jurisprudÊncia da sexta turma...lação." (fls. 762) dentro dos limites traçados, o acórdão...
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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL NQ 150.079 - SP
(Registro n Q 97.0069589-1)
Relator: O Sr. Ministro Fernando Gonçalves
Embargante: Atacadão S/A Distribuição, Comércio e Indústria
Advogados: Drs. Fernando Eduardo Prison e outros
Embargados: V. Acórdão de fls. 1.031 e Estrutécnica S/A Indústria, Comércio e Construções
Advogado: Dr. Ruy Celso Legaspe
EMENTA: Embargos declaratórios. Omissão. Pedido recursal alternativo.
1. Quando o pedido recursal é formulado alternativamente, ou seja, o direito nele perseguido pode ser efetuado, na dicção de Moacyr Amaral Santos, "por mais de uma forma, cada uma suficiente para satisfação da pretensão", atendido o primeiro, o segundo, em conseqüência, estará prejudicado. Não há, portanto, omissão no acórdão que, atendendo ao primeiro pleito, reputou prejudicados os demais.
2. Embargos rejeitados.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, rejeitar os embargos de declaração. Participaram do julgamento os Ministros Vicente Leal e Luiz Vicente Cernic-
chiaro. Ausentes, por motivo de licença, o Ministro William Patterson e, justificadamente, o Ministro Anselmo Santiago.
Brasília, 05 de março de 1998 (data do julgamento).
Ministro VICENTE LEAL, Presidente. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Relator.
Publicado no DJ de 30-03-98.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998. 315
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES: Versa a espécie sobre embargos de declaração opostos por Atacadão S.A. - Distribuição, Comércio e Indústria contra acórdão que, em matéria de locação, acolhendo parcialmente recurso especial, decidiu:
"Locação. Acordo firmado anteriormente à propositura de renovatória. Fixação de novo aluguel nesta última. Conciliação dos numerários. Inteligência do art. 19, da Lei n Q 8.245/91.
1 - Nos termos da jurisprudência da Corte, o acordo firmado entre locador e locatário, elevando o aluguel, ainda que a valores abaixo daqueles praticados pelo mercado, interrompe o prazo para a propositura de revisional, ou seja, somente poderá ser fixado novo valor locatício após transcorrido o prazo de 3 (três) anos previsto no art. 19, da Lei nº 8.245/91. O fato de ter sido proposta ação renovatória pelo recorrente, e nela novo aluguel fixado, não elide o comando cogente do citado dispositivo legal, razões pelas quais, vigora, conforme preconizado no especial, dentro de um determinado período do contrato renovado, aquele valor estipulado no acordo firmado entre o locatário-recorrente e a locadora -recorrida.
2 - Recurso especial conhecido em parte." (fls. í.031)
Aduz a embargante, no essencial, que, em se tratando de pedidos "alternativos por subsidiariedade", o acolhimento parcial do primeiro, torna necessário o exame da segunda postulação, mostrando-se, neste ponto, omisso o julgado, em relação ao período restante da locação, subseqüente a 25 de agosto de 1995.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES (Relator): A embargante firmou acordo com sua locadora e o especial teve por objetivo único a prevalência da norma do art. 19 da Lei nº 8.245/91, aduzindo, em síntese, o seguinte:
"a) ser reconhecida e decretada a impossibilidade de se fazer nova revisão judicial do aluguel antes do prazo de três anos, estabelecendo-se como locativo da renovação aquele acordado entre as partes na ação consignatória ou aquele fixado na ação revisional, com reajustes semestrais, ou
b) em sucessão alternativa, ser arbitrado como aluguel nesta re.1Ovatória aquele constante da contraproposta feita pela locadora na contestação desta ação renovatória ($ 28.869,09 - moeda da época, equivalente a Cr$ 329.890,41, em maio de 1993, segundo atualização do Sr. Perito), ou
c) ainda alternativamente e em sucessão, pede seja anulado o V.
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Acórdão e determinada a volta dos autos ao Egrégio Tribunal a quo, para que seja proferida nova decisão como se entender de direito e examinada em toda sua amplitude a causa de pedir recursal posta pela recorrente na apelação." (fls. 762)
Dentro dos limites traçados, o acórdão acolheu o primeiro pedido, ficando ipso facto, dada a alternatividade, prejudicados os demais. O fato foi destacado às fls. 1.027, verbis:
"Como se vê, inicialmente, pretende0 recorrente seja reconhecida a vulneração ao art. 19, da lei de locações e, caso assim não se entenda, em pedidos sucessi-
vos e alternativos, sejam analisadas as demais fundamentações.
Assim é que, cinge-se o especial somente à fixação da correta exegese do referido art. 19, porquanto, acerca do assunto, merece conhecimento a irresignação."
O pedido formulado no especial, como visto, é alternativo, ou seja, o direito nele perseguido pode ser efetuado, na dicção de Moacyr Amaral Santos, "por mais de uma forma, cada uma suficiente para satisfação da pretensão". Atendido o primeiro, o segundo, em conseqüência, estará prejudicado.
Não cabia, na verdade, ao acórdão avançar além do tempo previsto no art. 19 da Lei n Q 8.245/91.
Assim sendo, rejeito os embargos.
HABEAS CORPUS NQ 3.299 - SP
(Registro n Q 95.0009742-7)
Relator: O Sr. Ministro Vicente Leal
Relator Designado: O Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro
Impetrantes: Cyro Kusano e outro
Impetrado: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo
Paciente: Osvaldo Ribeiro de Mendonça - pensionista
EMENTA: HC - Direito Penal - Culpa inconsciente - Romo medius - Negligência representa não observância dos parâmetros do dever de cautela, juridicamente impostos a qualquer pessoa, no momento em que realiza a conduta. A antevisão do fato deve traduzir-se de modo concreto e não de modo abstrato. O Direito Penal da culpa é incompatível com o antigo homo medius. A investigação da conduta deve ser individual.
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por maioria, conceder a ordem de habeas corpus, vencido o Sr. Ministro-Relator. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro. Os Srs. Ministros Adhemar Maciel e Anselmo Santiago votaram com o Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro.
Brasília, 29 de maio de 1995 (data do julgamento).
Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, Presidente e Relator (designado).
Publicado no DJ de 22-06-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL: Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário impetrado contra acórdão do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, que denegou o writ requerido em favor de Osvaldo Ribeiro de Mendonça, denunciado com outros co-réus como incursos nas penas do art. 121, § 3º (uma vez) e art. 129, § 6º c/c art. 70 (dez vezes), ambos do Código Penal, em razão de acidente envolvendo uma Pickup e um caminhão que transportava trabalhadores rurais.
Por via do presente habeas corpus pretende o denunciado o trancamento da ação penal por ausên-
cia dejusta causa, alegando, em síntese, que a sua conduta é atípica, vez que não teria contribuído para a eclosão do resultado danoso, sendo apenas o proprietário do caminhão que transportava os trabalhadores. Sustenta que a sua responsabilidade deriva, tão-somente, da inobservância de norma regulamentar do Código. de Trânsito.
Ao prestar informações, o ilustre Juiz Hélio de Freitas, Presidente do TACRIM, esclareceu, in verbis:
"Por fatos ocorridos no dia 12 de setembro de 1992, foram o paciente e outros co-réus denunciados, perante o MM. Juízo da E. Vara Distrital de Colina, da Comarca de Barretos, como incursos no art. 121, § 3º (uma vez) e art. 129, § 6º (por dez vezes), c.c. o art. 70, todos do Código Penal (doc. nº 1), com base nos elementos colhidos na fase indiciária (doc. nº 2).
Recebida a denúncia (doc. nº 3), expediu-se carta precatória para citação pessoal do paciente, que, porém, restou infrutífera (doc. nº 4). Determinado o chamamento por edital (doc. nº 5) e não comparecendo para o interrogatório, decretou-se a revelia do paciente, com a nomeação de defensor dativo, que ofereceu a defesa prévia (doc. nº 6).
Após a designação de audiência para o início da instrução, feita para o dia 22 de março transato, foram os autos remetidos a esta Corte em 9 de março último, atendendo à minha requisição, pa-
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ra a elaboração destas informações (doc. n Q 7).
Esclareço, ainda, que o paciente impetrou, neste Tribunal, os Habeas Corpus nM 266.048/9 que a E. Oitava Câmara desta Corte, por votação unânime, denegou (doc. n Q 8) e 272.960/0, e que se encontram em fase de remessa à douta Procuradoria Geral de Justiça (doc. n Q 9)".
A douta Subprocuradoria Geral da República, em parecer de fls. 242/246, opina pela denegação do writ.
É o relatório.
VOTO - VENCIDO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL (Relator): A pretensão condensada no presente writ funda-se, essencialmente, na alegação de falta dejusta causa para a ação penal, ao fundamento de que o paciente não participou do fato que deu ensejo ao acidente de tráfego, sendo apenas proprietário do caminhão.
Todavia, é de se considerar que o paciente foi denunciado por homicídio culposo, merecendo destacarse, a propósito de sua responsabilidade em face do evento, as precisas informações do ilustre Juiz de Direito que preside o processo, verbis:
"N esse particular e ad argumentandum tantum, a argumentação trazida pelos impetrantes, no sentido de que o paciente não teve participação no evento, é matéria que demanda
prova e, portanto, foge às estreitas e específicas raias do remédio heróico. De fato, infere-se do conteúdo de sua peça inicial, que o paciente Oswaldo Ribeiro de Mendonça está sendo processado, pelo simples fato de ser o proprietário do veículo sinistrado. Entretanto, ao se proceder à leitura da peça inicial acusatória, nota-se que, na realidade, a situação não se afigura tão singela como alegada. Pelo ·que se depreende daquela peça, a responsabilidade do paciente reside no fato de ser a pessoa de quem eram emanadas as ordens para que seus empregados fossem transportados em veículo que não oferecia a mínima condição de segurança, nem tampouco era destinado ao transporte de pessoas. Assim, nos termos da denúncia, a responsabilidade do paciente estaria situada na ausência do necessário dever de cautela, ao ordenar e consentir uma prática irregular, em total desrespeito à condição humana dos empregados, cujos resultados lesivos, pelas próprias características do caso em exame, eram plenamente previsíveis. Portanto, a denúncia não se fundou, apenas, na condição de proprietário, do paciente, mas, sim, na conduta de permitir (por ação ou omissão) a prática de um ato, cujo resultado danoso lhe era totalmente previsível, em face das condições e circunstâncias que o envolviam. Dessa forma, somente após a necessária e regular instrução do feito, é que se poderá valorar a conduta do paciente
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e concluir se foi ou não responsável pelo evento." (fls. 238).
Constata-se, à vista dessas informações, que a conduta imputada ao paciente adequa-se em princípio, à modalidade de culpa por negligência, já que não teria examinado as condições do caminhão de sua propriedade que transportava seus empregados, trabalhadores rurais.
Como é sabido, a culpa caracteriza-se pela inobservância do cuidado objetivo necessário, este fundado na previsibilidade aferida a partir da possibilidade de antevisão do resultado por um homem comum, prudente e de discernimento, colocado diante de situações concretas.
A culpa tem como modalidades a imperícia, imprudência e negligência.
A propósito do conceito de negligência, merece registro o magistério de Damásio de Jesus:
"A imprudência é a prática de um fato perigoso. Ex.: dirigir veículo em rua movimentada com excesso de velocidade.
A negligência é ausência de precaução ou indiferença em relação ao ato realizado. Ex.: deixar arma de fogo ao alcance de uma criança.
Enquanto na negligência o sujeito deixa de fazer alguma coisa que a prudência impõe, na imprudência ele realiza uma conduta que a cautela indica que não deve ser realizada. A doutrina ensina que a imprudência é positiva (o
sujeito realiza uma conduta) e a negligência, negativa (o sujeito deixa de fazer algo imposto pela ordem jurídica)". (in Direito Penal- 1 Q volume - Parte Geraled. Saraiva - 16ª edição, 1992).
N o caso, não se trata de culpa in re ipsa ou presumida. De fato, quem emprega na sua atividade econômica veículo sem segurança para transportar "bóiàs-frias" tem pelo menos a previsibilidade da ocorrência de evento danoso, não se podendo falar em responsabilidade objetiva. Trata-se de infringência ao dever médio de cuidado na vida de relação. É que o Direito exige que as pessoas direcionem com cuidado suas condutas no sentido de evitar danos aos outros, sob pena de responder por negligência quem omite esses cuidados necessários que nas circunstâncias não era possível ignorar.
Em tal contexto, a instauração de procedimento criminal para apuração de fatos que apresentam a feição de crime culposo não pode ser, em seu nascedouro, trancado por habeas corpus, sem que se tenha uma precisa visão do tema.
Com efeito, o trancamento da ação penal em sede de habeas corpus só se viabiliza quando a ausência de justa causa é evidenciada pela simples exposição dos fatos ou quando se constata que há imputação de fato atípico ou ausência de qualquer elemento indiciário, configurador da autoria do delito.
N a hipótese, o trancamento da ação penal só seria possível se a ati-
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picidade da conduta do paciente fosse evidenciada pela simples exposição dos fatos, sem a necessidade de exame de matéria probatória, o que inocorre no caso sub examen.
Isto posto, denego a ordem.
É o voto.
VOTO- VOGAL
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO: Srs. Ministros, a matéria posta a julgamento já foi apreciada por esta Egrégia Sexta Turma. Na ocasião, tive oportunidade de mencionar, negligência representa a não observância dos parâmetros do dever de cautela, juridicamente imposto a qualquer pessoa no momento em que realiza a conduta.
Mencionei, também, a previsibilidade, elemento vinculado à modalidade de culpa inconsciente, há de se traduzir, hip.oteticamente, de modo concreto e não de modo abstrato, a antevisão do fato. Necessário que a pessoa, ao praticar a conduta, sem guardar os limites do devido dever de cautela, mentalmente, antecipe que um caso "x", portanto, concreto, poderá acontecer. J amais, entretanto, extraia-se a conclusão de que, hipoteticamente naquele caso, seria possível alguém imaginar qualquer acontecimento.
Além disso, já é cediço no direito penal, não só brasileiro como de outros países, ser imprescindível o agente, concretamente, dar causa
ao evento. Aliás, a expOSlçao de motivos de 1940, no item XIII, focaliza exatamente esta hipótese:
"No tocante à culpabilidade ou elemento subjetivo do tipo, o projeto não conhece outras formas além do dolo e da culpa, stricto sensu, sem o pressuposto do dolo e da culpa stricto sensu, nenhuma pena será irrogada. Nulla pena sine culpa. Em nenhum caso haverá presunção de culpa. Assim, na definição da culpa strictu sensu é inteiramente abolido o dogmatismo da inobservância de alguma disposição regulamentar, pois nem sempre é culposo o evento subseqüente".
Efetivamente, assim ocorre. A exposição de motivos traduz aquilo que inicialmente eu dizia: é necessário projetar a possibilidade, haver a previsibilidade de fato concreto e não in abstracto.
