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Jurisprudência da Primeira Seção

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CONFLITO DE COMPETÊNCIAN. 41.444-AM (2004/0015602-2)

Relator: Ministro Luiz Fux

Autores: Empresa de Revitalização do Porto de Manaus S/A e outros,

Sociedade de Navegação e Portos e Hidrovias do Estado do Amazonas - SNPH,

Estado do Amazonas

Réus: Os mesmos

Autores: Vanessa Grazziontin e outros

Réus: União e outros Suscitantes: Empresa de Revitalização do Porto de Manaus S/A e outros

Advogados: Miguel Ângelo Barros da Silva e outros Suscitados: Juízo de Direito da laVara da Fazenda Pública de Manaus - AM

e Tribunal Regional Federal da la Região

EMENTA

Continência. Espécie de conexão. Solução legal idêntica. Julga­mento simultâneo. Coexistência de liminares de teor diverso. Necessida­de de solução do conflito pela prática de atos de dois juízos diferentes. Razão de ser da conexão. Presença da União no feito. Competência da Justiça Federal, que, mercê de abarcar a competência menor, restou prioritária quanto ao critério de solução do conflito na forma do art. 120, parágrafo único, do cpc. Conflito suscitado e instruído pelas par­tes, sem necessidade de oitiva dos juízos em conflito. Possibilidade. Pre­cedentes.

1. Tutelas antecipatórias deferidas em sentidos inversos, proferidas por Juiz Estadual e Juiz Federal, este em ação popular, aquele em reconvenção. Notória conexão informada pela necessidade de se evitar a sobrevivência de decisões inconciliáveis.

2. Há conflito positivo de competência quando dois ou mais juízes praticam atos incompatíveis em processos sob as suas jurisdições.

3. A continência é modalidade de conexão, por isso que, mesmo a possibilidade de inconciabilidade parcial das decisões arrasta o fenôme­no da conexão com o seu consectário lógico do julgamento simultâneo unum et idemjudex, a teor do art. 105 do cpc.

4. Havendo anterior tutela antecipada apreciada pela Justiça Fede­ral em grau de mandado de segurança e posterior reapreciação do provi-

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

mento de urgência pela Justiça Estadual em ação com pedido reconvencional, colidente com aquela primeira apreciação, cumpre con­jurar o conflito à luz das normas legais e dos precedentes da Corte.

5. Sob o enfoque legal, tratando-se de competência territorial di­versa, a competência deve ser fixada no juízo da primeira citação, como critério resultante da exegese pacífica dos artigos 106 e 219 do Cpc.

6. É precedente desta Corte que a competência da Justiça Federal cuja fonte é a Constituição, é absoluta e abarca a competência da Justiça Estadual, como assentado em diversos feitos relativos à conexão de ações civis públicas e populares, quer contra atos de privatização, quer contra atos das agências reguladoras.

7. A audiência dos juízos em conflito não constitui providência obrigatória estando os autos devidamente instruídos (EDcl no CC n. 403/ BA, Relator Ministro Torreão Braz, DJ de 13.12.1993, apud "Código de Processo Civil Anotado", 7a edição, 2003, Saraiva, Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira).

8. Atestado o conflito, impõe-se a designação de um dos juízos em conflito, na hipótese, os prolatores das decisões de urgência inconciliáveis para prover sobre a tutela antecipada. In casu, a Presidência do Tribu­nal, em regime de plantão, determinou que a antecipação de tutela restas­se adstrita ao juízo que no mandado de segurança cassou a liminar que colide com aquela deferida na reconvenção pelo Juízo Estadual. Prevalên­cia da decisão proferida na ação mandamental, mercê da fixação da com­petência para o processamento do feito no Juízo Federal da ação popular.

9. Conflito suscitado pela parte conhecido e decidido sem a necessi­dade de oitiva dos juízos em conflito em face da urgência, da manifesta­ção oral do Ministério Público, reconhecendo-se a competência do Juízo Federal, onde tramita a ação popular para todos os feitos, ressalvada a competência do Juízo Federal de segunda instância, que apreciou a limi­nar mantida pelo egrégio ST J em pedido de suspensão de segurança para apreciar eventual pleito referente à tutela antecipada.

10. Agravo regimental prejudicado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO

taquigráficas a seguir, após parecer proferido em sessão pelo Sr. Subprocurador­Geral da República, Dr. Flávio Giron, por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente a Justiça Federal, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, validando a decisão do Sr. Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Nilson Naves. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Denise Arruda, Francisco Peçanha Martins, José Delgado, Francisco Falcão e Franciulli Netto votaram com o Sr. Ministro-Relator.

Brasília (DF), 11 de fevereiro de 2004 (data do julgamento)

Ministro Luiz Fux, Relator

DJ de 16.02.2004

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Luiz Fux: Trata-se de conflito positivo de competência, com pedido de liminar, suscitado pela Empresa de Revitalização do Porto de Manaus S/A e outro em face do Juízo de Direito da laVara da Fazenda Pública de Manaus - AM e do Tribunal Regional Federal da la Região,. com fundamento no art. 195 do RISTJ.

Os fatos encontram-se assim narrados pelos suscitantes:

"Dois anos após encerrado o procedimento licitatório - que culminou adjudicando o objeto do certame (revitalização do porto de Manaus) às em­presas Suscitantes, justamente às vésperas das eleições de 2002, parlamenta­res do PC do B ajuizaram ação popular, visando à declaração de nulidade do certame e dos contratos firmados.

Prestadas as informações, foi indeferida a liminar pelo Juízo da 15a Vara Federal com lastro em que:

'a) decorridos mais de um ano da celebração dos contratos, não havia periculum in mora;

b) há perigo de dano inverso, porque as Arrendatárias já investiram, por força dos contratos, aproximadamente R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de reais) e cada empresa já havia cumprido 60% e 95%, respectivamente, do cronograma de obras e serviços de engenharia previstos contratualmente;

c) há risco de dano inverso para o Estado, porquanto haveria de suportar eventual pleito indenizatório em razão da paralisação do em­preendimento.'

RSTJ, a. 16, (183): 27-73, novembro 2004

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Os Autores populares agravaram dessa decisão. A Juíza (Desembargado­ra) do Tribunal Regional Federal, Relatora do agravo, inicialmente negou efeito suspensivo ao recurso e encampou os argumentos do juízo monocrático ao afirmar, principalmente, que:

' ... grande parte do cronograma físico-financeiro já foi executa­da, o que demonstra a vultosidade dos investimentos realizados pelas contratadas.'

' ... a suspensão dos contratos impugnados traria danos de difícil reparação às partes rés ... '

' ... é de ser reconhecido o perigo de dano inverso, motivo pelo qual, ao menos em cognição prévia, não se demonstra razoável suspender os efeitos da decisão.'

Nesse momento, o Estado do Amazonas muda radicalmente de atitude e passa a perseguir a retomada do porto. Primeiro, postula a sua conversão ao pólo ativo, o que sequer foi apreciado pelo MM. Juízo a quo (mesmo já havendo, anteriormente, sustentado a legalidade do ato perante o juízo mono­crático!!!). Depois, aduzindo argumentos e pedidos não constantes do agravo e da ação popular, formula pedido de reconsideração à Relatora do agravo.

A Relatora, que antes havia negado efeito suspensivo, reconsidera sua decisão, para agregar efeito suspensivo ativo e, causando igual perplexidade:

a) proclama a nulidade prévia dos contratos, antes mesmo da cita­ção das rés na ação principal;

b) desapossa as Arrendatárias dos seus equipamentos e proíbe a retirada deles do porto;

c) determina a manutenção dos empregados sem demissão e paga­mento deles pelas empresas desapossadas;

d) determina que as Arrendatárias não teriam direito a qualquer indenização pelo vultoso investimento realizado;

e) toma sem efeito decisão de outro Desembargador Federal que, em sede de ação possessória, manteve decisão do primeiro grau que concedeu liminar de manutenção às Arrendatárias.

Tendo em vista que tal decisão foi seguida de uma inusitada comunica­ção para cumprimento urgente de carta de ordem endereçada ao Diretor do Foro da Seção Judiciária do Estado do Amazonas, designando-se data certa (29 de agosto passado), para assunção dos serviços e, principalmente por-

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO

que na Carta constava expressamente a proibição de retirada dos equipa­mentos e a manutenção dos empregados e dos contratados, as Arrendatárias valeram-se da expedita via do mandado de segurança para caçar a eficácia da teratológica liminar.

Obtida a liminar no mandamus, o Estado do Amazonas formulou pedido de suspensão da decisão (SS n. 1.254/DF) alegando interesse público, risco de grave lesão à ordem administrativa, grave lesão à economia pública e à ordem jurídica, que restou indeferido pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça c. .. )

Como se vê, a Justiça Federal, por intermédio do Relator de mandado de segurança em curso perante o Tribunal Regional Federal da la Região, assegu­rou às Suscitantes a permanência na execução do arrendamento objeto da licitação e a conseqüente posse do terminal portuário. Essa decisão recebeu a chancela do Superior com o indeferimento do pedido de suspensão.

c. .. ) Pendente a decisão de agravo regimental, a ser apreciado pela Corte

Especial, resta mantido o arrendamento do Porto e a posse das Suscitantes, por força da liminar concedida nos autos do mandado de segurança em curso perante o Tribunal Regional Federal da la Região.

c. .. ) Ocorre que, perante a Justiça Estadual, as suscitantes ajuizaram ação

em face do Estado do Amazonas e a empresa Sociedade de Navegação, Portos e Hídrovias do Estado do Amazonas - SNPH pretendendo cumprimento das obrigações assumidas nos contratos e no acordo de acionistas.

No bojo dessa ação (com objeto e causa de pedir distintos) o Estado do Amazonas e a empresa Ré (SNPH), formularam pleito de antecipação dos efeitos da tutela na reconvenção ( ... ).

( ... )

Nessa moldura, lavra flagrante conflito de competência instaurado entre a Justiça Estadual e a Justiça Federal sobre o mesmo tema: o arren­damento e a posse do porto de Manaus. A despeito das decisões já tomadas pela Justiça Federal, por intermédio dos Relatores no Tribunal Regional Federal da la Região e do Presidente do Superior Tribunal de Justiça (asse­verando não vislumbrar risco de grave lesão à economia estadual), mesmo assim decidiu o MM. Juiz de Direito da Primeira Vara da Fazenda Pública de Manaus pela suspensão do contrato de arrendamento, além do imediato

RSTJ, a. 16, (183): 27-73, novembro 2004

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(três dias) depósito de trinta e cinco milhões de reais.

Compete, assim, ao Superior Tribunal de Justiça dirimir o conflito posi­tivo de competência para indicar o Juízo competente para examinar o contra­to de arrendamento do Porto de Manaus e suas repercussões jurídicas, nos termos do art. 105, inciso I, alínea d da Constituição Federal, o qual há de ser definido em razão do interesse da União no feito."

A liminar foi deferida à fl. 99 pelo Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça, para sobrestar o Processo n. 001.03.025852-0 em trâmite na la Vara da Fazenda Pública de Manaus, designando-se o Juiz Mário César Ribeiro, Relator do Mandado de Segurança n. 2003.01.00.026781-4, em trâmite no Tribunal Regional Federal da la Região, para resolver as medidas urgentes.

Contra esta decisão, o Estado do Amazonas interpôs agravo regimental (fls. 111/124), alegando, em resumo, que:

a) não há identidade de demandas, inexistindo identidade de partes, ob­jeto e causa de pedir. O objeto e causa de pedir da reconvenção na ação ordi­nária é mais abrangente, abarcando pretensões não veiculadas na ação popu­lar, quais sejam, a de nulidade dos acordos de acionistas e, sucessivamente, de rescisão dos contratos e dos acordos de acionistas celebrados entre as partes, o que geraria, quando muito, o fenômeno da continência, incapaz de ensejar a reunião das causas;

b) não há qualquer controvérsia suscitada pelas autoridades judiciárias, de modo a caracterizar o suporte fático da norma constante do art. 115, III, do Código de Processo Civil, materializando eventual conflito de competência;

c) o Juiz do TRF da la Região designado para decidir medidas urgentes pela decisão agravada apenas figura como Relator de mandado de segurança relativo à liminar pretendida na ação popular, que havia sido concedida por meio de efeito ativo conferido em agravo de instrumento. Logo, não se trata de juiz que tenha ou possa vir a ter cognição plena sobre a ação popular ajuizada, não se justificando, portanto, tenha sido eleito para conhecer tutela de urgência no pre­sente conflito de competência.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Luiz Fux (Relator): Na conformidade da norma processual vigente, configura-se conexão entre duas ou mais ações quando há entre elas, identidade do objeto, ou da causa de pedir, impondo a reunião das ações para

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO

julgamento em unum et idem judex, evitando, assim, a prolação de deci­sões inconciliáveis.

