livretinho pindaré

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Sobre o município

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  • Pindar-Mirim

    Aniversrio: 28 de julho Fundao 28 de julho de 1923 Gentlico pindareense Lema Prefeito: Henrique Caldeira Salgado (20052012)

    Localizao

    Localizao de Pindar Mirim no Maranho Localizao de Pindar Mirim no Brasil

    03 36' 28" S 45 20' 34" O

    Unidade Federativa: Maranho Mesorregio: Oeste Maranhense IBGE/2008 Microrregio Pindar IBGE/2008 Municpios limtrofes Mono, Bom Jardim, Santa Ins Distncia at a capital 255 km

    Caractersticas geogrficas

    rea: 238,542 km Populao: 31 145 hab. IBGE/2010 Densidade: 130,56 hab./km Clima tropical: TRO Fuso horrio UTC3

    Indicadores

    IDH: 0,620 mdio PNUD/2000 PIB:R$ 166 121,768 mil IBGE/2008 PIB per capita: R$ 5 211,01 IBGE/2008

    Cultura O municpio de Pindar Mirim um municpio rico em cultura. Conhecido como bero da cultura maranhense, Pindar Mirim trs no perodo junino a maior festividade dos seus arraiais, como apresentaes de vrias atraes folclricas, mas o principal foco dos pindareenses e turistas o Bumba - Meu - Boi, que durante esse perodo, nos quatro cantos da cidade ouve-se as batucadas dos tambores que aquecem-se at amanhecer o dia com as danas e uma festividade jamais vista. Sendo que o Bumba - Meu Boi Cultura tpica do povo maranhense e em especial dos pindareense, j foi at intensificadas em Culturas de Gnero como o caso do Boi - Bumb no estado do Amazonas, onde essa cultura se aprimorou com as lendas da Amaznia e se intensificou, sendo levada pra l por nordestinos, e que j uma cultura mundial. Em Pindar existe um Grupo Folclrico que faz aluso a essa cultura de gnero maranhense oriunda do Bumba-Meu-Boi, que so as apresentaes das Danas Indgenas na cidade e no Estado. O Grupo Upaon-A o principal grupo da regio que exerce essa cultura no Estado com o primor e a exuberncia de suas apresentaes, e so muito conhecidos pelo figurino apresentado durante suas danas, so roupas total e artesanalmente confeccionadas e cheias de riquezas nas suas combinaes e transfigurando seus

    personagens. O fundador do Grupo o Senhor Lobo da Cultura, como conhecido, um dos principais artesos do Grupo e sem falar que cantor e compositor de toadas de Bumba-Meu-Boi, onde j gravou alguns cds, sem dvida um homem conservador da cultura pindareense e por que no dizer tambm da cultura maranhense.

    Culinria

    O municpio tambm conhecido alm de sua riqussima cultura como terra da tapiaca e do mandub, a tapiaca conhecido como branquinha/lambau, o mandub e o surubim fazem parte dos pratos mais apreciados pelos moradores desta cidade, que tem um rio prprio com existncia de uma variedade de peixes. Variedades convidativo gastronomicamente aos turistas. Os pratos mais apreciados de Pindar Mirim so:

    Arroz de Cux com tapiaca frita;

    Escabeche com arroz branco;

    Cozido de surubim como famoso piro de farinha branca;

    Trara (peixe da regio) assada com piro de juara(aa) com puaca (farinha de mandioca).

    Rodovias

    Pindar Mirim ligada pela MA-320, que liga Pindar a Santa Ins. Existe um projeto no governo, de um acordo feito entre os municpios de Pindar e Santa Ins, para transformarem a MA-320 em uma avenida moderna e devidamente iluminada.

    Futebol O atual campeo pindareense o time do Vila Nova que tem como tcnico o jovem Z Victor de apenas 18 anos,o time obteve a vitria depois de uma emocionante partida contra a equipe da pitombeira. Temos tambm algumas escolinhas de futebol como o ABC, AXIX que inclusive foi Campeo Torneio Municipal de Futebol de Pindar 2010.

    Rede hospitalar

    O municpio possui 1 unidade hospitalar, e vrias unidades bsicas.

    Transporte pblico Os municpios de Santa Ins e Pindar so beneficiados pelo Sistema Integrado de Transporte (SIT), com sede em Santa Ins. Possui uma frota de 10 nibus urbanos que circulam nos 2 municpios e na ligao entre eles. Diariamente centenas de pessoas utilizam essa forma de transporte pblico para se deslocarem de um municpio a outro. Tambm existe uma cooperativa de txi sediada em Pindar, que circulam no trajeto entre os dois municpios. Pindar Mirim um municpio brasileiro do Estado do Maranho. Sua populao de 32.236 habitantes (estimativa de 2009). Com uma bela paisagem e com os seus conhecidos Flutuantes (Bares flutuantes), e com um imponente Engenho Central, antiga fbrica de acar. Tem tambm uma rvore que est repleta de bichos preguia (mais conhecida como pau da pacincia).Alm disso,possui uma populao bastante receptiva. O carnaval e as festas juninas so pocas em que a cidade mais recebe turistas. Atualmente a cidade encontra-se

    conurbada com a sua cidade vizinha Sta. Ins.

    Turismo Rio Pindar

    Pau da Pacincia

    Engenho Central

    Festas Juninas

    Praia do Acar

    Praia do Bambu

    Carnaval

    Cais

    Principais bairros Pindar composta de vrios bairros os seus principais so os seguintes:

    Alto do bode

    Sorriso

    Palmeira

    Centro

    Formosa

    Vila Roseana

    Vila Mariana

    Santos Dumont

    Redeno entre outros

    Municpio de Pindar Mirim Braso

  • Fundo de Participao Portal de transparncia 2008

    Funo Ao Governamental Linguagem

    Cidad Total no An

    o (R$)

    Educao 8744 - Apoio Alimentao Escolar na Educao Bsica

    491.700,00

    0969 - Apoio ao Transporte Escolar na Educao Bsica PNATE 4.127,86

    Sade

    8585 - Ateno Sade da Populao para Procedimentos em Mdia e Alta Complexidade

    TETO MAC 374,00

    20B0 - Ateno Especializada em Sade Mental MENTAL 20.000,00

    Encargos Especiais

    099E - Auxilio Financeiro aos Entes Federados Exportadores Compensao de Exportao - CEX

    176.378,50

    Educao 0515 - Dinheiro Direto na Escola para a Educao Bsica PDDE 246.328,70

    Encargos Especiais

    0C33 - Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos Profissionais da Educao - FUNDEB

    FUNDEB 10.687.735,67

    Encargos Especiais

    0045 - Fundo de Participao dos Municpios - FPM (CF, art.159)

    FPM - CF art. 159

    9.037.525,74

    Sade 0829 - Incentivo Financeiro aos Estados, Distrito Federal e Municpios Certificados para a Vigilncia em Sade

    Registro e Controle de Doenas

    169.806,04

    Sade 20AL - Incentivo Financeiro aos Estados, Distrito Federal e Municpios Certificados para a Vigilncia em Sade

    Vigilncia em Sade

    230.865,66

    Sade 20AB - Incentivo Financeiro aos Estados, Distrito Federal e Municpios para Execuo de Aes de Vigilncia Sanitria

    Vigilncia Sanitria

    10.563,00

    Sade 8577 - Piso de Ateno Bsica Fixam PAB Fixo 524.456,65

    Sade 20AD - Piso de Ateno Bsica Varivel - Sade da Famlia PAB Varivel - PSF

    1.831.976,00

    Sade 20AE - Promoo da Assistncia Farmacutica e Insumos Estratgicos na Ateno Bsica em Sade

    FARMCIA BSICA

    426.800,76

    Encargos Especiais

    0999 - Recursos para a Repartio da Contribuio de Interveno no Domnio Econmico - CIDE- Combustveis

    CIDE - Combustveis

    60.124,29

    Fundo de Participao Pindar-Mirim

    Ano Convnios Total das Aes de

    Benefcio Direto ao Cidado

    Total das Outras Aes

    Total Geral% Total dos

    Municpios

    2007 20 3.458.447,00 18.225.004,83 21.683.451,83 0,48%

    2008 20 3.996.449,00 24.474.898,53 28.471.347,53 0,52%

    2009 20 4.287.680,00 30.058.522,42 34.346.202,42 0,571%

    2010 20 3.012.042,00 24.497.724,32 27.509.766,32 0,561%

    Transferncia de Recursos por Estado/Municpio

    UF: MARANHO Municpio: PINDARE MIRIM

    Exerccio (Ano) Total no Ano (R$)

    2008 20.212.380,39

    2009 34.346.202,42

    2010 27.509.766,32

    Exerccio: 2009

    Valor

    Total destinado ao Estado: 9.900.363.191,60

    Total destinado ao Governo do Estado: 3.886.199.629,81

    Total destinado aos municpios do Estado: 6.014.163.561,79

    Total destinado ao municpio PINDARE: 34.346.202,42

  • Transferncia de Recursos por Estado/Municpio

    Funo Ao Governamental Linguagem Cidad Total no Ano (R$)

    Sade 20AD - Piso de Ateno Bsica Varivel - Sade da Famlia

    PAB Varivel - PSF 1.907.811,00

    Sade 20AE - Promoo da Assistncia Farmacutica e Insumos Estratgicos na Ateno Bsica em Sade

    FARMCIA BSICA 126.800,76

    Encargos Especiais

    0999 - Recursos para a Repartio da Contribuio de Interveno no Domnio Econmico - CIDE-Combustveis

    CIDE - Combustveis 38.074,33

    Assistncia Social

    8446 - Servio de Apoio Gesto Descentralizada do Programa Bolsa Famlia

    Indice de Gesto Descentralizada - IGD

    87.987,25

    Assistncia Social

    20B8 - Servio Socioeducativo para Jovens de 15 a 17 anos

    Projovem Adolescente 241.200,00

    Assistncia Social

    2383 - Servios de Proteo Social a Crianas e Adolescentes Vtimas de Violncia, Abuso e Explorao Sexual e suas Famlias

    CREAS 49.500,00

    Assistncia Social

    2A60 - Servios de Proteo Social Bsica s Famlias

    PAIF/CRAS 75.600,00

    Assistncia Social

    2A61 - Servios Especficos de Proteo Social Bsica

    Servio de Proteo Social Bsica para Criana e Idoso

    24.782,02

    Encargos Especiais

    099B - Transferncia a Estados, Distrito Federal e Municpios para Compensao da Iseno do ICMS aos Estados Exportadores - (art. 91 ADCT)

    Transferncias - LC n. 87/96 e 115/2003

    59.224,44

    Assistncia Social

    8442 - Transferncia de Renda Diretamente s Famlias em Condio de Pobreza e Extrema Pobreza (Lei n 10.836, de 2004)

    Bolsa Famlia 4.287.680,00

    Encargos Especiais

    006M - Transferncia para Municpios - Imposto Territorial Rural

    Transferncia - ITR - Municpios

    1.823,26

    Encargos Especiais

    0551 - Transferncias do Fundo Especial dos Royalties pela Produo de Petrleo e Gs Natural (Lei n 7.525, de 1986 - Art.6)

    Royalties 106.372,41

    Exerccio: 2010

    Descrio do total Valor R$

    Total destinado ao Estado: 8.094.853.968,81

    Total destinado ao Governo do Estado: 3.193.772.837,22

    Total destinado aos municpios do Estado: 4.901.081.131,59

    Total destinado ao municpio PINDARE: 27.509.766,32

    Funo Ao Governamental Linguagem Cidad Total no Ano (R$)

    Sade 20AD - Piso de Ateno Bsica Varivel - Sade da Famlia PAB Varivel - PSF 1.818.333,00