Pedindo vênia, ainda, o eminente relator, de que se deve colocar a problemática no metro do dever médio, o homo medius, no direito penal da culpa, cedeu espaço à investigação da conduta individual. Não posso ser responsabilizado, porque há ent~ndimento médio do dever de agir. E necessário, porque a pena é dirigida a uma pessoa, ao agente examinar as suas condições individuais.
Em razão dessas considerações, com o devido respeito, chego a uma conclusão diversa para conceder a ordem.
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HABEAS CORPUS Nº 5.329 - DF
(Registro nº 96.0077788-8)
Relator: O Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro
Impetrante: José Cupertino da Luz Neto
Impetrado: Desembargador Relator do Habeas Corpus n Q 748696 da 1 ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal
Paciente: Antônio João Correa Caldas
EMENTA: HC - Constitucional- Habeas corpus - Carta precatória - Competência - A Carta Precatória é modalidade de comunicação de atos processuais, como a Rogatória e a Carta de Ordem. Diferentes, revelam ponto comum: o juiz da causa é distinto do juiz do cumprimento da decisão judicial. Na Carta Rogatória, o juiz não tem jurisdição no local do cumprimento. Daí, a necessidade de exiqüibilidade do Estado em que será cumprida (no Brasil, expedida pelo Supremo Tribunal Federal). Na Carta Precatória, há derrogação da competência. Atua, pois, no exercício de sua competência. Cumpre-lhe, ao acolher a solicitação, examinar tanto a forma como a matéria da comunicação lançada pelo deprecante. Exemplificativamente: prisão de menor de 18 anos de idade, incidente prescrição, abolitio criminis. O CÓdigo de Processo Civil de Portugal registra: "se a requisição for para ato que a lei proíba absolutamente (art. 184, nº 1, b). Se o deprecado mandar cumprir solicitação do deprecante, caso ilícito, encampa a ilegalidade. Torna-se, por isso, também autoridade coatora.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus para que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal prossiga no julgamento, nos termos do voto do Sr. Minitro-Relator. Participaram do
julgamento os Srs. Ministros Anselmo Santiago e William Patterson. Ausentes,justificadamente, os Srs. Ministros Vicente Leal e Fernando Gonçalves.
Brasília, 25 de março de 1997 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, Relator.
Publicado no DJ de 22·06·98.
322 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO: Habeas Corpus impetrado por José Cupertino da Luz Neto contra ato do Exmo. Sr. Des. Relator do Habeas Corpus n Q 748.696 da 1 ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
Consiste o ato impetrado na denegação de liminar requerida em favor do paciente, o qual teve sua prisão civil decretada em 05 (cinco) diferentes ações de depósito.
Entendeu a decisão ora atacada que, não tendo sido as decisões apontadas como ilegais prolatadas por nenhuma autoridade judiciária do Distrito Federal, não poderia a Justiça local, através do MM. Juiz da Vara de Registros Públicos e Precatórios, figurar como autoridade coatora, uma vez que apenas ordenou o cumprimento que lhe fora requisitado, dentro dos devidos limites.
O impetrante infirma a referida fundamentação:
"Em verdade ao dar cumprimento ao mandado de prisão que lhe fora encaminhado o MM. Juiz de Direito da Vara de Registros e Precatórios do Distrito Federal, assumiu a responsabilidade pelo ato coator, até mesmo porque o ato de constrangimento à liberdade de locomoção do paciente é de ser cumprido em área de sua jurisdição, em virtude dos limites territoriais impostos pelo supratranscrito art. 200 do C. de Processo Civil.
Mesmo porque o paciente tem domicílio em Brasília, DF, fato esse que atrai a competência do MM,·Juiz monocrático desta Capital Federal" (fls. 5).
Sustenta, ainda, sofrer constrangimento ilegal ao argumento de que a prisão administrativa por dívida é manifestamente ilegal, uma vez que não autorizada pelo texto constitucional (art. 5Q
, LXVII).
Aduz, também, que os advogados não estariam munidos de poderes para formular pedidos de prisão civil, em flagrante ofensa ao art. 38 do CPC.
Acrescenta o impetrante que as decisões atacadas seriam nulas por absoluta falta de fundamentação do tempo de restrição da liberdade individual do paciente.
Parecer do M.P.F. pela denegação da ordem (1.406/1.408).
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO (Relator): Neste habeas corpus, embora o impetrante faça incursão ao mérito, restringe-se em saber se o Juiz de Brasília é ou não autoridade coatora e, conseqüentemente, se o Tribunal de Justiça pode apreciar o habeas corpus.
Este habeas corpus, anota o relatório, reclama a competência do Juízo deprecado que determina o cumprimento da decisão proferida pelo Juízo deprecante.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998. 323
o venerando acórdão está eruditamente fundamentado. O argumento fundamental consiste em que autoridade judiciária deprecada, porque apenas determina o cumprimento de mandado de prisão expedido por juiz de outra comarca, não pode ser acoimado de autoridade coatora, dado lhe ser vedado o exame substancial do ato. Impõe-se definir a natureza jurídica da Carta Precatória, especialmente o despacho de cumprimento lançado pelo juízo deprecado. A carta precatória é modalidade de comunicação de atos processuais, como a carta rogatória e a carta de ordem. Não obstante, cada qual evidencia características próprias, por isso inconfundíveis. Essas cartas revelam um ponto comum: o juiz da causa é distinto do juiz do cumprimento da decisão judicial; na carta rogatória, ojuiz não tem jurisdição no local do cumprimento, evidenciam-se países soberanos, coloca-se então, insistase, problema de jurisdição. Daí a necessidade de exiqüibilidade do Estado em que será cumprida, no Brasil, expedida pelo Supremo Tribunal Federal. No caso da carta precatória, o deprecante por ser incompetente, na extensão da competência do juízo deprecado, solicita a este o cumprimento da decisão proferida. Em razão disso, há derrogação da competência. O juízo deprecado, por isso, atua no exercício de sua competência. Cumpre-lhe, ao acolher a solicitação, examinar não só a forma como, ainda, a matéria da comunicação lançada pelo deprecante. Evidente, também aqui, há limites. Aliás, o venerando acórdão,
depois de ilustrar com o disposto no art. 184, nº 1, letra b, do Código de Processo Civil Português, ao dispor que a carta pode ser recusada "se a requisição for para ato que a lei proíba absolutamente", exemplifica com solicitação de prisão de menor de dezoito anos de idade. Acrescento dois outros casos, da mesma forma eloqüentes: a prisão, embora caracterizada a prescrição, ou abolir-se o crime. Evidente, o juízo deprecado não reexamina a decisão do juízo deprecante. Todavia, em sendo teratológica ou de evidência solar, tem obrigação de recusar o cumprimento a casos que não tenham cobertura manifesta normativa. Também o juiz não é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei.
Se o deprecado mandar cumprir a solicitação do deprecante, se ilícita, como se diz em Direito Processual Penal, encampa a ilegalidade. Haverá, então, duas autoridades coatoras: o deprecante, porque emitiu a ordem, e o deprecado, porque a adotou, mandando cumpri-la.
O habeas corpus é a ação constitucional que visa fazer cessar ou impedir que ocorra ilegal constrangimento ao exercício do direito de locomoção. Busca, evidentemente, fazer cessar a ilegalidade, emanada do autor intelectual ou do executor do ato ilegal.
A conclusão se evidencia exata uma vez comparada a carta precatória com a carta de ordem: na primeira, não há hierarquia de jurisdição entre os respectivos juízos; na segunda, entretanto, há esse desní-
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vel. o juiz, por exemplo, não pode deixar de cumprir a determinação do Tribunal a que está submetido, modus in rebus. Ressalvem-se as hipóteses de decisão desarrazoada, como ilustração, o caso de determinação absurda, contrastante com todas as máximas das experiências.
o ato impugnado no habeas corpus foi emanado do juízo deprecado, Vara de Registros Públicos e Precatórios da Circunscrição Judiciária de Brasília.
Em sendo assim, data venia, concedo a ordem para o Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal prosseguir o julgamento.
RECURSO EM HABEAS CORPUS NQ 6.584 - PR
(Registro n Q 97.0045495-9)
Relator: O Sr. Ministro Fernando Gonçalves
Recorrentes: Saturnino Fernandes Netto e outro
Advogados: Dr. Saturnino Fernandes Netto e outro
Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
Pacientes: Benício de Almeida Neto, Dario Teraci Fregato, João Quintiliano de Oliveira, Miroel Oliveira Junqueira Parreira e Sérgio Tomio Hara
EMENTA: Criminal. Lei n!2 9.430/96. Art. 83. Condição de procedibilidade.
1. Na pendência de apuração fiscal no âmbito administrativo não há impedimento do oferecimento da denúncia, se na documentação remetida ao Parquet pelo órgão tributário competente existem notícias de crime a ser apurado.
2. RHC improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a se-
guir, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Participaram do julgamento os Ministros Anselmo Santiago e William Patterson. Ausentes, justificadamente, o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro e, ocasionalmente, o Ministro Vicente Leal.
R. Sup. Trib. Just., Brasliia, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998. 325
Brasília, 11 de dezembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Relator.
Publicado no DJ de 02·02-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES: Cuida-se de recurso ordinário interposto contra acórdão da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná denegatório de habeas corpus impetrado em favor de Benício de Almeida Neto, Dario Teraci Fregato, João Quintiliano de Oliveira, Miroel Oliveira Junqueira Parreira e Sérgio Tomio Rara visando o trancamento de ação penal em curso perante o Juízo de Direito da 3ª Vara Criminal de Londrina para apuração de ocorrência de crime contra a ordem tributária (arts. 1Q
, II e 11 da Lei n Q 8.137/90).
Segundo as razões de fls. 661/690, os recorrentes são sócios e gerentes da empresa "Transportadora Rota 90 Ltda.", dedicada ao transporte de mercadorias e fretes em geral. Entendeu a receita estadual existir em sua escrita contábil irregularidades que deram ensejo, após encaminhamento de notitia criminis, a atuação do Ministério Público, através de denúncia, da qual, essencialmente, consta:
" ... cientes do atuar ilícito e com o fim de exonerá-la - como de fato exoneraram-na - da carga
tributária do ICMS incidente e resultante de suas operações mercantis, propiciando, com isso, maiores e indevidos lucros em prejuízo do fisco estadual, fizeram uso de manobras enganosas e fraudulentas, tudo como segue e conforme os autos de infração lavrados pelos Senhores Agentes Fiscais da Secretaria de Estado da Fazenda:
No período compreendido entre 1 Q e 8 de abril de 1991, os denunciados Benício de Almeida Neto, Dario Teraci Fregato, João Quintiliano de Oliveira, Miroel Oliveira Junqueira Parreira e Sérgio Tomio Rara, na forma e para o fim preambularmente expostos, quando de cinqüenta (50) operações mercantis de vendas, deixaram de proceder, deliberada e sistematicamente, ao registro das notas fiscais correspondentes na escrita fisco-contábil- Livro de Registro de Saídas de Mercadorias, ensejando, assim, inclusão mensal do débito fiscal em valor a menor na conta gráfica e nas guias de apuração de ICMS, propiciando, de conseqüência e mediante fraude contra a fiscalização tributária, recolhimento reduzido da carga tributária do ICMS relativa, etc., etc .... " (fls. 663/664)
Sustentam - então - os recorrentes que não houve qualquer omissão, mas apenas falta de registro no Livro de Saída de alguns conhecimentos de transportes, geradores apenas de receitas de intermediação, fora do campo de incidência do
326 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998.
ICMS e sujeitos apenas ao ISS. Deste modo, patente a aplicabilidade da norma do art. 83, da Lei n Q 9.430, de 1996, porquanto os processos administrativos perante a Receita Estadual estão a carecer de decisão final, estabelecendo a exigibilidade, ou não, do crédito tributário. Acrescentam que o valor de pretenso débito não é determinado e, portanto, nem mesmo pago poderá ser.
Sem contra-razões, ascenderam os autos a este Superior Tribunal de Justiça, opinando a il. Subprocuradora-Geral da República Laurita Hilário Vaz pelo improvimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES (Relator): A tese central do recurso está ancorada na premissa de que a empresa autuada não se sujeita ao pagamento do ICMS, visto sua atuação restringirse à agenciação ou intermediação de serviços de transportes para terceiros, ou simples despachante de fretes. Uma vez reconhecida administrativamente esta relevante particularidade, excluída estará a exigência tributária e, por via de conseqüência, a pretensa infração penal, assumindo a matéria, como anota o ven. acórdão, "contornos indiscutíveis com a Lei n Q 9.430, de 27 de dezembro de 1996, que, em seu art. 83, prevê a questão da procedibilidade, subordinando literalmente a deflagração do processo-
crime ao encerramento da ação administrativa fiscal" (fls. 650).
O acórdão recorrido, da lavra do eminente Des. Tadeu Costa, com integral propriedade, afastou a questão relativa à sujeição, ou não, da empresa ao pagamento do ICMS, à consideração exata de não ser o habeas corpus meio adequado a semelhante deslinde. De outro lado, a ocorrência de não se conhecer o valor do tributo eventualmente sonegado nenhuma dificuldade ou relevãncia traz à marcha da ação penal, pois, ad exemplum, como relatado na peça de acusação, a infração estaria - também - relacionada com a falta de registro de notas fiscais de operações mercantis no Livro de Registro de Saídas de Mercadorias (fls. 17).
Volta-se, então, ao ponto de partida da inviabilidade de, nos estreitos limites da impetração, se questionar e se conhecer da efetividade, ou não, da prática de operações mercantis pela empresa e de sua sujeição, ou não, ao ICMS. Apenas a instrução, com a faculdade ampla de produção de provas, poderá trazer luz a tão intrincada controvérsia.
No mais, é patente que na pendência de apuração fiscal no âmbito administrativo não há impedimento do oferecimento de denúncia, "se nas peças informativas encaminhadas ao Ministério Público pelo órgão de fiscalização tributária existem notícias de crime ... a ser apurado", conforme anotado às fls. 699.
Quanto ao art. 83 da Lei nQ 9.430/ 96, não há como erigir o término da
R. Sup. Trib. Just., Brasilia, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998. 327
apuração fiscal como condição de procedibilidade. Ajurisprudência do STJ é pacífica, como se vê do parecer ministerial, verbis:
"Recurso ordinário. Habeas corpus. Sonegação fiscaL Trancamento da ação penal no aguardo do desfecho do recurso administrativo. Impossibilidade.
- Carreadas pela denúncia todas as condições para a apuração do crime em tese de sonegação fiscal, não merece trancamento a ação penal por simples alegativa de aguardar-se o desfecho do recurso administrativo interposto, até porque as esferas administrativas e judicial são independentes, como bem decidiu o acórdão impugnado.
- Recurso improvido." (RHC nº 6.051/SP, ReI. Exmo. Sr. Ministro
José Arnaldo, in DJ de 10103/97, pág. 5.981).