Nesse sentido, tivemos oportunidade de destacar:

" ... é possível que duas ações mantenham em comum numa ação exata­mente a mesma causa petendi sustentando pedidos diversos. Assim, v.g., quando Caio pede, em face de Tício, numa ação, a rescisão do contrato e noutra a imposição de perdas e danos por força da infração de uma das cláusulas do contrato lavrado entre ambos.

Esse vínculo entre as ações por força da identidade de um de seus ele­mentos denomina-se, tecnicamente, de conexão e, conforme o elemento de ligação, diz-se conexão subjetiva, conexão objetiva ou conexão causal.

A conseqüência jurídico-processual mais expressiva da conexão, malgra­do não lhe seja a única, é a imposição de julgamento simultâneo das causas conexas no mesmo processo (simultaneus processus). A razão desta re­gra deriva do fato de que o julgamento em separado das causas conexas gera o risco de decisões contraditórias, que acarretam grave desprestígio para o Poder Judiciário. Assim, v.g., seria incoerente, sob o prisma lógico, que um juiz acolhesse a infração contratual para efeito de impor perdas e danos e não a acolhesse para o fim de rescindir o contrato, ou ainda, que anulasse a as­sembléia na ação movida pelo acionista X e não fizesse o mesmo quanto ao acionista Y, sendo idêntica a causa de pedir.

O instituto da conexão tem, assim, como sua maior razão de ser, evitar o risco das decisões inconciliáveis. Por esse motivo, diz-se, também, que são conexas duas ou mais ações quando, em sendo julgadas separadamente, po­dem gerar decisões inconciliáveis sob o ângulo lógico e prático." ("Curso de Direito Processual Civil". Rio de Janeiro, Forense, 2001, pp. 188/189).

Resta evidenciada a conexão entre a ação popular em curso na Justiça Federal e a ação ordinária proposta perante a Justiça do Estado do Amazonas, uma vez que tanto na primeira quanto na reconvenção ajuizada no bojo desta última, se pleiteia a declaração de nulidade dos contratos de arrendamento firmados com as empresas suscitantes, sendo de somenos a conexão parcial em face de em uma das ações sobejarem outros pedidos. O risco de decisões parcialmente contraditórias é o sufi­ciente para impor o julgamento simultâneo.

Este entendimento tem sido adotado pela jurisprudência reiterada da Corte, senão vejamos:

"Conflito positivo de competência. Justiça Federal e Justiça Estadual.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ação civil pública e ações populares com o fim comum de anular processo de licitação. Conexão. Porto de Itajaí. Obras realizadas sobre bens de domínio da União. Competência da Justiça Federal.

1. Competência da Justiça Federal fixada, anteriormente, em conflito julgado pela Seção. Conflito renovado (CC n. 32.476/SC), sob o fundamento de que compete à Justiça Federal apreciar as causas nas quais estão sendo impugnados projetos que afetam bens da União, ainda que a implementação dessas obras tenha sido delegada a algum Município.

2. A conexão das ações que, tramitando separadamente, podem gerar decisões contraditórias, implica a reunião dos processos em unum et idem judex, in casu, ações populares e ação civil pública, de interesse da União, posto versarem anulação de licitação sobre o Porto de Itajaí.

3. Conflito conhecido, para declarar competente o Juízo Federal da 2a

Vara de ItajaÍ/SJ - se." (CC n. 36.439/SC, desta Relatoria, DJ de 17.11.2003)

"Processual Civil. Ação popular e ação cautelar inominada. Mesmo objetivo: Nulidade de contrato de prestação de serviços, suspensão e de­volução dos pagamentos e demais conseqüências decorrentes. Ajuiza­mento perante juízos diferentes. Competência definida pela prevenção. Procedência do conflito. Competência do Juízo prevento.

Propostas ação popular e ação cautelar inominada contra a mes­ma parte e com objeto comum, caracterizada a conexão, na forma legal­mente definida (arts. 103 e 106 do CPC), cabe considerar como prevento o juiz que despachou em primeiro lugar.

Conflito conhecido, para declarar competente o Juízo da Segunda Vara Federal de Florianópois, Seção Judiciária de Santa Catarina."

(CC n. 31.306/SC, Relator Ministro Garcia Vieira, DJ de 17.09.2001)

Por outro lado, no que pertine à competência da Justiça Federal, o art. 109, I, da Constituição Federal, dispõe que:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponen­tes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

Sob esse enfoque, é o próprio agravante que afirma essa competência primei­ra da Justiça Federal de Brasília, fixada por ocasião da ação popular.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO

Forçoso concluir, assim, que, como regra geral, a competência cível da Justi­ça Federal é definida ratione personae, e, por isso, absoluta. Nesse sentido, os precedentes da Primeira e Segunda Seções do ST J:

"Conflito de competência: Ação de procedimento comum movida por aluno contra instituição particular de ensino superior - Competência da Jus­tiça EstaduaL Impertinência, para esse efeito, da natureza da controvérsia.

1. A competência cível da Justiça Federal, estabelecida na Constituição, define-se, como regra, pela natureza das pessoas envolvidas no processo: será da sua competência a causa em que figurar a União, suas autarquias ou em­presa pública federal na condição de autora, ré, assistente ou opoente (art. 109, I, a), sendo irrelevante, para esse efeito, a natureza da controvérsia ou do pedido postos na demanda.

C .. ),' (CC n. 35.721/RO, Primeira Seção, Relator Ministro Teori Za­vascki, DJ de 04.08.2003)

"Competência. Conflito. Justiça Estadual e Justiça Federal. Medida cau­telar visando instruir futura execução. Art. 800, CPC. Caráter absoluto (rati­one personae) da competência da Justiça Federal. Art. 575-II, CPC. Compe­tência relativa. Prevalência da regra competencial constitucional sobre a re­gra infra constitucional. Prevalência do critério de fixação da competência absoluta sobre o critério de fixação da competência relativa.

C .. )

III - A competência da Justiça Federal é definida em sede constitucio­nal em razão das pessoas que figuram na relação processual como autora, ré, assistente ou oponente, não logrando ser ampliada por qualquer ra­zão." (CC n. 33.111/RJ, Segunda Seção, Relator Ministro Sálvio de Figuei­redo Teixeira, DJ de 23.06.2003)

Conforme constatado de plano, o que resta evidenciado é o notório vínculo entre as ações que tramitam nos Juízos Federal e Estadual. Isto porque, consoante os próprios agravantes, "quando muito há continência", porquanto a reconvenção oferecida também postula a nulificação dos contratos com permanência da admi­nistração portuária pelas reconvindas, que foram conjuradas desse mister por limi­nar satisfativa que colide com outra, anterior, cassada pelo egrégio Tribunal Regi­onal Federal da la Região em mandado de segurança.

A simples coexistência de dois provimentos de urgência, por si só, reve­la inequívoco o conflito, lastreado no instituto da conexão, da qual é espécie a continência.

RSTJ, a. 16, (183): 27-73, novembro 2004

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Deveras, nessas hipóteses o unum et idem judex impõe-se para evitar a sobrevivência de decisões inconciliáveis com grave desprestígio para o Poder Judiciário.

Aliás, é assente que a prática de atos incompatíveis por dois juízos em feitos conexos implica conflito positivo, posto que ambos atuam quando apenas um deve­ria agir, razão pela qual o Relator do conflito designa um deles para o exercício da jurisdição urgente.

Sendo a União parte na ação popular proposta perante a Justiça Federal, impõe-se reconhecer a incompetência absoluta do Juízo Estadual para apreciar ambas as ações. Deveras, a competência para o plus arrasta a competência para o minus, sendo certo que a ação popular é muito anterior à ação ordinária em trâmite na Justiça de Manaus, de onde proveio a tutela antecipada que colide com anterior provimento de urgência cassado, em grau maior, pelo Juízo Federal.

Subjaz a questão da autoridade responsável pelos atos urgentes. Ora, in casu colidem decisões antecipatórias proferidas pelo Juízo Estadual do Amazo­nas e pelo Juízo de 2ll grau da Justiça Federal. A essência dos atos que praticaram indica que eles estão em conflito, razão pela qual isenta de error in proceden­do ou in judicando, a indicação do segundo juízo como apto para os atos urgentes. Nada obstante, instruído como se encontra o feito e adstrito esse inci­dente ao "conflito de competência", e não à matéria de mérito, impõe-se, conhe­cer do conflito para determinar a reunião de ambas as ações perante o Juízo Federal, competente, nos termos do art. 109, I, da CF/1988, para a apreciação da controvérsia e julgar prejudicado o agravo regimental interposto pelo Estado do Amazonas, prevalecendo a tutela antecipatória do Juízo Federal e que deve ser obedecida e cumprida.

É como voto.

MANDADO DE SEGURANÇA N. 8.946 - DF (2003/0027888-4)

Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros

Impetrante: Cooperativa Habitacional dos Servidores

da Universidade Federal do Pará - Coohasufpa

Advogados: Marília Serra Carneiro e outros

Impetrado: Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão

Litisconsórcio passivo: Município de Belém

Procuradores: Luiz Gonzaga da Costa Neto e outros

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JURlSPRUDÊNCIA DA PRlMElRA SEÇÃO

EMENTA

I - Mandado de segurança - Cópia do ato impugnado - Apresen­tação pela autoridade coatora.

II - Administrativo - Lei n. 9.784/1999 - Devido processo admi­nistrativo - Comunicação dos atos - Intimação pessoal- Anulação e revogação.

I - A circunstância de o impetrante não haver oferecido, com a inicial, uma reprodução do ato impugnado não impede se conheça do pedido de segurança, se a autoridade apontada como coatora, em atitu­de leal, o transcreve nas informações.

II - A Lei n. 9.784/1999 é, certamente, um dos mais importantes instrumentos de controle do relacionamento entre Administração e Cida­dania. Seus dispositivos trouxeram para nosso Direito Administrativo, o devido processo legaL Não é exagero dizer que a Lei n. 9.784/1999 instaurou no Brasil, o verdadeiro Estado de Direito.

IH - A teor da Lei n. 9.784/1999 (art. 26), os atos administrativos devem ser objeto de intimação pessoal aos interessados.

IV - Os atos administrativos, envolvendo anulação, revogação, sus­pensão ou convalidação devem ser motivados de forma "explícita, clara e congruente."(Lei n. 9.784/1999, art. 50)

V - A velha máxima de que a Administração pode nulificar ou revo­gar seus próprios atos continua verdadeira (art. 53). Hoje, contudo, o exercício de tais poderes pressupõe devido processo legal administrativo, em que se observa os princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contradi­tório, segurança jurídica, interesse público e eficiência (Lei n. 9.784/ 1999, art. 2.0).

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça na confor­midade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, Prosseguindo no julgamento, por maioria, vencidos os Srs. Ministros José Delgado e Castro Meira, conceder a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Franciulli Netto, Luiz Fux, João Otávio de Noronha e TeoriAlbino Zavascki

RSTJ, a. 16, (183): 27-73, novembro 2004

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins.

Brasília (DF), 22 de outubro de 2003 (data do julgamento).

Ministro Humberto Gomes de Barros, Relator

DJ de 17.11.2003

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros: Cooperativa Habitacional dos Servido­

res da Universidade do Pará, requer mandado de segurança contra ato que atribui ao Sr.

