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LÍLIAN PATRÍCIA DA SILVA A PRESENÇA DAS AMBIGÜIDADES NO TEXTO JORNALÍSTICO CANOAS, 2008

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LÍLIAN PATRÍCIA DA SILVA

A PRESENÇA DAS AMBIGÜIDADES NO TEXTO JORNALÍSTICO

CANOAS, 2008

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LÍLIAN PATRÍCIA DA SILVA

A PRESENÇA DAS AMBIGÜIDADES NO TEXTO JORNALÍSTICO

Monografia do curso de Pós-Graduação, Especialização em Leitura e Produção Textual do UNILASALLE – Centro Universitário La Salle, como exigência parcial para a obtenção do título de Especialista em Leitura e Produção Textual, sob orientação do Prof. Ms. Celso Augusto Conceição.

CANOAS, 2008

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TERMO DE APROVAÇÃO

LÍLIAN PATRÍCIA DA SILVA

A PRESENÇA DAS AMBIGÜIDADES NO TEXTO JORNALÍSTICO

Monografia aprovada como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Leitura e Produção Textual do Centro Universitário La Salle, pelo

avaliador:

Prof. Ms. Celso Augusto Conceição

UNILASALLE

Canoas, 2008.

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Agradeço aos meus pais, Jairo e Cacilda, que sempre me

incentivaram a estudar e me apoiaram em todos os momentos,

mesmo quando eu achava que não era capaz. Aos meus

colegas de trabalho, que muitas vezes trocaram de plantão aos

sábados comigo para que eu pudesse assistir às aulas. E

também ao meu marido, Clever, que esteve ao meu lado nesta

jornada.

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RESUMO

O presente trabalho aponta a presença das ambigüidades intencional e acidental no texto jornalístico. Consiste também em revelar como a ambigüidade transita sem constrangimentos diariamente nas notícias dos principais jornais gaúchos. Uma pesquisa realizada com professores, alunos e profissionais da área traz à tona a contradição do cotidiano da produção jornalística com a proibição que eles carregam desde que ingressam na universidade quando o assunto é ambigüidade. Contradição explicada com base, entre outras, nas teorias de H. Paul Grice e John Searle sobre implicatura conversacional e atos de fala. A pesquisa apresenta índices interessantes como em que 59,9% dos entrevistados apontam a ambigüidade como um erro, contudo, ao mesmo tempo, 79,9% dos consultados informaram que não estudaram o assunto. Palavras-chave: Ambigüidade. Texto jornalístico. Jornal. Léxico. Significado. Enunciado. Intencionalidade.

ABSTRACT

The present work points the presence of the ambiguous meaning intentional and accidental in the journalistic text. It also consists of disclosing as the ambiguous meaning transits daily without constaints in the notice of main periodicals of Rio Grande do Sul in the south extremity of Brazil. The research carried through with professors, pupils and professionals of the area bring to the contradiction of the daily one of the journalistic production with the prohibition that they load since that they enter the university when the subject is ambiguous meaning. Contradiction explained on the basis, among others, of the theories of H. Paul Grice and John Searle on the conversational implicature and acts of speaks. The research presents interesting indices as where 59.9% of the interviewed ones point the ambiguous menaing as an error, however, at the same time 79.9% of the consulted ones had informed that they had not studied the subject. Key words: Ambiguous meaning. Journalistic text. Periodical. Lexicon. Meaning.

Enunciated. Scienter.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................7 2 UMA QUESTÃO DE LINGUAGEM......................... ...............................................10 2.1 A linguagem jornalística .................................................................................................13 2.2 Ambigüidade ....................................................................................................................20 2.3 Tipos ou provocadores de ambigüidade .....................................................................26 3 O JORNALISMO E A AMBIGÜIDADE ............................................................................30 3.1 Respostas desenham a realidade................................................................................30 3.2 O que jornalistas, alunos e professores entendem sobre ambigüidade ................32 4 ESTUDOS DE CASOS – AMBIGÜIDADES ACIDENTAIS OU INT ENCIONAIS...35 4.1 Correio do Povo...............................................................................................................36 4.2 Diário Gaúcho ..................................................................................................................37 4.3 Zero Hora .........................................................................................................................39 5 CONCLUSÃO ........................................ ................................................................41 REFERÊNCIAS.........................................................................................................43 ANEXO .....................................................................................................................45

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1 INTRODUÇÃO

“A presença das ambigüidades no texto jornalístico”. Com esse título, a

presente monografia pretende evidenciar que a ambigüidade, seja intencional ou

não, transita sem constrangimentos nos textos jornalísticos, apesar de os jornalistas

acreditarem que são claros e objetivos em suas reportagens e notícias. É preciso

salientar que a clareza e a objetividade são as primeiras noções que o estudante de

Jornalismo aprende na faculdade. Tudo indica que a intenção do professor é fazer

com que os futuros profissionais da informação evitem a ambigüidade ou qualquer

ruído que possa levar a uma interpretação equivocada nos textos a serem

produzidos, interferindo no resultado da informação transmitida. A intenção deste

trabalho é mostrar que o jornalista não é detentor da clareza e da objetividade como

acredita ser.

Mas de que forma o uso inadequado das palavras pode interferir no resultado

da notícia, induzindo alguns (ou todos os) leitores (receptores) a interpretarem de

maneira equivocada? Acredita-se e tentou-se constatar que nem todo texto

jornalístico é claro e objetivo; nem sempre o leitor compreende a notícia que lê;

ruídos atrapalham a recepção da notícia pelo leitor (receptor); e que os jornalistas

entendem que a ambigüidade é um recurso proibido nos textos jornalísticos.

Refutar a proibição categórica do uso da ambigüidade nos textos jornalísticos é o

objetivo que norteia esta monografia. Para tal, além de utilizar bibliografias já

existentes sobre o tema, foi realizada uma pesquisa de campo, que consiste em

entrevistar editores dos jornais Correio do Povo, Diário Gaúcho e Zero Hora, além

de professores e alunos dos cursos de Jornalismo da UFRGS (Universidade Federal

do Rio Grande do Sul), da PUC/RS (Pontifícia Universidade Católica) e da

Universidade Vale dos Sinos. No entanto, encontramos dificuldades já nas

entrevistas. O editor de Política do Correio do Povo negou-se a participar da

entrevista, alegando falta de tempo, sendo substituído pelo então editor do Jornal

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ABC Domingo, jornal dominical do Grupo Editorial Sinos. Já o de Política de Zero

Hora nem mesmo retornou os contatos feitos e a opção foi entrevistar um experiente

jornalista e editor que prontamente respondeu ao questionário. Assim também

aconteceu com a coordenadora do curso de Jornalismo da PUC. Com isso, a opção

foi substituir a instituição pela ULBRA (Universidade Luterana do Brasil).

A fundamentação teórica baseia-se em conceitos de estudiosos da Filosofia

da Linguagem, da Lingüística, bem em como artigos que analisam estudos que

abordam a linguagem e os atos de fala. Essas leituras ajudarão na formulação de

uma definição sobre ambigüidade e seus tipos. A seguir, busca-se constatar, por

meio de exemplos retirados de jornais diários gaúchos, que a clareza e a

objetividade nem sempre estão presentes no jornalismo como se acredita e, a partir

desses mesmos exemplos, verifica-se que podem existir no jornalismo duas

ambigüidades: a intencional e a acidental.

Toda essa verificação visa evidenciar que, a cada dia, a informação é mais

descartável, o que leva à falta de compromisso do jornalista com o que ele escreve.

Esse descomprometimento do profissional da informação fica evidente na ausência

de cuidado no momento em que o redator escolhe as palavras para compor a notícia

que está sendo produzida e como ele a escreve. Por fim, o trabalho tenta explicitar

que a falta de domínio mais profundo do significado do vocabulário utilizado pelos

jornalistas em seus textos permite a presença da ambigüidade. Com isso, revela que

a idéia da proibição da presença da ambigüidade nos textos jornalísticos pode ser

um equívoco.

Com relação à estrutura da monografia, ela é composta de três capítulos. O

primeiro traz à tona a fundamentação teórica, com a elaboração do conceito de

ambigüidade e os tipos existentes. As teorias de H. Paul Grice, sobre lógica e

conversação, e de John Searle relativa a Atos de fala, bem como as noções de

contexto, significado e ambigüidade apresentadas por Rodolfo Ilari & João

Wanderley Geraldi, Heronides Maurílio de Melo Moura e Maria Cristina Leandro

Ferreira contribuem para o entendimento do conceito de ambigüidade.

Já no segundo, serão analisadas as entrevistas realizadas com professores,

alunos e profissionais do jornalismo. Ao todo, 15 pessoas foram entrevistadas e

submetidas às mesmas perguntas. Serão oito questões que levantam o que cada

entrevistado entende sobre o assunto, como recebem a ambigüidade e o que sabem

sobre ela.

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O último capítulo serve como fonte para apontar que a ambigüidade insiste

em transitar nos textos jornalísticos, como em qualquer operação de enunciados do

cotidiano da linguagem. Para tal, foram retirados dos jornais Correio do Povo, Diário

Gaúcho e Zero Hora exemplos de ambigüidade lexical, estrutural e contextual,

totalizando a análise de nove enunciados. Encerrando o trabalho a partir da análise

dos exemplos se observa que a ambigüidade ainda pode ser intencional ou

acidental, ressaltando que a intencionalidade pode ser suposta, mas não

comprovada pelo interlocutor.

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2 UMA QUESTÃO DE LINGUAGEM

O trabalho a seguir examina a presença da ambigüidade, seja ela intencional

ou não, nos textos jornalísticos, mais especificamente nos informativos (notícias,

reportagens). Como a ambigüidade é produto da comunicação, faz-se necessário

passar antes pela diferenciação entre língua e linguagem e, em seguida, aprofundar

os conceitos de linguagem e linguagem jornalística, já que o trabalho é baseado nos

textos que se utilizam dela.

Como mencionado anteriormente, a ambigüidade é produto da comunicação.

Já a comunicação é um ato de linguagem, que é abstração, enquanto que a língua é

o “veículo” pelo qual a linguagem é transportada, ou seja, enquanto a linguagem é

abstrata, a língua é concreta. A noção de comunicação, segundo Martins (1992),

pode estar alicerçada em três modelos comunicativos distintos: o de código, o de

inferência e o interacional.

Antes mesmo de se compreender o que é linguagem jornalística, é preciso

passar pelo conceito de linguagem. Defini-la depende de determinados fatores que

atuam diretamente sobre ela. Inicialmente, a linguagem para desenvolver-se

depende da história e da formação cultural do falante e do ouvinte. A sua essência

está no diálogo, no “falar-um-com-o-outro” (CORSERIU, 1987). Sem a interação

entre indivíduos de uma mesma sociedade, ela não se movimentaria e não sofreria

tantas alterações, que ocorrem porque a linguagem, seja verbal ou não-verbal,

formal ou coloquial, é parte integrante e fundamental do cotidiano do homem.

Por estar sujeita à influência humana, torna-se instável e complexa: a

linguagem não possui um sistema de normas imutáveis e sim um sistema que fica à

disposição do homem e da sua cultura, que permite alterá-la de acordo com as

necessidades do grupo social. Por causa dessa interferência do homem na

linguagem, suas faculdades fundamentais – o significado e a expressão – sofrem

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grandes alterações com o passar do tempo. Essas alterações não acontecem

propositadamente ou aleatoriamente: elas dependem do tempo e da história de cada

grupo e ocorrem, na maioria das vezes, menos na expressão e mais no significado,

porque é nesse que o indivíduo coloca e passa adiante o seu conhecimento de

mundo, determinando a compreensão dessa linguagem. Por isso, muitas vezes

encontramos expressões semelhantes, porém, com significados distintos.

A expressão é escolhida quase aleatoriamente por determinados grupos da

sociedade. Mas uma vez escolhida para determinado significado, ela não se

separará dele. Dizendo de outra maneira, o significado é a finalidade ou função da

linguagem, e a expressão é o instrumento desta função, o transporte do significado.

O significado, portanto, é estruturação da experiência humana e não a ultrapassa: a

experiência humana é inserida dentro de cada significado, e a expressão se

encarrega de transportá-la ao longo do tempo e entre os falantes.

Aqui, um parêntese é importante: notam-se, inúmeras vezes, que um mesmo

léxico pode ter diferentes significados conforme o contexto que está inserido. Pode-

se adiantar que a teoria de conteúdo posto e conteúdo pressuposto auxiliam na

confirmação do que já foi dito.

Vamos denominar, de acordo com Ducrot, de conteúdo posto a informação contida no sentido literal das palavras de uma sentença, e de conteúdo pressuposto ou pressuposição as informações que podem ser inferidas da enunciação dessas sentenças. (apud MOURA, 2000, p.13)

A linguagem, portanto, não é o emprego, mas a criação de significados, ou

seja, criação de conteúdos e expressões. Um mesmo nome pode significar várias

coisas. Quando isso acontece, a palavra não perde seu significado inicial, que é

apenas colocado de lado por algum tempo, até ser retomado ou adquirir um novo.

Um exemplo disso é que certas palavras são características de determinadas

épocas e quase sempre o significado adquirido após certo tempo cai em desuso,

volta-se a usar somente o significado inicial. As palavras ganham status ou tornam-

se vulgares, de acordo com quem as emprega e conforme a situação em que são

utilizadas.

Pode-se dizer que a linguagem não é uma atividade do sujeito absoluto, mas

de um sujeito histórico, que depende de outros sujeitos que participam da mesma

historicidade, das mesmas experiências. Para entender o que alguém está dizendo,

é preciso fazer parte da mesma comunidade falante (grupo social que interage

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através da mesma língua, ideologia e experiências) de quem está dizendo, mesmo

que essa comunidade seja um grupo restrito e que o que está sendo dito não seja

compreendido por todos os falantes da mesma língua.