"RHC. Penal Tributário. Processual Penal. Crime tributário. Instância administrativa. Condição de procedibilidade. Lei nº 9.430196. O Ministério Público é titular de ação penal. A instância administrativa não constitui condição de procedibilidade.
A Lei nº 9.430/96 tem outro sentido. Determina que, havendo indícios de crime, a autoridade ad· ministrativa deverá comunicar o fato ao Ministério Público." (RHC nº 6.162/SP, Relator Exmo. Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, in DJ de 19/05/97, pág. 20.685).
N estas condições, nego provimento ao recurso.
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 6.971 - RJ
(Registro nº 97.0080259-0)
Relator: O Sr. Ministro Fernando Gonçalves Recorrente: José Inácio Fortes de Moraes Paredes
Advogado: Dr. Ubiratan T. Guedes Recorrido: Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Janeiro Paciente: José Inácio Fortes de Moraes Paredes
EMENTA: RHC. Calúnia e difamação. Não-ocorrência.
1 - A intenção de se defender em inquérito policial, arrolando fatos, cuja ocorrência pelos detalhes fornecidos, o acusado tem certeza ou fundada suspeita, exclui o delito de calúnia porque ausente o dolo imprescindível à sua configuração.
328 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998.
2 - Da mesma forma, na difamação é exigida a presença do dolo consistente na atribuição de fato desonroso, circunstância que se exclui quando se atua com animus defendendi. Não havendo propósito de ofender, não se caracteriza a figura da difamação.
3 - Precedentes.
4 - Recurso provido para trancar a ação penal.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso. Participaram do julgamento os Ministros Anselmo Santiago e William Patterson. Ausentes,justificadamente, o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro e, ocasionalmente, o Ministro Vicente Leal.
Brasília, 11 de dezembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Relator.
Publicado no DJ de 02-02-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES: Trata-se de recurso ordinário interposto contra acórdão da Terceira Câmara do Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Janeiro denegatório de habeas corpus impetrado em favor de José Inácio Fortes de Moraes Paredes visando o trancamento de ação penal privada que lhe é movida por Crase
- Sigma Empreendimentos Imobiliários S/C Ltda.
Assinala o recorrente que sua conduta não tipifica crime contra honra, pois jamais teve por objetivo alcançar a honorabilidade dos diretores da empresa. Sustenta ser inquestionável que suas declarações prestadas perante a autoridade policial foram simples decorrência de procedimento dos querelantes e não teve animus de ofender, mas, apenas, articular elementos em prol de sua defesa.
Sem contra-razões, ascenderam os autos a este Superior Tribunal de Justiça, opinando a Subprocuradoria Geral da República pelo provimento do recurso, com trancamento da ação penal.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES (Relator): O recorrente foi acusado de apropriação indébita de importâncias de propriedade de clientes da empresa "CraseSigma Empreendimentos Imobiliários S/C Ltda.", de quem, por vários anos, foi empregado, na qualidade de corretor. Perante a autoridade policial, em razão da imputação es-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998. 329
clareceu "que os diretores da referida empresa além de possuírem um "caixa dois", desviavam o dinheiro recebido de clientes, para compra de imóveis no Brasil e no exterior, tendo inclusive fornecido o banco no exterior, no qual os referidos diretores são correntistas, além de apontar datas de viagens e imóveis que os mesmos adquiriram, inclusive, mencionando que os valores das escrituras estavam abaixo do preço de mercado" - fls. 04.
Não houve, segundo relatam as razões, intento de caluniar ou ofender, mas apenas esclarecimento do destino dado às quantias entregues pelos clientes, "as quais eram repassadas aos diretores da empresa, sendo que, algumas vezes, depositadas em suas contas correntes" (fls. 05).
Fixou, no entanto, a Terceira Câmara do Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Janeiro, conter a queixa os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não havendo, pois, que se falar em falta de justa causa.
O órgão ministerial, por intermédio da Dra. Márcia Dometila Lima de Carvalho, por seu turno, opina no sentido do trancamento de ação penal, escudada nas seguintes ponderações:
"O direito fundamental de defesa, circundado por seus caracteres periféricos, encontra como limites os demais direitos, constitucionais ou não. Vale dizer, não pode haver conflituosidade entre os direitos dentro de um sistema
a fim de manter-se sua coerência e unidade. Logo, em nome do direito de defesa, ninguém pode extrapolar suas balizas e, com isso, particularmente na esfera penal, praticar ato típico, ilícito e culpável.
N o entanto, em sede dos direitos à honra, justamente para que não se configure o animus caluniandi ou injuriandi, ou seja, para que o exercício do direito de defesa não extravase seus limites e fique configurado crime contra honra, é que os supracitados caracteres periféricos produzem o chamado animus narrandi. Quer dizer, devem as declarações de defesa, sejam elas prestadas perante a autoridade policial, sejam em juízo, ou em qualquer outro meio de comunicação, ser lançadas como narrativa, pena de ensejar-se crime.
In casu, as alegações constantes do depoimento do Paciente (fls. 31134), não se subsumem, em tese, aos crimes previstos nos arts. 138 e 139 do Estatuto Repressivo. Cuidou o Recorrente, com veraz minúcia, acuidade e sem paixão, de demonstrar que não praticava crime algum; apenas narrou os procedimentos utilizados pela empresa da qual fora empregado, buscando defenderse das acusações que lhe eram imputadas. Tanto é que não apenas apresentou nomes ligados a operações da empresa, datas, números de telefone, mas também documentos que buscavam comprovar sua inocência e, via de
330 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998.
conseqüência, vieram envolver os nomes dos sócios da empresa.
Assim, não poderia estar a queixa-crime em conformidade com os requisitos do artigo 41 do CPP, segundo fez consignar o v. acórdão atacado, ou seja, não havia fato criminoso, mas apenas defesa narrativa quanto aos fatos imputados ao Querelado.
Certo que os fatos narrados, constituindo tipos penais, devem ser apurados pela autoridade policial que deles tomou conhecimento. E, se falsos, pode o denunciante incorrer no tipo do artigo 339 do Código Penal, eis que estaria dando causa a investigação policial indevida. Por enquanto, cumpre seja dado provimento ao presente recurso para trancar-se ação penal de iniciativa privada contra o Recorrente intentada." (fls. 104/106)
Efetivamente, a intenção de se defender, arrolando fatos, cuja ocorrência, pelos detalhes fornecidos, o recorrente possui certeza ou fundada suspeita, exclui a de caluniar, porquanto ausente o dolo imprescindível à configuração do delito. Esta Corte, pelo voto do Ministro
Bueno de Souza, em julgado colacionado por Alberto Silva Franco, in Código Penal e sua interpretação jurisprudencial- 6ª edição -VoI. I - Tomo II - pág. 2.246, decidiu:
"O dolo específico, requerido pela calúnia, não pode ser deduzido, simplesmente, do citado depoimento, único elemento trazido à colação pelo querelante. Em tal contingência há de presumir, como bem anotou a Corte de Cassação italiana, em aresto colhido por Nelson Hungria, que as informações, ainda que más, foram fornecidas para atender ao pedido, e, não com a intenção de ofender a outrem." (RSTJ 34/237).
Da mesma forma, na difamação (art. 139) é exigida a presença do dolo, consistente na atribuição de fato desonroso, circunstância que se exclui quando o agente atua com animus defendendi. Não havendo propósito de ofender, não se caracteriza a figura da difamação (RSTJ 29/250).
Ante o exposto, dou provimento ao recurso para determinar o trancamento da ação penal.
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 7.165 - RO
(Registro nº 98.0000882-9)
Relator: O Sr. Ministro Anselmo Santiago
Recorrente: Alcilea Pinheiro de Medeiros
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998. 331
Advogado: Dr. Alexandre Cardoso da Fonseca
Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia
Pacente: Alcilea Pinheiro de Medeiros
EMENTA: RHC - Dispensa de licitação - Paciente que, na qualidade de Procuradora de Estado, responde consulta que, em tese, indagava da possibilidade de dispensa de licitação - Denúncia C0111- base no art. 89, da Lei n!28.666/93-Acusação abusiva-Mero exercício de suas funções que requer independência técnica e profissional.
1. Não comete crime algum quem, no exercício de seu cargo, emite parecer técnico sobre determinada matéria, ainda que pessoas inescrupulosas possam se locupletar às custas do Estado, utilizando-se desse trabalho. Estas devem ser processadas criminalmente, não aquele.
2. Recurso provido, para trancar a ação penal contra a paciente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Vicente Leal, por maioria, em dar provimento ao recurso para conceder a ordem. Vencido o Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Vicente Leal e Fernando Gonçalves. Ausente, por motivo de licença, o Sr. Ministro William Patterson.
Brasília, 21 de maio de 1998 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 22-06-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO ANSELMO SANTIAGO: Trata-se de recurso ordinário (fls. 154/165), formulado contra aresto da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (fls. 139/151), que considerou válida a denúncia ofertada pelo Ministério Público Estadual contra a paciente, pelo fato desta ter elaborado um parecer que, em tese, viabilizava a dispensa de licitação em determinado caso, enquadrando-a nas disposições do art. 89 da Lei n Q 8.666/93.
• O Ministério Público Federal, em
parecer subscrito pelo ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. José Flaubert Machado Araújo (fls. 191/195), opina pelo provimento do recurso.
É o relatório.
332 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998.
VOTO
O SR. MINISTRO ANSELMO SANTIAGO (Relator): A paciente, Procuradora do Estado, respondendo a uma consulta formulada pelo Superintendente de Comunicação Governamental (fls. 44/51), opinou que, em tese, seria possível a dispensa de licitação, na hipótese formulada pelo consulente, recomendando, ainda, que se tomasse determinada cautela para evitar o superfaturamento, sendo o seu parecer referendado pelo ilustre ProcuradorGeral do Estado Adjunto, Dr. Valdecir da Silva Maciel. Tal peça lhe valeu a denúncia por suposta infringência ao art. 89, da Lei n Q 8.6661 93, que soa:
"Art. 89 - Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou inexigibilidade;
Parágrafo único: Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou in exigilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público."
Fácil é de ver que a denúncia é despropositada, abusiva até. Não é plausível a persecutio criminis contra quem que simplesmente, no pleno exercício de suas funções, emite opinião sobre matéria teórica, referendada por sua Chefia, pouco importando que espertalhões venham a usar seu trabalho para, em
etapa posterior, se locupletarem às custas do erário público.
N em por estar jungido ao Estado, o advogado perde a sua independência técnica, ficando amarrado à opinião oficial, como nos estados totalitários. Processar um profissional por externar, livremente, sua opinião, é uma condenável forma de censura a uma atividade que deve ser exercida com ampla liberdade, pois, como diz o art. 18 dos Estatutos dos Advogados, aplicável ao caso, a relação de emprego não retira do advogado (mesmo que do Estado, me permito acrescentar), a sua isenção técnica, nem reduz a sua independência profissional.
Aqueles que usaram maio parecer que sejam, efetivamente, processados e condenados. Jamais quem manifestou sua opinião, em tese, repita-se, sobre determinada matéria, no mero exercício de suas funções, parecer esse que, além do mais, não vinculava a Administração Pública, que dele poderia discordar, deixando de lhe dar efeitos concretos.
Assim, sem uma demonstração mais eloqüente de que a parecerista fizesse parte de um amplo esquema de corrupção no Estado, locupletando-se com essa atividade, não é possível incluí-la na peça vestibular acusatória, cingindo-se sua ação tão-somente em opinar, livremente, sobre tema que lhe foi submetido, direito que lhe deve ser sempre assegurado e que em hipótese alguma pode justificar uma vexaminosa ação penal.
Acolho, pois, o parecer ministerial e dou provimento ao recurso or-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998. 333
dinário, trancando a ação com referência à paciente.
É o meu voto.
VOTO- VISTA
o SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO: Data venia, nego provimento ao recurso.
A denúncia de fls. 15/32 não se restringe a afirmar a elaboração de parecer. Ao contrário, menciona ser meio para obtenção de vantagem ilícita.
A imputação descreve:
A conduta de todos entrelaçase, é um sucedâneo de vínculos visando a dilapidação do patrimônio público, não podemos dizer que há condutas estanques, compartimentadas, todos agiam visando o locupletamento ilícito.
Quanto à moralidade administrativa, isto é, o princípio de ética na condução da coisa pública, que implica em sujeição a ser honesto e probo na direção da coisa pública, verga constitucional, é rompido de forma como foi, no caso presente, a ordem pública está lesada, nada mais justo que a prisão cautelar destes indivíduos seja decretada pelo Poder Judiciário, pois desrespeitar o patrimônio público, que implicou no desvio de quase hum milhão de dólares e poderia, nesta oportunidade, já ter ocorrido a subtração de aproximadamente R$ 3.000.000,00, em apenas 90 dias, se não fosse a pronta inter-
venção do cidadão Eduardo Valverde do Juízo da Vara da Fazenda Pública desta Comarca." (fls. 29)
N ego provimento.
VOTO- VISTA
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL: No presente recurso ordinário, a recorrente - Procuradora do Estado de Rondônia - pugna pelo trancamento de ação penal na qual é acusada da prática do delito previsto no art. 89, da Lei n Q 8.666/93, que acrimina quem dispensa ou inexige licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixa de observar formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade, bem como aquele que, concorrendo para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se do ato ilegal.
A sua conduta, conforme descreve a peça de acusação, consistiu em emitir parecer técnico em que, atendendo a consulta formulada por di-. rigente de órgão estatal, opina, em tese, pela dispensa de licitação, parecer este referendado pelo Procurador-Geral do Estado.
A douta Subprocuradoria Geral da República, em parecer da lavra do ilustre Dr. José Flaubert Machado Araújo, entende que não há justa causa para a ação penal, pois a conduta é atípica, sendo certo que a paciente exarou manifestação sobre hipótese em tese, pois sequer era conhecedora do processo de licitação, não sendo, de outra parte autoridade administrativa responsá-
334 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998.
vel pela contratação e, por isso, sem poderes para dispensar ou inexigir a licitação.
O ilustre Relator Ministro Anselmo Santiago, em seu ilustrado voto adotou o mesmo entendimento, verberando ser a denúncia despropositada e abusiva, não sendo plausível acusar-se alguém da prática de crime por haver, no exercício de suas funções, emitido parecer teórico, devendo a ação punitiva recair sobre aqueles que mal se utilizaram do parecer para praticar atos de corrupção.
Dessa posição discordou o eminente Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, que entendeu dever prosseguir a ação penal, pois a denúncia indicou ser o parecer meio para a obtenção da vantagem ilícita.
Peço vênia a Sua Excelência para acompanhar o Relator.
Efetivamente, a conduta da recorrente é penalmente atípica, não se enquadrando, sequer em tese, na moldura do art. 89, da Lei nQ 8.666/ 93.
Assim, acompanho o Relator, dando provimento ao recurso.
É o voto.
VOTO
O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES: Acompanho o voto do Sr. Ministro-Relator para trancar a ação penal com a devida vênia do voto divergente do Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro.
