justiÇa social no brasil em weber e durkheim ----- (maérlio machado)
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FACULDADE INTEGRADA DA GRANDE FORTALEZA CURSO DE DIREITO
JUSTIÇA SOCIAL NO BRASIL NA VISÃODE
WEBER E DURKHEIM
MAÉRLIO MACHADO DE OLIVEIRA
FORTALEZA, 2004
JUSTIÇA SOCIAL NO BRASIL NA VISÃODE
WEBER E DURKHEIM
MAÉRLIO MACHADO DE OLIVEIRA
Professor: Alexandre Carneiro
Trabalho apresentado à disciplina Sociologia Jurídica, do Curso de Direito, para obtenção de nota.
FORTALEZA – CE
2004
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
REFERENCIAL TEÓRICO
1 O conceito de ‘justiça social’
1.1 Conceito de cidadania
1.2 Da cidadania helênica à cidadania liberal
1.3 As transformações da cidadania liberal
1.4 A cidadania do estado democrático de direito
1.5 Cidadania: paradigma de análise da Política Social
1.6 Cidadania e justiça social
1.7 O acesso à justiça e a cidadania moderna
2 Dimensão econômica de justiça social
2.1 ‘Justiça social’ sob a égide do direito
3 A sociologia do direito segundo Durkheim
4 A ordem jurídica e econômica de Weber
5 A relação entre Durkheim e Weber
6 A contribuição da economia para a justiça social no Brasil
7 Aspectos sobre direito e economia
7.1 O Judiciário como Instituição Econômica
7.2 Como avaliar a qualidade do judiciário enquanto instituição
econômica
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
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INTRODUÇÃO
A estratégia de subordinação ao neoliberalismo além de não permitir o
resgate da imensa dívida social, que esse modelo nos causou até agora,
também coloca para o futuro do Brasil o aumento da exclusão social, tanto
pelo aumento do desemprego como pela precarização nas relações de
trabalho.
Justiça social, maior equilíbrio regional e emprego são os grandes
desafios que todos teremos que enfrentar. Dessa forma, caberá a todo o
campo democrático popular construir, a partir das diversas iniciativas
nesses três campos, uma alternativa concreta de desenvolvimento para o
país. Esse esforço prático e teórico pode desarmar a armadilha política que
estamos vivendo há quase três anos. Onde os conservadores foram
vitoriosos em criar, no imaginário popular, a ilusão de que são a garantia da
estabilidade e do caminho para um belo futuro; e aqueles que se lhes
opõem são os dinossauros.
É tarefa crucial debater com a opinião pública. Mostrar que o ajuste
neoliberal é incapaz de conciliar a estabilização com crescimento
econômico, justiça social, distribuição de renda e desenvolvimento regional.
Além disso, é preciso mostrar que as oposições são portadoras de
propostas concretas, capazes de conciliar estabilidade com
desenvolvimento econômico e social.
A democracia não é apenas um regime político com partidos e
eleições livres. É, sobretudo uma forma de existência social. Democrática é
uma sociedade aberta, que permite sempre a criação de novos direitos. Os
movimentos sociais, nas suas lutas, transformaram os direitos declarados
formalmente em direitos reais. As lutas pela liberdade e igualdade
ampliaram os direitos civis e políticos da cidadania, criaram os direitos
sociais, os direitos das chamadas minorias - mulheres, crianças, idosos,
minorias étnicas e sexuais - e, pelas lutas ecológicas, o direito ao meio
ambiente sadio.
Um Estado democrático é aquele que considera o conflito legítimo.
Não só trabalha politicamente os diversos interesses e necessidades
particulares existentes na sociedade, como procura instituí-los em direitos
universais reconhecidos formalmente. Os indivíduos e grupos organizam-se
em associações, movimentos sociais, sindicatos e partidos constituindo um
contra-poder social que limita o poder do Estado. Uma sociedade
democrática não cessa de trabalhar suas divisões e diferenças internas, e
está sempre aberta à ampliação dos direitos existentes e à criação de novos
direitos.
A cidadania, definida pelos princípios da democracia, se constitui na
criação de espaços sociais de luta (movimentos sociais) e na definição de
instituições permanentes para a expressão política (partidos, órgãos
públicos), significando necessariamente conquista e consolidação social e
política. A cidadania passiva, outorgada pelo Estado, se diferencia da
cidadania ativa em que o cidadão, portador de direitos e deveres, é
essencialmente criador de direitos para abrir novos espaços de participação
política.
A democracia, entendida como uma forma de existência social, não
subsiste sem o respeito aos compromissos e obrigações assumidos entre os
seus integrantes. O desrespeito às soluções negociadas e acordadas
exacerba as divisões e diferenças internas da estrutura social, fazendo
tábua rasa da cidadania, dos espaços sociais de luta e das instituições
permanentes responsáveis pela expressão política.
Este trabalho discute as conseqüências da qualidade das instituições
jurídicas para o crescimento econômico de um país, objetivando o alcance
da justiça social. Também discute as relações de cooperação e confronto
entre direito, economia, e em particular o desempenho da justiça social e o
funcionamento da economia.
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Nesse sentido essas relações de cooperação e confronto entre direito
e economia, e em particular a relação entre o desempenho do judiciário e o
funcionamento da economia, são o objeto deste trabalho. Nesse sentido, ele
tem como objetivo principal analisar os diferentes canais através dos quais
o desempenho da justiça social afeta o comportamento dos agentes
econômicos e, indiretamente, o desenvolvimento econômico e social.
O interesse pelo tema surgiu a partir da necessidade de entender
melhor esse contexto, de responder a questionamentos quanto à justiça
social, cidadania e aspectos sobre economia e direito, suas implicações
sociais, e tantas interrogações que perpassam o cotidiano na aplicação da
medida sobre a contribuição da economia para a justiça social. A pesquisa
mostra-se, então, como melhor instrumento para dar respostas a tais
perguntas e inquietações.
Este trabalho foi elaborado numa abordagem qualitativa, seguindo as
diretrizes de uma pesquisa bibliográfica, baseada em publicações e na
Internet, sendo empregado um referencial teórico capaz de oportunizar o
conhecimento sobre justiça social, cidadania e aspectos relevantes sobre
economia e direito. O estudo tem caráter descritivo. Apesar da vasta
literatura referente ao tema, observa-se que a conceituação dos termos tem
sido apresentada de forma confusa e algumas vezes até contraditória. A
partir da pesquisa bibliográfica sobre o conceito de justiça social no Brasil,
esta pesquisa busca identificar semelhanças e divergências nas diferentes
abordagens do tema, de forma a contribuir para o seu tratamento teórico e
aplicação prática.
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REFERENCAL TEÓRICO
1. O conceito de ‘justiça social’
Descobrir o significado do que se costuma chamar de 'justiça social' tem sido, há mais de dez anos, uma das minhas maiores preocupações. Não consegui esse intento - ou melhor, cheguei à conclusão de que, com referência a uma sociedade de homens livres, a expressão 'justiça social' não tem o menor significado. (HAYEK, 1984, p. 72).
Continuando, referido autor esclarece que a justiça ‘social’ (ou
econômica), expressão com não mais de cem anos, é fruto da interpretação
dos resultados do ordenamento espontâneo do mercado como se algum ser
pensante os dirigisse deliberadamente, ou como se os benefícios ou o
prejuízo específicos que diferentes pessoas deles derivavam fossem
determinados por atos deliberados de vontade, podendo, assim, ser regidos
por normas morais.
Hayek cita que John Stuart Mill aproximou os dois termos, com duas
proposições:
A sociedade deveria tratar igualmente bem os que dela igualmente o mereceram, isto é, que mereceram de modo absolutamente igual. Este é o mais elevado padrão abstrato de justiça social e distributiva, para o qual todas as instituições e os esforços de todos os cidadãos virtuosos deveriam ser levados a convergir o máximo possível. (HAYEK, 1984, p. 81)
Ou esta:
É universalmente considerado justo que cada pessoa obtenha o que merece (seja bom ou mau), e injusto que obtenha um bem, ou seja, submetida a um mal que não merece. Esta é talvez a mais clara e mais enfática forma em que a idéia de justiça é concebida pelo senso comum. Como envolve a idéia do merecimento, surge a questão do que constitui o merecimento. (HAYEK, 1984, p. 81)
Mill (1991), parece, não se apercebeu de que, nesta acepção, o termo
justiça se refere a situações inteiramente diversas daquelas a que se
aplicam as outras quatro, ou de que esta concepção de ‘justiça social’
conduz diretamente ao pleno socialismo.
As proposições vinculam explicitamente a ‘justiça social e distributiva’
ao ‘tratamento’ dado pela sociedade aos indivíduos segundo seu
‘merecimento’, revelam com a máxima clareza o quanto ela difere da pura e
simples justiça, evidenciando ao mesmo tempo, a causa da vacuidade do
conceito: a reivindicação de ‘justiça social’ é dirigida não ao indivíduo, mas à
sociedade. Mas, esta não age em direção a um propósito específico o que
significa exigir que os membros da sociedade se organizem e distribuam o
produto da sociedade aos indivíduos ou grupos. A questão passa a ser então
qual o padrão de distribuição considerado justo. Indaga Hayek se é moral que
os homens sejam submetidos aos poderes de direção que teriam de ser
exercidos para que os benefícios obtidos pelos indivíduos pudessem ser
significativamente qualificados de justos ou injustos. (HAYEK, 1984, p. 82)
A reivindicação de ‘justiça social’ transformou consideravelmente a
ordem social e continua a transformá-la numa direção jamais prevista por
seus pioneiros. A expressão ‘justiça social’ traduziu desde o início as
aspirações que constituíam a essência do socialismo. A dedicação à causa
da ‘justiça social’ tornou-se, com efeito, o principal meio de expressão da
emoção moral, o atributo distintivo do homem bom, e o sinal reconhecido da
posse de uma consciência moral.
A aceitação quase universal de uma crença não prova que seja válida,
ou mesmo significativa, assim com a crença generalizada em bruxas ou
fantasmas tampouco provava a validade desses conceitos. Aquilo com que
nos defrontamos no caso da ‘justiça social’ é um tolo encantamento,
“simplesmente uma superstição quase religiosa”. Nos dias atuais é a mais
grave ameaça à maioria dos valores de uma civilização livre.
Por acreditarem que algo como a ‘justiça social’ poderia ser alcançado que as pessoas confiaram ao governo poderes que este não pode agora se recusar a empregar para atender às reivindicações do número sempre crescente de grupos de pressão que aprenderam a se valer do ‘abre-te sézamo’ da ‘justiça social’. (HAYEK, 1984, p. 86)
Identifica a ‘justiça social’ como uma miragem que induziu os homens
a abandonarem muitos dos valores que inspiraram, no passado, o
desenvolvimento da civilização. Mas, impelir pessoas de boa vontade à
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ação, além de estar fadado ao malogro, é lamentável, pois destruirá o único
clima em que os valores morais tradicionais podem florescer: a liberdade
individual.
1.1 Conceito de cidadania
A política social, como uma política estatal, vem ganhando relevância
nas formações econômico-sociais capitalistas. Esta relevância, que se
mostra no amplo debate que envolve os mais diferentes segmentos –
sindicatos, movimentos sociais, partidos políticos, organizações não-
governamentais, pesquisadores, tecnocratas, empresários, governo, etc. –,
tem sua justificativa em dois conjuntos de questões: a) econômicas: a crise
fiscal-financeira que tem exigido a reforma do Estado e levado a uma
reavaliação de todas as suas políticas. Do lado da estrutura organizativa
estatal, a política social tem sofrido significativos cortes orçamentários e
programáticos; b) políticas: a tensão existente entre as necessidades
econômicas do capital e as necessidades sociais da população, colocando
em discussão a função do Estado no atendimento à questão social:
Para colocar nos termos de Castel (1995), a questão social é a aporia das sociedades modernas que põe em foco a disjunção, sempre renovada, entre a lógica do mercado e a dinâmica societária, entre a exigência ética dos direitos e os imperativos de eficácia da economia, entre a ordem legal que promete igualdade e a realidade das desigualdades e exclusões tramada na dinâmica das relações de poder e dominação (TELES, 1996, p. 85).
O que se busca, em última análise, é compatibilizar as necessidades
do capital – de valorização, acumulação e concentração – e as
necessidades da população – de atendimento às suas necessidades
básicas, sociais e pessoais.
A questão de fundo é se a ordem capitalista consegue realizar esta
compatibilização. E, aí, encontramos duas respostas polares: sim e não.
Mas encontramos, também, no âmbito destas duas respostas, diferentes
análises e alternativas. O que está se construindo são paradigmas de
análise da política social que possibilitem dar sustentação teórico-
metodológica à sua existência, avaliar suas possibilidades e limites, criar e
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vem ganhando significativo espaço o paradigma da cidadania. O que
significa ser cidadão?
1.2 Da cidadania helênica à cidadania liberal
A temática do Estado na teoria do estado liberal restringia-se a alguns
aspectos considerados relevantes: a forma do estado, os regimes de
governo, os sistemas de governo, a nacionalidade e as relações entre os
diferentes Estados. A própria teoria da representação política foi
desenvolvida, principalmente pelos teóricos políticos, e não pelos juristas,
do século XIX. Explica-se, assim, a reduzida atenção dada ao tema da
cidadania na doutrina liberal do Estado. No entanto, o tema do cidadão,
agente político da sociedade, sempre esteve presente no discurso político.
O sentido que foi dado ao termo entre os pensadores liberais tornou-o
restrito a um grupo social, que se definia em função da propriedade
(MACPHERSON, 1978).
Referido autor esclarece que a primeira formulação do que se entende
por cidadania na cultura cívica do Ocidente ocorreu na Grécia Antiga.