O falar está sempre dirigido a outros sujeitos, a princípio, de uma mesma

sociedade. Logo, a linguagem sofre quatro tipos de interferência externa: lingüística,

sociohistórica, cultural e ideológica. Por isso, está sempre mudando. Não é apenas

um instrumento de comunicação: é, também, decisiva na constituição da identidade.

A linguagem usada por um grupo da sociedade e não por outro transporta suas

experiências e pensamentos sobre coisas a sua volta. Ela se torna, assim, o retrato

dessa categoria, propiciando um referencial com que as pessoas se identificam.

Para Saussure (1993), a linguagem não se confunde com a língua, pois esta é

apenas uma parte determinada, essencial dela (linguagem). Língua "é um conjunto

de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício

dessa faculdade nos indivíduos" (SAUSSURE, 1993, p. 17). A língua é o instrumento

usado para que a linguagem se propague e se desenvolva. Suas normas e

convenções determinam e organizam a comunicação.

Pode-se dizer que a linguagem é o resultado de inúmeras possibilidades que

o ser humano possui para entrar em contato com o outro, para entender e se fazer

entender pelo outro, para trocar experiências e interagir com o outro. Na sociedade,

nota-se a existência de várias formas de linguagem. Dessa forma, como Rodrigues

(2008) afirma, a linguagem não é apenas instrumento de comunicação e não serve

apenas para expressar pensamentos, idéias ou pensamentos do falante, redator. A

linguagem também se “presta a fazer à produção de fatos e à realização de

determinados atos” (RODRIGUES, 2008). É preciso frisar que este trabalho está

voltado para a linguagem verbal, mais especificamente para a linguagem jornalística

(analisada logo adiante).

É no estudo sobre Atos de fala de Searle (2001) e na teoria do Princípio de

Cooperação, que será identificada neste trabalho como PC, de Grice (1982) e suas

máximas que encontramos bases para compreendermos melhor a comunicação

entre sujeitos. Comunicar vai um pouco além do que se entende por linguagem, pois

um bom ato de comunicação é ter um bom manejo da linguagem e também da

língua. Conforme Grice, administrar bem a linguagem é saber manejar com êxito ao

que ele denominou de máximas e submáximas oriundas da teoria do PC. “Faça sua

contribuição conversacional tal como é requerida, no momento em que ocorre, pelo

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propósito ou direção do intercâmbio conversacional em que você está engajado.”

(GRICE, 1982:86)

Segundo a teoria griceana, o PC apresenta as categorias de “Quantidade,

Qualidade, Relação e Modo”, que estão submetidas a algumas máximas e

submáximas. É na categoria de Modo que se encontram as máximas que norteiam o

jornalismo, pois estão relacionadas “não a o que é dito, mas sim como o que é dito

deve ser dito” (GRICE, 1982: 87). Além das máximas "1. Evite obscuridade de

expressão; 2. Evite ambigüidades; 3. Seja breve (evite prolixidade desnecessária); e

4. Seja ordenado", o autor ainda cita a supermáxima “Seja claro”. (GRICE, 1982:

88).

Como será visto a seguir, as máximas, supermáxima e submáximas dos Atos

de fala de Grice integram as regras que regem a linguagem jornalística, salientando

que umas mais outras menos, mas todas estão no cotidiano do jornalista.

2.1 A linguagem jornalística

É na sua prática cotidiana que o jornalismo pretende-se detentor de uma

linguagem universal, comum a um público amplo, que, aparentemente, teria uma

maneira imutável e inflexível de falar e de se expressar. Ressalva-se que essa

pretensão aplica-se particularmente ao jornalismo diário impresso, que tem como

objetivo passar a informação adiante de forma clara, objetiva e simples, para que

seja compreendida pelo maior número de pessoas possível.

Dessa forma, o texto jornalístico segue (ou pelo menos tenta) a categoria de

Modo, suas máximas e supermáxima. Para tal, ao atender a primeira máxima de

modo (evite a obscuridade de expressão), busca usar o significado inicial (o do

dicionário) de cada expressão e, conseqüentemente, evitar a segunda máxima, que

é a ambigüidade – objeto deste trabalho - do que se está informando, para que o

receptor da mensagem não a interprete de maneira equivocada.

Constatamos que na linguagem verbal existem os chamados “desvios” em

relação às normas da língua materna. Esses desvios podem ser erros, inovações,

como neologismos, estrangeirismos e gírias. O uso desses desvios revelam a

necessidade do falante em ampliar a sua eficácia comunicativa. Para isso, muitas

vezes o falante utiliza termos que não encontra na língua. O jornalista também

recorre a esses desvios, mas com cautela. Geralmente eles são sublinhados ou

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acompanhados de explicações para que o leitor possa compreender o que está

escrito, ou até mesmo justificar o uso da expressão apontada como vulgar por

muitos (LAGE, 1985, p.39). Por exemplo, a expressão viagem. Ela pode significar ir

a algum lugar. Como gíria também significa algo alucinante, um delírio, um sonho.

Ex. Maria viajou ao pedir uma viagem a Disney para o pai desempregado.

Também integram as regras para a composição de um texto jornalístico

eficiente as máximas “seja breve” e “seja ordenado” e a supermáxima “seja claro”.

Qualquer ruptura com essas normas, no texto jornalístico, é denominada “ruído”.

Conforme já foi dito, o texto jornalístico tenta obedecer às regras da categoria de

Modo, pois o próprio Grice admite que o PC pode ser burlado pelos envolvidos no

discurso. Pode-se arriscar e afirmar que ruptura das máximas e supermáxima de

modo podem gerar ambigüidade, que, portanto, é uma espécie de ruído e, por esse

motivo, não deveria estar presente no texto jornalístico. Essa “proibição” está latente

na opinião dos profissionais, educadores e estudantes de jornalismo.

O redator não pode desobedecer a essas regras, pois nada deve obscurecer

a informação. No entanto, o jornalista pouco sabe realmente o que é ambigüidade.

Fica, assim, a primeira pergunta: como, sem saber o que é ambigüidade, o jornalista

pode saber que não a está provocando?

Finalizando o raciocínio sobre linguagem jornalística, ela, portanto, não deve

estar acima da compreensão do considerado leitor médio. O uso de termos técnicos,

por exemplo, deve, sempre que possível, vir acompanhado de uma explicação

objetiva. A linguagem jornalística também deve evitar o lugar-comum, mas o

inusitado é apontado como interessante (GARCIA, 1992, p. 16-20). O uso de termos

considerados inadequados (aqui entra novamente a ambigüidade) para a boa

compreensão do leitor é permitido em textos mais leves, como os opinativos ou

irônicos, mas que realmente os justifiquem.

No jornalismo diário, a linguagem coloquial é tratada com o máximo de

cuidado para que o veículo de comunicação não perca seu status na sociedade de

formador de opinião. Do ponto de vista da eficiência da comunicação, o registro

coloquial seria a melhor opção, porém ainda é visto pela comunidade falante com

certa desconfiança (LAGE, 1985, p. 37). Assim, a linguagem jornalística acaba se

constituindo de um misto dos registros formal e coloquial. Substitui-se o que é

considerado demasiado rebuscado na linguagem formal pelo que é usado

diariamente pela sociedade mais "letrada".

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Vale lembrar que a linguagem formal é mais durável e é própria da escrita,

enquanto a coloquial é típica da modalidade falada, da conversa familiar ou entre

amigos, sendo, por isso, mais espontânea (LAGE, 1985, p. 36). Além disso, é

importante frisar que essas características da linguagem jornalística suprem apenas

as necessidades de comunicação das publicações diárias, ou melhor, dos jornais

diários. Elas não se estendem para publicações como revistas, que estão voltadas

para um público específico, segmentado.

Verificadas as diferenças entre linguagem e linguagem jornalística, o próximo

passo é conhecer o produto dessa linguagem, ou seja, o texto jornalístico. Sabemos

que basicamente existem três tipos de textos: os lúdicos, os persuasivos e os

informativos. Esse último é o mais comum da produção jornalística, mas podem ser

encontrados nos jornais, não raramente, os outros dois tipos. O texto informativo

ainda está dividido em interpessoais, massivos, instrucionais e técnico-científicos.

O texto informativo massivo é o que se encaixa neste trabalho e tem como

objetivo, como o próprio nome já diz, informar. O jornalismo, na sua prática

cotidiana, busca relatar um fato ou uma sucessão de fatos informando o leitor sobre

eles. Por isso, a produção jornalística inclui-se nesta tipologia textual, como por

exemplo, a notícia e a reportagem.

Podem ser encontrados nos jornais, ainda, os textos persuasivos, que visam a

convencer o receptor a crer ou fazer uma determinada coisa. Esses podem ser

autoritários, de indução (sugestão), reivindicatórios e polêmicos. Entretanto, os

persuasivos nem sempre são escritos por jornalistas, mas por outros profissionais e

especialistas, que ganham espaço nos jornais para exporem o que pensam sobre

determinado assunto, por isso, ficarão de fora deste estudo. Os persuasivos de

indução e os polêmicos estão fortemente presentes nos jornais. Os do primeiro tipo

são as publicidades comerciais, institucionais, oficiais e os das ciências ocultas. Já

os do segundo tipo utilizam estratégias argumentativas e são os de opinião e os

editoriais.

O jornalista, com pressa de concluir o texto noticioso, por mais que domine a

gramática, acaba “escorregando” nas regras. Também, ao se falar em textos

jornalísticos deve-se considerar que a notícia é um produto e o meio pelo qual ela é

veiculada precisa agradar o leitor e, por isso, muitas vezes rompe com as regras

gramaticais.

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É importante destacar, ainda, que a comunicação social, onde está o

jornalismo e também a publicidade, é baseada, principalmente, em conceitos que

envolvem o imaginário. Tudo depende do receptor para que o que está sendo dito

seja entendido. Caso o receptor (leitor, ouvinte, telespectador) não faça parte do

mesmo grupo social, provavelmente a mensagem não será assimilada como

pretendido ou considerada interessante para ele.

Hoje, a mídia, em relação a ela própria, em relação ao seu consumidor

(audiência/leitor) e em relação à sociedade não abre mão de um caráter

mercadológico. Essa relação foi apontada em 1947 por Theodor Adorno (apud

LIMA,1990), que destacou o princípio de comercialização e o fato de o sistema da

mídia ser do interesse dos proprietários da comunicação. A mídia é porta-voz desse

princípio de comercialização, porque tanto vende como é a própria mercadoria.

Portanto, há muito tempo que o referencial de orientar a escrever bem deixou de

integrar as funções do texto jornalístico. Além disso, a perda desse referencial, pela

falta de cuidado e exigência de atender a um determinado público, pode, inclusive,

esclarecer a presença das ambigüidades, sejam elas intencionais ou não nesses

textos.

Ao falar em texto jornalístico, logo se pensa em textos de jornais ou revistas

impressos. Contudo, o texto jornalístico, mesmo que oral, é também o do tele e do

rádio-jornalismo. As notícias, informações veiculadas no rádio e na televisão (tanto o

meio de comunicação – emissoras -, como o aparelho que transmite a informação)

antes de irem ao ar, são produzidas por escrito. Vale ressaltar que, no caso da

propagação da notícia, com algumas exceções, raras são as situações em que o

jornalista improvisa.

Os tipos de textos são variados e cada um atende uma necessidade conforme

o veículo, que será transmitido (Internet, jornal impresso, revista impressa ou

eletrônica, rádio, televisão, informativo e e-mail). O texto jornalístico é tratado de

acordo com o tipo de público que pretende atingir, ou seja, um economista, a dona

de casa, um especialista em informática, entre muitos outros exemplos. Dessa

forma, mais uma vez se percebe a função mercadológica e a linguagem mais

específica do texto jornalístico, que varia conforme o público para o qual está

voltado. Dessa forma, o jornalista deve conhecer o público para quem escreve e

assim produzir um texto que prenda a atenção desse público.

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Existem inúmeras variações de texto jornalístico para atender as

necessidades do veículo e também do público. O jornal (aqui veículo de

comunicação em geral) cria ou faz adaptações dos textos mais comuns. Entre eles

estão a reportagem, o artigo, a coluna, a nota, a legenda, a foto-legenda, a suíte, o

release, o perfil, a retranca, o box, a chamada e outros. Destaca-se que nem todos

os textos citados aqui são redigidos por jornalistas. Entre eles, o artigo e a coluna.

Neste momento (apesar de mencionados os textos de rádio e televisão e

diversas variáveis do imprenso) caberá dedicação aos textos de jornal impresso,

com maior atenção ao título e à manchete. O objetivo é mostrar a diferença entre

ambos e apontar como eles ainda podem significar a mesma coisa ou não (o que vai

depender de quem os analisa), trazendo à tona mais um exemplo da presença da

ambigüidade no texto jornalístico. É necessário reforçar que nem todos os veículos

de comunicação utilizam a mesma nomenclatura para os diferentes tipos de textos

jornalísticos.

Esclarecer que a estrutura em alguns desses textos é muito semelhante,

variando apenas o tamanho e o destaque da notícia (determinados pela qualidade e

importância da informação a ser veiculada), faz-se importante. Neste trabalho, as

denominações são um misto de experiências do cotidiano em redações de jornais

com as denominações dos manuais de redação e estilo.

Resumidamente, e de acordo com os manuais de redação criados e

adaptados por diversos jornais, segue a explicação de cada tipo de texto jornalístico

citado anteriormente. Box é o "texto colocado entre fios, isolado do corpo da

reportagem, mas associado ao assunto para enriquecê-lo e complementá-lo"

(CURY, 1996, p. 124). "É coluna a seção assinada sobre assuntos diversos ou

especializada.” (CURY, 1996, p. 124).

