livro - escritos sobre a imprensa operária da primeira república - joão gabriel da fonseca mateus

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MATEUS, J. G. F. Escritos sobre a Imprensa Operária da Primeira República. Pará de Minas: Virtual Books, 2013.Este livro é fruto de uma pesquisa realizada junto ao Arquivo Edgard Leuenroth da Universidade Estadual de Campinas (AEL – UNICAMP) que trabalha as aspirações e práticas pedagógicas do periódico A Plebe de 1917. Assim, tencionamos acompanhar nesse ano (do número de sua fundação à sua paralisação na décima nona edição) os pressupostos políticos e pedagógicos da ação direta, ou seja, as formas utilizadas pelo periódico para compreender um processo de formação de uma auto-educação libertária, fundamentada nos pressupostos do anarquismo. Com isso, entendemos que a estratégia anarquista adotada por A Plebe articulava a luta libertária em prol de uma sociedade igualitária com a instrução da classe trabalhadora para que atingisse um objetivo final, ou seja, a revolução social e a construção de uma sociedade libertária. Sendo assim, analisaremos nas páginas que seguem, alguns desses elementos da ação direta como pressupostos políticos e pedagógicos na constituição de formas de sociabilidade coletiva com um fim social efetivo.

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    - 1 -

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    - 1 -

    JJoooo GGaabbrriieell ddaa FFoonnsseeccaa MMaatteeuuss

    EESSCCRRIITTOOSS SSOOBBRREE AA IIMMPPRREENNSSAA OOPPEERRRRIIAA DDAA

    PPRRIIMMEEIIRRAA RREEPPBBLLIICCAA

    VirtualBooks

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    - 2 -

    Copyright 2013, Joo Gabriel da Fonseca Mateus.

    Capa: Diney Vasco

    1 edio

    1 impresso

    (2013)

    Todos os direitos reservados, protegidos pela lei 9.610/98.

    Nenhuma parte desta edio pode ser utilizada ou reproduzida,

    em qualquer meio ou forma , nem apropriada e estocada

    sem a expressa autorizao do autor.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    _____________________________________________ Mateus, Joo Gabriel da Fonseca

    ESCRITOS SOBRE A IMPRENSA OPERRIA DA PRIMEIRA

    REPBLICA. Joo Gabriel da Fonseca Mateus. Par de Minas, MG: Editora VirtualBooks, 2013.14x20 cm., 191 p.

    ISBN 978-85-7953-973-2

    1. Jornalismo. 2. Luta poltica na imprensa anarquista e operria brasileira. 3. Jornais do proletariado brasileiro. 4.Histria. 5. A educao e o

    anarquismo no Brasil. Ttulo.

    CDD- 070 ____________________________________________

    Livro editado pela

    VIRTUALBOOKS EDITORA E LIVRARIA LTDA.

    Rua Porcincula,118 - So Francisco

    Par de Minas - MG - CEP 35661-177 -

    Tel.: (37) 32316653 - e-mail: [email protected]

    http://www.virtualbooks.com.br

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    - 3 -

    AGRADECIMENTOS

    Ao longo do tempo em que este texto foi escrito

    acumulei um bom nmero de dvidas de gratido. Assim, o

    esprito coletivo deste trabalho me deixa na obrigao de

    agradecer algumas pessoas que me auxiliaram no processo de

    sua constituio. Sendo assim, remeto meus sinceros

    agradecimentos:

    Snia Lobo, minha orientadora da monografia, que

    com toda pacincia acolheu meu pedido de orientao, as

    justificativa de meus atrasos, me deu total independncia

    terica e de estudos e foi comigo at o fim com leituras atentas

    e comprometidas; meu grande amigo e companheiro de luta

    Deivid Carneiro pelas conversas sobre essa sociedade cancergena; Rafael Saddi pela atitude libertria que carrega em si de forma singular e por toda ajuda na orientao deste

    texto; Luiz Aurlio Bueno Neves, companheiro que durante

    nossos dias de pesquisa no Arquivo Edgard Leuenroth

    propiciou vrias conversas proveitosas sobre as nossas

    pesquisas; ao Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), em especial

    Marina Rabelo, Maria Dutra de Lima, Humberto Innarelli, Ana

    Paula e Ricardo Biscalchin, trabalhadores desse arquivo que

    foram prestativos e pelo auxlio nos dias de coleta das fontes;

    ao casal Reginaldo e Sirlene Noleto pela estadia e pelos dias

    agradveis na cidade Campinas/SP; Felipe Corra da

    Federao Anarquista do Rio de Janeiro e Thiago Lemos do

    Grupo de Estudos Sobre Anarquismo de Patos de Minas pelas

    indicaes bibliogrficas disponibilizados por eles e que aqui

    foram utilizados; ao anarco-peruano Juan Chacn, companheiro libertrio que com nossas conversas brias

    contribuiu e muito ao longo da escrita do texto e fez

    gentilmente as correes gramaticais a pedido da banca; a Luiz

    Eduardo Bacural; A Diney Vasco por produzir a capa; a todos

    meus companheiros autogestionrios, em especial, Marcos

    Atades, Reinaldo Souza, Edmilson Marques, Nildo Viana,

    Cleito Pereira; Lisandro Braga e Lucas Maia que tem a

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    essncia de verdadeiros militantes: a amizade e a solidariedade

    libertria.

    Impossvel seria esquecer-se da minha famlia: meu

    pai Joo Batista, um sincero e humilde homem que me inspira

    cotidianamente no meu modo de agir diante dessa humanidade

    desumana; minha me Mary Lane, pela pacincia s minhas

    ausncias familiares, pelo carinho e pelo amor enorme que tem

    pelo filho anarquista; minha irm Gisele que, quem sabe, trilhar pelos complicados e tortuosos caminhos da docncia;

    aos meus prirmos Marclio Jnior e Vincius Mateus; ao meu primo anarclogo Muns Alves pelos debates sobre anarquismo e com as leituras de seu blog fez com que eu

    direcionasse meu olhar para outras questes que at ento

    estavam despercebidas; ao tio Mariozan (in memoriam) pelas

    agradveis conversas que tive quando saa de Goinia para ter

    paz de estudo na sua casa; aos demais familiares.

    Muitos ficaram e estes se sintam agradecidos. Eis aqui

    meus singelos agradecimentos aos que a falha memria me

    propiciou. No mais, todos vocs foram imprescindveis nesse

    trajeto tortuoso, sofrvel e, enfim, realizado.

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    - 5 -

    DEDICATRIA

    (...) Ao povo pobre e trabalhador!

    (faixa 3 Quem esse homem do captulo II do disco Bales de

    Ar - banda Seores)

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    LISTA DE ABREVIATURAS

    ADS Aliana Democrtica Socialista

    AEL Arquivo Edgard Leuenroth

    AIT Associao Internacional dos Trabalhadores

    CGT Confdracion Gneral du Travail (Confederao Geral

    do Trabalho)

    COB Confederao Operria Brasileira

    FORA Federao Operria Regional Argentina

    FOSP Federao Operria de So Paulo

    FRE - Federacin Regional Espaola

    FTRE - Federacin de Trabajadores de la Regin Espaola

    IFCH Instituto de Filosofia e Cincias Humanas

    PCB Partido Comunista Brasileiro

    UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

    UTG - Unio dos Trabalhadores Grficos

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    SUMRIO

    Resumo / 11

    Prefcio: Ao direta ensina a viver sem tutela:

    o aspecto pedaggico da luta poltica na imprensa

    anarquista e operria brasileira Thiago Lemos Silva. / 13

    Introduo / 17

    CAPTULO I /

    1.1. Estado atual dos conhecimentos / 26

    1.2. Delimitao terico-metodolgica e conceitual / 39

    CAPTULO II

    Contexto do proletariado brasileiro na Primeira Repblica

    / 53

    2.1. Imigrao, formao do operariado e condies de

    trabalho / 53

    2.2. Sociedades de resistncia, sindicatos e imprensa

    operria / 58

    2.3. De A Lanterna A Plebe / 63

    2.4. Edgard Leuenroth: breve biografia de militante

    anarquista / 69

    2.5. A constituio da Semana Trgica / 74

    2.6. Do dia 9 a 16 de julho: a Semana Trgica / 78

    CAPTULO III

    A Plebe e a ao poltica pedaggica da ao direta / 85

    3.1. Trabalhador forte e fecundo / 85

    3.2. Pela ao direta: Rumo Revoluo Social e Em

    nome do Povo, no! / 87

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    3.3. Contra a Igreja e o clericalismo / 91

    3.4. A Plebe durante a Greve Geral / 92

    3.5. A Plebe aps a Greve Geral / 97

    3.6. Pictografia como recurso educacional / 104

    3.7. Poesias libertrias / 112

    3.8. A influncia das Escolas Modernas e indicaes

    bibliogrficas / 116

    3.9. A Gazetilha de Satan critica com sarcasmo / 119

    Consideraes Finais / 121

    Fontes para Pesquisa / 122

    Jornais / 122

    Referncias Bibliogrficas / 123

    Apndices / 133

    O comunismo anarquista do jornal Sprtacus (1919 1920)

    / 134

    Referncias / 152

    Jornais / 152

    Bibliografias / 153

    La prensa operaria en Brasil: la importancia de los

    peridicos libertrios / 156

    O sindicalismo revolucionrio como estratgia dos

    Congressos Operrios (1906, 1913, 1920) / 160

    Nas pginas da Imprensa da Primeira Repblica: os

    poemas anticlericais em A Lanterna / 176

    Referncias Bibliogrficas / 190

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    RESUMO

    Este livro fruto de uma pesquisa realizada junto ao

    Arquivo Edgard Leuenroth da Universidade Estadual de

    Campinas (AEL UNICAMP) que trabalha as aspiraes e prticas pedaggicas do peridico A Plebe de 1917. Assim,

    tencionamos acompanhar nesse ano (do nmero de sua

    fundao sua paralisao na dcima nona edio) os

    pressupostos polticos e pedaggicos da ao direta, ou seja,

    as formas utilizadas pelo peridico para compreender um

    processo de formao de uma auto-educao libertria,

    fundamentada nos pressupostos do anarquismo. Com isso,

    entendemos que a estratgia anarquista adotada por A Plebe

    articulava a luta libertria em prol de uma sociedade igualitria

    com a instruo da classe trabalhadora para que atingisse um

    objetivo final, ou seja, a revoluo social e a construo de

    uma sociedade libertria. Sendo assim, analisaremos nas

    pginas que seguem, alguns desses elementos da ao direta

    como pressupostos polticos e pedaggicos na constituio de

    formas de sociabilidade coletiva com um fim social efetivo.