Quando o governo e o povo de Atenas, em 431 a.C., homenagearam os
primeiros mortos atenienses na Guerra do Peloponeso, Péricles, o grande
estadista grego, em nome de seus concidadãos, definiu o que se entendia
por cidadania. Ao dizer que os mortos tinham morrido por uma causa nobre,
a causa de Atenas, o estadista ateniense justificava a sua afirmação
sustentando que Atenas destaca-se, entre as demais cidades gregas, em
virtude de três qualidades: a primeira residia no fato de que o regime
político ateniense atendia aos interesses da maioria dos cidadãos e não os
de uma minoria, e, por essa razão, Atenas era uma democracia; a segunda
qualidade encontrava-se na igualdade de todos perante a lei e na adoção do
critério do mérito para a escolha dos governantes; e, finalmente, Atenas
destacava-se porque a origem social humilde não era obstáculo para a
ascensão social de qualquer cidadão. Esse célebre discurso de Péricles
enunciou um conjunto de direitos, que iriam, séculos mais tarde, constituir a
própria substância da cidadania moderna: a igualdade de todos perante a
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lei, a inexistência de desigualdades sociais impeditivas do acesso social e
no emprego do mérito como critério de escolha dos governantes.
Péricles, entretanto, entendia que esses ideais de civilidade somente
poderiam ser realizados através da participação política dos cidadãos no
governo da comunidade. Entre as cidades gregas, dizia Péricles, os
atenisenses são os únicos a acreditar que "um homem que não se interessa
pela política deve ser considerado não um cidadão pacato, mas um cidadão
inútil" (CHAUÍ, 1985).
A realidade social e política de Atenas não correspondia,
evidentemente, aos ideais proclamados por Péricles. O chamado "século de
ouro"ou o "século de Péricles", foi uma época de alto nível de vida para os
atenienses e de grande brilho para as artes e a literatura. Mas, como explica
Chauí (1985), Tucídides escreveu, posteriormente, que o regime político da
época de Péricles era somente no nome uma democracia, mas, na
realidade, era o governo de um homem só.
Os ideais proclamados na célebre oração fúnebre de Péricles
acabaram, entretanto, incorporados à cultura cívica do Ocidente, sendo,
durante séculos, a principal fonte inspiradora da maioria dos movimentos
contra as tiranias. Representaram, assim, ideais em função dos quais
procurou-se em diferentes momentos da história apresentar-se uma
alternativa diante do status quo. Como quaisquer ideais políticos foram
interpretados de forma diferente, mas mesmo as interpretações divergentes
convergiam no sentido de se definir a cidadania como uma qualidade da
vida política e comunitária.
Na própria Grécia Antiga, esses ideais foram interpretados de forma
diferente pelos seus dois maiores filósofos, Platão e Aristóteles. Platão
sustentava que a massa da população deveria ficar afastada da participação
política, sendo que os governantes deveriam dedicar-se exclusivamente ao
serviço do Estado, sacrificando, assim, qualquer tipo de vida familiar ou
pessoal. O cidadão pleno era, portanto, para Platão, aquele que se dedicava
de forma integral ao governo (CHAUÍ, 1985).
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Essa concepção de cidadãos dedicados, exclusivamente, ao serviço
público de um lado, e de cidadãos excluídos das decisões governamentais,
de outro, reduzidos, portanto, à vida privada, foi contestada por Aristóteles.
O filósofo estagirita ao definir o cidadão recuperou o sentido que lhe fora
atribuído por Péricles: cidadão era aquele que participava nas decisões e
nas funções governamentais. No mesmo livro Aristóteles enfatiza as
virtudes da cidadania clássica, insistindo na necessidade de práticas
comuns religiosas e uma regulamentação bastante ampla da vida privada e
da moral pessoal. Isto porque, para Aristóteles não se deve mesmo
considerar que um cidadão se pertence a si próprio, mas que tudo pertence
à cidade (CHAUÍ, 1985).
A concepção platônica de cidadania, austera e obrigando o cidadão ao
serviço público, transmitiu-se para o pensamento moderno através da obra
de Jean-Jacques Rousseau. Depois de referir-se às leis da liberdade como
sendo tão severas como o "julgo do tirano", o filósofo sublinhava a
necessidade de obrigar-se o homem a ser livre ( Rousseau, Contrato Social,
livro I, cap. VII). Essa concepção da cidadania teve um influência importante
em diferentes movimentos políticos e sociais nos dois últimos séculos.
Ficou, entretanto, restrita a concepção rousseauniana aos regimes políticos
fechados, onde a fidelidade ao Estado constitui o primeiro e mais
abrangente dos deveres cívicos. Pode-se, nesse sentido, falar-se em
cidadania como a obediência aos ditames estatais, sendo as raízes desse
tipo de cidadania claramente distantes da concepção ateniense clássica,
onde a participação do indivíduo era essencial para a caracterização do
estatuto da cidadania. (CHAUÍ, 1985)
As relações da cidadania com os negócios governamentais recuperou
o seu sentido originário, depois da Revolução Francesa de 1789. Entendia-
se, então, a cidadania como sendo a expressão do laço jurídico
estabelecido entre o indivíduo e a sociedade política, que lhe permitia a
participação como sujeito de direitos no governo, além de lhe assegurar
direitos e liberdades. A cidadania revolucionária de 1789, entretanto,
baseava-se na distinção entre o cidadão ativo e o cidadão passivo, sendo
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que o primeiro viria a ser a roupagem política do burguês; o cidadão ativo
deitava suas raízes no "status do homem privado, ao mesmo tempo educado
e proprietário" (id., p. 106).
O instrumento político-institucional que formalizava essa divisão entre
duas categorias de cidadãos era o voto censitário, consagrado na
Constituição brasileira de 1824 (art.90 e segs.). A nossa primeira lei magna
faz, inclusive, referência expressa aos "cidadãos ativos", no art.90. O voto
censitário expressava a preocupação básica do legislador liberal com a
participação democrática na elaboração das leis, que aparecia como uma
ameaça às liberdades individuais; mas o voto censitário acabava refletindo,
também, uma estrutura social, que tinha na propriedade a sua pedra angular
e que em função dela deveria organizar politicamente a sociedade. Pode-se
dizer que a cidadania liberal deitava suas raízes no status econômico e, por
essa razão, não incluía a maioria da população como participantes do
processo político.
1.3 As transformações da cidadania liberal
O processo de democratização do estado liberal durante o século XIX
provocou o alargamento de suas bases sociais, que deixaram de ser,
exclusivamente, de proprietários, dela participando também não
proprietários. Os mecanismos do estado liberal, ainda que consagrando na
prática política e no estatuto legal as desigualdades sociais e econômicas,
possibilitaram a incorporação de novos cidadãos ao espaço público;
precisamente por constituir-se em um estado de direito e aberto, o estado
liberal pressupunha a intervenção do cidadão em diferentes níveis de
participação; o próprio funcionamento da justiça baseava-se na participação
dos cidadãos, como condição de sua eficácia. A participação, ainda que
restrita a alguns grupos sociais encontra-se nas origens do estado liberal,
sendo que para alguns analistas do liberalismo clássico, como Tocqueville,
citado por Castro (1998), a apatia política constituía a maior ameaça à
liberdade.
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A passagem da cidadania liberal para a cidadania do estado
democrático de direito ocorreu no bojo da sociedade liberal, sendo que esse
processo alterou as relações de poder, sendo que se expressou na
concepção de cidadania mais ampla e abrangente do estado democrático de
direito. A incorporação de novos atores políticos no processo legislativo fez
com que as prioridades da ordem jurídico-constitucional fossem alteradas,
estabelecendo-se, então agendas políticas que refletissem os interesses e
os projetos desses grupos emergentes. Para que se possa analisar essas
transformações da cidadania liberal, que desaguaram na concepção de
cidadania encontrada nas constituições democráticas da
contemporaneidade, o modelo proposto por Marshall (1967) pode, mesmo
com suas limitações, servir de guia.
Marshall argumenta que a cidadania moderna é um conjunto de
direitos e obrigações, que compreendem, atualmente, três grupos de
direitos. Os direitos civis que se riam característicos do século XVIII; os
direitos políticos, consagrados nas constituições liberais do século XIX e,
finalmente, os direitos sociais do século XX. O esquema de Marshall, como
todo esquema interpretativo, simplifica o processo histórico, mas apresenta
uma vantagem analítica que contribui para uma compreensão crítica do
processo de formação da cidadania do estado democrático de direito. Isto
porque, Marshall privilegia no processo de democratização do estado liberal
momentos em que um desses grupos de direitos tiveram a sua
predominância.
Uma análise cuidadosa da evolução do estado de direito mostra como
a afirmação inicial dos direitos civis e, posteriormente, dos direitos políticos
não ocorreu de forma semelhante em todos os países. O caso tomado como
paradigmático, por Marshall, o do Grã-Bretanha, não foi o mesmo
encontrado na França ou no Brasil. Os direitos políticos na França foram
antecedidos pelos direitos civis, mas não de forma tão diferenciada como foi
o caso da Grã-Bretanha; no Brasil, os direitos políticos antecederam os
direitos civis, o que pode, talvez, contribuir para explicar a ausência de
elaboração doutrinária sobre esse grupo de direitos na cultura jurídica
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brasileira. Em virtude dessa evolução no tempo é que Bobbio (2002) sugere
que se denomine de direitos de primeira geração, os direitos civis e
políticos, classificando-se os direitos sociais, resultantes do processo de
democratização da cidadania liberal, como sendo direitos de segunda
geração. Vemos, portanto, que a classificação de Bobbio divide os
momentos de formação do direito em função das liberdades e direitos que
estão sendo afirmados no processo político.
Encontramos, então, no estado democrático de direito três grupos de
direitos: os direitos contra o Estado e que servem como salvaguarda do
indivíduo, constituindo o grupo de direitos civis (igualdade no acesso à
justiça, liberdade de culto, liberdade de expressão, liberdade de ir e vir,
direito à propriedade); os direitos políticos (direito de votar e ser votado,
direito de participação nas funções governamentais) e os direitos sociais,
resultantes da legislação que refletia a demanda de grupos sociais até então
excluídos dos benefícios da sociedade e que tiveram no Estado o parceiro
necessário na luta pela diminuição das desigualdades econômicas e sociais,
provocadas pela economia livre de mercado. A chave para determinar a
natureza específica da cidadania moderna encontra-se na análise do
processo de democratização do estado liberal. Os três grupos de direito,
acima referidos, não se diferenciavam entre si, enquanto que o nascimento
da sociedade moderna ocorreu em função de um processo de diferenciação
crescente de direitos, e dos poderes do Estado.
O grande historiador da constituição F. Maitland (1963) escreveu, a
propósito:
Quando mais revemos a nossa história, mais impossível se torna traçar uma linha de demarcação rigorosa entre as várias funções do Estado: a mesma instituição é uma assembléia legislativa, um conselho governamental, um tribunal de justiça...Em toda a parte, à medida que passamos do antigo para o moderno, vemos o que a filosofia da moda chama de diferenciação. (apud BOBBIO, 2002, p. 65)
Enquanto os direitos civis, políticos e aqueles que seriam chamados
na atualidade de direitos sociais eram locais na Idade Média, a cidadania
moderna nasceu de um processo de fusão territorial e separação funcional.
Esse processo coincide com o surgimento dos estados nacionais, no
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primeiro momento, sob a forma das monarquias absolutas do século XVI e
XVII; esses estados nacionais, resultantes da fusão de reinos, feudos e
cidades, organizaram-se em torno de uma ordem jurídica nacional, vale
dizer normas impostas em todo o território nacional, deixando, assim, a
cidadania de ser local, passando a ser nacional; o estado nacional em
virtude da extensão territorial e de complexidade crescente de suas funções
diferenciou progressivamente os seus poderes - em legislativo, executivo e
judiciário -, sendo que de forma concomitante cada um dos grupos de
direitos constitutivos da cidadania também foram sofrendo um processo de
diferenciação ao lado da sua nacionalização. No século XX, esses grupos
de direitos, em virtude da maior democratização do poder público, acabaram
sofrendo um processo de convergência vindo a constituir o núcleo da
cidadania do estado democrático de direito.
1.4 A cidadania do estado democrático de direito
O entendimento da natureza da cidadania do estado democrático de
direito implica na analise da teoria e da legislação constitucional tendo em
vista os seus aspectos político-institucionais, buscando-se, assim,
compreender os mecanismos políticos e legais, expressão de novas
realidades econômicas e sociais, que moldaram a estrutura do estado
contemporâneo. A cidadania contemporânea, portanto, deverá ser estudada
levando-se em conta suas raízes histórico-constitucionais e, também, o
contexto em que atualmente insere-se o seu exercício. Trata-se, portanto,
de analisar a realidade político-institucional, mas não se perdendo de vista o
processo que permitiu elevar ao status constitucional os direitos que
constituem a cidadania contemporânea.
A sedimentação dos direitos civis caracterizou-se por ser a afirmação
da sociedade diante do poder da monarquia absoluta. Foi um longo
processo histórico, que deita suas raízes muito antes do século XVIII, mas
que encontrou no "século das luzes" a sua consagração final. A questão
consistia em definir-se uma cidadania, que viabilizasse a nascente
economia de mercado. Os direitos civis tiveram nesse contexto uma função
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primordial, pois foram eles que, ao proclamarem a igualdade de todos
perante a lei, assegurou essa igualdade de direitos e obrigações nas
atividades comerciais e econômicas. Vemos, então, como a condição
necessária para o funcionamento da economia de mercado residia numa
ordem jurídica que não privilegiasse indivíduos e grupos detentores dos
meios de produção. Algumas liberdades, como a liberdade de manifestação
de pensamento, aparentemente distantes dos problemas relativos ao
funcionamento de uma economia de mercado, serviram, perfeitamente, para
a crítica da qualidade de produtos e de serviços entre concorrentes
comerciais ou industriais.