RECURSO EM HABEAS CORPUS NQ 7.332 - RJ
(Registro nQ 98.0013180-9)
Relator: O Sr. Ministro Anselmo Santiago Recorrente: Anderson Reis Pessoa Advogado: Dr. Antonio Jorge de Souza Recorrido: Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Janeiro Paciente: Anderson Reis da Silva Pessoa (preso)
EMENTA: RHC - Paciente denunciado por roubo qualificado - Alegação de que a polícia teria agido "à moda da casa", sem indicar o que, efetivamente, ocorrera - Motivo só apontado em grau de recurso - Análise inviável, pela supressão de instância -Morosidade do processo afastada - Súmula 52/STJ - Improvado tratamento desigual entre as partes - Prisão preventiva fundamentada.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998. 335
1. Não declinado, em primeiro grau, o motivo da alegada nulidade, não se poderá conhecê-lo em segundo, quando o mesmo é revelado, sob pena de supressão de instância.
2. Se o feito já se acha em alegações finais, finda, pois, a instrução, não mais há de se falar em excesso de prazo, aplicando-se, à hipótese, o verbete da Súmula n Q 52/STJ.
3. Não se reconhece tratamento desigual entre as partes, se a acusação tem mais requerimentos deferidos, do que a defesa. O importante não é o seu número, mas a substância deles.
4. Fundamentada a prisão preventiva e entendendo o magistrado processante que tais razões subsistem, não há que se revogá-la, ainda mais se o feito já se encontra em vias de solução definitiva, quando se reapreciará, sem dúvida, tal situação.
5. Recurso improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em negar provimento ao recurso. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Vicente Leal e Fernando Gonçalves. Ausentes, por motivo de licença, o Sr. Ministro William Patterson e, justificadamente, o Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro.
Brasília, 28 de abril de 1998 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 18-05-98.
RELATÓRIO
dinário em habeas corpus (fls. 42/ 44), contra aresto da 4ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Janeiro (fls. 38/39), que denegou a ordem ali impetrada, onde se objetivava a nulidade do processo penal a que responde o paciente, por vício no inquérito policial e tratamento desigual entre a defesa e acusação, além da revogação da prisão preventiva e da soltura por excesso de prazo.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. Maria Eliane Menezes de Farias (fls. 53/56), opina pelo improvimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO ANSELMO O SR. MINISTRO ANSELMO SANTIAGO (Relator): O paciente
SANTIAGO: Trata-se de recurso or- está sendo processado perante a 1 ª
336 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998.
Vara Criminal da Ilha do Governador (RJ), por crime de roubo qualificado, sendo que, quando das informações de fls. 21/23, de setembro do ano findo, os autos já se encontravam para alegações finais, acreditando-se que, a essa altura, já haja sentença.
N a peça vestibular alegou-se que o inquérito fora feito "à moda da casa", sem se declinar, no entanto, que moda seria essa, somente agora revelada, de que, no interrogatório policial, o paciente, menor, da primeira vez não teve um curador e da segunda, quando tal ato foi reprisado, foi-lhe nomeado, para tais funções, um integrante da própria polícia.
Bem por isso tal alegação não foi examinada no juízo de origem, e fazê-lo agora, representaria a supressão de uma instância.
Quanto à morosidade do processo, tal alegação perdeu força com a informação judicial, de que o feito já se avizinhava de seu final, o que não foi desmentido pelo impetrante, aplicando-se ao caso o verbete da Súmula nº 52/STJ.
Também ficou indemonstrado o tratamento desigual entre as par-
tes, só porque a acusação teve mais pleitos deferidos, do que a defesa, importando, de verdade, não a quantidade deles, mas a justeza do que pedido e isso não foi questionado.
Finalmente, não ficaram demonstrados os motivos para a revogação da prisão preventiva, que não se resumem à menoridade, primariedade, residência fixa e família constituída, se outras, apontadas no decreto confinante (fls. 32 e vº), ainda sobrevivem, sendo certo que a vítima, pelo depoimento juntado às fls. 34/35, não disse que o paciente não era a pessoa que a assaltara, como se pretende no recurso, mas sim que, por ser o local razoavelmente escuro, não tinha condições de reconhecê-lo, o que é bem diferente, podendo a culpabilidade ser demonstrada, seguramente, por outras provas. Ademais, aproximandose o feito de uma solução definitiva, é certo aguardar que tal situação seja devidamente reestudada.
Enfim, nada havendo que remediar, acolho o parecer do órgão ministerial e nego provimento ao recurso.
É o meu voto.
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 7.366 - GO
(Registro nº 98.0016225-9)
Relator: O Sr. Ministro Anselmo Santiago
Recorrente: Henrique Barbacena Neto
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998. 337
Advogado: Dr. Henrique Barbacena Neto
Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Paciente: Rubens de Oliveira Machado Junior
EMENTA: Recurso em habeas corpus - Tenente da Polícia Militar que, em serviço, abandona seu posto, embriaga-se e espanca um civil - Crimes previstos na legislação militar - Incompetência da justiça castrense, alegação quanto aos dois últimos crimes - Situação que depende do reexame de fatos e provas, o que não se permite na via estreita do writ.
1. Havendo a indicação de que o réu estava em serviço, o abandono do posto não o retira dessa condição, mormente se os crimes posteriores que lhe são atribuídos,. previstos no Código Penal Militar, foram cometidos quando em uso de viatura da sua corporação e possivelmente fardado, o que firmaria a competência da justiça castrense.
2. Para se concluir quanto à incompetência desta e competência da Justiça Comum Estadual, haver-se-ia de reexaminar fatos e provas, o que não se concilia com os estreitos limites de um mandamus.
3. Recurso improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em negar provimento ao recurso. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Luiz Vicente Cernicchiaro e Vicente Leal. Ausentes, por motivo de licença, o Sr. Ministro William Patterson e, justificadamente, o Sr. Ministro Fernando Gonçalves.
Brasília, 05 de maio de 1998 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 25-05-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO ANSELMO SANTIAGO: Trata-se de habeas corpus (fls. 34/41), contra acórdão da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (fls. 251 30), que denegou o writ ali impetrado, sobre o fundamento de que o paciente está sendo processado, ao menos em parte, por juízo incompetente.
O Ministério Público Federal, em parecer subscrito pela ilustre Sub-
338 R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998.
procuradora-Geral da República, Dra. Márcia Dometila Lima de Carvalho (fls. 54/57), opina pelo improvimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO ANSELMO SANTIAGO (Relator): O paciente, Tenente da Polícia Militar, quando de serviço, abandonou seu posto, embriagou-se e espancou um civil.
Todos esses delitos são previstos na legislação castrense, ao contrário do exemplo fornecido pelo recorrente, em que parte não o era, razão pela qual não se poderia, a priori afastar a competência da Justiça Militar para examiná-los, mormente na via estreita do mandamus, imune à apreciação de fatos e provas.
Ademais, não se observa, de forma clara e patente, essa acenada incompetência parcial, vez que, em-
bora tenha abandonado o seu posto, o militar estava devidamente escalado e em situação de serviço, devendo assim ser considerado para efeitos penais.
Além do mais, valeu-se de um veículo da PM para circular por diversos bares e uma casa de prostituição, onde bebeu até à exaustão, sendo que foi nessa mesma viatura que teria feito a abordagem do civil e, após revistá-lo, submeteu-o a um severo espancamento.
Tudo leva a crer que estivesse fardado, para que o particular se deixasse revistar, mais uma razão para firmar a competência dajustiça castrense e não da comum.
Enfim, é situação a depender da colheita de provas, o que não se permite na via eleita.
À vista do exposto, acolho o parecer ministerial e nego provimento ao recurso.
É o meu voto.
RECURSO EM HABEAS CORPUS NQ 7.514 - RJ
(Registro nQ 98.0026364-0)
Relator: O Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro
Recorrente: Werneksandro Pereira Lopes
Recorrido: Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Janeiro
Paciente: Werneksandro Pereira Lopes (preso)
Advogado: Dr. Luiz Paulo Pereira Oviedo
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998. 339
EMENTA: RHC - Processual Penal - Sentença condenatória - Réu preso - Regime semi-aberto - Princípio da proporcionalidade - Réu preso, no curso do processo, em sendo condenatória a sentença, deve ser mantido na mesma situação jurídica. Todavia, se o regime aplicado for o semi-aberto, outra, a solução. Decorrência do princípio da proporcionalidade. Caso contrário, conferir-se-ia tratamento igual para situações diferentes, ou seja, recomendada quando o regime inicial fosse fechado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso e ordenar a expedição de alvará de soltura se por aI não estiver o paciente preso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Fernando Gonçalves e Anselmo Santiago. Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Vicente Leal e, por motivo de licença, o Sr. Ministro William Patterson.
Brasília, 02 de junho de 1998 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, Relator.
Publicado no DJ de 29-06-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO: Recurso Ordinário interposto por Werneksandro Pereira Lopes, em seu favor, in-
conformado com v. acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, denegatório de habeas corpus impetrado objetivando ser concedido ao impetrante o direito de recorrer em liberdade.
O v. acórdão restou assim ementado:
"Habeas corpus. Primariedade e bons antecedentes.
Na esteira da Súmula n Q 9 do E. STJ e do vetusto ensinamento de nossa Corte Maior, "preso fica preso, solto fica solto", e de fato não teria sentido que o condenado, após responder a todos os atos do processo preso preventivamente, malgrado primário e de bons antecedentes, agora que viesse a ser condenado, com um juízo de censura ainda que provisório, fosse solto para, caso confirmada a sentença, novamente fosse recolhido.
Ordem denegada." (fls. 24)
Parecer do Ministério Público Federal pelo não provimento do recurso (fls. 40/44).
É o relatório.
340 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998.
VOTO
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCRIARO (Relator): A jurisprudência deste Tribunal, coincidindo com o entendimento do E. Supremo Tribunal Federal, consolidou-se, em atenção às características da prisão cautelar, no sentido de ser mantida a situação jurídica encontrada pela sentença condenatória. Assim, estando preso o réu, continuará detido; em contrapartida, se responde o processo em liberdade, assim continuará.
"RHC - Processual Penal- Apelação - Liberdade - O réu, como regra, aguarda o julgamento em liberdade. Em havendo prisão processual cautelar, antes da sentença, manter-se-á a constrição ao exercício do direito de liberdade." (RRC nº 6.574/SP)
O caso dos autos apresenta uma particularidade.
O paciente se encontrava preso quando foi condenado (fls. 25). O re-
gime inicial estabelecido pela sentença - semi-aberto - é particular de relevo.
Em sendo confirmada a decisão, o réu não será submetido ao regime fechado, terá, então, tratamento menos rigoroso.
Cumpre pensar o princípio da proporcionalidade. Não se pode colocar, na mesma esteira, o condenado a regime fechado e a regime semi-aberto. A presunção de inocência, a par do proporcional, da personalidade do réu e características do delito devem ser invocados. Caso contrário, a decisão será meramente formal. Cumpre adotar a solução mais favorável.
No balanço da personalidade e da conduta, cumpre conferir maior atenção à primeira. Aqui, está o homem; ali, um acontecimento provocado pelo homem. Pode, quem sabe, ser isolado, excepcional.
Dou provimento ao recurso.
Expeça-se mandado de soltura, se por aI não estiver preso.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 8.399 - RS
(Registro n Q 97.0019120-6)
Relator: O Sr. Ministro William Patterson
Recorrente: Isolde da Silva Gressler
Advogados: Drs. Mário Bernardo Sesta e outros
Tribunal de Origem: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998. 341
Impetrado: Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul
Advogados: Drs. Adriana Maria Neumann e outros
EMENTA: Administrativo. Atos. Ilegalidade. Desfazimento. Tempo de serviço. Contagem. Serventia não oficial.
- Ao considerar o tempo de serviço de natureza particular (serventia), para fins de gratificações e vantagens junto ao serviço público, sem autorização legislativa válida, à Administração era, como é, lícito desfazer o ato, sem lugar para em oposição, alegarse amparo com base no princípio do direito adquirido.
- Recurso desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Luiz Vicente Cernicchiaro, Fernando Gonçalves e Anselmo Santiago. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Vicente Leal.
Brasília, 18 de dezembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro WILLIAM PATTERSON, Relator.
Publicado no DJ de 23-03·98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO WILLIAM PATTERSON: Adoto como relatório
a parte expositiva do parecer do Ministério Público Federal (fls. 121/ 122):
"Isolde da Silva Gressler, ajudante da serventia do registro civil das pessoas naturais de Cachoeira do Sul (RS), ajuizou mandado de segurança contra o ato do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, publicado no Diário da Justiça de 19/10/95, que tornou sem efeito atos anteriores, praticados respectivamente em 04/04/90 e 26/04/91, pelos quais se havia deferido à mesma a gratificação adicional de 25% e 09 (nove) Avanços Trienais, atos estes praticados em 04/04/90 e 26/04/91, respectivamente, e qualificandoo como ilegal e ofensivo a direito líquido e certo, pede o restabelecimento das vantagens suprimidas.
A autoridade apontada como coatora, nas suas informações
342 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998.
(fls. 23/24) sustentou a legitimidade do ato impugnado na medida em que a administração pode invalidar os seus próprios atos quando ilegais e, no caso, os benefícios suprimidos haviam sido indevidamente concedidos porque se computou como tempo de serviço público, que era requisito necessário para os benefícios, tempo que na realidade era de serviço particular, que a impetrante exerceu como empregada do titular do cartório.
O Tribunal a quo, em decisão tomada por maioria de votos, ao fundamento de que o tempo de serviço particular é imprestável para fins de gratificação e avanços junto ao serviço público, denegou a segurança e reconheceu a legitimidade do ato impugnado (fls. 56/72).
No recurso ordinário de fls. 74/ 84 a recorrente pondera que o ato atacado fere o seu direito líquido e certo, relativamente à irredutibilidade da remuneração e à garantia do devido processo legal, porque lhe foi imposta unilateral redução na remuneração, sem oportunidade para manifestar defesa, razão pela qual postula o provimento do recurso.
O órgão ministerial opinou no sentido do desprovimento do recurso (fls. 124).
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO WILLIAM PATTERSON (Relator): Sob o ale-
gado manto do direito adquirido, pretende-se neste mandado de segurança preservar vantagem concedida ao arrepio da lei. O pleito está desvestido de irrefutável razoabilidade, por isso que não se pode, como é sabido, conferir validade a ato administrativo que nasce sob o estigma do desamparo legislativo.
Direito líquido e certo é aquele que se constitui e se aperfeiçoa ao abrigo de expressa autorização legislativa. Se isso não ocorre, como no caso destes autos, improspera qualquer tentativa de superar o vÍcio. Demais disso, a Administração não é escrava dos seus próprios atos, quando expedidos sem amparo na lei. Daí o enunciado da Súmula n Q 473 do STF.