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    PREFCIO

    Ao direta ensina a viver sem tutela: o aspecto pedaggico da luta poltica na imprensa

    anarquista e operria brasileira Thiago Lemos Silva

    Repudiamos [...] a ao eleitoral e parlamentar,

    que s serve para reforar o Estado [...] e

    adormecer as energias populares. O nosso

    mtodo ao direta que [...] tende a despertar

    a iniciativa e a coragem, leva a agir por conta

    prpria, a unir-se, a viver sem tutela [...]

    preconizamos (como meios de ao direta) a

    greve, a boicotagem, a sabotagem, a agitao

    de praa, o comcio, a greve geral, e por fim a

    insurreio e a expropriao a que os

    oprimidos e explorados devem recorrer, se a

    isso levados pela necessidade e pela

    conscincia da sua prpria fora.1

    Ao enunciar sua definio dos militantes engajados

    com o jornal A Plebe, Neno Vasco introduziu uma imagem

    capaz de traduzir o aspecto essencialmente pedaggico do qual

    estava profundamente impregnada a luta poltica levada a cabo

    pela imprensa anarquista e operria, durante o contexto que

    abarca o perodo da Primeira Repblica no Brasil.Inscrevendo

    a ao direta no cerne da poltica, Neno Vasco e seus

    companheiros de viagem apostavam na possibilidade de o

    proletariado aprender, por si mesmo, a lutar em prol dos

    interesses da sua classe social, construir a conscincia dos

    antagonismos entre capital-trabalho, superar a funo do

    Estado e, por conseguinte, revolucionar a sociedade capitalista,

    fato que tornaria exequvel sua reconstruo ulterior em

    Mestre em Histria pela UFU (Universidade Federal de Uberlndia);

    professor na rede pblica e particular de educao bsica de Patos de Minas

    (Minas Gerais) e membro do Coletivo Mundo crata. 1VASCO, Neno. O que somos. A Plebe. So Paulo,n 54, 28/07/1920.

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    direo ao socialismo. Perscrutar esse aspecto sublinhado por

    Neno Vasco constitui o objetivo maior do trabalho de Joo

    Gabriel da Fonseca. Resultado de pesquisa e redao de

    monografia defendida junto ao Curso de Histria do Instituto

    Federal de Gois, o livro deste jovem pesquisador lana um

    novo olhar sobre os aspectos formais e informais do projeto poltico-pedaggico do jornal A Plebe, durante A

    Semana Trgica de 1917 na cidade de So Paulo, momento

    particularmente rico do sonhar libertrio2, para evocar aqui a feliz expresso de Cristina Hebling Campos.

    Breve, porm, intensa em termos de agitao social, A

    Semana Trgica assume na narrativa tramada pelo autor mais

    que meros sete dias de existncia. Privilegiando os mltiplos

    fatores que a tornaram possvel, Joo Gabriel da Fonseca

    coloca em evidncia a luta contra a carestia de vida, a

    diminuio da jornada diria para 08 horas, a regulamentao

    do trabalho infantil e feminino, as ressonncias da Revoluo

    Russa, o assassinato do operrio Jos Martinez, os saques ao

    Moinho Santista, o emergir das Ligas Operrias de Bairro e o

    papel do Comit de Defesa Proletria.

    No entanto, ela no se reduz a isso. Distanciando-se das

    interpretaes esquemticas e simplistas, o historiador recusa-

    se a ver nA Semana Trgica um ato puramente espontaneista dos trabalhadores por um lado, ou como a ao diretiva de uma

    vanguarda poltica por outro. Pelo contrrio, ela revelaria o

    processo de enraizamento e durao da estratgia de ao

    direta, forma pela qual o anarquismo exerceu sua hegemonia

    no interior do movimento operrio brasileiro, que se

    encontrava presente nas lutas contra o patronato desde a aurora

    do sculo XX.

    Das atividades nos sindicatos at as intervenes nas

    escolas racionalistas, passando pela crtica ao militarismo e a

    luta anticlerical, Joo Gabriel da Fonseca nos mostra o papel

    2 CAMPOS, Cristina Hebling. O sonhar libertrio: movimento operrio

    nos anos de 1917 a 1921. Campinas: Pontes/ Campinas, 1988.

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    no desprezvel que A Plebe, surgida no entremeio d A Semana Trgica, desempenhou enquanto centro de aglutinao

    e irradiao de um projeto poltico-pedaggico que conferiu

    ao direta a difcil tarefa de ensinar os trabalhadores a

    viverem sem tutela. Na sua luta pela autonomia, esse projeto

    no se restringiu as formas tradicionais de educao poltica,

    que visavam persuadir os trabalhadores racionalmente por

    meio da propaganda doutrinria. Ao lado dessa forma de

    educao poltica, vemos surgir nas pginas d A Plebe , uma outra, que integra, mas, ao mesmo tempo ,transcende a sua

    dimenso puramente racional; fato que no se furta anlise

    extremamente cuidadosa de Joo Gabriel da Fonseca.

    Em conjunto com os panfletos, ensaios, informes e

    demais gneros literrios cuja fisionomia se aparenta, o autor

    tambm se detm nos gneros literrios que no podem ser

    tomados apenas como formas de propaganda dirigida, tais

    como as caricaturas, poesias e crnicas. Com objetivos

    semelhantes, porm com funes diferentes, esses gneros

    literrios tinham como finalidade mais sensibilizar do que

    persuadir os trabalhadores na sua luta contra o capital,

    mostrando que a autonomia uma conquista que passa tanto

    pelo intelecto quanto pelo corao.

    Se analisada a partir dessa perspectiva, o aspecto

    pedaggico da luta poltica enfatizado por Edgard Leuenroth,

    Florentino de Carvalho, Adelino Pinho e os demais articulistas

    d A Plebe ganha outro sentido, muito mais profundo e abrangente. Tal como entendido pelo autor, a luta poltica ,

    em si mesma, tomada como um processo pedaggico. No se

    tratou, obviamente, de um projeto que visava criar uma escola

    aonde o militante iluminado viria, em um passe de mgica, fazer com que os trabalhadores aprendessem o socialismo,

    mas, antes fazer com que as organizaes que lutavam pelo

    socialismo tivessem um carter pedaggico.

    O constante esforo dos anarquistas para retirar os

    trabalhadores da apatia e incit-los ao, o qual eles

    responderam de modo positivo e efetivo, talvez nos ajude a

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    entender a reao violenta dos poderes institudos na semana

    de 09 a 16 de julho do ano de 1917. Afinal de contas, nada

    mais perigoso a uma Repblica cujo cimento da dominao

    estava assentado na dependncia clientelista do que um

    movimento operrio que agia de modo totalmente autnomo.

    Em virtude disso, o governo de So Paulo agiu de forma to

    repressiva em relao aos movimentos grevistas que eclodiram

    na cidade no referido ano, procurando a todo custo erradicar os

    indesejveis anarquistas, como se estes fossem plantas exticas

    de impossvel aclimatao em um solo tido como ordeiro e

    pacfico, imagem esta que foi constantemente reatualizada e

    ritualizada pelas elites nacionais da poca, quando tratou-se de

    deslegitimar toda a resistncia por parte do jovem

    proletariado brasileiro contra o nascente capitalismo industrial.

    Quase um sculo nos separa dos personagens dessa

    histria que nos contada pelo autor, o que pode gerar certo

    estranhamento no leitor que se dispuser a enfrentar o presente

    livro. Em uma poca em que se anuncia o fim das utopias, o desencantamento do mundo, a ascenso da insignificncia, a amargura da histria, entre outros lugares para designar o mundo dito ps-moderno, em que toda e qualquer forma de tentativa de mudar a sociedade constitui

    uma quimera irrealizvel, o projeto poltico-pedaggico levado

    a cabo pelos anarquistas antes, durante e depois d A Semana Trgica parece algo arcaico e obsoleto.

    Entretanto fica aqui o convite, em forma de desafio,

    para o leitor refletir se o livro ou no contemporneo ao

    sculo XXI, sculo que parece desconhecer a sbia lio

    extrada de Rosa Luxemburgo, tambm libertria, em face das

    reiteradas e frequentes derrotas do movimento socialista no

    sculo XX, bem como sua dimenso eminentemente

    pedaggica: No estamos derrotados. Ao contrrio, venceremos, se no tivermos desaprendido a aprender3.

    3LUXEMBURGO, Rosa. A crise da social democracia. Disponvel em:

    http://www.marxists.org/portugues/luxemburgo/1915/junius/cap01.htm.

    Acesso em: 09 de maio de 2013.

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    INTRODUO

    Este texto a monografia defendida para obteno do

    ttulo de graduao em Licenciatura em Histria pelo IFG

    (2009 2013) que foi defendido e aprovado em 15 de fevereiro de 2013. Alm desse texto, a obra composta por 4

    artigos publicados em revistas/jornais especializados na rea

    de cincias humanas.

    A ideia de fazer esse trabalho est intrinsecamente

    ligada com a forma que me deparei durante a minha trajetria

    acadmica com a educao e o anarquismo (de maneira difusa

    e marginal) e tambm, na forma como hegemonicamente esses

    dois conceitos (e so alm de meros conceitos) so entendidos

    no interior das faculdades, universidades, escolas, etc. As (in)

    compreenses na maioria das vezes foram fruto, ora de mal

    entendidos, de falta de leituras e quando houveram, leituras

    apressadas que formaram uma imagem caricatural do

    anarquismo; outrora de ranos e intenes a priori com um

    objetivo j delimitado e (pr) conceituoso sobre essas

    temticas. Quando assim pensado, fica quase impossvel

    compreender algo de proveitoso do anarquismo.

    Dessa maneira, as pginas que se seguiro no

    buscam um fim em si mesmo, e tambm, no so a soluo

    para essas incompreenses das quais eu cito. So meros

    esforos para compreender algumas singularidades recnditas

    das prticas polticas anarquistas (uma entre tantas) que

    emanaram da classe trabalhadora para a classe trabalhadora.

    Um gro de areia frente ao que j foi produzido e est

    arquivado. Assim, ressalto as palavras de Errico Malatesta4

    quando afirmava que Na cincia, as teorias, sempre hipotticas e provisrias, constituem um meio cmodo para

    reagrupar e vincular fatos conhecidos, e um instrumento til

    4 MALATESTA, E. Anarquismo y Anarquia. In: RICHARDS, V.

    Malatesta: Pensamiento e Accin. Buenos Aires: Tupac Ediciones

    Revolucionarios, 2007, p. 39.

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    - 16 -

    para a investigao, mas essa cincia apenas interpreta os fatos novos e no a verdade nica e acabada.

    Outros autores e autoras importantes deveriam ser

    tratados aqui na temtica geral, mas por falta de espao e

    tempo, no puderam ser contemplados. Mesmo assim,

    Proudhon, Bakunin, lise Reclus, Louise Michel, Errico

    Malatesta, Piotr Kropotkin, Gori, Luigi Fabbri, Luce Fabbri,

    Max Nettlau, Ferrer y Guardia, Emma Goldman, Nestor

    Makhno, Volin, Sbastien Faure, Arshinov, Rudolf Rocker,

    Tolsti, Jos Oiticica, Neno Vasco, Fbio Luz, Domingos

    Passos, Maria Lacerda de Moura, Everardo Dias, Joo

    Penteado, Adelino Pinho, Florentino de Carvalho, Oresti

    Ristori, Gigi Damiani, Giovanni Rossi, Malvina Tavares,

    Hermnio Marcos, Avelino Fscolo, Fbio Luz, Domingos

    Passos, Edgar Rodrigues, Milton Lopes, Carlo Aldegheri, Ideal

    Peres, Jaime Cubero, Noam Chomsky, Daniel Gurin, esto s

    vezes diretamente e indiretamente citados no texto. Basta uma

    reflexo mais atenta que ser possvel visualizar isso.