    Sade 20BA - Preveno, Preparao e Enfrentamento para a Pandemia de Influenza

    Preveno, Preparao e Enfrentamento para a Pandemia de Influenza ( gripe das aves)

    15.532,53

    Sade 20AE - Promoo da Assistncia Farmacutica e Insumos Estratgicos na Ateno Bsica em Sade

    FARMCIA BSICA 133.869,43

    Encargos Especiais

    0999 - Recursos para a Repartio da Contribuio de Interveno no Domnio Econmico - CIDE-Combustveis

    CIDE - Combustveis 69.622,50

    Assistncia Social

    8446 - Servio de Apoio Gesto Descentralizada do Programa Bolsa Famlia

    Indice de Gesto Descentralizada - IGD 66.839,88

    Assistncia Social

    20B8 - Servio Socioeducativo para Jovens de 15 a 17 anos Projovem Adolescente 180.900,00

    Assistncia Social

    2383 - Servios de Proteo Social a Crianas e Adolescentes Vtimas de Violncia, Abuso e Explorao Sexual e suas Famlias

    CREAS 31.500,00

    Assistncia Social

    8524 - Servios de Proteo Social aos Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas

    2.200,00

    Assistncia Social

    2A60 - Servios de Proteo Social Bsica s Famlias PAIF/CRAS 63.000,00

    Assistncia Social

    2A65 - Servios de Proteo Social Especial a Indivduos e Famlias

    CREAS 13.500,00

    Assistncia Social

    2A61 - Servios Especficos de Proteo Social Bsica Servio de Proteo Social Bsica para Criana e Idoso 29.266,41

    Encargos Especiais

    099B - Transferncia a Estados, Distrito Federal e Municpios para Compensao da Iseno do ICMS aos Estados Exportadores - (art. 91 ADCT)

    Transferncias - LC n. 87/96 e 115/2003 50.714,50

    Assistncia Social

    8442 - Transferncia de Renda Diretamente s Famlias em Condio de Pobreza e Extrema Pobreza (Lei n 10.836, de 2004)

    Bolsa Famlia 3.012.042,00

    Encargos Especiais

    006M - Transferncia para Municpios - Imposto Territorial Rural Transferncia - ITR - Municpios 1.784,64

    Encargos Especiais

    0551 - Transferncias do Fundo Especial dos Royalties pela Produo de Petrleo e Gs Natural (Lei n 7.525, de 1986 - Art.6)

    Royalties 111.518,73

  • A Formao do Mundo Colonial

    A histria do Maranho (e da Amaznia em geral) vai tardar em mais de 100 anos, s comeando, praticamente, na segunda dcada do sculo XVII. At ento o Maranho era conhecido de entrelopos franceses que comercializavam com ndios do litoral, e por umas poucas tentativas frustradas de colonizao da regio ainda no tempo das capitanias hereditrias. No final do sculo XVI o baixo Amazonas vinha sendo visitado por navios ingleses, a mando de Sir Walter Ralegh, e por franceses como Jacques Riffault, que viam na regio boas razes para se estabelecer. A partir de 1611, holandeses, irlandeses e ingleses fundaram trs ou quatro feitorias e colnias, tendo bastante lucro com a exportao de tabaco, urucum, algodo e madeiras, especialmente da rvore chamada pelos Tupinamb de cotiara (angelim). Entretanto, o interesse pelos ndios se restringiu ao econmico, e poucas informaes de valor etnogrfico foram deixados nos escritos e documentos da poca (Lorimer 1989). Por sua vez, so todavia ainda escassos e restritos os dados que poderiam ser fornecidos pela arqueologia para o perodo anterior a 1500. Assim, no h como compor um quadro etnogrfico pr-cabralino daquela regio.

    com a instalao de um colnia francesa na ilha de So Lus, em 1612, que comea a nossa histria, tanto do Maranho quanto dos Tenetehara. Preocupado em conhecer as terras que pretendia colonizar, o Senhor de la Ravardiere, chefe da colnia cognominada Frana Equinocial, envia, em 1613, uma pequena patrulha de explorao para reconhecer os rios que desguam na baa e assim tomar conhecimentos dos povos que habitam essas terras. Sob a fora de ndios remeiros Tupinamb, a patrulha sobe o rio Pindar e d as primeiras notcias de um povo de fala tupi que habita esse rio, les Pinariens. Estimo serem os Tenetehara, pois logo em seguida, em 1616, franceses j devidamente expulsos e luso-brasileiros instalados na ilha, Bento Maciel Parente, em busca de ouro e escravos, sobe o mesmo rio e se bate contra o gentio guajaojara, a quem fez cruel guerra. Guajaojara seriam os Guajajara, os Tenetehara. Da por diante os Tenetehara ficam submetidos ao poder colonial, e s quase 300 anos depois (1901) seria preciso fora militar para combat-los uma vez mais.

    O conhecimento histrico sobre os Tenetehara vem desde ento se acumulando atravs de notcias, relatos, cartas, documentos oficiais, sempre aos pouquinhos, em momentos espaados e por autores das mais diversas procedncias. Contudo, em nenhum momento da colonizao do Maranho surge um interesse assaz forte sobre os Tenetehara que emule algum cronista a fazer uma descrio desse povo. At o Padre Antnio Vieira, prolixo por estilo e por interesse, que os conhece em 1653, na ilha de So Lus, no lhes dedica mais do que algumas linhas em sua vasta escrita e correspondncia. Assim, extremamente difcil se fazer uma histria dos ndios Tenetehara que no comporte uma alta dose de inferncia, reconstruo imaginativa e at especulao.

    Nos primeiros trs sculos da histria tenetehara h momentos e situaes onde as informaes so bastante escassas e indiretas. H que se as ler e interpretar nas entrelinhas dos documentos histricos, quase que adivinhando pensamentos. Tais informaes so usadas sempre com muito cuidado, com base numa perspectiva dialtica, onde se pode conjecturar um quadro de uma determinada situao, ainda que mal descrita, atravs de inferncias com o que sabemos do presente e por comparao com casos anlogos mais amplamente documentados no mesmo perodo. Em alguns momentos, reconstituir uma poca e uma regio onde poderiam estar os Tenetehara o mximo que conseguimos fazer para dar alguma idia de como eles poderiam estar vivendo.

    H quanto tempo viviam os Tenetehara no rio Pindar, e de onde teriam vindo? Presumo, seguindo Curt Nimuendaju (1937: 48), que eles teriam vindo do oeste, talvez do baixo Tocantins, no atual estado do Par. Para chegar a essa hiptese, Nimuendaju usou de um artifcio lingstico hoje em dia considerado de pouco valor heurstico. A lngua falada pelos Tenetehara, da famlia tupi-guarani, tem o prefixo /he-/ para marcar os pronomes diretos e possessivos da primeira pessoa do singular, eu, meu, minha, meus, minhas. Outras lnguas com esse pronome, como os Urubu-Kaapor e os Guaj , vieram comprovadamente do Par para o Maranho, j em tempos histricos. Em contraste, povos com lnguas com o termo equivalente /xe-/, como os Tupinamb, teriam vindo do leste, atravs da costa . Supe-se que os Amanaj, outro povo de lngua tupi-guarani que habitava o Maranho, ao sul dos Tenetehara, nessa ocasio, tambm teria vindo do Par. De suposio em suposio, a pergunta aflora: o que estavam fazendo tantos povos indgenas tupi-guarani no baixo Tocantins? E outra quer emergir: seriam todos parte de um mesmo povo num certo tempo anterior? Nada podemos responder a essas indagaes. S a lingstica comparativa poder algum dia propor uma hiptese razovel para preencher essa lacuna no conhecimento etnogrfico. Por enquanto, so ainda muito pouco conhecidos os movimentos migratrios dos ndios brasileiros no perodo pr-histrico, mesmo os dos ndios de fala tupi, de quem se tem mais notcias do que de outros ndios (Mtraux 1927, 1963; Nimuendaju 1987[1914]).

    A histria recapturada dos Tenetehara , portanto, essencialmente a histria das transformaes de sua sociedade e cultura a partir do momento em que foram trazidos para a rbita de influncia das foras de colonizao que se estabeleceram no Maranho. Historizar transformaes significa descrever uma situao num determinado instante e o que ela passou a ser num instante seguinte, e analisar o qu gerou este novo estado de coisas. O estudo de transformao social deve ser, consequentemente, um estudo baseado no mtodo dialtico. Aqui sero utilizados os conceitos de sistema e estrutura, os princpios de oposio e contradio e a passagem lgico-temporal de tese, anttese e sntese. So instrumentos de anlise que se tornam concretos dentro de situaes empricas constitudas por conjuntos de problemas que se comportam como componentes de totalidades em formao. Utilizo o mtodo dialtico para analisar uma situao social, histrica, que no esttica em si mesmo e que, portanto, no pode ser concebida, a mdio e longo prazo, por um mtodo que enfoque primordialmente equilbrio ou situao. Assim, fujo, por princpio, de qualquer interpretao funcionalista, inclusive a de ordem ecolgica, bem como estruturalista e desconstrucionista, sobre a cultura e a sociedade tenetehara.

  • O enfoque dialtico permite postular que os Tenetehara constituem um sistema sociocultural em relao de confronto com outros sistemas, em especial com o sistema composto pelas foras de colonizao do Maranho. Estes sistemas sociais contm um potencial inerente para auto-transformao, independente das influncias que exercem um sobre o outro. Mas so fundamentalmente as mudanas que decorrem da influncia do contato de um com o outro que nos interessa aqui. A influncia que os Tenetehara tiveram sobre a sociedade colonial foi muitssimo menor que aquela exercida pelos Tupinamb, mesmo se considerarmos unicamente a sociedade maranhense. Ela se manifestou em alguns momentos pelo desempenho de sua fora de trabalho, pelo conhecimento que transmitiram dos mtodos de utilizao do seu meio ambiente e, principalmente, pela usurpao de seu territrio. Em alguns raros casos podemos detectar uma influncia lingstica . J a influncia da sociedade colonial emergente sobre os Tenetehara o fator essencial da histria tenetehara. Portanto, ser fundamental, desde j e em todos os perodos histricos, observar a sociedade colonial luso-brasileira-maranhense em formao para compreendermos melhor como se d essa influncia e que conseqncias tiveram e vm tendo sobre a sociedade tenetehara.

    Os dois campos analticos chaves na descrio da histria tenetehara so, por um lado, a sociedade tenetehara sendo trazida para o sistema colonial, nas vrias fases da sua histria. Por outro lado, a sociedade tenetehara resultante ao final de cada fase. Em termos dialticos, podemos dizer que temos o fluxo histrico da tese (a sociedade tenetehara num determinado momento histrico), a anttese (esta sociedade em confronto com a sociedade colonial num momento histrico similar) e a sntese (a sociedade tenetehara resultante - e j em anttese com o prximo movimento).

    As narrativas e as anlises que aqui apresento da sociedade colonial se reportam de alguma forma aos debates que existem na historiografia do Maranho e Gro Par. J para o perodo monrquico, quando o ndio considerado uma figura menor, assombreada pelo papel preponderante da escravido e do negro, a histria indgena constitui meras notas de rodap, notcias parentticas, pequenos adendos, como se no acrescentasse mais nada, a no ser pela contnua perda de vida e de territrio . Porm, ao encararmos a histria do Maranho pelo enfoque histrico-antropolgico, levando em considerao o papel dos Tenetehara e de outros povos indgenas no continuum de relacionamento sociopoltico entre dominadores e dominados, no posso me furtar responsabilidade de estar realizando uma releitura dessa histria, particularmente no que diz respeito ao relacionamento socioeconmico com os povos indgenas, as estratgias de desenvolvimento econmico, as formas de recrutamento para o trabalho e as conseqncias reais dessas prticas sobre o destino dos ndios. Nessa rea de pesquisa os dados no so abundantes nem as anlises to claras para se formar um quadro definitivo do que era a sociedade maranhense e como ela se comportava em relao aos Tenetehara. O que motiva esse esforo tentar traar uma narrativa histrica sob o ngulo - no ouso dizer o ponto de vista - da histria de um povo indgena.