O texto que anuncia na capa (primeira página) o que terá no interior do jornal

é denominado de chamada. Pode ser apenas uma frase (título) ou o título seguido

de um parágrafo curto. O tipo de entrevista que se "alternam perguntas e respostas"

(GARCIA, 1992, p. 32) antecipada por um breve texto que resume as principais

informações fornecidas pela fonte (entrevistado) é a entrevista pingue-pongue.

A foto-legenda é um texto curto que acompanha uma fotografia. Nela estão

todas as informações do fato fotografado de maneira sucinta, mas completa. A

legenda, diferente da foto-legenda, é uma frase que acompanha uma fotografia,

descrevendo e/ou acrescentando informação à foto.

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"A notícia, de modo geral, descreve o fato e, no máximo, seus efeitos e

conseqüências” (MARTINS, 1992, p. 67). Uma notícia deve conter em seu lead

(primeiro parágrafo) a resposta para as perguntas quem, quando, onde, como e por

que. Já o olho é um texto curto, geralmente com linhas irregulares. Ele é usado para

destacar uma informação ou citação de um entrevistado. Também é um recurso que

auxilia a diagramação da página preenchendo espaços em branco ou substituindo

uma fotografia.

Ainda existe o perfil. Nele, o jornalista descreve as características físicas,

profissionais e psicológicas do entrevistado. Temos também o release que é um

"texto produzido por uma agência de comunicação ou de divulgação” (CURY, 1996,

p. 128). Elaborado de maneira a destacar as qualidades do serviço ou cliente que

está sendo divulgado, o release dificilmente obedece à regra máxima da notícia, que

é começar com o que realmente interessa e importa ao leitor do jornal. Atualmente,

o release chega às redações dos jornais por meio de e-mails.

A retranca é uma ou mais matérias relacionadas com outra maior (principal)

sobre o mesmo assunto. Geralmente as retrancas integram uma reportagem, ou

desdobra o assunto tratado na primeira matéria. Alguns dados, como

desdobramentos de siglas e nomes completos dos entrevistados podem ser

suprimidos do texto, uma vez que essas informações estão contidas no texto

principal. A retranca serve ainda como um recurso para o jornalista retomar o

assunto sem comprometer a notícia principal tornando-a longa e cansativa.

Na reportagem predomina a forma narrativa. Nela destaca-se a humanização

do relato e a objetividade dos fatos narrados. A notícia cabe na reportagem, mas o

oposto não acontece, já que a reportagem pode partir da própria notícia. "Difere da

notícia pelo conteúdo, extensão e profundidade.” (MARTINS, 1992, p. 67) "É na

reportagem – onde se contam, se narram as peripécias da atualidade.” (SODRÉ,

1986, p. 9). Já a suíte "é o prosseguimento de uma matéria" (CURY, 1996, p. 129)

veiculada no jornal anteriormente. É utilizada para completar ou inserir um fato novo

à notícia publicada antes.

Em todos esses textos da produção jornalística a ambigüidade é vista como

um problema e produzi-la é apontada como erro pelos profissionais, como será visto

mais adiante na análise das entrevistas. Mas ao tratar-se de título e manchete

encontra-se a primeira ambigüidade jornalística. Determina-se como primeira, pois

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está na nomenclatura de dois tipos de textos, que se confundem e se distinguem ao

mesmo tempo.

Nenhum dos principais manuais de redação e estilo utilizados pelos jornalistas

fornece uma definição que distinga manchete de título, ou mesmo que defina

manchete. No entanto, nos dicionários, o termo apresenta uma ou mais explicações.

Entre elas, está a comumente adotada pelos jornalistas: de que a manchete é a

chamada mais importante do jornal.

A manchete é um título como qualquer outro, mas o curioso é que os

jornalistas, diferente do leitor comum (grupo de leitores que deixamos de fora

apenas os jornalistas), jamais confundem uma manchete com um título. Outra

curiosidade é que toda manchete é um título, mas nem todo título pode ser uma

manchete. Isso se deve ao destaque dado à manchete. Ela geralmente é anunciada

em letras garrafais e no alto da primeira página do jornal. A manchete é a chamada

da notícia mais importante do jornal e só existe uma por edição.

O editor do jornal, ao definir o que será a manchete do dia, segue uma série

de critérios. Entre eles, o impacto da notícia no público-alvo do jornal; a novidade do

assunto; os personagens envolvidos e a gravidade e repercussão na sociedade.

Essa quase insolúvel relação de título e manchete acaba gerando no leitor comum

uma confusão em chamar todo título de um jornal de manchete. Tem-se aí a

primeira ambigüidade no jornalismo.

Mas o que é ambigüidade? O dicionário Aurélio diz que é "qualidade ou

estado de ambíguo" (FERREIRA, 1999). Buscando a definição de ambíguo no

mesmo dicionário, observa-se que é indeterminado, impreciso, incerto e que pode

ter mais de um sentido. O mesmo diz ainda que é um equívoco e denota incerteza e

insegurança. Já o dicionário Houaiss possui oito definições para ambigüidade,

inclusive apresenta explicações com base lingüística. Mas mesmo assim, fica no

campo da "obscuridade de sentido", "hesitação entre duas ou mais possibilidades,

dúvida, incerteza, indecisão", "multiplicidade de significados" e “propriedades que

possuem diversas unidades lingüística de significar coisas diferentes, de admitir

mais de uma leitura".

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2.2 Ambigüidade

Para que se possa entender a ambigüidade, é preciso identificar como ela

ocorre. Grice (1982), como visto anteriormente, assume que as máximas podem ser

rompidas pelos interlocutores. Essa ruptura pode acontecer em função das

interferências (lingüística, sociohistórica, cultural e ideológica) que a linguagem sofre

e são elas que permitem o “surgimento” da ambigüidade nos enunciados. Mas a

ambigüidade é um ato consciente do locutor? Como ela se dá? Será que ocorre

intencional ou acidentalmente ou, ainda, pelos dois processos?

Grice (1982), a partir do conceito de Implicatura Conversacional, traz à tona

que essa transgressão do locutor pode ser deliberada. “[...] de modo que o ouvinte

compreenda que o falante transgrediu intencionalmente uma máxima, mas que

mesmo assim continua cooperando.”(CARVALHO, 2008) Mas o que é Implicatura

Conversacional? Resumidamente, é o “fenômeno [...] em que a derivação de um

sentido passa obrigatoriamente pelo contexto” (ILARI; GERALDI, 2006, p. 76). Aqui,

fica evidente a consciência da intencionalidade do locutor e que essa intenção pode

ser identificada pelo receptor.

Devemos salientar que mesmo que o receptor capte a intencionalidade do

locutor essa captação será apenas uma suposição. O enunciado não apresenta

elementos que confirme ou negue a intencionalidade do locutor. Caberá

exclusivamente ao receptor, com base no conhecimento compartilhado, intuir ou não

a ambigüidade e se ela é intencional ou acidental.

Com a teoria da Implicatura Conversacional, percebe-se que a sentença pode

apresentar sentidos diferentes. Essa afirmativa é confirmada por Ilari (2006). Para o

autor, ambigüidade "é a característica das sentenças que apresentam mais de um

sentido" (ILARI: 2006 p.9). Ele salienta ainda que a ambigüidade pode estar

presente no léxico e/ou na sentença, ou melhor, pode ser provocada pelo léxico,

pela estrutura e também pelo contexto. Como citado anteriormente, a ambigüidade

pode ser intencional ou acidental, ressaltando que essa intencionalidade ou não é

difícil definir.

Para compreender de forma mais ampla a ambigüidade, é necessário fazer

uma explanação sobre as relações de sentido entre orações. Ou seja, a relação

entre sinonímia e paráfrase e sinonímia lexical. Em seguida, também é importante

compreender as noções de acarretamento e pressuposição, ambas integram a

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relação de sentido. Isso, pois, conforme Ilari e Geraldi, "a relação de conseqüência

entre orações é extremamente importante: compreender corretamente uma frase é,

numa situação dada, saber enumerar todas as suas conseqüências". 2006: p. 53)

Ou seja, verificar essas teorias (acarretamento e pressuposição) levará à

compreensão da enunciação e suas conseqüências junto ao leitor.

A paráfrase acontece, segundo Ilari e Geraldi, quando "as orações de um

mesmo par são equivalentes quanto ao seu significado: utilizadas num grande

número de situações práticas, elas ‘dizem a mesma coisa’”. (2006: p.42) Já sobre

sinonímia sabemos que para que "duas expressões sejam sinônimas, exige-se que

denotem por alusão a uma mesma propriedade". (ILARI; GERALDI, 2006 p.43)

Ainda é preciso ter em mente que não existem expressões perfeitamente sinônimas

quanto ao significado. Devemos levar em consideração, ainda, a afirmação de John

Searle (2001), de que não existem palavras diferentes que podem ter exatamente o

mesmo significado.

Ainda conforme Searle: “O estudo dos significados das orações e o estudo

dos atos de fala não são dois estudos independentes, senão um estudo por dois

pontos diferentes de vista.” Mas o que são atos de fala? Atos de fala são o mesmo

que atos de fazer, ou melhor, atos de dizer fazer. Ainda seguindo o princípio da

expressabilidade, “qualquer coisa que queira dizer pode ser dita” (SEARLE, 2001,

p.28), mas é “preciso distinguir o que o falante quer dizer de certos efeitos que tenta

produzir em seus ouvintes” (SEARLE, 2001, p.29), e também frisar que “nem sempre

qualquer coisa que queira dizer pode ser dita não implica que qualquer coisa que

possa dizer pode ser compreendida pelos outros”. (SEARLE, 2001, p. 30)

Abrem-se novamente parênteses para uma observação. Com base no que já

foi dito, que muitas vezes são percebidas substituições infelizes em textos

jornalísticos, que, seguindo uma regra (a de não repetir palavras), acabam alterando

a informação repassada. A procura da palavra adequada também age

intencionalmente.

Falando de outra maneira, dizer o que se quer não significa que será

compreendido pelo receptor. Esse princípio ilumina os cuidados do jornalismo,

quanto ao uso de palavras e atenção a regras como as citadas acima. Vale ressaltar

que "as orações, não as palavras, se usam para dizer as coisas”. (SEARLE, 2001,

p.34) Isso pode causar um problema em todo texto, caso a palavra não seja utilizada

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adequadamente na oração. Um conteúdo pressuposto é a informação que pode ser

inferida da enunciação de uma determinada sentença. Para Moura:

Os pressupostos podem ser inferidos a partir do sentido literal das palavras de uma sentença, embora não estejam contidos no sentido dessas palavras. Isso ocorre porque certas palavras têm a função de ativar pressupostos, ou seja, elas indicam a presença de pressupostos. (2000, p.17)

Moura ainda afirma que:

O papel dessas palavras é, dado um certo contexto, recuperar certas pressuposições que se considera como fazendo parte do conhecimento compartilhado dos interlocutores. As pressuposições já estavam lá, no conjunto de proposições aceitas como verdadeiras pelos interlocutores; as palavras analisadas apenas ativam essas crenças (2000, p.22).

De acordo com Ilari e Geraldi (2006, p. 61), a pressuposição é um dos

principais "capítulos da semântica lógica e lingüística" e, segundo os dois, foi Frege,

no final do século que a definiu.

Seguindo o uso de Frege, diremos aqui que uma frase pressupõe outra toda vez que tanto a verdade e a falsidade da primeira acarretam a verdade da segunda. [...] podemos distinguir com precisão acarretamento e pressuposição: uma oração acarreta outra quando a verdade da primeira torna inescapável a verdade da segunda; ...Uma oração pressupõe outra quando a verdade e a falsidade da primeira tornam inescapável a verdade da segunda. (ILARI; GERALDI: p.61).

Já é possível arriscar e dizer que quando uma sentença nos permite inferir

dela mais de um entendimento para o que foi enunciado, é uma sentença ambígua.

Isso porque a pressuposição torna possível a existência de um enunciado

verdadeiro e outro falso, provocando mais de um entendimento para a mesma

oração.

Destaca-se que as pressuposições inferidas devem ser possíveis (sejam elas

falsas ou verdadeiras) para os interlocutores, caso contrário não há ambigüidade. É

válido ressaltar também que "as pressuposições dependem do gosto do freguês, ou,

mais tecnicamente, do conjunto de crenças compartilhadas pelos interlocutores".

(MOURA, 2000, p.26)

No texto jornalístico, toda proposição deve ser verdadeira nem que para tal o

interlocutor que a produz a esclareça antes ou depois da enunciação para o

interlocutor que a recebe. É correto afirmar que dentro de um texto informativo (na

forma) esse esclarecimento deve estar muito próximo da proposição. Afirma-se

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ainda que o contexto está diretamente ligado ao texto informativo, já que esse

esclarecimento pode contextualizar a sentença. "O pressuposto depende do

contexto, e não meramente da estrutura semântica.” (MOURA, 2000, p.51).

É fato que, ao se falar em ambigüidade, a primeira noção que vem à tona é a

de erro. Acredita-se que isso ocorre ao pouco que se diz sobre o tema nas salas de

aula, não só nos ensinos Fundamental e Médio como também na própria

Universidade. No caso da faculdade de Jornalismo, foco deste trabalho, o assunto,

apesar de ser importante para os futuros profissionais da área, não é estudado a

fundo. Aprende-se, sim, que nos textos informativos não é permitida a ambigüidade,

como se ela fosse um erro gravíssimo, um grande pecado nos textos jornalísticos.

Observando o resultado dos textos produzidos por jornalistas - sejam notícias,

artigos e reportagens – percebe-se que a ambigüidade transita, muitas vezes,

livremente por eles.