    Assim, A Semana Trgica dos dias 9 a 16 de julho de

    1917 estampada nas pginas d A Plebe ser analisada aqui mais do que meros 7 dias. Tem seus acontecimentos e seus

    determinantes frutos de vrios motivos que lhe so anteriores e

    ressonncias posteriores, j que reacendeu e reacende a

    esperana, como um legtimo sentimento do ser humano de

    sonhar-para-a-frente (BLOCH, 2005, p. 21).

    * * *

    No sculo XIX, bastante estimulados pela propaganda

    do governo brasileiro sobre a chamada terra da oportunidade, muitos europeus emigraram para o Brasil entre 1870 e o comeo da Primeira Guerra Mundial. Tamanha foi a

    imigrao que, entre 1884 e 1903, o Brasil recebeu mais de um milho de italianos (DULLES, 1973). Com eles tambm vieram as ideais do movimento operrio europeu. Os

    imigrantes que chegavam ao Brasil vinham carregados de

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    - 17 -

    valores, concepes e pensamentos de organizao proletria,

    caractersticas da Europa daquele contexto. Na perspectiva

    organizacional do movimento operrio a imprensa foi um

    rgo de grande importncia pela propagao dos interesses

    dos trabalhadores, na divulgao dos ideais do movimento e

    suas aes polticas, carregando ainda um carter didtico e

    doutrinrio. No caso brasileiro, as transformaes ocorridas no

    processo de modernizao potencializaram o crescimento e a

    necessidade da imprensa, trazendo a difuso de novos hbitos, aspiraes e valores (LUCA, 2011:120), que abrigava uma infinidade de publicaes peridicas.

    Assim, no incipiente movimento operrio, os

    anarquistas foram os principais participantes e levaram os

    peridicos em formas de jornal como o principal mecanismo

    de propagao de seu ideal de emancipao social.

    Apresentavam alternativas ao operariado, com ideais que

    contrariavam a ordem capitalista vigente, tais como: greve

    geral, boicotes, sabotagens, revoluo social, etc.

    A greve geral de 1917, que assumiu na memria

    social o sentido de um ato simblico e nico5, entra nesse

    cenrio como uma expresso das precrias vidas dos

    trabalhadores paulistanos e como um momento de convulso social sem precedentes na histria do Brasil (LOPREATO, 2000, p. 46).

    Para reconstruirmos a histria desses movimentos de

    reproduo de ideais libertrios se torna fundamental

    buscarmos, um elemento dentre as mais diversificadas formas

    de compreender o movimento operrio: a imprensa operria

    caracterizada pelos peridicos criados por trabalhadores. Com

    isso, o peridico A Plebe, escolhido como fonte primria para

    esta pesquisa, foi um dos jornais do proletariado que pretendia

    conscientizar a classe trabalhadora de sua situao de

    explorados e unir os trabalhadores em suas lutas por melhores

    condies de vida e trabalho.

    5 FAUSTO, 1977, p. 192.

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    - 18 -

    O assunto de que trata o presente estudo a relao

    entre imprensa operria e educao. De maneira mais

    especfica, o trabalho que se segue visa analisar os

    pressupostos polticos e pedaggicos no mbito da

    resistncia ao capitalismo encontrado no peridico A Plebe, inserido no contexto do movimento operrio na Primeira

    Repblica do Brasil no ano de 1917. Mais especificamente,

    nossa pesquisa procurar entender o que ficou chamado de A Semana Trgica (LOPREATO, 2000) e assim, compreender os pressupostos pedaggicos d' A Plebe durante esse recorte

    temporal. Para isso, foi necessrio compreender as condies

    de vida e trabalho do proletariado na Primeira Repblica do

    Brasil que levaram construo de formas de organizao no

    movimento operrio, entendendo a importncia das

    organizaes operrias (ligas operrias, greves, sindicatos,

    sociedades de resistncia, regies de lazer e cultura operria)

    para a luta cotidiana dos trabalhadores.

    Alm disso, centramos nosso recorte temporal na

    Greve Geral de 19176 na cidade de So Paulo, compreendendo

    o processo histrico do nascimento do jornal operrio A Plebe

    advindo do peridico A Lanterna7. nesse contexto que

    podemos analisar a linha de entendimento do mundo

    propagada pelo jornal caracterizado pelos seus propsitos

    6 Jos Carlos Orsi Morel ao analisar a situao da classe trabalhadora ir

    dizer que la huelga general del 17 surge como uma respuesta radical del movimiento contra la situacin de extrema misria y opresin (MOREL, 1988, p. 28).

    7 No segundo captulo deste trabalho iremos apresentar a histria desse

    peridico. Mas de antemo, A Lanterna, foi um peridico anticlerical de

    orientao anarquista e rgo da Liga Anticlerical. Foi considerado por

    Boris Fausto, como o veculo mais consistente do anticlericalismo anarquista, embora seja razovel supor que ele tenha sido temperado pelo

    propsito de aglutinar outros crculos alm dos libertrios. Foi inaugurado sob a gide de Benjamin Motta no qual permaneceria at 1904 ocorrendo

    uma paralisao das publicaes e ser retomado no ano de 1909 por

    Edgard Leuenroth (FAUSTO, 1977, p. 83).

  • ........................

    - 19 -

    educativos j que em qualquer das tendncias dentro do

    movimento operrio o jornal tido como um portador de suas propostas, como veculo de suas resistncias e como proposta

    de educao dos trabalhadores (KHOURY, 1987, p. 15). No campo educacional, as aes do movimento

    operrio foram diversas, sendo que, na realidade, as atividades abraadas pelos trabalhadores dentro do movimento

    operrio e, principalmente, entre os anarquistas, possuam um

    carter pedaggico e educacional inegvel (NASCIMENTO, 2006, p. 77).

    Nossa hiptese que o peridico A Plebe se

    constituiu como um mecanismo e estratgia dos anarquistas

    para propagar os pressupostos polticos e pedaggicos da ao

    direta com o objetivo da revoluo social feita pela classe

    trabalhadora rumo sociedade anrquica. Assim pensado,

    elucidaremos no terceiro captulo que a estratgia dos

    libertrios no era determinista, e sim, complexa e

    multideterminante, que almejava a emancipao total das

    classes oprimidas e opressoras da sociedade capitalista em prol

    de uma sociedade livre em todas as esferas da sociedade com a

    abolio do sistema capitalista e das classes sociais.

    Utilizamos como fonte primria os peridicos

    publicados por A Plebe, do nmero 01 de 09 de junho de 1917

    ao nmero 19 de 30 de outubro deste mesmo ano, data em que

    o peridico foi interrompido pela priso de seu editor. A coleta

    destas fontes foi realizada no ms de junho de 2012 no

    Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) nas dependncias do

    Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade

    Estadual de Campinas (UNICAMP) na cidade de Campinas,

    So Paulo. O peridico A Plebe foi fundado em 1917 por

    Edgard Leuenroth8 e findou em 1950. Contudo, durante esse

    8 Edgard Leuenroth, filho de um farmacutico alemo, emigrado para o Brasil, nasceu em Mogi-Mirim, no estado de So Paulo em 1881 e morreu

    em 1968. (...) Em 1903, participa de um Crculo Socialista, em So Paulo,

    mas em 1904 j se converte ao anarquismo. Ingressa na recm fundada

    Unio dos Trabalhadores Grficos (UTG), ali trabalha como bibliotecrio e

  • ........................

    - 20 -

    longo perodo (comparado com a trajetria de outros

    peridicos) houve diversas paralisaes das publicaes,

    prises de seus diretores e empastelamentos.

    Alm dos nmeros de A Plebe, realizamos uma

    pesquisa fundamentada majoritariamente em referncias

    bibliogrficas (artigos, ensaios, livros, monografias,

    dissertaes, teses, etc.) que fundamentaro o trabalho em

    todos os seus captulos.

    Do ponto de vista metodolgico, ressalvamos que esta

    pesquisa optou pelo estudo de um recorte temporal bastante

    delimitado. No entanto, esse curto perodo rico em fontes que

    tratam da relao entre a educao libertria e a imprensa

    operria, especialmente no que diz respeito ao peridico A

    Plebe de 1917. Concordando com Marc Bloch, o vocabulrio dos documentos no , a seu modo, nada mais que um

    testemunho: precioso, sem dvida, entre todos; mas, como

    todos os testemunhos, imperfeito; portanto, sujeito crtica (BLOCH, 2011, p. 142). Assim, face imensa e confusa

    realidade que nos cerca, o historiador levado a compreender

    essa realidade e obrigado a recort-la temporalmente. Este um autntico problema de ao. Ele nos acompanhar ao longo

    colabora na publicao do jornal O Trabalhador Grfico. Foi um dos

    fundadores da Federao Operria de So Paulo, em 1905, e um dos

    principais responsveis pela realizao dos trs principais congressos

    operrios realizados em 1906, 1913 e 1920, no Rio de Janeiro. Participou

    intensamente da imprensa operria: redator, com Neno Vasco, da Terra

    Livre (1905), diretor da Folha do Povo (1908 1909), reinicia a publicao de A Lanterna (1906 1910), fundador de A Plebe (1917). (...) (PINHEIRO e HALL, 1979, p. 226). Ainda sobre Edgard Leuenroth,

    Edgard Rodrigues diz que a partir de 1909 at o ano de 1935, Leuenroth

    dirigiu A Lanterna, (...) jornal anti-clerical e libertrio fundado pelo dr. Benjamin Mota em 1901, em duas fases que lhe granjeou muitos amigos e

    alguns inimigos terrveis sindo preso quando desmascarou a Igreja no Caso

    Idalina. Nesse mesmo ano de 1912 fundou A Guerra Social, peridico de

    So Paulo, foi redator principal e no ano de 1915, colaborou ativamente no

    dirio O Combate. Nos anos de 1916-1917, foi redator-secretrio da revista

    Ecltica, de So Paulo. Em 1917 fundou o jornal anarquista A Plebe,

    semanrio, passando em 1919 a dirio.

  • ........................

    - 21 -

    de todo o nosso estudo (idem, ibidem, p. 52). Essa delimitao nos permitiu identificar as crticas sociedade de classes e as

    propostas de educao libertria que visavam romper com as

    relaes sociais capitalistas e instaurar novas formas de relao

    humana, contida no peridico citado. Alm destes peridicos,

    utilizaremos uma vasta produo bibliogrfica produzida por

    diversas reas das cincias humanas que nos apontou alguns

    caminhos a percorrer, como ser visto no captulo I.