Os direitos políticos, por sua vez, tiveram o século XIX como marco
histórico referencial, porque foi o momento do surgimento do estado de
direito, que substituiu a ordem política e jurídica do "Ancien Règime", do
absolutismo monárquico. A primeira forma do estado de direito revestiu-se
do modelo liberal, baseado na representação política e na lei e que se
constituiu na ordem político-institucional da sociedade de mercado. O
estado liberal-constitucional representou o papel histórico, na primeira
metade do século XIX, de viabilizar política e juridicamente a economia de
mercado que ainda engatinhava, baseada majoritariamente na agricultura e
exploração das riquezas do Novo Mundo. Com a Revolução Industrial o
sistema produtivo sofreu uma profunda alteração, que se caracterizou pelo
aumento da produção, exigindo o conseqüente aumento do número de
consumidores; para que isso pudesse ocorrer tornou-se necessário a
incorporação ao conjunto de cidadãos plenos aqueles que em virtude das
modificações na economia passaram a participar como produtores e
consumidores dos produtos industriais. Os movimentos operários e as
reivindicações dos diversos partidos socialistas procuraram expressar, em
termos políticos, essa nova realidade social e econômica.
Esse processo de incorporação à cidadania plena realizou-se através
da extensão do direito de votar, fazendo com que um número crescente de
indivíduos atingisse a maioridade política. O adensamento do colégio
eleitoral provocou uma mudança qualitativa na ordem jurídica. As leis
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deixaram de na sua maioria - e este fenômeno ocorreu em épocas
diferentes, em países diferentes - privilegiar os interesses da burguesia,
sendo que na agenda do poder legislativo passou-se a contemplar, também,
temas e interesses dos não-proprietários. Nesse contexto é que começam a
serem promulgadas as primeiras leis referentes aos problemas sociais,
sendo que essa legislação social fará com que o estado, até então ausente
das relações econômicas, intervenha nascendo o "estado social de direito"
(ARRUDA, 1997).
A marca diferenciadora do conceito moderno de cidadania encontra-se
patente nos três momentos de afirmação dos conjuntos de direitos a que
fizemos referência; todos esses direitos foram reconhecidos em
conseqüência da participação de diferentes grupos sociais face ao status
quo. Afirmaram-se quando os integrantes de segmentos sociais diversos
sentiram-se bastante fortes para reivindicarem novos direitos e liberdades.
Nasceram esses direitos, portanto, não em virtude de benesses das elites
dirigentes, mas em virtude reivindicações claramente definidas e duramente
conquistadas. O estado liberal de direito no processo de democratização
consagrou esses direitos na medida em que representantes de um número
crescente de não-proprietários, inclusive de operários, começaram a
participar no processo legislativo, transformando em leis, vinculando
portanto o poder público na sua observância, as bandeiras até então nas
mãos dos sindicatos e dos partidos políticos de esquerda.
As reivindicações sociais ganharam, assim, o status de direitos,
perdendo o caráter de benevolência pública ou privada, que tinham desde
as Poor Laws promulgadas pela rainha Elizabeth I da Inglaterra, no século
XVI. Essas considerações nos remetem às origens helênicas da democracia
e principalmente ao ideal da participação política. A cidadania moderna é
um conjunto de direitos que foram construídos em conseqüência de
diferentes tipos de participação: participação da nobreza frente ao monarca
e ao clero; participação da burguesia diante do monarca, do clero e da
nobreza; e, finalmente, participação do operariado.
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Os mecanismos constitucionais, que definem a cidadania no estado
democrático de direito tem, portanto, como fundamento a participação sem o
que não se explica as características que a determinam na atualidade. "A
democracia exige participação real das massas", escreve Arruda (1997, p.
14), e "pode nesta perspectiva definir-se a sociedade democrática como
aquela capaz de instaurar um processo de efetiva incorporação dos homens
nos mecanismos de controle das decisões, e de real participação dos
mesmos nos lucros da produção" (id. p. 16).
A cidadania do estado democrático de direito tem uma dupla face: ela,
de um lado, realiza-se através da participação no poder político, e, de outro,
garantindo direitos econômicos e sociais, expressão da participação do
eleitorado através de seus representantes.
1.5 Cidadania: paradigma de análise da Política Social
A questão da cidadania põe, em destaque, a discussão fundamental
da relação dos indivíduos com a sociedade, do Estado com a sociedade.
Essa relação se circunscreve no âmbito da sociedade burguesa, que coloca
em marcha processos de transformações econômicas, políticas, sociais,
culturais, cria uma nova sociabilidade, pautada no modo de produção
capitalista, cujo fundamento é a propriedade privada. A burguesia, alçada à
condição de classe dominante, estabelece regras que delimitam e
circunscrevem as relações Estado-Sociedade, de tal forma a manter o seu
poder de classe. Poder, esse, que é exercido sobre as demais classes
sociais que compõem o Estado Nacional, através da manutenção das
desigualdades sociais, políticas, econômicas, culturais.
Para se consolidar, se manter e se legitimar enquanto classe
dominante, a burguesia faz uso de diversos mecanismos, o Estado assume
diversas características, mas, nesse processo, integra algumas
reivindicações das classes subalternas, negocia, estabelece pactos, desde
que não se coloque em questão a ordem burguesa estabelecida. Se, por um
lado, o Estado burguês homogeneíza os indivíduos numa cultura geral, que
18
se traduz na língua nacional, nas relações de parentesco, nos símbolos
nacionais, nos costumes, nos limites territoriais, etc; por outro, ele se funda
na desigualdade.
A desigualdade é contextualizada pela propriedade privada dos meios
de produção, pela apropriação desigual do produto nacional. A revolução
burguesa cria a sua própria dominação e o seu antagonismo, representado
pelos dominados. Essa característica contraditória da sociedade burguesa é
que faz com que convivam, num mesmo espaço e ao mesmo tempo, os
instrumentos de dominação e os instrumentos de superação da dominação.
Portanto, as relações estabelecidas entre Estado e Sociedade são
contraditórias, ambíguas, tornando o espaço nacional um espaço de lutas
entre classes sociais antagônicas.
À desigualdade corresponde o seu oposto – a igualdade, o que coloca
o estatuto da cidadania como a igualdade possível. A transformação do
indivíduo em cidadão, ainda que represente uma conquista fundamental da
Revolução Burguesa, busca transcender a desigualdade de classe social
pela igualdade da cidadania. Isso significa que, para se entender a
concepção de cidadania, não se pode desvinculá-la da ordem burguesa
estabelecida, e nem dos fundamentos da teoria liberal, onde o pressuposto
da cidadania é a propriedade privada. E nem se pode supor que a cidadania
preconizada pela teoria liberal tenha, no limite, o objetivo de acabar com as
desigualdades. Macpherson, (1978, p. 112), analisando a ampliação da
cidadania no Estado de Bem-Estar Social, afirma: “mais redistribuição do
estado de bem-estar da renda nacional não é bastante: seja quanto for que
ele diminua as desigualdades de classes quanto à renda, não atingirá as
desigualdades do poder de classes”.
Portanto, ainda que os direitos de cidadania se desenvolvam na
sociedade burguesa, eles têm seus limites estabelecidos pela manutenção
do poder nas mãos da burguesia. E, para acompanhar o desenvolvimento
dos direitos de cidadania na sociedade burguesa, é importante recorrer a
Marshall, que representa o fundamento teórico-metodológico da cidadania
como paradigma de análise da política social.
19
Marshall divide a cidadania em três elementos:
Elemento civil: composto dos direitos necessários à liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, direito à propriedade, e de concluir contratos válidos e o direito à justiça: é o direito de defender e afirmar todos os direitos em termos de igualdade com os outros e pelo devido encaminhamento processual. Elemento político: o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. Elemento social: se refere a tudo que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade (1967, p. 63-64).
Calcado numa análise histórica, Marshall vai demonstrando o
desenvolvimento desses direitos, e como a cidadania se configura enquanto
um processo cumulativo de conquistas de direitos, em dois sentidos:
primeiro, enquanto aquisição de novos direitos; e, segundo, enquanto
ampliação dos direitos para camadas da população que se encontravam
excluídas desses direitos. Assim é que é a sociedade burguesa que, no seu
processo histórico, desenvolve e efetiva os direitos de cidadania, e, essa
perspectiva evolutiva fica clara no quadro traçado por Marshall:
os direitos civis surgiram em primeiro lugar e se estabeleceram de modo um tanto semelhante à forma moderna que assumiram antes da entrada em vigor da primeira Lei de Reforma, em 1832. Os direitos políticos se seguiram aos civis, e a ampliação deles foi uma das principais características do século XIX, embora o princípio da cidadania política universal não tenha sido reconhecido senão em 1918. Os direitos sociais, por outro lado, quase que desapareceram no século XVIII e princípio do XIX. O ressurgimento destes começou com o desenvolvimento da educação primária pública, mas não foi senão no século XX que eles atingiram um plano de igualdade com os dois outros elementos da cidadania. (1967, p. 75). E é aí que ele entende que a sociedade burguesa é o palco, por excelência, dos direitos de cidadania, que supera a desigualdade total inerente ao sistema de classe social: ... a igualdade implícita no conceito de cidadania, embora limitada em conteúdo, minou a desigualdade do sistema de classe que era, em princípio, uma desigualdade total. Uma justiça nacional e uma lei igual para todos devem inevitavelmente enfraquecer e, eventualmente, destruir a justiça de classe, e a liberdade pessoal como um direito universal deve eliminar a servidão (1967, p. 77).
Subjacente a esse raciocínio está a idéia de que é possível reduzir as
injustiças sociais pela redistribuição, ainda que parcial, do produto social.
Fica claro, também, que ele não se propõe a ilusão de que a cidadania vá
20
acabar com a desigualdade, mas que ela coloca a possibilidade, que é
concreta, de atenuar a desigualdade. A crítica que ele faz ao sistema de
classe, é que ele propõe uma desigualdade total e insuperável na sociedade
burguesa, enquanto que, para Marshall, a cidadania representa a
possibilidade de uma superação dessa desigualdade. Outro pensamento
significativo em Marshall, é o que se refere à cidadania social. É à cidadania
social que ele credita a possibilidade de uma ordem social mais justa, e não
à cidadania política. Entra em questão, então, o Estado de Bem-Estar
Social, onde as conquistas sociais tendem a obscurecer a cidadania política,
o que Marshall não questiona.
E é a questão da cidadania política, que é, no limite, a cidadania
propriamente dita, na medida em que os cidadãos têm poder de interferir
decisivamente nas questões nacionais, que Marshall não coloca. Mesmo
porque ele entende que a desigualdade tem alguns aspectos que são
legítimos e, por isso, ele afirma:
Nosso objetivo não é uma igualdade absoluta. Há limitações inerentes ao movimento em favor da igualdade, que opera em parte através da cidadania e, em parte, através do sistema econômico. Em ambos os casos, o objetivo consiste em remover desigualdade que não podem ser consideradas como legítimas, mas o padrão de legitimidade é diferente. No primeiro, é o padrão da justiça social; no último, é a justiça social combinada com a necessidade econômica (1967, p. 109).
Com fundamento nestas idéias, é que se propõe que, no âmbito das
políticas sociais, deve-se incorporar a cidadania, entendendo o processo de
desenvolvimento das políticas sociais numa perspectiva que as conceba
como processo de evolução da cidadania.
Dado o reconhecimento, pelos seus próprios teóricos, de que a
cidadania apresenta problemas teóricos e conceituais na sua definição, a
proposta fundamental é de que a cidadania se constitua em um princípio
universalizante de implementação, execução e avaliação das políticas sociais.
Nas palavras de Parker, (1979, p. 145 apud COIMBRA, 1987, p. 85):
Defender uma distribuição de serviços e recursos baseada nos princípios da cidadania é afirmar que as condições individuais de vida devem ser protegida por decisões políticas que garantam níveis aceitáveis de cuidados médicos e sociais, de educação, de
21
renda e assim por diante, independentemente do poder de barganha de cada indivíduo. Todos teriam de ter os mesmos direitos de compartilhar de tudo aquilo que fosse fornecido, nos mesmos termos que qualquer outra pessoa. Necessidades iguais teriam de receber tratamento igual, sem nenhuma discriminação a favor ou contra quaisquer grupos sociais, econômicos, políticos e raciais. A idéia de cidadania implica que nenhum estigma seja associado ao uso dos serviços sociais, quer seja por atitudes populares de condenação da dependência, quer originados de práticas administrativas ou padrões inferiores de previsão de serviços. A qualidade dos serviços públicos teria de ser a melhor possível, levando-se em conta a escassez dos recursos públicos.
Portanto, o princípio organizador da política social deve ser a
cidadania. A avaliação da eficiência e eficácia da política social deve passar
pelo confronto com o princípio da cidadania, assim como a implementação
de novas políticas. Para Vasconcelos, (1989, p. 89),
..a luta pelos recursos oriundos do denominado salário social passa exatamente pela forma de estruturação da cidadania. [...] Isso significa que a luta própria a este campo não se restringe apenas à esfera da luta política e ideológica, de forma direta, mas também à esfera econômica, na medida em que se refere ao nível de distribuição da sociedade.
O estudo, análise e definição da política social a partir do paradigma
da cidadania implica em vincular a cidadania aos direitos sociais. E implica,
também, em vincular a cidadania à democracia. A importância do paradigma
da cidadania reside no fato de, ao não privilegiar o conflito capital-trabalho,
numa sociedade onde grandes contingentes de indivíduos encontram-se
fora do mercado formal de trabalho, afirmar-se que os direitos sociais que,
historicamente, foram construídos para proteção ao trabalho, sejam
reconhecidos como direitos de toda a população. As categorias
fundamentais para tal paradigma são: igualdade, democracia, direitos
sociais, necessidades sociais. A partir destas categorias pode-se delimitar a
cidadania e as possibilidades e limites de acesso a ela. E, a partir daí,
estabelecer as possibilidades e limites da política social, e das políticas
sociais específicas. O que se tem a nosso ver, é um descolamento das
necessidades sociais das demais necessidades – civis e políticas;
estabelecendo-se uma relativa autonomia do social sobre as demais esferas
da vida social -– o que implica em tornar a cidadania um valor ético-moral
superior. Essa relativa autonomia é dada pela possibilidade de se atender
22
as necessidades sociais – ou de cidadania - sem romper com a estrutura
econômico – social.