Vale acrescentar, ainda, que igual orientação há de prevalecer quando existindo legislação disciplinadora, seu comando viola postulado constitucional, Federal ou Estadual, conforme o caso.
Valiosas as observações contidas no pronunciamento do ilustre Suprocurador-Geral da República, Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza, ao advertir (fls. 122/124):
"O princípio da legalidade (art. 37, CF/88) aplicado à Administração Pública significa que a ela só é permitido fazer o que a lei autoriza, conclusão que há de ser ainda mais enfática quando se trata do regime estatutário dos seus servidores. Se a legislação estadual, e esse é o caso dos autos, exige como requisito para que a Administração Pública conceda
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a gratificação adicional e os avanços trienais que o tempo de serviço a ser considerado seja público, é evidente que os atos que deferiram as vantagens à recorrente, sem a observância do requisito em referência, visto que foi considerado tempo de serviço privado, são nulos e, portanto, não geraram qualquer efeito.
Por outro lado, tenho reiteradamente afirmado que a concessão ilegal de vantagem funcional não gera direito em favor do beneficiário, muito menos direito adquirido à manutenção do ato ilegal e dos seus efeitos. O Supremo Tribunal Federal, mais de uma vez, já proclamou em hipótese assemelhada sob o enfoque jurídico - em todas elas tratava-se de deliberação do Tribunal de Contas da União que excluiu, em processo de registro de aposentadoria de magistrado federal, a contagem de tempo de serviço privado considerado para efeito de percepção do adicional por tempo de serviço -, que não se configura o direito adquirido quando o alegado reconhecimento administrativo da vantagem funcional resulta de ato ilegal:
"Mandado de segurança. Magistrado do Distrito Federal. Decisão do Tribunal de Contas da União que, no processo de sua aposentadoria, excluiu, do cálculo dos proventos, o tempo de serviço prestado a entidade particular e a vantagem prevista no art. 184, inc. lI, da Lei nº 1. 711/52.
Legitimidade do referido ato.
Inexistindo lei autorizadora de contagem de tempo de serviço em atividade particular, para efeito do cálculo de adicional por tempo de serviço, não há falar-se em direito adquirido ao cômputo da aludida vantagem nos proventos de aposentadoria. O deferimento dos adicionais, na atividade, foi ato nulo, insuscetível de gerar direito. Precedentes do STF (Repr. nº 1.490 - RTJ 128/43 e MS nº 21.606-DF, DJ de 14-5-93).
De outra parte, o cargo de Desembargador é da última classe da carreira da Magistratura do Distrito Federal, para o efeito do art. 250 da Lei nº 8.112/90.
Segurança denegada."
"Constitucional. Administrativo. Magistrado. Adicional por tempo de serviçà. Serviço prestado a pessoas jurídicas de direito privado.
I - Não se computa, para o fim de concessão de adicional por tempo de serviço, o tempo de serviço prestado a empresas de direito privado não integrantes da administração pública indireta.
II - Representação 1.490-DF - representação de interpretação de lei em tese. RTJ 128/ 43.
III - Inocorrência de direito adquirido em razão de a aver-
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bação ter sido realizada anteriormente à decisão proferida na Rp 1.490-DF.
V - Mandado de segurança indeferido."
Porque beneficiária de atos administrativos ilegais, a recorrente não está protegida pelo princípio do direito adquirido, nem pelo da irredutibilidade de vencimentos, visto que nenhum dos dois protege o servidor público da anulação de ato ilegal. Nenhum dos mencionados princípios pode gerar à percepção de remuneração ilegalmente calculada.
Finalmente, tendo em vista que a invalidação do ato não decorreu de falta imputável à recorrente, mas de ilegalidade, não procede o inconformismo quanto à ausência de processo administrativo, onde lhe fossem assegurados o contraditório e a ampla defesa. Não procede, portanto, a alegada desconsideração à garantia do devido processo legal. O seu direito de questionar judicialmente o ato praticado foi e está sendo legitimamente exercido."
Aliás, a jurisprudência pretoriana, ao examinar casos semelhantes, já repeliu benefícios das espécies, consoante se infere desses acórdãos, respectivamente, do STF e do STJ.
"Servidor público. Tempo de serviço prestado como auxiliar de cartório sem vínculo com o Estado. Contagem para efeito de aposentadoria. Afronta aos arts. 108
e 200 da Constituição Federal precedente. Precedentes da Corte.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está orientada no sentido de que não se concilia com a Constituição Federal de 1969 (arts. 108 e 200) a contagem, para todos os efeitos legais, do tempo de serviço prestado por auxiliar de cartório, sem qualquer vínculo com o Estado.
Recurso extraordinário conhecido e provido." (RE n Q 140.897/ SP; Relator Ministro Ilmar Galvão).
"Ementa: Recurso especial. Administrativo. Serviço prestado junto a cartório não oficializado. Contagem de tempo de serviço. Serviço público. Impossibilidade. Precedentes.
A jurisprudência desta Corte, bem como do Excelso Pretório, é forte no sentido de que, desta forma, não tendo o servidor vínculo com o Estado, não sendo ele funcionário público, não faz jus a vantagens atribuídas para funcionários públicos" (REsp n Q 61.361/ SP; Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca).
A mesma orientação prevalece no âmbito do Tribunal de Contas da União, conforme se vê da decisão pertinente ao Processo n Q TC 700.219/ 85-4, ao acolher parecer do MP, nestes termos, no que interessa:
"O período prestado pelo servidor, na condição de Datilógrafo
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contratado pelo Titular do Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais e Anexo de Pirangi (fls. 40), não é computável para efeito de gratificação adicional por tempo de serviço (Sessão de 25.07.1990, TC - 000.413/86-1, Anexo XXVIII da Ata n Q 37/90-Plenário), ainda que autorizado por lei estadual, uma vez que guarda similitude com julgados
desta corte (Decisões de 13.04.1978, TC - 000.691/77, Ata n Q 22/78; 02.02.1982, TC - 033.132/81, Anexo XI da Ata n Q 05/82; e 07.04.1988, TC's - 576.155/87-0 e 576.568/87-2, Anexo IV da Ata n Q 07/88 - 2ª Câmara)."
Ante o exposto, nego provimento.
RECURSO ESPECIAL NQ 90.458 - PE
(Registro n Q 96.0016413-4)
Relator: O Sr. Ministro Vicente Leal
Recorrente: Ministério Público Federal
Recorridos: Erotildes Salviano Alves e Ivanete de Andrade Souza
Advogados: Etiene Niete de Castro - defensor e Monica Maria Lins Maciel - defensora
EMENTA: Processual Penal. Apelação criminal. Ministério Público. Intervenção no processo. Omissão. Presença do Procurador da República na sessão de julgamento. Nulidade. Inexistência.
- Em tema de nulidade no processo penal, o princípio fundamental que norteia o sistema preconiza que para o reconhecimento da nulidade do ato processual é necessário que se demonstre, de modo objetivo, os prejuízos conseqüentes, com influência na apuração da verdade substancial e reflexo na decisão da causa (CPP, art. 566).
- Embora haja disposição expressa no sentido de ser dado vista ao Ministério Público com assento no Tribunal antes do julgamento de apelação criminal (CPP, art. 610), tal omissão, que não consubstancia nulidade absoluta, foi sanada com a presença do Parquet na sessão de julgamento, momento em que não manifestou qualquer oposição.
- Recurso especial não conhecido.
346 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir. Votaram os Srs. Ministros Fernando Gonçalves, Anselmo Santiago e Luiz Vicente Cernicchiaro. Ausente, por motivo de licença, o Sr. Ministro William Patterson.
Brasília, 26 de maio de 1998 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro VICENTE LEAL, Relator.
Publicado no DJ de 22-06-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL: O ilustre Juiz Federal Manoel de Oliveira Erhardt, titular da 3ª Vara da SJ/PE, sentenciando nos autos da ação penal proposta contra Erotildes Salviano Alves e outro sob a acusação de prática do crime de prevaricação absolveu os réus por falta de provas (fls. 745/748).
A sentença monocrática foi confirmada por decisão unânime da Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da Quinta Região, consoante acórdão da lavra do então Juiz José Delgado, hoje compondo esta Corte (fls. 775/783).
O Ministério Público Federal opôs embargos de declaração, alegando
que houve omissão no tocante à intervenção do Ministério Público Federal como fiscal da lei, com violação aos arts. 37, I, e 68, da LC 751 93, e aos arts. 610 e 613, do CPP (fls. 786/789).
Ao rejeitar os embargos, a Egrégia Turma, após acentuar que o representante do Ministério Público Federal esteve presente à sessão de julgamento e não ofereceu qualquer oposição, sustentou que a ausência de ato processual sem repercussão na causa consubstancia nulidade à míngua de prejuízo (fls. 796).
Irresignado, o Ministério Público Federal interpõe o presente recurso especial com invocação da alínea a do permissivo constitucional, insistindo que o acórdão em tela negou vigência aos arts. 564, lU, d, e 610, do Código de Processo Penal (fls. 799/802).
Não oferecidas as contra-razões e admitido o recurso (fl. 807), ascenderam os autos a esta Corte, ensejo em que a douta Subprocuradoria Geral da República, em parecer de fls. 812/816, opina pelo provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL (Relator): A questão posta em julgamento, embora não debatida no acórdão, foi objeto de prequestionamento na via de embargos de declaração, providência pertinente, de vez que a alegada violação decorreu do julgamento sem a prévia manifestação do Ministério Público.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998. 347
Tenho, assim, como presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso.
No mérito, não vejo por que proclamar a nulidade do acórdão pela única razão de não se ter dado vista do processo à Procuradoria Regional da República antes do julgamento da apelação.
É certo que o art. 610, do CPP, contém expressa disposição no sentido de ser dado vista ao Ministério Público com assento no Tribunal antes do julgamento da apelação.
Todavia, tal omissão não chega a configurar nulidade absoluta, passível de contaminar irremediavelmente o julgamento.
Ora, em tema de nulidade no processo penal, o princípio fundamental que norteia o sistema preconiza que para o reconhecimento da nulidade do ato processual é necessário que se demonstre, de modo objetivo, os prejuízos conseqüentes com efetiva influência na apuração da verdade substancial e reflexo na decisão da causa. Tal princípio encontra-se entronizado nos arts. 563 e 566, do Código de Processo Penal,
e foi objeto de especial destaque do mestre Francisco Campos, na Exposição de Motivos apresentadora do citado diploma legal, ensejo em que proclamou que 'nenhuma nulidade ocorre se não há prejuízo para a acusação ou para a defesa' (sic)."
No caso, consoante acentuado no acórdão proferido no julgamento dos embargos de declaração, o representante do Ministério Público Federal esteve presente à sessão de julgamento da apelação e não manifestou qualquer oposição. Ressalte-se que a apelação fora interposta pelo Ministério Público com atuação no primeiro grau, o que afasta qualquer idéia de que a falta de prévia intervenção na segunda instância poderia causar prejuízo para a acusação.
Assim, é de se reconhecer que a questionada omissão em nada repercutiu no julgamento da apelação. E como já acentuado, sem prejuízo não há nulidade.
Isto posto, não conheço do recurso especial.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL Nº 132.539 - SC
(Registro nº 97.0034758-3)
Relator: O Sr. Ministro William Patterson Recorrente: Ministério Público do Estado de Santa Catarina Recorrido: Gerhard Bozler Advogado: Dr. Miguel Teixeira Filho
348 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998.
EMENTA: Penal. Seqüestro de bens. Crime de sonegação fiscal. Decreto-Lei n 9 3.240, de 1941. Aplicação.
- A teor de orientação já firmada na Sexta Turma do STJ, não está revogado, pelo Código de Processo Penal, o Decreto-Lei nº 3.240, de 1941, no ponto em que disciplina o seqüestro de bens de pessoa indiciada por crime de que resulta prejuízo para a fazenda pública.
- Recurso Especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Anselmo Santiago, por maioria, conhecer do recurso e dar-lhe provimento .. Vencido o Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro. Participaram do julgamento os Srs. Ministros William Patterson e Luiz Vicente Cernicchiaro. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Vicente Leal e Fernando Gonçalves.
Brasília, 01 de dezembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro WILLIAM PATTERSON, Relator.
Publicado no DJ de 09·02·98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO WILLIAM PATTERSON: A matéria versada nestes autos foi assim sumariada no Tribunal de origem (fls. 62/64):
"Perante o Juízo de Direito da 1 ª Vara Criminal da Comarca de Joinville, o representante do Ministério Público requereu liminarmente medida cautelar assecuratória de seqüestro de bens (devidamente identificados às fls. 3 e 4) de Gehard Bozler, denunciado como incurso nas sanções do artigo 2Q
, n, da Lei 8.137/90, porque supostamente teria praticado delito contra a ordem tributária, fundamentando, o Dr. Promotor, a sua pretensão nos artigos 1 Q c/c o 2Q
, caput, do Decreto-Lei n Q 3.240, de 8/5/1941, e, por último, a especialização da hipoteca legal dos referidos bens, na forma preconizada no art. 135 e parágrafos, do Código de Processo Penal.
Decidindo liminarmente, o Dr. Juiz a quo indeferiu o pedido inicial, por entender que restou revogado o Decreto-lei n Q 3.240/41, embasador da pretensão, com a entrada em vigor do Código de Processo Penal, e também porque todos os imóveis descritos e individualizados, cujo seqüestro está a ser pleiteado, foram incorporados ao acervo patrimonial do acusado não por atos inter vivos,
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998. 349
mas sim em decorrência de sucessão causa mortis, através de auto de partilha datado de 21/05/ 91, não podendo presumir-se, assim, a proveniência ilícita de tais bens.
Inconformado com a decisão, o órgão do Ministério Público a quo interpôs recurso de apelação, forte no art. 593, inciso lI, do Código de Processo Penal, objetivando a reforma da sentença, por entender não estar revogado o Diploma Legal supedaneador da pretensão, e, conseqüentemente, o acolhimento do pedido formulado.
O acusado, opportuno tempore, apresentou suas contrarazões de apelação, através de defensor constituído, versando sobre matéria constitucional, aduzindo que a bem lançada sentença não deve sofrer qualquer reparo, posto que o Decreto-lei 3.240/41 encontra-se revogado pela legislação processual vigente, pois, caso contrário, estaria em evidente confronto com os direitos e garantias do cidadão, expressamente inscritos na Constituição Federal de 1988, especificamente o art. 52, LIV e LV (devido processo legal e ampla defesa). Por fim, pleiteou que antes da apreciação do mérito, fossem os autos enviados ao Pleno desta Corte, para a apreciação da inconstitucionalidade argüida.
Prestadas as informações, nesta Jnstância a douta Procuradoria Geral de Justiça manifestouse, em parecer da lavra do Dr.
Agamenon Bento do Amaral, pelo desprovimento do recurso interposto."