    O problema que nos orientou na pesquisa foi: qual o

    projeto educativo (formal ou informal) expresso pelo Jornal A

    Plebe no contexto das greves gerais do ano de 1917? Com

    essa problemtica central nos vem outras questes secundrias

    e no menos importantes: que tipo de educao era veiculado

    nas pginas de A Plebe? Quais as estratgias utilizadas pelos

    autores para atingir seu pblico-alvo? Quem produzia A Plebe

    e com qual interpretao da realidade estava ligada? A Plebe

    produzia uma interpretao do passado e uma projeo de um

    futuro radicalmente diferente alm da retrica, por exemplo,

    com o uso de imagens?

    Na historiografia, houve um aprecivel acrscimo de

    estudos em relao ao movimento operrio a partir da anlise

    de documentos relativos a Imprensa Operria9. Tema

    anteriormente de estudo dos militantes polticos (no-

    acadmicos) de geraes posteriores Primeira Repblica do

    Brasil, pois estavam ligados cotidianamente a produo de

    peridicos, revistas, etc. para a militncia do dia-a-dia, a

    histria do movimento operrio passou a fazer parte de

    inquietaes dos socilogos e cientistas polticos acadmicos

    nos anos 1960. Chamada por Batalha (2007, p. 148) de

    Snteses Sociolgicas, essas produes abarcava socilogos preocupados em elaborar grandes snteses, que estabeleciam

    teorias explicativas do movimento operrio e de suas opes

    ideolgicas.

    9 FERREIRA, Maria Nazareth. Imprensa Operria no Brasil. So Paulo:

    tica, 1978.

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    - 22 -

    Nos anos 1970, a historiografia acadmica ganhou um

    salto quantitativo e qualitativo com a produo dos

    brasilianistas e de historiadores brasileiros, sobretudo, com a

    criao de arquivos do movimento operrio, como por

    exemplo, o AEL. Na dcada de 1980, ir ocorrer o processo de

    ampliao, fragmentao e crise caracterizado por uma crescente produo acadmica (fruto do crescimento dos

    programas de ps-graduao), da diversificao das fontes de

    pesquisa e consecutivamente, a fragmentao do campo de estudo onde a teoria cedeu espao para os estudos de carter mais emprico (idem, p. 153).

    Essa breve anlise geral e a que vem abaixo no tem a

    pretenso de esgotar os temas nem de fechar o leque de

    possibilidades interpretativas de nossas fontes, mas sim,

    preencher algumas brechas deixadas por estas pesquisas e

    incentivar a realizao de novas pesquisas de futuros

    pesquisadores sobre a histria do movimento operrio trazendo

    a tona o que Eric Hobsbawn afirma: uma funo digna dos historiadores a de reconstruir um passado esquecido,

    estimulante, imperecvel (HOBSBAWN apud HAUPT, 2010, p. 50).

    Dentre toda essa bibliografia, at onde apreciamos,

    so poucos10 os estudos e pesquisas com profundidade ligada

    ao contexto de educao no ano de 1917, seja anterior e posterior Greve Geral de Julho. No que tange abordagem

    dada por essas pesquisas, a produo por mais vasta que seja se

    limita aos estudos, quase que exclusivamente, do papel da

    Imprensa (especificamente o jornal) como instrumento de politizao (FERREIRA, 1988).

    10 Nesse sentido, encontramos dois trabalhos que estudam especificamente

    a educao no Jornal A Plebe no recorte temporal de 1917. Cf.

    GONALVES, A. M.; NASCIMENTO, M. I. M. Educao nas folhas do

    jornal A Plebe: 1917 1919. In: Publicatio UEPG: Cincias Sociais Aplicadas, Vol. 16, No 2, 2008; e GONALVES, Ody Furtado. Trajetria e

    ao educativa do jornal A Plebe (1917-1927). In: Quaestio: Revista de

    estudos em Educao, v. 6, n. 2, 2004.

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    - 23 -

    Portanto, a histria do movimento operrio nos remete

    tambm a pensar tambm a amplitude da conceituao de

    educao. Esta necessidade mostra a importncia da presente

    pesquisa para produo historiogrfica brasileira e nos motivou

    a propor o estudo desse tema. Dessa forma, evidenciar a ao

    da educao enquanto pressuposto educativo da ao direta11 ao mesmo tempo elucidar o contexto do conceito de ao direta no mbito da educao libertria e mostrar que o seu estudo, desdobra-se em outras possveis e inesgotveis

    pesquisas.

    Para a realizao deste objetivo ser necessrio

    analisar a bibliografia escolhida de forma crtica (comumente

    chamada de reviso bibliogrfica ou estado atual da arte) - j que as diferentes tradies intelectuais de cada perodo de

    produo acabam por gerar representaes dspares ou

    semelhantes do movimento operrio na Primeira Repblica -

    juntamente com alguns conceitos importantes, que sero

    tratados no captulo I. Dentre eles: anarquismo, sindicalismo

    revolucionrio, imprensa operria, ao direta e educao

    libertria.

    Como contextualizar uma questo fundamental

    para o ofcio do historiador, no captulo II, ser realizada uma

    contextualizao histrica do movimento operrio na Primeira

    Repblica, traando as determinaes da imigrao, as

    condies de vida e trabalho do proletariado na Primeira

    Repblica do Brasil, os motivos e determinantes que

    condicionaram a organizao dos peridicos e as organizaes

    operrias existentes na Primeira Repblica (ligas operrias,

    greves gerais, sindicatos, imprensa operria, etc.) na cidade de

    So Paulo nesse nterim. Ainda, analisaremos a Greve Geral de

    julho de 1917 dando um enfoque especial Semana Trgica.

    Logo aps, no captulo III, faremos uma anlise dos

    pressupostos polticos e pedaggicos da ao direta em A

    Plebe. Nesse captulo, buscaremos explicitar as crticas ao

    11 A educao do operariado pela ao grevista, preparando-o para a

    grande revoluo, que poria fim sociedade burguesa.

  • ........................

    - 24 -

    Estado, Igreja e explorao capitalista em suas mais

    diversificadas esferas da realidade, destacando alguns

    elementos especficos do jornal que propagaram aquilo que

    chamamos de educao libertria.

  • ........................

    - 25 -

    CAPTULO I

    1.1. Estado atual dos conhecimentos

    Nosso trabalho utiliza-se de diversas categorias e

    conceitos que foram bastante explorados dentro de um

    contexto mais abrangente: a Primeira Repblica do Brasil

    (1895 1930). Nessa perspectiva devemos, de antemo, fazer uma anlise geral de como o tema (conceitual e

    temporalmente) foi construdo por diversos autores.

    Apresentaremos abaixo uma reviso bibliogrfica com

    algumas obras e anlises das dcadas de 1960, 1970, 1980,

    1990, do princpio dos anos 2000.

    O centro de nossa preocupao nesta anlise buscar

    uma interpretao de obras escritas sob o tema acima que

    possibilitaram analisar os pressupostos polticos e pedaggicos

    do ano de 1917. Entendemos que a bibliografia que

    encontramos relativamente extensa, mas aborda a questo da

    educao em segundo plano. So tambm na maioria das vezes

    obras no-acadmicas, ou seja, ligados militncia. Faremos

    abaixo uma leitura de suas problemticas centrais juntamente

    com suas concluses e possveis lacunas que podero ser

    preenchidas neste trabalho.

    O socilogo Azis Simo no ano de 1966 publica

    Sindicato e Estado: suas relaes na formao do proletariado

    de So Paulo12 onde aponta a essncia das primeiras

    organizaes dos trabalhadores paulistanos da Primeira

    Repblica do Brasil definindo-os como no corporativos. Tal obra pioneira no estudo dos sindicatos, pois faz anlise desde

    a gnese dos sindicatos no Brasil (em meados do sculo XIX

    nos setores txteis e metalrgicos at os anos 30) sob uma

    pesquisa emprica de flego (BATALHA, 2007, p. 149). Para o referido autor, a classe constri suas possibilidades de

    12 SIMO, Azis. Sindicato e Estado: suas relaes na formao do

    proletariado de So Paulo. So Paulo: Dominus Editora, 1966.

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    - 26 -

    organizao e luta de acordo com as condies materiais pr-

    existentes, portanto, no caso das greves, estas acontecem em

    momentos de maior depresso econmica (carestia de vida).

    Nesse sentido, sua tese central de que durante o

    perodo do fim da Primeira Repblica com o desenvolvimento

    da indstria, novos tipos de relaes sociais (por exemplo, o

    corporativismo e burocratizao) acabaram por atrelar o

    sindicato ao Estado constituindo novas formas organizativas

    perdendo seu carter combativo e autnomo. Sendo assim, no

    perodo pr-1930, os sindicatos no foram associaes

    controladas por mestres com o fim de preservar os privilgios corporativos, nem dentro deles estabeleceram distines entre operrios, segundo o grau de qualificao profissional. A tese

    difundida e fundamentada durante toda a obra de Azis a de

    que o sindicato que historicamente foi considerado como sinnimo de resistncia e autonomia perde seu sentido

    libertrio e se liga perspectiva de luta controlada pelas leis do

    Estado na dcada de 1930 quando o sindicato, o Estado e o

    patronato (...) iniciavam a elaborao de novas vias institucionais de suas recprocas relaes (SIMO, 1966, p. 87). Os sindicatos, desde seu surgimento, foram associaes de

    assalariados que se organizavam no processo de produo e

    que se desenvolveu no Brasil com o Primeiro Congresso

    Operrio Brasileiro de 1906 (no qual constituiu a COB Confederao Operria Brasileira), onde fora institudo como a

    estratgia (CORRA, 2011) de organizao autnoma dos

    trabalhadores de uma dada empresa ou de toda categoria.

    Boris Fausto autor da obra Trabalho Urbano e

    Conflito Social (FAUSTO, 1976) para obteno do ttulo de

    livre-docente na USP, em 1977, analisa as condies materiais

    de existncia e a mentalidade coletiva dos trabalhadores

    urbanos de 1890 a 1920. Fausto nos traz a tese de que os

    anarquistas no haviam compreendido o papel do Estado e no

    valorizavam uma luta por ele e que nos anos 20 ocorre uma

    crescente alternativa comunista de base bolchevique ocasionando uma mudana das lutas da classe operria.

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    - 27 -

    Considera ainda que o ano de 1917 foi o smbolo de uma mobilizao de massas impetuosa, das virtualidades

    revolucionrias (FAUSTO, 1976: 192). Fausto busca uma anlise do desenvolvimento das

    lutas operrias de 1890 at a dcada de 20 do sculo XX

    apresentando as razes do declnio do Movimento Operrio

    Revolucionrio, dentre as quais, destaca-se a falta de

    compreenso dos anarquistas sobre o papel do Estado j que o anarquismo brasileiro est associado a um sistema de

    pensamento cientificista, corporificado no evolucionismo e no

    livre pensamento (...) (idem, p. 71). Por fim, Fausto retoma o pensamento de que a formao da conscincia revolucionria

    do operariado paulistano da Primeira Repblica esteve ligada

    meramente ao seu prprio contexto: o anarquismo

    corresponderia aos primeiros estgios da industrializao, que

    no Brasil tardia e dbil e nesse caso, os anarquistas foram

    derrotados por no compreender o papel do Estado. Nesse

    sentido, o autor aponta que nos anos entre 1890 e 1920 ocorre

    uma sucesso de derrotas pelo simples motivo de que as concesses sociais conquistadas no se encontram

    institucionalizadas (FAUSTO, 1976: 245).