Como já mostramos, a desigualdade é o fundamento das sociedades
burguesas capitalistas contemporâneas. A raiz da desigualdade funda-se na
propriedade privada, e a propriedade privada é o que define e circunscreve
a política social. Portanto, para estabelecer como paradigma da política
social a cidadania, seria necessário, em primeiro lugar, um conceito de
cidadania que transcendesse os limites burgueses a ela colocados – uma
concepção de cidadania que não tivesse por fundamento a propriedade
privada. Mas isto, por si só, já significaria uma ruptura com o próprio
conceito de cidadania. Significaria, também, conceitualizar uma cidadania
abrangente, onde direitos civis e políticos estabelecessem um movimento
dialético com os direitos sociais. Entendemos que a segmentação entre
direitos civis, sociais e políticos, é uma segmentação que responde, de
imediato, às necessidades do capitalismo. Abre possibilidades para debates
e campanhas que chamem a atenção para a solidariedade e para valores
subjetivos calcados numa natureza humana independente da forma como os
homens produzem a sua vida material. Abre possibilidades para que o
debate sobre a política social permaneça no âmbito das necessidades
individuais e coletivas, e não no âmbito da construção da sociedade. Na
verdade, esta é uma característica fundamental da política social na
perspectiva capitalista: ela responde a situações individuais, pessoais, de
grupos e segmentos específicos, e não a necessidades nacionais ou de
classes sociais.
O paradigma da cidadania só reforça a perspectiva da classe
burguesa: a abertura de oportunidades aos desiguais, via política social,
não significa outra coisa senão a institucionalização da desigualdade ao
invés de sua extinção.
1.6 Cidadania e justiça social
23
A transformação do estado liberal democrático em estado democrático
de direito tem recebido da literatura jurídica brasileira análises
caracterizadas por um alto grau de reducionismo jurisdicista, responsável na
aplicação do texto constitucional por distorções na própria natureza dessa
forma de organização político-institucional.
A ordem constitucional, estabelecida na Constituição de 1988, não
provocou novas formas de entendimento do sistema político-constitucional,
deixando-se ficar a maioria dos autores prisioneira de uma visão jurisdicista
do problema institucional, qual seja, a de interpretar a lei magna dentro de
sua própria estrutura jurídica, como se fosse um sistema fechado, infenso à
influencia das forças externas ao universo especificamente jurídico.
O estado democrático de direito, como pretendemos demonstrar a
seguir, pressupõe para o seu funcionamento o arejamento da norma
constitucional a fim de que não ocorram, na sua aplicação, disfunções na
regulação a que se pretende a ordem jurídica. Trata-se de examinar,
portanto, como a dimensão política do estado democrático de direito pode
ser incorporada ao sistema jurídico, partindo-se do pressuposto
metodológico de que ignorar aquela dimensão significará, certamente, a
inviabilização no futuro próximo do estado democrático de direito.
A concepção de cidadania pode servir de patamar inicial para que
possam ser avaliadas as perspectivas do estado democrático de direito no
limiar do novo milênio. A primeira constatação, a que nos leva a simples
leitura da Constituição de 1988, é a de que a cidadania definida no texto
constitucional difere significativamente, tanto do ponto de vista político,
como do ponto de vista jurídico, da cidadania liberal estabelecida nas
constituições brasileiras desde o Império. Isto porque o texto constitucional
vigente refletiu o projeto de forças políticas, de variada gama ideológica,
que superaram a experiência autoritária do período militar e expressaram a
vontade de mudanças político-institucionais nascidas na sociedade civil.
Essas mudanças, entretanto, não representaram uma volta ao
passado, ao modelo liberal clássico, mas sim expressaram diferentes
24
propostas sociais e econômicas, surgidas no seio de uma sociedade
democratizada e pluralista.
Os novos tipos de relações sociais e econômicas, sedimentadas na
sociedade brasileira da década dos oitenta, fizeram com que a ordem
jurídico-constitucional incorporasse a tendência determinante deste final de
século no sentido da democratização do estado liberal; o estado
democrático de direito expressa essa evolução na organização estatal,
integrando aos direitos assegurados pelas declarações das constituições
liberais a dimensão democrática. Cria-se, assim, nesse processo
democratizador uma nova espécie de cidadania, que será responsável por
um novo tipo de organização estatal.
O surgimento dessa nova espécie de cidadania no seio do estado
contemporâneo, cujas características político-institucionais iremos, a seguir,
analisar, deveu-se a diferentes fatores. Permaneceu, entretanto, a idéia de
que as formas d exercício da cidadania é que iriam qualificar o estado
contemporâneo. Nesse sentido, as concepções peculiares de cidadania de
diferentes organizações estatais contemporâneas, podem servir como
parâmetro de avaliação do grau de liberdade e participação política dos
grupos sociais.
A cidadania representa, assim, mais do que um simples vínculo
jurídico unindo cidadão e Estado em torno de um mesmo ordenamento
constitucional, o próprio termômetro através do qual pode-se avaliar o
estado das liberdades públicas. Conhecer em que consiste a cidadania e o
seu exercício, representa conhecer os níveis de organização e controle do
poder público por uma determinada sociedade.
A questão da cidadania, portanto, não se reduz, somente e
principalmente, ao exame de sistemas jurídicos, mais ou menos liberais, ela
reside no critério mais imediato de aferição do exercício do poder do
cidadão comum sobre o funcionamento e a organização estatal. Quando se
fala em controle deve-se entender que o exercício da cidadania será
materializado através de leis que expressem, também, a vontade política da
25
nação. Neste contexto é que se situa o problema das relações do social com
o político, quando a cidadania vai além da cidadania liberal, restrita à
garantia dos direitos e liberdades individuais, e constitui-se em instrumento
de reordenamento da sociedade tendo em vista os desafios colocados pelos
problemas sociais e econômicos.
O complexo desafio diante do qual se encontra a sociedade
democrática, e particularmente o estado democrático de direito, no limiar do
século XXI, reside na persistência do que podemos chamar de fraturas
sociais. Independente do grau de desenvolvimento econômico e social, as
nações democráticas da atualidade defrontam-se, em maior ou menor grau,
com clivagens sociais, que resistem às políticas públicas destinadas a
superá-las. O fantástico desenvolvimento econômico dos últimos cinqüenta
anos, que trouxe para a sociedade de consumo um número crescente de
indivíduos, não foi acompanhado, no entanto, por uma distribuição
eqüitativa de bens e, principalmente, não garantiu o acesso aos benefícios
da sociedade moderna de um significativo contingente populacional.
A questão do exercício da cidadania no estado democrático de direito
diferencia-se da cidadania do estado liberal clássico, precisamente porque
incorpora na definição legal e na sua prática novas dimensões que não se
achavam contempladas anteriormente. Isto porque a cidadania do estado
democrático de direito pressupõe para o seu exercício na atuação dos
cidadãos no exercício e no controle dos poderes públicos. Essa premissa do
controle do poder público, base do estado liberal, onde a organização
política estava referida à definição dos espaços de poder do indivíduo e do
Estado, recebeu no quadro do estado democrático de direito a dimensão
social, vale dizer, o compromisso do poder público com a realização de uma
forma específica de organização social.
Direitos constitucionais que originariamente restringiam-se aos
direitos e liberdades da pessoa humana, como o direito da propriedade, a
liberdade de expressão, o direito de ir e vir e todas as demais garantias
estabelecidas nas constituições depois da Revolução Francesa de 1789,
26
foram acrescidos de outros tipos de direitos, que incorporaram no texto
constitucional os chamados direitos sociais e econômicos (Bobbio, 2002).
1.7 O acesso à justiça e a cidadania moderna
A Constituição de 1988 consagra os direitos civis e sociais a serem
implementados pelo exercício dos direitos políticos. O princípio da
participação política divide-se em face da carta magna brasileira em dois
tipos: a participação através da representação política e a participação
direta. O atual texto constitucional consagra ambos ao declarar no seu
art.1º, parágrafo único, que "todo o poder emana do povo, que o exerce por
meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
constituição". O art.14º estabelece, por sua vez, os três institutos através
dos quais ocorrerá a participação popular direta: o referendo, o plebiscito e
a iniciativa popular legislativa. A iniciativa popular legislativa prevista para
os três níveis de poder admitida pela Constituição brasileira de 1988
( art.61,# 2º, art.27º, # 4º e art.29º, IX ) juntamente com a participação
política através do sistema partidário ( art.17º) pretende que o mecanismo
legislativo possa refletir com razoável precisão a vontade popular.
O texto constitucional, entretanto, não é suficiente para moldar uma
realidade social obediente à norma. A tradição brasileira da lei, mesmo a
constitucional, aponta para dificuldades intrínsecas à própria organização
social, que inviáveis a concretização de direitos proclamados no texto
constitucional. Explica-se, em virtude dessas dificuldades, o alto nível de
diferentes formas de desobediência civil na sociedade brasileira, ao lado do
grande número de diplomas legais. Torna-se, assim, um exercício de análise
político-constitucional procurar estabelecer a distância entre o que
estabelece a Constituição, visando o funcionamento do estado democrático
de direito, e a realidade social objetiva. Nesse contexto é que, talvez, possa
ser encontrada a explicação para os obstáculos à materialização do estado
democrático de direito na realidade nacional. O exame do acesso à justiça,
27
vale dizer, a concretização de direitos e liberdades, consagradas no texto
constitucional, pode contribuir para que se estabeleçam mecanismos
institucionais, que integrem efetivamente no exercício da cidadania
segmentos significativos da população brasileira.
2. Dimensão econômica de ‘justiça social’
Hayeck (1991) ressalta a distinção entre dois problemas: apurar se,
numa ordem econômica baseada no mercado, o conceito de ‘justiça social’
tem qualquer significado ou conteúdo; definir se é possível preservar uma
ordem de mercado impondo-lhe ao mesmo tempo algum padrão de
remuneração baseado na avaliação do desempenho ou das necessidades
de diferentes indivíduos ou grupos por uma autoridade dotada do poder de
aplicá-lo.
Afirma referido autor que a resposta para as questões é não.
Concentra-se, em primeiro lugar, no problema da ausência de significado da
expressão ‘justiça social’. Em seguida, no exame dos efeitos que terão os
esforços destinados a impor qualquer padrão preconcebido de distribuição
na estrutura da sociedade a eles submetida. Salientando que as queixas de
que o resultado do mercado é injusto não implicam realmente que alguém
tenha sido injusto; e não há resposta para a questão de saber quem foi
injusto.
Tolera-se um sistema em que todos são livres na escolha de sua
ocupação e, por isso, ninguém pode ter o poder e a obrigação de fazer com
que os resultados correspondam aos nossos desejos. Conseqüentemente
neste sistema o conceito de ‘justiça social’ é inócuo porque nele nenhuma
vontade é capaz de determinar as rendas relativas das diferentes pessoas
ou impedir que elas dependam, em parte, do acaso. Só é possível dar um
sentido à expressão ‘justiça social’ numa economia dirigida ou
‘comandada’(como um exército), que os indivíduos recebem ordens quanto
ao que fazer: e qualquer concepção específica de ‘justiça social’ só poderia
ser realizada num sistema centralmente dirigido. A ‘justiça social’ pressupõe
28
que as pessoas sejam orientadas por determinações específicas, e não por
normas de condutas individuais justa.
Numa sociedade livre, em que a posição dos diferentes indivíduos e
grupos não resulta do desígnio de quem quer que seja – nem poderia ser
alterada de acordo com um princípio de aplicação geral -, as diferenças de
recompensa simplesmente não podem, sem sentido algum, ser qualificadas
de justas ou injustas.
Hayeck (1991) reafirma a declaração de que seja a justiça um atributo
da conduta humana. A justiça pode, portanto, ser um atributo dos
resultados pretendidos da ação humana, mas não de circunstâncias
ocasionadas pelos homens de maneira não intencional. A conduta dos
indivíduos, nesse processo, pode perfeitamente ser justa ou injusta; mas,
como suas ações inteiramente justas terão para outros, conseqüência que
não foram nem pretendidas nem previstas, esses efeitos não se tornam,
dessa forma, justos ou injustos.
Referido autor salienta, ainda, que as pessoas tolerarão as grandes
desigualdades nas posições materiais se estiverem certas de que as
diferenças estabelecidas pelo sistema de mercado decorre das diferenças
de mérito entre os indivíduos. Daí surge a concepção liberal clássica de
justiça, de John Locke e seus contemporâneos, segundo os quais apenas “o
modo como a concorrência era realizada, não seus resultados”, é que podia
ser justo ou injusto. Na ordem de mercado (sociedade fundada na livre
iniciativa) é importante que os indivíduos acreditem que seu bem-estar
depende, em essência, de seus próprios esforços e decisões. Essa crença
gera uma confiança exagerada na verdade dessa generalização e ocorrerá
um desconforto quando entre indivíduos igualmente hábeis, uns vencerem e
outros fracassarem. (HAYECK, 1991, p. 94)
Hayek (1991) ainda esclarece que uma fonte de concepção do que
seja justo ou injusto no que diz respeito às remunerações determinadas pelo
mercado é a idéia de que os diferentes serviços têm um ‘valor social’,
através do qual se diferenciam. Mostra o engano e o pouco sentido que
29
existe em afirmar que um lutador de boxe ou um canto de música popular
têm maior valor social que um violinista talentoso ou bailarino se os
primeiros prestam serviço a milhões e os últimos a uma minoria.
As remunerações que os indivíduos ou grupos recebem no mercado
são, pois, determinadas pelo valor que têm esses serviços para quem os
recebe e não por um fictício ‘valor social’. A questão principal não é que o
povo não tenha, na maioria dos casos, qualquer idéia dos valores que têm
as atividades de um homem para seus semelhantes, e que, portanto, o uso
do poder governamental seria determinado por seus preconceitos. É, antes,
que ninguém conhece esses valores, exceto na medida em que o mercado
lhe informa. É verdade que nossa avaliação das atividades específicas
difere, muitas vezes, do valor a elas conferido no mercado; e expressamos
esse sentimento dizendo que isso é injusto.