O apelo foi desprovido, em acórdão refletido na respectiva ementa, escrita nestes termos (fls. 62):
"Apelação criminal. Medida cautelar assecuratória de seqüestro de bens, como garantia de débito fiscal junto à fazenda pública, motivada pelo disposto nos arts. 1 Q e 2Q
, do Dec.-Lei 3.240/ 41. Indeferimento do seqüestro cautelar no primeiro grau. Recurso ministerial visando a reforma da decisão monocrática. Imóveis adquiridos em decorrência de sucessão causa mortis (auto de partilha). Bens que não foram obtidos com o produto da sonegação fiscal denunciada. Impossibilidade do deferimento da medida cautelar. Revogação, ademais, do Decreto-Lei fundamentador do pedido, pela entrada em vigor do Código de Processo Penal. Sentença confirmada. Recurso desprovido."
Com fundamento nas alíneas a e c, do permissivo constitucional, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofertou o presente recurso especial, alegando negativa de vigência do Decreto-Lei n 2 3.240, de 1941, além de divergênciajurisprudencial.
Nesta Corte, o Ministério Público Federal manifestou-se no sentido do provimento do recurso (fls. 140).
É o relatório.
350 R. Sup. Trib. Just., Brasilia, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998.
VOTO
O SR. MINISTRO WILLIAM PATTERSON (Relator): A discussão posta neste recurso especial gira em torno da revogação ou não do Decreto-Lei n Q 3.240, de 1941, visto como o v. acórdão impugnado endossou a tese do juízo monocrático no sentido de que o referido ordenamento perdeu eficácia com a promulgação do Código de Processo Penal, diante dos termos das regras contidas nos seus arts. 125 e 126.
A propósito, vale lembrar as considerações contidas no voto condutor (fls. 64/65):
"Ora, o Decreto-Lei n Q 3.240, de 8.5.41, teve como finalidade precípua colocar sob sujeição a seqüestro os bens de pessoas indiciadas por crimes de que resultaram prejuízo para a Fazenda Pública, estabelecendo, em seu artigo 1 Q e artigo 3Q
, três requisitos para a sua decretação, conforme se constata de simples leitura de texto legal. Entretanto, tal Decreto-Lei teve vigência até 1 Q de janeiro de 1942, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Penal, que em seus arts. 125 e 126, assim dispôs, respectivamente:
"Art. 125. Caberá o seqüestro dos bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiro."
"Art. 126. Para a decretação do seqüestro, bastará a exis-
tência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens."
Assim, independente de ter o apelado sonegado ou não impostos devidos à Fazenda Pública, questão esta que não cabe ser analisada nestes autos, o seqüestro de bens visando garantir o respectivo débito de Gerhard Bozler com este ente recaiu sobre os imóveis descritos e individualizados às fls. 03/04 dos autos, imóveis estes que foram incorporados ao patrimônio do apelado não por ato inter vivos, e sim em decorrência de sucessão causa mortis, fato documentado pelo auto de partilha datado de 21/05/ 91. Salienta-se, ainda, que a data da partilha dos bens foi anterior à da suposta sonegação denunciada (fls. 7).
Deste modo, não podia o referido diploma legal ser aplicado e ter servido de sustentáculo para o seqüestro de bens, que indubitavelmente não tiveram origem ilícita."
Consoante comprovado na peça recursal a espécie já foi objeto de apreciação por esta Colenda 6ª Turma, em acórdão lavrado pelo eminente Ministro Adhemar Maciel que recebeu o aval do ilustre Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, o único remanescente da composição do Colegiado, naquela oportunidade.
Extraio do voto do culto Ministro Maciel os seguintes lances (fls. 117/ 120):
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369; setembro 1998. 351
"O Decreto-Lei n Q 3.240/41, tinha ou tem a seguinte rubrica: "Sujeita a seqüestro os bens de pessoas indiciadas por crimes de que resulta prejuízo para a fazenda pública". Dizia ou diz:
"Art. 1 Q Ficam sujeitos a seqüestro os bens de pessoa indiciada por crime de que resulta prejuízo para a fazenda pública, ou por crime definido no livro lI, Títulos V, VI e VII da Consolidação das Leis Penais desde que dele resulte locupletamento ilícito para o indiciado.
"Art. 2Q O seqüestro é decretado pela autoridade judiciária, sem audiência da parte, a requerimento do ministério público fundado em representação da autoridade incumbida do processo administrativo ou do inquérito policial.
§ 1 Q A ação penal terá início dentro de noventa dias contados da decretação do seqüestro".
Senhor Presidente, os recorrentes, que já encontraram ressonância no voto do Ministro-Relator, afirmam que o Decreto-Lei n Q 3.240/41 já foi revogado há mais de meio século. O CPP regula a matéria.
Mandei fazer uma pesquisa em nosso serviço de jurisprudência. Em cerca de cinco acórdãos, todos do .antigo TFR, aparece o famigerado decreto-lei como uma das referências legislativas. São
eles: REO n Q 94.312/RJ (ReI. Min. Pádua Ribeiro), MS n Q 115.299/ SP (ReI. Min. Nilson Naves), AC n Q 60.844/RJ (ReI. Min. William Patterson), AG n Q 49.048/ES (ReI. Min. José Dantas) eAC n Q 58.634/ RJ)
Data venia dos recorrentes, tenho para mim que não se pode falar que o decreto-lei em questão estej a revogado (melhor seria dizer ab-rogado). Pelo § 1 Q do art. 2Q da LICC, uma lei só revoga a anterior, quando expressamente o disser, quando com ela incompatível ou quando regular inteiramente a matéria de que tratava a lei velha. Ora, o CPP, quando cuida das "medidas assecuratórias", normatiza coisa diferente: trata em seus arts. 125 e 132 de seqüestro de bens imóveis ou móveis .adquiridos com o produto de crime. Já o Decreto-Lei n Q 3.240/41, como acabamos de ouvir, em seu art. 1 Q, primeira parte, cura de "seqüestro de bens de pessoa indiciada por crime de que resulta prejuízo para Fazenda Pública". Como se vê, as leis regulam ássuntos diversos. Logo, têm existência compatíveis.
ReIy Lopes Meirelles, como foi mencionado pelo interveniente (Estado da Paraíba), diz em seu festejado "Direito Administrativo Brasileiro", Malheiros, 19ª ed., pág. 423:
"O seqüestro dos bens adquiridos pelo indiciado com o produto da infração penal está genericamente disciplinadp no
352 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998.
CPP, arts. 125 a 144. Todavia, quando a vítima é a Fazenda Pública, o procedimento é o previsto no Dec.-Lei 3.240, de 8.5.41, expressamente revigorado pelo Dec.-Lei 359/68 (art. 11). Nesse caso, é requerido pelo Ministério Público, por representação da autoridade policial ou da administrativa, dependendo sua subsistência da instauração da ação penal no prazo de noventa dias (arts. 6º, I, e 2º, § 1º)."
Por sua vez, o Decreto-Lei nº 359/68, que criou a "Comissão Geral de Investigações", reza:
"Art. 11 - Continuam em vigor o Decreto-Lei n Q 3.240, de 8 de maio de 1941, e as Leis n.!!.S. 3.164, de 1 º de junho de 1957, e 3.502, de 21 de dezembro de 1958, no que não colidirem com o disposto neste Decreto-Lei."
Carlos Alberto Álvaro de Oliveira e Galeno Lacerda, no "Comentários ao Código de Processo Civil", Forense, 2ª ed., voI. VIII, tomo lI, comentando sobre o instituto do seqüestro civil, observam à pág. 66:
"Em alguns casos, a lei provê, explicitamente, quanto à legitimação do Ministério Público: a) Decreto-Lei nº 3.240, de 08.05.41, art. 2º, quanto aos bens das pessoas indiciadas por crime de que resulte prejuízo à Fazenda Pública; b)
Decreto-Lei n Q 3.415, de 10.07.41, art. 2Q
, relativamente aos bens apreendidos aos acusados de crime contra a Fazenda Nacional; c) DecretoLei n Q 3.931, de 11.12.41 (Código de Processo Penal), art. 127, referindo-se ao seqüestro (penal) dos bens imóveis adquiridos pelo indiciado com proventos da infração, mesmo que transferidos a terceiro."
Assim, Senhor Presidente, em que pesem ao entendimento dos recorrentes, ou por fás ou por nefas, o Decreto-Lei n Q 3.240/41 está vivo em nosso ordenamento legal e é instrumento legal para coibir abusos de sonegadores e fraudadores da Fazenda Pública.
Na realidade, o Decreto-Lei nº 3.240/41 instituiu em favor da Fazenda Pública uma medida cautelar em como tal, dotada de presteza e provisoriedade. Como medida cautelar, ela pode e às vezes deve ser decretada inaudita.
Em princípio, não vejo na medida, drástica, reconheço, mas às vezes necessária, afronta ao devido processo legal, pois os recorrentes, após o seqüestro, terão, evidentemente, a oportunidade de ampla defesa. Aí, sim, terão ensejo de se defenderem e jogarem por terra o ato judicial e, mais, responsabilizarePl o órgão e a pessoa jurídica pelo abuso por acaso cometido."
Como visto, precedente de minha relatoria (AC n Q 60.844-RJ), citado
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998. 353
no pronunciamento posto em destaque, avaliza o mesmo entendimento ali expresso, ao conceber não revogado, pelo CPP, o Decreto-Lei n Q
3.240/41, no ponto em que disciplina o seqüestro de bens de pessoa indiciada por crime que resulta prejuízo para a Fazenda Pública.
Ante o exposto, conheço do recurso especial, e, em conseqüência, dou-lhe provimento, para que o exame do pedido de seqüestro de bens seja feito como base no Decreto-Lei n Q 3.240/41.
VOTO-VISTA
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO: O tema central deste Recurso Especial é a vigência do Decreto-Lei n. 3.240, de 8 de maio de 1941, anterior ao Código de Processo Penal. Este diploma dedica o Título VI - Das Questões e Processos Incidentes, capítulo VI - Das Medidas Assecuratórias. Autoriza o seqüestro de bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração, ainda quejá tenham sido transferidos a terceiro (art. 125). E acrescenta no art. 130:
"O seqüestro poderá ainda ser embargado:
I - pelo acusado, sob o fundamento de não terem os bens sido adquiridos com os proventos da infração".
O Código de Processo Penal disciplinou inteiramente a matéria do Decreto-Lei n. 3.240, de 8 de maio de 1941.
Em sendo assim, a lei posterior prefere à anterior. E, entre elas, há distinção importante. O Código enseja o direito de defesa, mediante embargos. Coaduna-se, aliás, com a Constituição da República que preserva o direito adquirido. Entre este, sem dúvida, coloca-se a propriedade, também resguardada pela Carta Política.
O seqüestro, sabe-se, é instituto de interpretação restrita. Tanto assim, o Código de Processo Penal restringe-se aos "bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os proveitos da infração".
O proprietário, assim, tem direito subjetivo de evidenciar que a imputação não se ajusta aos limites da lei.
Em decisão anterior, entendi:
"RMS - Constitucional- Processual Penal - Mandado de segurança - Infração penal- Sonegação - Seqüestro de bens -O seqüestro de bens, ao fundamento de prática de infração penal, é admissível, em havendo indícios do delito e que a separação judicial do casal se reveste de fraude, dado continuar a vida em comum. O fato reclama investigação probatória. Inadequação do mandado de segurança. Possibilidade jurídica dos Embargos de Terceiro". (RMS 6.645/RS)
O v. acórdão recorrido deixou expresso inexistir, nos autos, prova de os bens objeto do seqüestro haverem sido obtidos por meio ilícito (fls. 66).
354 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998.
o Recurso Especial é infenso à produção de provas (Súmula 7, STJ).
Não conheço do Recurso Especial.
VOTO- VISTA
o SR. MINISTRO ANSELMO SANTIAGO: Trata-se de discussão sobre a vigência, ou não, do Decreto-Lei nQ 3.240/41, que o Eg. Sodalício catarinense entendeu que, com a edição do Código de Processo Penal, em especial os artigos 125 e 126, já não mais está em vigor.
O ilustre Relator, com o reforço de decisão anterior, entende que ainda continua vivo o diploma em comento.
De fato, a leitura dos escassos ensinamentos doutrinários e dajurisprudência leva a essa conclusão, dando-se à Fazenda Pública o tratamento privilegiado de poder seqüestrar os bens de qualquer indi-
ciado em crime contra o Erário, mesmo que não tenham sido adquiridos com o produto do crime.
Trata-se, na verdade, de instituto de pouco uso, daí a pobreza, antes anunciada, de lições de nossos processualistas, ou mesmo dos tribunais. É que a Fazenda Pública, desamarrada do aspecto penal, não fica na espera de que tais medidas acauteladoras sejam tomadas, preferindo diretamente a execução da dívida, onde pode penhorar quaisquer bens do devedor, sejam ou não provenientes de delito. Pelo que se sabe, dificilmente representa ao Ministério Público, como disposto no art. 2Q, do DL nQ 3.240/41, para que este proceda ao seqüestro ali previsto.
De qualquer forma, também entendo que o diploma em exame ainda continua vigorando, acompanhando, nesse particular, o ilustre Relator.
É o meu voto.
RECURSO ESPECIAL NQ 147.850·- RJ
(Registro n Q 97.0064136-8)
Relator: O Sr. Ministro Vicente Leal
Recorrente: Roberto José Maia Serpa - espólio
Recorrido: Alexandre Guilherme Miguel Mayworm.
Representado por: Sylvia Salles Couto - inventariante
Advogados: Maria da Gloria P. Ponte Gomes e Valdir Pietre
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (!09): 313-369, setembro 1998. 355
EMENTA: Processual Civil. Magistrado. Predicamentos. Imparcialidade. Recebimento de dádiva para reforma do Fórum. Exceção de suspeição. Reconhecimento objetivo. CPC, art. 135, IV.
- As garantias constitucionais de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos têm por escopo colocar o magistrado em espaço superior aos interesses das partes em litígio, com efetivo resguardo do grande predicado da imparcialidade.
- O nosso Código de Processo Civil no art. 135, qualifica de fundada a suspeição de parcialidade do Juiz com a simples constatação de uma das situações de fatos arrolados nos seus incisos, independentemente de investigação subjetiva.
- Se o Juiz da causa, ao tempo em que exercia a função de Diretor do Foro, recebeu de uma das partes valores pecuniários para a realização de obras de manutenção do prédio onde funciona a Justiça local, fez nascer vínculo contratual a título gratuito, o que enseja, de modo objetivo, que sua imparcialidade seja posta em questão, impondo-se o reconhecimento da suspeição.
- Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, prosseguindo-se no julgamento, após voto-vista do Sr. Ministro Fernando Gonçalves, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Fernando Gonçalves e Anselmo Santiago. Ausentes, por motivo de licença, o Sr. Ministro William Patterson e, justificadamente, o Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro.
Brasília, 28 de abril de 1998 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro VICENTE LEAL, Relator.