Ministro de Estado do Planejamento. Para tanto, desenvolve nan'ativa que resumo, assim:

a) a impetrante adquiriu, em 1988, o direito de uso relativo a terreno perten­

cente à União Federal;

b) ao uso corresponde taxa de ocupação;

c) incorporou várias benfeitorias ao terreno, tais como limpeza e terraplana­

gemo Além disso, cercou a gleba com um muro. Depois, implantou tubo, destinado

a drenar ° terreno;

d) feito isso, em 1996, contratou a construção de quatorze casas das quais

onze já foram recebidas;

e) em 2000, providenciou a construção de energia elétrica, concluída emju­

nho desse ano;

f) ainda no ano 2000, providenciou a implantação de rede de fornecimento de

água, já concluída;

g) em 25 de janeiro de 2002, o Município de Belém declarou de utilidade

pública as benfeitorias implantadas no terreno, no propósito de desapropriá-lo e

utilizá-lo como um projeto habitacional;

h) a desapropriação exclui indenização pelo direito de uso do terreno, nem

mesmo o gasto da impetrante, com a aquisição de tal direito;

i) a impetrante, no propósito de restringir custos, requereu à União Federal o

aforamento gratuito do terreno, nos termos do DL n. 3.438/1941. Foi atendida

nessa pretensão: em 17 de novembro de 2002, o Ministro do Planeja.l11ento concedeu

o aforamento (DL n. 9.760/1946, art. 100, § 511);

j) em paralelo ao pedido da ora impetrante, o Município de Belém solicitara a

cessão do terreno. Essa solicitação foi indefelida. No entanto, o Município reiterou

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO

o pedido, solicitando reconsideração. A reconsideração foi indiretamente pratica­da. O Ministro, sob o falso argumento de que a impetrante estaria em débito, revogou a concessão do terreno, embora reconhecendo que a outorga tenha, para sua beneficiária, considerável valor econômico;

1) a revogação, diz a impetrante, agride a garantia inscrita no art. 2!l da Lei n. 9.784/1999, segundo a qual, os atos administrativos obedecem aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, contraditório, segurança jurídi­ca, interesse público e eficiência.

O mandado de segurança impetrado se materializaria na desconstituição do ato impugnado, determinando-se a formalização do aforamento.

Nas informações, o Sr. Ministro pede a extinção do processo, porque não há nos autos, cópia do ato impugnado. No mais, reitera a legalidade da revogação,

dizendo que:

1. ela foi praticada no julgamento de uma impugnação formulada pelo Município, em seu âmbito da competência. Em verdade, o Ministro pode mo­dificar a outorga, se - em seu juízo discricionário - ela era inadequada;

2. tal juízo de mérito é exclusivo do Ministro e não se submete ao contro­le do Poder Judiciário;

3. o ato malsinado baseou-se no parecer da Consultoria Jurídica indica­do pela impetrante;

4. A impetrante dispunha de mera expectativa de direito a aforamento oneroso;

5. não houve cerceamento de defesa, porque a decisão foi publicada no Diário Oficial;

6. "sempre que a Administração revoga ato discricionário seu, essa revo­gação, evidente, é discricionária, também. Se discricionária, é efetuada se­gundo avaliação de conveniência e oportunidade." O Judiciário não pode ava­liar tais critérios;

7. em 17 de dezembro de 2002, o Sr. Ministro decidiu que "considerando as informações técnicas constantes dos autos dos processos de constituição de aforamento e de cessão ns ... e ... , respectivamente, e a manifestação da Secre­taria do Patrimônio da União julgando improcedente a impugnação apresen­tada pela Prefeitura Municipal de Belém para a concessão do aforamento em apreço Decido, com fundamento do art. 100, § 5!l, do DL n. 9.760/1946, pela concessão do aforamento à Cooperativa Habitacional dos Servidores da Uni-

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versidade Federal do Pará e, conseqüentemente, pelo indeferimento do pleito de cessão formulado pelo Município de Belém."

8. essa decisão foi objeto de recurso interposto pelo Município. Tal recur­so foi examinado à luz do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e decidido sob o crivo da discricionariedade;

9. a outorga da concessão criou mera expectativa de direito que pode ser derrogada pelo Ministro, emjuízo de revisão;

10. a preferência outorgada pelo art. 20 do DL n. 3.438/1941 deve ser mitigada, em homenagem à supremacia do interesse público;

11. a revogação não implica em qualquer indenização, que haverá de ser exigida ao ente que desapropria.

O Ministério Público Federal, em parecer lançado pelo eminente Subprocura­dor-Geral da República Paulo Evaldo Costa, recomenda não se tome conhecimento do pedido, porque o ato impugnado não foi trazido pela impetrante. No mérito, contudo, indica a concessão da ordem.

VOTO

O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros (Relator): Não procede a prelimi­nar de não-conhecimento. Malgrado não tenha vindo aos autos, com a petição inicial, o ato malsinado foi reconhecido pelo Sr. Ministro que, em atitude leal, o transcreveu nas informações.

No mérito, há duas questões a serem resolvidas: o direito ao devido processo administrativo e a preferência ao uso do terreno.

As informações dão conta de que o Ministro, ao examinar o pedido de recon­sideração derrogou, automaticamente, a concessão, sem ouvir previamente seu be­neficiário. O direito de defesa teria sido homenageado com a publicação do ato revocatório, no Diário Oficial.

Semelhante argumento seria discutível, até 29 de janeiro, de 1999, quando ingressou em nosso ordenamento jurídico, a Lei n. 9.784/1999 - certamente um dos mais importantes instrumentos de controle do relacionamento entre Adminis­tração e Cidadania. Seus dispositivos trouxeram para nosso Direito Administrativo, o devido processo legal. Não seria exagero dizer que a Lei n. 9.784/1999 instaurou no Brasil, o verdadeiro Estado de Direito.

Art. 3íl Essa lei outorga às pessoas envolvidas em procedimento administrativo os direitos de:

II - de ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que

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tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documen­tos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;

III - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente."

Esses direitos são regulamentados ao longo do texto normativo. Destaco, a propósito, as regras contidas no:

a) Art. 26, a dizer que os atos devem ser objeto de intimação pessoal (admitindo-se a via postal) aos interessados, em instrumento que deverá con­ter várias informações necessárias à orientação do intimado. A falta de respei­to às exigências do art. 26 acarreta nulidade expressamente cominada;

b) Art. 50, determinando que os atos administrativos envolvendo anula­ção, revogação, suspensão ou convalidação, sejam motivados, de forma "ex­plícita, clara e congruente".

c) Art. 62, obrigando a intimação dos "demais interessados", para que, em cinco dias apresentem alegações.

As informações dão conta de que nenhuma dessas exigências foi cumprida. A nulidade é manifesta.

Superada a questão processual, a segunda questão haveria que ser deci­dida à luz do documento de fi. 19, em que a Secretaria do Patrimônio da União ratificou a transferência dos direitos de ocupação, à ora impetrante, inscrevendo-a como ocupante, impondo-lhe taxa de ocupação, em valor fixo. Isso ocorreu em 20 de outubro de 1989. Este direito de ocupação não foi cas­sado, nem foi impugnado pelo Município, até porque já é antigo.

A discussão de que resultou o ato impugnado girou em torno de pretensão ao aforamento gratuito, requerido pela ora impetrante. Assim, mesmo que se tenha revogado a concessão de gratuidade, não é possível conceder o uso do terreno ao Município. Para que isso se torne possível, é necessário desconstituir a velha outorga.

Ora, para desconstituir a velha outorga, seria necessária a instauração de processo administrativo em que se observassem os princípios da legalidade, finali­dade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência (Lei n. 9.784/1999, art. 2°). A velha máxima de que a Administração pode nulificar ou revogar seus próprios atos continua verdadeira (art. 53). Hoje, contudo, o exercício de tais pode­res pressupõe o devido processo legal administrativo.

Concedo a segurança, para declarar nulo o ato impugnado, por ofensa às

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regras da lei n. 9.784/1999. Declaro, assim, nulo o processo, a partir da interposi­ção do pedido de reconsideração formulado pelo Município.

VOTO-VISTA

o Sr. Ministro José Delgado: A Cooperativa Habitacional dos Servidores da Universidade do Pará, alegando ser detentora de direito líquido e certo, investe, por via de mandado de segurança, contra ato do Sr. Ministro de Estado do Planejamen­to que revogou, conforme afirma, a concessão de aforamento de terreno de mari­nha identificado nos autos.

Alega, em síntese, que adquiriu o direito de uso de um terreno contíguo ao Campus Universitário da UFPA, terreno esse de propriedade da União, para nele construir imóveis residenciais a serem vendidos aos seus cooperados.

Explica que, com relação ao terreno em questão, embora seja de propriedade da União, os direitos de ocupação foram adquiridos em 1988, das Indústrias Reuni­das São Martinho Ltda, conforme escritura pública anexada.

Estava tomando providências necessárias para viabilizar o projeto (de cons­trução de 14 (quatorze) casas padronizadas, quando, em 25 de janeiro de 2002, a Prefeitura Municipal de Belém, pelo Decreto Municipal n. 39.880, de 2002, desa­propria, para fins de utilidade pública, as benfeitorias já existentes no referido terreno, para executar o denominado programa da Prefeitura Habitar Brasil, que recebe verbas do BID por intermédio da Caixa Econômica Federal.

Registra, ainda, a impetrante, que no círculo desses acontecimentos há de ser destacado o conflito surgido no âmbito do Ministério do Planejamento quanto à cessão da área, envolvendo os interesses da Prefeitura, descrevendo-o da forma seguinte (fls. 4/6):

"Com a fmalidade de diminuir os custos de pagamento mensal e por haver previsão legal, a Autora solicitou o aforamento do terreno em epígrafe, a que faz jus em caráter gratuito, ex vi do Decreto-Lei n. 3.438/1941, por meio do Processo Administrativo n. 05010.000651/2001-93. A Prefeitura Mu­nicipal de Belém, quando teve ciência da providência, solicitou a cessão da mesma área, por meio do Processo Administrativo n. 05010.000022/2002-44, tendo tramitado em apenso ao primeiro. Como todos os Pareceres das áreas técnica e jurídica foram favoráveis à Autora, inclusive indeferida a impugna­ção apresentada pela Prefeitura Municipal de Belém, na data de 17 de dezem­bro de 2002, o Sr; Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão decidiu, com fulcro no art. 100, § 5'2, do Decreto-Lei n. 9.760/1946, pela

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concessão do aforamento à Autora e conseqüente indeferimento do pleito de cessão formulado pelo Município de Belém, publicando tal decisão no DOU de 18.12.2002 (Doe. anexo 35);

11. Por meio do Ofício n. 012!2003-PMB (Doe. anexo 36), o Sr. Prefeito Municipal de Belém solicitou ao Sr. Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão que considerasse novamente os termos da impugnação já apresentada e já julgada, sem que para tanto tenha apresentado absolutamente nenhuma razão nova, seja ela de fato ou de direito. A única novidade que ocorrera no cenário até aqui descrito, é que o Ofício n. 012/2003-PMB fora interposto no ano de 2003, quando o Sr. Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão já era do Partido dos Trabalhadores, como também o é o Sr. Prefeito de Belém;

12. O ofício pré-falado contém inverdades maliciosamente utilizadas. Assevera que o aforamento do imóvel em favor da Autora, inviabilizaria o projeto de urbanização da Prefeitura Municipal de Belém. Sórdida inverdade com o exclusivo fito de prejudicar a Autora. A Universidade Federal do Pará ofereceu no corrente ano, área de terra de maior extensão e no mesmo local (Doc. anexo 37/38), como uma feliz tentativa de garantir o projeto de urbani­zação sem que frustrasse o projeto da Prefeitura. A Municipalidade de Belém recusou a proposta, sem maiores explicações, o que denota claramente que a viabilização do projeto de urbanização nunca esteve em perigo;

13. O Sr. Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, induzido a erro por meio do parecer/MP/CONJUR/JNn. 0093 - 5.9.9/2003, (Doc. ane­xo 39) revogou a decisão já publicada em Diário Oficial. Este é o ato impug­nado. Segundo o citado parecer, a Autora encontrava-se em débito com o GRPU, o que motivou uma ação de reintegração de posse da União contra a Autora. Trata-se de sórdida inverdade. A União realmente propôs a ação em comento, mas por absoluto equívoco, conforme declaração em anexo (Doe. anexo 40). Reconhece ainda que o valor do imóvel é de R$ 1.832.963,50 (um milhão, oitocentos e trinta e dois mil, novecentos e sessenta e três reais e cinqüenta centavos), mas recomenda a revogação do aforamento concedido, poupando a Autora, desta forma, da indenização devida pelo valor do imóvel;

14. Alega ainda que o interesse público é supremo e deve prevalecer ante o interesse privado. Esquece, no entanto, que in casu o interesse privado é de uma Cooperativa composta de 176 (cento e setenta e seis) famílias, que tota­lizam mais de oitocentas pessoas, além de profissionais, empregos diretos e indiretos. Omite ainda que, em caso de aforamento concedido à Autora, o interesse público fica completamente salvaguardado, sendo o imóvel passível de desapropriação. A diferença, neste caso, é que a Autora fará jus à justa

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indenização pelo valor do terreno, que a Municipalidade de Belém pretende não custear, enriquecendo ilicitamente, patrocinando o interesse público a custa do patrimônio privado".