Não há prova que nos permita descobrir o que é ‘socialmente injusto’
porque não há um sujeito pelo qual essa injustiça possa ser cometida, nem
normas de conduta individual cuja observância na ordem de mercado
pudesse assegurar aos indivíduos e grupos uma posição que como tal nos
parecesse justa. A expressão ‘justiça social’ não pertence à categoria do
erro, mas à do absurdo, como a expressão ‘uma pedra moral’.
2.1 ‘Justiça social’ sob a égide do direito
Neste ponto indica Hayek (1991) que, para que se produza ‘justiça
social’, deve-se exigir dos indivíduos que obedeçam não apenas a normas
gerais, mas a exigências específicas dirigidas unicamente a eles.
Nenhum padrão específico de distribuição pode ser alcançado
fazendo-se com que os indivíduos obedeçam a normas de conduta. Tal
consecução impede, que os vários indivíduos ajam com base em seu próprio
conhecimento e a serviço de seus próprios fins, o que é a essência da
liberdade, exigindo, ao contrário, que eles sejam compelidos a agir da
30
maneira que, segundo o conhecimento da autoridade dirigente, é necessária
à realização dos fins por ela escolhidos.
A justiça distributiva pretendida pelo socialismo é, pois, incompatível
com o estado de direito e com a liberdade individual, a que este se destina a
garantir. As normas da justiça distributiva não podem ser normas para a
conduta com relação a iguais, devendo ser necessariamente normas para a
conduta de superiores com relação a seus subordinados.
Não há razão para que, numa sociedade livre, o governo não garanta
a todos proteção contra sérias privações sob a forma de uma renda mínima
garantida, ou um nível abaixo do qual ninguém precise descer.
3 A sociologia do direito segundo Durkheim
Segundo Castro (1998), a sociologia jurídica surgiu na metade do
século XIX, quando do advento da própria sociologia. Embora pareça tão
evidente, não o é. A sociologia dá uma marca diferente ao interesse
científico no direito, bem diferente daquilo que a anterior tradição européia
havia pensado acerca da relação entre sociedade e direito.Na transição do
Século XVIII ao XIX, a tradição doutrinária européia desmorona, surgindo
daí a sociologia. Para aquela, a relação entre direito e sociedade era mais
concreta. Assim o direito sempre era tido como um dado, na base das
associações humanas. Ele é intrínseco à natureza dessas associações,
intimamente ligado a outros caracteres da sociedade, à amizade e à
dominação.
O direito natural preparara a interpretação sociológica do direito, em
sua última etapa, como direito racional, valendo-se para isso do contrato. O
homem é tido como o sujeito e o contrato como categoria mediante a qual o
conjunto social da vida humana pode ser analisado como disponível e como
contingente, qualquer que seja o seu aspecto.
A sociologia, se cotejada ao direito natural, enxerga a relação entre
sociedade e direito como indissociável, mas de maneira abstrata. Pode até
31
admitir a tese de que toda sociedade deve possuir um ordenamento jurídico,
porém a tese de que, em função disso, algumas normas seriam igualmente
válidas para todas as sociedade é inadmissível.
Para auferir uma noção dos pressupostos do raciocínio, das limitações
da sociologia clássica do direito e do seu estilo, interessante é análise
sintética da sociologia jurídica sob a ótica de Durkheim (1983) que indica,
de modo polêmico, as bases não contratuais do contrato. A difusão de
ordenamentos contratuais em sociedades diversificadas através da divisão
do trabalho não modifica o fato de que o direito , como regra moral, é
expressão da solidariedade de uma sociedade. A solidariedade seria
condicionada pela diferenciação social e se transformaria paralelamente ao
desenvolvimento da sociedade.
Durkheim (1983) diz que o social é coercitivo, o direito é símbolo da
solidariedade social. A distinção entre direito público e direito privado
apresenta somente uma finalidade prática, distinguindo apenas o direito não
privilegiado do direito privilegiado do Estado.
Durkheim (1983) distingue dois tipos de solidariedade: a solidariedade
mecânica e a solidariedade orgânica. Aquela caracteriza a sociedade
segmentária, na qual o direito se faz acompanhar de sanções repressivas
(direito penal). A segunda caracteriza a sociedade diferenciada, em que
junto ao direito vêm as sanções restitutivas, corrigindo o ato desviado ou
anulando seus efeitos.
4 A ordem jurídica e econômica de Weber
Weber (1991) identifica três bases do Direito: costumes, carisma e lei.
Dentro da regularidade da conduta social podemos descobrir usos e
costumes. Os usos quando gozam de muita eficácia tornam-se costumes. A
dedicação ao líder e a confiança nele, pelas suas qualidades, garantiram e
solidificaram-lhe a autoridade. A crença na autoridade de normas
32
estabelecidas de modo racional criou condições para a cristalização do
poder e a garantia de obediência.
O direito não é espontâneo, mas construído pelos juristas. A
fundamentação e a sistematização do direito, para Weber (1991), está na
formação do jurista e na orientação do pensamento jurídico.
No decorrer do desenvolvimento social seria possível uma
socialização da propriedade, a qual afastaria a satisfação das necessidades
(distribuição) das decisões na produção (planejamento), trocando o direito
objetivado, ligado a interesses (classistas), pela racionalidade.
Weber (1991) visa um desenvolvimento progressivamente
diferenciador e automatizador do complexo de normas jurídicas, isto é,
liberta do entrosamento com outras estruturas sociais, marcando-as com
precisão no interesse de funções específicas. Assim, são ultrapassados
elementos do arbítrio pessoal na aplicação do direito e liames a costumes e
concepções de moral inerentes a pequenos grupos, tradicionalmente
transmitidos, ininteligíveis a estranhos.
5 Relação entre Durkheim e Weber
Ao analisarmos a relação entre economia e justiça social é impossível
abstrair do contexto sócio-político e cultural, do ambiente em que vivemos,
trabalhamos e construímos os nossos sonhos, crenças e, por que não,
nossos preconceitos que acabam impactando em nosso comportamento
individual e coletivo. Essa visão da economia como fator estruturador das
relações sociais, presente nas análises sociológicas de Durkheim e Weber,
passou a ser crescentemente questionada a partir de posturas críticas,
sobretudo na segunda metade do século passado. Autores como Friedmann,
Naville e Touraíne, críticos do modelo clássico do operário industrial,
alienado e desqualificado, apontaram para as contradições e conflitos
profundos decorrentes da condição existencial de ser trabalhador em um
mundo dominado pelo capital.
33
Segundo Pinheiro (2000), as posições teóricas de Weber e Durkheim
não podiam fazer justiça ao direito, pois o alicerce para uma teoria
sociológica autônoma consolidar-se-ia precisamente em torno desse
problema. O utilitarismo, em virtude de sua posição de interesse naturalista-
individualista, não teria capacidade para resolver o problema de
"agregação" de valores sociais. Durkheim contrapôs a isso a tese da
realidade objetiva das normas sociais. A compreensão da relação geral
entre normas e interesses, provavelmente possibilitadas pela visão
materialista da sociedade e pela interpretação gestáltico-ideográfica da
história foi contraposta por Weber por uma análise da ação social e tipos
ideais formados com base nessa análise.
Uma fonte das regularidades sociais reside para Weber no respeito às
convenções sociais, definidas como um “ ‘costume’ que, no interior de
determinado círculo de pessoas, é tido como ‘vigente’ e está garantido pela
reprovação de um comportamento discordante”, a noção importante aqui, e
que distingue a convenção da tradição, sendo a reprovação social. O ator
social é obrigado a se conformar a determinada convenção social se ele não
quer sofrer as conseqüências do “boicote social ”. Esta influência da
convenção social não é sentida somente nas classes altas da sociedade,
mas também na esfera econômica. Em particular, no mercado, existe uma
“desaprovação social da mercabilidade de determinadas utilidades ou da
livre luta de preços e de concorrência para determinados objetos de troca ou
para determinados círculos de pessoas” (WEBER, 1991, p. 21 e 50).
Por um lado, Weber não parece ter desenvolvido uma análise
sistemática do papel das normas sociais, ou convenções, na economia
moderna, em particular na regulação do mercado. Ele se limitou, em
diversas partes de Economia e Sociedade, a abordar rapidamente e
indiretamente este tema. Veremos assim, quando abordaremos a relação
entre mercado e direito, que este ultimo tem um papel regulador menos
importante do que as convenções ou que ele só é respeitado em função de
uma convenção social que reprova a desobediência civil. Em outros
momentos, ele parece negar a influência das normas sociais. Assim, ele
34
define o mercado “ livre ” como sendo um mercado “não comprometido por
normas éticas” (1991, p. 420). Segundo ele, a única ética existente no
mercado é o respeito da palavra dada, sem o qual as transações financeiras
na bolsa, por exemplo, seriam impossíveis. É esta dificuldade de toda
regulamentação ética do mercado que explicaria a antipatia profunda tanto
da religião católica quanto do protestantismo luterano com relação ao
capitalismo.
Para Trigilia (2002), Weber faz referência ao principio do “ preço justo
”, mas para mostrar que ele faz parte do passado, na medida em que ele
caracteriza a ética econômica medieval. De maneira geral, Weber opõe o
espírito do capitalismo moderno e o espírito do tradicionalismo econômico,
este ultimo sendo caracterizado por um forte componente ético. Nele, os
diversos aspectos da produção, da distribuição e do consumo são definidos
por convenções sociais, geralmente legitimadas pela religião.
Referido autor comenta que, de fato, Weber considera que o mercado
moderno representa “relações impessoais” entre os seres humanos. Como
ele é dominado por interesses materiais individuais, ele é contrario a toda
“confraternização” , à “piedade”, à “comunidade”. Pelo contrário, as relações
comunitárias representam “obstáculos” para o desenvolvimento do mercado.
É justamente quando sumiu o dualismo ético, ou seja, quando foi superada
a oposição entre ética interna baseada na reciprocidade e ética externa
aberta ao lucro, que o mercado pôde se desenvolver.
Esta ameaça pode ter um impacto econômico sério: Weber, em sua
analise das seitas protestantes na sociedade americana, mostra até que
ponto a exclusão de uma seita é economicamente penalizadora para o
indivíduo, na medida em que a falta de confiança que ele inspira nos outros
dificulta sua obtenção de créditos.
Por outro lado, apesar de reconhecer a importância da busca do
interesse para explicar o comportamento do ator econômico, Weber não cai
na armadilha do pensamento liberal, pois ele não deixa de apontar para o
papel norteador das idéias: “ são interesses (materiais e morais) e não
35
idéias que comandam imediatamente o agir dos homens. No entanto, as
visões do mundo criadas por ‘idéias’ freqüentemente orientaram as ações
humanas sobre as vias determinadas pelo dinamismo dos interesses ”, ou
seja nossa ‘visão do mundo’ acaba condicionando nossos interesses
(WEBER, 1920, pp.18-19). De fato, toda sua obra empenha-se em mostrar
que os interesses, e os meios adequados para satisfazê-los, são situados
socialmente e historicamente, na medida em que eles devem ser legitimados
pelos valores existentes na sociedade. Assim, hoje, a economia de mercado
só existe e se mantém no quadro de uma sociedade que incentiva a busca
racional do lucro e onde reina uma certa ética do trabalho. Neste sentido,
não se pode pensar que os interesses sejam os únicos elementos
explicativos do comportamento do ator econômico e do funcionamento do
mercado, pois os interesses precisam dos valores para a formulação de
seus objetivos e para a legitimação dos meios empregados para persegui-
los.
Considerações éticas entram na sociologia econômica de Weber
também quando ele distingue entre racionalidade formal da economia e
racionalidade material. A “ racionalidade formal ” de uma atividade
econômica tem a ver com “o grau de cálculo tecnicamente possível e que
ela realmente aplica”, ou seja, uma atividade econômica será considerada
como ‘formalmente racional’, na medida em que suas ‘previdências’ podem
ser quantificadas. Neste sentido, o calculo monetário representa “ o meio
formalmente mais racional de orientação da ação econômica”. A economia
moderna é o arquétipo da atividade econômica formalmente racional, na
medida em que ela é orientada para o lucro, que supõe “uma forma peculiar
de cálculo em dinheiro: o cálculo de capital”. O segundo tipo de
racionalidade significa que é possível avaliar a atividade econômica sob
outros pontos de vista. Exigências éticas, políticas, de classe, igualitárias,
etc., podem ser mobilizadas para apreciar a atividade econômica no quadro
de uma racionalidade em valor ou de uma racionalidade material em
finalidade. Neste sentido, a racionalidade material avalia os resultados da
atividade econômica, em termos de repartição dos bens entre os diversos
grupos sociais, ou de hierarquia social, ou de outros critérios de valor.
36
Weber precisa que estas duas formas de racionalidade “discrepam, em
principio, em todas as circunstâncias”, mesmo se a coincidência pode
ocorrer ocasionalmente (WEBER, 1991, p. 52, 53 e 68).
Ainda de acordo com Trigilia (2002, p. 191),
a distinção entre estas duas formas de apreciação é delicada e pouco explicita em Weber; ela corresponde a duas maneiras segundo quais os valores podem intervir. No caso de uma apreciação materialmente racional em finalidade, trata-se de uma ação (intelectual) racional em finalidade, mas baseada num critério axiológico (exigência política, ética, etc.), enquanto no outro caso não se leva em conta as conseqüências da ação, como em qualquer ação racional em valor.
Durkheim insiste no estado de anarquia de uma sociedade cuja esfera
econômica não está regulada moralmente (1995 e 1983). De maneira mais
ampla, a sociologia durkheimiana aborda o tema das regras morais na vida
econômica graças à noção de anomia, isto é, ausência de regras morais.