Publicado no DJ de 01·06-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL: O espólio de Roberto José Maia Serpa, contra o qual foi ajuizada ação de reintegração de posse por Alexandre Miguel Mayworm, argüiu exceção de suspeição em face do MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Teresópolis -RJ, com fulcro no inciso IV, do artigo 135, do Código de Processo Civil, que disciplina o recebimento de dádivas antes ou depois de iniciado o processo.
356 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998.
Sustentou, em essência, que o magistrado, na qualidade de Diretor do Foro daquela Comarca, recebeu de empresa da qual o autor é sócio quotista majoritário dádivas para a reforma parcial do Fórum e, além disso, atuara antes como advogado em patrocínio de seus interesses, o que impõe óbice ao seu funcionamento no feito mencionado.
Aegrégia Segunda Câmara Cível do Tribunal de Alçada Cível do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, confirmando a decisão do R. Juiz que repeliu a argüição, julgou improcedente a exceção, ao entendimento de que as contribuições recebidas reverteram-se em benefício da comunidade, nas obras de reforma do prédio, e não em favor do magistrado responsável pela direção do Fórum (fls. 481 51). O julgamento em tela foi consolidado em ementa do seguinte teor:
"Exceção de suspeição. Magistrado. Exercício anterior de advocacia. Patrocínio de interesses de empresa. Reintegração de posse. Autor que figura como sócio majoritário. Garantia constitucional de isenção e imparcialidade do Juiz. Teoria da desconsideração da pessoa jurídica. Suspeição argüida com base no inciso IV, do art. 135 do Código de Processo Civil. Prova não perfilada. Presunçãojuris tantum em relação à retidão de caráter do Juiz que exerce cumulativamente a função de Diretor do Foro. Pretensão improcedente". (fls. 48).
Opostos embargos de declaração, restaram os mesmos rejeitados.
Irresignado, o excipiente interpõe o presente recurso especial (fls. 60/71), com fulcro na letra c do permissivo constitucional, verberando ter o v. acórdão recorrido ensejado divergência com julgado da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso que considerou o recebimento de importâncias para manutenção do Fórum como causa suficiente à caracterização da imparcialidade do Juiz (fls. 60171).
Não apresentadas contra-razões e admitido o recurso na origem, ascenderam os autos a esta Colenda Corte.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL (Relator): Ataca-se no presente recurso especial acórdão que julgou improcedente exceção de suspeição argüida contra o MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível para funcionar nos autos de ação de reintegração de posse ajuizada por sócio de empresa da qual recebeu, quando desempenhava funções de direção no Fórum daquela comarca, contribuições pecuniárias à rea:Iização de obras de melhoramento no prédio.
Proclamou o eminente colegiado julgador, nessa oportunidade, que, tendo sido as importâncias revertidas em favor da comunidade pela reforma das instalações do prédio do Poder Judiciário local, e não em
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benefício dos interesses próprios e imediatos do magistrado, não há como se colocar em questão sua parcialidade, cujo caráter e conduta de retidão estão ao abrigo da presunção iuris tantum.
A seguinte passagem da ementa reflete, com propriedade, os exatos termos da fundamentação contida no bojo do aresto impugnado, litteris:
"N o que toca propriamente ao pedido fundado nas disposições do inciso IV, do art. 135, do CPC, tem -se como não fundadas as argüições procedidas, visto que, demonstrado, diante da prova e dos fatos, que as benesses referidas e ditas como recebidas pelo magistrado não se reverteram em seu próprio favor, destinadas que foram para a reforma do fórum da comarca e em benefício de larga parcela da comunidade, que se utilizam das dependências centenárias do prédio onde se acha instalado o poder judiciário local.
É de sabença geral que, não obstante consagra a lei maior quanto à independência do poder judiciário dos demaiscerigidos, este se apresenta como o mais carente de recursos orçamentários, dependente do executivo para realizações materiais mais urgentes e que, à míngua de interesses imediatos, porque sem retorno político, muitas vezes, vê-se obrigado, para suas necessidades mais prementes, socorrer-se da própria sociedade, que, sempre alerta, aqui como alhures, tem,
pela sua melhor representação, contribuindo, em muito, para que prédios utilizados não desabem, instalações funcionem com o mínimo de conforto para as partes e os profissionais do direito, aí considerados corredores, escadas, salas, banheiros e etc ...
De norte a sul do estado, não é mais feliz a Comarca de Petrópolis. Sediado o Poder Judiciário local em prédio da época do império, inclusive, tombado pelo patrimônio, seu desgaste no tempo está sempre a exigir obras de vulto e que os cofres públicos teimam em não atendê-las segundo suas necessidades mais urgentes, capacitando, sem qualquer ilegalidade, que seguimentos da sociedade o substituam parcialmente para a realização de feitos e que, sem dúvida, revestem-se de benefícios coletivos". (fls. 50).
Pugna o excipiente, nas razões deduzidas no apelo nobre, pelo reconhecimento da suspeição do juiz para funcionar no feito em que tenha recebido da empresa, da qual a parte autora figura como sócio quotista majoritário, dádivas para realização de obras, sob pena de violação à garantia constitucional da imparcialidade do juiz natural.
E para comprovar a alegada divergência jurisprudencial, trouxeram à colação julgado da egrégia Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso que, analisando questão idêntica à do autos, concluiu pela suspeição do juiz da causa.
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E o referido julgamento foi consolidado na seguinte ementa:
"Exceção de suspeição. Oferta de dádiva em dinheiro para manutenção do Fórum. Verificação objetiva da inibição.
O recebimento da significativa importância, pelo juiz, ofertada por uma das partes, a título de donativo para a manutenção do forum, antes ou no curso da demanda, retira a confiança em que se assenta o juízo de imparcialidade, mesmo que se prove a aplicação naquele fim". (fls. 68).
Tenho que o recurso especial manifestado com esteio na alínea c do permissivo constitucional, reúne condições de admissibilidade, de modo a permitir a uniformidade dos julgados, missão constitucional do Superior Tribunal de Justiça.
Após demorada reflexão sobre o thema decidendum, tenho que o acórdão recorrido não conferiu ao assunto em debate a melhor exegese.
Um dos predicados fundamentais que conferem grandeza, dignidade e autoridade à atuação do magistrado é a absoluta imparcialidade em face dos interesses manifestados pelos litigantes do processo.
O Juiz, no exercício sagrado da função de distribuir justiça, é agente da soberania estatal e deve, por-. tanto, situar-se sempre em plano superior ao mundo dos interesses em conflito. Daí porque a nossa lei adjetiva enumera diversas hipótes'es de impedimento (art. 134) e sus-
peição (art. 135) do Juiz, definidoras de situações que possam conduzir à idéia de parcialidade em face da causa.
Dentre tais hipóteses merece destaque aquela inscrita no art. 135, IV, do CPC, que reputa fundada a suspeição de parcialidade do Juiz que houver recebido dádivas antes ou depois de iniciado o processo.
No caso, foi proclamado pelo Tribunal a quo que o ilustre Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Petrópolis, quando exercia a função de Diretor do Foro, recebeu da empresa da qual a parte autora figura como sócio quotista majoritário importâncias pecuniárias para a realização de obras de manutenção e conservação do prédio do Poder Judiciário.
Assim, a toda evidência, não se pode desprezar o fato de que entre o juiz da causa e a parte estabeleceu-se vínculo contratual a título gratuito, colocando em questão sua imparcialidade da condução do processo e na aplicação do Direito, ainda que as dádivas tenham sido efetivamente convertidas em benefício para a comunidade.
O preceito do art. 135, do CPC, não exige que fique demonstrada a postura parcial do Juiz. A norma em apreço, de feliz elaboração, qualifica de fundada a suspeição de parcialidade do Juiz com a simples constatação de uma das situações de fato arroladas nos seus incisos.
Assim, tenho que o acórdão divergente, oriundo do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, conferiu ao tema a melhor exegese.
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No mencionado precedente, cuja situação de fato é idêntica, o ilustre Desembargador Leão Neto do Carmo fez consignar no voto condutor do julgamento a seguinte passagem:
"Parece-me, pois, apesar do significado dos propósitos, que é prejudicial à imagem do Poder Judiciário estar o Juiz, de qualquer grau, a receber dádivas ou angariar recursos junto a seus jurisdicionados, para qualquer finalidade; mais ainda quando subvencionar serviço da justiça, ônus que cabe ao Estado; sobremaneira prejudicial, quando o fato ocorre em comarcas de primeiro grau, onde a autoridade judicial é única e o contato com os jurisdicionados é maior" (fls. 74).
E, em seguida, cita lição de Celso Agrícola Barbi, de adequada pertinência:
"Importância da Imparcialidade do Juiz: primeira e mais importante qualidade de um juiz é a imparcialidade. Investido da alta missão de decidir acerca dos mais relevantes interesses das partes, munido de amplos poderes para esse fim, é indispensável que o Juiz realmente julgue sem ser influenciado por quaisquer fatores que não o direito dos litigantes.
O despreparo cultural ou morosidade do juiz pode preocupar o litigante. Mas o fator que é realmente capaz de intranqüilizálo, de fazê-lo descrer na justiça
humana, é a falta de confiança na isenção do juiz.
Por isso, pode-se afirmar, sem receio de erro, que as garantias de vitaliciedade, de inamovibilidade e de irredutibilidade de vencimentos, elevadas à culminância constitucional e destinadas a assegurar a independência do Juiz, têm por finalidade última resguardar a sua imparcialidade.
Ainda que o Juiz tenha todas as condições para correta atuação nas causas que, em princípio, podem ir ao seu exame, há porém, algumas em que a sua situação pessoal, em relação às pessoas que participam do processo ou ao interesse em litígio, pode influir no seu espírito, de modo a impedir um correto julgamento da demanda.
Por esse motivo, para dar tranqüilidade aos litigantes e confiança na retidão dos julgamentos, a lei manda que o Juiz se afaste de determinadas causas e permite que a parte impugne sua presença, quando ele não se afastou espontaneamente." (in Com. ao C.P.C., I vol., T. lI, págs. 546 e 547, For., 1971) (fls. 75)".
Tenho como pertinentes os comentários acima transcritos, o que reforça a tese da relevância do predicamento da imparcialidade do magistrado em face dos interesses das partes em conflito.
Daí a prevalência da tese que recomenda, em hipóteses dessa espécie, o reconhecimento objetivo da suspeição.
360 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998.
Isto posto, conheço do recurso e dou provimento para julgar procedente o incidente de suspeição.
É o voto.
VOTO- VISTA
o SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES: A matéria está relacionada com a suspeição do MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível de Teresópolis para funcionar na ação de reintegração de posse ajuizada contra o espólio de Roberto José
Maia Serpa por Alexandre Miguel Mayworm.
A exemplo do que restou decidido no julgamento do REsp nº 83.732-RJ, acompanho o eminente Relator, Min. Vicente Leal.
VOTO (VOGAL)
O SR. MINISTRO ANSELMO SANTIAGO: Srs. Ministros, voto de acordo com o Sr. Ministro-Relator.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL Nº 153.957 - RN
(Registro nº 97.0079347-8)
Relator: O Sr. Ministro William Patterson
Recorrentes: Ministério Público Federal e União Federal
Recorrida: Associação dos Sub tenentes e Sargentos do Exército em Natal-ASSEN
Advogados: Drs. Jayme Renato Pinto de Vargas e outro
EMENTA: Previdenciário. Reajuste de beneficio. URP fevereiro de 1989 (26,05%).
- Consoante a jurisprudência do STF, recepcionada neste Tribunal, inexiste direito adquirido ao percentual de 26,05% relativo a fevereiro de 1989.
- Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal
de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Re-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998. 361
lator. Votaram com o Sr. MinistroRelator os Srs. Ministros Luiz Vicente Cernicchiaro, Vicente Leal e Anselmo Santiago. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Fernando Gonçalves.
Brasília, 02 de dezembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro WILLIAM PATTERSON, Relator.
Publicado no DJ de 02-02-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO WILLIAM PATTERSON: Com amparo nas alíneas a e c da regra constitucional, a União Federal impugna o acórdão do Egrégio TRF da 5ª Região que, julgando ação rescisória onde pleiteada a anulação de julgado que concedeu reajuste de vencimentos pelo índice de 26,05% (URP de fev./ 89), entendeu não caracterizada a ofensa ao art. 485, V, do Código de Processo Civil, em razão de dissídio pretoriano, daí que concluiu pela improcedência da ação nos seguintes termos (fls. 100/101):
"Ação rescisória. Sentença que reconheceu direito adquirido ao reajuste de vencimentos, proventos e pensões pelo índice de 26,05% (URP de (ev. /89). Impossibilidade de rescisão de julgados em razão de dissídio pretoriano. Interpretação restritiva do art. 485 do CPC. Improcedência da ação.
1. Constitui numerus clausus o rol de hipóteses de cabi-
mento da ação rescisória (art. 485, I a IX do CPC), não sendo possível, por via interpretativa, elastecer os casos legais de admissão do pedido, para incluir entre eles a divergência pretoriana.
2. "A estabilidade dos julgados é imprescindível à ordem jurídica, que não pode ficar comprometida ao sabor de mera interpretação dos textos legais." (STF, AR 1. 167-DF, ReI. Min. Djaci Falcão, RTJ 115/61).
3. A Suprema Corte reconhece a autonomia jurisprudencial das instâncias inferiores ao inadmitir a ação rescisória fundada em ofensa a dispositivo legal de interpretação controvertida nos Tribunais (Súmula 343), "ainda que ajurisprudência do Supremo Tribunal Federal venha posteriormente a firmar-se em sentido contrário" (RE 88.328-SP, ReI. Min. Cunha Peixoto, RTJ 91/ 970).
4. Ação rescisória improcedente."
Para tanto, assevera a violação ao art. 5Q
, da Lei n Q 7.730, de 31 de janeiro de 1989, que instituiu novas regras de reajuste de salários, além de divergência de jurisprudência. Coleciona acórdãos favoráveis à sua tese, no sentido de que não há direito adquirido ao reajuste concedido pelo acórdão rescindendo.
Ultrapassado o juízo prévio de admissibilidade, vieram os autos a este Tribunal, onde dispensei a audiência do Ministério Público.
362 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 313-369, setembro 1998.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO WILLIAM PATTERSON (Relator): Como visto, cuida-se de decisão em ação rescisória visando desconstituir julgado que reconheceu aos servidores públicos militares referidos na inicial, a diferença correspondente ao índice de 26,05%, que seria devido em razão de plano econômico.