A impetrante fundamenta a sua pretensão com base na Lei n. 9.784/1999, art.

2'1, alegando que lhe foi negado, por ocasião do pedido de revogação do ato de concessão de aforamento, o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Requer, finalmente, de modo expresso, que seja suspenso definitivamente o ato contra o qual se insurge, por ser desprovido de amparo legal, por entender que a concessão anterior do aforamento gerou, em seu favor, direito adquirido.

A autoridade apontada como coatora, ao prestar informações, defendeu a legalidade do ato praticado. O Ministério Público Federal, em parecer ofertado, opinou, primeiramente, pelo indeferimento da inicial, e, caso contrário, pela revogação do despacho impetrado, haja vista ter havido inobservância do devi­do processo legal.

O eminente Relator, no voto apresentado, concedeu a segurança para declarar nulo o procedimento adotado para o pedido de reconsideração, a partir do ingresso do mesmo, por entender ter havido ofensa à Lei n. 9.784/1999.

Após esse relato, apresento o meu voto.

Inicialmente, concordo com o eminente Relator ao afastar a preliminar de indeferimento da inicial, pela ausência de cópia do ato impugnado. A autoridade impetrada reconheceu a sua existência e, posteriormente, a impetrante, voluntaria­mente, ajuntou aos autos sem qualquer impugnação.

Quanto ao mérito, destaco que o pedido da impetrante está formulado, ex­pressamente, para suspender os efeitos do ato impugnado, por considerá-lo despro­vido de amparo legal. Não há pretensão de o ato ser declarado nulo, conforme constato nos próprios registros formulados, inicialmente de teor seguinte (fi. 8):

"Isto posto, presente o fumus boni iuris e o periculum in mora, e ainda com o fito de manter a segurança jurídica, a legalidade, o ato jurídico perfeito e a ordem constitucional, requer:

a) que seja concedido benefício dajustiça gratuita por ser a autora pobre na forma da lei;

b) que seja concedida liminar inaudita altera parte, suspendendo o ato impugnado, determinando que a GRPU/Pará proceda o aforamento em favor da autora;

c) in fine, suspenda definitivamente o ato contra o qual se insurge a

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autora, por ser absolutamente desprovido de amparo legal".

O pedido, como informaram a doutrina e a jurisprudência, há de ser inter­pretado restritivamente. Esta é a regra imposta pelo art. 293 do CPC: "Os pedi­dos serão interpretados restritivamente, compreendendo-se, entretanto, no prin­cipal os juros legais".

Essa formulação está amparada nos seguintes princípios:

a) cabe ao autor delimitar a lide, deduzindo o pedido na petição inicial (art. 128 do CPC);

b) a sentença deve ser dada de forma congruente com o pedido (art. 460 do CPC);

c) ao autor não se pode conceder mais do que ele pediu, nem se decidir abaixo do que foi pleiteado, nem fora dos limites do pedido.

No caso dos autos, a solicitação da impetrante é para que seja suspenso o ato que revogou o aforamento.

Suspender, em sentido jurídico e no âmbito do Direito Administrativo, tem o sentido de interromper, sustar, sobrestar, proibir, sempre com sentido de efeitos temporários ou limitados.

É interromper os efeitos do ato por um certo tempo.

Os clássicos exemplos citados pela doutrina são:

a) a suspensão de uma licença, isto é, a sustação ou sobrestamento do ato praticado por um certo tempo;

b) a suspensão do exercício das funções de um funcionário, por certo tempo, enquanto são apurados fatos por ele praticados;

c) a suspensão do pagamento e sua sustação por tempo certo.

A suspensão de um ato administrativo não se confunde com a sua anula­ção ou reconhecimento de sua nulidade.

A anulação no campo jurídico significa tornar inválido o ato pratica­do, tirar todos os seus efeitos, em face de vÍCios substanciais que o desca­racterizam.

Em nosso sistema jurídico, a lei expressamente determina quando o ato admi-nistrativo deve ser considerado nulo.

As causas determinantes da nulidade são:

a) incompetência;

b) vício de forma;

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c) ilegalidade do objeto;

d) inexistência de motivos;

e) desvio de finalidade.

Ato suspensível, em Direito Administrativo, é compreendido, na doutrina de Hely Lopes Meirelles, como sendo "aquele em que a Administração pode fazer cessar os seus efeitos, em determinadas circunstâncias ou por certo tempo, embora mantendo o ato, para oportuna restauração de sua operatividade". Explica: "Difere a suspensão da revogação, porque esta retira o ato do mundo jurídico, ao passo que aquela susta, apenas, a sua exeqüibilidade. Em geral, a suspensão do ato cabe à própria administração, mas, por exceção, em mandado de segurança e em certas ações (interditas prossessórias, nunciação de obra nova, vias comunitárias e ações cautelares) é admissível a suspensão liminar do ato administrativo pelo Judiciário" (fl. 167. "Dir. Ad. Bras.," Malheiros, 26a ed.).

Em face do exposto, peço vênia para, de acordo com o pedido, ater-me ao exame se o ato administrativo apontado pela impetrante merece ou não ser suspen­so. Afasto, conseqüentemente, por ter de me vincular ao pedido, o exame de aspec­tos referentes à determinação da sua nulidade.

Segundo a impetrante, o ato que se pretende suspender é o que revogou a concessão de aforamento do terreno de marinha identificado nos autos.

De acordo com o artigo 53 da Lei n. 9.784, de 29.01.1999, a Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vÍCio de legalidade, e pode revo­gar os seus atos administrativos por motivo de conveniência ou oportunidade, res­peitados os direitos adquiridos.

No caso dos autos, a revogação questionada está motivada nas razões de fls. 84/86, cujo teor transcrevo:

"A mera revogação de um ato discricionário não pode ser entendi­da como ilegal ou abusiva, para efeito de mandado de segurança. Trata­se de um julgamento de uma impugnação. Portanto, um ato que, embo­ra discricionário quanto ao mérito, é vinculado quanto à competência. O Ministro teria que modificar a decisão se aquela, segundo seu juízo discricionário, era inadequada. E esse juízo quanto ao mérito é exclusi­vo dele, não podendo ser substituído pelo juízo da autoridade judiciá­ria. Desse modo, ao contrário de ser ilegal, é imperativo que haja revoga­ção, depois que a autoridade competente reformule o seu juízo. Como disse a impetrante, o Ministro baseou-se, para revogar a antiga decisão, no pare­cer MP /CONJUR/ JA n. 0093-5.9.9/2003. A alegação de influências político-

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partidárias não foi, em nenhum momento, comprovada.

10. Aliás, havia mera expectativa de direito ao aforamento oneroso. Ló­

gico, porque este depende de pagamento do preço do domínio útil. Após esse pagamento, além de outras providências constantes do art. 108 do Decreto-Lei n. 9.760/1946, é que a impetrante poderia dizer que possuía, em seu patrimô­nio jurídico, o direito ao aforamento. A preferência ao aforamento será deba­tida mais adiante neste Parecer. E, do mesmo modo, comprovar-se-á que ele é relativizado em função da prevalência do interesse público.

11. Se o inconformismo for, por outro lado, relativo ao direito de defesa, a documentação juntada pela própria impetrante, desmente essa versão. Ora, a decisão foi publicada, conforme cópia do Diário Oficial da União acostada pela impetrante. Além disso, deveria ter comprovado que houve recusa de recebimento de defesa nos autos do processo administrativo. A prova do direi­to compete a quem alega. Se foi alegado qualquer cerceamento, competiria à impetrante demonstrar isso cabalmente.

12. Estando clara a inexistência de qualquer ato ilegal ou abusivo da autoridade apontada como coatora, o caso não é de mandado de segurança. Assim, ainda que se atribua ao Estado alguma responsabilidade, o meio pro­cessual é inadequado. Conquanto a discussão relacione-se com suposto feri­mento de um direito da impetrante, sem a indicação de um ato de autoridade abusivo ou ilegal, o procedimento deve ser o ordinário (arts. 274 e seguintes do CPC), ou algum procedimento especial se é pretendida alguma providência antecipatória, acautelatória ou outra.

13. Imediatamente verifica-se que não é o caso de mandado de seguran­ça, segundo o que dispõe o art. 5° da CF: "LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atri­

buições do poder público.

14. Nos termos do art. 8° da Lei n.1.533/1951, "a inicial será desde logo indeferida quando não for caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum

dos requisitos desta lei."

15. Impõe-se, portanto, a extinção do processo, sem julgamento do méri­to, com fundamento no art. 8° da Lei n. 1.533/1951 e art. 267, I, do cpc.

III - No Mérito

16. No mérito não assiste razão à impetrante, uma vez que se justificava

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eventual revogação de despacho do Ministro de Estado, ante a existência do interesse público prevalente sobre o interesse privado.

17. Sempre que a Administração revoga ato discricionário seu, essa re­vogação, evidente, é discricionária também. Se discricionária é efetuada se­gundo avaliação de conveniência e oportunidade. Essa avaliação é de mérito do ato. Já é assente na doutrina e jurisprudência pátria que, nesse caso, não pode o Judiciário substituir o administrador. Assim resta a análise quanto à legalidade, moralidade etc. A seguir é demonstrada a perfeita harmonia do ato impugnado pela impetrante com as normas legais que regem a atividade administrativa" .

A seguir, afirma a autoridade impetrada, com razão ao meu entender, que a revogação do ato de aforamento ocorreu pela prevalência do interesse público so­bre o privado.

Esse interesse público afirmado está relatado às fls. 87/90 do modo seguinte:

"Conforme dito, o Município de Belém apresentou impugnação, ressal­tando que a área solicitada já estava incluída em projeto de urbanização. Projeto este, fartamente comprovado pelos documentos juntados pela própria impetrante: cópia do Diário Oficial do Município de Belém (doc. 34); Carta de Intenção do Reitor da UFPA (doc. 37); Memória da reunião entre o Reitor da UFPA, representantes da Coohasufpa e do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (doc. 38), onde, inclusive se lê que para a área em questão já existe um projeto desenvolvido pela Prefeitura de Belém desde 1997. O fato da preexistência desse Projeto, chamado de "Plano de Desenvolvimento Local Ria­cho Doce e Pantanal", no âmbito do Programa Habitar BrasiVBID, e que bene­ficiará 609 famaias carentes, é absolutamente incontroverso. E esse projeto é fundamental para entender-se os motivos de eventual revogação do ato impug­nado neste mandado de segurança.

22. Pela existência de um projeto dessa envergadura, cuja existência é incontroversa nos autos, há de se analisar o recurso do Município sob os as­pectos da supremacia do interesse público sobre o privado e o da discriciona­riedade administrativa.