    A propaganda operria no Brasil nos primeiros anos

    da Primeira Repblica buscou a necessidade de ampliar o

    internacionalismo proletrio para um discurso audvel e

    assimilvel. Em 1917 a greve geral de julho em So Paulo

    simbolizou um movimento fulcral da insatisfao proletria

    que objetiva com tal greve, incentivar os trabalhadores a lutar

    atravs da ao direta. Totalmente reprimida ela se expandiu

    para outros estados como Rio de Janeiro, Pernambuco, Rio

    Grande do Sul, Paran, etc. Essa , de maneira bem genrica, a

    contribuio de Paulo Srgio Pinheiro e Michael M. Hall.

    Publicada no ano de 1979 e intitulada A Classe Operria no

    Brasil 1889 1930 documentos. Volume 1 O Movimento Operrio (PINHEIRO; HALL, 1979) pela Editora Alfa-

    mega, tal obra traz uma coletnea de documentos histricos

    do Movimento Operrio com algumas anlises desses dois

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    - 28 -

    autores. Especificamente, podemos nos atentar para as suas

    concepes do que foi a greve geral de julho de 1917. Porm, a

    confuso entre sindicalismo revolucionrio e

    anarcossindicalismo ainda se manifesta nesses autores.

    Mas alm disso, para os autores a referida greve foi a

    manifestao poltica urbana mais impressionante da Primeira

    Repblica. A greve assumiu dimenses vastas, o governo (pelo

    menos momentaneamente) se sentiu ameaado e o movimento

    operrio pode ajudar a explicar a ferocidade da represso que

    irrompeu em larga escala dois meses mais tarde.

    O brasilianista Sheldon Leslie Maram, produz em

    1979 a obra Anarquistas, imigrantes e o movimento operrio

    brasileiro (1890-1920) defendendo a tese de que o

    anarcossindicalismo foi a doutrina poltica dominante no

    movimento operrio brasileiro da Primeira Repblica.

    Sustentando com argumentos, ele aponta que de 1890 at

    1920, espanhis, portugueses e italianos so os imigrantes mais

    presentes no movimento operrio brasileiro advindo da poltica

    imigratria desse perodo.

    A tese de anarcossindicalismo enquanto corrente

    hegemnica refutada por Samis (2004) e por Corra (2011),

    j que para esses ltimos, o que ocorreu no Brasil

    hegemonicamente foi o sindicalismo revolucionrio e no

    anarcossindicalismo, j que ambos no esto desvinculados do

    anarquismo, mas so estratgias distintas. Para Corra (2011,

    p. 83) o sindicalismo revolucionrio nunca se colocou, explcita e conscientemente, em vnculo com o anarquismo,

    diferentemente do segundo. Em outras palavras, o anarcossindicalismo tem necessariamente em suas orientaes

    ideolgicas o anarquismo; j o sindicalismo revolucionrio no

    tem necessariamente, uma linha ideolgica clara e nica.

    Maram (1979) afirma em coro que a histria do movimento

    operrio no Brasil conta com uma diversificada e plural forma

    organizativa e de influncia terico-poltica dos trabalhadores.

    Silvia Lang Magnani em O Movimento Anarquista em

    So Paulo (1906 1917) (MAGNANI, 1982) publicado no

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    - 29 -

    ano de 1982 no poderia ficar de fora dessa anlise. A autora

    toma com pressuposto bsico de sua anlise que a presena do

    anarquismo brasileiro no pode ser determinada apenas pela

    chegada de milhares de imigrantes europeus. Rebatendo a tese

    da planta extica, a autora considera que tais anlises fundamentadas em discrepncias com as fontes histricas e

    documentais deixadas pelos libertrios no correspondem com

    as colocaes de que houve uma importao mecnica de um

    iderio poltico europeu para o Brasil (MAGNANI, 1982, p.

    50). No que concerne luta dos anarquistas no movimento

    operrio, de acordo com ela, existia a instaurao de (...) uma moral operria fundamentada na solidariedade humana e de

    classe (MAGNANI, 1982, p. 13). Esta interpretao colabora com nossa hiptese de uma educao para a ao direta, j que

    a solidariedade compe um dos pilares dessa educao.

    Cristina Hebling Campos publica em 1983 a

    dissertao de mestrado intitulada O Sonhar Libertrio

    (Movimento Operrio nos anos 1917 a 1920) (CAMPOS,

    1983) onde defende que no Brasil tinha anarquistas e

    sindicalistas revolucionrios, onde os primeiros se

    organizavam por ligas, comits, alianas, grupos teatrais,

    jornais, etc. e os sindicalistas revolucionrios que entendiam

    que o sindicato seria a base da transformao social. Por essa

    diferenciao, a autora ressalta que essas duas correntes no

    Brasil no so sempre fceis de distinguir. Na prtica h grupos que adotam elementos das duas tradies segundo suas

    necessidades e com uma certa indiferena s distines que

    prevaleciam em vrios outros pases na poca (CAMPOS, 1983, p. 9). Para a autora, o sonhar libertrio s estava no

    cotidiano desses trabalhadores devido uma intensa elaborao

    conceitual e militante (principalmente em So Paulo no ano de

    1917 com o fortalecimento das ligas de bairro, um tipo de

    organizao de inspirao basicamente anarquista)

    indissocivel de uma conjuntura favorvel para tal. Ela

    defende que o movimento operrio no Brasil, aps um perodo de depresso (...) vai aos poucos se recolocando e se

  • ........................

    - 30 -

    reorganizando (...) nos fins de 1916 e incio do outro ano o clima nos dois grandes centros urbanos Rio de Janeiro e So Paulo de agitao (CAMPOS, 1983, p. 34). Assim, quando a greve estoura, o CDP com a atuao dos anarquistas

    foi fundamental, pois tanto a organizao da greve quanto suas reivindicaes refletem o esforo caracterstico do

    anarquismo que v o confronto na contradio entre os

    proprietrios e a populao despossuda (pessoas que ao

    mesmo tempo so produtores, consumidores e moradores) (CAMPOS, 1983, p. 42).

    Francisco Foot Hardman publica no ano de 1983 Nem

    Ptria, nem Patro!: vida operria e cultura anarquista no

    Brasil (HARDMAN, 1984) apresenta uma nova leitura do

    movimento operrio da Primeira Repblica do Brasil e oferece

    uma perspectiva que renova os trabalhos acadmicos

    abordando temticas que eram ainda pouco trabalhadas.

    Utilizando, sobretudo, como referencial terico obras de Karl

    Marx, Friedrich Engels, Antnio Gramsci e Eric J. Hosbsbawn,

    Foot Hardman apresenta alguns elementos que levaram, no

    nterim de 1906 e 1917, radicalizao do movimento operrio

    que consecutivamente aumentou sua capacidade organizativa e

    revolucionria. Desde a criao da Confederao Operria

    Brasileira (COB) em 1908 com objetivo de criar uma unidade

    de trabalhadores de vrios ofcios, o movimento se radicaliza.

    Foram nesses mosaicos de organizaes criadas e mantidas

    pelo prprio movimento de classe que se desenvolveram

    prticas culturais variadas marcadas fortemente pela imigrao

    estrangeira e pela diversidade tnica.

    Nos sindicatos primeiramente no institucionalizados pelo governo , os anarquistas, visavam a luta contra a opresso capitalista e, assim, tambm

    contriburam na vitalidade e conscincia da organizao

    operria. Estes eram chamados de anarcossindicalistas.

    Para o autor, a classe operria brasileira apresenta

    uma estreita ligao no sentido histrico do conceito de classe

    (natureza especfica, formaes, tempo e espao) e ao geral

  • ........................

    - 31 -

    (seu quadro internacional). Sendo assim, a greve geral surge

    como ato educativo para o operariado. Alm de uma educao

    formalizada (em escolas operrias, racionalistas, etc.) a classe

    operria buscou em elementos do cotidiano a sua afirmao

    formativa. Contudo, a greve geral e a ao direta13 eram

    celebradas como momentos e formas adequadas de ginstica revolucionria (HARDMAN, 1980, p. 47).

    Hardman, apoiado em E. J. Hobsbawn14, apresenta a

    diferenciao das instncias de luta da classe operria mundial

    mostrando seu corporativismo e burocratizao e que, no caso

    especfico do Brasil, isso ocorre com as medidas do Governo

    Vargas, aps 1930. O que de fato nos relevante e

    fundamental como, F. F. Hardman apresenta as instncias de

    luta cultural da classe estabelecendo uma nova rea de atuao

    e militncia, ou seja, estabelecendo festividades (Festas

    Operrias), reunies, atividades pr-Escolas Modernas (de

    carter anticlerical e de influncia do espanhol Francisco

    Ferrer y Guardia) como novas formas da ao direta. Evidente,

    pelo prprio carter de condio da classe, as festividades eram

    realizadas com grande precariedade material. Todos esses

    mtodos da classe so caracterizados pelo autor como

    Estratgia do Desterro que, levado s suas ltimas consequncias pela defesa da cultura operria intransigente, nas concepes anarquistas, encontrava bases slidas nas

    condies reais de existncia do proletariado do Brasil.

    entendendo a greve como o prprio acontecer

    ritualizado da cultura operria que Hardman concluiu sua obra.

    Essa uma demonstrao de fora autnoma e a sua

    importncia j reside no ato mesmo de sua expresso quando a

    13 Podemos definir ao direta como expresso da crena de que o

    proletariado s se libertar quando confiar na influncia de sua prpria

    ao, direta e autnoma, prescindindo de intermedirios no conflito entre

    capital trabalho. 14 HOBSBAWM, E. J. As classes operrias inglesas e a cultura desde os

    princpios da Revoluo Industrial. In: Nveis de Cultura e Grupos Sociais.

    Santos: Martins Fontes, 1974.

  • ........................

    - 32 -

    poltica e a cultura voltam a se reencontrar: a relao entre o

    potico e o histrico.

    Em 1987 Jos Antnio Segatto apresenta a obra A

    Formao da Classe Operria no Brasil (SEGATTO, 1987)

    com alguns dados e anlises peculiares. Ao narrar passo a

    passo a constituio da classe operria (a imigrao e as suas

    condies de existncia), suas formas organizativas, seus

    movimento reivindicatrios, ele faz algumas anlises dos quais

    discordamos, principalmente, no ltimo captulo. Em A

    ideologia e a organizao poltica ele demonstra que o

    anarquismo uma ideologia da vanguarda (SEGATTO, 1987,

    p. 81-84) e que formavam um grupo bastante minoritrio e v a

    criao do PCB como uma vitria real da classe trabalhadora,

    pois o anarquismo tem debilidades e uma incapacidade poltica

    com uma realidade complexa. Sua anlise ainda reitera que no

    campo organizativo os anarquistas se ancoravam no

    espontanesmo, no economicismo e na disperso do doutrinarismo abstrato (idem, p. 87). Essa anlise pode ser contestada pela prxima obra que iremos analisar.