De pronto, tenho que o acórdão rescindendo, ao reconhecer o direito adquirido ao reajuste dos benefícios na base de 26,05%, relativamente ao mês de fevereiro de 1989, destoa da orientação proclamada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADIN n Q 694/ DF, tal como invocada em inúmeros precedentes, dos quais destaco:
"Recurso extraordinário. Funcionário público. Vencimentos. URP - fevereiro de 1989. 2. No julgamento da ADIN n Q 694-DF, o Plenário do STF afirmou ser indevido, em fevereiro de 1989, o percentual de 26,05%, sobre vencimentos de servidores federais, com base na URP do período de setembro a novembro de 1988. Revogação do Decreto-Lei n Q
2.335/1987 pelo art. 38 da Lei n Q
7.730, de 31.01.1989, resultante da conversão da Medida Provisória n Q 32, de 15 de janeiro de 1989. Precedentes. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido." (RE n Q 157.395-3-DF, ReI. Min. Néri da Silveira, in DJ 27.10.94)
No tocante ao fundamento nuclear do acórdão recorrido, para repelir o cabimento da ação rescisória, por entender aplicável à espécie o enunciado da Súmula n Q 343 - STF, tenho por insubsistente a orientação, inobstante as lúcidas considerações contidas no voto condutor. Assim afirmo com apoio em precedentes desta Colenda 6ª Turma.
O primeiro, da lavra do Ministro Fernando Gonçalves (REsp nQ 108.875-CE), onde assevera:
"Quanto à ausência de violação literal de lei que abonasse o acolhimento de rescisória e ainda divergência jurisprudencial referente à interpretação controvertida de outros tribunais, melhor sorte não está a amparar os recorrentes. Os julgados trazidos à colação não servem de paradigmas e nem as Súmulas 343/STF, 134/TFR, 83/TST e 03/TASP (1 Q) já que, consoante assevera o Parquet Federal, o STF e o STJ conhecem de recursos interpostos nas condições do presente.
Por fim, o próprio julgado do STF, ventilado na decisão recorrida mostra a violação a texto legislativo a concessão do índice expurgado do IPC de março de 1990, verbis:
"A revogação da Lei n Q
7.830/89 pela Medida Provisória n Q 154/90 que se converteu na Lei n Q 8.030/90 -verificouse em momento anterior ao da consumação de fatos idôneos necessários à aquisição do di-
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reito ao reajuste de vencimentos previsto para 1 º de abril de 1991. Tendo-se antecipado, validamente, à incorporação desse direito ao patrimônio jurídico dos servidores, o ato abrogatório não ofende a cláusula constitucional que tutela a intangibilidade de situações definitivamente consolidadas (CF, art. 5º, XXXV!)." (RE 148.607-4-STF) (fls. 250).
Cumpre assinalar - aindaque a errônea interpretação da lei, segundo o STF, in RTJ 101/ 50, "desde que capaz de anular os seus verdadeiros efeitos, pode propiciar o ajuizamento da ação rescisória fundada no inciso V do art. 485 do CPC. Ora, no caso, a MP 154, convertida na Lei nº 8.030/90, entrou em vigor no dia 16 de março e o reajuste apenas seria devido em 01 de abril. Houve, portanto, de acordo com o entendimento do STF, violação à Lei nº 8.030/90, hipótese, inclusive, já firmada pela 3ª Seção do STJ, na AR 504/CE - ReI. Ministro José Dantas."
Também ao apreciar hipótese semelhante, tive ensejo de fazer os s~guintes registros (REsp nº 95.129-RS):
fundada no artigo 485, V, do CPC, teria o acórdão recorrido negado vigência a esse dispositivo?
Com atenção à orientação predominante do Colendo STF, sobre não ser aplicável a máximajurisprudencial quando em discussão os preceitos constitucionais, tenho que a resposta deve ser positiva. Ao entendimento do acórdão recorrido se contrapõe a lição lapidar do eminente Ministro Moreira Alves nos autos do RE nº 89.108-GO:
"E não se há que invocar-se, no caso, o disposto na Súmula 343 ("Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais"), uma vez que ela deflui de julgados que dizem respeito, apenas, a leis ordinárias. E, por se tratar de Súmula, está ela vinculada ao âmbito dos julgados de que é síntese, não podendo -como poderia se se tratasse de preceito legal - extravasar dele por via de interpretação extensiva. Aliás, ainda quando fosse isso possível, não me animaria a essa extensão, pois entendo que a Súmula nº 343 nada mais é do que a repercus-
"Assim delimitada a controvér- são, na esfera da ação rescisó-sia ao ataque do pressuposto da ria, da Súmula nº 400 - que rescisória, resta saber da ofensa não se aplica ao texto consti-à lei processual. Ao aplicar o tucional- no âmbito do recur-enunciado da Súmula 343 do Co- so extraordinário. Como se in-lendo STF e assim declarar a im- fere do artigo 119, III, a da procedência da ação rescisória, Emenda Constitucional nº 1/69,
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distinga a lei ordinária (para a qual é necessária a negativa de vigência) e a lei constitucional (para a qual basta a contrariedade)" (RTJ 101/207)."
o correspondente, no plano constitucional, à negativa de vigência de lei é a contrariedade à Constituição; e, em assim sendo, se a legislação ordinária (no caso, o Código de Processo Civil) se limita a aludir como pressuposto da rescisória a violação literal de disposição de lei, impõe-se que se
Ante o exposto, conheço do recurso especial e, em conseqüência, doulhe provimento.
RECURSO ESPECIAL NQ 169.226 - SC
(Registro n Q 98.0022647-8)
Relator: O Sr. Ministro Vicente Leal
Recorrente: Estado de Santa Catarina
Recorrida: Thereza Grisolia Tang
Advogados: Osmar José Nora e outros, e Nilton José Machado
EMENTA: Processual Civil. Recurso especial. Indenização de períodos de férias e licença-prêmio não gozados. Deferimento administrativo. Mandado de segurança. Ação de cobrança. Inocorrência. Embargos de declaração. Omissão. Inexistência.
- Tendo a ação mandamental como causa de pedir a restauração de situação em razão da ilegalidade de ato administrativo, não tem pertinência a invocação de aplicação dos comandos das Súmulas n~ 269 e 271, do STF, que disciplinam as relações jurídicas oriundas de direito creditório, objetivando o pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias pretéritas.
- Os embargos de declaração, segundo a moldura do cânon inscrito no art. 535, do CPC, consubstanciam instrumento processual destinado a expungir do julgamento obscuridade ou contradição, ou ainda para suprir omissão sobre tema cujo pronunciamento se impunha pelo Tribunal, não se prestando para promover a reapreciação do julgado.
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- Não há omissão no acórdão que concede parcialmente o writ impetrado por desembargadora aposentada, determinando a conversão em pecúnia dos períodos de férias e licenças-prêmio não gozados por necessidade de serviço, anteriormente à vigência da LOMAN, já deferidos em processo administrativo interno e cassado por ato do Presidente do Tribunal.
- Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Fernando Gonçalves, Anselmo Santiago e Luiz Vicente Cernicchiaro. Ausente, por motivo de licença, o Sr. Ministro William Patterson.
Brasília, 09 de junho de 1998 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro VICENTE LEAL, Relator.
Publicado no DJ de 29-06-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL: Thereza Grisólia Tang, Desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, impetrou mandado de segurança contra atos do Órgão Especial daquele Tribunal, representado por seu Presidente, postulando o pagamento em pecúnia dos períodos de licença-prêmio e férias não
gozados por necessidade de serviço, já deferidos através de regular processo administrativo.
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, por maioria, concedeu parcialmente a segurança, determinando o pagamento dos meses de férias e licenças-prêmio não gozadas anteriormente à vigência da Lei Orgânica da Magistratura por necessidade de serviço. (fls. 97/103) O julgamento em tela foi condensado na seguinte ementa:
"Mandado de segurança. Interposição contra ato do órgão especial que sustentou o pagamento de licenças-prêmio e do Presidente do Tribunal de Justiça que, sponte sua, determinou a sustação do pagamento das férias, não gozadas, à magistrada, já deferido através de regular processo administrativo. Direito líquido e certo da impetrante violado. Concessão parcial da ordem.
Mandado de segurança. Magistrada. Férias e licenças-prêmio não gozadas, por necessidade do serviço público, conversão em pecúnia. Admissibilidade. Precedentes jurisprudenciais.
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- "O direito às férias é preceito de ordem pública, como acontece com todos os preceitos da legislação social, tornando-se irrenunciáveis. O exercício de sua fruição, bem como de licença-prêmio, depende de ato da Administração Pública, que pode negá-lo em nome da conveniência do serviço, vale dizer, no interesse do serviço público" (in RT 606, págs. 89/90).
Férias é um direito do servidor, de acordo com a Constituição Federal (art. 39, § 2Q
, c/c art. 7Q, XVII).
Licença-prêmio. Magistrada. LOMAN. Período anterior à vigência da Lei Orgânica da Magistratura. Admissibilidade." (fls. 97).
Opostos embargos declaratórios, restaram os mesmos rejeitados.
Irresignado, o Estado de Santa Catarina interpõe o presente recurso especial (fls. 257/268), com fulcro na alínea a do permissivo constitucional, verberando ter o v. acórdão violado os artigos 15 e 19, da Lei n Q 1.533/51 e o artigo 1Q
, da Lei n Q 5.021/66, bem como os artigos 47 e 535, do Código de Processo Civil.
Verbera, em essência, que o mandado de segurança não é meio apto para a cobrança de vantagens pecuniárias pretéritas, não se constituindo, ademais, em ação de cobrança.
Não oferecidas as contra-razões, o recurso foi inadmitido na origem, advindo agravo que, provido, ensejou a subida dos autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL (Relàtor): Como patenteado no relatório, ataca-se no presente apelo nobre acórdão que concedeu parcialmente a ordem de segurança impetrada por desemb,argadora aposentada contra ato do Orgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, determinando a conversão em pecúnia dos meses de férias e licenças-prêmio não gozadas por necessidade de serviço anteriormente à vigência da Lei Orgânica da Magistratura, já deferidos em processo administrativo interno.
Sustenta o Estado de Santa Catarina que o Órgão Colegiado do Tribunal a quo, ao conceder o pagamento de vantagens pecuniárias pretéritas, restou por violar o artigo 15, da Lei n:Q 1.533/51 e o artigo 1 Q, da Lei n Q 5.021, bem como os verbetes contidos das Súmulas n~ 272 e 269, do STF, que vedam a natureza de ação de cobrança ao mandamus.
Verbera, ainda, a ocorrência de omissão quanto a pontos de pronunciamento obrigatório, especificamente no que tange aos artigos 19, da Lei n Q 1.533/51 e 47, do CPC, no caso da obrigatoriedade da formação de litisconsórcio, ao artigo 102, I, da CF/88 e ao artigo 267, V, do CPC, em decorrência da litispendência.
O Órgão Especial do Tribunal a quo concedeu os meses de férias e
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licenças-prêmio, não gozadas por necessidade de serviço, em período anterior a superveniência da LOMAN, tendo em vista o fato de ter sido concedido administrativamente o pagamento das vantagens postuladas.
É o que se extrai do excerto do voto a seguir transcrito:
"Conseqüentemente, as licençasprêmio a que a impetrante tinha direito, anteriores à vigência da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar n Q
35179), não podem ser suprimidas e a sua conversão em pecúnia é perfeitamente possível, conforme vasta jurisprudência e doutrina a respeito.
É de se realçar que o eminente Desembargador Ayres Gama Ferreira de Melo requereu e obteve administrativamente o pagamento da conversão da licença-prêmio em dinheiro em 31/8/95, por parte da Presidência deste Tribunal (fls. 46), o mesmo ocorrendo com a viúva do ex-magistrado Renato Antônio de Souza (fls. 58) e também consta que ao Des. Osny Caetano, em data de 4/9/91, foi concedido o direito de converter em pecúnia as licenças-prêmio não gozadas (fls. 38/39).
Ante todo o exposto, é de se conceder parcialmente a segurança, para assegurar à impetrante o direito de receber em pecúnia os 6 (seis) meses de férias não gozadas e as licenças-prêmio a que tinha direito, anteriores à vigência da Lei Complementar n Q 35/ 79". (fls. 103).
Daí depreende-se que o acórdão recorrido concedeu o pleito indenizatório, proclamando a tese de que o direito de conversão em pecúnia das férias e dos períodos de licenças-prêmio não gozados não podem ser indeferidos quando já concedidos no âmbito administrativo.
Como visto, o thema sub judice envolve unicamente discussão sobre temas de natureza constitucional e de direito local.
Alega-se violação ao art. 535, do Código de Processo Civil.
Ora, os embargos de declaração, segundo a moldura do canon inscrito no artigo 535, do CPC, consubstanciam instrumento processual destinado a expungir do julgamento obscuridade ou contradição, ou ainda para suprir omissão sobre tema cujo pronunciamento se impunha pelo Tribunal, não se prestando para promover a reapreciação do julgado, como pretende o ora recorrente.
Quanto à alegação de violação aos dispositivos da Lei 5.021/66, que dispõe sobre o pagamento de v-encimentos e vantagens asseguradas em sentença concessiva de mandado de segurança, bem como ao artigo 15, da Lei n Q 1.533/51, tenho que não se encasam à controvérsia debatida nos autos.
Ora, é pacífico o entendimento firmado no âmbito deste Tribunal no sentido de que em sede de mandado de segurança em que se postula o pagamento de vantagem devida a servidores públicos, a sentença concessiva somente produz efeitos a partir do ajuizamento do writ,
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nos termos da Súmula n Q 271/STF e do art. 1 Q da Lei n Q 5.021/66.
Todavia, ainda que o mandado de segurança não se confunda com ação de cobrança, a hipótese sub judice não apl'esenta efeitos patrimoniais a título de cobrança, mas tem como causa de pedir a ilegalidade do ato administrativo que indeferiu a concessão da conversão em pecúnia de períodos de licenças-prêmio e férias já deferido por decisão administrativa à desembargadora impetrante.
E a jurisprudência assentada nesta Colenda Corte tem entendimento coincidente, no sentido de que, tendo o writ como causa de pedir a restauração da situação em razão da ilegalidade de ato administrativo, não tem pertinência a invocação de aplicação do comando da Súmula n Q 269, do STF, que disciplina as relações jurídicas oriundas de direito creditório, objetivando o pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias.
A propósito, registre-se o seguinte precedente, ip verbis:
"REsp - Constitucional- Processual Civil - Mandado de segurança - Ação de cobrança -Pagamento.
o mandado de segurança não se confunde com a ação de cobrança. Toda ação repousa na causa de pedir. Não se pode, em mandado de segurança, deduzir fato gerador de direito de crédito para reclamar pagamento. A Lei n Q 5.021/66 veda, no mandamus, pedir 'vencimentos e vantagens pecuniárias'. Diferente, entretanto, se a causa de pedir for ilegalidade da sanção administrativa aplicada. No caso, concedida a segurança, repõe-se a situação jurídica anterior, em conseqüência, o pagamento do que fora ilegalmente suspenso. A prestação jurisdicional cumpre ser exaustiva, no sentido de repor, às inteiras, quanto possível, o direito reconhecido" CREsp 29.950-4/SP, ReI. Min. Vicente Cernicchiaro, in D.J. de 01 de março de 1993).
Em face dessas considerações, tenho que o acórdão recorrido não violou os dispositivos legais destacados no apelo nobre.
Isto posto, não conheço do recurso especial.
É o voto.
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