    A reconstruo que aqui tento apresentar da cultura e sociedade tenetehara, especialmente dos primeiros trs sculos, no deixa de ser calculadamente um exerccio de especulao e comparao. Como viviam realmente, que rituais partilhavam, como guerreavam, ao menos quantas aldeias havia e como se relacionavam umas com as outras so assuntos que mal podemos discernir pelos dados que temos. De todo modo, arrisco-me a esboar alguns traos socioculturais nos captulos que se seguem e deixo para mais frente, nos captulos XI, XII e XIII, o detalhamento de sua economia em transformao, que lastreia a sociedade em movimento.

    Convm destacar que comecei a reconstruir e analisar a histria tenetehara depois de adquirir uma certa compreenso dessa sociedade nos tempos atuais, atravs de meu prprio trabalho de campo entre eles, complementada pela leitura da literatura etnogrfica a seu respeito . Meu mtodo de anlise parte desse conhecimento prvio e se desenrola num constante vai-e-vem no tempo. A partir da sntese da sociedade tenetehara dos dias atuais tento traar a tese anterior atravs da anlise da anttese, seu confronto com a sociedade envolvente. Em seguida busco a confirmao desta tese na histria do Maranho. A reconfirmo o movimento do passado para o presente. Em muitos momentos, essa confirmao no pde ser obtida, e a a soluo apresentada tem, forosamente, um carter especulativo, embora baseado em inferncias estruturais. claro que este mtodo de recomposio das transformaes socioculturais complementado por um traado cronolgico dessas transformaes a partir de um ponto de referncia dado, algum momento na histria que tem um significado especial ou paradigmtico. A narrativa e as anlises dos temas deste e de outros captulos so apresentadas em seqncia cronolgica.

    Para contextualizar a anlise da histria tenetehara, uma palavra deve ser dita a respeito do fatores histricos que condicionam as possibilidades de sobrevivncia de sociedades indgenas brasileiras. Em primeiro lugar, h que se considerar o impacto da chegada dos europeus no Novo Mundo. A esse respeito todos os estudos apontam para o efeito das doenas trazidas pelos europeus como sendo o fator mais determinante de destruio e desestruturao dos povos das Amricas (Ribeiro 1970; Hemming 1978, 1984; Wagley e Harris 1958). A taxa de queda demogrfica nos primeiros anos de contato, antes que algum grau de imunizao natural seja adquirido, determina em larga medida a margem de sobrevivncia futura dos povos indgenas. Somente aqueles que conseguem manter uma unidade biolgica de auto-reproduo mnima, experimentando e vencendo muitos surtos epidmicos, so capazes de continuar sendo uma etnia, um povo especfico. Na histria do Maranho, muitas etnias foram esmagadas nos primeiros anos de relacionamento intertnico e perderam esta condio essencial e mnima para sobreviver. Outras agentaram, mas foram perdendo foras demogrficas e culturais e, no decorrer dos anos, desapareceram como grupo tnico especfico. Os Tenetehara obviamente esto includos entre os que conseguiram manter-se firmes e suportar o impacto das doenas trazidas do Velho Mundo.

    Dois outros fatores a serem superados para que uma etnia tenha chances de sobreviver e prosperar so a miscigenao, como um processo de assimilao, e a perda do controle efetivo da terra, como recurso bsico de uma economia de agricultura tropical, de caa e coleta. Esses fatores so bem conhecidos na histria do Brasil. A

  • colonizao do recncavo bahiano, de Pernambuco, So Paulo e Rio de Janeiro, todas implantadas na segunda metade do sculo XVI, estabeleceram o modelo que mais tarde iria ser aplicado no interior do pas e na Amaznia, inclusive no Maranho. A miscigenao de portugueses com ndios, o uso forado de sua mo-de-obra e a apropriao de suas terras foram os primeiros passos dessa colonizao. Na Amaznia, a histria se repete com mais intensidade e com a particularidade de no ter tido escravos trazidos da frica at praticamente o terceiro quartel do sculo XVIII . A populao que formou aquela sociedade, seu povo e parte de sua elite, foi amplamente recrutada, nas primeiras geraes de assimilao, das sociedades indgenas que habitavam a regio.

    A apropriao do capital social - mo-de-obra e conhecimento cultural - e do capital fixo - terra e bens naturais - dos ndios foi a base da colonizao do Maranho. Por um sculo e meio, o Estado do Maranho e Gro Par consistiu em uma reduzida populao de colonizadores portugueses e seus descendentes diretos, centrada em dois ncleos administrativos tentando comandar a produo de acar e tabaco, como se fazia no Nordeste do pas, mas sem iguais condies de fertilidade e adequao de solos. A produtividade era baixa na agricultura e na pecuria e com isso no havia capital para importar escravos africanos para aumentar a produo. Agregada a estes empreendimentos havia o setor de coleta de produtos da floresta, como canela e salsaparilha, que empregava uma populao de ndios aldeados e atrelados ao poder colonial. No todo, a economia se organizava por um modo de produo que requeria uma quantidade crescente de terra e de mo-de-obra barata, muito pouco desenvolvimento tecnolgico, baixa taxa de poupana e baixo nvel de comercializao. A terra era concedida aos colonizadores pelos governadores e capites-mores. Quando havia povos indgenas, era-lhes expropriada pela sujigao militar, poltica, ou religiosa. Seu controle efetivo se dava pelo estabelecimento de fazendas auto-sustentveis, com plantaes de cana-de-acar e tabaco ou com a criao de gado, e, principalmente, pela fixao de uma populao dependente e subordinada, identificada e minimamente leal ao processo colonizador.

    A mo-de-obra indgena era alienada das sociedades tribais atravs da fora militar realizada por expedies de guerra contra ndios considerados inimigos da f crist, ou pelas chamadas tropas de resgate. Entendia-se pelo termo resgate o ato de comprar ou trocar por produtos portugueses aqueles ndios que supostamente haviam sido feito prisioneiros e que estavam condenados a serem sacrificados e comidos pelos seus algozes. Parecia legtimo e cristo esse ato de benevolncia que salvava vidas. Na verdade, todos sabiam que isso no passava de um artifcio para burlar uma legislao que condenava a escravido indgena, exceto nesses condies. Em todo caso, os ndios eram subjugados e reduzidos condio de escravido ou de uma espcie de servido involuntria . O recrutamento desta mo-de-obra resultou na incorporao de uma populao que, ao perder seus meios culturais de reproduo, foi forosamente se assimilando incipiente sociedade colonial.

    Nos casos em que estes trs fatores - doenas, recrutamento de mo-de-obra e perda do controle territorial - se combinavam de forma sobrepujante, o povo indgena se extinguia, raramente deixando marcas. O povo tenetehara conseguiu evitar que esse processo avassalador se desenvolvesse integralmente e continuou a se reproduzir fsica e culturalmente sobre uma base demogrfica e com o controle efetivo sobre grande parte de suas terras. A histria de como se deu isto o que nos interessa saber. H razes especficas de conjuntura histrica que favoreceram esse acontecimento. H tambm motivos que advm da prpria cultura e sociedade tenetehara e da forma como se desenrolaram os eventos de relacionamento entre os Tenetehara e a colonizao do Maranho. Ao longo do presente captulo a situao de contato e de relacionamento intertnico dos Tenetehara ser comparada com a situao de outros povos indgenas do Maranho para ilustrar as razes da sobrevivncia ou extino de cada um desses povos.

    Colonizao e desenvolvimento so entendidos aqui como processos scio-econmico-demogrficos muito semelhantes. Do ponto de vista dos Tenetehara, a diferena entre os dois meramente de ordem cronolgica, enquanto que, para a historiografia brasileira, so momentos e noes distintos. No Maranho, o perodo de colonizao tem incio efetivo a partir de 1615, quando foras luso-brasileiras vindas de Pernambuco expulsam a incipiente colonizao francesa. Segue at a independncia do Brasil de Portugal em 1822. O perodo de desenvolvimento, em seqncia, se inicia a partir daquela data e vem at os dias de hoje, sendo mais ou menos identificado com o processo de busca de autonomia brasileira e de modernizao.

    J pela perspectiva da histria tenetehara, esses quase quatro sculos (1613-2000) podem ser divididos em cinco perodos consecutivos que so caracterizados pela preponderncia de formas particulares de relaes intertnicas tenetehara-brasileiras (ou portuguesas). Esses perodos so:

    Formao das relaes intertnicas (1613-1759), subdividida em:

    fase da escravido: 1616-1652;

    fase da servido: 1653-1759.

    Libertao e transio: 1760-1840.

    Clientelismo e a poltica indigenista imperial: 1840-1889.

    A transio republicana e a rebelio do Alto Alegre (1890-1910).

    Poltica indigenista do sculo XX: SPI/FUNAI: 1910-1985. A partir de meados da dcada de 1980 pode-se dizer que esteja surgindo uma nova fase, que podemos chamar

    de transio autonomia. O perodo correspondente fase da escravido o assunto do presente captulo. Os perodos posteriores sero discutidos mais adiante.

    Tupinamb, Tenetehara e outros ndios A primeira tentativa de colonizao do Maranho se deu em 1535-38 atravs de uma expedio organizada e

    financiada por uma associao entre Joo de Barros, Ayres da Cunha e lvares de Andrade (Buarque de Holanda 1989, Vol. I:105-6; Sobrinho 1946:7). A esses homens foram doadas duas capitanias hereditrias compreendendo extensas faixas de terra que se estendiam desde o cabo do Rio Branco, na costa nordestina, at a desembocadura

  • do Rio Amazonas, abrangendo inclusive a ilha de So Lus e reas circundantes. Por aquele tempo certamente j havia notcias dessa regio, embora no saibamos ao certo de que natureza e com que detalhes. Com efeito, Vicente Pinzn havia navegado por l alguns meses antes de Cabral vislumbrar o Monte Pascoal, sendo por isso o primeiro europeu a conhecer, se no a descobrir o Brasil (Bueno 1988). Os donatrios receberam o direito de estabelecer feitorias, repartir terras entre os colonos e de instalar as instituies pertinentes a uma administrao portuguesa colonial. As capitanias hereditrias foram o primeiro projeto portugus de colonizao da rea da Amrica do Sul que tinha sido destinada a Portugal pelo Tratado de Tordesilhas de 1494.

    Esta expedio fora bem capitalizada e equipada pois comportava dez navios e 900 marinheiros e potenciais colonos, alm de 120 cavalos, mas naufragou nas costas do Maranho, j na baa que abriga a ilha de So Lus. Os relatos dos nufragos que conseguiram de alguma forma voltar a Portugal - e foram menos de 200 - levam a crer que esta ilha era habitada, naquele tempo, por gentio tapuia, ou ndios de lngua e cultura no tupi, que se mostraram hostis s intenes dos sobreviventes. Mesmo assim, alguns portugueses ficaram na regio e se nativizaram, isto , passaram a viver com e como os ndios, sendo eventualmente incorporados em sua sociedade (Soares de Souza 1971: 46, 51; Salvador 1954:134). Quinze anos depois, dois filhos de Joo de Barros aportaram na ilha de So Lus com a inteno de retomar os direitos de seu pai e por l passariam uns cinco anos, sem conseguir firmar uma colnia. Ao que parece, logo depois desse tempo, a partir da dcada de 1560, os ndios Tapuias foram forados a sair da ilha por um contingente numeroso dos aguerridos Tupinamb, vindos da costa leste (Mtraux 1927: 6-10), e entrelopos franceses j se faziam presentes na regio (Sobrinho 1946: 7-8). Os Tapuias expulsos teriam subido o rio Itapecuru, um dos principais formadores da baa de So Jos e foram se instalar nas matas que margeiam o seu curso mdio, onde, mais tarde, ficaram conhecidos pelo nome de ndios Barbados. Pelo menos assim que foram relatados esses possveis acontecimentos por cronistas portugueses anos mais tarde. O certo que tantas outras dificuldades polticas e econmicas foram impedindo os portugueses de fazerem novas tentativas de colonizar o Maranho, at a segunda dcada do sculo XVII, quando o controle desta regio ficou ameaado pela instalao de uma colnia de franceses.