    Christina da Silva Roquete Lopreato traz uma

    reflexo mais aprofundanda e com novas interpretaes em sua

    obra O Esprito da Revolta: a greve geral anarquista de 1917

    (LOPREATO, 2000) De maneira singular, utilizando de

    referenciais da imprensa operria da Primeira Repblica e

    propondo uma reconstruo a partir dessas fontes, a autora

    apresenta-nos os significados da greve geral de 1917

    caracterizada como anarquista em So Paulo. Nesse sentido, ela vem aludindo, sobretudo, sobre as condies de vida e de

    trabalho que se empunham at ento os trabalhadores

    (sobretudo imigrantes) proveniente de horizontes culturais

    diversos, que (re) organizaram a cidade de So Paulo dando a

    ela um ambiente prprio com seus laos culturais,

    estabelecendo lugares polticos tais como greves, ligas de

    resistncia, jornais impressos, grupos anarquistas, espaos de

    lazer e cultura, etc.

  • ........................

    - 33 -

    A imprensa teve importante papel antes, durante e

    aps a deflagrao da Greve Geral de Julho de 1917. Foi

    veculo de informao, formadora de opinio e fora de

    presso junto ao patronato e ao poder pblico. Em So Paulo,

    sobretudo com o Jornal A Plebe (caracterizado pelo jornal

    Correio Paulistano como cmplices e promotores da anarquia) matrias sobre as condies de vida e de trabalho do operariado eram constantemente veiculados e ocupavam

    periodicamente as pginas dos principais jornais dos centros

    operrios da cidade. Em especial, no decorrer dos primeiros

    seis meses do ano (ou seja, anterior Greve de Julho) os

    jornais foram essenciais, pois demonstravam aos trabalhadores

    as condies nos quais estes estavam submetidos, sobretudo,

    no quesito carestia de vida. Com a ecloso da greve geral, a imprensa operria

    acompanhou o desenrolar dos acontecimentos combativos da

    semana de 9 a 17 de julho de 1917 atuando como mecanismo

    de veiculao das perspectivas dos trabalhadores. A

    perspectiva importante apontada por Lopreato a questo da

    ao direta. A ao direta pode ser compreendida de acordo com a autora, como uma forma de atuao junto realidade

    com dignidade poltica (LOPREATO, 2000, p. 21). A ao

    direta, composta por mtodos tais como boicote, sabotagem e

    greve, se estabelece com mais preponderncia na obra, j que

    para a autora, a greve geral fora a mais utilizada. Em suas

    palavras a greve geral mais utilizada j que considerada a mais rica em ensinamentos por que explicita os interesses

    contraditrios entre o patro e o empregado, rompe a harmonia

    existente entre eles e faz aparecer a luta de classes. Ocorre que, logo aps a suspenso da greve geral, a perseguio

    policial aos militantes anarquistas acabou por revelar a

    represso ferrenha do governo sobre os militantes, sobretudo

    com a intensificao de atuao da Lei Adolfo Gordo15 que previa a expulso de estrangeiros desde 1907.

    15 Nos primeiros anos do sculo XX no Brasil a poltica repressiva do

    Estado se fortificou. Tal represso materializada, por exemplo, na Lei

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    - 34 -

    A sociedade dominante da Primeira Repblica

    tinha a pretenso de se livrar dos problemas

    sociais com a deportao dos agitadores estrangeiros. Em 1893, j fora promulgado o decreto 1566 que, ao regular a entrada dos

    estrangeiros, tratava tambm da expulso dos

    mesmos durante o estado de stio. Assim, em

    05/01/1907 promulgada a nova lei (A Lei

    Adolfo Gordo) (...). A lei Adolfo Gordo,

    seguindo a tendncia, exigia que os sindicatos

    registrassem seus estatutos e suas diretoria

    (PINHEIRO, 1990, p. 157).

    O trabalho de Lopreato (2000) buscou reconstruir a

    greve geral de 1917 de tal maneira que impossvel encontrar

    uma dissociao entre narrativa e interpretao analtica. A

    perspectiva da autora traz tona o sujeito histrico, tratando do

    militante anarquista cuja ao , sem sombra de dvidas em sua anlise, individualizada e potencializada, destacando

    militantes como Gigi Damiani, Guilio Sorelli, Edgard

    Leuenroth, Neno Vasco, Jos Oiticica, Florentino de Carvalho,

    dentre vrios outros.

    Adolfo Gordo, proposta pelo Deputado Adolfo Gordo e aprovada no ano de

    1907 um exemplo elementar. A lei previa a expulso de estrangeiros que

    estivessem ligados ao movimento operrio da poca. Nesse mbito, um

    exemplo claro a expulso do diretor do jornal socialista "AVANTI",

    Vicente Vacirca, em 1908 (RODRIGUES, 1997, s/p). De acordo com

    Dulles (1977, p. 117), essa lei, que ser reeditada em 1922, estabelecia punies para os que contribussem para a prtica de tais crimes atravs de

    reunies ou de qualquer instrumento de propaganda; e conferia s

    autoridades o direito de fechar, por tempo indeterminado, sindicatos e

    entidades civis que cometessem atos prejudiciais segurana pblica. Para maior aprofundamento: BATALHA, Claudio. O Movimento Operrio na

    Primeira Repblica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000;

    RODRIGUES, Edgard. O Homem e a Terra no Brasil. Florianpolis:

    Insular, 1997; LEAL, C. F. B. Pensiero e Dinamite: Anarquismo e

    represso em So Paulo nos anos 1890. 2006. 308f. Tese (Doutorado)-

    Programa de Ps-Graduao em Histria, Universidade Estadual de

    Campinas, 2006.

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    - 35 -

    Os jornais constituam-se em um elo entre as vrias

    prticas da propaganda social. No espao do jornal, os

    militantes do movimento apoiavam as greves, alavancavam as

    iniciativas dos grupos operrios e organizaes classistas de

    bairros e ofcios, alm de conferncias anticlericais e de livre

    pensamento.

    Ainda no ano de 1996, a mesma editora lana a

    contribuio de Josu Pereira da Silva intitulada Trs

    Discursos, Uma Sentena: Tempo e Trabalho em So Paulo 1906 1932 (SILVA, 1996) que aborda elementos que no foram sistematizados profundamente por Lopreato (j que o

    objeto da autora outro) que so as questes da noo de

    tempo e discurso. O referencial terico metodolgico de Silva (1996) est intrinsecamente ligado perspectiva de

    Walter Benjamin e da Histria Social. O autor apresenta uma

    introduo relatando a discusso filosfica e histrica sobre

    como foram criados os conceitos de tempo linear e, assim, de

    tempo progressivo e de tempo produtivo para, desse modo,

    entender a ideia de dividir as 24 horas do dia em trs partes

    iguais, das quais uma delas (8 horas) seria dedicada

    exclusivamente ao trabalho.

    Silva (1996) nos traz discursos em que o trabalho

    denunciado por no ser capaz de fornecer aos trabalhadores

    valores morais que poderiam ser adquiridos em outras esferas

    sociais alm da noo de que o tempo de 8 horas de trabalho

    por dia era a pauta mais significativa das reivindicaes

    operrias que fora lanada no I Congresso Operrio Brasileiro

    do ano de 1906. O discurso preponderante sobre o trabalho era

    dado pelas elites brasileiras com uma valorao moral muito

    forte e de outro lado, a imprensa operria tambm reservava

    grande parte do discurso do trabalho, porm, pela luta de

    jornadas de 8 horas. Ocorre que, nas duas classes fundamentais

    da sociedade capitalista, uma percepo de tempo pode mudar

    ou dar sentido conduta de seus indivduos em cada classe,

    traando projees e percepes de mundo no dia-a-dia. A

    obra se estabelece com um discurso sobre a moral do

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    - 36 -

    trabalhador na relao conflituosa entre Trabalhador, Patro e

    Governo durante a Primeira Repblica.

    Nos anos 2000, especificamente publicado 2004 no

    livro organizado por Eduardo Colombo (et. al.), Alexandre

    Samis escreve Pavilho negro sobre ptria oliva: sindicalismo

    e anarquismo no Brasil (SAMIS, 2004) e vem nos atentar com

    uma riqueza de fontes, sobre os motivos e a origem da

    Imprensa Operria ligada ao sindicalismo revolucionrio, que

    para o autor, cresce fundamentalmente com o I Congresso

    Operrio Brasileiro que deveria prestar auxilio e propaganda por folhetos, manifestos, conferncias, representaes teatrais atravs do proselitismo militante, que fora uma necessidade de

    uma ao pedaggica no auxlio da prtica poltica. Fora criado

    em 1906 o porta voz oficial de imprensa da COB: o peridico

    A Voz do Trabalhador16.

    Ainda para Samis, o quantitativo de greves no Brasil

    se deve muito s organizaes operrias revolucionrias,

    sobretudo os sindicatos. Nesse sentido, a greve geral de julho

    de 1917 estaria habilmente desenhada, segundo o autor, pelos

    anarquistas sindicalistas a frente das associaes de classe e

    estaria fora do seu carter puramente espontneo, que para o

    autor, estaria mais envolvido atravs das articulaes entre

    ncleos combativos do CDP (Comit de Defesa Proletria).

    Encontramos ainda nos anos 2000, um emaranhado de

    teses e dissertaes acerca da ao operria na Primeira

    Repblica (obviamente no as analisaremos) e poucas com o

    enfoque na educao enquanto princpio ligado ao

    proletria e revolucionria. Em 2006, Rafael Deminicis e

    Daniel Aaro Reis Filho organizaram a obra Histria do

    Anarquismo no Brasil, vol .1 e trouxeram a tona diversos

    trabalhos dos quais, destaco: Anarquismo em prosa e verso:

    literatura e propaganda anarquista na Imprensa Libertria de

    So Paulo durante a Primeira Repblica (LEAL, 2006) de

    16 A comisso responsvel pela editorao desse peridico estava

    intimamente ligada COB. Assim, entre seus membros destacava-se o luso

    Neno Vasco, Manuel Moscoso, Carlos Dias, etc.

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    - 37 -

    Claudia Feierabend Baeta Leal. A obra constri a noo de que

    os anarquistas utilizando-se da Imprensa Operria combatiam

    em prol de suas ideias e contra aqueles que impediam o livre

    desenvolvimento dos indivduos e que buscavam contribuir

    para o desenvolvimento da conscincia revolucionria.

    No volume 2 da obra citada de organizao de Rafael

    Deminicis e Carlos Augusto Addor, identificamos um texto

    que no poderamos deixar de fora de nossa reviso. O artigo

    Anarquismo e movimento operrio nas trs primeiras dcadas

    da Repblica (DEMINICIS; ADDOR, 2009) de Carlos

    Augusto Addor evidencia uma srie de elementos apontando

    para o fato de que o anarquismo, durante as trs primeiras

    dcadas da Repblica, foi principalmente atravs da corrente

    anarcossindicalista, seno a tendncia poltica hegemnica no

    interior do movimento operrio e sindical brasileiro,

    certamente uma das mais fortes, atuantes e combativas

    correntes organizatrias da classe trabalhadora e que os anos

    da dcada de 10 fora a conjuntura de maior ascenso do

    movimento operrio brasileiro, pois neste ocorrem

    movimentos grevistas num ritmo e intensidade at ento desconhecidos no Brasil. No contexto referido, os trabalhadores paulistanos desenvolveram suas lutas para alm

    das reivindicaes imediatas (econmicas salrios, jornadas, etc.), mas tambm para uma possvel revoluo social.