23. O Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, em seu livro "Curso de Direito Administrativo", lIa e 14a edições, São Paulo-Sp, Malhei­ros Editores Ltda, 1999,2001, pp. 79/80 e 808, nos ensina que:

"O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. Assim, não se radica em dispositivo específico algum da Constituição. Ainda que inúmeros aludam ou impli-

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atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expres­sas no plano diretor".

Dessa forma torna-se ainda mais cristalino, o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, conforme expresso no Parecer MP/Con­jur/JNn.0093-5.9/2003.

Assim, esta Gerência de Área de Empreendimentos Sociais ao analisar os aspectos oportunidade e conveniência administrativa, manifesta-se favoravel­mente ao pleito do Município, tendo em vista a urgência que o caso requer e a finalidade social que envolve o projeto, tendo como embasamento legal o art. 2u, inciso II, alínea e, da Portaria MP n. 144, de 9 de julho de 2001, e no art. 18, inciso I, da Lei n. 9.636, de 15 de maio de 1998".

É de se registrar que aforamento, direito real de posse, uso e gozo pleno da coisa alheia caracterizam-se pelo exercício simultâneo de direitos dominiais sobre o mesmo imóvel por duas pessoas: uma sobre o domínio direto - o Estado; outra, sobre o domínio útil - o particular foreiro, no caso de bens públicos, conforme explicita Hely Lopes Meirelles.

O detentor do domínio direto, no uso de seus direitos, tratando-se do Estado, pode, por prevalência do interesse público, revogar, motivadamente, aforamento concedido a particular, a fim de no imóvel ser implantado, por Município, projeto urbanístico, ressalvando-se os direitos do detentor do domínio útil de ser indeniza­do pelas benfeitorias que de boa-fé realizou.

No particular, a própria impetrante reconhece esse direito, ao afirmar, fi. 7, que:

"Cabe ressaltar que a concessão do aforamento à postulante não avilta o interesse público, visto que a municipalidade continua com direito à desapro­priação da área, tendo, no entanto, de indenizar o valor do terreno".

Há, contudo, engano na afirmação. A Prefeitura pode desapropriar as benfei­torias, a fim de, após lhe ser cedido o terreno, implantar o Projeto de Urbanização.

O direito de propriedade, do domínio pleno, é da União. Inegociável. Esse fato é indiscutível.

No caso de a impetrante sofrer, no seu entender, outros prejuízos com a revo­gação do ato, deve buscar indenização pelas vias próprias.

O que inexiste é direito líquido e certo em seu favor, de ver suspenso o ato de revogação, por não haver motivo legal para tanto.

A alegação de que o pedido de reconsideração acatado pela autoridade admi­nistrativa feriu o devido processo legal é sem procedência.

A reconsideração é pedido de reexame formulado à mesma autoridade que

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exarou a decisão com a qual o interessado não se conforma. É um alongamento do processo administrativo.

A Lei n. 9.784, de 29.01.1999, em seu art. 56 permite a reconsideração. Esta forma recursal não exige a reabertura dos atos processuais, não exige con­tra-razões. Ela é procedida com base em todos os elementos de provas já colhi­dos no processo anterior.

O ato atacado, o de revogação do aforamento, decorreu de um pedido de reconsideração formulado pela Prefeitura Municipal, litisconsorte passiva, tendo como base dois processos administrativos que tiveram curso normal no âmbito do Ministério do Planejamento. Os referidos processos tomaram os números 050.10.000022/2002 - 44 e 03090.000371/2002 - 98.

O pedido da Prefeitura em nada inovou. Não trouxe aos autos matéria nova. Consistiu, apenas, em pleitear a reconsideração do ato que concedeu o aforamento à impetrante, alegando, fato já sabido e discutido, a prevalência do interesse público.

Esse pedido da Prefeitura foi minuciosamente detalhado no parecer de fls. 62/ 73, cujos termos transcrevo:

"A Secretaria do Patrimônio da União - SPU, nos termos do Memorando Geane n. 2.778/SPU, de 19 de dezembro de 2002, fl. 245, submete a esta Consultoria Jurídica para exame e manifestação o Recurso Administrativo, interposto pelo Município de Belém/PA, impugnando os termos do Parecer/ MP/Conjur/MAG/n. 2.519 - 5.1.1/2002, aprovado em 10 de dezembro de 2002, fls. 174/175, que orientou decisão do Sr. Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, face ao indeferimento de Recurso que julgou improce­dente o pleito do Município de cessão de imóvel da União, e concedeu o afora­mento à Cooperativa Habitacional dos Servidores da Universidade Federal do Pará - Coohasufpa, fls. 239 e 241/247.

2. A referida decisão do Sr. Ministro de Estado do Planejamento, Orçamen­to e Gestão acolheu a proposta da Secretaria do Patrimônio da União, e foi orientada pelo parecer referido no item inicial, cuja ementa traz o seguinte teor: "Constituição de aforamento. Terreno acrescido de marinha. Cadeia ocupacio­nal retro agindo ao ano de 1939. Taxas patrimoniais regulares. Fundamento: Decreto-Lei n. 3.438, de 1941, ratificado por normas posteriores. Audiência do art. 100, Decreto-Lei n. 9.760, de 1946. Impugnação pela Municipalidade, inte­resse da utilização do imóvel da União para implantação de projeto de assenta­mento local. Impropriedade da oposição, em que pese sua meritória finalidade social. Competência do Sr. Ministro do Mp, para dirimir tal controvérsia: Art.

100, § 5il, Decreto-Lei n. 9.760, de 1946. Minuta de despacho exame. Improce-

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JURlSPRUDÊNCIA DA PRlMElRA SEÇÃO

dência da impugnação ofertada pelo Município. Legalidade da Concessão do aforamento à Coohasufpa (art. 20, Decreto-Lei n. 3.438/1941 c.c. art.215, Decreto-Lei n. 9.760/1946). Pela aprovação e subscrição do despacho."

3. É que, nesse sentido o Sr. Ministro de Estado do Planejamento, Orça­mento e Gestão aprovou o despacho da fl. 240, em 17 de dezembro de 2002, publicado no Diário Oficial da União, Seção 1, em 18 de dezembro de 2002, com o seguinte teor:

"Considerando as informações técnicas constantes dos autos dos proces­sos de constituição de aforamento e de cessão ns. 05010.000651/2001-93 e 05010.000022/2002-44, respectivamente, e a manifestação da Secretaria do Patrimônio da União julgando improcedente a impugnação apresentada pela Prefeitura Municipal de Belém para a concessão do aforamento em apreço decido, com fundamento no art. 100, § 5.0, do Decreto-Lei n. 9.760, de 05 de setembro de 1946, pela concessão do aforamento à Cooperativa Habitacional dos Servidores da Universidade Federal do Pará e, conseqüentemente, pelo indeferimento do pleito de cessão formulado pelo Município de Belém."

4. Inconformado com a decisão do Sr. Ministro de Estado do Planejamen­to, Orçamento e Gestão o Município de Belém impetrou um novo recurso, fir­mado por seu Secretário Municipal de Assuntos Jurídicos e pelo Sr. Prefeito Municipal, alegando em síntese que: "item 4 ... O Município de Belém informa a ... existência de um pedido de cessão da área, formulado pela Municipalidade de Belém ... item 5 ... que teve o seu andamento sobrestado. Item 9 ... é interes­sante destacar que a Coohasufpa, anteriormente ao pedido de cessão feito pela Municipalidade de Belém, não estava em dia com as devidas taxas de ocupa­ção ... a União Federal, inclusive aforou contra a Coohasufpa ação de reintegra­ção de posse ... item 10 o Município de Belém, através do decreto ... declarou de utilidade pública e de interesse social, para fins de desapropriação, as benfeito­rias existentes na área e que são de propriedade da Coohasufpa ... item 15 ... A área cuja cessão se pretende é necessária para o assentamento das famílias que serão retiradas das habitações tipo palafitas ... item 22 ... a ocupação não gera direito de propriedade e sempre é dada a título precarissimo e por última ressal­ta a prevalência do interesse público sobre o particular."

5. O imóvel objeto da reivindicação pelo Município de Belém e pela Coohasufpa, trata-se de um terreno acrescido de marinha, situado na Av. Peri­metral, s/n, nas proximidades do Campus da Universidade Federal do Pará UFPA, com área de 70.935,12m2, memorial descritivo da área, fl. 85, avalia­do em R$ 1.832.963,50, Fate, fls. 77/79.

RSTJ, a. 16, (183): 27-73, novembro 2004

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

6. Constam dos autos que consultada a Prefeitura Municipal nos termos do art. 100 do Decreto-Lei n. 9.760, de 05 de setembro de 1946, pela Gerência Regional do Patrimônio da União/PA, através do Of. n. 259/2002-GRPU, de 29 de maio de 2002, o Município de Belém apresentou impugnação, ressaltan­do que a área solicitada já estava incluída em projeto de urbanização, ane­xando (fls. 99/118) documentos que noticiam a implantação e execução, por seu intermédio, do "Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal", no âmbito do Programa Habitar Brasil/Bid, e que por esse projeto serão bene­ficiadas 609 famílias carentes, fls. 94/98.

7. Antes de adentrar ao mérito do Recurso Administrativo interposto pelo Município de Belém, submetido à apreciação desta Consultoria Jurídi­ca, há de receber recurso observando o princípio da ampla defesa, previsto no art. 5ll

, inciso LV, Constituição Federal e nos arts. 56 e 57 da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, porquanto não existe previsão legal de recurso contra parecer jurídico.

7.1. Desse modo, recebe-se o recurso do Município de Belém/PA contra a decisão da Secretária do Patrimônio da União, fi. 124, que acolheu a manifes­tação da GRPU/PA, fl. 122, no sentido de considerar o pedido de cessão Muni­cipal improcedente.

7.2. Vejamos a decisão da Senhora Secretária do Patrimônio da União:

"Encaminhem-se os autos ao Excelentíssimo Sr. Ministro do Planejamen­to, Orçamento e Gestão, conforme proposto."

8. Superada a questão do item precedente, passa-se a apreciar o Recurso Administrativo do Município de Belém, sob os aspectos estritamente jurídicos.

9. A decisão do Sr. Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, foi exarada com fundamento no art. 100, § 5ll, do Decreto-Lei n. 9.760, de 05 de setembro de 1946, litteris:

'M. 100 A aplicação do regime de aforamento a terras da União, quan­do autorizada na forma deste Decreto-Lei, compete ao SPU, sujeita, porém, a prévia audiência:

§ 5ll Considerando improcedente a impugnação, o SPU submeterá o fato à decisão do Ministro da Fazenda."

10. Salvo melhor entendimento, nos autos constam duas situações que devem ser consideradas distintamente: uma de natureza administrativa e ou­tra de natureza jurídica.

10.1. Quanto à primeira (administrativa), a Secretaria do Patrimônio da

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO

União, acolheu manifestação da Gerência Regional, no exercício de sua com­petência, no uso do juízo da conveniência e oportunidade administrativa, se­guindo entendimento do Parecer Administrativo n. 883/Geane, de 13 de agos­to de 2002, fls. 123/124 e encaminhou minuta de despacho à consideração do Sr. Ministro de Estado, que por sua vez, após manifestação da Consultoria Jurídica, no uso de sua discricionariedade que é a margem de liberdade que remanesce ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de ra­zoabilidade, uma, dentre pelo menos duas decisões cabíveis diante do caso concreto. Nestes aspectos o Parecer/MP /Conjur/MAG/n. 2.519 - 5.1.1/2002, é irretocáveL

11. Quanto à segunda Gurídica), há de se analisar o recurso do Municí­pio sob os aspectos da supremacia do interesse público sobre o privado e o da discricionariedade administrativa.

12. O Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, em seu livro "Curso de Direito Administrativo," lIa e 14a edições, São Paulo - Sp, Malhei­ros Editores Ltda, 1999,2001, pp. 79/80 e 808, nos ensina que:

"O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse pri­vado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a pró­pria condição de sua existência. Assim, não se radica em dispositivo espe­cífico algum da Constituição. Ainda que inúmeros aludam ou impliquem manifestações concretas dele ... , o princípio em causa é pressuposto lógico do convívio social.