Uma parte da análise de Durkheim com relação à importância das regras
morais na economia é excessivamente normativa, como quando ele lamenta
as conseqüências mórbidas de sua ausência, no caso da divisão do
trabalho, por exemplo, e afirma: “não é possível (que) exista função social
sem disciplina moral” (1983, p. 10). Este aspecto da teoria durkheimiana é
bem conhecido, e não vamos poder desenvolvê-lo aqui. No entanto, ele faz
algumas observações empíricas interessantes que mostram que a moral não
é tão ausente assim da vida econômica, mesmo na sociedade moderna. Ele
analisa particularmente a “ moral profissional ” (ver as primeiras Lições de
Sociologia), mas aborda também o tema do mercado. Neste sentido, não se
pode opor a sociedade tradicional, caracterizada por uma forte consciência
coletiva, e a sociedade moderna, cuja solidariedade derivaria somente das
interdependências nascidas da divisão do trabalho. Com efeito, a
especialização profissional e os contratos têm uma “moralidade intrínseca”,
na medida em que “somos pegos numa rede de obrigações de que não
temos o direito de nos emancipar” (1995, pp. 218 e 219).
Em primeiro lugar, o papel das regras morais é de permitir a
passagem do nível micro ao nível macro, ou seja, de realizar a adequação
37
entre os interesses individuais e os interesses coletivos, como vimos
anteriormente.
Em segundo lugar, as regras morais são fundamentais para a
estabilidade da sociedade contratual. Durkheim mostra a origem religiosa do
respeito dos contratos e da propriedade privada, através as palavras e os
ritos religiosos. Mas hoje, no quadro de uma diminuição da fé, o que
assegura o respeito do contrato, instituição básica do mercado?
Obviamente, o direito obriga as partes interessadas, mas
fundamentalmente, o contrato é sagrado porque o indivíduo é sagrado.
Igualmente, é a emergência do individualismo que explica o caráter sagrado
da propriedade individual, outra instituição fundamental da sociedade
mercantil. Originalmente, havia uma “religiosidade difusa nas coisas”.
Progressivamente, essa religiosidade passou a caracterizar as pessoas: “as
coisas deixaram de ser sagradas por si mesmas, já não tiveram esse caráter
senão indiretamente, pois dependiam das pessoas, estas sim, sagradas”
(1983, p. 156). A referência a uma esfera transcendente, sagrada, se
corporifica nos ritos, não somente verbais, como vimos no caso do
formalismo religioso, mas também manuais: ainda hoje, o aperto de mão ou
uma refeição/bebida compartilhada costumam selar os contratos. Talvez a
significação primitiva destes ritos se perdeu, mas a tradição se mantém
(1983). Assim, as regras morais permitem assegurar a confiança no
mercado, mesmo entre pessoas que não se conhecem diretamente, pelo
respeito aos mesmos valores fundamentais da sociedade moderna, ou seja,
os direitos do indivíduo.
Weber acrescenta que, “ independentemente desta crítica material do
resultado da gestão econômica, é também possível uma crítica ética,
ascética e estética tanto da atitude econômica quanto dos meios
econômicos” (1991, pp. 52-53; grifo do autor).
Finalmente, retomando a questão da legitimidade/princípio de justiça
no quadro do processo de regulação social, percebemos que as regras
morais difundem também um principio de justiça, que orienta a vida
econômica de maneira geral, em particular que influencia o estabelecimento
38
dos contratos e dos preços. De fato, juntamente com o respeito do contrato,
o individualismo traz princípios novos, ou seja, as noções de livre
consentimento e, sobretudo, de contrato justo. “ Negligenciadas pelos
economistas, as ‘condições morais da troca’ requerem uma regulação do
mercado que não se limite a perseguir as fraudes e a fazer respeitar os
contratos, mas que aja eficazmente contra os desequilíbrios que acarretam
numa troca injusta e geram conflitos colocando em perigo as próprias
atividades econômicas ” (TRIGILIA, 2002, p. 79). Por um lado, ninguém
pode ser obrigado a assinar um contrato, por outro lado, o contrato não
deve prejudicar nenhuma parte.
Aqui Durkheim refere-se a um aspecto psicológico, os sentimentos de
simpatia que os seres humanos sentem com relação ao outro, mas que
expressa uma norma social, ou seja, o respeito do indivíduo, típica da
sociedade moderna. “Há, nessa exploração do homem pelo homem (...),
algo que nos ofende e nos indigna” (1983, p. 192). No quadro deste respeito
para os direitos individuais, a consciência social se rebela contra os
contratos injustos, o que pode diminuir a pressão para que ele seja
respeitado. “Reprovamos todo contrato leonino, isto é, todo contrato que
favoreça indevidamente uma parte em detrimento da outra; por conseguinte,
julgamos que a sociedade não está obrigada a fazê-lo respeitar” (id, p. 192-
193). Durkheim reconhece que estes julgamentos morais ainda não
influenciaram devidamente o direito, mas mostra que um progresso nítido
pode ser sentido no caso do mercado do trabalho, onde uma série de
medidas, efetivas ou propostas, como o salário mínimo, o seguro doença, a
aposentadoria, etc, estão começando a “ tornar menos injusto o contrato de
trabalho ” (id, p. 193).
Weber não concordaria com Durkheim, na medida em que, como
vimos, ele considera o mercado como uma esfera onde reina interesses
impessoais e contrários a toda ética fraterna.
Esta noção de contrato justo, ou eqüitativo, faz intervir uma noção
extremamente interessante em sociologia econômica, a noção de preço
justo. “É sabido, com efeito, a existência em cada sociedade, e em cada
39
momento da historia, de um sentimento obscuro, mas vivo, do valor dos
vários serviços sociais, e das coisas envolvidas nas trocas” (DURKHEIM ,
1983, p. 191).
Por um lado, Durkheim faz referência ao mecanismo de formação dos
preços, mecanismo essencialmente social e não mercantil: “os preços
verdadeiros das coisas trocadas são fixadas anteriormente aos contratos,
bem longe de resultar deles” (id, p. 192).
Durkheim continua sua reflexão explicitando sua noção do valor dos
bens, que afasta-se da teoria do valor-trabalho da economia clássica e
marxista, e aproxima-se da noção de utilidade da economia neo-clássica:
não é a quantidade de trabalho posto numa coisa que lhe faz o valor a essa coisa, é a maneira pela qual essa coisa é estimada pela sociedade; e essa estimativa depende não tanto da quantidade de energia despendida quanto de seus efeitos úteis, tais, ao menos, como são sentidos pela coletividade. (id., p. 197).
Infelizmente, Durkheim não aprofunda este tema da ‘construção social
do preço’, escapando da dificuldade ao remeter a reflexão a um momento
mais oportuno. Por outro lado, ele mostra como as normas sociais, morais,
orientam o mercado, na medida em que a sociedade reprova o contrato
injusto, como acabamos de ver, ou seja, um contrato que prevê a
remuneração de bens ou serviços a um preço inferior ao seu valor, definido
socialmente, e que acaba, portanto prejudicando uma das partes. Neste
sentido, Durkheim teve o mérito de chamar a atenção para a influência da
ética no mercado, que pode em certos casos revelar-se mais forte do que a
pura lógica econômica. No entanto, podemos lamentar que ele não tenha
aprofundado sua análise, deixando uma teoria da avaliação social pouco
consistente.
6 A contribuição da economia para a justiça social no Brasil
Canuto (2001) ensina que num passado recente, a pobreza e a
desigualdade extremadas que marcam a sociedade brasileira podiam ser
encaradas como uma conseqüência triste, mas inevitável, do atraso
40
econômico. O desenvolvimento com foco na industrialização, mais do que a
questão social empolgou o pensamento e a ação política progressistas no
Brasil desde a década de 1940. Na década de 1970, quando o "milagre
econômico" brasileiro combinou altas taxas de expansão industrial e
concentração de renda, o discurso oficial dizia que era preciso deixar
crescer, primeiro, para só depois repartir o bolo da riqueza nacional.
Referido autor adverte que esse tipo de racionalização, se algum dia
teve cabimento, perdeu legitimidade a partir da volta do Brasil à democracia,
no fim da década de 1980. Não apenas as demandas sociais passaram a se
expressar livremente. Além disso, o país começou a se dar conta de que
atingira um nível de desenvolvimento no qual já é possível fazer frente às
carências fundamentais da população, sem "nivelamento por baixo" nem
grandes traumas políticos. O que é chocante para os brasileiros hoje não é
apenas a pobreza, mas, sobretudo a exclusão: o contraste entre a relativa
prosperidade de quem consegue se inserir na que é hoje uma das dez
maiores economias industriais do mundo, e o desamparo dos que não se
encaixam ou só se encaixam precariamente nessa economia, como
produtores e consumidores.
O hiato econômico-tecnológico com os países desenvolvidos persiste,
é verdade. Mas não parece tão intransponível quanto há cinqüenta anos.
Nem tão grande que sirva de desculpa para a persistência de um nível de
pobreza que já foi maior, mas ainda é imenso. Isto coloca a inclusão social,
tanto quanto o desenvolvimento econômico, no centro da agenda política
brasileira na virada do milênio.
Singer e Souza (2000) descrevem que a atual situação econômica e
social do país desafia duplamente o Estado no que diz respeito às políticas
sociais: se, até o momento, há um divórcio entre as políticas econômicas e
sociais, a ponto de serem antagônicas, de outro lado as modificações da
realidade social demandam do Estado a reformatação das tradicionais
políticas sociais e a formulação de novas políticas setoriais, que enfrentem
a fragmentação e pulverização social provocadas e/ou aprofundadas pelas
próprias políticas econômicas que vêm sendo implementadas.
41
Referidos autores acrescentam que, neste cenário, sob diversos
títulos -- economia solidária, economia social, socioeconomia solidária,
humanoeconomia, economia popular, economia de proximidade etc --, têm
emergido, no Brasil, práticas de relações econômicas e sociais que, de
imediato, propiciam a sobrevivência e a melhora da qualidade de vida de
milhões de pessoas em diferentes partes do mundo. Mas seu horizonte vai
mais além. São práticas fundadas em relações de colaboração solidária,
inspiradas por valores culturais que colocam o ser humano como sujeito e
finalidade da atividade econômica, em vez da acumulação privada de
riqueza em geral e de capital em particular. As experiências, que se
alimentam de fontes tão diversas como as práticas de reciprocidade dos
povos indígenas de diversos continentes e os princípios do cooperativismo
gerado em Rochdale, Inglaterra, em meados do século XIX, aperfeiçoados e
recriados nos diferentes contextos socioculturais, ganharam múltiplas
formas e maneiras de expressar-se. Apesar dessa diversidade de origem e
de dinâmica cultural, a valorização social do trabalho humano, a satisfação
plena das necessidades de todos como eixo da criatividade tecnológica e da
atividade econômica, o reconhecimento do lugar fundamental da mulher e
do feminino numa economia fundada na solidariedade, a busca de uma
relação de intercâmbio respeitoso com a natureza e os valores da
cooperação e da solidariedade parecem ser pontos de convergência.
A economia solidária, nas suas diversas formas, é um projeto de
desenvolvimento destinado a promover as pessoas e coletividades sociais a
sujeito dos meios, recursos e ferramentas de produzir e distribuir as
riquezas, visando a suficiência em resposta às necessidades de todos e o
desenvolvimento genuinamente sustentável. O valor central da economia
solidária é o trabalho, o saber e a criatividade humanos e não o capital-
dinheiro e sua propriedade sob quaisquer de suas formas. Ao acolher e
integrar de uma só vez cada pessoa e toda a coletividade, a economia
solidária resgata a dimensão feminina que está ausente da economia
centrada no capital e no Estado. Sendo a referência da economia solidária
cada sujeito e, ao mesmo tempo, toda a sociedade, concebida também
como sujeito, a eficiência não pode limitar-se aos benefícios materiais de
42
um empreendimento, mas se define também como eficiência social, em
função da qualidade de vida e da felicidade de seus membros e, ao mesmo
tempo, de todo o ecossistema. (FÓRUM SOCIAL MUNDIAL, 2002)
A economia solidária é um poderoso instrumento de combate à
exclusão social, pois apresenta alternativa viável para a geração de trabalho
e renda e para a satisfação direta das necessidades de todos, provando que
é possível organizar a produção e a reprodução da sociedade de modo a
eliminar as desigualdades materiais e difundir os valores da solidariedade
humana. A economia solidária é também um projeto de desenvolvimento
integral que visa a sustentabilidade, a justiça econômica e social e a
democracia participativa. Assentada em redes de colaboração solidária
entre os diferentes setores da sociedade organizada, ela exige o
compromisso dos poderes públicos com a democratização do poder, da
riqueza e do saber, e estimula a formação de alianças estratégicas entre
organizações populares para o exercício pleno e ativo dos direitos e
responsabilidades da cidadania, exercendo sua soberania por meio da
democracia e da gestão participativa.
Para Arruda (1997), a organização socioeconômica da economia
solidária exige o respeito à autonomia dos empreendimentos e organizações
dos trabalhadores, sem a tutela de Estados centralizadores e longe das
práticas cooperativas burocratizadas, que suprimem a participação direta
dos cidadãos trabalhadores. A economia solidária, em primeiro lugar, exige
a responsabilidade dos Estados nacionais pela defesa dos direitos
universais dos trabalhadores, que as políticas neoliberais pretendem
eliminar. Ademais, preconiza um Estado democraticamente forte,
empoderado a partir da própria sociedade e colocado ao serviço dela,
transparente e fidedigno, capaz de orquestrar a diversidade que a constitui
e de zelar pela justiça social e pela realização dos direitos e das
responsabilidades cidadãs de cada um e de todos. Um tal Estado precisa
atuar em dois níveis. Por um lado, garante, protege e promove um projeto
próprio e democrático de desenvolvimento socioeconômico e humano,
construído a partir e com a participação da sociedade civil do nível local e
43
até o nacional; e, por outro, se relaciona de forma cooperativa e solidária
com outras nações, promovendo a complementaridade de recursos e
interesses, e buscando instituir uma comunidade internacional centrada nos
valores da cooperação, da complementaridade, da reciprocidade e da
solidariedade. O valor central aqui é a soberania nacional num contexto de
interação respeitosa com a soberania de outras nações. O Estado
democraticamente forte é capaz de promover, mediante do diálogo com a
Sociedade, políticas públicas que fortalecem a democracia participativa, a
democratização dos fundos públicos e dos benefícios do desenvolvimento.