    Nossa ltima anlise ser feita sobre a obra Ideologia

    e Estratgia: anarquismo, movimentos sociais e poder popular

    de Felipe Corra, publicado pela Editora Fasca no ano de

    2011. Dividida em trs captulos extensos, a principal tese que

    perpassa ambos os captulos, so as noes entre ideologia e

    estratgia. Ideologia e estratgia so utilizadas nos textos para

    discutir anarquismo e sindicalismo revolucionrio. Ideologia,

    para o autor, constitui-se enquanto um conjunto de ideias e de

    valores respeitantes ordem pblica e tendo como funo

    orientar comportamentos polticos coletivos enquanto sistema

    de ideias conexas com a ao. Estratgia a escolha dos

    meios mais adequados para se atingir determinados fins. Dessa

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    - 38 -

    forma, o anarquismo seria uma ideologia e o sindicalismo

    revolucionrio uma estratgia. Contudo, sua anlise

    fundamentada nesses conceitos determinante para entender

    que o sindicalismo revolucionrio no constitui uma ideologia

    diferente do anarquismo, mas uma das estratgias adotadas

    pelo anarquismo (CORRA, 2011, p. 32). Assim,

    majoritariamente, o fenmeno que manifestou no Brasil foi o

    sindicalismo revolucionrio e no, o anarcossindicalismo.

    Para concluir, podemos dizer que a sistematizao

    dessas fontes levantou nossa temtica em dois sentidos:

    primeiro, por que possibilitou que nossa temtica emergisse da

    leitura dos documentos instigando-nos a pesquisas sobre a

    educao; e por outro lado, atravs das lacunas deixadas por

    estas fontes. Inmeras outras fontes ainda sero analisados e,

    obviamente, aparecero na monografia de forma mais

    aprofundada. Os temas nos permitiro vislumbrar hipteses,

    resgatando paradigmas e superando outros, para expressar uma

    escrita da Histria alm de meras informaes esquemticas e

    doutrinrias. Sendo assim, nos ancoraremos principalmente nas

    anlises de Campos (1983), Magnani (1992), Pinheiro (1990),

    Lopreato (2000), Samis (2004), Leal (2006), Biondi (2009) e

    Corra (2011) que nos pareceu mais favorvel com nossas

    hipteses (ver Introduo) e de outro lado, mais atualizada frente produes recentes.

    Ao ambicionarmos demonstrar a ao poltica e

    pedaggica que est expressa pelos nmeros de A Plebe no ano

    de 1917, compreendemos que esse peridico foi um espao de

    socializao de saberes e prticas educacionais libertrias.

    Assim sendo, pretendemos caminhar rumo a uma pesquisa que

    permite dar visibilidade s questes presentes nessa forma de

    ao poltica nessas fontes primrias.

    1.2. Delimitao terico-metodolgica e conceitual Nosso referencial metodolgico est baseado em

    Rsen (2010) que aponta as operaes processuais do mtodo

  • ........................

    - 39 -

    histrico17 e as operaes substancias18. A primeira operao processual a heurstica19. Ela se reduz ao

    questionamento (levantamento de questes histricas) e

    seleo de fontes.

    As outras duas operaes so a crtica e a

    interpretao. A crtica das fontes, enquanto uma operao

    metdica tira informaes, dados e manifestaes do passado

    das fontes a partir de nossas concepes do presente,

    estabelecendo um vnculo direto entre o passado e o presente.

    Nesse sentido, a crticas das fontes o ponto fulcral da objetividade histrica (idem, p. 123).

    A interpretao, enquanto operao metdica que articula, de modo intersubjetivamente controlvel, as

    informaes garantidas pela crtica das fontes sobre o passado

    humano (idem, ibidem) nos ajuda a organizar as informaes das fontes histricas, estabelecendo contextualizaes

    necessrias, sintetizando as perspectivas, os sentidos das

    experincias do passado e etc. Se torna fundamental afirmar

    isso pois, as fontes histricas no apresentam seus fatos nas

    meras correlaes empricas ou nos fatos/dados das fontes.

    Outras trs concepes so importantes, pois as

    operaes processuais so complementadas pelas operaes

    substanciais. Trata-se da hermenutica, analtica e dialtica. A

    hermenutica a anlise dirigida subjetividade dos atores

    histricos. Trata-se de compreender suas intenes e o sentido

    imaginado de suas aes. J na analtica, as fontes so

    investigadas como resduos que manifestam as condies sob

    17 De acordo com Rsen (2007, p. 122), Trata-se do que deve ser apreendido, pela crtica das fontes, como fato especificamente histrico e

    do que deve ser estabelecido, interpretativamente, como contexto histrico

    de fatos. 18 Rsen (2007, p. 133 167). 19 Heurstica a operao metdica da pesquisa, que relaciona questes histricas, intersubjetivas controlveis, a testemunhos empricos do

    passado, que rene, examina e classifica as informaes das fontes

    relevantes para responder s questes, e que avalia o contedo informativo

    das fontes (RSEN, 2007, p.118).

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    - 40 -

    as quais foram possveis as criaes culturais que formam a

    tradio (RSEN, 2007, p. 146). Nesta fase, aborda-se nas fontes as experincias nas quais o tempo experimentado

    como limite definidor das possibilidades do agir.

    A ltima operao substancial a dialtica. Ela

    compreendida como o momento de combinao entre a

    hermenutica e a analtica com o intuito de serem percebidas

    enquanto uma relao entre as experincias do tempo humano

    e as intencionalidades humanas (RSEN, 2007, p. 159).

    Levando em considerao esta perspectiva terico-

    metodolgica, esse trabalho visa aprofundar o questionamento

    e a seleo (heurstica) dos artigos de A Plebe levando em

    considerao nossa problemtica geral. Ele precisa extrair

    destes artigos o contedo factual (dados) que eles nos

    fornecem (crtica) e necessita estabelecer conexes entre estes

    fatos, isto , o contexto de fatos (interpretao).

    Ao mesmo tempo, por essa escolha metodolgica,

    esse trabalho precisa estabelecer uma anlise hermenutica dos

    artigos, visando compreender o sentido subjetivo que orienta a

    ao dos autores de A Plebe. Mas, estas intenes e projees

    subjetivas precisam ser contextualizadas (Analtica). Neste

    sentido, nosso trabalho pretende analisar o contexto de

    produo do jornal, reconstruindo o perodo republicano

    brasileiro e os contextos de efeitos que fornecem limites para

    as intenes subjetivas dos autores do jornal.

    Alm desses pressupostos metodolgicos faz-se

    opo, neste estudo, de adotar alguns conceitos, tais como os

    de anarquismo, sindicalismo revolucionrio, imprensa

    operria, ao direta e educao libertria.

    Para explicitar o que compreendemos por

    anarquismo, utilizarei os pressupostos que Felipe Corra

    desenvolveu em Ideologia e Estratgia: anarquismo,

    movimentos sociais e poder popular. Ancorado nos sul-

    africanos Michael Schmidt e Lucien van der Walt20 e no

    20 SCHMIDT, M.; VAN DER WALT, L. Black Flame: the revolutionary

    class politics of anarchism and syndicalism. Oakland: Ak Press, 2009.

  • ........................

    - 41 -

    brasileiro Alexandre Samis21, Corra (2011) define do

    anarquismo como

    (...) uma ideologia22, um tipo de socialismo

    revolucionrio, que surge no sculo XIX

    colocando-se no campo social e sem

    desconsiderar as desigualdades da sociedade, e

    por isso tem uma herana histrica, ideolgica

    e terica determinada. Possuindo elementos

    morais de relevncia, o anarquismo no pode

    ser considerado uma cincia, apesar de utilizar

    mtodos racionais para a leitura da realidade posicionando-se contra a explorao e a

    dominao para a criao de uma perspectiva de sociedade futura e tambm para o

    estabelecimento de estratgias e tticas. O

    anarquismo defende uma transformao social

    revolucionria, em nvel internacional, que

    deve ser levada a cabo de baixo para cima, ser

    protagonizada pelos diferentes sujeitos

    oprimidos e fazer com que os meios de luta

    estejam de acordo com os fins que se pretende

    21 SAMIS, A. Clevelndia: anarquismo, sindicalismo e represso poltica

    no Brasil. So Paulo: Imaginrio, 2002; _______. Minha Ptria o Mundo

    Inteiro: Neno Vasco, o anarquismo e o sindicalismo revolucionrio em dois

    mundos. Lisboa: Letra Livre, 2009.

    22 Devemos fazer algumas ressalvas e esclarecimentos o conceito de

    ideologia utilizado tanto pelos sul-africanos Michael Schmitd e Lucien van der Walt como por Felipe Corra. Primeiro, o termo ideologia

    historicamente em outras concepes tem outros significados. Por exemplo,

    na teoria marxista, corresponde falsa conscincia sistematizada da realidade. Se pensarmos assim, o anarquismo se situaria como falsa conscincia dos trabalhadores fato que no concordamos; segundo nossa interpretao aqui desenvolvida, o termo ideologia para definir o

    anarquismo, para no ser compreendido como falsa conscincia

    sistematizada da realidade, pode ser substitudo por poltica ou como desenvolvimento de uma prxis que une teoria e ao, sendo, portanto indissocivel a relao meios e fins. Assim sendo, seria mais claro definir o

    anarquismo como uma prxis, ou, como uma ideologia, entendida como um

    conjunto de teorias orientado por suas aes prticas se autodeterminando.

  • ........................

    - 42 -

    atingir. Como objetivo, o anarquismo prope a

    criao de um socialismo autogestionrio e

    federalista, sem capitalismo e sem Estado, que

    concilie a liberdade individual, a liberdade

    coletiva e a igualdade (CORRA, 2011, p. 47).

    Dessa forma, o anarquismo, como corrente do

    socialismo conforme est definido acima no sinnimo de antiestatismo ou meramente uma corrente libertria e

    antiautoritria. Pensar o anarquismo de forma reducionista

    causa uma viso tambm reducionista da realidade; nem

    generalizaes (no sentido de transcender o momento histrico

    analisado) so cabveis, pois, no se pode falar de anarquismo

    antes do capitalismo e nem em anarquismo fora do campo

    socialista (CORRA, 2011, p. 36).

    Nessa definio, o anarquismo um fenmeno que

    constitui parte das teorias libertrias que a histria produziu,

    mas de maneira alguma, pode ser completamente vinculado a

    todas elas. Portanto, devemos delimitar o surgimento do

    anarquismo para no cairmos em generalizaes histricas

    causando uma impreciso do tema (at por que o termo

    anarquismo surgir com os conflitos23 entre Marx e Bakunin).