Nota-se que essas ressalvas com relação à formulação de uma enunciação,

quando o assunto é ambigüidade, estão registradas desde a época de Aristóteles,

mas antes é preciso diferenciar enunciado e oração. Para Bakhtin:

A oração enquanto unidade da língua é desprovida da capacidade de determinar imediata e ativamente a posição responsiva do falante. Só depois de tornar-se um enunciado pleno, uma oração particular adquire essa capacidade. Qualquer oração pode figurar como enunciado acabado, mas, neste caso, é completada por uma série de elementos muito substanciais de índole não gramatical, que lhe modificam a natureza pela raiz (2003, 287).

Bakhtin diz ainda:

Como a palavra, a oração é uma unidade significativa da língua. Por isso, cada oração isolada, por exemplo, “o sol saiu”, é absolutamente compreensível, isto é, nós compreendemos o seu significado lingüístico, o seu papel possível no enunciado. Entretanto, não é possível ocupar uma posição responsiva em relação a uma posição isolada se não sabemos que o falante disse com essa oração tudo o que quis dizer, que essa oração não é antecedida nem sucedida por outras orações do mesmo falante. (2003, 287)

Voltando ao filósofo grego no texto Dos argumentos sofísticos (1991, p. 157),

Aristóteles já dizia que a ambigüidade estava no nível das falácias, representando

uma espécie de engano, uma indução ao erro, provocada pelo fato de serem

utilizadas palavras e frases que podem assumir sentidos diversos. Esse argumento

de Aristóteles - de livrar o discurso da ambigüidade - superou a barreira do tempo e

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é comum ainda hoje entre os estudiosos do assunto, inclusive entre os que se

dedicam ao texto informativo, como é o caso dos jornalistas. Essa também pode ser

uma das justificativas para o pouco tempo que os estudiosos da língua se dedicam

ao assunto, bem como, o pouco espaço que as gramáticas e manuais de redação,

entre eles os de estilo dos principais jornais do País, reservam à ambigüidade.

Um bom material para compreender a ambigüidade é o segundo capítulo do

livro “Da ambigüidade ao equívoco: a resistência da língua nos limites da sintaxe e

do discurso”, de Ferreira (2000, p. 47-81). A autora apresenta uma distinção entre as

estruturas de superfície e profunda da língua. Essas diferenças têm a intenção de

marcar o progresso da gramática gerativa sobre a lingüística superficial ou

taxonômica (classificadora). Essa afirmação aponta que a gramática gerativa

recebeu muito mais atenção dos estudiosos do que a Análise do Discurso (neste

caso a da corrente francesa).

Como citado, a linguagem tem mais de uma função. Além de comunicar, ela

também carrega a cultura, o saber, a história de uma sociedade ou grupo de

pessoas. A linguagem, para o norte-americano Noam Chomsky não existe “para ser

útil, não havendo razão alguma para se acreditar que a condição funcional a ser

satisfeita pelas línguas deva ser a de procurar facilitar a comunicação” (in

FERREIRA, 2000, p.49). Com isso, a ambigüidade é vista como uma aliada no

combate ao funcionalismo da língua, atacado por Chomsky. A língua não pode

seguir por um caminho simplista de existir apenas para a comunicação.

Difícil encontrar quem defenda a ambigüidade como algo positivo na produção

de enunciados. Mas ficam as perguntas: quando um humorista utiliza-se justamente

e quase sempre da ambigüidade para fazer graça? Ou quando alguém a usa para

ironizar uma situação? Ou ainda, para chamar atenção do ouvinte/leitor para um fato

e assim dar mais destaque ao que está sendo dito? São situações que acontecem

freqüentemente e que a gramática não dá conta de explicá-las.

Para os gerativistas, a ambigüidade é um problema que precisa ser eliminado.

A visão negativa da gramática tradicional sobre o tema tem se tornado, ao longo do

tempo, uma busca incessante pela desambigüização dos enunciados. Muitas vezes

batalha perdida e, por isso, um estudo mais aprofundado acaba sendo posto de

lado.

Para responder aos questionamentos do parágrafo anterior é necessário

ressaltar que todos eles dizem respeito a uma ambigüidade provocada pelo falante,

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o que Ferreira (2000) denomina de ambigüidade intencional. Ela ainda reforça que a

gramática gerativista condena todos os tipos de ambigüidade, seja ela intencional ou

não (acidental). Ambas são negativas, sendo descartadas com regras e processos

que têm a pretensão de desambigualizar os enunciados de forma simplista.

Mas a gramática daria conta apenas das ambigüidades sintagmáticas

(distribuição/disposição dos elementos na proposição). Entra aí a idéia de disjunção,

o que impõe ao leitor/ouvinte escolher entre uma coisa ou outra. Mas como o leitor

pode optar por um entendimento e não pelo outro? Quais são os fatores que

permitem que ele (leitor/ouvinte) possa fazer essa escolha rapidamente? Como ele

terá certeza que escolheu corretamente? São perguntas que podem ser explicadas

pelo contexto conversacional e também pelo o que Moura, quando afirma que “o

conhecimento compartilhado é formado por um conjunto de proposições que são

aceitas tanto pelo falante quanto pelo ouvinte”.(MOURA, 2000, p.17)

O contexto é um elemento fundamental para o estudo da ambigüidade, bem

como para todo o estudo voltado para a Análise do Discurso. No entanto, não é

levado em consideração pela gramática tradicional, que estuda frases isoladas.

Arrisca-se em afirmar que é na Análise do Discurso que se percebe a necessidade

de levar em consideração a influência dos aspectos históricos da linguagem -

aspectos que foram esquecidos, principalmente pelas gramáticas. É necessário

concordar que, portanto, a época, o lugar, a sociedade, enfim, todo o contexto em

que o enunciado dito foi concebido deve ser considerado. Apenas levando esses

elementos em consideração, será possível compreender/entender um enunciado

ambíguo. Aí estão unidos os objetos histórico e lingüístico.

É comum observar-se nas gramáticas o estudo de sentenças isoladas. Ao se

estudar isoladamente um enunciado deixa-se de lado o conteúdo pressuposto e

leva-se em consideração apenas o posto. O primeiro diz respeito a informações que

podem ser inferidas da enunciação dessas sentenças. Já o segundo é a informação

literal das palavras de uma sentença (MOURA, 2000, p.13).

A idéia purista dos jesuítas também merece destaque, pois mais uma vez vem

ao encontro do jornalismo atual. Isso demonstra que, mesmo sendo um recurso

regente nos textos jesuítas produzidos entre os séculos XVI e XVII, ainda hoje a

transparência, a clareza regem os discursos jornalísticos. Conduzem, mas não

dominam, já que muito do que se produz hoje na imprensa pode ser interpretado de

maneira equivocada, comprovando a presença da ambigüidade acidental (quando o

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autor não se dá conta de que realizou uma sentença que causou dúvida ao leitor).

Mas o próprio jornalismo (e muito mais a publicidade) demonstra que há espaço

para as idéias jansenistas, que defendem que “a língua é o meio pelo qual se

exprime a imperfeição da idéia” (FERREIRA, 2000, p.55). Tem-se aí a ambigüidade

intencional. Portanto, é necessário crer que a ambigüidade não deve mais ser

colocada em um nível inferior. E, se não se pode mais ignorá-la, é preciso defini-la,

tipificá-la, enfim, encontrar uma maneira de torná-la clara e merecedora da atenção

dos estudiosos do discurso.

Retomando Ferreira, ela defende a ambigüidade como “estratégia discursiva”

(2000, p. 65), a idéia de que a ambigüidade deixa de ser acidental e passa a ser

parte indissociável de todo o discurso. A autora destaca o problema da elipse, do

termo implícito, como justificativa para a gramática excluir o estudo da ambigüidade.

Afirma também que a gramática não dá conta por completo da língua, ficando presa

ao que é correto, estável e imutável, mas como já foi visto, a linguagem sofre

interferências históricas e sociais.

Ao detectar os problemas de recepção - que deriva da idéia de que o emissor

sabe o que quer dizer e a interpretação é de responsabilidade do receptor - a autora

contrapõe essa afirmação com o entendimento que a AD (Análise do Discurso) faz

sobre ela. Segundo Ferreira (2000), a AD coloca abaixo que o interlocutor sempre

sabe o que diz. Entende-se “saber o que diz” como uma formulação da frase sem

qualquer possibilidade de ambigüidade e, portanto, entendimento claro, óbvio por

parte do receptor. Nem sempre os enunciados produzidos pelo emissor são

ausentes de ambigüidade como ele desejaria que fossem. Além disso, a

ambigüidade é uma das comprovações que a atividade lingüística não se exerce in

vitro, mas no cotidiano e no movimento da história, evolução da sociedade.

2.3 Tipos ou provocadores de ambigüidade

Ao consultar alguns textos sobre ambigüidade, inclusive na internet, percebe-

se que falta um consenso entre os estudiosos do assunto sobre os tipos de

ambigüidade. Ao analisar, por exemplo, os tipos definidos por Ferreira, conclui-se

que ainda há um longo caminho a percorrer para chegar a uma decisão comum. A

autora afirma que existem quatro tipos (disjunção, problema de recepção, problema

lingüístico e de paradigmas gramaticais). Há ainda quem afirme que são cinco os

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tipos (ambivalência, anfibologia, asteísmo, doublé entendre e equívoco). Mas as

teorias revelam um outro fator: será que todos esses "tipos" são realmente tipos ou

são provocadores de ambigüidade?

O léxico, o contexto e a estrutura da oração podem ser os principais

elementos que provocam a ambigüidade, que pode ainda ser intencional ou

acidental, como visto anteriormente. A chamada ambigüidade lexical ou polissêmica

tem sua marca no vocábulo, ou melhor, na possibilidade do léxico apresentar mais

de um significado. Muitas vezes, quando uma palavra apresenta mais de um

significado, ela acaba gerando desta forma mais de um contexto. Portanto, o

"problema" da ambigüidade lexical está no significado.

A noção de significado pode ser um pouco mais ampla do que como a

entendemos. Voltando a Martins (1992), ela destaca a teoria geral do significado

proposta por Searle (2001). O estudo evidencia a existência de atos de fala diretos e

indiretos. O primeiro apresentaria cinco tipos e não “há tensão entre significado

literal e não literal”. Já o outro, define que o significado da emissão do falante e o

significado da sentença divergem. Com isso, abre-se uma “brecha” para a

ambigüidade se instalar no enunciado.

Conforme Martins:

Um ato de fala indireto é, portanto, um ato ilocucionário realizado indiretamente através de outro. Por exemplo, no enunciado ‘Você quer abrir a porta?’, o propósito do falante não é requerer uma informação do ouvinte, e sim criar no mesmo um efeito que leve a executar a ação em questão (1992).

Já Silva (2008) salienta que Grice defende que os falantes comunicam muito

mais do que realmente aquilo que dizem. Integrando assim, aos atos de fala

indiretos a metáfora e a ironia. Os atos de fala indiretos seriam, portanto, exemplos

do sentido não literal, enquanto que os diretos seriam exemplos de sentido literal

“próprio, básico, a partir do qual o sentido das expressões lingüísticas, em qualquer

situação possa ser apreendido”. (SILVA:2008)

Sobre o léxico e seu significado, Ilari e Geraldi (2006) frisam que a homonímia

(a mesma pronúncia e grafia - para a escrita – e mesma pronúncia e grafia diferente

para a fala) é muito comum na ambigüidade. Exemplo: Maria esteve no banco.

No exemplo acima, o léxico banco pode ser o local de transações financeiras,

bem como o móvel utilizado para sentar. Afinal, Maria esteve sentada no banco ou

foi à casa bancária? O contexto da enunciação ou o conhecimento compartilhado

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entre os interlocutores são os fatores para que seja escolhida uma proposição e não

a outra, eliminando a polissemia do vocábulo.

É preciso ainda salientar o que é duplo sentido, pois quando falam em

ambigüidade muitos jornalistas, e não apenas eles, afirmam que ambigüidade é

duplo sentido, como será visto no próximo capítulo deste trabalho. É importante

antes reforçar que pela liberdade de escolha dos interlocutores, duplo sentido e

ambigüidade não se distinguem, mas o primeiro pode ser uma variação do segundo,

integrando assim, a ambigüidade lexical. Ferreira (2000) afirma que existe uma

distinção entre os dois. Mas se há uma distinção ela é complexa. No entanto, é

preciso ressaltar que mesmo quando uma palavra traz com ela mais de um

significado (sentido), o emissor pode utilizá-la de forma intencional, buscando fazer

uma espécie de brincadeira com o léxico escolhido.

Como explicado anteriormente, os atos de fala trabalham com a

intencionalidade e é ela que coordena o uso adequado ou não da ambigüidade. A

partir de exemplos da imprensa e da publicidade, Ferreira (2000) ressalta que em

situações em que o léxico apresenta dois sentidos não ocorre disjunção (aceitação

de um sentido e negação do outro) entre cada um deles. Incluem-se ainda as

piadas, anedotas, charges e a poesia como exemplos do uso bem sucedido do

duplo sentido dos léxicos.

O próprio sentido se faz pelo jogo entre um e outro significado e, por isso,

para Ferreira (2000) não seria ambigüidade. Já esse recurso pode sim ser visto

como ambigüidade, mas a que é provocada a que o autor tem a intenção de

construí-la, para brincar com as palavras e os sentidos dela. Dessa forma, cabe ao

receptor escolher qual a interpretação que lhe convém. Tem-se, assim, a

ambigüidade intencional. Contudo, é preciso destacar que essa intencionalidade

pode ser capturada pelo leitor, porém ela não é perceptível. Vai caber ao leitor

escolher, mas a intencionalidade do autor não fica evidente, explícita no texto. A

ambigüidade intencional existe, mas nada a comprova.