Enfim, nascida, sobretudo entre os excluídos dos Estados de bem
estar material, sem acesso aos bens produtivos, aos mercados, à tecnologia
e ao crédito, a economia solidária revela o potencial de ser um paradigma
de outra globalização, que demonstra que outro mundo é possível. Ao
mesmo tempo que reconhecemos todas estas capacidades propositivas da
economia solidária, entendemos que é necessário unificar esforços e
articular ações conjuntas para fazer avançar este projeto.
7 Aspectos sobre direito e economia
Arruda (1997) antecipa que a globalização é um fenômeno que tem
economistas e profissionais do direito como alguns dos seus principais
atores, na medida em que é um processo caracterizado pela integração
econômica internacional e que, diferentemente do processo de integração
do século XIX, é cada vez mais regulamentado e dependente de contratos.
Contratos e regulamentações que envolvem essencialmente economistas e
profissionais do direito. Dentro de cada país, também, a busca de um
modelo econômico capaz de produzir uma integração competitiva na
economia mundial tem levado à crescente interação entre o direito e a
economia, como refletido no aumento da regulação e no uso mais intenso
dos contratos como forma de organizar a produção, viabilizar o
financiamento e distribuir os riscos. Em particular, as reformas dos anos 90
-- privatização, abertura comercial, desregulamentação e reforma
regulatória, na infra-estrutura e no sistema financeiro – deram grande
44
impulso tanto à integração do Brasil na economia mundial como ao volume
de regulação e à utilização de contratos.
Há várias formas de pensar a relação entre o direito e a economia no
contexto da globalização. Usualmente, e o Brasil não é exceção, economia e
direito interagem em torno de temas relativos ao que se convencionou
chamar de direito econômico, envolvendo questões de antidumping, antitrust
e comércio internacional. Ainda que calcada em conceitos e evidências
microeconômicas, a abordagem utilizada neste capítulo tem uma
preocupação mais macroeconômica. Em particular, o que se faz aqui é
discutir as conseqüências da qualidade das instituições jurídicas para o
crescimento econômico de um país.
Instituições estas que variam muito de um país para o outro, na sua
forma e na sua qualidade, o que, em um mundo globalizado, tem
conseqüências relevantes para o desempenho das economias nacionais.
Essas diferenças ficam evidentes, por exemplo, em estudo patrocinado pelo
Banco Mundial, e que contou com a participação das associações de
escritórios de advocacia Lex Mundi e Lex Africa, que compara a qualidade
dos sistemas legais e judiciais de 109 países, através da análise comparada
de dois casos relativamente homogêneos: o despejo de um inquilino e a
cobrança de um cheque. Esse estudo mostra, com uma profusão de
indicadores, que mesmo causas tão homogêneas como essas podem ter
tratamentos muito diferentes nos vários países, seja em termos da sua
regulamentação, seja na prática do judiciário, vale dizer, no seu curso pela
justiça. Em particular, o tempo requerido em média para uma definição
desses casos e as formas em que esses processos correm na justiça,
notadamente em termos processuais, podem variar significativamente de um
país para outro. (ARRUDA, 1997)
Referido autor acrescenta que existem também estudos que analisam
empírica e conceitualmente como direito e economia interagem
diferentemente nos sistemas de civil e common law, não apenas indicando
que o primeiro protege mais fracamente os direitos de propriedade privados,
mas também avaliando as implicações práticas dessas diferenças para o
45
crescimento e o desenvolvimento econômico dos países. Pode-se citar
ainda como evidência da influência dos sistemas legal e judicial sobre o
desempenho de uma economia as várias medidas de risco país produzidas
pelas agências de rating, que incluem uma avaliação das instituições
jurídicas do país, e da garantia que estas provêem aos direitos de
propriedade. O rating de risco soberano, por sua vez, influi no custo de
captação externa e nas taxas de juros domésticas, e através destas no
volume de crédito, no investimento, no crescimento e assim por diante.
É partindo dessa percepção que organizações como o Banco Mundial
e o BID preconizam que a reforma do judiciário deve ocupar um papel de
destaque na nova rodada de reformas que se faz necessária para dotar as
economias em desenvolvimento e em transição de instituições que
sustentem o bom funcionamento do mercado. De fato, se um bom judiciário
é importante para o adequado funcionamento de qualquer economia, mais
ainda o é para uma que acaba de passar pelas reformas que foram
adotadas no Brasil e na maior parte do mundo não desenvolvido na última
década. Isto porque, com a privatização, o fim de monopólios e controles de
preços e a abertura comercial muitas transações antes realizadas dentro do
aparelho de Estado, ou coordenadas por ele, passaram a ser feitas no
mercado. Sem o apoio de um bom judiciário, essas transações podem
simplesmente não ocorrer, ou se dar de forma ineficiente, exigindo que as
reformas sejam revertidas.
Assim, o judiciário é uma das instituições mais fundamentais para o
sucesso do novo modelo de desenvolvimento que vem sendo adotado no
Brasil e na maior parte da América Latina, pelo seu papel em garantir
direitos de propriedade e fazer cumprir contratos. Não é de surpreender,
portanto, que há vários anos o Congresso Nacional venha discutindo
reformas que possam tornar o judiciário brasileiro mais ágil e eficiente. O
que se verifica, não obstante, é que apenas recentemente se começou a
analisar e compreender as relações entre o funcionamento da justiça e o
desempenho da economia, seja em termos dos canais através dos quais
essa influi no crescimento, seja em relação às magnitudes envolvidas. Nota-
46
se, assim, que até aqui o debate sobre a reforma do judiciário ficou restrito,
essencialmente, aos operadores do direito – magistrados, advogados,
promotores e procuradores – a despeito da importância que essa terá para a
economia.
Mas será que, no mundo globalizado do século XXI, a relação entre
direito e economia é sempre de colaboração, de unidade de objetivos e
percepções, de forma que a tarefa de melhorar o funcionamento do
judiciário requer apenas esforço e dedicação? Ou há também um campo
importante de conflito entre os economistas e os profissionais do direito,
conflito que também contribui para comprometer o desempenho da justiça e
é, portanto, contrário aos melhores interesses do país e da sociedade?
Segundo Pinheiro (2002), na palestra de abertura do Congresso
promovido pela Academia Internacional de Direito e Economia, em junho de
2002, seu eminente presidente, o Dr. Arnoldo Wald, mencionava, por
exemplo, que o tempo da economia não é o tempo do direito.
Para Pinheiro (2002), a diferença entre a economia e o direito, e o
sistema de justiça em particular, vai além da questão do tempo ou da
questão que às vezes se menciona, de que a justiça olha mais para trás na
tentativa de reconstituir um estado anterior das artes, enquanto a economia
olha essencialmente para frente, tentando prever e “precificar”, para usar
um anglicismo hoje parte do economês nacional, o futuro. Neste sentido, é
útil refletir sobre uma perspicaz observação do professor George Stigler, da
Universidade de Chicago, que nota que:
Enquanto a eficiência constitui-se no problema fundamental dos economistas, a justiça é a preocupação que norteia os homens do direito (...) é profunda a diferença entre uma disciplina que procura explicar a vida econômica (e, de fato, todo o comportamento racional) e outra que pretende alcançar a justiça como elemento regulador de todos os aspectos da conduta humana. Esta diferença significa, basicamente, que o economista e o jurista vivem em mundos diferentes e falam diferentes línguas. (STIGLER, apud PINHEIRO, 2002, p. 22)
7.1 O Judiciário como Instituição Econômica
47
O ponto de partida conceitual para se entender a influência das leis e
do judiciário sobre o desempenho econômico pode ser encontrado na
economia neo-institucionalista, principalmente nos trabalhos de Ronald
Coase, Douglas North e Oliver Williamson, para ficar apenas nos autores
mais conhecidos. Vale a pena citar que há também um amplo conjunto de
trabalhos que mostram empiricamente a importância dos sistemas legais e
jurídicos na determinação da taxa de crescimento econômico. Ou seja, que
variações na qualidade dos sistemas legais e judiciais são importantes
determinantes do ritmo de crescimento e do desenvolvimento econômico
dos países. Esta seção discute essa literatura, analisando o judiciário
enquanto instituição econômica.
7.2 Como avaliar a qualidade do judiciário enquanto instituição econômica
A percepção de que o mau funcionamento do judiciário tem impacto
significativo sobre o desempenho da economia é relativamente recente, e
reflete o crescente interesse no papel das instituições enquanto
determinantes do desenvolvimento econômico (PINHEIRO e CABRAL,
1998). Este reconhecimento tardio, mas que ganha crescente atenção, não
é um mero acidente histórico. Pelo contrário, ele reflete o fato de que em
economias de mercado, como são cada vez mais as existentes em países
em desenvolvimento e em transição, as instituições econômicas são mais
importantes do que quando é o Estado que executa ou coordena a atividade
econômica, particularmente em setores em que contratos intertemporais são
a regra, como é o caso da infra-estrutura e do mercado de crédito. De fato,
é crescente o reconhecimento de que a qualidade das instituições explica
uma parcela importante das elevadas diferenças de renda entre países.
Como desenvolvido com mais detalhe na próxima seção, os problemas
com que se defronta o judiciário na maior parte dos países em
desenvolvimento e em transição prejudica o seu desempenho econômico de
várias maneiras: estreita a abrangência da atividade econômica,
desestimulando a especialização e dificultando a exploração de economias
48
de escala; desencoraja investimentos e a utilização do capital disponível,
distorce o sistema de preços, ao introduzir fontes de risco adicionais nos
negócios, e diminui a qualidade da política econômica.
Para se compreender essa influência, e para se avaliar a sua
importância quantitativa, é preciso antes definir indicadores que permitam
aferir a qualidade do desempenho do judiciário no que este se reflete sobre
o funcionamento da economia. Ou seja, necessita-se de um critério para
avaliar o que é um bom judiciário. Definições genéricas, como a que
estabelece que “um bom judiciário é aquele que assegura que a justiça seja
acessível e aplicada a todos, que direitos e deveres sejam respeitados,
além de aplicados com um baixo custo para a sociedade” (PINHEIRO e
CABRAL, 1998, p. 14), embora capturem a essência do problema, são de
difícil utilização.
Neste sentido, três alternativas são propostas na literatura. Pinheiro e
Cabral (1998, p.7) sugerem que o desempenho do judiciário seja avaliado
considerando-se os serviços que ele produz em termos de “garantia de
acesso, previsibilidade e presteza dos resultados, além de remédios
adequados”. Ou seja, focar a justiça enquanto uma entidade que presta
serviços para a sociedade, e considerar a qualidade dos serviços ofertados.
Isto permitiria não apenas estabelecer comparações entre diferentes
jurisdições, como também avaliar o desempenho de um determinado
judiciário, ou uma parte dele, ao longo do tempo. Além disso, associando-se
indicadores de “produção” aos custos incorridos pela justiça poderia se
derivar indicadores de eficiência, que também podem ser comparados com
benchmarks ou acompanhados no tempo.
Ainda que misturando insumos e produtos, em certo sentido é essa a
visão adotada pelo Banco Mundial em seu Relatório sobre o
Desenvolvimento Mundial de 1997, em que o Banco lista as três
características que a seu ver caracterizariam um bom judiciário:
independência; força, isto é, instrumentos para implementar suas decisões;
e eficiência gerencial. (PINHEIRO, 2000)
49
Referido autor acrescenta que o Banco defende a independência do
resto do governo como a mais importante das três, por ser essa essencial
para garantir que o executivo respeite a lei e responda por seus atos. A
efetividade do judiciário também depende, porém, da capacidade de
implementar suas decisões. Na prática isso significa dispor de suficiente
poder de coerção, não apenas em termos legais, mas também em termos de
recursos humanos e financeiros. Vale dizer, dispor de um número suficiente
de oficiais de justiça para apresentar decisões e documentos judiciais, para
confiscar e dispor de propriedade, etc. Obviamente, também um poder
policial eficiente é um elemento essencial para o bom funcionamento do
judiciário. A terceira condição necessária para que o judiciário seja eficaz é
que ele seja organizacionalmente eficiente, sem o que se dá uma grande
demora na solução de processos.
Em seu relatório o Banco nota que um processo leva em média 1500
dias para ser concluído em países como o Brasil e o Equador, contra
apenas 100 dias na França. Longas demoras aumentam os custos de
transação na resolução de disputas e podem bloquear o acesso ao judiciário
de potenciais usuários.
A dificuldade com essa metodologia é que a produção do judiciário
depende tanto da quantidade de serviços como de sua qualidade, sendo a
importância desta última maior do que em outros setores, e, além disso,
sujeita a grande subjetividade. É isto que torna atraente a sugestão de
Pinheiro (2000, p. 56), de que a qualidade do sistema judicial seja medida
pela freqüência com que os indivíduos recorrem ao sistema e não a
mecanismos concorrentes de resolução de conflitos e de aplicação da lei:
“Para ser competitivo, o sistema legal deve, sobretudo, se mostrar mais
atraente do que outros mecanismos, tipicamente privados de resolução de
conflitos e de imposição do estabelecido nos acordos”. Ou seja, pode-se
medir o desempenho do judiciário não pela sua produção, mas pela
demanda que se observa pelos seus serviços.
Essa forma de abordar a questão tem a vantagem de mostrar que o
impacto do mau funcionamento da justiça sobre a economia depende da
50
existência e da eficiência de outras instituições que competem com o
judiciário ou que tentam compensar as suas falhas. No primeiro grupo tem-
se formas alternativas de organizar a produção, através da verticalização,
de participações acionárias cruzadas, ou outras formas privadas de
ordenamento de contratos.