Violar um princípio é mais grave que transgredir uma norma. A desaten­

ção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obri­

gatório, mas a todo o sistema do comandos. É a mais grave forma de ilegalida­

de e inconstitucionalidade". (Destaque acrescido).

13. O termo discricionariedade nos traz a noção de que esta decorre da lei e existe limite à sua aplicação, não se confundindo com mero arbítrio do administrador que está adstrito ao princípio da legalidade, previsto na Cons­tituição Federal, art. 37, caput.

13.1. A propósito, é o citado Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, item 10.2, Edição de 2001, p. 821, que nos ensina, litteris:

"Discricionariedade é a margem de liberdade que remanesce ao admi­nistrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da

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REVISTA DO SUPERlOR TRlBUNAL DE JUSTIÇA

finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente

uma solução unívoca para a solução vertente.

Exposta a significação da discricionariedade administrativa, sem em nada lhe sonegar a verdadeira densidade e consistência lógica, percebe-se que se trata necessária e inexoravelmente de um poder demarcado, limitado, con­tido em fronteiras requeridas até por imposição racional, posto que, à falta delas, perderia o cunho de poder jurídico."

14. Delimitados os limites da discricionariedade, tem-se que a audiência contida no art. 100, alínea d do Decreto-Lei n. 9.760/1946, busca a manifes­tação prévia da municipalidade acerca de óbices ou impedimentos para even­tual concessão do aforamento a particulares buscando preservar algum even­tual direito de propriedade/domínio de que seja detentor o Município ou ain­da com relação a eventuais licenças/alvarás que tenha outorgado a possuido­res de imóveis na área, para viabilizar, por exemplo, o alinhamento das vias urbanas, não se prestando, todavia, para privar quem quer que seja do direito de preferência a aforamento gratuito.

15. Todavia, observando os arts. ()!l e 7° do Decreto-Lei n. 3.438, de 17 de julho de 1941 que dispõe, in verbis:

'fut. 6° Para a concessão do aforamento em face de direito preferencial preexistente o pretendente apresentará seu requerimento ao chefe do Serviço Regional instruído com os documentos comprobativos da preferência e um esboço, em papel transparente, que identifique a situação do terreno.

( ... )

Art. 7° A seguir serão consultados, simultaneamente sobre a conveniên­cia do aforamento, por meio de oficio do Serviço Regional.

a) a Prefeitura Municipal do lugar em que estiver situado o terreno,

C .. ) ;

§ 4° A impugnação da Prefeitura será atendida sempre que a concessão prejudicar a realização de melhoramentos públicos, inclusive os de urbaniza­ção e serviços de utilidade pública, em via de execução, projetados ou em estudos nas suas repartições técnicas, cumprindo que, neste caso, seja indica­da a espécie do melhoramento ou serviço.

15.1. Desta forma pode-se concluir que o pleito da Prefeitura Municipal

de Belém, encerra regime de exceção à regra geral da audiência do art. 100,

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JURISPRUDÊNCIA DA PRlMElRA SEÇÃO

alínea d do Decreto-Lei n. 9.760/1946, porquanto há um projeto de urbaniza­

ção, anterior ao pedido do Reco7Tido. (Destacou-se).

16. Ademais, nos autos constam que, em 29 de maio de 2002, através do Ofício n. 259/2002, quando o Sr. Gerente da GRPU - PA, dirigiu-se à Prefei­tura Municipal de Belém consulta nos termos do art. 100 de Decreto-Lei n. 9.760/1946, fl. 92, dos autos, em sua resposta às fls. 94/98, através do Ofício n. 158/02-PMB, de 13 de junho de 2002, o Município informou que: "Embora o ofício a que se responde não mencione com precisão a localização do imó­vel do qual se pretende o aforamento e também não indique a pessoa física ou jurídica, que pleiteia a enfiteuse, a planta que veio anexada ao mesmo ofício, deixa claro que se trata do mesITIÍssimo imóvel que está sendo objeto de pedi­do de cessão para o Município de Belém, através do Processo n. 0501O.000022/20025-44-GRPU/PA. .. No pedido de cessão estão esclarecidos os motivos que levaram o Município de Belém a requerer a área em questão já que nela se pretende executar parte de um grande projeto urbanístico como é o Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce-Pantanal."

16.1. Por conseguinte, a existência de um processo de pedido de ces­são do imóvel pela Prefeitura Municipal de Belém, anterior à audiência do art. 100 do Decreto-Lei n. 9.760/1946, justifica a aplicação do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. Este princí­pio originário de uma construção doutrinária, vide item 12 deste parecer, se violado ou transgredido, importa em uma ofensa maior de que uma transgressão à norma.

17. Quanto ao parecer Administrativo Seone n. 003/02, de 23 de abril de 2002, fls. 83/85, que se manifestou da seguinte forma, à luz da documentação apresentada pela Cooperativa à GRPU/PA: "Pelo exposto, conclui-se que os documentos comprobatórios da sucessão da área constantes dos autos, não

consubstanciam a preferência ao aforamento com base no art. 105, inciso 40.

do Decreto-Lei n. 9.760/1946. Porém, a preferência ao aforamento, indepen­dente do pagamento do preço correspondente ao valor do domínio útil, encon­tra-se amparada pelo que preceitua o arto. 50. I, do Decreto-Lei n. 2.393/1987, combinado com o art. 215 do Decreto-Lei n. 9.760/1946 e art. 20 do Decreto­

Lei n. 3.438/1941, já que os registros das ocupações, procedidos no ano 1946, foram efetivados pelo então Serviço de Patrimônio da União, com o acata­mento ao declarado pelos ocupantes, quanto ao início das ocupações com ocorrência no ano de 1939, tanto que foram procedidas as cobranças das taxas a partir daquele ano."

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18. Apesar do dispositivo legal do art. 20, do Decreto-Lei n. 3.438/1941, presumidamente conceder preferência ao aforamento em favor da citada Coo­perativa, este preceito legal há de ser mitigado pelo citado princípio de direito público e da exceção à regra geral, ver itens 15 e 15.1. precedente.

19. Já quanto ao citado art. 5°, inciso 1, do Decreto-Lei n. 2.393/1987, o caput do artigo encerra uma exceção ao inciso, senão vejamos:

''Art. 5° Ressalvados os terrenos da União que, a critério do Poder Executivo, venham a ser considerados de interesse público conceder-se-á o aforamento.

I- Independente do pagamento do preço correspondente ao valor do do­mínio útil, nos casos previstos nos arts. 105 e 215 do Decreto-Lei n. 9.760/ 1946" (destaque acrescido).

19.1. Vejamos o Ofício n. 017/2002-PMB, de 05 de fevereiro de 2002, que não deixa dúvida quanto ao caráter social do pleito do Município, fi. 1, do Proces­so n. 05055009/000 1-13, apenso: "O Município de Belém vem executando um projeto denominado Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal ... , no âmbito do Programa Habitar Brasil do Banco Interamericano de Desenvolvi­mento - BID, vinculado à Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano, da Presidência da República."

20. Com relação à dominialidade da área, cumpre ressaltar que à fi. 43, a então Delegacia do Patrimônio da União, em 20 de outubro de 1989, manifestou-se da seguinte forma: "Em conseqüência da inscrição, que não gera qualquer direito ao ocupante sobre o terreno, ou a indenização por construção e/ou benfeitorias realizadas, esta certidão não pode ser levada a registro no cartório de registro de imóveis que tiver jurisdição sobre a área em questão."

20.1. Caso a SPU reconheça a boa-fé da ocupação da área, que remonta há 17 de janeiro de 1946, fi. 53, dos autos, e o direito da Coohasufpa na forma do art. 20 do Decreto-Lei n. 3.438/1941, existe possibilidade de indenização das benfeitorias por acaso realizadas, na forma do § 2° do art. 20 do Decreto­Lei n.3.438/1941, in verbis:

''Art. 20. Aos atuais posseiros e ocupantes é permitido regularizar sua situação, requerendo o aforamento do terreno até 16 de outubro do corrente ano.

§ 2° Se o interesse público exigir a ocupação de ten-enos aforados nos termos do parágrafo anterior ... As benfeitorias acaso existentes, e que te-

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JURlSPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO

nham sido realizadas pela entidade atingida, deverão ser indenizadas de acordo com a legislação que regula a desapropriação por interesse público. (Destaque nosso).

( ... );'

21. Porquanto os Entes Federativos estão adstritos ao princípio da legali­dade estrita, prevista no art. 37 da Constituição Federal, recomenda-se à SPU observar no correspondente contrato com o Município de Belém - PA, caso acatado o presente opinamento, que qualquer indenização em decorrência da cessão ficará a cargo do Cessionário.

21.2. É o Professor Hely Lopes MeireUes, em seu livro "Curso de Direito Municipal Brasileiro", 7a edição, São Paulo - Sp, Malheiros Editores Ltda, 1990, pp. 267 e 271, que ensina:

''A realização de obras públicas de interesse local é de competência do Município, constituindo uma das atribuições mais relevantes do governo

comunal...

A responsabilidade civil pelos danos da obra pública surge do só fato de sua realização, bastando que a vítima demonstre o nexo causal entre a obra e os prejuízos suportados. A Administração só se libera dessa responsa­bilidade comprovando a culpa exclusiva da vítima, ou a ausência de relação entre a obra e o dano. É regra do art. 37, § 6D., da CF, que consagrou a responsabilidade objetiva do Poder Público e de seus delegados pelos atos lesivos aos particulares."

21.3. Ressalte-se que a aplicação do citado princípio de prevalência do interesse público sobre o privado não significa que o particular deve supor­tar o prejuízo que deve ser distribuído por toda a coletividade e sendo o Programa Habitar Brasi1!BID, um plano de desenvolvimento local de obras do Município, este ente deverá suportar as indenizações porventura devidas à Cooperativa.

22. Embora o Sr. Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Ges­tão tenha proferido despacho, publicado no Diário Oficial, ver item 3, deste parecer, pela concessão do aforamento à Coohasufpa, a Administração Públi­

ca pode rever seus atos.

22.1. Neste sentido ensina o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, em seu livro "Curso de Direito Administrativo", 14a edição, São Paulo­Sp' Malheiros Editores Ltda, 2001, p. 397, litteris:

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"A revogação tem lugar quando uma autoridade, no exercício de compe­tência administrativa, conclui que um dado ato ou relação jurídica não atende ao interesse público e resolve eliminá-la a fim de prover de maneira mais satisfatória às conveniências administrativas.

Pode-se conceituá-la do seguinte modo: revogação é a extinção de um ato administrativo ou de seus efeitos por outro ato administrativo, efetuada por razões de conveniência e oportunidade ... "

23. Deste modo conclui-se que há amparo legal para revisão da decisão proferida no Despacho Ministerial, fls. 239/240. Ademais, o despacho admi­nistrativo, decisões que as autoridades executivas proferem em papéis, reque­rimentos e processos, não se presta para transferir direitos e obrigações aos administrados, ao contrário de portaria ministerial.

24. Por último, reconhecendo não ser da competência desta Consultoria Jurídica, emitir juízo de conveniência e oportunidade dos atos administrativos em geral, recomenda-se o retorno dos autos à SPU, para na forma do seu regimento interno, art. In, incisos X e XVIII, da Portaria n. 272, de 16 de novembro de 2001, se acatadas as razões aduzidas neste parecer, modificar sua decisão, propondo ao Sr. Ministro a cessão ao Município de Belém.

25. Posto isso, opina-se pelo conhecimento e provimento do Recurso do Município de Belém, com proposta de revogação do Despacho publicado no Diário Oficial da União, Seção 1, em 18 de dezembro de 2002, fl. 240, item 23, deste parecer, e retorno dos autos à Secretaria do Patrimônio da União, para emissão de juízo de conveniência e oportunidade, observando as razões

. aduzidas neste parecer e se acatadas, elaborar a Portaria Autorizativa de Ces-são, nos termos solicitados, ao Município de Belém, a ser subscrita pelo Sr. Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão".

Ora, onde a infringência ao devido processo legal, quando se reexaminou pretensões, defesas, documentos e provas já constantes nos dois processos que de­ram origem à decisão.