    Em 1612, uma expedio francesa fundou, com todas as solenidades pertinentes e mais algum exagero extra para bem impressionar os nativos, a colnia Frana Equinocial, localizada num promontrio a noroeste da ilha de So Lus, entre os rios Bacanga e Anil, iniciando assim a histria do Maranho luso-brasileiro. poca, a ilha j estava amplamente povoada pelos Tupinamb que tinham vindo da costa leste movidos pelo sentimento de ficar longe dos portugueses (Abbville 1945: 65; Mtraux 1927:6-10). Marinheiros franceses vinham mantendo proveitosamente, h mais de 30 anos, relaes comerciais de troca com os Tupinamb da ilha e da Serra do Ibiapaba, no Cear. Pelos troncos de pau-brasil, tatajuba, tabaco e produtos tropicais exticos que os ndios carregavam at suas naus, davam em troca facas, machados, enxadas, tesouras, espelhos, panos, chapus, contas de vidro e outras bugingangas baratas (Abbville 1954: 63). A expedio francesa era dirigida pelo nobre Daniel de la Touche, o Senhor de la Ravardire, que havia recebido concesso desde 1605 de Henrique IV para colonizar a costa norte. Aps a morte de Henrique IV, associara-se ao nobre breto Franois de Razilly, de quem recebera apoio inclusive para convocar a ordem dos capuchinhos de Paris, que enviara quatro missionrios, entre eles Claude dAbbeville e Yves dvreux, a quem mais tarde iriam se juntar mais doze frades. Os Tupinamb receberam a todos com honra e reverncia (Pianzola 1991: 43-57).

    Havia entre os Tupinamb, vivendo integrados com eles, certamente em posies de privilgio, com mulheres e filhos, muitos franceses, quase todos de origem bret e normanda. Gente rude, de extrao rural, capaz de viver como ndios, sentindo o prazer e a liberdade dessa aventura. Eram conhecidos como turgimons, ou intrpretes, ou ainda "lnguas", por saberem se comunicar bem na lngua tupi. Esses franceses conheciam razoavelmente bem a cultura e os costumes dos ndios, partilhavam de suas guerras e de seus temores, e serviam de intermedirios entre os Tupinamb e os chefes das naus e autoridades francesas. O mais experiente deles era conhecido igualmente por franceses e ndios pela alcunha de Mingau (que erroneamente aparece na historiografia impressa com a m grafia mingan) e era bastante requisitado pelas autoridades francesas. Na iminncia da instalao de uma colnia francesa, passaram a prometer aos Tupinamb a chegada de pa poderosos que viriam para ensinar-lhes novas formas de viver uma vida de boa conduta e de paz.

    Pa era o nome que os Tupinamb aprenderam a dar aos padres franceses falados pelos turgimons. Eles os comparavam aos seus grandes xams, chamados paj-guau, lderes religiosos que, alm de se comunicar com os espritos, tinham a funo de estimular e guiar os Tupinamb em suas migraes procura da Terra sem Mal, o principal motivo da escatologia religiosa desse povo. Afinal, os Tupinamb tinham vindo em grande nmero desde o rio So Francisco, Pernambuco e Paraba no somente na tentativa de se livrar da invaso e escravido promovidas pelos portugueses naquela regio, mas tambm procura de uma salvao fsico-espiritual (Mtraux 1979; Clastres, H., 1978). Tinham alcanado e se instalado na ilha de So Lus, onde viviam em segurana, mas sua inquietude se baseava em motivos profundos. Os paj-guau (que, segundo o padre Ferno Cardim, tambm eram chamados de caraba, [apud Mtraux 1979:66] embora no Maranho este termo fosse usado para significar estrangeiro, no caso, francs) lhes davam conforto espiritual e alguma orientao poltico-social. A vinda de pas mais poderosos ainda, originrios do mundo extraordinrio dos franceses, foi esperada com ansiedade e temor (Abbville 1945:59-60, 74 ff).

    Claude d Abbville ([1613]1945) e Yves d vreux ([1615]1874) descreveram em interessantes detalhes o modo como os franceses chegaram, como foram recebidos e como deram incio instalao da colnia. Tudo foi feito para impressionar os Tupinamb e com isso conseguir arregimentar, sem violncia, a fora de trabalho daqueles ndios, sem a qual no conseguiriam prover as necessidades bsicas da colnia, nem manter a extrao do pau-brasil para exportao. Escrevem tambm sobre como os Tupinamb sentiam dio e pavor dos portugueses, sobre suas dvidas em relao doutrina da religio crist e sobre as primeiras reaes presena dos franceses e nova ordem

  • poltica em implantao, uma ordem que exigia obedincia e servio s autoridades, como novos vassalos que deveriam ser do rei de Frana. Nesses dois livros h tanta informao etnogrfica sobre os Tupinamb quanto a dos melhores cronistas do sculo anterior. Na verdade, Abbville e vreux foram os ltimos cronistas da cultura e sociedade tupinamb, e dos seus melhores. Depois deles muito pouco foi acrescentado a essa matria, a no ser por missionrios jesutas nas misses do Paraguai e sul do Brasil. Porm, para nossos propsitos, basta-nos analisar o especial interesse suscitado no relato desses capuchinhos sobre o relacionamento intertnico, o povoamento e a distribuio de aldeias tupinamb na ilha, nos seus arredores e em outros lugares do Maranho e Par.

    Em 1612, a ilha de So Lus, que tem uma rea de 2.200 Km2, continha cerca de 27 aldeias que se distribuam por todos os cantos e se ligavam entre si por caminhos ou pelos cursos dos rios Bacanga e Anil. As aldeias consideradas pequenas tinham entre 200 a 300 moradores e as grandes de 500 a 600. No total, pelo clculo de Abbville, havia entre 10.000 e 12.000 ndios Tupinamb. Isto daria uma densidade demogrfica da ordem de cinco pessoas por quilmetro quadrado, uma taxa talvez s encontrada, mesma poca, na vrzea do rio Amazonas .

    Uma aldeia pequena tinha de um a dois lderes, os tubixaba (ou tuxaua, na grafia e pronncia do sculo XVIII) velhos conceituados ou guerreiros maduros vivendo com muitos parentes ao seu redor. As maiores podiam ter at quatro ou cinco tubixaba, sem que nenhum se sobressasse dos demais. O lder da maior aldeia, o velho e respeitado Japiau, era, de uma forma no muito clara, reconhecido como chefe maior, ou morubixaba, de toda a ilha. Os franceses assim o queriam tratar, mas os relatos dos capuchinhos no deixam saber ao certo o que isso significava em termos de poder. Ao que parece, o prestgio de Japiau se devia ao reconhecimento de sua liderana em guerras passadas e a uma certa capacidade diplomtica de lidar com conflitos entre outras lideranas. Entretanto, os franceses sabiam que tal liderana no constitua poder de mando, e assim negociavam com cada lder de aldeia e at de famlias extensas, independente do conhecimento e do consentimento de Japiau. Tal forma de relacionamento dava aos franceses um imenso trabalho, o qual transparece nos escritos dos capuchinhos.

    A forma de liderana entre os Tupinamb tem suscitado indagaes sobre o nvel de sua organizao poltica. Tudo indica que no havia poder poltico acima do consenso operado pelos tubixaba em cada aldeia. No Maranho, como no recncavo bahiano e no planalto de Piratininga, havia um nmero pondervel de aldeias que se confederavam em aliana e que tinham a figura do morubixaba. Entretanto, esse ttulo no conferia uma autoridade de mando poltico, nem de comando econmico sobre as demais aldeias. Se isso tivesse ocorrido, os Tupinamb teriam alcanado o nvel de poder poltico conhecido na literatura antropolgica sul-americana como cacicato (Steward and Faron 1959; Roosevelt 1992). Ao que parece, o morubixaba, ou cacique, entre os Tupinamb era um poder nominal ou potencial, mas nunca real (Abbville 1945: 58, 92, 234; Mtraux 1979; Fernandes 1963, 1970).

    Fora da ilha, a oeste, no lugar chamado Tapuitapera, havia de 15 a 20 aldeias tupinamb com uma populao dita superior da ilha (Abbville 1945: 148). Mais a oeste, na baa de Cum, havia outro conglomerado tupinamb com um nmero equivalente de aldeias. Dessa rea at o Caet, a mata verdadeira, na embocadura do rio Gurupi, que separa o Maranho do atual estado do Par, havia mais 20 a 24 aldeias tupinamb. No total possvel que houvesse de 40 a 50.000 Tupinamb vivendo ao longo da costa maranhense e paraense a partir da ilha de So Lus. A sudeste, e para o interior, na altura dos cursos mdios dos rios Itapecuru e Mearim, havia outra concentrao de aldeias tupinamb inimigas dos Tupinamb da ilha. A leste, ao longo da costa, viviam os temveis e audaciosos Teremembs, ndios de fala travada, e mais umas trs dezenas de povos especficos chamados genericamente pelos Tupinamb de Tapuias, que no deixavam os Tupinamb se sentir inteiramente acomodados. Porm, penetrando pelo interior chegava-se Serra do Ibiapaba, onde havia outra poro de aldeias tupinamb, bem como um grande nmero de aldeias de Tapuias de vrias etnias. Todas essas concentraes tupinamb talvez tivessem se estabelecido recentemente, vindo da costa nordestina, embora seja possvel que j houvesse Tupinamb no Par, especialmente no delta amaznico e no baixo rio Tocantins. Abbville (1945:149) relatou diversas visitas que fez a aldeias na ilha, bem como em Tapuitapera e Cum. Sua viso de que esses trs ncleos tupinamb formavam um pacto de aliana entre si, para autoproteo e para guerrear os Tupinamb do Par e de Ibiapaba, seus inimigos. Entretanto, cada aldeia ou grupo de aldeias partia para a guerra contra outras aldeias, tupinamb ou no, por iniciativa prpria. Em visita a Cum, por exemplo, Abbville soube que tropas de guerreiros de algumas daquelas aldeias haviam marchado em direo oeste para atacar aldeias do baixo Amazonas. J as aldeias da ilha tinham como seus principais alvos de expedies guerreiras os Tupinamb que viviam nos rios Itapecuru e Mearim e aqueles a Serra de Ibiapaba. (Abbville 1945: 67, 95, 120-121).

    Compreender a posio poltica dos Tupinamb do Maranho fundamental para este estudo sobre os Tenetehara por duas razes. Primeiro porque eles eram consideravelmente mais numerosos que qualquer grupo indgena, no s da regio como tambm de toda a costa do Brasil, e por essa razo contriburam enormemente para a formao do Maranho colonial (e do Brasil em geral) tanto em termos demogrficos como culturais. Em segundo lugar, porque necessrio que se conhea os Tupinamb em sua cultura e sua dinmica com outros povos para que se possa distingui-los dos Tenetehara. Algumas famlias de ndios Tupinamb foram missionizadas com ndios Tenetehara e neles imprimiram o estilo de missionizao jesutica.