Já a ambigüidade estrutural ou gramatical ocorre pelo emprego inadequado

ou má colocação do adjunto adverbial, dos pronomes possessivos e pessoais e até

mesmo de termos, frases ou orações. Portanto um "problema" na ordenação das

palavras, ou até mesmo a omissão de uma palavra (elipse ou não) pode causar mais

de um entendimento do enunciado, provocando a ambigüidade estrutural ou

gramatical. Exemplo: Maria disse a João que seu pai não foi ao mercado

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No enunciado acima, o pronome possessivo seu é o provocador da

ambigüidade, deixando a dúvida sobre o pai de quem não foi ao mercado. O

adequado, neste caso, é substituir o pronome possessivo seu por dele ou dela,

revelando exatamente a quem se refere o pronome se a Maria ou a João. r dele ou

dela, revelando exatamente a quem se refere lo Maria

A ambigüidade contextual é a única dos três tipos que não tem uma marca

lingüística que a revele. Isso porque são os elementos situacionais e não lingüísticos

que a expõe. Ou seja, os indícios desse tipo de ambigüidade dependem da

"entonação até as indicações do contexto lingüístico e extralingüístico e a linguagem

gestual), quem se orienta em direções alternativas" (ILARI; GERALDI, 2006, p.59).

Como dito anteriormente, cabe ao receptor a escolha obrigatória de qual

interpretação deve ser eliminada e qual será considerada. Para tal, ele ainda recorre

ao contexto e aos conhecimentos de mundo e compartilhado com o emissor.

A vaguidade também seria um dos elementos provocadores de ambigüidade.

Mas ela explicaria apenas no caso da ambigüidade acidental (em que a enunciação

ao ser construída torna-se ambígua sem a consciência de quem a pronuncia). Vale

lembrar que a vaguidade é a regra do apagamento, quando a ausência de um termo

na proposição a torna vaga. Para Ferreira (2000), o que poderia diferenciar

ambigüidade de vaguidade seria a intencionalidade. Se a falta de especificação de

um termo for voluntária seria vaguidade. Caso a ausência do termo fosse

inconsciente, então teríamos a ambigüidade acidental. Entretanto, a explicação de

Maria Cristina não seria adequada uma vez que admitimos que existe ambigüidade

acidental e intencional.

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30

3 O JORNALISMO E A AMBIGÜIDADE

Para entender como se dá a relação dos jornalistas com a ambigüidade, foi

desenvolvida uma pesquisa de campo entre os profissionais da área. Foram

entrevistados professores e alunos dos cursos de jornalismo da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra)

e da Universidade Vale dos Sinos (Unisinos), além de editores do Diário Gaúcho e

do ABC Domingo.

Ao todo, foram entrevistados três editores, três professores e nove

estudantes. Os 15 entrevistados foram submetidos às mesmas oito perguntas

(anexo 1), que abordam o tema ambigüidade, as influências dela no texto jornalístico

e o que cada um pensa sobre o assunto conforme os anexos de 2 a 16.

O objetivo da consulta foi o de levantar dados estatísticos para, além de

apontar a relação jornalismo-ambigüidade, verificar se o jornalismo, realmente, não

permite a presença da ambigüidade. Com base nas respostas subjetivas, será

possível determinar como esse público compreende a ambigüidade.

3.1 Respostas desenham a realidade

Os gráficos apresentados abaixo demonstram estatisticamente o resultado da

pesquisa. Neles, apenas seis questões serão expostas, pois são as que podem ser

tratadas numericamente, quantitativamente. Na organização, será apresentada a

mesma pergunta feita aos entrevistados, em seguida o gráfico com o resultado dos

dados e um pequeno texto explicativo.

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Para você, o que é ambigüidade?

Ao verificar as respostas, apenas seis dos entrevistados (39,9%) entendem a

ambigüidade como algo que gera mais de um sentido. Quatro (26,6%) definiram

como duplo sentido, outros três (19,9%) como imprecisão e dois (13,3%) forneceram

respostas confusas. Vale ressaltar que os dois que não responderam

satisfatoriamente são estudantes.

A ambigüidade é, na sua opinião, um erro ou um recu rso? Esse recurso pode

auxiliar o jornalista na construção do texto? Por q uê?

Para a maioria dos entrevistados, a ambigüidade é um erro. Nove deles

(59,9%) acreditam que um texto jornalístico não deve conter ambigüidade em

hipótese alguma. Para apenas um (6,6%), ela pode ser um recurso. Os outros cinco

consultados (33,3%) afirmaram que podem ser ambas as possibilidades.

Você estudou o tema ambigüidade em sala de aula? Se a resposta for positiva,

como avalia o conteúdo e o tempo dedicado a ele? Se for negativa, você sente

necessidade de estudar o assunto? Por quê?

Essa pergunta foi dividida em duas etapas. A primeira (no primeiro gráfico

acima) verificou se os entrevistados estudaram ambigüidade na graduação. Apenas

dois (13,3%) responderam que sim, um (6,6%) disse não lembrar e a maioria, ou

seja, 12 (79,9%) disseram não ter estudado. Na segunda etapa, boa parte (53,3%)

respondeu que gostaria de ter estudado o assunto melhor, mas outros seis (39,9%)

responderam que não sentiram falta de estudar mais a fundo o tema e um (6,6%)

não opinou. É possível constatar, com esse resultado, que mesmo o percentual de

entrevistados que disse não ter estudado o assunto ser maior do que gostaria de

estudá-lo, o tema parece ser atrativo para a maioria.

Para você, a ambigüidade deve ser proibida no jorna lismo? Por quê?

Nesta pergunta, a expressão “proibida” causou certo desconforto entre os

entrevistados, já que os jornalistas, que a princípio lidam com a liberdade de

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expressão, não enxergam com bons olhos qualquer tipo de proibição. Por isso, 10

entrevistados (66,6%) ressaltaram que a ambigüidade não deve ser proibida. Os

outros cinco (33,3%) disseram que sim, que um texto jornalístico não permite

ambigüidade.

Ao ler uma notícia você detecta com facilidade fras es ou expressões

ambíguas?

A maioria dos entrevistados, 11 deles (73,3%), disse que é capaz de detectar

uma frase ou expressão ambígua em uma notícia. Um (6,6%) admitiu que não sabe

identificar e três (19,9%) responderam que às vezes consegue outras não.

Na sua avaliação, os jornalistas têm consciência de que os textos que

produzem podem apresentar ambigüidade? Por quê?

Apenas três (19,9%) pessoas consultadas disseram que os jornalistas têm

consciência quando produzem um texto com ambigüidade. Cinco (33,3%) afirmaram

que não, que os jornalistas não têm consciência de que produzem textos com

ambigüidade, e sete (46,6%) responderam que nem todos, ou seja, alguns sim

outros não, têm consciência que os textos que produzem podem conter

ambigüidade.

Depois dessa compreensão estatística das respostas, entra a análise

qualitativa das informações fornecidas pelos entrevistados. Será mostrado, com

esses resultados, como os profissionais e futuros profissionais da área enxergam a

ambigüidade.

3.2 O que jornalistas, alunos e professores entende m sobre ambigüidade

Depois da compreensão quantitativa das respostas fornecidas, é possível

verificar que a partir da primeira pergunta:

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Para você, o que é ambigüidade?

Que não há um consenso entre professores, alunos e profissionais do

mercado sobre uma definição de ambigüidade. Cada um a entende de forma

diferente.

Com a segunda pergunta:

A ambigüidade é, na sua opinião, um erro ou um recurso? Esse recurso pode

auxiliar o jornalista na construção do texto? Por quê?

Percebe-se que, apesar de não ter o mesmo entendimento sobre o assunto, a

maioria afirma que não há espaço para a ambigüidade no jornalismo.

A partir da terceira pergunta:

Você estudou o tema ambigüidade em sala de aula? Se a resposta for positiva,

como avalia o conteúdo e o tempo dedicado a ele? Se for negativa, você sente

necessidade de estudar o assunto? Por quê?

Vê-se os motivos para os entrevistados não chegarem a um consenso sobre

o que é ambigüidade, a maioria deles não estudou ou não lembra de ter estudado o

tema e sente necessidade de aprender mais sobre ambigüidade.

Na quarta pergunta:

Para você, a ambigüidade deve ser proibida no jornalismo? Por quê?

A palavra proibida causou certo desconforto para alguns dos entrevistados.

Inclusive o entrevistado 11, salienta que “o uso da ambigüidade no jornalismo cobra

o seu preço imediatamente, sem a necessidade de censura. O leitor, ouvinte,

telespectador ou internauta deixa de acreditar no veículo que não é claro em suas

informações e usa a ambigüidade como forma de não se comprometer com

determinada notícia”.

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O resultado da quinta pergunta:

Ao ler uma notícia você detecta com facilidade frases ou expressões ambíguas?

Chama a atenção, pois, apesar da maioria dos entrevistados afirmar que é

capaz de identificar frases e expressões ambíguas, é na sexta pergunta:

Cite quando a ambigüidade pode ser negativa e quando pode ser positiva em um

texto jornalístico. Apresente, se desejar, exemplos para reforçar sua opinião.

Que se percebe que eles não têm tanta facilidade assim. Ao deixar livre que

citassem exemplos, apenas quatro - dos quais três consultaram jornais e revistas

para tal e um criou um caso hipotético - se deram ao trabalho de buscar exemplos.

Com a sétima pergunta:

Na sua avaliação, os jornalistas têm consciência de que os textos que produzem

podem apresentar ambigüidade? Por quê?

Foi possível constatar que, para os entrevistados, apenas parte dos jornalistas sabe

identificar a ambigüidade e outra parte não sabe.

A oitava pergunta:

Se desejar, faça considerações sobre o assunto.

Foi aberta para considerações sobre o tema, mas somente quatro

entrevistados aproveitaram o espaço para opinar, reforçar, justificar ou esclarecer

melhor algumas das respostas fornecidas. Dez dos consultados enviaram-na em

branco e um enviou recado para entrar em contato em caso de dúvida.

Após a análise das respostas dos entrevistados, parte-se para um segundo

momento da ambigüidade no texto jornalístico. O próximo capítulo trará exemplos

concretos e publicados pelos principais jornais do Rio Grande do Sul.

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4 ESTUDOS DE CASOS – AMBIGÜIDADES ACIDENTAIS OU INT ENCIONAIS

No presente capítulo, a intenção é revelar que a ambigüidade transita muitas

vezes sem constrangimento pelas notícias impressas. Pretende-se, ainda, apontar

que essa ambigüidade pode ser usada erradamente, mas também de maneira

elegante e consciente, confirmando a existência da ambigüidade acidental e da

intencional. Para tal, o objeto de estudo (e de comprovação) será justamente o texto

jornalístico impresso. Exemplos com resultados positivos e negativos serão retirados

dos jornais Correio do Povo, Diário Gaúcho e Zero Hora.

Primeiramente, torna-se importante retomar, de maneira breve, a noção de

intencionalidade: os interlocutores podem romper de forma consciente ou não as

máximas da teoria griceana. Também é correto afirmar que essa ruptura acontece

por causa de interferências de diferentes níveis e que são justamente essas

interferências que abrem espaço para a presença das ambigüidades no enunciado,

seja ele jornalístico ou não.

Grice (1982) admite que a transgressão pode ser deliberada, consciente, caso

o Princípio de Cooperação continue a acontecer. Contudo, também se pode verificar

que essa cooperação está embasada na suposição do outro, pois o enunciado não

trará elementos que confirmem ou rejeitem a intencionalidade. É perceptível, ainda,

que a ambigüidade é provocada (de forma intencional ou não pelos interlocutores)

pelo léxico, pela estrutura e pelo contexto como será visto a seguir.

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4.1 Correio do Povo

Delúbio precisa devolver salário

29 de maio de 2007, página 2, Política

O verbo “precisar”, na terceira pessoa do presente do indicativo, no exemplo

extraído do jornal Correio do Povo, gera ambigüidade, pois nesse caso não dá a

interpretação exata do que é a notícia. O “precisa” abranda realmente o fato, uma

vez que, ao ler o texto o leitor é esclarecido de que Delúbio foi condenado a devolver

o salário. Portanto, Delúbio não precisa, mas tem de devolver o salário. A

ambigüidade é gerada no momento em que leva o interlocutor a supor que depende

de Delúbio a devolução do salário.

No exemplo, o autor, ao produzir o enunciado, pode não ter se dado conta de

que estaria provocando ambigüidade, pois caso contrário, teria substituído o precisa

por um verbo mais forte e exato. Neste exemplo, está presente a ambigüidade

contextual, pois para o receptor optar por uma e não por outra interpretação, ele

necessita do contexto. Ela é acidental, justamente pela possibilidade do autor não

ter notado que a provocou com o uso inadequado da expressão precisa. O próximo

exemplo revela a presença da ambigüidade lexical.

Justiça manda ‘limpar’ bingos

23 de maio de 2007, página 18, Serviços/Polícia

Nesse caso, a expressão limpar é que evidencia a ambigüidade. Aqui, ela

pode levar o leitor a supor que a Justiça mandou alguém dar uma faxina, deixar o

local sem sujeira, asseado, purificado. Como dito no primeiro capítulo, o léxico pode

apresentar mais de um significado, e neste exemplo o “limpar” apresenta um novo

sentido, inclusive pouco utilizado no jornalismo. Verifica-se que a palavra “limpar” é a

gíria fazer a limpa, retirar o jogo ilegal, os computadores que supostamente estão

adulterados e lesando os clientes. Tem-se aí a ambigüidade lexical. Logo, é possível

afirmar que ela é provocada intencionalmente, pois o uso das aspas marca que o

autor deseja tornar evidente que o significado é justamente o da gíria e não o que

está nos dicionários.