Saliente-se que esses dois processos administrativos tiveram ampla participa­ção das partes, argumentações apresentadas e analisadas, sem que, em tempo al­gum, tenham sido apontados como inexistentes, inválidos ou ineficazes.

É de toda procedência, a respeito, os comentários de Sérgio Ferraz e Adil­son Abreu Dellari, in "Processo Administrativo", Malheiros, pp. 174 e 175, so­bre o pedido de reconsideração administrativa. Afirmam:

"Merece destaque a conveniência desse tratamento normativo. Pode

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO

ocorrer que, ao decidir, tenha a autoridade cometido algum equívoco, não tenha notado algum elemento de prova de fundamento suficiente para alte­rar o sentido ou o conteúdo da decisão proferida. Em nome da economia processual e do princípio da eficiência, é sempre conveniente evitar trâmi­tes desnecessários. Assim, em face do tratamento dado ao recurso, fazendo com que se abra preliminarmente uma possibilidade de reconsideração, em alguns casos será possível evitar a tramitação do recurso interposto, obtendo-se a melhor satisfação dos interesses tanto do recorrente quanto da Administração Pública".

Por último, observo que nos dois processos administrativos são discutidos inte­resses vinculados ao mesmo imóvel:

a) no da impetrante, está sendo buscada a concessão de aforamento, com impugnação da prefeitura e, conseqüentemente, pedido de reconsideração do ato administrativo, no que foi atendida;

b) no da prefeitura busca-se, por conseqüência, afastado o aforamento, a ces­são do terreno para implantar Projeto Urbanístico, o que, para tanto, já emitiu decreto de desapropriação, por utilidade pública e interesse social, das benfeitorias existentes no referido terreno.

Há, também, a fragilizar a alegação da impetrante, a disposição legal do art. 100, letra d, do DL 9.760, de 05.09.1946, a determinar que:

'M. 100. A aplicação do regime de aforamento a terras da União, quan­do autorizado na forma deste Decreto-Lei, compete ao SPU, sujeita, porém, à prévia audiência:

a) .. .

b) .. .

c) .. .

d) das Prefeituras municipais, quando se tratar de terreno situado em zona que esteja sendo urbanizada.

§ 1 D. A consulta versará sobre zona determinada devidamente ca­racterizada.

§ 2Q OS órgãos consultados deverão se pronunciar dentro de 30 (trinta dias) do recebimento da consulta, prazo que poderá ser prorrogado por outros 30 (trinta dias) quando solicitado, importando o silêncio em assentamento à aplicação do regime enfitêutico na zona caracterizada na consulta.

§ 3Q As impugnações, que se poderão restringir a parte da zona sobre que

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haja versado a consulta, deverão ser devidamente fundamentadas.

§ 4° O aforamento, à vista de ponderações dos órgãos consultados, pode­rá subordinar-se a condições especiais".

A revogação do ato de aforamento, ora questionado, além de imprimir pre­ponderância ao interesse público (implantação do Projeto de Urbanização da Pre­feitura) corrige a irregularidade do procedimento anterior.

Isso posto, por não visualizar direito líquido e certo à impetrante de obter, como requerido, suspensão dos efeitos do ato de revogação do aforamento que lhe foi concedido, denego a segurança.

É como voto.

RETIFICAÇÃO DE VOTO (Em parte) (complementação de Voto)

O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros (Relator): Sra. Ministra-Presidente, a cooperativa impetrante é uma cooperativa habitacional, que não está pretenden­do especular, como disse o Sr. Ministro José Delgado no final do voto. Ela deseja, sim, construir casas para seus sócios, funcionários humildes da universidade. A prefeitura quer desconstituir o direito de uso, simplesmente para não indenizá-lo. Quer indenizar somente o que foi construído na parte superior.

Do longo e erudito voto que acabamos de ouvir, restou-me a impressão de que o Ministro José Delgado examinou outros atos - que não aqueles do mandado de segurança contra ato ministerial, relativo à desconstituição de direito real de uso, existente há mais de três lustros (quinze anos, até hoje).

O Ministro José Delgado julgou o direito de o Município desapropriar o terre­no - tema que não está nos autos.

Os autos que examinei diziam:

"a) a impetrante adquiriu, em 1988, o direito de uso relativo a terreno pertencente à União Federal;

b) ao uso corresponde taxa de ocupação;

c) incorporou várias benfeitorias ao terreno, tais como limpeza e terra­planagem. Além disso, cercou a gleba com um muro. Depois, implantou tubo, destinado a drenar o terreno;

d) feito isso, em 1996, contratou a construção de quatorze casas das quais onze já foram recebidas;

e) em 2000, providenciou a construção de energia elétrica, concluída em junho desse ano;

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JURlSPRUDÊNCIA DA PRlMElRA SEÇÃO

f) ainda no ano 2000, providenciou a implantação de rede fornecimento de água, já concluída;

g) em 25 de janeiro de 2002, o Município de Belém declarou de utilidade pública as benfeitorias implantadas no terreno, no propósito de desapropriá­lo e utilizá-lo como um projeto habitacional;

h) a desapropriação exclui indenização pelo direito de uso do terreno, nem mesmo o gasto da impetrante, com a aquisição de tal direito;

i) a impetrante, no propósito de restringir custos, requereu à União Fede­ralo aforamento gratuito do terreno, nos termos do DL n. 3.438/1941. Foi atendida nessa pretensão: em 17 de novembro de 2002, o Ministro do Planeja­mento concedeu o aforamento (DL n. 9.760/1946, art. 100, § 5!l);

j) em paralelo ao pedido da ora impetrante, o Município de Belém soli­citara a cessão do terreno. Essa solicitação foi indeferida. No entanto, o Muni­cípio reiterou o pedido, solicitando reconsideração. A reconsideração foi indi­retamente praticada. O Ministro, sob o falso argumento de que a impetrante estaria em débito, revogou a concessão do terreno, embora reconhecendo que a outorga tenha, para sua beneficiária, considerável valor econômico;

1) a revogação, diz a impetrante, agride a garantia inscrita no art. 2!l da Lei n. 9.784/1999, segundo a qual, os atos administrativos obedecem aos princípios da legalidade, fmalidade, motivação, razoabilidade, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

O mandado de segurança impetrado se materializaria na desconstitui­ção do ato impugnado, determinando-se a formalização do aforamento.

Nas informações, o Sr. Ministro pede a extinção do processo, porque não há nos autos, cópia do ato impugnado."

O Sr. Ministro José Delgado afirma que a impetrante pediu a suspensão do processo. Realmente, há certa atecnia, pois se diz que é nulo e pede-se a suspensão. Ora, a conseqüência do nulo é maior do que a da suspensão. De qualquer forma, acompanharia o voto de S. Exa ., ou seja, faria a suspensão, mas faria utilizando a jurisprudência do Tribunal de Justiça Desportiva de Goiás, que, em 1960, suspen­deu um funcionário por tempo indeterminado mais trinta dias.

As informações reiteram a legalidade da revogação, dizendo:

"1. ela foi praticada no julgamento de uma impugnação formulada pelo Município, em seu âmbito da competência. Em verdade, o Ministro pode mo­dificar a outorga, se - em seu juízo discricionário - ela era inadequada;

RSTJ, a. 16, (183): 27·73, novembro 2004

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2. tal juízo de mérito é exclusivo do Ministro e não se submete ao contro­le do Poder Judiciário;

3. o ato malsinado baseou-se no parecer da Consultoria Jurídica indica­do pela impetrante;

4. a impetrante dispunha de mera expectativa de direito a aforamento oneroso;

5. não houve cerceamento de defesa, porque a decisão foi publicada no Diário Oficial;

6. "sempre que a Administração revoga ato discricionário seu, essa revo­gação, evidente, é discricionária, também. Se discricionária, é efetuada se­gundo avaliação de conveniência e oportunidade." O Judiciário não pode ava­liar tais critérios;

7. em 17 de dezembro de 2002, o Sr. Ministro decidiu que "considerando as informações técnicas constantes dos autos dos processos de constituição de aforamento e de cessão ns ..... e ... , respectivamente, e a manifestação da Se­cretaria do Patrimônio da União julgando improcedente a impugnação apre­sentada pela Prefeitura Municipal de Belém para a concessão do aforamento em apreço decido, com fundamento do art. 100, § 5° do DL n. 9.760/1946, pela concessão do aforamento à Cooperativa Habitacional dos Servidores da Universidade Federal do Pará e, conseqüentemente, pelo indeferimento do pleito de cessão formulado pelo Município de Belém."

8. essa decisão foi objeto de recurso interposto pelo Município. Tal recur­so foi examinado à luz do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e decidido sob o crivo da discricionariedade;"

Quanto ao princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, pen­so que o emérito e venerável Professor Celso Antônio Bandeira de Mello deve rever sua pregação. Todos sabemos que esse é um princípio fundamental do Totali­tarismo, que inspirou tanto Hitler e Mussolini quanto Stalin. Os extremos se encon­tram. A teor de semelhante cânone se o interesse público decidir confiscar-me a casa, o Judiciário não terá a ver com isso, porque tudo é discricionário. A Adminis­tração outorgou o habite-se para minha casa, mas pode revogar o ato após 25 anos, apenas porque o interesse público.

Nos autos não se examina o projeto, mas o ato. Diz-se: "A outorga da conces­são criou mera expectativa de direito".

Na verdade, a concessão data de 1988, e o pedido foi para transformá-la em gratuita, pura e simplesmente. Não posso ignorar o direito da cooperativa,

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO

que é o dos funcionários públicos também, e não o de potentados. Ela não vai vender as casas.

A Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999 diz, no art. 3.0:

"O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:

I - ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facili­tar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações;

II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles con­tidos e conhecer as decisões proferidas;

IH - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente;

IV - fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigató­ria a representação, por força de lei."

Não se diz que é comunicada por publicação. No caso, não se trata de coope­rativa de ciganos. A entidade tem endereço certo e foi intimada por edital, por publicação no Diário Oficial.

O art. 26 afirma:

"O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determi­nará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências."

O referido artigo afasta a eficácia da publicação que se disse intimatória pelo Diário OficiaL

Os §§ 1.0, 2.0 e 3.0 dispõem:

"§ 1.0 A intimação deverá conter:

I - identificação do intimado e nome do órgão ou entidade administrativa;

n - finalidade da intimação;

IH - data, hora e local em que deve comparecer;

IV - se o intimado deve comparecer pessoalmente, ou fazer-se representar;

V - informação da continuidade do processo independentemente do seu com­parecimento;

VI - indicação dos fatos e fundamentos legais pertinentes.

§ 2.0 A intimação observará a antecedência mínima de três dias úteis quanto à data de comparecimento.

RSTJ, a. 16, (183); 27-73, novembro 2004

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§ 3f1 A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado."

Esse é o devido processo legal, que não foi cumprido no caso.

Prossigo:

"§ 4f1 No caso de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicí­lio indefinido, a intimação deve ser efetuada por meio de publicação oficial.

§ 5 f1 As intimações serão nulas quando feitas sem observância das pres­crições legais, mas o comparecimento do administrado supre sua falta ou irregularidade.

Art. 27. O desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado.

Parágrafo único. No prosseguimento do processo, será garantido direito de ampla defesa ao interessado.

Art. 28. Devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse."

Vinculei-me nos arts. 3f1, 26 e 50. Termino por dizer:

"Superada a questão processual, a segunda questão haveria que ser decidi­da à luz do documento de fi. 19, em que a Secretaria do Patrimônio da União ratificou a transferência dos direitos de ocupação, à ora impetrante, inscreven­do-a como ocupante, impondo-lhe taxa de ocupação, em valor fixo. Isso ocor­reu em 20 de outubro de 1989. Este direito de ocupação não foi cassado, nem foi impugnado pelo Município, até porque já é antigo.

A discussão de que resultou o ato impugnado girou em tomo de pretensão ao aforamento gratuito, ... "

Por isso, concedo a segurança e altero o voto para suspender o ato por tempo indeterminado.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Francisco Falcão: O mandamus decorre da concessão do aforamento ao impetrante de terreno de marinha, localizado no Município de Belém do Pará.