    Os Tenetehara falam e os Tupinamb falavam lnguas da famlia tupi-guarani muito semelhantes entre si (Rodrigues 1984/1985; 1986). Padre Antnio Vieira, o insigne jesuta que dedicou boa parte de sua vida em defesa dos ndios e falava a lngua geral, uma variao simplificada do tupinamb, ensinada nos colgios jesutas, ao entrar em contato com ndios Tenetehara em So Lus, por volta de 1653, diz que a lngua destes era mais semelhante dos Carijs [ndios Guarani, culturalmente muito semelhantes aos Tupinamb, que viviam ao sul de Canania, So Paulo] que a qualquer outro do Brasil (Vieira 1925: 394-395). Esta uma afirmao surpreendente j que pode levar hiptese de que os Tenetehara poderiam ser um subgrupo tupinamb igualmente recm chegado ao Maranho e com alguma origem do sul do Brasil. Ou que teria havido um desenvolvimento paralelo de variao lingstica. Ou

  • ainda, o que mais provvel, que o jesuta se equivocara, querendo indicar que a lngua tenetehara de fato era diferente da falada pelos Tupinamb. Sabemos igualmente que a lngua dos Guarani era uma variao quase dialetal da dos Tupinamb, e ambas eram mutuamente inteligveis. De qualquer modo, fica claro que a lngua dos Tenetehara e a dos Tupinamb eram muito prximas, o que levanta a questo das semelhanas culturais entre os dois.

    Entretanto, por mais que estes dois povos apresentem traos comuns que os liguem a uma mesma origem tnica, o que nos interessa aqui identificar as diferenas culturais bsicas que os separam. Talvez estas diferenas tivessem surgido em tempos recentes e em funo do prodigioso crescimento demogrfico dos Tupinamb que os fez mais poderosos. De todo modo, aqui se postula que a cultura tenetehara no apresentava a instituio do canibalismo dos Tupinamb, a qual compreendia, alm das motivaes de guerra e dos rituais conhecidos, a presena de um complexo religioso com paj guau, que atuavam como proto-sacerdotes, com proto-templos e proto-dolos (Fernandes 1963, 1970; Mtraux 1927, 1979). Essa ausncia se confronta com uma observao feita pelo Padre Vieira (1925: 394), a qual, entretanto, parece excessivamente generalizante para merecer crdito. Ele afirmava que todos os povos indgenas do Maranho tinham o costume universal de no ter ou tomar nomes - o que significava tornar-se adulto - sem antes celebrar a cerimnia de quebrar a cabea do inimigo. Considerando-se que quebrar a cabea do inimigo fazia parte tanto da motivao de guerra quanto do ritual canibalstico dos Tupinamb, essa afirmao no deixa claro se ele queria dizer ou no que todas as tribos do Maranho eram canibais. O certo, porm, que outros cronistas no se do ao trabalho de apontar quais outras tribos eram canibais. Essa preocupao s vinha baila na hora de justificar a organizao de uma tropa de guerra para tomar prisioneiros e faz-los escravos. De qualquer maneira, sem o complexo cultural do canibalismo, a sociedade tenetehara certamente no apresentava aquela srie de caractersticas demogrficas e culturais que tornaram os Tupinamb um alvo de disputa da colonizao portuguesa.

    Tudo indica que os Tenetehara constituam uma etnia distinta. Sua populao era bem menos numerosa que a dos Tupinamb e se restringia a uma regio mais ou menos delimitada. Suas aldeias eram autnomas, com liderana localizada, e continham talvez entre 200 e 300 habitantes, o que lhes dava um menor grau de coeso poltica. Essa caracterstica social dava aos Tenetehara um poder de ao pequeno, mas lhes conferia uma estrutura social mais flexvel, oferecendo maior potencial para a formao de novos agrupamentos em caso de perda populacional e, assim, maiores chances de sobrevivncia. Em resumo, pode-se assumir que a sociedade tenetehara original era mais ou menos semelhante de outras tribos tupi que conhecemos, como a dos Urubu-Kaapor (Huxley 1956; Ribeiro 1974, 1996), Parakan (Magalhes 1990), Arawet (Castro 1986), Assurini (Muller 1990), entre outras, que so caracterizadas por aldeias relativamente pequenas, formadas por grupos familiares sem estrutura de linhagem ou de centralizao poltica dentro das aldeias ou acima delas. Tipos de organizao social como esta no necessitam de elementos simblicos socialmente fortes, como os rituais canibalsticos, para que seus membros consigam manter conscientemente uma cultura comum.

    Os Tenetehara surgem no cenrio histrico quando os franceses iniciam a explorao do interior do Maranho. Em 1613, pouco tempo depois de se terem instalado na ilha, enviam diversas expedies de reconhecimento pelos rios de toda a regio, inclusive aqueles desembocam nas baas que cingem a ilha de So Lus. Corria na poca, e correu durante os muitos anos seguintes, a lenda de que havia ouro no alto Pindar, fato motivador de diversas expedies ao longo da histria, sempre sem resultados significativos. Subindo o rio Pindar, uma pequena tropa comandada pelo Senhor du Prat d com um povo de fala tupi. Esse acontecimento relatado em carta ao padre Abbville, que j havia partido de volta para a Frana, e narrado pelo padre Yves dvreux, que permanecera por dois anos. Idntica notcia passada pelo Senhor de Pizieux ao mesmo frade, dizendo que uma grande nao moradora no rio Pindar teria vontade de se tornar crist (Abbville 1975: 293, 296). Essa mesma informao vai ser repetida pelo Senhor de la Ravardiere ao passar o domnio da colnia aos portugueses, porm sem nada mais ser acrescentado (Sylveira 1976 [1624]). que logo os franceses iriam se bater com os portugueses e no tiveram tempo para novas incurses no interior. Wagley e Galvo, ao escreverem sobre os Tenetehara (1949: 6) associaram a meno dessa nao indgena aos ndios Tenetehara.

    A Conquista do Maranho Em novembro de 1614, uma armada com oito navios, 230 soldados, 60 marinheiros, cerca de 300 ndios

    Tupinamb de Pernambuco e da Serra do Ibiapaba, acompanhados de umas 300 mulheres e crianas, comandada pelo mameluco Jernimo de Albuquerque, chega ao Maranho com o propsito de expulsar os franceses. Em nmero muito inferior ao dos franceses e seus aliados, se alojam no continente, confronte baa de So Jos, constrem um pequeno forte octangular, se entrincheiram e se preparam para esperar reforo antes de dar combate aos franceses em suas fortificaes na ilha. Alertados por seus aliados Tupinamb, os franceses decidem atacar de sopeto para destruir esses inimigos. Erraram na estratgia e nas tticas de guerra. Os luso-brasileiros estavam entrincheirados num manguezal que os favorecia e dava margem de manobra para atacar e recuar. Numa batalha memorvel, conhecida por Guaxenduba, a 19 de novembro de 1614, que durou praticamente um nico dia, a tropa de Jernimo conseguiu agentar firme a investida de 200 soldados franceses e 1.500 ndios, e ao final rechaar e matar cerca de 115 franceses, inclusive diversos homens de nobreza, e mais de 500 ndios, e tomar sete prisioneiros. Da sua parte, perderam no mais que uma dezena de luso-brasileiros e uma centena de seus aliados ndios (Campos Moreno 1984 [1614]: 42-52; Sylveira 1976 [1624]: A3). Os franceses recuaram para o seu forte e, acometidos de dvidas sobre a lealdade de seus aliados tupinamb e sem os reforos pedidos a Frana, acenam com um termo de trgua, o que foi aceito pelos portugueses. Acertaram de mandar navios para as respectivas cortes em Madri e Paris, com embaixadores para consultarem seus respectivos reis e voltarem com uma deciso conjunta, dando-se um prazo de espera de quatorze meses. Enquanto isso, cada uma das partes podia manter as suas posies respectivas.

  • Pouco antes do fim desse prazo, aportou no acampamento portugus um navio comandado por Alexandre de Moura, com patente de capito-mor e com poderes de governador do Maranho, para concluir o trabalho de Jernimo de Albuquerque. Melindrado com essa imposio do governo geral do Brasil, Albuquerque e seus companheiros pressionam Moura, que desanuvia a situao declarando que voltar Bahia logo que os franceses forem embora. Acertado esse acordo, eles decidem partir contra os franceses, dividindo-se em dois grupos, um comandado por Albuquerque, que penetra pelo interior da ilha, e o outro com Moura, que segue de navio contornando a ilha at So Lus. Os franceses capitulam sem resistncia, entregam formalmente a colnia, e algumas semanas depois, em janeiro de 1616, partem em duas naus, deixando aqueles que resolveram ficar por vontade prpria. Os portugueses tomam posse do forte de So Lus e logo iniciam o estabelecimento da colonizao portuguesa. Reconhecem a validade estratgica do forte na ilha (mantendo o nome que os franceses haviam batizado em homenagem ao seu delfim), e enviam um navio para a embocadura do rio Amazonas para dar combate a outros invasores naquela regio. Em fins de 1616, o capito Francisco Caldeira de Castelo Branco funda Belm, na margem do rio Guam, a alguns quilmetros da foz do grande rio.

    Toda a expedio de conquista do Maranho havia sido planejada a partir da Bahia, sob ordens da Coroa, mas com homens e mantimentos originrios de Pernambuco. Entretanto, em pouco tempo a Coroa decidiu criar uma administrao prpria para a nova terra conquistada, separando-a do governo geral da Bahia. O fato que a viagem pela costa do Maranho a Pernambuco era mais difcil, por causa das calmarias e dos ventos contrrios, do que diretamente para Lisboa. Assim, em 1621, as duas pequenas colnias portuguesas de So Lus e Belm, abarcando o vastssimo territrio que ia do Cear at os confins inexplorados da Amaznia, passaram a constituir o Estado do Maranho e Gro Par.

    Semelhantemente ao Estado do Brasil, o Estado do Maranho e Gro-Par passou a ser dirigido por um governador geral nomeado pela Coroa, com sede em So Lus, e por mais um capito-mor, com sede em Belm. Por volta de 1672, Belm toma o lugar de So Lus como sede da residncia dos governadores e principal cidade daquele Estado. Em 1751, Belm se torna formalmente sede do governo geral. Em 1772 o Gro Par, junto com a capitania do Rio Negro, passou a ter governo separado do Maranho, ao qual se juntou a capitania do Piau. Durante todo o perodo colonial, as cidades de Belm e So Lus tinham sua prpria cmara (Marques 1970: 298), a qual, de acordo com Joo Francisco Lisboa, o eminente historiador do Maranho em meados do sculo XIX, tinha as seguintes atribuies:

    (1) fixar os preos dos trabalhos artesanais, da carne, sal, farinha de mandioca, garapa, tecidos e fios de algodo, medicamentos e produtos oriundos de Portugal;

    (2) estipular salrios para ndios e trabalhadores livres; (3) cobrar taxas, organizar o recrutamento da mo-de-obra indgena, fiscalizar as misses e declarar a guerra ou a

    paz a uma tribo indgena; (4) criar povoados e postos avanados para o controle de Portugal (Marques 1970: 168). Este sistema administrativo valeu durante todo o perodo de controle do Brasil por Portugal, ainda que, em 1772, o

    Estado tenha sido dividido em duas entidades separadas, o Estado do Maranho (incluindo o Piau) e o Estado do Par (Marques 1970: 345).