No segundo temos desde mecanismos formais como as câmaras de
arbitragem até sistemas de informação, como listas negras de
inadimplentes, que aumentam o custo de não cumprir um contrato. Mesmo
em economias com bons sistemas judiciais, muitas companhias se
especializam em coletar e vender informações referentes à capacidade de
crédito de pessoas e firmas. À medida que cai o custo de processamento de
tais informações, diminui o preço cobrado por serviços dessa natureza,
mesmo em países menos desenvolvidos. Tais serviços permitem às
empresas “proteger-se” dos impactos negativos do mau funcionamento da
justiça, negociando e firmando contratos de forma ampla e em termos
bastante impessoais.
No Brasil, dois mecanismos freqüentemente utilizados pelas firmas
para se protegerem do mau funcionamento da justiça são a resolução de
disputas por negociação direta e a cuidadosa seleção de parceiros de
negócios. Assim, 88% dos empresários entrevistados em pesquisa do Idesp
concordaram que “é sempre melhor fazer um mau acordo do que recorrer à
Justiça” (Pinheiro, 2000, p. 14). Além disso, nove em cada dez empresas
responderam que checar a reputação da outra parte no mercado e seu
comportamento pretérito como pagador, e favorecer clientes e fornecedores
conhecidos nas transações comerciais são procedimentos indispensáveis ou
pelo menos importantes em qualquer negócio.
Também com essa medida há, porém, um problema: o pouco uso do
judiciário pode refletir não o seu mau desempenho, mas a qualidade
superior de outros mecanismos de resolver conflitos e fazer com que os
contratos sejam respeitados. Uma maneira de corrigir para esse efeito é
utilizar um meio ainda mais indireto de avaliar o desempenho da justiça,
como o proposto por Williamson (apud PINHEIRO 2000, p. 181-2):
51
O resultado é que se pode inferir a qualidade do judiciário de forma indireta: uma economia com alto desempenho (expresso em termos de governança) irá permitir mais transações em uma faixa intermediária [i.e. contratos de longo prazo estabelecidos fora de organizações hierarquizadas] do que uma economia com um judiciário problemático. Em outros termos, numa economia com baixo desempenho a distribuição das transações tende se mostrar mais bi-modal – com transações em mercados a vista ou dentro de hierarquias e menos transações na faixa intermediária.
Pinheiro (2000) desenvolve um modelo que permite avaliar o impacto
da qualidade dos serviços fornecidos pelo judiciário (ou outro mecanismo de
solução de disputas) sobre a utilidade das partes e, portanto, sobre a sua
propensão a litigar. A utilidade esperada de recorrer à justiça depende,
positivamente, do valor líquido que se espera receber e, negativamente, da
variância desse ganho, que reflete a incerteza quanto a ganhar ou perder a
disputa e ao tempo até que uma decisão seja tomada. Assim, a utilidade
advinda da utilização de um mecanismo específico de resolução de
conflitos, como o judiciário, é uma função do valor do direito em causa, dos
custos envolvidos, da rapidez com que uma decisão é alcançada, da
imparcialidade do árbitro, da taxa de juros (ou, mais precisamente, da taxa
de desconto intertemporal), e da previsibilidade das decisões e do tempo
até que estas sejam alcançadas.
Neste sentido, um sistema que funciona bem deve ostentar quatro
propriedades: baixo custo e decisões justas, rápidas e previsíveis, em
termos de conteúdo e de prazo.
O custo esperado de recorrer ao judiciário (ou a outras formas de
resolução de disputas) não depende apenas das taxas pagas à justiça, ms
também das despesas incorridas durante o processo de litígio, da
probabilidade de se vencer (probabilidade que pode ela própria depender do
quanto é gasto) e de como os custos do litígio são distribuídos entre quem
ganha e quem perde a causa. Custas judiciais elevadas, advogados caros e
um sistema judicial com problemas de corrupção tendem a encorajar as
partes a usarem mecanismos alternativos de resolução de disputas ou
simplesmente a não iniciarem um litígio.
52
As decisões são previsíveis quando a variância ex-ante do ganho
líquido de custos é pequena. Note-se que essa variância é formada tanto
pela variância do resultado em si (isto é, perde ou ganha), como do tempo
necessário para se alcançar uma decisão. Ambas representam fatores
indesejáveis e atuam para desencorajar o recurso ao judiciário. A
previsibilidade é alta quando a capacidade de se vencer se aproxima de
zero ou um e a variância do tempo gasto para se tomar a decisão é
pequena. Os tribunais podem ser imprevisíveis porque as leis e/ou contratos
são escritos precariamente, porque os juizes são incompetentes ou mal
informados, ou porque as partes se mostram inseguras em relação ao tempo
que será necessário aguardar até que uma decisão seja tomada. Métodos
alternativos de resolução de conflitos podem ser preferidos,
conseqüentemente, não só porque são mais rápidos, mas também porque
os árbitros podem estar mais bem preparados para interpretar a questão em
disputa. (PINHEIRO e CABRAL, 1998)
Um sistema de resolução de conflitos caracteriza-se como justo
quando a probabilidade de vitória é próxima a um para o lado certo e a zero
para o lado errado. A parcialidade é claramente ruim, e difere da
imprevisibilidade porque distorce o sentido da justiça de uma forma
intencional e determinista. Os tribunais podem ser tendenciosos devido à
corrupção, por serem politizados (favorecendo a certas classes de litigantes,
como membros da elite, trabalhadores, devedores, residentes, etc.), ou por
não gozarem de independência frente ao Estado, curvando-se à sua
vontade quando o governo é parte na disputa. A importância da
imparcialidade de um sistema judicial que funcione adequadamente é assim
assinalada por North (citado por PINHEIRO, 2000, p.8):
De fato, a dificuldade em se criar um sistema judicial dotado de relativa imparcialidade, que garanta o cumprimento dos acordos, tem-se mostrado um impedimento crítico no caminho do desenvolvimento econômico. No mundo ocidental, a evolução dos tribunais, dos sistemas legais e de um sistema judicial relativamente imparcial tem desempenhado um papel preponderante no desenvolvimento de um complexo sistema de contratos capaz de se estender no tempo e no espaço, um requisito essencial para a especialização econômica.
53
Quando a justiça é lenta, o valor esperado do ganho ou da perda das
partes será tão mais baixo quanto maior for a taxa de juros. O insucesso em
se produzir decisões com presteza é freqüentemente citado como um
importante problema dos sistemas judiciais em todo o mundo. Isto, por sua
vez, causa dois tipos de problemas inter-relacionados. Por um lado, a
morosidade reduz o valor presente do ganho líquido (recebimento esperado
menos os custos), significando que o sistema judicial só em parte protege
os direitos de propriedade. Em economias com inflação alta, se os tribunais
não adotarem mecanismos de indexação adequados, o valor do direito em
disputa pode despencar para zero com bastante rapidez.
Pode haver, assim, uma tensão entre conciliar justiça e eficiência,
quando se procura ao mesmo tempo alcançar decisões rápidas, bem
informadas, que permitam amplo direito de defesa e que ao mesmo tempo
incorram em custos baixos.
Pesquisa nacional junto a médios e grandes empresários realizada
pelo IDESP (Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São
Paulo, citado por PINHEIRO, 2000) mostra que no Brasil a morosidade é o
principal problema do judiciário: 9 em cada 10 entrevistados consideraram a
justiça ruim ou péssima nesse quesito. A avaliação é negativa também em
relação aos custos de acesso, ainda que menos do que a respeito da
agilidade, e levemente positiva em relação à imparcialidade das decisões
judiciais. A duração média até uma decisão judicial dos litígios em que as
empresas se viram envolvidas ilustra o problema da morosidade: 31 meses
na Justiça do Trabalho, 38 meses na Justiça Estadual e 46 meses na
Justiça Federal.
Referido autor acrescenta que as empresas têm, porém, um
relacionamento ambíguo com a lentidão da justiça. Assim, nem sempre a
demora em obter uma decisão é prejudicial às empresas: nas causas
trabalhistas, um quarto delas apontaram que, pelo contrário, ela é benéfica,
sendo que somente 44,2% dos entrevistados indicaram que a lentidão da
Justiça do Trabalho é algo prejudicial.
54
Isso decorre de muitas firmas se valerem da morosidade dos tribunais
do trabalho para pressionarem os trabalhadores a aceitarem um arranjo
negociado em disputas financeiras, o que ajuda a entender porque quase
metade dos litígios na área trabalhista, de longe os mais freqüentes na vida
das empresas, é concluída por acordo entre as partes, o que também não é
incomum em causas comerciais (24% dos casos). Embora menos
pronunciado, um resultado similar foi observado nas questões relacionadas
a tributos, direitos do consumidor e meio-ambiente. (PINHEIRO, 2002)
No Brasil, não é incomum as empresas recorrerem aos tribunais
questionando a legalidade de impostos com o objetivo de adiar o seu
pagamento. Somente no caso dos contratos (direito comercial), a
morosidade judiciária não é percebida como benéfica por uma proporção
significativa dos entrevistados. Isso ilustra um efeito secundário, mas
importante, da lentidão da justiça: ela encoraja o recurso ao judiciário não
para buscar um direito ou impor o respeito a um contrato, mas para impedir
que isso aconteça ou pelo menos protelar o cumprimento de uma obrigação.
Isso significa que há um círculo vicioso na morosidade, com um número
grande das ações que enchem o judiciário, contribuindo para a sua lentidão,
estando lá apenas porque ele é lento.
Pinheiro (2002, p. 45) esclarece que essa visão foi ratificada em
pesquisa do Idesp com uma amostra nacional de magistrados, a quem foi
colocada a seguinte questão: “Afirma-se que muitas pessoas, empresas e
grupos de interesse recorrem à justiça não para reclamar os seus direitos,
mas para explorar a morosidade do Judiciário. Na sua opinião, em que tipos
de causas essa prática é mais freqüente?”.
Esse tipo de comportamento também é muito freqüente de parte do
setor público, particularmente quando a União é uma das partes envolvidas.
Também neste caso, deveria se procurar implantar medidas que
desencorajassem este tipo de comportamento, possivelmente através da
mudança de normas seguidas pelos advogados do setor público.
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Além disso, Pinheiro (2002) adianta que considerando que na maior
parte dos casos em que o setor público é uma parte envolve um número
limitado de disputas – os 86.000 casos julgados pelo STF em 2000 diziam
respeito a pouco mais de 100 temas diferentes – medidas que vinculem as
decisões de tribunais inferiores às decisões, por exemplo, do STF, em casos
anteriormente julgados, deveriam acelerar o trâmite de processos e reduzir
o ganho daqueles que usam o sistema judiciário de má fé. A adoção de um
instrumento como a súmula vinculante também tem a vantagem de dar igual
tratamento ao contribuinte e ao fisco (aqui representando os demais
contribuintes), ao contrário de remédios que limitam unilateralmente o mau
uso do judiciário por parte do executivo.
56
CONCLUSÃO
Numa sociedade de homens livres, cujos membros podem usar seu
próprio conhecimento com vistas a seus próprios fins, a expressão ‘justiça
social’ é desprovida de significado ou conteúdo, não podendo, por sua
própria natureza, ser provada. Asserção negativa nunca o pode. O apelo à
‘justiça social’ não ajuda nas escolhas a fazer.
Esforçar-se para aplicar a expressão ‘justiça social’ a uma sociedade
de indivíduos livres, é redundante, pois tal sociedade carece de precondição
fundamental para a aplicação do conceito de justiça à maneira como se
efetua a distribuição dos benefícios materiais entre seus membros, a saber,
que esta seja determinada por uma vontade humana.
A expressão ‘justiça social’ não é ingênua de boa vontade para com
os menos afortunados, mas uma insinuação desonesta, desonrosa, do ponto
de vista intelectual, símbolo da demagogia ou do jornalismo barato.
O apelo à ‘justiça social’ é, na verdade, um simples convite para
darmos aprovação moral a reivindicações que não se justificam moralmente
e conflitam com a norma básica de uma sociedade livre, segundo a qual só
se devem impor normas que possam ser aplicadas igualmente a todos, a
justiça, no sentido de normas de conduta justa, é indispensável à interação
de homens livres.
Não pode haver reivindicação moral de algo que não existiria senão
pela decisão de outros de arriscar seus recursos em sua criação. O que não
compreendem os que atacam a grande riqueza privada é que não é nem por
esforço físico, nem pelo mero ato de economizar e investir, mas, sobretudo
pela orientação de seus recursos para usos mais produtivos que a riqueza é
criada. Além disso, aqueles que criaram riquezas criam oportunidades de
empregos mais compensatórios, maior número de pessoas do que se
tivesse dados seu excesso aos pobres.
Mas não é só pelo encorajamento de preconceitos malévolos e
prejudiciais que o culto da ‘justiça social’ tende a destruir sentimentos
morais genuínos. A ubíqua dependência do poder de outrem, criada pela
imposição de qualquer imagem de ‘justiça social’ destrói a liberdade de
decisões pessoais em que toda moral deve fundar-se. De fato, a busca
sistemática do ignis fatuus da ‘justiça social’, a que chamamos socialismo, é
inteiramente baseada na idéia atroz de que cabe ao poder político
determinar a posição material dos diferentes indivíduos e grupos – idéia
defendida sob a falsa alegação de que isso necessariamente sempre ocorre,
desejando o socialismo apenas transferir esse poder das classes
privilegiadas para as mais numerosas. O grande mérito do sistema de
mercado foi reduzir de maneira extraordinária o poder arbitrário. A sedução
da ‘justiça social’ mais uma vez ameaça arrebatar-nos esse trunfo maior da
liberdade pessoal. Desprezar o termo ‘justiça social’ não implica em
desprezar a concepção de justiça. Não tem desavença básica com o autor
quando reconhece este que a tarefa de definir como justos sistemas
específicos ou formas de distribuição de coisas desejadas deve ser
‘relegada como errônea em princípio, não sendo, de qualquer maneira,
suscetível de uma resposta definida. Ao contrário, os princípios de justiça
definem as limitações cruciais a que as instituições e atividades conjuntas
devem atender para que as pessoas que delas participam não tenham
queixas contra elas. Se essas limitações são observadas, a distribuição
resultante, seja qual for, pode ser considerada justa ou, pelo menos, não
injusta.
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