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3 milhões abordados em 1 mês

26 de maio de 2007, página 15, Serviços/Polícia

Antes de partir-se à análise desse exemplo, é necessário chamar a atenção

para a quebra das regras gramaticais e também jornalísticas. Primeiramente, o

enunciado começa com a unidade 3, e o correto seria esse numeral vir por extenso,

por estar no início da frase. No segundo momento, o uso também da unidade 1 no

texto, quando jornalisticamente deveria também ser por extenso. Contudo, essas

regras são desobedecidas pela falta de espaço, problema comum nos jornais.

Retomando, a ambigüidade nesse caso está na ausência de palavras. Tem-

se um caso de apagamento, já que o enunciado em questão é um título e não faz

referência a nada anterior. O entendimento se dá com a leitura da nota que vem logo

abaixo. O apagamento é da palavra pessoas. Afinal, 3 milhões de que foram

abordados? O leitor pode supor qualquer coisa. Essa ambigüidade parece ser

acidental, uma vez que inclusive a expressão “abordados”, por estar no masculino, é

um indício de que ela induz ao leitor a pensar que o léxico que deveria acompanhá-

la teria que ser também masculino, obedecendo às regras da boa concordância,

mas não é o que observamos. Portanto, no exemplo em questão, a ambigüidade se

dá na estrutura do enunciado pelo apagamento da palavra pessoas, extraída do

texto que vem abaixo.

4.2 Diário Gaúcho

No começo da noite, a BM deteve Éverton Rodrigues d o Amaral, o Sapo, 25

anos, que pertenceria à Turma do Vasquinho.

21 de junho de 2007, página 28, editoria Ronda Policial

O verbo “pertencer”, na terceira pessoa do singular do futuro do pretérito do

indicativo, dá uma noção ao leitor de que não há certeza no que está sendo

informado. Essa conjugação é muito utilizada na editoria de Polícia, pois libera o

autor da responsabilidade de atribuir ao sujeito uma função que pode não pertencer

a ele. Nesse caso, fica para o leitor a função de decidir se o sujeito pertence ou não

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à quadrilha. Tem-se aí, portanto, uma ambigüidade contextual. Ela é intencional,

pois, como dito anteriormente, o autor buscou se eximir da responsabilidade de

afirmar algo que não tem certeza e, repassando ao receptor a possibilidade de

escolha, de supor ou não se o sujeito pertence ou não à Turma do Vasquinho.

Vap é atropelado em Guaíba

25 de junho de 2007, página 11, Esporte

Nesse caso, temos um exemplo de ambigüidade lexical. A expressão

“atropelado” é muito utilizada no esporte, quando um time perde a partida com

grande diferença de gols e quando o adversário apresenta uma qualidade técnica

bem superior a do outro. Aqui, o léxico não é utilizado no seu sentido literal; do

contrário, o time inteiro teria sofrido um gravíssimo acidente. A ambigüidade está no

significado do léxico. Então, tem-se um exemplo de ambigüidade lexical e é possível

afirmar que ela é intencional, pois o uso da expressão “atropelado” é uma gíria

comum nos textos esportivos.

CANOAS: OFICINA DE BOTIJÕES INCENDIOU-SE

22 de junho de 2007, primeira página, Capa

Nesse exemplo, a ambigüidade é provocada pelo uso incorreto do pronome

“se”. O verbo “incendiar”, acompanhado desse pronome, dá o tom

reflexivo/recíproco do enunciado. Percebe-se que uma oficina de botijões não é

capaz de realizar uma ação, ou melhor, não é capaz de incendiar-se, uma vez que é

um ser inanimado. A oficina pode incendiar, mas, para tal, o incêndio deve ser

provocado por uma pessoa. O leitor pode entender que a oficina realmente

incendiou-se ou que ela incendiou. Tem-se, portanto, dois significados provocados

pelo uso inadequado do pronome. A presença do “se” provoca uma ambigüidade

estrutural/gramatical. Como o uso é inadequado, pode-se arriscar e dizer que a

ambigüidade é acidental.

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4.3 Zero Hora Colisão na curva da morte 19 de junho de 2007, contracapa

A chamada da contracapa da edição de19 de junho de 2007 de Zero Hora

revela a presença da ambigüidade contextual. Nesse caso, não há uma marca

lingüística que a revele. Como dito anteriormente, esse tipo de ambigüidade é o

único que depende de outros elementos fora da frase para deixar de existir. Aqui,

fica a dúvida sobre a curva perigosa, afinal ela pode ser em qualquer lugar, e

somente na legenda da foto o leitor recebe mais informações para identificar de que

curva se trata. Antes de chegar à legenda, o receptor, conforme experiências e

conhecimento de mundo, pode pensar que se trata de outra curva, que também é

conhecida como “curva da morte”.

Nesse exemplo pode-se crer que a ambigüidade é acidental, considerando

que, se o autor concluísse que qualquer pessoa poderia pensar em outra curva,

essa frase seria substituída, pois a expressão “curva da morte”, além de muito

comum, desrespeita a regra de objetividade do jornalismo e a máxima de Grice

(1982) de evitar a ambigüidade. Apenas o contexto é capaz de completá-la,

esclarecê-la.

FESTA DE PATO NA ÁGUA

11 de junho de 2007, capa

A ambigüidade nesta frase já se dá até pelo tipo de fonte utilizada. O título da

chamada de esporte está grafado em caixa alta (letras maiúsculas) o que dificulta

num leitor menos informado saber que PATO é o apelido de um jogador de futebol.

Em seguida, também gera ambigüidade no restante da frase. Dizer que PATO faz a

festa na água induz a pessoa a achar que se trata realmente do animal e não do

atleta, que tem o apelido de Pato. Mas toda a ambigüidade é provocada justamente

pela palavra PATO, pois vemos que o autor da frase pretende brincar com o apelido

do jogador e fazer graça com a atitude do rapaz que, após fazer um gol, comemorou

jogando-se na água. Esse é um exemplo de ambigüidade lexical, já que a palavra

PATO ganha um novo significado e pode-se arriscar em afirmar que é intencional,

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uma vez que o autor rompe com a máxima griceana de evitar a ambigüidade e

provoca-a com o trocadilho do significado da expressão.

Engavetamento mata nove em São Paulo

7 de junho de 2007, página 33, Geral

Pode-se constatar a ambigüidade estrutural nesse título de uma notícia de

Zero Hora pela ausência, pelo apagamento de um léxico. O título gera uma dúvida

no leitor. Afinal, o que morreu no acidente? Pessoas, vacas, cachorros, enfim,

qualquer ser vivo pode ter morrido no acidente. O leitor é induzido a qualquer um

dos entendimentos. É necessário frisar que nesse caso também é a falta de espaço

para o enunciado no jornal que induz o autor a fazer o apagamento da palavra

“pessoas”. Por isso, acredita-se que o exemplo se trata de ambigüidade intencional.

O enunciado ainda apresenta outro tipo de ambigüidade. A expressão

engavetamento também pode provocar a ambigüidade lexical, já que o significado

inicial desta palavra pode induzir o leitor a pensar em gavetas e não em um acidente

de trânsito envolvendo carros que colidem em seqüência.

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5 CONCLUSÃO

Ao finalizar a leitura de teóricos como H. Paul Grice, John Searle, Maria

Cristina Ferreira, entre outros, foi possível chegar a conclusões importantes para a

compreensão do que é ambigüidade. A primeira constatação foi a de que a

ambigüidade não é um assunto tão simples de entender quanto parece, já que ela

supera a fronteira do duplo sentido, de mais de uma compreensão não é identificada

tão facilmente como se pensa.

Como destacado no primeiro capítulo, a ambigüidade é produto da

comunicação, indo além do conceito de linguagem. A comunicação é um ato de

linguagem, pois está sujeita à influência humana, tornando-se instável e complexa,

que fica à disposição do homem e da sua cultura. Como a linguagem sofre quatro

tipos de interferência externa (lingüística, sociohistórica, cultural e ideológica), ela

está em constante mudança. Isso explica os diferentes significados para uma

mesma expressão. Ou seja, comunicar vai além da linguagem, como Grice salienta

administrar bem a linguagem é saber manejar com êxito as máximas e submáximas

do Princípio da Cooperação.

A teoria griceana encaixa-se perfeitamente nas regras que norteiam o

jornalismo, tanto na prática cotidiana, quanto no ensino da profissão. Segundo Grice,

a supermáxima e máximas de modo dizem respeito "não a o que é dito, mas sim a

como o que é dito deve ser dito" (DASCAL; 1982:87).

De acordo com essa teoria, a supermáxima ("seja claro") exige que - aqui

adaptando ao texto jornalístico - o redator seja claro. As máximas também integram

a produção do texto jornalístico e são ensinadas aos profissionais da área desde o

primeiro dia de aula da faculdade. Os jornalistas, sem saber, seguem diariamente,

na rotina do trabalho, as máximas de Grice.

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O próprio Grice admite que os interlocutores são capazes de romper essas

máximas e os jornalistas não ficam de fora. Principalmente, porque a comunicação

entre emissor e receptor se faz a distância. O jornalista tem um breve conhecimento

para quem ele escreve (por isso, segue algumas premissas ao elaborar o texto,

buscando sempre um leitor médio, como dito no primeiro capítulo. Isso, porém, não

significa que todos os leitores alcançarão o que é dito no enunciado, da forma que o

jornalista pretendia. Portanto, nem todos os textos jornalísticos são claros e objetivos

como os jornalistas crêem que sejam.

É a partir da pesquisa de campo que se percebe que os jornalistas não têm o

mesmo entendimento e pouco aprendem sobre a ambigüidade, mas mesmo assim,

sem conhecê-la, não aceitam que ela esteja presente nos textos de produção

jornalística. Ao longo das leituras, nota-se que a ambigüidade está à mercê da

intencionalidade, podendo ser acidental ou intencional, e que são três (o léxico, a

estrutura e o contexto) os tipos que a provocam.

Com o levantamento de exemplos para a confecção do terceiro capítulo, foi

constatado que as ambigüidades estão presentes nos textos feitos por jornalistas.

Outra observação interessante, que diferente do esperado, é que a ambigüidade

provocada pelo contexto e a provocada pela estrutura são muito mais comuns do

que as provocadas pelo léxico. Isso ocorre porque, pela regra do jornalismo, é

necessário evitar o uso de gírias, salvo em casos especiais, já que a gíria é uma

peculiaridade ou modificação produzida na língua, dando muitas vezes um novo

significado à expressão. A gíria é considerada pelos estudiosos um desvio nas

normas da língua materna.

No caso do uso intencional ou não da ambigüidade pelos interlocutores em

um enunciado, não há elementos que o comprovem com certeza. Mas é possível,

com algumas dicas do próprio texto, supor se houve intencionalidade no discurso.

Percebe-se que ainda há uma longa estrada no campo da Análise do

Discurso a ser percorrida no que se refere ao estudo da ambigüidade,

principalmente no português falado no Brasil, uma vez que a metáfora tem destaque

no cotidiano da fala e da escrita. Deve-se desconsiderar que a presença da

ambigüidade é um problema/erro na língua. O assunto precisa receber atenção

necessária, pois está mais presente nos atos da fala e da escrita do que se pode

imaginar.

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MARTINS, Eduardo. O Estado de São Paulo: Manual de redação e estilo. 2. ed. São Paulo: Maltese, 1992. MOURA, Heronides Maurílio de Melo. Significação e contexto: uma introdução a questões de semântica e pragmática. 2. ed. Florianópolis: Insular, 2000. NAKAMURA, Tânia Serrano. Ambigüidade. Especial para UOL. Disponível em <http://www.vestibular.uol.com.br/redacao>. Acesso em 10 de mar. 2007. ORLANDI, Eni Puccinelli. O que é lingüística? 5. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1992. RODRIGUES, Adriano Duarte. Actos de Linguagem (Speech Acts). Disponível em <http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/A/actos_linguagem.htm>. Acesso em 17 de fev. de 2008. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. 17. ed. São Paulo, Editora Cultrix, 1993. SEARLE, John. Actos de Habla: Ensayo de filosofía del lenguaje. 5. ed. Madrid: Cátedra, 2001. SILVA, Gustavo Adolfo Pinheiro da. A lingüística do séc. XX: Balanço crítico. Disponível em <http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno03-03.html>. Acesso em 17 de fev. de 2008. SOARES, Rasana Muniz. A construção do sentido nas produções textuais dos alunos. Disponível em <http://www.filologia.org.br/linguagememrevista>. Acesso em 17 de fev. de 2008. SODRÉ. Muniz. Técnica de reportagem: notas sobre a narrativa jornalística. 2. ed. São Paulo: Editora Summus, 1986.

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Anexo 1 – As perguntas

1 - Para você, o que é ambigüidade?

2 - A ambigüidade é, na sua opinião, um erro ou um recurso? Esse recurso pode

auxiliar o jor nalista na construção do texto? Por quê?

3 - Você estudou o tema ambigüidade em sala de aula? Se a resposta for

positiva, como avalia o conteúdo e o tempo dedicado a ele? Se for negativa,

você sente necessidade de estudar o assunto? Por quê?

4 - Para você, a ambigüidade deve ser proibida no jornalismo? Por quê?

5 - Ao ler uma notícia você detecta com facilidade frases ou expressões

ambíguas?

6 - Cite quando a ambigüidade pode ser negativa e quando pode ser positiva em

um texto jornalístico. Apresente, se desejar, exemplos para reforçar sua

opinião.

7 - Na sua avaliação, os jornalistas têm consciência de que os textos que

produzem podem apresentar ambigüidade? Por quê?