    (...) o anarquismo pode ter surgido em

    Proudhon, desenvolvendo suas principais

    linhas, mas d um inegvel salto qualitativo

    com Bakunin e a ADS, passando a existir em

    sua plenitude e maturidade, consolidando-se

    como uma ideologia cujas bases encontram-se

    no movimento popular do sculo XIX e que

    preconiza uma prtica poltica organizada e

    coletiva (CORRA, 2011, p. 42).

    Para dialogarmos com essa definio, temos que

    definir o que se entende por estratgia, pois justamente o

    23 SADDI, R. Ditadura do Proletariado ou Abolio do Estado? O Conflito

    Conceitual entre

    Anarquistas e Marxistas. In: Revista Enfrentamento, ano 04, n 06,

    Jan./Jun. de 2009.

  • ........................

    - 43 -

    anarquismo, enquanto uma ideologia teve ao longo do seu

    desenvolvimento, diversas estratgias, dentre elas, o

    sindicalismo revolucionrio.

    De acordo com Hardman (1984, p. 31), no Brasil

    antes da dcada de 30 do sculo XX, um dos elementos

    fundamentais da classe operria sua autonomia cultural

    advinda de sua autonomia no plano associativo, principalmente

    sindical, constituindo o sindicato enquanto um espao valorizado como expresso de fora e dignidade (idem, p. 49).

    O historiador Cludio Batalha ir apontar que o

    sindicalismo de ao direta, ou sindicalismo revolucionrio, tinha por modelo a poltica adotada pela Confederao Geral

    do Trabalho francesa que

    (...) fundava-se na rejeio de intermedirios

    no conflito entre trabalhadores e patres; na

    condenao da organizao partidria e da

    poltica parlamentar; na proibio da existncia

    de funcionrios pagos nos sindicatos; na

    adoo de direes colegiadas e no-

    hierrquicas; na reprovao de servios de

    assistncia nos sindicatos; na recusa da luta por

    conquistas parciais; na defesa da greve como

    principal forma de luta, apontando para a greve

    geral. (BATALHA, 2000, p. 29).

    Nesse sentido, o sindicalismo revolucionrio no

    constitui uma ideologia diferente do anarquismo, mas uma das

    estratgias adotadas pelo anarquismo (CORRA, 2011, p. 32).

    No Brasil, o sindicalismo revolucionrio, teve uma

    envergadura bastante considervel. Um exemplo elementar

    sobre o sindicalismo revolucionrio no Brasil est exposto no

    Primeiro Congresso Operrio de 1906.

    O Congresso de 1906 mostra a clara influncia

    do sindicalismo revolucionrio: h mesmo uma

    meno ao operariado francs como o modelo de atividade e iniciativa ao trabalhador

    brasileiro. Tal doutrina, nos anos

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    - 44 -

    imediatamente anteriores a 1906, chega a

    dominar a organizao do movimento operrio

    em So Paulo e a exercer uma larga influncia

    no movimento no Rio de Janeiro. De fato, as

    resolues do Congresso so muito mais

    sindicalistas que revolucionrias (do

    anarquismo dificilmente se encontra algum

    trao) (PINHEIRO e HALL, 1979, p. 41).

    Dessa forma, trazendo os elementos do sindicalismo

    revolucionrio, o tipo de organizao escolhido o sindicato

    de resistncia, com o intuito de evitar no interior do sindicato,

    o cooperativismo, que atraem grande nmero de aderentes sem o indispensvel esprito de luta (NETO, 2007, p. 27). Ainda, os sindicatos sero organizados por ofcio, por indstria ou por ofcios vrios, neste ltimo caso apenas com o

    objetivo de facilitar e provocar a formao de outras

    associaes de resistncia (idem, ibidem). De acordo com Alexandre Samis, o Congresso

    aprovou a filiao de suas teses ao sindicalismo revolucionrio

    francs, estabelecendo os seguintes pontos fulcrais:

    neutralidade sindical, federalismo, descentralizao,

    antimilitarismo, antinacionalismo, ao direta, greve geral, etc.

    No texto final aprovado pelo Congresso, fica latente a

    capacidade e abrangncia do programa que previa a possibilidade de convivncia de opinies poltica e religiosas, elegendo o campo econmico24, como o de compreenso por este ser de interesse comum (SAMIS, 2002, p. 135).

    Os princpios de ao direta esto explcitos nas

    resolues do I Congresso Operrio Brasileiro:

    Considerando que o proletariado economicamente organizado, independente dos

    partidos polticos, s pode, como tal, lanar

    24 Esta concepo est Mikhail Bakunin. Ver: BAKUNIN, M. Catecismo

    Revolucionrio: Programa da Sociedade da Revoluo Internacional. So

    Paulo: Imaginrio/Fasca, 2009.

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    - 45 -

    mo dos meios de ao que lhe so prprios;

    (...)

    o Congresso aconselha como meios de ao

    das sociedade de resistncia ou sindicatos todos

    aqueles que dependem do exerccio direto e

    imediato da sua atividade, tais como a greve

    geral ou parcial, a boicotagem, a sabotagem, o

    label, as manifestaes pblicas, etc., variveis

    segundo as circunstncias de lugar e de

    momento 25 (COB, 1906 in: PINHEIRO e HALL, 1979, p. 51).

    Outro elemento fundamental a perspectiva de

    neutralidade dos sindicatos em relao s vertentes polticas. Os sindicatos no deveriam nem ser anarquistas, nem

    meramente sindicalistas, estes deveriam ser de orientao

    revolucionria. Para ficar mais claro, o jornal A Terra Livre de

    1906 ressalta a diferena entre nvel poltico e nvel social. O

    (...) Congresso no foi, de certo, uma vitria do

    anarquismo. No o devia ser. A Internacional,

    desfeita por causa das lutas de partido no seu

    seio, deve ser memorvel lio para todos. Se o

    Congresso tivesse tomado um carter libertrio,

    teria feito obra de partido, no de classe. O

    nosso fim no constituir duplicatas dos

    nossos grupos polticos. Mas se o Congresso se

    no foi, a vitria do anarquismo, foi, porm,

    indiretamente til difuso das nossas ideias

    (RODRIGUES, 1969, p. 131).

    Alm da relao entre o sindicato e a perspectiva

    poltica, os sindicatos, de acordo com as Resolues do I

    Congresso Operrio Brasileiro, no deveriam ser associaes controladas por mestres, com o fim de preservar antigos

    25 Resolues do 1 Congresso Operrio Brasileiro efetuado nos dias 15, 16, 17, 18, 19 e 20 de abril de 1906 na sede do Centro Gallego, Rua da

    constituio, 30 e 32, Rio de Janeiro, 1906 (IISG) (PINHEIRO e HALL, 1979, p. 58).

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    - 46 -

    privilgios corporativos (SIMO, 1966, p. 160). Estes deveriam ser compostos por trabalhadores para lutar pelos

    interesses dos trabalhadores, trazendo o lema da Associao

    Internacional dos Trabalhadores (AIT) de 1864: A emancipao dos trabalhadores obra dos prprios

    trabalhadores. Apesar das diferenas26 entre os trs Congressos

    Operrios (1906, 1913 e 1920), que ressalvadas algumas

    alteraes relativas s especificidades do contexto histrico de

    cada congresso, prevalecia o sindicalismo revolucionrio

    enquanto estratgia a ser utilizada atravs da ao direta, como

    mtodo fundamental para a obteno das transformaes sociais desejadas

    Maria Nazareth Ferreira nos fornece o conceito de

    Imprensa Operria. Para a autora, podemos identificar a

    imprensa operria produzida por operrios, sob o ponto de

    vista do emissor, do ponto de vista do receptor e do seu

    contedo, no que tange s questes da classe social

    (FERREIRA, 1988, p.5).

    Porm, existem diversos outros elementos para

    caracterizamos a imprensa operria, como por exemplo, as

    produes de indivduos no pertencentes quela classe, mas

    que expressa os interesses dessa classe. Quando falamos ento

    de imprensa operria, estamos dizendo de elementos internos

    da classe e externos da classe, porm, no podem ser

    desvinculadas do prprio movimento operrio, pois ambos

    esto relacionados atravs das lutas da classe trabalhadora. A

    Imprensa Operria, no contexto dos fins do sculo XIX at a

    segunda dcada dos mil e novecentos, constitui-se como canal dos problemas dos trabalhadores e como centros de propagao de concepes polticas.

    26 Cf. SAMIS, A. Pavilho negro sobre ptria oliva: sindicalismo e

    anarquismo no Brasil. In: COLOMBO, Eduardo (orgs.). Histria do

    Movimento Operrio Revolucionrio. So Paulo: Expresso e Arte &

    Imaginrio, 2004

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    Em questes quantitativas, Ferreira (1978), aponta

    que entre o ltimo quartel do sculo XIX at as duas primeiras dcada do sculo atual (XX), apareceram

    aproximadamente 343 ttulos de jornais espalhados pelo

    territrio brasileiro (idem, ibidem, p. 14). Com considervel quantidade, atravs do convencimento expresso pelos jornais, a

    imprensa operria ancorada em centenas de peridicos, foi um

    rgo fundamental para os sindicatos (ligas operrias, unies

    profissionais ou associaes de resistncia) na propagao de

    seus ideais. Porm, a trajetria desses peridicos estava

    condicionada s dificuldades financeiras e diligencias policiais que garantiam vida breve para a maioria desses peridicos, ou temporrias interrupes na publicao dos mais

    bem sucedidos (DULLES, 1973, p. 23). De fato, alguns peridicos no conseguiram encontrar certa regularidade na

    sua distribuio, sendo que, alguns desapareciam e

    reapareciam sob outros ttulos e redatores (na maioria, os

    redatores eram os mesmos, porm, sob diversas questes eles

    utilizavam pseudnimos).

    Nessa questo da Imprensa Operria, devemos notar

    algo anterior que o jornal. Este teve um papel fundamental,

    pois criou o hbito de leitura e preparou o terreno para o surgimento da imprensa operria na virada do sculo (idem, p. 9). Sendo assim, o jornal um resultado do conjunto de

    informaes, preocupaes, propostas, produzidos pela

    coletividade e para ela mesma (idem, p. 6).

    Conforme Boris Fausto enuncia, o jornal constitui um dos principais centros organizatrios anarquistas e de

    difuso da propaganda. O jornal figura-se dentro do movimento operrio da Primeira Repblica do Brasil como um

    veculo de expresso escrita, transforma-se tambm com frequncia em veculo oral, ao ser lido em voz alta aos

    trabalhadores analfabetos (1977, p. 91). Outro conceito fundamental que trabalharemos aqui

    o de ao direta. Ancorado em Adonile Guimares, Christina

    Lopretato, Anton Pannekoek e Jos Oiticica, entendemos que a

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    ao direta crtica da sociedade burguesa proferida pelo

    movimento operrio revolucionrio de bases eminentemente

    libertrias que fornece uma recusa ttica de representao burguesa, de rejeio ao parlamentaris