    Assim que os luso-brasileiros expulsaram os franceses, antes mesmo do sistema de governo ter sido instaurado, comearam a organizar a economia da regio. A terra foi distribuda pelo capito-mor aos conquistadores nobres, algumas como sesmarias, outras como se fossem capitanias hereditrias. A prpria Coroa reservou para si alguns lotes de terras, especialmente na regio do rio Gurupi, como se fosse donatria de uma capitania. Jernimo de Albuquerque, apesar de filho de ndia tupinamb com portugus, era do estamento social portugus, considerado como nobre, embora tivesse sido preterido como conquistador oficial do Maranho. Emulando a economia em vigor no Nordeste brasileiro, os novos donatrios assumiram a tarefa de estabelecer fazendas de tabaco e cana-de-acar. Como precisavam de mo-de-obra para esse trabalho e para construir a infra-estrutura da colnia, visaram de imediato os Tupinamb, ou aqueles que haviam ficado na ilha e nos arredores, pois muitos haviam fugido com a sada dos franceses. Apesar do modo respeitoso que adotaram nas primeiras falas com os Tupinamb da ilha, na presena dos franceses, inclusive citando a Lei de 1610, que proibia a escravido de ndios (Campos Moreno 1984 [1614]: 87), em pouqussimo tempo os Tupinamb foram postos para trabalhar sob o comando de capatazes, e logo se deu o primeiro levante contra os novos colonizadores. Ainda em 1618 (Sylveira 1976 [1624]: A6; Marques 1970: 298), os Tupinamb de Tapuitapera e Cum, na costa oeste maranhense, e as aldeias localizadas perto de Belm, se rebelaram contra a dominao portuguesa, certamente em razo do excesso de violncia, mas tambm, aparentemente, movidos por alguma iluso de que os franceses ainda poderiam voltar. Em Belm, fizeram um cerco que quase aniquilou de vez os moradores e soldados portugueses. Em Tapuitapera, estavam prontos para matar todos os portugueses de uma s vez quando um delator avisou os portugueses da ilha, e o castigo veio de forma rpida, sanguinria e exemplar pelo comando do capito-mor Jernimo de Albuquerque e seus capites de infantaria Bento Maciel Parente e Mathias de Albuquerque. O capito-mor foi de navio socorrer Belm e seus tenentes seguiram por terra, com cerca de 80 portugueses e mais de 600 Tupinambs frecheiros, sob seu comando. Aprisionaram os amotinados de Tapuitapera e os mataram na boca dos canhes. Em seguida, prosseguiram rumo oeste pelas aldeias do Cum at o Par, onde fizeram uma carnificina de tal monta que os nmeros parecem inacreditveis. Simo Estcio da Sylveira, que esteve no Maranho um ano depois, relata que fez neste gentio grandes estragos, e os mais delles descompostos de suas aldeas, e fugitivos pellos mattos cahiro nas mos dos Tapuyas (outra nao sua contraria) que com esta occazio mataro, comero, e cativaro quantos acharo, e se entende, que passario de quinhentas mil almas os mortos, e cativos.

  • J o cronista Bernardo Pereira de Berredo, que foi governador do Maranho e Gro Par um sculo depois (1718-1722), daria um nmero arredondado de 30.000 Tupinambs mortos. Com isso, Berredo iria concluir que aquela represso extinguiu por aquela parte as ltimas relquias destes brbaros (Berredo (s/d [1749]: 131; Kiemen 1945: 22, fl. 10; Marques 1970: 298).

    Para ser exato, os ndios Tupinamb continuaram a existir, ainda que progressivamente em menor nmero e com fora poltico-cultural cada dia mais frgil. Em 1619, apesar da fuga de ndios Tupinamb da ilha, aps a sada dos franceses, e logo depois da grande represso aos Tupinamb da costa, havia ainda nove aldeias Tupinamb na ilha de So Lus, algumas com ndios que haviam vindo de Pernambuco. Esse nmero iria cair nos anos seguintes devido s epidemias que espocaram e certamente aos maus tratos dos colonizadores portugueses. Outros povoamentos tupinamb no baixo Amazonas foram novamente atacados por Manuel de Souza Dea que subjugou o resto que ficou dos Topinambs . Pouco mais de trinta anos depois, em 1654, haviam sobrado somente cinco dessas aldeias na ilha de So Lus (Vieira 1925: 388); pelo fim do sculo, somente duas ou trs aldeotas (Bettendorf 1910: 12). Porm, em 1730, esse nmero teria crescido e se estabilizado nas trs misses jesuticas localizadas na ilha, compreendendo talvez sete ou oito aldeias, sendo que a maior tinha uma populao de 301 ndios cristianizados, presumivelmente descendentes, em sua maioria, dos Tupinamb (Leite 1943: 104-106).

    Em suma, a conquista e colonizao inicial do Maranho cobrou um preo altssimo aos Tupinambs. Na ilha de So Lus, seu declnio populacional vai de 12.000 em 1612 para talvez 1.000, 120 anos depois. Se contarmos todos os Tupinamb da costa do Maranho (incluindo Tapuitapera, Cum e Caet, conforme as estimativas dos capuchinhos franceses) em 50.000, e considerando que quase toda essa costa ficou deserta de gentes, essa queda demogrfica da ordem de 95%. Ao considerarmos um montante similar no baixo Amazonas, cujas populaes foram arrasadas pelos conquistadores e depois incorporadas nas aldeias de administrao e nas misses, veremos que a destruio foi avassaladora. Se pensarmos em termos culturais, na possibilidade de continuao do povo tupinamb, o desastre chega a 100%. No seu lugar iria florescer, como o contingente demogrfico mais humilde da colnia, o ndio aldeado, o lavrador sem terra, o agregado das fazendas, o pescador explorado, enfim, a base da cultura cabocla regional.

    A Sociedade Colonial Maranhense (1614-1759) A sociedade que se formou no Estado do Maranho e Gro Par se caracterizou, desde a sua incepo, pela

    violncia contra os de fora - ndios e estrangeiros - e por uma incessante competio interna pelo poder. Os primeiros vinte anos de sua implantao, realizados primeiro por Jernimo de Albuquerque (que morre em 1619), depois por capites-mores tais como Antonio de Albuquerque, Manuel de Souza DEa, Antonio Moniz Barreiros e Bento Maciel Parente, e enfim pelo primeiro governador geral, Francisco de Albuquerque Coelho de Carvalho (1625-36), so marcados pelo esforo para destroar e submeter ao domnio colonial os Tupinamb que viviam da ilha de So Lus at a baa de Guajar, bem como as diversas feitorias e colnias de holandeses, ingleses e irlandeses que estavam estabelecidas no baixo Amazonas desde 1610. Nesse mesmo curto perodo os 500 a 600 portugueses e umas 300 mulheres que tinham vindo como conquistadores, bem como os 200 casais de aorianos pobres que tinham sido trazidos por contrato de imigrao, se esmeraram em estabelecer um modus vivendi em que se impunham como autoridade inquestionvel sobre os ndios, que eram a sua principal fonte de riqueza. No propsito de ter e usar esse capital humano, que parecia sempre estar em falta, instalou-se uma disputa interna acirradssima entre os conquistadores que viraram colonizadores ou colonos, os missionrios, especialmente os jesutas aps 1653, e os funcionrios do Reino que vinham periodicamente de Portugal quase sempre com a finalidade de fazer fortuna e voltar.

    Vimos como foi prontamente solucionado o problema da autonomia dos Tupinamb pela sua ampla aniquilao fsica e subjugao poltica. O estilo brutal e inclemente que caracterizou essa tarefa deu a Bento Maciel Parente o epteto de o mais feroz exterminador dos ndios, qualidade que foi recompensada pelo rei de Portugal com a doao real da capitania do Cabo do Norte (atual Amap) e mais tarde da prpria governadoria geral do Maranho e Gro-Par (1638-41) . Nesses primeiros anos tambm foram dominados os ndios Guaianases que viviam no baixo curso dos rios Monim e Itapecuru, abrindo uma zona para povoamento e implantao de engenhos de cana-de-acar. Outros povos indgenas no baixo e mdio Tocantins, nos rios Pacaj e Xingu, nas ilhas e nas terras ao redor da foz do Amazonas foram atacados por uns tantos capites de entradas para serem escravizados. Bento Maciel anchamente declara em representao feita ao rei de Portugal que s ele havia subjugado cerca de doze povos diferentes. Tal foi o excedente inicial que muitos deles foram vendidos para Pernambuco, onde, embora a mo-de-obra principal desde o incio do sculo XVII j fosse africana, ainda havia necessidade do brao indgena para tarefas complementares. Quanto s colnias estrangeiras, os dois fortes holandeses situados prximo ao rio Xingu foram dominados ainda em 1621, enquanto os fortes e colnias ingleses e irlandeses localizados no lado norte da foz do Amazonas foram destrudos ao longo daquela dcada, sendo o seu ltimo bastio destroado em 1632. Seus sobreviventes, quase uma centena deles, foram feito prisioneiros e aliciados para trabalhar para os portugueses .

    A colonizao portuguesa se assentou em seis reas do vasto novo estado - a ilha de So Lus, Alcntara (ou Tapuitapera, como tambm era chamada), o recncavo do baixo Monim e Itapecuru, as terras costeiras dos rios Gurupi e Maracaum (rea tambm conhecida como Caet), no Maranho; Belm e suas imediaes, alm de Camet, no baixo Tocantins, e Gurup, no baixo Amazonas, bem como a capitania do Cabo do Norte, atual Amap. Exceto pelo baixo Munim, o Gurup e o Cabo do Norte, as demais reas haviam sido povoados pelos Tupinamb. A capitania do Cabo do Norte, que havia sido concedida a Bento Maciel Parente, foi abandonada como projeto colonial. O Caet, que ficou como capitania real, tambm no prosperou. Nas demais reas foram distribudas sesmarias para aqueles que haviam participado na conquista e nelas iriam se implantar fazendas de cana-de-acar e tabaco, algum

  • algodo, gado e mais tarde anil, sempre no sentido de assim formar uma sociedade colonial aos moldes daquela que j se formara no Estado do Brasil.

    Era terra mais do que suficiente para o pequeno nmero de colonizadores com algum cabedal, alis, cabedal esse que se resumia, ento e pelos anos afora, ao brao indgena. J em 1624, o jovem capito-mor do Maranho, Antonio Muniz Barreiros, se v s voltas com a disputa pela mo-de-obra indgena. Em carta ao rei queixa-se de que havia falta de gentio para a lavoura e sugere que no fossem doadas aldeias de administrao a quem no tivesse engenho de cana-de-acar . Preferencialmente a mo-de-obra indgena devia ser escrava mas, como nem sempre era possvel, devido s objees contidas nas leis portuguesas, o brao servil do ndio aldeado perto da fazenda ou mesmo em misses religiosas, podia ser requisitado a um custo muito baixo. Todos queriam escravos domsticos para pescar seu pescado, plantar e manter uma roa de mandioca, milho e abbora e cuidar dos afazeres pesados da casa. At os pobres aorianos trazidos para preencher o espao mdio de pequenos lavradores e artesos da sociedade tambm queriam escravos domsticos.

