no interior do sindicato,
o cooperativismo, que atraem grande nmero de aderentes sem o indispensvel esprito de luta (NETO, 2007, p. 27). Ainda, os sindicatos sero organizados por ofcio, por indstria ou por ofcios vrios, neste ltimo caso apenas com o
objetivo de facilitar e provocar a formao de outras
associaes de resistncia (idem, ibidem). De acordo com Alexandre Samis, o Congresso
aprovou a filiao de suas teses ao sindicalismo revolucionrio
francs, estabelecendo os seguintes pontos fulcrais:
neutralidade sindical, federalismo, descentralizao,
antimilitarismo, antinacionalismo, ao direta, greve geral, etc.
No texto final aprovado pelo Congresso, fica latente a
capacidade e abrangncia do programa que previa a possibilidade de convivncia de opinies poltica e religiosas, elegendo o campo econmico24, como o de compreenso por este ser de interesse comum (SAMIS, 2002, p. 135).
Os princpios de ao direta esto explcitos nas
resolues do I Congresso Operrio Brasileiro:
Considerando que o proletariado economicamente organizado, independente dos
partidos polticos, s pode, como tal, lanar
24 Esta concepo est Mikhail Bakunin. Ver: BAKUNIN, M. Catecismo
Revolucionrio: Programa da Sociedade da Revoluo Internacional. So
Paulo: Imaginrio/Fasca, 2009.
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mo dos meios de ao que lhe so prprios;
(...)
o Congresso aconselha como meios de ao
das sociedade de resistncia ou sindicatos todos
aqueles que dependem do exerccio direto e
imediato da sua atividade, tais como a greve
geral ou parcial, a boicotagem, a sabotagem, o
label, as manifestaes pblicas, etc., variveis
segundo as circunstncias de lugar e de
momento 25 (COB, 1906 in: PINHEIRO e HALL, 1979, p. 51).
Outro elemento fundamental a perspectiva de
neutralidade dos sindicatos em relao s vertentes polticas. Os sindicatos no deveriam nem ser anarquistas, nem
meramente sindicalistas, estes deveriam ser de orientao
revolucionria. Para ficar mais claro, o jornal A Terra Livre de
1906 ressalta a diferena entre nvel poltico e nvel social. O
(...) Congresso no foi, de certo, uma vitria do
anarquismo. No o devia ser. A Internacional,
desfeita por causa das lutas de partido no seu
seio, deve ser memorvel lio para todos. Se o
Congresso tivesse tomado um carter libertrio,
teria feito obra de partido, no de classe. O
nosso fim no constituir duplicatas dos
nossos grupos polticos. Mas se o Congresso se
no foi, a vitria do anarquismo, foi, porm,
indiretamente til difuso das nossas ideias
(RODRIGUES, 1969, p. 131).
Alm da relao entre o sindicato e a perspectiva
poltica, os sindicatos, de acordo com as Resolues do I
Congresso Operrio Brasileiro, no deveriam ser associaes controladas por mestres, com o fim de preservar antigos
25 Resolues do 1 Congresso Operrio Brasileiro efetuado nos dias 15, 16, 17, 18, 19 e 20 de abril de 1906 na sede do Centro Gallego, Rua da
constituio, 30 e 32, Rio de Janeiro, 1906 (IISG) (PINHEIRO e HALL, 1979, p. 58).
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privilgios corporativos (SIMO, 1966, p. 160). Estes deveriam ser compostos por trabalhadores para lutar pelos
interesses dos trabalhadores, trazendo o lema da Associao
Internacional dos Trabalhadores (AIT) de 1864: A emancipao dos trabalhadores obra dos prprios
trabalhadores. Apesar das diferenas26 entre os trs Congressos
Operrios (1906, 1913 e 1920), que ressalvadas algumas
alteraes relativas s especificidades do contexto histrico de
cada congresso, prevalecia o sindicalismo revolucionrio
enquanto estratgia a ser utilizada atravs da ao direta, como
mtodo fundamental para a obteno das transformaes sociais desejadas
Maria Nazareth Ferreira nos fornece o conceito de
Imprensa Operria. Para a autora, podemos identificar a
imprensa operria produzida por operrios, sob o ponto de
vista do emissor, do ponto de vista do receptor e do seu
contedo, no que tange s questes da classe social
(FERREIRA, 1988, p.5).
Porm, existem diversos outros elementos para
caracterizamos a imprensa operria, como por exemplo, as
produes de indivduos no pertencentes quela classe, mas
que expressa os interesses dessa classe. Quando falamos ento
de imprensa operria, estamos dizendo de elementos internos
da classe e externos da classe, porm, no podem ser
desvinculadas do prprio movimento operrio, pois ambos
esto relacionados atravs das lutas da classe trabalhadora. A
Imprensa Operria, no contexto dos fins do sculo XIX at a
segunda dcada dos mil e novecentos, constitui-se como canal dos problemas dos trabalhadores e como centros de propagao de concepes polticas.
26 Cf. SAMIS, A. Pavilho negro sobre ptria oliva: sindicalismo e
anarquismo no Brasil. In: COLOMBO, Eduardo (orgs.). Histria do
Movimento Operrio Revolucionrio. So Paulo: Expresso e Arte &
Imaginrio, 2004
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Em questes quantitativas, Ferreira (1978), aponta
que entre o ltimo quartel do sculo XIX at as duas primeiras dcada do sculo atual (XX), apareceram
aproximadamente 343 ttulos de jornais espalhados pelo
territrio brasileiro (idem, ibidem, p. 14). Com considervel quantidade, atravs do convencimento expresso pelos jornais, a
imprensa operria ancorada em centenas de peridicos, foi um
rgo fundamental para os sindicatos (ligas operrias, unies
profissionais ou associaes de resistncia) na propagao de
seus ideais. Porm, a trajetria desses peridicos estava
condicionada s dificuldades financeiras e diligencias policiais que garantiam vida breve para a maioria desses peridicos, ou temporrias interrupes na publicao dos mais
bem sucedidos (DULLES, 1973, p. 23). De fato, alguns peridicos no conseguiram encontrar certa regularidade na
sua distribuio, sendo que, alguns desapareciam e
reapareciam sob outros ttulos e redatores (na maioria, os
redatores eram os mesmos, porm, sob diversas questes eles
utilizavam pseudnimos).
Nessa questo da Imprensa Operria, devemos notar
algo anterior que o jornal. Este teve um papel fundamental,
pois criou o hbito de leitura e preparou o terreno para o surgimento da imprensa operria na virada do sculo (idem, p. 9). Sendo assim, o jornal um resultado do conjunto de
informaes, preocupaes, propostas, produzidos pela
coletividade e para ela mesma (idem, p. 6).
Conforme Boris Fausto enuncia, o jornal constitui um dos principais centros organizatrios anarquistas e de
difuso da propaganda. O jornal figura-se dentro do movimento operrio da Primeira Repblica do Brasil como um
veculo de expresso escrita, transforma-se tambm com frequncia em veculo oral, ao ser lido em voz alta aos
trabalhadores analfabetos (1977, p. 91). Outro conceito fundamental que trabalharemos aqui
o de ao direta. Ancorado em Adonile Guimares, Christina
Lopretato, Anton Pannekoek e Jos Oiticica, entendemos que a
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ao direta crtica da sociedade burguesa proferida pelo
movimento operrio revolucionrio de bases eminentemente
libertrias que fornece uma recusa ttica de representao burguesa, de rejeio ao parlamentaris