8 - Se desejar, faça considerações sobre o assunto.

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Anexo 2 - Entrevistado 1

1 - Pra mim, ambiguidade é quando algo passa a ter mais de uma

interpretação. Seja ao lermos algo, ou vermos, o objeto adquire,

dependendo do nosso ponto de vista, vários sentidos ou significados.

2 - Na minha opinião a ambiguidade pode ser um recurso estilístico, no

caso da literatura, ou então, no caso do cinema, como já aconteceu com

Bazin. Mas no Jornalismo, vejo a ambiguidade como um erro, porque o

jornalista não pode deixar que a notícia tenha várias interpretações

por parte do leitor. Ele deve mostrar a notícia de maneira objetiva, sem ambiguidade.

3 - Não lembro de ter estudo o tema da ambiguidade em sala de aula.

4 - Eu acredito que a ambiguidade deva ser algo proibido sim no

Jornalismo. Até porque o Jornalismo preza a objetividade, a clareza, e

não seria correto escrever uma notícia, reportagem, ou o que quer que

seja, de forma ambígua. Como eu disse anteriormente, em outra questão,

não podemos deixar que o leitor tenha mais de uma interpretação, ele

deve entender o fato como ele realmente aconteceu, não tentar

encontrar vários sentidos e interpretações para aquilo que ele leu.

5 - Ao ler algo, acredito que eu consiga perceber facilmente quando a

frase está ambígua, ou quando alguma expressão possa ter duplo

sentido.

6 - Não consigo enxergar, dentro do Jornalismo, como a ambiguidade

possa ser positiva, até fico curiosa pra saber se existe alguma

maneira. E considero negativa a ambiguidade quando ela interfere no

entendimento do leitor a respeito de algo, quando deixa-o em dúvida

sobre a interpretação dos fatos.

7 - Acredito que os jornalistas tenham consciência da ambiguidade que

seus textos podem apresentar, mas nem sempre percebem-na depois do

texto pronto. É um erro, do meu ponto de vista, que qualquer

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jornalista pode comenter, embora deva cuidar para evitá-lo.

8 - Não tenho nenhuma consideração a fazer sobre o assunto, e qualquer

dúvida que tenha ficado sobre minhas respostas, só entrar em contato

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Anexo 3 – Entrevistado 2

1 – Ambigüidade é uma expressão com duplo sentido, frase em que não

conseguimos entender o verdadeiro significado por possuir duas perspectivas

divergentes.

2 – É um erro e por isso só atrapalha o jornalista na construção do texto, porque a

função desse profissional é informar ao leitor claramente, sem duplo sentido.

3 – Não me lembro de ter estudado. Acho que seria interessante tratar sobre o

assunto, para mostrar aos alnos como evitar esse tipo de cilada.

4 – Deveria, justamente por confundir, papel que não cabe ao jornalista.

5 – Normalmente sim, é bem visível.

6 – Conforme já explanei nas outras questões, a ambigüidade só pode ser negativa

do meu ponto de vista, por não deixar clara as informações ao leitor.

7 – Eu acho que não, porque se tivessem não o fariam, visto que não desejam isso.

A não ser em um texto opinativo, onde o jornalista quer que seu leitor pense na

questão. Tire por ele mesmo o verdadeiro sentido da expressão, sua conclusão dos

fatos.

8 – Ambigüidade é um assunto interessante de se tratar e não me lembro de tê-lo

visto citado anteriormente. Ao responder esse questionário, desejei ter mais

conhecimento acerca.

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Anexo 4 – Entrevistado 3

1 – Ação ou palavra de duplo sentido

2 – Partindo do pressuposto que o jornalismo deve seor o mais claro e objetivo

possível e que sua mensagem deve atingir o maior número de pessoas as quais se

estima, percebo a ambigüidade como um erro. Creio que a ambigüidade deve ser

utilizada apenas em textos opinativos e não informativos.

3 – Não. Acredito que possa ser estudado em sala de aula, pois dessa forma, pode

ser melhor trabalhado no texto opinativo.

4 – Conforme já citado, deve ser proibida no texto informativo, visto que pode

confundir o leitor, quando o papel do jornalista é o de esclarecer.

5 – Acredito que sim, pois as mesmas dificultam oentendimento do contexto da

informação.

6 – É negativa quando utilizada em texto informativo, dando duplo sentido a uma

informação que deve ser direta e clara. É positiva quando utilizada em texto

opinativo, ampliando o raciocínio de quem escreve e de quem lê.

7 – Creio que não. Pois não é um tema muito trabalhado na faculdade ou discutido

nas redações – a menos que apareça em algum texto para ser rapidamente cortada

pelo editor.

8 – Entregue em branco

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Anexo 5 – Entrevistado 4

1 - É aquilo que tem mais de um sentido ou significado.

2 - Depende. Acredito que, às vezes, pode ser um bom recurso, mas pode confundir

quem lê o texto. Auxilia sim, porém o jornalista deve ter cuidado ao usá-lo, a fim de

não passar ao leitor a sensação de que o texto tem mais de dois sentidos. Como

uma forma de "brincar" com o texto, acho interessante.

3 - Não que eu me lembre. De repente foi apenas citado nas aulas de Língua

Portuguesa, mas nada muito explicado. Com certeza sinto que há necessidade em

estudar a ambigüidade, para evitar equívocos nos textos.

4 - Proibida não, mas usada apenas quando não causar mal-estar nos leitores.

5 - Sinceramente, depende da situação. Às vezes, a ambigüidade me passa

despercebida, a não ser que seja uma situação "gritante".

6 - Como já disse anteriormente, quando for uma maneira de "brincar" com a

informação. Exemplo que já foi publicado na imprensa: A queda de Fidel Castro. O

jornalista quis "brincar" com a palavra queda, uma vez que não foi queda do regime

de Fidel, mas o ato de cair no chão.

7 - Acho que muitos têm consciência sim e fazem com essa intenção, mas acredito

que alguns, inocentemente, fazem a ambigüidade sem perceber.

8 - Volto a repetir que a ambigüidade pode ser um recurso saudável, desde que

usado com responsabilidade. O problema é que, certas vezes, o recurso acaba

sendo mal interpretado pelos leitores. É importante que os jornalistas também

observem o público que eles estão tratando, pois dependendo o recurso pode ser

muito mal interpretado.

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Anexo 6 – Entrevistado 5

1 - Ambigüidade é duplo sentido.

2 - Para mim ambigüidade pode ser um recurso, mas também não pode ser sempre

utilizada.

3 - Sim, mas não a fundo, de maneira bem superficial. Não sinto necessidade de

estudar o assunto.

4 - Não

5 - Sim.

6 - Não respondeu

7 - Sim, ou pelo menos deveriam ter

8 – Entregue em branco

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Anexo 7 – Entrevistado 6

1 – Algo que não é bem objetivo, que é muito amplo.

2 – Pode ser um bom recurso para aprofundar um assunto e mostrar os dois lados.

Com certeza pode ajudar.

3 – Não me lembro se já estudei o assunto. Agora, ao responder esse questionário

vejo sim que preciso estudar ambigüidade.

4 – Não

5 – Nunca percebi.

6 – Não respondeu

7 – Acho que nem todos têm consciência.

8 – Sem resposta

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Anexo 8 – Entrevistado 7

1 - Em jornalismo, creio que ambigüidade, quando não feita propositadamente para

se buscar uma reação própria do leitor, é o resultado de um texto mal escrito. A

clareza de idéias e a objetividade são qualidades intrínsecas a um bom texto

jornalístico, e com isso não digo que não é possível se escrever grandes

reportagens ou matérias sendo subjeitvo ou até, porque não, imparcial. Ambigüidade

é uma coisa bem diferente de subjetividade.

2 - Não tenho dúvidas de que um texto ambíguo não é um bom texto jornalístico

(reitero que me refiro ao texto jornalístico diário), por possibilitar diversas

interpretações do que o jornalista quer dizer. Assim, digo que a ambigüidade é um

erro. Uma matéria tem que dizer exatamente aquilo que o jornalista quer dizer, não

importando o modo como ele quer dizer.

3 - Não me recordo de termos discutido a ambigüidade em sala de aula. Acho que

não seria necessário uma discussão aprofundada sobre o tema em sala de aula, na

medida em que, desse modo, teríamos de discutir da mesma maneira, também,

todos os erros praticados na profissão. Mas, creio que qualquer tipo de estudo, mais

ou menos aprofundado, que possa contribuir para a formação do jornalista como

profissional é importante, apesar de achar que a técnica é muito abordada na

formação do jornalista, ao contrário da formação intelectual, que vem sendo deixada

em segundo plano.

4 – Acho que todo e qualquer tipo de proibição, quando falamos de texto, não

importando se jornalístico ou literário, não é salutar. O jornalista tem de ter liberdade

para poder criar, usar seus estilos e dar uma cara própria para o seu texto. A

ambigüidade em um texto de um jornal diário é um erro, mas em uma revista, tipo a

Piauí ou a clássica New Yorker, pode dar um toque a mais em uma matéria,

enriquecendo-a. Grandes clássicos do jornalismo mundial são repletos de

ambigüidades e passagens que temos de reler diversas vezes para entendermos.

Nesses casos, acho que a ambigüidade pode ser até bem vinda.

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5 - Eu, particularmente, sim. Mas o público leitor médio não tem a nossa formação e

a ambgüidade pode confundir e fazer com que se entenda algo diferente do que o

autor do texto quis dizer. O que, jornalisticamente falando, significa erro do jornalista

que não se fez entender.

6 - Como já falei, em um texto de jornalismo literário, por exemplo, a ambigüidade

pode ser bem vinda, um recurso estilístico do autor. Quando existente em um texto

jornalístico de um jornal informativo diário, para mim, é sempre um erro.

7 - Acho que sim, a não ser quando a ambigüidade for muito sutil, quase que

imperceptível. Porque, pelo menos é o que se espera, um jornalista é uma

pessoa que tem contato íntimo e diário com as palavras. Teoricamente, as domina.

E, em razão disso, qualquer tipo de ambigüidade maior pode ser percebida

facilmente. Apesar de sabermos que o ritmo acelerado do trabalho nas redações

quase que impossibilita que o jornalista seja um leitor habitual de texto que não

sejam os seus ou os publicados por seu jornal.

8 – Entregue em branco

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Anexo 9 – Entrevistado 8

1 - Para mim, a ambigüidade é caracterizada pelo uso ou omissão, intencional ou

não, de expressões que permitam interpretações diversas ou até contraditórias de

um mesmo texto.

2 - Acho que até pode ser utilizada como um recurso, mas acredito que na maioria

dos casos ela ocorre por erro ou descuido mesmo. Não acho que seja um recurso

pertinente a textos jornalísticas, que devem procurar ser diretos e objetivos.

3 - Não estudei. Não sei se seria necessário estudar especificamente a

ambigüidade, mas sim o fato de que as informações devem estar apresentadas da

maneira mais clara e direta possível, de forma a reduzir ao máximo o número de

interpretações diferentes do mesmo texto.

4 - Acho complicado a proibição do que quer que seja em relação à produção de

textos jornalísticos, visto que qualquer descuido poderia resultar em censura

indiscriminada ao estilo próprio do jornalista.

5 - Sim. Sou muito crítico em relação a textos alheios e detecto facilmente quaisquer

detalhes que possam gerar dúvidas em relação à informação apresentada.

6 - A ambigüidade é negativa quando impede os leitores/espectadores de

formularem uma opinião própria a respeito do tema. Por exemplo, no jornalismo

policial, quando o texto pode ser trabalhado de forma a favorecer o pré-julgamento

dos acusados por parte do público. A ambigüidade só pode parecer positiva no

jornalismo opinativo ou em matérias nas quais o conselho editorial tenha algum

interesse concreto - nesse caso, é positiva para quem produz e não para quem lê/vê

a informação.

7 - Os jornalistas têm consciência sim, mas acho que não cuidam muito.

8 - Sem resposta

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Anexo 10 – Entrevistado 9

1 - A ambigüidade, para mim, é quando tu diz ou escreve alguma coisa que pode ter

mais de um sentido.

2 - Não consigo imaginar uma forma onde a ambigüidade seja um recurso válido.

Acho que ela não é algo que ajude na construção do texto.

3 - Não me lembro de ter estudado o assunto de forma específica. Em algumas

aulas de produção de texto até poderia ser algo que o professor chamasse a

atenção, mas nunca uma aula especial. Acho que é um assunto que entra na lista de

algumas manias que muitos temos ao escrever ou falar, e trabalhar essas questões

faz parte das aulas de português e/ou redação.

4 - Acho que deve ser evitada. Mas em determinadas situações a pessoa pode usar

sem que isso prejudique o texto,

5 - Dependendo do contexto, não chego a perceber. Estando claro que aquilo só

pode significar uma coisa, mesmo gramaticalmente podendo também ser outra,

acho que não tem problema.

6 - Negativa: Conversando com Fulano, Ciclano descobriu o seu problema. (neste

caso não é possível determinar de quem é o problema)

Neutra: Fulano vestiu o seu casaco e saiu. (se o contexto estiver claro, a afirmação é

claro no sentido de que o casaco é de Fulano, e não da pessoa que está lendo)

7 - É algo que muitas vezes pode passar despercebido, justamente por ser algo que

estamos acostumados em usar.

8 - Sem considerações sobre o assunto

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Anexo 11 – Entrevistado 10

1 - Ambigüidade é a incerteza, a imprecisão, a insegurança, o duplo sentido, a falta

de objetividade.

2 - A ambigüidade é curiosamente os dois. Trata-se de um erro, quando e porque o

texto foge da objetividade pregada porqualquer qualquer recomendação ou manual

de jornalismo. Trata-se de um recurso justamente porque foge desse

comportamento manualesco que estabelece normas rígidas de escrever um texto.