    Em meados da dcada de 1630, pelos clculos de dois holandeses que estiveram presos por 8 e 12 anos no Maranho e Par, Gedeon Morris de Jonge e Jean Maxwell, essa sociedade era formada por uns 1.300 portugueses capazes de pegar em armas, alm de umas 900 mulheres, com quem constituam famlia. Se considerarmos uma baixa mdia de dois filhos por famlia, a populao total do estado chegava portanto a 4.000 portugueses ou descendentes de portugueses. Essa populao estava distribuda entre So Lus e suas imediaes (ilha, Alcntara e Itapecuru) com 500 a 600 casais formando ao todo 700 a 800 homens de armas; o Caet, com 15 portugueses; Belm e suas imediaes, com 300-400 casais formando 500 portugueses de armas; Camet, com 15 a 20 portugueses; e Gurup, com 30 soldados portugueses. A sociedade se alicerava sobre o trabalho de cerca de 7.000 ndios escravos e 14.000 ndios livres (que mais adiante analisaremos como estando em regime de servido involuntria) que viviam em cerca de 40 aldeias assujeitadas aos portugueses . Portanto eram sete ndios escravos para cada casal de portugueses e at quatorze ndios aldeados sob o controle de capites, fazendeiros e das cmaras das cidades, trabalhando um ano inteiro por um machado e um faco, ou trs varas de pano e um machado (quando eram pagos) . Havia ainda cerca de 100 estrangeiros entre holandeses, ingleses e irlandeses, que trabalhavam como comissrios nos engenhos de cana-de-acar e nos fumais. Morris de Jonge escreveu um primeiro relatrio para a Companhia das ndias Ocidentais tentando convenc-la de que valia a pena conquistar o Estado do Maranho e Gro-Par como extenso do controle das provncias nordestinas. Achava que um exrcito de 1.000 holandeses poderia tomar o Maranho e o Gro-Par, e contava que uns 100.000 ndios de diversas etnias que calculava haver no baixo Amazonas estariam dispostos a se aliar com quem fosse inimigo dos portugueses. Entretanto, o retorno econmico dessa arriscada aventura no parecia ser muito promissor. Segundo Morris de Jonge, entre as fazendas e os cinco engenhos de acar a produo econmica nessa quadra de 1630 era bastante modesta: 1.500 caixas de acar; mais de 5.000 rolos ou 10.000 arrobas de fumo; 100 fardos de algodo, alm de laranjas e madeira. No esplio de guerra haveria ainda pataces e cruzados obtidos com a venda de ndios para Pernambuco e mais ferro de canhes e munio.

    Certamente no foi por motivos econmicos imediatos que os holandeses eventualmente enviaram uma armada de 770 soldados e copioso nmero de ndios para dominar o Cear e depois o Maranho, no tendo chegado a Belm, erro que Morris de Jonge achou crucial para a derrocada do empreendimento. A presena holandesa no Maranho durou de novembro de 1641 a fevereiro de 1644, tendo sido no mais do que um saque prolongado que, alm de no trazer vantagens econmicas, debilitou as foras militares da Companhia das ndias Ocidentais. Para os colonizadores portugueses esses anos, que coincidem com a restaurao da Coroa de Portugal, livrando-se do domnio espanhol, confirmaram o esprito de autonomia e de integrao ao lusitanismo - o mesmo que estava ocorrendo em Pernambuco. Politicamente, o governador geral de ento, Bento Maciel Parente, saiu-se desmoralizado por ter entregue So Lus sem resistncia, tendo sido preso e levado para a fortaleza de Coelen, em Natal. Consagrados ficaram o ex-capito-mor tornado fazendeiro Antonio Muniz Barreiros que comandou as foras locais at sua morte, e Antonio Teixeira de Melo, que o substituiu at a retirada dos holandeses e a chegada do novo governador geral, Pedro de Albuquerque.

    O que emerge consistente desse perodo que vai at a dcada de 1640 no somente a consolidao poltica do Estado do Maranho e Gro-Par mas tambm a configurao da sua sociedade e cultura, a qual vai se manter pelos prximos 120 anos, at que se desenvolva mais intensamente uma nova economia pela introduo de novos produtos de exportao e especialmente do brao africano. Naqueles primeiros 25 anos de colonizao se configuram os dois estamentos fundamentais da colonizao maranhense: os portugueses, ou brancos, incluindo os cristos novos e os estrangeiros integrados, com algumas poucas famlias um tanto mestias, mas progressivamente cada vez mais brancas pelo casamento endogmico, bem como os oficiais do Reino que vinham periodicamente, alm do clero religioso e secular; e os ndios, nas condies de escravos, livres (servos) e selvagens. No meio desses dois foi se constituindo um subestamento de mestios ou mamalucos, originalmente filhos de portugueses e ndias que no eram socialmente aceitos pelo lado paterno, depois se reproduzindo por conta prpria, que serviam de intermedirios entre os brancos e os ndios.

    Esses estamentos se realizavam na prtica como subclasses ou categorias sociais, de acordo com suas posies no sistema econmico. Seguindo os clculos de Morris de Jonge, os postulados 4.000 portugueses seriam cerca de 16% da populao, dos quais se pode conjecturar que no mais do que umas 100 famlias, ou umas 400 pessoas, ou 1,6% do total, constitussem a classe dos nobres, as famlias principais, o topo mximo dessa elite . Os demais 14,4% se firmaram como os donos de pequenos e mdios canaviais e fumais, militares e preadores de ndios a soldo ou por conta prpria, artesos qualificados, barqueiros, comerciantes menores, etc. O estamento dos brancos, os nicos com direitos polticos, aquele que, ao longo do perodo colonial, ser chamado de povo, cuja opinio se

  • fazia ouvir atravs de seus lderes, nas cmaras e senados de So Lus e Belm, atravs de peties ao rei, pelo envio de procuradores a Lisboa, ou, no limite, pela rebelio. Embora fosse corriqueiro e absolutamente aceitvel que os portugueses tivessem direitos sexuais sobre as ndias e mantivessem concubinas, os rebentos mestios raramente eram aceitos e incorporados ao estamento dos brancos. Um mamaluco como Jernimo de Albuquerque, nascido de uma ndia Tupinamb em Pernambuco (em 1548), iria se casar com uma portuguesa, e seus filhos iriam se casar com brancas at apagar os traos de sua ancestralidade indgena . A partir do momento em que a sociedade se consolidou, aps a expulso dos holandeses, tal atitude tornou-se um requisito fundamental para se manter no topo da sociedade. A endogamia oficial prevaleceu como meio de reproduo do status quo, criando uma ideologia de pureza de sangue que poca se comparava ao sistema de castas das ndias Orientais, embora no tivesse sano religiosa nem a inflexibilidade deste ltimo. De todo modo, pode-se dizer que em geral os brancos se bastavam a si mesmos.

    Os filhos mamalucos dessa elite eram aceitos pelo estamento indgena como seus superiores, tornando-se uma subclasse. Na dcada de 1630, seriam talvez uns 2.000 dos 14.000 ndios livres ou 8% do total. Sua posio social se devia ao trabalho que exerciam como cabos de guerra, soldados, marujos e feitores de ndios nas fazendas ou nas aldeias de administrao. Era considerada uma gente dura e at impiedosa no trato com os ndios. Dadas as condies de vida que tinham, provvel que raramente constitussem famlias estveis, embora deixassem prole por onde passavam e dominavam. Alguns dos seus filhos seguiam o caminho do pai, outros eram incorporados aos ndios de aldeia. Com o passar dos anos uma parte deles iria ser incorporada ao pequeno estamento superior como uma subclasse baixa do povo, enquanto a maioria foi descambando para a classe de homens livres sem terra prpria, vaqueiros, agregados de fazenda, soldados, ou trabalhadores urbanos de baixa qualificao.

    Os ndios aldeados, que eram de fato ndios servos, com um contingente de uns 12.000 (14.000 menos 2.000 mamalucos) formariam assim uns 48% da populao total. Trabalhavam por salrios irrisrios nas fazendas e no servio pesado de administrao pblica, construindo estradas e edifcios, e inclusive servindo nas operaes de guerra. Constituam famlias, que no entanto se desagregavam com freqncia, pois muitas vezes os homens no eram liberados para voltar para suas aldeias a tempo de fazer suas roas e prover alimentao, enquanto as mulheres eram recrutadas para trabalhar como domsticas e desencaminhadas da famlia. A esse respeito talvez valha a pena citar uma observao, que prima pela distoro hipcrita caracterstica da sociedade machista e colonialista, feita ainda em 1587 pelo rico fazendeiro Gabriel Soares de Souza sobre ndias Tupinamb da Bahia: Tambm as moas deste gentio que se criam e doutrinam com as mulheres portuguesas, tomam muito bem o cozer e lavrar, e fazem todas as obras de agulha que lhes ensinam, para o que tm muita habilidade, e para fazer coisas doces, e fazem extremadas cozinheiras; mas so muito namoradas e amigas de terem amores com os homens brancos (Soares de Souza 1971:313-4). Embora formalmente livres, os ndios aldeados eram de fato recrutados involuntariamente para esses servios, podendo ser castigados por no obedecer s ordens dos patres. Para um observador interessado da poca, eles sofriam mais do que os prprios ndios escravos porque estes ltimos seus senhores cuidavam mais para que no morressem . Constituam a maior parte da mo-de-obra colonial e foram talvez o principal osso de disputa das foras polticas coloniais. No correr dos tempos, na medida em que foram perdendo sua autonomia cultural e o uso exclusivo das terras onde moravam, foram se misturando com os mamalucos pobres para constituir a grande classe de pobres da sociedade maranhense.

    Os 7.000 ndios escravos, que chegavam a 28% da populao total naquela quadra, eram os escravos domsticos que cuidavam da casa e do provisionamento alimentar dos senhores, bem como os trabalhadores permanentes das fazendas. Como escravos podiam ser seviciados, punidos vontade, alugados a outrem e vendidos. Faziam o contraponto com os ndios livres - e por isso se rivalizavam - porm na medida em que foram sendo libertos pela injuno das leis, ou seu contingente diminua por morte e no era recomposto, foram se desagregando do jugo pessoal dos senhores e se incorporando ao contingente maior de ndios aldeados, caboclos sem terra garantida, agregados de fazenda, empregados domsticos e meniais, sendo tratados como servos. Por fim, havia os ndios selvagens, gozando de autonomia tribal, vivendo margem do sistema colonial, mas que serviriam at o final do sculo XVIII e princpios do sculo XIX como reserva de mo-de-obra e de tenncia de terra. Provavelmente chegavam a mais de 300.000 no que hoje o estado do Maranho, e a um milho no baixo Amazonas, onde hoje o estado do Par.

    O relacionamento entre esses estamentos e suas incipientes subclasses, que por sua vez estavam sob uma incontornvel hegemonia metropolitana, se pautava por uma cultura de dominao de carter totalitrio que buscava preservar de todas os modos aquilo que era dado como natural. Nos extremos desse relacionamento estavam, por uma lado, a certeza que os portugueses tinham do direito de escravizar ou sujeitar os ndios ao seu bel prazer e interesse. De transparente representatividade desse sentimento a observao que faz o procurador Miguel Guedes Aranha em 1685: ... sabido era que differentes homens eram proprios para differentes cousas; ns [os brancos] eramos proprios para introduzir a religio entre eles; e elles adequados para nos servir, para caar para ns, para pescar para ns, para trabalhar para ns .