O direito de ocupação do aludido terreno teria sido adquirido pelo impetran-

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JURISPRUDÊNCIA DA PRlMEIRA SEÇÃO

te, objetivando a construção de diversas casas para os servidores da Universidade do Pará, posteriormente foi apresentado o referido pedido de aforamento.

O Município, em paralelo ao pedido do impetrante, pleiteou a cessão do mes­mo terreno, tendo-lhe sido negado o pedido, num primeiro momento, e depois, após pedido de reconsideração, sendo-lhe deferida a cessão e revogado o aforamen­to ao impetrante.

Tenho que as circunstâncias apontam para a concessão do wlit pretendido.

A revogação do aforamento do imóvel que havia sido concedido ao impe­trante, não foi precedida de procedimento administrativo, não sendo ouvido o impetrante, sendo-lhe negado o devido processo legal, contrariando o que dispõe a Lei n. 9.784/1999, a qual regula o processo administrativo no âmbito da Admi­nistração Pública Federal.

Tais as razões expendidas, acompanho, em seus termos integrais o voto do nobre Ministro-Relator.

É o voto-vista.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Castro Meira: Pedi vista dos autos para melhor exame, sobretu­do, em face da divergência embasada no voto-vista do Ministro José Delgado, pela denegação da segurança. Os demais Ministros acompanharam o voto do Relator, Ministro Humberto Gomes de Barros, que concedeu a segurança.

Para melhor esclarecer as razões do meu convencimento, faço breve explana­ção, seguindo a ordem cronológica em que ocorreram os fatos mais relevantes nos presentes autos.

Antes do ajuizamento deste mandado de segurança, no ano passado, o Muni­cípio de Belém ajuizou ação de desapropriação por utilidade pública e por interesse social contra a ora Impetrante e Professores da Universidade Federal do Pará, tendo por objeto as benfeitorias edificadas em terreno de propriedade da União (Processo n. 2002.39.00.002218-0). Nos autos respectivos, foi concedida imissão de posse, após a realização do depósito pelo expropriante. No momento, pendente de deci­são, até 15.06.2003, consta o Ag n. 2003.01.00.015351-5, sendo agravante a Impe­trante e agravado o Município de Belém - PA.

Em 28.02.2003, foi ajuizado o presente mandamus contra ato praticado pelo Sr. Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão que revogou a concessão de aforamento de imóvel da União em favor da Impetrante e indeferira o pedido de cessão formulado pelo Município de Belém (fi. 98). A decisão administrativa teve

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fundamento no parecer MP/Conjur/JAn. 0093 5.9.9/2003, que tem a seguinte ementa:

"Recurso administrativo impetrado pelo Município de Belém, impugnan­do termos do Parecer/MP /Conjur/Mag/n. 2.519 - 5.1.1/2002, que orientou decisão do Sr. Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, no indeferi­mento de recurso de pleito do Município de cessão de imóvel da União, e concedendo o aforamento à Coohasufpa. Pelo conhecimento do recurso e pro­vimento, com recomendação de encaminhamento dos autos ao Gabinete do Sr. Ministro, com proposta de revogação de despacho ministerial e retorno dos autos à SPU, para que o administrador emita um novo juízo de conveniência e oportunidade" (fi. 62).

Constata-se que o pronunciamento do órgão jurídico foi proferido em autos de Processo Administrativo relativamente volumoso, já que em sua segunda folha faz referência às fis. 241-247. Do mesmo modo, também se pode inferir que não se trata de decisão tomada aleatoriamente, mas adotada em função de recurso inter­posto pelo Município de Belém contra a decisão proferida pelo Ministro do Planeja­mento, Orçamento e Gestão, em 17.12.2002, publicado no DOU do dia seguinte.

Nos presentes autos, a Impetrante deduziu os seguintes pedidos:

"a) que seja concedido o beneficio da justiça gratuita por ser a Autora

pobre na forma da lei;

b) que seja concedida liminar inaudita altera parte, suspendendo o ato impugnado, determinando que a GRPU/Pará proceda o aforamento em favor da autora;

c) in fine, suspenda definitivamente o ato contra o qual se insurge a

Autora, por ser absolutamente desprovido de amparo legal" (fi. 8).

A medida liminar foi concedida em decisão que traz os seguintes fundamentos:

"Não é razoável que uma decisão de primeiro grau prejudique MS reque­rido ao STJ.

Em tal circunstância, defiro provisoriamente a segurança, para suspen­der a imissão do Município na posse da gleba ou, se essa já estiver consuma­da, determinar a reintegração da ora impetrante na posse do imóvel.

Admito o Município de Belém, como litisconsorte passivo.

Efetuem-se imediatamente as intimações, para efetivar-se, de pronto, a reintegração ora determinada ou suspenderem-se eventuais atos preparatórios

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da imissão na posse" (fi. 155 e verso).

Contra essa decisão, foi interposto agravo regimental em que se pede a sua reforma, à consideração de tratar-se de decisão nula, por afronta aos arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil, já que não houvera qualquer postulação da Impe­trante em relação à ação expropriatória em tramitação na Vara Federal sediada na capital paraense. De fato, o pedido liminar deduzido neste mandado de segurança cinge-se à suspensão do ato ministerial e à determinação ao órgão do SPU no Pará para que promova o aforamento da área questionada em favor da Impetrante. Caberá ao Juízo Federal da Vara competente do Pará decidir sobre a ação de desa­propriação que lhe foi distribuída, inclusive quanto ao deferimento, ou não, de imissão de posse, com recurso o TRF/1 a Região. O STJ, nesse momento, não tem competência para decidir em relação a esse processo que não tem relação direta com o presente mandamus. Ademais, é pacífico que não cabe mandado de segu­rança contra ato judicial de que caiba recurso (art. 5Ll, H, da Lei n. 1.533/1951). Se fosse o caso, a competência não seria do STJ, mas do colegiado regional. Em conseqüência, pronuncio-me pela revogação da medida liminar.

Examino o pedido definitivo.

O voto proferido pelo eminente Relator concedeu a segurança para declarar nulo o ato impugnado, por ofensa às regras da Lei n. 9.784/1999, anulando'o processo a partir do pedido de reconsideração formulado pelo Município.

A decisão considerada ofensiva a direito líquido e certo tem supedâneo em diversos incisos do § 1Ll do art. 2Ll da Lei n. 9.784/1999, que dão esteio à ampla defesa e ao respeito ao princípio do contraditório nos processos administrativos no âmbito federal, e no 131 c.c. art. 105 do Decreto-Lei n. 9.760, de 15.09.1946, que lhe asseguraria direito adquirido ao aforamento.

Como já assinalado, o ato impugnado foi proferido no bojo de processo admi­nistrativo no qual foi interposto recurso pelo Município de Belém. Diante dessa circunstância, seria indispensável o exame dos autos respectivos para verificar a ocorrência dos vícios apontados pela Impetrante, o que se mostra impossível no caso em tela. Em princípio, o ato afigura-se de plena higidez. Embora deferido o pedido de aforamento em favor da Impetrante e denegado o pedido de cessão de área pública em favor do Município de Belém, este usou da faculdade legal de recorrer à autoridade administrativa, expondo os fundamentos de sua irresignação, que vieram a ser acolhidos. O recurso administrativo é expressamente admitido no art. 56, § lLl, da Lei n. 9.784/1999.

A inversão da situação, anteriormente favorável à Impetrante, ocorreu sem que se encontre vulneração do devido processo legal. Trata-se de decisão de um

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REVISTA DO SUPERlOR TRlBUNAL DE JUSTIÇA

recurso administrativo, regularmente adotada dentro do processo administrativo. Foi interposto por parte legítima, a autoridade administrativa era competente, a forma aparenta ser regular, o ato mostra-se suficiente motivado no interesse público.

Embora as informações iniciem falando apenas em revogação, em outro tópi­co não deixa dúvida quanto à existência de dois processos administrativos no item 19 que assim se inicia:

"Inconformado com a decisão do Sr. Ministro de Estado do Planeja­mento, Orçamento e Gestão, o Município de Belém impetrou novo recur­so, firmado por seu Secretário Municipal de Assuntos Jurídicos e pelo Sr. Prefeito Municipal, alegando ... " - fi. 87.

As teses adotadas no parecer e nas informações estão estribadas em argumen­tos jurídicos relevantes com a presunção de higidez de que gozam os atos adminis­trativos que somente devem ser anulados com esteio em prova da ocorrência de vício ensejador de sua anulação. Os esclarecimentos prestados são suficientes para afastar a alegação de ter ocorrido as violações apontadas na presente impetração ou, no mínimo, tomá-las duvidosas. É que as duas decisões adotadas pelo Ministé­rio do Planejamento, Orçamento e Gestão, através de seus titulares, foram proferi­das em dois processos administrativos, que estão citados em ambos os atos dos Srs. Ministros: 05010.000651/2001-93 e 05010.000022/2002-44.

Estão ausentes nos autos as peças que integram o processo administrativo e o recurso administrativo que obteve provimento pelo ato impugnado. Isso toma im­possível um aprofundamento da análise sobre a regularidade do ato administrativo increpado de ilegal na via angusta da via eleita.

Desse modo, peço vênia para discordar do voto do Relator ao concluir:

'1\s informações dão conta de que o Ministro, ao examinar o pedido de reconsideração derrogou, automaticamente, a concessão, sem ouvir previamen­te seu beneficiário. O direito de defesa teria sido homenageado com a publica­ção do ato revocatório, no Diário Oficial".

Na verdade, a autoridade impetrada reconhece a revogação do ato adminis­trativo e também faz referência à publicação no Diário Oficial, esclarece ainda que a decisão impugnada foi tomada ao apreciar recurso administrativo do Município de Belém, ora recorrente. É certo que não ficou esclarecido se a Impetrante foi intimada a oferecer contra-razões como recorrida. Entretanto, essa nulidade sequer foi alegada pela Impetrante.

Cuida-se de terreno acrescido de marinha, integrante do domínio da União. Segundo a impetrada, no processo em que deu provimento ao recurso administrati-

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO

vo, O Município recorrente demonstrou que já havia incluído essa área em seu projeto de urbanização, no qual se acham documentos juntados pela própria Impe­trante, como cópia do Diário Oficial do Município de Belém, Carta de Intenção do Reitor da UFPA, Memória da Reunião entre o Reitor da UFPA, representantes da Coohasufpa e do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, onde se lê que "para a

área em questão já existe um projeto desenvolvido pela Prefeitura de Belém desde 1997'. (fi. 61).

Foi dentro desse conjunto de circunstâncias que a autoridade impetrada exa­minou o recurso do Município de Belém, reconhecendo a prevalência do interesse público sobre o privado, nos limites da discricionariedade que lhe é reservada para a prática dos atos administrativos de sua competência.

Em suma, impõe-se a cassação da medida liminar deferida nestes autos, que obsta o regular andamento da ação de desapropriação que tramita na instância ordinária, ante a ausência de pedido nesse sentido e à evidente incompetência desta Corte para decidir sobre a regularidade de ato processual praticado no primeiro grau de jurisdição, ora pendente de apreciação pelo órgão de segundo grau competente.

Quanto ao pedido definitivo, constato que se trata de decisão emanada de autoridade administrativa competente que deu provimento a recurso administra­tivo, no âmbito de processo administrativo regular, aparentando achar-se regular, sendo impossível maior aprofundamento da espécie, à míngua de elementos pro­batórios. Infere-se que o processo administrativo tem mais de duzentas folhas, mas a Impetrante não se preocupou em trazer certidão de inteiro teor ou requerer a sua requisição para demonstrar o seu alegado - mas não provado - direito líquido e certo.

Ante o exposto, peço vênia ao ilustre Relator e aos demais pares para cassar a medida liminar, acolhendo o agravo regimental do litisconsorte passivo, e denegar a segurança, acompanhando o voto do Ministro José Delgado.

É como voto.

173 RSTJ, a. 16, (183): 27-73, novembro 2004 I