Os manuais exigem objetividade, mas escrever é naturalmente subjetivo. E no

jornalismo escrever é pôr em ordem a desordem do mundo. Mas quando vamos

admitir a ambigüidade num texto? Quando encontramos um formato alternativo, que

sai do convencional, que seduz o leitor, seja pelas informações que usa, seja pela

ordem das frases, seja pelos valores que prega.

3 - Não lembro de ter estudado. Não senti necessidade.

4 – Ao mesmo tempo que o jornalismo condena a ambigüidade, ele a premia pela

sua criatividade, por fugir do lugar comum. Se ambigüidade é incerteza, ela está

presente no dia a dia do jornalismo, porque um jornalista está em constante conflito

entre publicar e não publicar, usar tal palavra mais forte ou não, escolher

determinada foto. Inicialmente, parece fácil, porque ele tem simplesmente que tomar

uma decisão em nome da informação precisa. Mas há limites velados que cercam o

jornalista, em razão de uma redação dos tempos de hoje pertencer a uma linha de

montagem de uma empresa de comunicação que visa ao lucro. Logo, fazer

jornalismo é comer um doce proibido. O jornalista vive o conflito em atender os

interesses de sua própria consciência, os interesses institucionais da empresa, em

ousar, em ser leviano, em ter coragem, em se reconhecer covarde. Ele pensa no dia

seguinte, na repercussão, na reação do patrão, da pessoa atingida, do leitor ávido e

exigente por informação qualificada, do leitor indiferente, do seu próprio medo, do

seu assombro. Essas ambigüidades, de alguma forma, estarão presentes no texto.

5 - Às vezes, nota-se pela falta de qualidade do texto; noutras, pelas informações

imprecisas. Há uma ambigüidade que julgo "inteligente", porque é consciente, é o

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repasse do conflito. Mas aí, se permite o trocadilho, o jornalista é preciso em

registrar a imprecisão.

6 - Já respondi acima.

7 - Acho que também já respondi na 5.

8 – Sem considerações

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Anexo 12 – Entrevistado 11

ambigüidade

am.bi.güi.da.de

sf (lat ambiguitate) 1 Gram Anfibologia, obscuridade das palavras ou

expressões, que pode causar várias interpretações 2 Dúvida, incerteza,

irresolução. Antônimo: clareza, precisão, certeza.

1 - Ser ambíguo é não ser claro, é fazer afirmações deixando uma porta

entreaberta para explicar-se com outro tipo de interpretação do que foi

dito ou escrito. Ser ambíguo, portanto, é não ser preciso, claro.

2 - Considero a precisão de informação e a honestidade elementos essenciais ao

jornalismo. E refiro-me especificamente ao texto de reportagens, o noticiário em si.

Aquele conjunto de matérias que visam a informar o leitor sobre o que está

acontecendo. Assim ambigüidade não é elemento válido nesse tipo de texto. Ser

ambíguo, no caso, é ser desonesto, uma característica que afeta o que o jornalista –

e o jornalismo – tem de mais caro: a credibilidade. Em colunas, artigos e editoriais

aceito a ambigüidade como recurso que pode dar mais beleza, produzir um certo

mistério e proporcionar um texto mais instigante. Em notícia, a ambigüidade é

deletéria, danosa, desmoralizadora.

3 - Não estudei o tema. Acho que deveria ter sido abordado na cadeira de ética da

Famecos (1974-1978), mas esse assunto ou não entrou nos conteúdos

programados para a cadeira ou a abordagem não teve valor suficiente pra ficar na

minha memória. É evidente que o tema merece estudos. Faz parte do dia-a-dia das

redações. Quando um editor examina o texto de um repórter e encontra uma

frase/informação/afirmação ambígua o que ele faz? Chama o autor e esclarece o

assunto. E isso deve ocorrer todos os dias em todas as redações do mundo, menos

naquelas em que os textos são irretocáveis (será que existem?). Essa conversa de

todo dia acaba substituindo a discussão acadêmica. As duas abordagens – a

acadêmica e a do dia-a-dia - não são excludentes. O ideal seria mesmo que as

discussões da redação fossem levadas para os bancos das faculdades de

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jornalismo. Seria uma forma de arejar redações e as faculdades com ventos da

clareza que o jornalismo bem intencionado não pode dispensar.

4 - Não gosto de proibições de nenhum tipo nessa área da atividade humana. Seria

uma espécie de censura, coisa que todo o jornalista abomina, embora a enfrente

também diariamente (aquela conversa da área comercial de um jornal, insinuando

que tal notícia não deve sair ou não pode ser divulgada com total clareza é uma das

manifestações da censura de todo dia). O uso da ambigüidade no jornalismo cobra

seu preço imediatamente, sem a necessidade de censura. O leitor, ouvinte,

telespectador ou internauta deixa de acreditar no veículo que não é claro em suas

informações e que utiliza a ambigüidade como forma de não se comprometer com

determinada notícia. O preço é cobrado em seguida porque logo surge na mente do

consumidor daquela notícia uma certa desconfiança. A repetição dessa maneira de

informar – sem precisão – logo afasta o seu consumidor. Pronto. Está completo o

ciclo sem que seja necessário um passinho que seja em direção à proibição.

5 e 6 Sem respostas

7- Na medida em que as redações preocupam-se com a precisão da informação, a

ambigüidade é, naturalmente afastada dos textos publicados. O nível intelectual das

redações tem se fortalecido com a entrada de jovens jornalistas muito melhor

preparados do que, por exemplo, nos anos 70, quando comecei a rastejar no

jornalismo. Esses jovens chegam com uma carga de conhecimento muito grande e

só precisam de um pequeno empurrãozinho, um conselho aqui, outro ali, um alerta

agora, outro depois de amanhã e estão prontos para correr atrás do grande objetivo

da comunicação social – o aprimoramento da sociedade. Assim, mesmo que não

tragam especificamente conhecimentos sobre os danos da ambigüidade, esses

focas certamente carregam consigo as preocupações com a precisão das

informações. O que, no fundo, é a mesma coisa.

8 - Este é um conhecimento que trago comigo desde os primeiros passos, no

longínquo ano de 1971, quando comecei a escrever para a sucursal de Porto Alegre

do jornal O Estado de S.Paulo – não podemos errar, não podemos passar

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informação equivocada ou pela metade porque o leitor corre o risco de cometer atos

a partir daquela informação porque acredita no veículo que lhe passou a informação.

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Anexo 13 – Entrevistado 12

1 - Ambigüidade, para mim, é duplo sentido, como referem os dicionários. No texto,

é uma possibilidade de dupla interpretação.

2 - Na maior parte dos casos é um erro porque a função maior do texto é promover a

comunicação da maneira mais clara. Só é recurso para um determinado objetivo que

é exatamente provocar, no leitor, a oportunidade de caminhar pelos vários sentidos

das palavras.

3 - Não estudei esse tema específico em sala de aula. Sempre me interessei pelo

sentido das palavras e principalmente pelas origens semânticas e gostaria sim de

estudar esse assunto.

4 - Não se trata de uma questão de proibição, mas de orientação. Como me referi no

item 2, o objetivo de todo texto é a interpretação correta. Uma digressão por uma

idéia diferente do que se propõe me parece perda absoluta de tempo. O poeta Mario

Quintana disse uma vez que "quando o leitor não entende o que o autor quis dizer

com o que disse, um dos dois é burro". Eu acrescento: "ou os dois".

5 - Há casos em que se pode detectar ambigüidade. Há outros que só o autor ou

nem o autor percebe essa ambiguidade. Pode ser que eu esteja sendo ambígüo,

mas tudo bem.

6 - Exemplo negativo: "O homem foi encontrado morto por policiais militares no meio

da vila. (Dá a idéia de que foram os policiais que mataram (até estaria certo se a

idéia fosse dizer que os PMs mataram o sujeito.)

Exemplo positivo: Pato voa para a Itália (referindo-se ao jogador Alexandre

Rodrigues, do Internacional, transferido para o futebol italiano)

7 - Nem todos têm consciência. Às vezes isso acontece devido à correria no fazer

diário de um jornal. Textos e principalmente títulos de matérias sem ambigüidades

são importantes para facilitar a compreensão por parte de quem lê

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Anexo 14 – Entrevistado 13

1 - Ambigüidade é o efeito produzido por frase, expressões ou discursos inteiros,

que leva a mais de um entendimento da idéia, mensagem ou informação.

2 - Pode ser um recurso em literatura, mas no jornalismo é, se não um erro, pelo

menos um descuido com a linguagem, cujo efeito pode ser a falta de clareza na

informação jornalística.

3 - Sim, o assunto é contemplado no capítulo linguagem das disciplinas de Redação

Jornalística e tem dado bons resultados entre os alunos.

4 - Como podemos proibir? Recolhendo os textos produzidos? Infelizmente, em

jornalismo, muito só se descobre depois de publicado. O ideal é retomar a ética, por

um lado, para evitar o texto de “má-fé”, e, por outro, trabalhar a linguagem na

formação do jornalista, de tal forma que ele deixe de provocar a ambigüidade por

escrever mal.

5 - Em algumas isso é mais visível; em outras é preciso mais prática e análise

cuidadosa.

6 - Estou entendendo aqui a ambigüidade como a produção de duplo sentido que

leva ao “desvio” da informação, como no exemplo da revista Veja que publicou

referindo-se ao Brasil nas suas relações com Cuba: “para um país (o nosso) que tem

relações mais do que diplomáticas com Cuba...”. A reportagem não diz mais nada

sobre tais relações, não explica, não esclarece. O que ela quer insinuar? Isso vem

em prejuízo da informação e, assim, é sempre negativa.

7 - A maioria sim. Mas sempre há os que ingenuamente constroem o texto sem se

dar conta dos seus efeitos.

8 - Se desejar, faça considerações sobre o assunto.

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Anexo 15 – Entrevistado 14

1 - É uma concessão à dúvida ou mais de uma interpretação

2 - Não sei se não é o caso de te responder de forma ambígua. De um lado pode ser

um recurso, de outro, um erro. Mas o jornalista deve primar pela precisão como fator

de qualidade de sua produção de informação.

3 - Não de forma objetiva, como me propões. Dentro do contexto da ética, da

verdade como valor das boas práticas do jornalismo, sim.

Mas não dedico grande tempo ao tema, pois penso que ética é um valor que cada

um traz uma certa carga a partir de sua educação.

Não tenho a pretensão de ser o salvador da moral dos alunos.

4 - Não, prefiro a relativização do tema no campo da ética e da boa construção de

um texto.

5 - Não só no jornalismo, mas em muitos textos oficiais, oriundos de discursos de

políticos, relatórios de governo, etc.... Alías eles são experts nisso. Já os jornalistas,

muitas ezes são vítimas destas colocações ambíguas. Mas não posso negar que

alguns jornalsitas também sabem usar com habilidade deste recurso.

6 - Negativa quando tem o propósito de dar margem a outros entendimentos, ou

quando apenas serve para "desinformar" o público.

Positiva, quando há dúvidas sobre o mérito de certo fato a ser relatado. Aí podemos

deixar que o leitor tire suas próprias conclusões, servindo-se de alguma coisa que

anda no limiar da ambiguidade

7 - A maioria sim, mas alguns servem-se deste expediente de boa fé, e outros, com

segundas intenções.

8 - Entregue em branco

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Anexo 16 – Entrevistado 15

1 - É que o permite mais de uma interpretação. É o que é dúbio, impreciso, tem mais

de uma forma de ser compreendido.

2 - Não creio que seja erro e nem recurso intencional. A ambiguidade é incompatível

com o jornalismo porque o jornalismo supõe precisão, objetividade, clareza.

3 - Não chego a trabalhar diretamente com esse tema, a ambigüidade, pois o que

procuro passar aos alunos nas aulas de telejornalismo é que nossa profissão exige

objetividade, clareza, precisão. O que é ambíguo é impreciso, não é claro, leva à

dúvidas e não a certezas absolutas.

4 - Não, nada deve ser proibido no jornalismo, a não ser a desonestidade intelectual.

A ambiguidade não é recomendável pois em vez de ajudar ela vai atrapalhar no

conteúdo da mensagem que o jornalista deve passar.

5 - Sim, todo o dia nos jornais, sites, na rádio ou na tv. Muitas vezes, o jornalista ao

produzir seu texto, por não ter certeza da informação que obteve, acaba sendo

impreciso, ambíguo, pouco claro. quantas matérias sovê já viu que dizem uma coisa

no início e outra no final? Erro de quem não teve convicção do que escreveu.

6 - Negativa sempre, positiva nunca. A ambiguidade é incompatível com o texto

jornalístico.

7 - Deveriam ter, mas não creio que tenham o tempo todo. Hoje as pessoas tem

pressa em colocar logo a informação no ar e nem sempre checam a notícia antes de

publicá-la. vou dar um exemplo ocorrido hoje, dia 12 de outubro de 2007 no início da

manhã. No site do Estadão foi dada a notícia de que o ator Paulo Autran havia

morrido em São Paulo. Na mesma hora a Rádio Gaúcha colocou no ar a informação.

Era errada. ele estava mal masnão morrera. Minuitos depois o site do Estadão

retirou a notícia e a Gaúcha teve que pedir desculpas no ar pelo erro. Os dois

erraram por dar uma notícia que era prevista pois o ator estava mal no hospital mas

ainda não tinha ocorrido a morte dele.

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8 - Vou resumir numa frase. O bom jornalismo não pode ser ambíguo. Deve ser

claro, objetivo e direto. Deve esclarecer e não confundir as coisas. O jornalísmo

nunca pode ser ambíguo.