    Do outro lado, havia o sentimento indgena de liberdade que se representava na sua vida de pouca ambio a acumular bens, pouca disciplina e muito gozo, nas guerras, nas fugas, na insistncia em preservar seus costumes, em no aceitar o deus cristo, na malemolncia ao trabalho forado e nas rebelies antiportuguesas. Os observadores e os poucos cronistas da poca, os jesutas e os funcionrios do Reino no cansam de mencionar as dificuldades que tinham em fazer os ndios trabalhar, em introduzir a religio entre eles, em ganhar a sua lealdade e fidelidade permanentes. Os holandeses tambm, a deduzir de uma observao feita por um tenente em 1638, tinham dificuldades em controlar os ndios livres: uma turba de gente moa, selvagem e mpia; os homens tm duas ou trs mulheres, nada fazem seno comer e beber... ... No posso obter desses ndios o mnimo servio ou auxlio

  • sem pagar. O ouvidor geral e provedor-mor da fazenda Maurcio de Heriarte, escrevendo em 1662, no economiza em qualificativos negativos So ingratissimos, no conhecem o bem que se lhes faz, e o mal o trazem sempre na memoria, ath se vingarem; so em tudo variantes, alm de falsos, cobardes, traidores, carniceiros, cruis, amigos de novidades: seu Deos a gula e a luxria, so homicidas, mentirosos, aleivosos, gente de pouco crdito e de nenhuma caridade, sem conhecimento da f. E para fechar, no castigam nem doutrinam seus filhos . O padre jesuta Luiz Figueira que passou quase meio sculo entre o Cear e o Par, e escreveu uma gramtica tupinamb, os considerava de pouco entendimento, nem sabem duvidar nem perguntar, e assy pouco sciencia basta para os cultivar e fazer delles o que quiserem. O padre secular Joo de Souza Ferreira, escrevendo em 1693, os via como gente sem conscincia, razo nem vergonha, e sem haver entre eles quem se aplique a oficina alguma .

    As guerras ofensivas contra os ndios eram sempre realizadas com uma impiedosidade sem tamanho. Por sua vez, as rebelies ou ataques que faziam aos portugueses foram sempre debeladas com violncia exemplar . Alm da primeira rebelio de 1618, como vimos acima, uma seguinte deveria ter acontecido em 1635, da qual s ouvimos falar por uma observao de Morris de Jonge , porm foi abortada no incio por delao de uma ndia concubina. A rebelio liderada pelo ex-catecmeno Mandu Ladino, em 1712, levantou ndios aldeados e selvagens no rio Parnaba e foi violentamente desbaratada por foras militares oficiais junto com bandeiras de particulares . Certamente outras rebelies localizadas poderiam ter carter de levantes no fossem elas abortadas antes de suas ecloses.

    Entrementes, no dia-a-dia do relacionamento entre portugueses e ndios, o usual era exercer a autoridade de tal forma que incutisse medo e induzisse a submisso. O segundo governador geral, Jcome Raimundo de Noronha, conquistador e colonizador h 16 anos no Maranho, nomeado pelo rei por indicao dos colonizadores, resume em 1638 a atitude compartilhada da poca: Todo o dito gentio se sojeita por temor. Em conseqncia, aconselha os portugueses a serem corajosos e demonstrarem seu poder mantendo suas fortalezas bem municiadas. O poder precisava ser exibido com armas, com punies , com rigor disciplinar, mas tambm com uma aura de legitimidade transcendental, que era dada pela religio. O catolicismo antireformista dos portugueses no tolerava outras religies, embora na prtica os portugueses aceitassem estrangeiros que fossem catlicos ou que se convertessem, como bem demonstrou Gilberto Freire . Com efeito, os estrangeiros que foram feitos prisioneiros nos primeiros anos de colonizao eventualmente se incorporaram sociedade dominante, embora, provavelmente, como os judeus convertidos ou cristos novos, sempre sob uma ponta de desconfiana e uma discriminao, decrescente pelas geraes sucessivas. Em relao aos ndios, sua aceitao mnima condio de humanidade exigia sua converso ao catolicismo. Os termos e efeitos da converso resultavam, aos olhos dos portugueses, na dupla condio de humanizar os ndios e de faz-los aceitar as regras de submisso pessoal e de acatamento ordem poltica e cultural vigente. Para isso que era preciso a presena de missionrios - e s nesse sentido que eles foram tolerados pelos colonizadores. O pior ndio era aquele que no conseguia entender e aceitar os ensinamentos religiosos dos missionrios. Ao justificar o sacrifcio de alguns ndios Tremembs boca do canho, em 1677, o jesuta Joo Felipe Bettendorf, autor de uma extensa crnica sobre a misso jesutica, diz que jamais havia sido capaz de dar a qualquer desses ndios um bom sentimento de Deus. Ao tentar doutrinar um dos seus maiorais, teria ouvido estas escandalosas palavras nicatui ibaca, ibinho, ycat, que quer dizer: Co, no presta para nada, s a terra sim, esta boa (Bettendorf 1990: 318). No cmputo geral, entretanto, a tarefa da doutrinao religiosa com fins sociais foi desempenhada com eficcia pelos missionrios que se estabeleceram no Maranho e Gro-Par - jesutas, franciscanos, carmelitas e mercedrios. Todos eles no s acatavam e emulavam a autoridade mxima do rei e de seus administradores, como tambm procuraram introduzir a autoridade divina pelo smbolo e pela liturgia.

    O estamento portugus reclamava da falta de lealdade dos ndios. Obviamente eram reclamos midos, pois do ponto de vista social o estamento indgena estava to dividido entre si que poucas vezes conseguiu se aliar sob algum motivo ou pretexto contra os portugueses. Os ndios, que compreendiam muitas dezenas de povos diversos, sem que nenhum fosse hegemnico - nem mesmo os Tupinamb porque perderam a grande parte de sua populao em pouco tempo de lutas - mantinham originalmente uma rivalidade prpria, motivada pelo sentimento de identidade tnica. Na medida em que iam sendo incorporados ao domnio colonial, como escravos, ndios aldeados, ou ndios de misso, iam perdendo suas caractersticas tnicas especficas e sua condio indgena ia se subsumindo sua condio de classe, como escravo de fazenda, escravo domstico, servo, e intermedirio entre brancos e ndios. Essas condies, se bem que parecessem embaralhadas para os portugueses, eram mais que suficientes para que eles pudessem se aproveitar para jogar uns ndios contra os outros: ndios missioneiros contra ndios de aldeias de administrao, ndios forros contra ndios escravos, mamalucos contra todos. Por sua vez, os ndios tambm percebiam as novas distines entre si em relao a pontos mais prximos ou mais distantes dos seus senhores, o que levava no somente competio social como a criar ou refundar rivalidades entre eles, dificultando a possibilidade de surgirem formas de solidariedade poltica.

    Os portugueses enquanto estamento social estavam unidos contra os ndios. Internamente, entretanto, a rivalidade era bastante intensa, no s entre as subclasses de missionrios, colonizadores, funcionrios da Coroa e os de posio mais baixa, como dentro de cada uma dessas subclasses. Os jesutas eram hostilizados pelos franciscanos e carmelitas, seus principais rivais. Por todos e quaisquer motivos econmicos, polticos e religiosos prosperavam intrigas entre eles. Cada capito-mor, cada governador geral que chegava tinha como meio de se fazer presente denegrir o seu antecessor. Alis, logo na conquista h uma vigorosa disputa entre Jernimo de Albuquerque e Alexandre de Moura, e entre aquele e Francisco Caldeira Castelo Branco, que vai fundar Belm. O primeiro governador eleito pelo povo, Jcome Raimundo de Noronha (1636-38), provavelmente cristo novo, no amortece as crticas que faz ao seu antecessor, o falecido Francisco Albuquerque Coelho de Carvalho (1625-36), acusando-o de roubo e envio para a ndia de 200.000 cruzados do tesouro, de fazer uma lista de falsos nomes para desviar 1.000 cruzados que deviam pagar os soldados, e de querer doar a capitania de Cum para um seu irmo . J os

  • colonizadores, que viviam a maior parte do tempo em suas fazendas, s indo a So Lus e Belm na quaresma e no fim do ano, se arvorando de conquistadores e nobres, se engalfinhavam pelo aval econmico e poltico das autoridades da Coroa e dos prprios reis a quem recorriam com freqentes peties para obter direitos e benesses particulares. O motivo principal era naturalmente o controle do brao indgena, que dava lucro, prestgio e poder. Entretanto esse motivo econmico se espalhava permeando todos os setores da vida social, criando um clima de intrigas, acusaes, delaes, enganaes, traies e tudo mais. Quando Antonio Vieira chegou pela primeira vez a So Lus, em janeiro de 1653, esse clima parecia estar no auge, ao que parece devido insegurana que viviam os moradores, num momento de indefinio quanto ao status que a cidade iria ter - se estado, se capitania, se sede de governo central, se simples sede de capitania. O espanto de Vieira pode ser percebido nos sermes que iria pronunciar naqueles anos em So Lus e Belm, especialmente aqueles sobre a corrupo das autoridades e a cupidez do povo.

    Os parcos dados escritos, crnicas e anlises desse perodo, que vai de 1614 a 1759, indicam que a estrutura da sociedade colonial maranhense ossificou-se muito cedo no s culturalmente mas tambm demograficamente. Parece que a ltima substancial leva de imigrantes portugueses que entrou no Maranho foi ainda em 1629 . Com efeito, passados cinqenta anos desde o censo feito por Gedeon Morris de Jonge, que contara cerca de 2.000 portugueses, essa populao dada pelo procurador Manuel Guedes Aranha, em 1684, como sendo de 2.000 vizinhos, o que daria um total de, digamos, 8.000 brancos. Isto quer dizer tanto um crescimento baixssimo, bem como possivelmente uma equilibrada entrada e sada de portugueses. Uma dcada depois, em 1693, esse nmero confirmado pelo padre Joo de Souza Ferreira que d 700 vizinhos em So Lus, 300 em Alcntara ou Tapuitapera, 600 (sic!) em Icatu (provavelmente incluindo Itapecuru) e 400 em Belm e imediaes . possvel, entretanto, que os nmeros de Morris de Jonge tenham sido inflacionados ao contar os mestios casados, que aos poucos vo sendo alijados da elite branca. Com efeito, o prprio Vieira escreve que havia, em 1655, cerca de 600 portugueses de armas, menos do que os presumveis 1.300 dados pelo holands. De todo modo, quatro dcadas depois, por volta de 1720, haveria, segundo o governador geral Bernardo Pereira de Berredo, cerca de 1.000 vizinhos em So Lus, alguns poucos em Icatu (antigo Monim), 70 no Itapecuru, mais de 300 em Alcntara e mais de 500 em Belm, isto , no mais que 2.000 famlias! Se creditarmos que essas famlias j estavam estveis e com maior nmero de filhos sobreviventes, poderamos elevar a populao de portugueses para talvez uns 8.000 para aqueles anos .

    Desafortunadamente, no existem dados sobre a populao indgena para que possamos ter clareza sobre a continuidade daquela estrutura social. Apenas para o ano de 1730, temos um censo jesutico que d 21.300 os ndios aldeados em suas misses. Contando as misses das demais ordens e as aldeias de administrao, possvel se supor que esse nmero chegava a 40.000, sem contar um nmero bastante menor, talvez uns 10.000, de ndios escravos. Na dcada de 1750, governador geral Mendona Furtado vai estimar em cinqenta mil os ndios aldeados em toda a Amaznia (Azevedo 1930: 235-6; 228-9). provvel que, se contarmos aqueles que viviam em aldeias de administrao, esse nmero chegaria a 70.000, alm de alguns 10.000 escravos.

    De todo modo, certo que o estamento indgena tenha continuado a crescer na proporo do crescimento da economia, mesmo porque ela continuava a depender do brao indgena. Esse crescimento foi to lento que at 1748 se continuava a usar novelos de algodo e panos como moeda de troca (Varnhagen, 1962, Tomo IV: 89). Durante esse tempo no houve interrupo no servio de tropas de guerra e de resgate para fazer escravos e nos descimentos para recompor os plantis de ndios forros das aldeias de administrao e das misses religiosas . Entretanto, pode-se supor que, talvez a partir da dcada de 1730, o nmero, e portanto a proporo, de ndios escravos domsticos e ndios de aldeias de administrao fosse caindo em relao ao nmero e proporo de ndios aldeados em misses. O certo que tornava-se cada vez mais difcil obter escra